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Novas Regras de Tributação em Criptoativos em Portugal

O mundo está cada vez mais digital, e todos os dias apercebemo-nos de mudanças que entram de rompante no nosso dia. A economia digital tem vindo a intensificar-se, e uma das suas vertentes é indiscutivelmente o mundo dos criptoativos. Atendendo à adesão crescente dos investimentos através de criptoativos, existiu uma urgência global por partes dos Estados para legislar esta realidade emergente.

Contudo os desafios são vários, tratando-se de um mercado livre, sem qualquer regulação ou entidade supervisora, torna-se um desafio para os países controlarem esta nova tendência. Tem havido um crescente empenho por parte da União Europeia para legislar as operações que envolvam este tipo de ativos e a legislação começa a surgir de forma a tapar o vazio existente até à data.

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Como é sabido, Portugal tem ficado conhecido como o “eldorado” para os investidores de criptoativos, esse destaque deveu-se essencialmente à ausência de tributação de mais-valias originadas pelas transações com este tipo de ativos. Nos recentes dados divulgados pelo Banco Central Europeu (BCE) em dezembro do ano passado, constata-se que 5% da população portuguesa está na posse de criptoativos, valor acima da média europeia que se situa nos 4%. Portugal destaca-se ainda como um dos países com maior uso de criptoativos, quer seja com a finalidade de investir ou de efetuar pagamentos, com uma taxa de 26%, estando atrás da Itália com 30% e a Eslovénia com 28%.

Até há bem pouco tempo, o entendimento por parte da Autoridade Tributária portuguesa, que remontava a 2016, sobre esta matéria, referia que quando as mais-valias eram obtidas por pessoas singulares e fora do âmbito de uma atividade empresarial ou profissional, não eram tributados em sede de IRS, pois não havia qualquer norma de incidência objetiva que permite-se a sua tributação. Colocando assim numa “zona cinzenta” a tributação dos rendimentos gerados por este tipo de ativos.

Já se sabia que esta ausência de tributação não iria durar para sempre e com a aprovação do Orçamento de Estado para o ano de 2023, introduziu-se um novo enquadramento fiscal aplicado aos criptoativos, que irá abranger o IRS, o IRC e o Imposto sobre Património. Este novo enquadramento tem como objetivo regular e estimular ainda mais a cripto economia, tornando Portugal um país mais “Crypto-Friendly”.

Este novo enquadramento vem de encontro às orientações internacionais, onde se inclui a proposta do Parlamento Europeu e do Conselho, apresentadas a 5 de outubro de 2022, que regula os mercados de criptoativos bem como as novas estruturas de relatórios fiscais para criptoativos lançada pela OCDE em agosto do ano passado - Crypto-Asset Reporting Framework (“CARF”), que prevê a comunicação automática de informações fiscais sobre transações com este tipo de ativos de forma padronizada, visando igualmente atender aos padrões globais de combate ao branqueamento de capitais, ao financiamento do terrorismo e ao financiamento da proliferação de armas de destruição maciça, baseando-se na regras emanadas pela Financial Action Task Force (FATF).

Com base nisto, introduz-se pela primeira vez na legislação fiscal portuguesa a noção de criptoativo. Esta noção indica que são considerados cripto ativos “Toda a representação digital de valores ou direitos que possa ser transferida ou armazenada eletronicamente recorrendo à tecnologia de registo distribuído ou outro semelhante”, esta definição deixa de fora os NFT’s (non-fungible token).

Em sede de IRS as mudanças visam essencialmente o enquadramento dos rendimentos provenientes deste género de transações na categoria B - Rendimentos empresariais e profissionais, categoria E – Rendimentos de capitais e na categoria G - Incrementos patrimoniais.

No que concerne a Categoria B, passam a considerar-se como rendimentos originários de uma atividade comercial e industrial os decorrentes das “operações de emissão de criptoativos, incluindo a mineração, ou a validação de transações de criptoativos através de mecanismos de consenso.” Aos rendimentos decorrentes de atividades destinadas a este tipo de operações são aplicadas as taxas progressivas, que variam entre os 14,5% e aos 48%, conforme decorre atualmente das regras aplicadas a esta categoria de rendimentos.

Sempre que o desenvolvimento desta atividade, enquadrada na categoria B, reúna os pressupostos para a aplicação do regime simplificado, serão aplicados novos coeficientes. Aplicar-se-á o coeficiente de 0,15 sobre as operações com criptoativos, com exceção da mineração, e o coeficiente de 0,95 sobre a atividade de mineração.

Acredita-se que o legislador, através da aplicação do coeficiente de 0,15 às atividades com criptoativos, onde se inclui o trading, pretende incentivar a profissionalização desta atividade, pois ao aplicar-se este coeficiente significa que 85% do rendimento proveniente desta atividade fica excluído de tributação em sede de IRS. Importante ainda referir, que os rendimentos de capitais e de mais-valias imputáveis às atividades geradoras de rendimentos empresariais, também são atraídos para a categoria B, aplicando-se neste caso o mesmo coeficiente estabelecido para a atividade de mineração, ou seja, 0,95.

CATARINA ROSADO, SUPERVISORA DA FINPARTNER

Ainda no âmbito da categoria B, o legislador definiu uma “exit tax”. A “exit tax” neste contexto implica a equiparação a uma alienação onerosa sempre que se verifique a cessação da atividade por parte do sujeito passivo, bem como, no caso da perda da qualidade de residente em território português.

No que respeita à Categoria E, foi alargado o escopo passando agora a incluir como rendimento desta categoria, quaisquer formas de remuneração provenientes de operações com criptoativos, mas geradas pela mera aplicação de capital, de forma passiva, ou seja, não sejam consideradas geradas no âmbito de uma atividade regular e corrente. Neste caso a tributação a aplicar será de 28%, caso o sujeito passivo não opte pelo englobamento. Caso opte pela tributação através do englobamento as taxas a aplicar serão as taxas progressivas de IRS.

Ressalvamos ainda, que se a remuneração decorrente das operações com criptoativos ocorrer sobre forma de criptoativos, neste caso fica afastada a tributação como rendimentos de capitais, sendo a mesma posposta para o momento de alienação dos criptoativos recebidos, atendendo às regras das mais-valias.

Foi ainda incluída uma dispensa de retenção na fonte sobre os rendimentos de capitais que decorram de operações com criptoativos.

Também a Categoria G foi alvo de alargamento do escopo, passando agora a incluir no conceito de mais-valia a “Alienação onerosa de criptoativos que não constituam valores mobiliários”. A este tipo de rendimentos a tributação a aplicar é a de 28%.

Contudo, é de grande importância salientar, que é estabelecida uma exclusão de tributação aplicável aos rendimentos provenientes da alienação onerosa de criptoativos quando resultem de criptoativos detidos por um período igual ou superior a 365 dias. De referir igualmente, que a exclusão é aplicada a essas mais-valias e que naturalmente as perdas que advém de criptoativos detidos há mais de um ano também não serão considerados no cálculo das mais-valias globais a pagar.

Nota-se, neste caso, uma semelhança ao regime que foi imposto sobre as mais-valias mobiliárias decorrentes de operações com ações, obrigações e outros valores mobiliários, com o qual o Governo visou promover o agravamento da tributação das mais-valias especulativas detidas por um período igual ou inferior a um ano, aplicando a estas o regime de englobamento obrigatório.

À semelhança do que explicamos para a categoria E, também na categoria G, estão excluídos de tributação as operações cujas contraprestações das alienações assumam a forma de criptoativos. Neste caso, atribui-se aos criptoativos recebidos o valor de aquisição dos criptoativos entregues (na prática uma assemelha-se a uma permuta).

NÃO IRIA DURAR PARA SEMPRE E COM A APROVAÇÃO DO ORÇAMENTO DE ESTADO PARA O ANO DE 2023, INTRODUZIU-SE UM NOVO ENQUADRAMENTO FISCAL APLICADO AOS CRIPTOATIVOS, QUE IRÁ ABRANGER O IRS, O IRC E O IMPOSTO SOBRE PATRIMÓNIO"

Foi também incluída uma norma anti-abuso que deita por terra a aplicação destas exclusões, quando os rendimentos auferidos provenham de entidades residentes em países de tributação privilegiada, os denominados paraísos fiscais. Também as menos valias decorrentes de operações com entidades sediadas em paraísos fiscais não serão tidas em consideração no cômputo global.

No âmbito da categoria dos Incrementos Patrimoniais a “exit tax” aplicar-se-á aquando da alteração de residência, apurando-se como valor de realização o valor dos criptoativos à data de alteração de residência.

Olhando agora para o IRC, constata-se que ao contrário das alterações previstas para o IRS, o legislador foi mais “tímido”. Tendo-se limitado a transpor o para o IRC os novos coeficientes de tributação introduzidos no IRS, a serem aplicados às empresas que se enquadrem no regime simplificado de tributação, a saber:

- 0,95 para os rendimentos provenientes da atividade de mineração,

- 0,15 dos rendimentos relativos a criptoativos com a exclusão dos provenientes da mineração, que não sejam considerados como rendimentos de capitais, nem resultado positivo de mais e menos valias dos restantes incrementos patrimoniais.

Por outro lado, às entidades abrangidas pelo regime geral do IRC, aplicam-se as regras gerais do respetivo Código. Deixando em aberto várias questões no que toca ao reconhecimento e valorização destes criptoativos, que permanecem na “zona cinzenta”.

Na perspetiva do imposto sobre o património é introduzida a tributação das transmissões gratuitas de criptoativos (como por exemplo o caso das doações) que passam a ser sujeitas à taxa de 10%, desde que os mesmos se encontrem depositados em instituições com sede em Portugal. No caso das doações mantém-

-se a aplicação das isenções previstas para os cônjuges, unidos de factos, descendentes ou ascendentes.

É igualmente introduzida a incidência de Imposto do Selo sobre as comissões e contraprestações por ou com intermediação de prestadores de serviços de criptoativos, em linha com o aplicável à generalidade das operações financeiras, sujeitando-as a uma taxa de 4%. Atendendo ao facto de que no ano de 2022, ocorreu em Portugal, a primeira aquisição de um imóvel com criptomoedas, o legislador passou a prever que o valor dos criptoativos dados em troca numa operação de aquisição deverá ser considerado para a determinação do valor constante do ato ou do contrato sobre o qual irá incidir o IMT e é determinado o Imposto de Selo.

MUITAS FORAM AS VOZES QUE SE LEVANTARAM SOBRE ESTE NOVO ENQUADRAMENTO FISCAL

Desde o sector bancário que se expressou de uma forma bastante crítica, referindo que este regime beneficia claramente o mercado dos criptoativos em detrimento do mercado de capitais dito “normal”, destacando as assimetrias de tributação no IRS aplicado a criptoactivos versus outros investimentos. Uma das assimetrias mais gritantes, é sem dúvida a tributação das mais-valias. Tal como referido anteriormente, podendo ser aplicada a exclusão de tributação sobre as mais-valias que advenham de criptoativos, facto que não se verifica quando se fala de tributação de mais-valias de outros instrumentos de capitais.

Já a Federação das Associações de Cripto-Economia (FACE) elogia a iniciativa do Governo, mas refere que subsistem dúvidas e que serão necessárias clarificações adicionais à lei de forma a aclarar o estatuto fiscal de que em exerce atividades relacionadas com criptoativos.

Já a CMVM, vê esta legislação com bons olhos, referindo que este novo enquadramento fiscal vem trazer mais certezas e previsibilidade aos investidores e aos agentes que trabalham nesta área. De salientar que a CMVM continua a não ter poder regulatório sobre esta matéria com excepção das situações em que os criptoativos configuram valores mobiliário ou derivam de valores imobiliários. Aliás a falta de regulação é um dos maiores riscos inerentes a esta nova realidade, pois não existe forma de proteger os investidores.

As regras fiscais estabelecidas com a entrada em vigor do Orçamento de Estado de 2023, vem colmatar o vazio que existia na nossa legislação. Contudo, não sanam todas as dúvidas existente para além de suscitarem novas, pelo que será certamente desafiante para os contribuintes, mas também para as autoridades fiscais operacionalizar a sua aplicação num ecossistema tão disruptivo e volátil como é o dos criptoativos. ▪

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