12 minute read

Moda: ela é nossa amiga? 28 Uma produção menos poluente

Fernanda Ruiz resultado de anos de discussões e evolução de um setor que já entendeu que o modelo está falido e com sua curva descendente irreversível. As marcas já compreenderam que os que não mudarem seu estilo de produzir e comercializar não sobreviverão.

“Cabe ao consumidor, cada vez mais, exigir as ações de transformação”.O Brasil pode e deve ser um dos líderes nessa regeneração da indústria da moda. “Não podemos pensar em crescimento infinito, enquanto na verdade, vivemos em um planeta com recursos naturais finitos, como o petróleo, que é de onde sai o poliéster, a matéria-prima mais utilizada pela indústria da moda. O dia da sobrecarga na terra vem se antecipando a cada ano, mostrando que estamos administrando muito mal os recursos naturais que o planeta é capaz de regenerar”, completa Eloisa.

Advertisement

Na avaliação de Damylla Damiani, consultora de estilo da espresa Damyller, a questão da redução do uso único do plástico é a mais fácil de ser alcançada: “Além de trabalhar a reciclagem como grande foco, é fundamental

O olhar de incerteza define essa industria

que nós passamos a substituir o plástico por outros materiais à base de algodão por conta das microfibras que vão parar no oceano”. Outras metas demandam mais investimento tecnológico e podem demorar mais.

Mesmo assim, para Yamê Reis, o Brasil pode e deve ser um dos líderes nessa regeneração da indústria têxtil: “Somos o quarto mercado produtor e consumidor de moda, além de termos uma biodiversidade riquíssima a ser explorada de forma sustentável, e que pode ser muito rentável ao país”.

Temos os grandes desafios do pilar social e econômico, além do ambiental no que diz respeito à sustentabilidade. A urgência climática, em vez de frear a economia têxtil, pode ser um incentivo para quem souber se adaptar às novas demandas da sociedade da moda. A produção do algodão agroecológico de estrutura familiar, produzido sem agrotóxicos, por exemplo, é um dos caminhos.

Uma produção menos poluente

Como a indústria têxtil reduz o impacto no meio ambiente? Muitos não imaginam seus danos para o meio ambiente

por MARCOS SAAD

A wwf (World Wide Fund for Nature) afirma que o ramo têxtil emite cerca de 1,7 bilhão de toneladas de dióxido de carbonoanualmente. No ano de 2017, foi descoberto que são bem poucas as empresas que trabalham para desenvolver peças de roupas com a tecnologia, com o propósito de diminuir a grande quantidade de poluentes eliminados no planeta Terra e reduzir as lavagens.

O agravante de tudo é que o consumo de roupas aumenta a cada ano e a indústria têxtil vê neste comportamento uma oportunidade para aumentar ainda mais sua produção.

Em meio a este preocupante cenário, surge uma questão: será que as indústrias de roupas podem fazer algo para diminuir o impacto que causa ao meio ambiente? A seguir, nós levantamos algumas das principais alternativas que a indústria pode aproveitar para ter uma produção menos poluente.

O excesso causa o desuso, daí vem o abandono

Uso de matéria-prima ecológica

A redução dos danos causados começa na matéria-prima a ser escolhida. A indústria da moda pode apostar no algodão orgânico, que não leva pesticidas e outros produtos que prejudicam o meio ambiente.

Cera de abelha

A graxa pode ser um grande problema, sendo que é comumente utilizada na maioria das máquinas industriais e em vários processos. Uma boa alternativa é substituí-la pela cera de abelha, natural e não-prejudicial.

Fibra da proteína da soja

O algodão também pode ser trocado por um fio alternativo, como é o caso da fibra de proteína da soja. Ela é derivada de produtos que não contaminam o ambiente no momento em que é produzida, pois seus resíduos podem ser reaproveitados posteriormente como ração para animais. Os filtros são importantes para evitar que partículas e gases acabem chegando à atmosfera. É indispensável para quase todas

O ramo têxtil emite cerca de 1,7 bilhão de toneladas de co2

as indústrias que produzem o dióxido de carbono como resíduo de seu processo produtivo. A água é um elemento muito utilizado durante a confecção de peças de roupas, tanto que, seu uso exacerbado, se encontra entre um dos maiores impactos ambientais que a indústria têxtil causa, junto a eliminação de dióxido de carbono. O ideal é que as empresas façam investimentos em equipamentos que permitam reutilizar e tratar a água.

Atenção ao uso da eletricidade

A eletricidade também faz parte do processo produtivo de uma empresa que produz roupas. No entanto, é preciso focar em máquinas e equipamentos que usem menos energia elétrica e apostar em alternativas simples para a fábrica, como a presença de sensores que apagam as luzes automaticamente quando não há mais nenhuma pessoa no local.

Bruno Siqueira

A MODA DESCOLADA DA REALIDADE

Indústria da moda tem dificuldade em traçar compromissos climáticos e contra o desmatamento

texto JULIANA AGUILERA imagens GABRIEL DE MOURA

Aindústria da moda é responsável por 4% das emissões globais dos gases de efeito estufa, se interliga com diversos problemas socioambientais como desmatamento, contaminação de solo e água, conflitos em relação a propriedade da terra com povos originários, uso de fontes não renováveis e geração de resíduos ao longo de toda sua rede produtiva. E, ainda sim, ela parece descolada da urgência climática e ambiental.

Na sua quarta edição, o Índice de Transparência da Moda Brasil (itmb) aponta para o desenvolvimento na divulgação de dados sobre transparência no setor, mas deixa claro que ainda falta muito para chegarmos onde deveríamos estar. Elaborado pelo Fashion Revolution cic e Instituto Fashion Revolution Brasil, o relatório revela o nível de publicação de dados sobre política, práticas e impactos socioambientais de cinquenta grandes marcas e varejistas no mercado brasileiro.

Ao todo, a análise abarca mais de 200 indicadores, como clima e biodiversidade, circularidade, igualdade de gênero e racial e respostas à covid. O itmb pontua que, apesar de a transparência não significar diretamente sustentabilidade, ela é uma ferramenta extremamente importante para jogar luz ao longo de todas as etapas da rede de valor da indústria da moda – da extração da matéria-prima ao descarte – e responsabilizar as empresas e governos pelo que está acontecendo.

Em 2021, o progresso em relação à transparência na indústria da moda brasileira continua muito lento, com uma queda de 3% em relação à 2020. O documento afirma que a mudança metodológica pode ter influenciado no desempenho geral e individual – a mudança aconteceu para “impulsionar uma maior divulgação sobre ações concretas em detrimento de políticas, assim como a publicação de listas de fornecedores mais precisas no nível de matéria-prima”. Mas também deixa claro que em nível global a mesma revisão não afetou tanto as marcas como no Brasil.

A pontuação média das empresas foi de 18%, sendo as maiores pontuadoras: C&A (70%), Malwee (66%), Renner (57%), Youcom (57%) e Adidas (53%). A maior parte destas marcas se

A indústria de roupas domina a natureza

concentram na faixa de 0 à 10% e, entre elas, 17 zeraram a pontuação. São elas: Besni, Brooksfield, Caedu, Carmen Steffens, Cia. Marítima, Colcci, Di Santinni, Fórum, Kyly, Leader, Lojas Avenida, Lojas Pompéia, Marisol, Moleca, Nike, Sawary e tng. Apesar de pontuarem melhor entre as empresas, as 4 primeiras tiveram uma decaída de 42% em comparação ao ano de 2020, já a Adidas estreou na análise brasileira neste ano. Essa edição segue a tendência das anteriores, na qual as marcas conseguem pontuar mais nas categorias de políticas e compromissos sobre direitos humanos e questões ambientais (30%) e pontuam significativamente menos quando se trata de processos, resultados e impactos de suas ações. Por exemplo: publicações de listas detalhadas de fornecedores (21%), informações sobre governança corporativa (20%) e procedimentos de devida diligência e avaliações de fornecedores (15%). Quando falamos sobre combate ao trabalho escravo, igualdade de gênero e racial, materiais sustentáveis, circularidade, água, desmatamento, emissões de carbono e uso de energia, a média fica ainda mais baixa (12%).

Apenas em setembro de 2021, a Amazônia perdeu, diariamente, uma área maior do que quatro mil campos de futebol, registrando a pior marca mensal em dez anos. A indústria da moda tem peso sobre esses números: segundo um estudo da Canopy, mais de 200 milhões de árvores no mundo todo são cortadas todos os anos para se transformarem em celulose solúvel e, logo, em fibras como viscose, rayon, modal e liocel. Enquanto isso, o Cerrado é a região com maior concentração de fazendas de algodão e tem sofrido intenso desmatamento desde a década de 80 – o bioma perdeu cerca de 50 mil quilômetros quadrados de vegetação nativa nos últimos 10 anos.

A área desmatada é transformada em plantação de soja, que tem o algodão como cultura rotativa, e para o gado, cujo couro é utilizado em roupas, sapatos e acessórios. Todos esses lucrativos negócios do agro são, hoje, a grande e principal causa de desmatamento da Amazônia e demais biomas. Apesar desse cenário, o itmb registrou que nenhuma das 50 marcas analisadas divulga um compromisso mensurável para o desmatamento zero. O índice global, apesar de melhor avaliado, ainda é desanimador: somente 10% das marcas possuem compromissos sobre esse tópico divulgados.

Ao falar de desmatamento, é difícil não comentar do genocídio que vem acontecendo aos povos indígenas. Desde a promessa feita de não demarcar nenhum hectare a mais para os povos indígenas, ainda em tempos de campanha e que tem sido cumprida, à tramitação do pl 490/2007, com o dispositivo do Marco Temporal, os povos indígenas vêm sendo atingidos pelos retrocessos ambientais. O itmb chama atenção para um “claro movimento contra o bem-estar do planeta e da humanidade”, mostrando que a moda é passiva nesse cenário.

Estúdio fotográfico decorado

Moda e desmatamento

Para Eloisa Artuso, co-responsável pela elaboração do itmb, enquanto a pandemia parou a economia mundial e provocou uma redução de quase 7% nas emissões globais, o aumento das emissões de gee (Gases de Efeito Estufa) no Brasil, em 2020, foi de 9,5%, devido ao desmatamento – que por sua vez, pode estar atrelado à produção de diversas matérias-primas usadas na moda. Diante desse cenário, é surpreendente que nenhuma marca analisada no itmb (Índice de Transparência da Moda Brasil) 2021 publique um compromisso mensurável e com prazo determinado para o desmatamento zero. Além disso, somente três empresas (6%) divulgam evidências de implementação de práticas agrícolas regenerativas e 14% publicam se estão rastreando a fonte de uma ou mais matérias-primas específicas”.

Aliado à questão do desmatamento, o índice inclui, nesta edição, a temática da agricultura regenerativa. O itmb afirma ser um “sistema de princípios e práticas agrícolas que reconstroem a matéria orgânica e restauram a

biodiversidade do solo”. Ele também relembra que a maioria das marcas dependem diretamente das matérias-primas para sua produção – mas apenas 6% das marcas possuem evidências de implementar práticas agrícolas regenerativas em pelo menos uma fonte de matéria-prima. Práticas agrícolas regenerativas são praticadas por comunidades de todo mundo há milhares de anos e tem o potencial de neutralizar o aquecimento do globo e fortalecer a biodiversidade e conectividade ecológica.

Compromisso com a Questão Hídrica

Das 50 grandes marcas e varejistas respondentes do Índice de Transparência da Moda Brasil: 30% publicam a pegada hídrica de instalações próprias, 12% publicam resultados de testes de efluentes de seus fornecedores, 10% publicam pegada hídrica das instalações de beneficiamento e/ou processamento, 2% publicam a pegada hídrica no nível de matéria-prima. A água é um tópico relevante para a moda por dois motivos: cuidado com o descarte correto após ser manuseada nos processamento e

Decoração com natureza morta beneficiamento de têxteis e no consumo hídrico. A água utilizada na fabricação de roupas utiliza-se de químicos que, quando manuseados e descartados de forma inadequada, podem causar danos à saúde dos trabalhadores, das comunidades próximas e do meio ambiente. O itmb traz dados do Instituto Trata Brasil que apontam que, no ano de 2019, apenas 49,1% dos esgotos do Brasil foram tratados.

A água contaminada afeta os habitats da vida aquática e a fertilidade do solo e, por sua vez, desenvolve problemas socioeconômicos para quem depende da terra e da água doce para sua subsistência. Cientes disso, o itmb adicionou um indicador ao Índice este ano em busca da divulgação dos resultados dos testes de efluentes da rede de fornecimento das marcas. Apenas 12% delas divulgam esses dados. É importante lembrar que a produção têxtil está associada não apenas à poluição da água, mas também ao agravamento de sua escassez. No geral, a produção têxtil utiliza uma enorme quantidade de água em vários estágios da rede de fornecimento – desde a produção das matérias-primas até o curtimento do couro e tingimento, tratamento e lavagem de tecidos.

Das 50 grandes marcas e varejistas respondentes do Índice de Transparência da Moda Brasil: 22% publicam compromisso mensurável de descarbonização, 22% metas, com base científica, cobrindo clima e/ou outros tópicos ambientais, 0% publica compromisso para o desmatamento zero, 32% publicam, anualmente, a pegada de carbono das próprias instalações, 18% a pegada de carbono da rede de fornecedores, 10% publicam, anualmente, a pegada de carbono no nível da matéria-prima, 30% divulgam a % de uso de energia de fontes renováveis nas próprias instalações, 2% divulgam dados de redução absoluta de consumo de energia na rede de fornecedores. Apesar da emergência climática, apenas algumas das marcas são transparentes nos tópicos relacionados ao clima e à biodiversidade: apenas 22% publicam um compromisso mensurável e com prazo determinado para a descarbonização. A urgência desse comprometimento aparece em dados recentes sobre a crise climática, como os números anunciados no último relatório do ipcc (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). O relatório aponta que cada uma das últimas quatro décadas foi sucessivamente mais quente que a anterior desde o ano de 1850. Enquanto 62% das marcas pesquisadas globalmente divulgam as emissões de carbono de suas próprias instalações, somente 32% das empresas analisadas no Brasil divulgam esse dado. Esse valor é extremamente baixo, mas ainda maior do que em 2020, quando as marcas pontuaram apenas 25%. O itmb releva que, conforme se avança na rede produtiva, esses dados se tornam mais escassos: apenas 18% das marcas publicam, anualmente, a pegada de carbono de seus fornecedores de nível 1.

This article is from: