4 minute read
ADRIANA NASCIMENTO | ENTRE MUNDOS
entre mundos adriana nasCimento
olho para a sobra vejo aquilo que me assombra aquilo que violenta que reproduz violência também em mim
Advertisement
encontro equilíbrio e retiro dele luz e sombra desafio que fortalece profundo e noturno em sonhos e pesadelos
sonhei que havia nascido um pênis em mim a primeira preocupação: - e se ficar duro? sonhei novamente com ele, duro…
noutro sonho vestia um fraque branco para ir a um casamento
em pesadelo, vi águas azuis caribenhas... nela, um casal trepava enquanto o homem a penetrava, também a afogava num gesto sádico e erótico ela não lutava… aceitava a morte de olhos arregalados assisti a cena em choque, acordei não apenas assustada, mas aterrorizada calada, quase como alma penada
percebi na visão distanciada ao mesmo tempo situada tanto o homem quanto a mulher éramos eu mesma personagens que compunham a cena na praia paradisíaca
olho para os sonhos e os pesadelos, sem reproduções busco neles horizontes, respiros, sentidos e desejos
Adriana Nascimento | São Paulo/ SP, Brasil | Reside em Ritápolis/MG, formada em Arquitetura e Urbanismo, é mestre em Urbanismo e doutora em Planejamento Urbano e Regional. Atualmente educadora e pesquisadora, atuando interdisciplinarmente com temáticas das artes, das urbanidades e políticas. Escreve por necessidade experimental. Escolheu participar da oficina por ter, junto das editoras da Revista Subversa, concebido a oficina como uma das ações do Programa de Extensão (R) urbanidades afro, latina e pan americanas e do grupo de pesquisa A.T.A.-UFSJ.
OFICINA SONHOS PANDÊMICOS URBANOS E RURAIS | 17
18 | REVISTA SUBVERSA
FaCes e Fases que me atraVessam : sonho, um luGar atemPoral de enContros inesPerados
lidiane CamPos VillanaCCi
Creio que os meus sonhos no início da pandemia refletiram as minhas angústias e medos, porém sobretudo minhas saudades. Li em algum lugar que no início da pandemia do Covid-19 as pessoas tiveram sonhos mais vividos e mais intensos. No tempo-espaço que meus sonhos criaram, as memórias de pessoas que nunca se viram ou coabitaram o mesmo lugar, estavam presentes ao mesmo tempo do espaço de sonhar. Acordava com a sensação de que tinha passado horas e horas proseando com diferentes pessoas que conheci ao longo da vida. Memórias de família se misturavam com as lembranças da adolescência que por sua vez habitaram as recordações escolares. Por muito tempo me perguntei por que sonhar com todas as pessoas ao mesmo tempo? Penso que a busca da real verdade por trás desse questionamento seria uma busca em algo inexistente ou sem sentido. O que posso afirmar em relação aos meus sonhos de início de pandemia é que as pessoas presentes compartilham uma única coisa além dos conteúdos com os quais sonhei, estávamos todos perante ao desconhecido e somos todos vulneráveis. Naquele momento havia pânico e medo, a vacina era só um sonho distante. Algumas pessoas estavam mais expostas ao vírus, outras eram mais vulneráveis. Porém estávamos todos em risco. Acho que essa é a característica que tanto nos meus sonhos no início da pandemia quanto no momento em que vivemos era o ponto em comum.
OFICINA SONHOS PANDÊMICOS URBANOS E RURAIS | 19
Uma narrativa ficcional das pessoas que não verei mais
Meu avô Celso, mesmo aos noventa e um anos de idade, era uma potência de vida. E acredito que como um bom contador de histórias, ele gostaria de ter sua história narrada. Aos noventa e um anos de vida, foi mais uma vítima do Covid-19. Segundo o boletim da cidade “obituado de noventa e um anos com comorbidades”. Mais um número no boletim, despersonificado, sem nome e sem importância. Mas não nessa narrativa. Aqui, o vô Celso é um bom bebedor de pinga e proseador. Talvez eu tenha herdado dele o hábito de falar demais e contar muitas histórias. Tem que ouvir muita prosa de velho pra ser a neta favorita, costumo brincar. Tive a alegria de ter por toda minha existência a companhia dos meus avós. Sorte essa que os netos de uma amiga, vítima do covid-19 aos cinquenta e poucos anos, não poderão ter. Aprendi muito com essa amiga, ela tinha uma energia incrível e muita sabedoria. A sabedoria também estava presente no contato com um professor querido, com quem pude ter a alegria de aprender história. Mais uma vítima do Covid-19, os ensinamentos dele foram silenciados. Os silêncios também tomaram conta dos instrumentos musicais de um amigo da adolescência, vítima do Covid-19 aos quarenta e poucos anos. Instrumentos silenciados, netos e filhos desamparados, ensinamentos que se perderam… as pessoas são mais que números nos boletins. Todas essas pessoas que conheci, e que provavelmente podem ter habitado algum momento nos espaçostempo que meus sonhos criaram, foram vítimas da pandemia do Covid-19. Elas não se conheciam, eram de origens e locais diferentes, porém lembro de vivências e conversas com todas elas.
Lidiane Campos Villanacci |Itajubá, Brasil | Reside em São João del-Rei, recém formada formada em Psicologia/UFSJ, faz parte dos mais de 14 milhões de desempregados no Brasil. Escreve para encontrar algum sentido nas efemeridades cotidianas. Escolheu participar da oficina para trocar experiências de escritas.
20 | REVISTA SUBVERSA
aGradeCimentos
Agradecemos a equipe do Inverno Cultural da Universidade Federal de São João Del Rei, a Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários - PROEX, ao grupo de pesquisa A.T.A., em especial à Maria Cristina e a todas as participantes da Oficina Sonhos Pandêmicos Urbanos e Rurais, que compartilharam seus sonhos e suas vivências conosco.
contato.subversa@gmail.com ata@ufsj.edu.br
OFICINA SONHOS PANDÊMICOS URBANOS E RURAIS | 21