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Recusa terapêutica, autonomia das mulheres na assistência ao parto e conflitos interpretativos entre CFM e MPF
O CFM publicou em setembro/2019 a Resolução 2.232/2019, estabelecendo normas éticas para a recusa terapêutica por pacientes e objeção de consciência na relação médico-paciente. A polêmica maior está na parte em que a resolução trata da recusa terapêutica manifestada por gestante, recomendando ao médico sua rejeição caso entenda caracterizado abuso de direito da gestante em relação ao feto, nos termos do disposto no §2º do art. 5º, a seguir transcrito:
“§ 2º A recusa terapêutica manifestada por gestante deve ser analisada na perspectiva do binômio mãe/feto, podendo o ato de vontade da mãe caracterizar abuso de direito dela em relação ao feto”.
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Poucos dias depois, ainda em setembro/2019, o MPF expediu a Recomendação n.º 44/2019, assinada por 16 procuradores da República de 09 Estados, pela qual recomendou ao CFM que revogasse a disposição sobre recusa terapêutica manifestada por gestante, retirasse a assistência ao parto do âmbito de incidência da Resolução e se abstenha de empregar outras ações contrárias à autonomia das mulheres.
Em contrapartida, o CFM publicou em seu Portal Corporativo (08/11/19) nota de esclarecimento à sociedade, pela qual reiterou fundamentação ética e legal da Resolução nº 2.232/2019, manifestando que a polêmica em torno de trechos da Resolução é absolutamente infundada, resultado de uma interpretação enviesada, que desconsidera os avanços previstos na regra. Em relação às gestantes a nota expõe que “a recusa terapêutica não deve ser aceita pelo médico única e exclusivamente quando caracterizar abuso de direito em relação ao bebê” e que nestes casos “o médico deverá comunicar o fato ao diretor-técnico que o encaminhará às autoridades competentes (Ministério Público), as quais acionarão o Poder Judiciário, cabendo a esse a decisão final se a vontade da gestante pode ser caracterizada como abuso de direito”, sendo que “em nenhum momento a Resolução autoriza o médico a realizar tratamento à força na gestante”.
Não obstante ao conteúdo da nota de esclarecimento à sociedade, o Ministério Público Federal já havia ajuizado, um dia antes (07/11/19), a Ação Civil Pública nº 5021263- 50.2019.4.03.6100, pela qual objetiva a revogação do já citado §2º de seu artigo 5º, bem como decretação de ineficácia dos artigos 6º e 10º para a assistência e atendimento ao parto, os quais dispõem:
AUGUSTO GARCEZ DUARTE OAB/SC 20.589 Advogado
HEVERTON ROSSATO ROSSDEUTSCHER OAB/SC 21.475 Advogado
CURRÍCULO • Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI (2004); • Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade do Vale do Itajaí -
UNIVALI (2006); • Pós-graduado em Gestão e Direito Tributário pela Faculdade Anita Garibaldi. (2007); • Pós-graduado em Direito Médico pelo Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA; • Membro da Comissão de Direito Médico da OAB Subseção de Itajaí.
CURRÍCULO • Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI (2004); • Pós-Graduado em nível de especialização em Direito do Trabalho e preparação à magistratura do trabalho, pela Associação dos Magistrados do Trabalho da 12ª
Região – AMATRA (2008); • Pós-graduado em Direito Médico pelo Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA; • Membro da Comissão de Direito Médico da OAB Subseção de Itajaí; • Membro da Comissão de Direito da Saúde da OAB Seccional de Santa Catarina.
“Art. 6º. O médico assistente em estabelecimento de saúde, ao rejeitar a recusa terapêutica do paciente, na forma prevista nos artigos 3º e 4º desta Resolução, deverá registrar o fato no prontuário e comunicá-lo ao diretor técnico para que este tome as providências necessárias perante as autoridades competentes, visando assegurar o tratamento proposto”.
“Art. 10. Na ausência de outro médico, em casos de urgência e emergência e quando a recusa terapêutica trouxer danos previsíveis à saúde do paciente, a relação com ele não pode ser interrompida por objeção de consciência, devendo o médico adotar o tratamento indicado, independentemente da recusa terapêutica do paciente”.
No dia 17/12/2019 o Juiz Federal Hong Kou Hen, da 8ª Vara Cível Federal de São Paulo, deferiu o pedido de medida liminar para o fim de suspender a eficácia do § 2º do artigo 5º e suspender parcialmente a eficácia dos artigos 6º e 10º da Resolução CFM nº 2.232/2009, estes somente em relação à assistência e atendimento ao parto. Determinou ao CFM, ainda, ampla divulgação desta decisão à classe médica, inclusive com publicação em sua página oficial da internet e dos conselhos regionais, sob pena de multa diária. A decisão consignou, entretanto, que somente o risco efetivo à vida ou saúde da gestante e/ou do feto deverá ser considerado como justificativa legal para afastar a escolha terapêutica da gestante em relação ao parto. O processo ainda está em trâmite, não tendo sido proferida sentença definitiva.
Observe-se que muito embora a decisão judicial tenha suspendido a eficácia de disposições da Resolução CFM nº 2.232/2019 relativas à rejeição da recusa terapêutica da gestante em relação ao parto por caracterização de abuso de direito, não retira a possibilidade de avaliação da eficácia de tal recusa quando presente situações de risco efetivo à vida ou saúde da gestante e/ou do feto. Ao que nos parece, os entendimentos das entidades em litigio não são contraditórios entre si, mas complementares, de forma a garantir a autodeterminação consciente e esclarecida da gestante nas escolhas terapêuticas, porém restringindo o exercício de tal direito quando presentes situações de efetivo risco à vida ou saúde da gestante e/ou do feto, o que deve estar bem caracterizado, justificado e documentado no prontuário no caso concreto, como forma de prevenir o médico e a instituição de acusações futuras de desrespeito à autonomia da gestante.
KÁTIA LODDER DE MOURA OAB/SC 20.611 Advogada
CURRÍCULO • Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI (2003); • Pós-graduada em Direito Médico e
Hospitalar pela Escola Paulista de
Direito – EPD (2018); • Pós-graduanda em Direito Imobiliário pela Universidade de Santa Cruz do
Sul – UNISC. GUSTAVO BECKER KRUMMENAUER OAB/SC 22.012 - Advogado CURRÍCULO • Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI (2005); • Formação na Escola do Ministério
Público de Santa Catarina (Epampsc/
Univali-2006); • Pós-graduado em direito tributário (Uniderp/Anhanguera-2011) • Pós-graduado em direito marítimo e portuário (Univali-2014); • Membro da comissão de direito médico da OAB Subseção de Itajaí. VANESSA CAROLINI DE LIMA OAB/SC 43.539 Advogada
CURRÍCULO • Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI (2015); • Pós-Graduada em Direito Processual
Civil pela Universidade do Vale do
Itajaí – UNIVALI (2017). JOÃO PEDRO MOREIRA PAGANELLA OAB/SC 50.643 Advogado
CURRÍCULO • Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI (2018); • Mestrando em Direito Transnacional das Migrações pela Universidade do
Vale do Itajaí – UNIVALI.
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