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A influência japonesa no Brasil
Nessa entrevista com o embaixador e presidente honorário da Japan House, Rubens Ricupero, temos uma ideia aprofundada sobre questões econômicas e culturais sobre o Japão, trazendo uma visão ampliada sobre a Japan House
por GIULIA MARTINS
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Rubens Ricupero tem muitas histórias para contar. Dono de um vasto currículo, Ricupero foi ministro da Fazenda e embaixador do Brasil nos Estados Unidos, entre outros cargos importantes. É professor da faap e também presidente honorário da Japan House São Paulo. Sempre solícito, ele encontrou um tempo para receber a equipe da Polaris e dar a sua visão sobre a cultura e a influência japonesa no Brasil. Por que há tanta sintonia entre brasileiros e japoneses? Para entender é só ler, a seguir, os principais tópicos de seu depoimento.
Na sua percepção, como é o elo entre o Brasil e o Japão?
“O cotidiano brasileiro foi dominado tempos atrás pelos Jogos Olímpicos, que permitiram ressaltar um traço de união entre o Brasil e o Japão. Um jornalista americano que estava presente escreveu que, para ele, a popularidade do Japão no Brasil era um mistério incompreensível. Evidentemente, ele desconhecia o fato de que a comunidade japonesa é muito grande no Brasil, a maior fora do Japão, e que há uma simpatia enorme entre as duas Nações, sem ressentimentos históricos como os gerados pela Segunda Guerra Mundial.”
“As memórias que nós temos do Japão e dos japoneses são positivas, sempre foram. Eu, por exemplo, que nasci em São Paulo, posso dar meu testemunho. Tenho quase 80
Rubens Ricupero para a revista Polaris, 2023
Cine Nippon, fundado em 1959, na Rua Santa Luzia anos. Desde que eu era criança, quando se falava dos japoneses na minha casa era sempre de uma forma elogiosa, trabalhadores, sérios, disciplinados, que tinham introduzido no Brasil boa parte das hortaliças, das verduras, das frutas. E que antes dos japoneses não havia grande variedade de frutas, só algumas tropicais. E que tinha sido a pequena agricultura japonesa – e há esse lado bom social – que havia trazido todas essas inovações e aclimatizado no Brasil muita coisa”.
Sabemos que você irá lançar seu livro em breve, como está sendo o processo e desenvolvimento?
“Estou escrevendo sobre a contribuição da Diplomacia na construção do Brasil. Quando comecei o capítulo das cooperações internacionais que o Brasil recebeu nos anos 1970, na época do general Ernesto Geisel, afirmei que o projeto de cooperação de maior êxito que o Brasil jamais teve foi com a jica – a Japan International Cooperation Agency. No começo dos anos 70, a jica assinou um convênio com o Brasil para desenvolver a agricultura, basicamente a soja, na região do Cerrado. Pouca gente sabe que grande parte desse êxito que nós temos hoje na agricultura nasceu desse projeto.”
O que você pode dizer sobre a criatividade japonesa e a forma que ela se estabelece no Brasil?
“A cultura japonesa é muito criativa. Quando eu era adolescente, no começo dos anos 50, em São Paulo lançava-se de três a quatro filmes japoneses semanalmente. Isso ocorria no Centro e na área da Liberdade, atrás da praça João Mendes. Eu ia lá, gostava muito, lia as críticas. Havia até mesmo críticos especializados em cinema japonês. Eu tinha um amigo que era fascinado pela cultura japonesa e queria aprender a esgrima que eles fazem no Japão, o Kendo. Ele foi a uma escola. Ia todos os dias e fica- va olhando. Ninguém perguntava nada. Só depois de ele ter revelado persistência, de ter ido lá umas 15 vezes seguidas, foi que alguém se dirigiu a ele e disse que tinha notado o seu interesse. Foi quando ele começou a aprender, porque eles tinham esse sistema de testar as pessoas para evitar o fogo de palha, que faz todo mundo perder tempo.
No começo do aprendizado do Kendo, eles nem te dão a arma. São exercícios manuais. Depois, dão uma arma de madeira. É muito gradual. É preciso ter perseverança e conhecer esses meandros de uma cultura diferente.”
Sabemos como hoje em dia é difícil os jovens se interessarem por diferentes conteúdos. Você acredita que essa cultura possa trazer uma nova abordagem nesse aspecto?
“O maior desafio que existe hoje em dia é conseguir tocar nos corações e nas mentes dos jovens. Nos anos 70, eu fui diretor da divisão de cultura do Itamaraty e tive experiência com promoção de eventos. Não é tão difícil atingir pessoas maduras, que gostam de ler, ver filmes, com seus 40, 50 anos. Mas é diferente com gente muito jovem, que vive em um mundo próprio, com uma linguagem própria e tecnológica. O Japão é um dos raríssimos países que consegue atingir adolescentes do mundo inteiro. Vou dar um exemplo. A minha neta mais velha, de 16 anos, tem como principal interesse os mangás. Há anos, ela os coleciona e tem uma biblioteca enorme. Até convenceu a minha filha e o marido a levá-la ao Japão por causa dos quadrinhos. Mas se tentarmos apresentá-la a algo mais convencional, como museus europeus, ela não se interessa. Não é que não tenha cultura, mas ela está nesse comprimento de onda, ela e milhares de jovens. Alguns gostam dos mangás, outros de videogames, como mostra a loucura da febre do Pokémon Go.”
Você acredita que os mangás podem influenciar a cultura em países como o Brasil?
“O Japão pertence a uma categoria muito rarefeita de países: esses que são dream factories, as fábricas de sonhos. Os Estados Unidos têm sido há quase cem anos, através de Hollywood e da televisão, a grande fábrica de sonhos do mundo. Nós todos crescemos assistindo filmes americanos.
Os americanos inventaram esses repositórios de ideias, sonhos e valores, o que a diplomacia chama hoje de soft power, o poder da cultura no sentido mais amplo da palavra. Você se identifica com um país porque desde criança está acostumado com suas histórias. A Inglaterra se apoderou do rock americano, com bandas como Beatles e Rolling Stones. Já o Japão foi capaz de criar toda uma linguagem com os mangás, reinventando os quadrinhos com ideias e estilo próprios. Os japoneses têm esse poder de criar soft power e de atingir a juventude. Vejo na Japan House uma oportunidade de mostrar aos jovens que o Japão é uma terra para eles também; tem aquele lado extraordinário da cultura do passado, da arte tradicional, do teatro Nô, mas também inventa as novas linguagens do futuro e consegue se comunicar de uma forma direta e imediata. Acho que é isso que pode fazer da iniciativa a primeira dessas fundações que seja um sucesso entre os jovens, incentivando-os.”
Você comentou sobre o desenvolvimento do Japão em diversos quesitos. Você acha que o país possa servir de modelo para o Brasil?
“O Brasil precisa compreender que o Japão real é um país ecológico, que conseguiu eliminar a miséria, que tem uma sociedade pós-industrial. O Japão atual é o que o Brasil precisa ser para superar os seus problemas em termos de inovação, excelência, rigor no controle de qualidade de produtos. Por isso acredito que a Japan House é mais do que um ponto de contato; é um pedaço do Japão, um lugar para se viver esse Japão dos dias de hoje, explorar e descobrir sobre uma cultura que tem tanto para nos ensinar.”
Na sua visão, quais são as influências e experiências adquiridas ao visitar a Japan House?
“A Japan House deve ser uma porta de entrada para o Japão de hoje, um pedaço do Japão no coração de São Paulo. Assim, alguém que sai da avenida Paulista e entra nesse espaço deve sentir que deixa uma realidade para ingressar em outra – uma realidade humana e cultural singulares. É claro que há fatores óbvios que diferenciam os dois lugares, como a tradição, a cultura, a arte e a tecnologia avançada, mas é mais do que isso. O Japão tem uma maneira própria de viver, de encarar a vida. E a Japan House deve mostrar ao brasileiro e a qualquer visitante essa forma peculiar de ser, de gesticular, de sentar-se para uma refeição. É uma maneira de reaprender a viver. A Japan House tem que apresentar isso na sua atmosfera, permitir que os visitantes sintam como é estar no Japão, qual é a sensação de viver dentro de uma casa japonesa, com suas divisórias leves e seus ambientes flexíveis, com mais espaço e recolhimento. Tudo deve estar presente na Japan House como se fosse a própria essência do viver japonês. Portanto, o sentido da Japan House é de ser e manter essa parcela do Japão viva no coração da cidade de São Paulo.”
Criada pelo governo japonês, a Japan House está localizada em apenas três cidades, entre elas Londres, Los Angeles e São Paulo