THE PRESIDENT

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Edição 30 • sEtEmbro 2017 • FREDDY RABBAT

THEPrEsidEnT EDIÇÃO 30 SETEMBRO/OUTUBRO/NOVEMBRO 2017

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Freddy rabbat CEO da TAG Heuer Brasil

TIME IS MONEY

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editorial

F

reddy Rabbat é um dos nomes mais respeitados no mercado de luxo do Brasil. O homem à frente da Montblanc no país por mais de duas décadas – ele inaugurou a primeira butique da grife alemã nas Américas, na rua Oscar Freire, em São Paulo –, e que hoje responde pelo comando local da TAG Heuer, conversou com THE PRESIDENT. Durante duas horas, fez um resumo bem-humorado de sua carreira. E analisou com precisão de relojoeiro suíço os principais acertos e erros dos protagonistas desse mercado. Freddy, executivo experiente, sabe que ir contra a corrente da tecnologia é insensato. Ele deixa isso claro ao lembrar que somente as relojoarias de raro apuro artesanal, com montagem de ínfimas peças à mão, produção mínima e acabamento riquíssimo poderão descartar a fabricação de smartwatches. Sim, os relógios inteligentes, capazes de ligar o dono com o mundo ao longo de 24 horas. Parece não haver dúvidas: os smartwatches vieram para ficar. Assim como a impressão em 3D. Surgida em 1984 – que outro ano? –, nos Estados Unidos, demorou três décadas para se tornar uma tecnologia do dia a dia. Hoje, produz o que seria impensável 30 anos atrás, como revela a reportagem de Fernando Figueiredo Mello, que termina com um vaticínio: a próxima revolução será o envio, pela internet, de “códigos de objetos”. Uma vez recebida a mensagem, os tais objetos, transferidos por meio da nuvem, serão reconstruídos de maneira física, instantânea e palpável. Será? O admirável mundo novo parece estar às nossas portas. Resta torcer para que preserve a excelência daquilo que deu certo. Este número de THE PRESIDENT traz outras três reportagens sobre produtos de altíssima qualidade, e que, tomara, assim continuem – dois deles no mundo dos vinhos. Luciana Lancellotti conta como o argentino Nicolás Catena resolveu, de uma hora para outra, mudar o método de produção – e se deu muito bem. Luiz Maciel relata a saga dos lendários RomanéeConti, da Borgonha. E Ubiratan Leal descreve como funcionam as principais ligas esportivas dos Estados Unidos – texto que muitos cartolas brasileiros deveriam ler e transformar em profissão de fé.

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expediente

THE PRESIDENT PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL DA CUSTOM EDITORA EDIÇÃO 30

PUBLISHERS André Cheron e Fernando Paiva

REDAÇÃO DIRETOR EDITORIAL Fernando Paiva fernandopaiva@customeditora.com.br DIRETOR EDITORIAL ADJUNTO Mario Ciccone mario@customeditora.com.br REDATOR-CHEFE Walterson Sardenberg So berg@customeditora.com.br EDITORA DE VIAGEM E GASTRONOMIA Luciana Lancellotti luciana@customeditora.com.br ARTE DIRETOR Guilherme Freitas guilhermefreitas@customeditora.com.br ASSISTENTE Raphael Alves raphaelalves@customeditora.com.br PREPRESS Daniel Vasques danielvasques@customeditora.com.br PROJETO GRÁFICO Alessandro Meiguins e Ken Tanaka COLABORARAM NESTE NÚMERO TEXTO Carlos Cereijo, Daniel Benevides, Emilio Fraia, Fernando Figueiredo Mello, Luiz Maciel, Marcos Diego Nogueira, Marcio Ishikawa, Marion Frank, Raphael Calles, Ronaldo Bressane, Sergio Crusco, Silvana Assumpção e Ubiratan Leal FOTOGRAFIA Alef Ghosn, Christian Castanho, Marcelo Spatafora, Renato Parada, Ricardo Rollo, Roberto Torrubia e Tuca Reinés TRATAMENTO DE IMAGENS Daniel Vasques e Felipe Batistela ILUSTRAÇÃO Guilherme Freitas e Raphael Alves MAPA Roberto Torrubia REVISÃO Goretti Tenorio CAPA Freddy Rabbat por Tuca Reinés THE PRESIDENT facebook.com/revistathepresident @revistathepresident

PUBLICIDADE DIRETOR EXECUTIVO André Cheron andrecheron@customeditora.com.br DIRETOR COMERCIAL Oswaldo Otero Lara Filho (Buga) oswaldolara@customeditora.com.br GERENTE DE PUBLICIDADE E NOVOS NEGÓCIOS Alessandra Calissi alessandra@customeditora.com.br EXECUTIVOS DE NEGÓCIOS Northon Blair northonblair@customeditora.com.br Marcia Gomes marciagomes@customeditora.com.br ADMINISTRATIVO/FINANCEIRO ANALISTA FINANCEIRA Carina Rodarte carina@customeditora.com.br ASSISTENTE Alessandro Ceron alessandroceron@customeditora.com.br REPRESENTANTES REGIONAIS GRP – Grupo de Representação Publicitária PR – TEL. (41) 3023-8238 SC/RS – TEL. (41) 3026-7451 adalberto@grpmidia.com.br CIN – Centro de Ideias e Negócios DF/RJ – TEL. (61) 3034-3704 / (61) 3034-3038 paulo.cin@centrodeideiasenegocios.com.br Tiragem desta edição: 12.000 exemplares CTP, impressão e acabamento: Bandeirantes Soluções Gráficas Custom Editora Ltda. Av. Nove de Julho, 5.593, 9º andar – Jardim Paulista São Paulo (SP) – CEP 01407-200 Tel. (11) 3708-9702 ATENDIMENTO AO LEITOR atendimentoaoleitor@customeditora.com.br Tel. (11) 3708-9702

www.customeditora.com.br

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setembro 2017

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16 VISÃO

58 NEGÓCIOS

106 ROTEIRO 4X4

20 AUDIÇÃO

65 BLACKBOOK

112 VELOCIDADE

24 OLFATO

80 FUTURO

114 GARAGEM

28 PALADAR

86 TECNOLOGIA

118 ESPORTE

32 TATO

90 MEMÓRIA

124 MULHER

36 ADEGA

96 CULT

132 VIAGEM

44 CAPA

100 MOTOR

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Kirsten Dunst é tão versátil quanto bela. E faz sucesso nas telas desde criança

O cantor capixaba Silva tem uma trajetória muito mais incomum que o próprio nome

O marketing do aroma invadiu lojas, escritórios e até o Copacabana Palace

A antropofagia é o supremo tabu. Mas resiste, mesmo em países da Europa

Acredite: o salto alto começou a ser usado no Antigo Egito, há mais de 5 mil anos

Nicolás Catena, o revolucionário do vinho argentino, conta a sua corajosa história

Por que Freddy Rabbat é simplesmente o decano do mercado de luxo no Brasil

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90 Janyck Daudet comemora a abertura do quarto village do Club Med no Brasil

Gastronomia, vinhos, alta relojoaria e o leilão da coleção de David Rockefeller

A impressão em 3D já pode até mesmo criar músculos e ossos

Tudo o que você pode fazer para automatizar sua casa e ficar de papo para o ar

Haight-Ashbury, em San Francisco, meio século depois do Verão do Amor

Como o tinto Romanée-Conti, da Borgonha, virou o Santo Graal dos enófilos

Um convite para acelerar os BMWs mais potentes no autódromo de Interlagos

FOTO ALEF GHOSN

sumário

Um giro pela Serra da Bocaina, que, há um século e meio, foi a região mais rica do país

Novos conceitos de design e tecnologia da marca japonesa Lexus

Honda WR-V no Nordeste e trechos urbanos com Porsche Macan e Jaguar XE

Os segredos econômicos das riquíssimas ligas esportivas dos Estados Unidos

A bela modelo paulista Paloma Freitas brilha como uma estrela

A história da ilha de Barbados e a do rum se misturam no Caribe

Destemido e descolado, Justin Trudeau é o estadista que todos queremos

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PAULO FRIDMAN

colaboradores

VISão

auDIção

TUCA REINÉS

DANIEL BENEVIDES

MARCOS DIEGO NOGUEIRA

Começou a fotografar ainda bem garoto.

Bem antes de ser tragado pelo jornalismo,

Ele é jornalista, baixista, barman e vive

Só parou para frequentar as aulas da

quando era estudante de arquitetura

em busca de novidades musicais para si

faculdade de arquitetura e urbanismo

na uSP, tinha uma queda por desenhar

próprio e para recomendar aos amigos.

de Santos, onde se formou. logo lá estava

e pintar rostos de estrelas de cinema.

Eis um dos motivos por ter sido escolhido

ele, de novo, com a câmera nas mãos. Seu

Entre elas, Marlene Dietrich e anouk

para escrever o texto sobre o cantor Silva

trabalho, premiado, pode ser visto em

aimée. “a Kirsten Dunst certamente faria

para esta edição. “É muito bom conhecer

museus, fundações e coleções de vários

parte dessa galeria”, suspira, lembrando

artistas que trazem frescor e novas ideias

países. Clicou freddy rabbat, nossa capa.

a atriz sobre quem escreve neste número.

para a música popular brasileira.”

BOB QUEVEDO

RAFAEL RONCATO

CaPa

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olfaTo

PalaDar

TATO

SILVANA ASSUMPÇÃO

RONALDO BRESSANE

SERGIO CRUSCO

Versatilidade é com ela mesma. Silvana

Temas que muitos jornalistas consideram

Dono de um texto refinado e bem-

foi de repórter a editora-executiva de

espinhosos, este nosso assíduo

-humorado, e de uma discoteca fabulosa,

economia, negócios, cultura e estilo em

colaborador os tem por saborosos.

colabora para a empresa de geração de

veículos do quilate de CartaCapital, Exame

É o caso da antropofagia, que Bressane,

conteúdo Skyword e assina o blogue

e Forbes. Esteve em THE PrESIDENT por

escritor – autor dos livros de ficção

dringue.com, em que faz um blend de

quase quatro anos como diretora de

Sandiliche (Cosac Naify) e Mnemomáquina

coquetéis, cerveja e vinho com música,

redação. Seu assunto nesta edição une

(Demônio Negro) – e professor de

cinema e literatura. Para este número,

negócios e estilo: o marketing olfativo.

escrita criativa, devora com prazer.

remontou a história do salto alto.

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colaboradores

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FUTURO

MEMÓRIA

CULT

FERNANDO FIGUEIREDO MELLO

MARION FRANK

LUIZ MACIEL

O blogue efemeridesdoefemello.com

Ela trabalhou nas melhores redações

Jornalista com larga experiência em

celebra todo santo dia uma data histórica

do país. Agora, passa boa parte do ano

revistas de viagem, e hoje mais dedicado

redonda. É mais uma tacada deste

em um mosteiro budista na Califórnia,

a textos sobre economia, sempre foi um

jornalista eclético com passagens por

de onde saiu para decifrar o que restou

fã de vinhos. Da mais recente viagem à

Lance!, UOL Esporte e revista Brasileiros,

de Haight-Ashbury, em San Francisco,

França, trouxe duas grandes lembranças:

que estreia relembrando a saga da

meio século depois do Verão do Amor.

um jantar da Confraria Chevaliers du

impressão em 3D. “Um universo muito

Na foto, Marion posa diante da casa onde

Tastevin e uma visita à vinícola Romanée-

cativante”, resume o autor do texto.

morou o Grateful Dead.

Conti – seu assunto nesta edição.

ESPORTE

MULHER

VIAGEM

UBIRATAN LEAL

ALEF GHOSN

EMILIO FRAIA

Seu principal talento no esporte é como

Formado em Artes Visuais pelas

Ex-redator-chefe da revista Trip e

goleiro. “Mas minha altura só é suficiente

Faculdades Metropolitanas Unidas (2015),

ex-editor de literatura da Cosac Naify,

para o futebol de botão”, conforma-se.

tem um trabalho autoral há quatro

este paulistano safra 1982 é, hoje, editor

Acabou no jornalismo. É comentarista

anos. Foi orientador em museus como

da Companhia das Letras. Emilio foi até

de beisebol e futebol dos canais ESPN.

Catavento e MAM/SP (Museu de Arte

Barbados para tecer o texto sobre a

Escreve neste número sobre as razões

Moderna). Estreia em THE PRESIDENT

história do rum naquele país caribenho.

da saúde econômica das maiores ligas

clicando o belo ensaio com a modelo

“Vale a pena se perder pela costa leste

esportivas dos Estados Unidos.

Paloma Freitas, paulista como ele.

da ilha, menos explorada”, orienta.

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visão PoR daniel benevides

NATURALMENTE SEXY Kirsten Dunst tornou-se uma atriz cultuada, seduzindo plateias e crítica sem fazer caras e bocas

C

mente torto, logo na frente, que às vezes faz com que morda, com uma sutileza inocente, o lábio inferior. Mas também pode lhe dar um ar alegremente vampiresco – como se viu em Entrevista com o Vampiro (1994), filme no qual ela, então uma menina de 10 anos, deixa os protagonistas Tom Cruise e Brad Pitt no chinelo. Outros, ainda, vão ressaltar o olhar sonhador, algo melancólico, que surge quando menos se espera, como se sua mente tivesse entrado em outra dimensão. O efeito é de uma calma devastadora. Seus

FOTOS REPRODUÇÃO

abelos louros, olhos de cor clara, pele de porcelana, seios fartos, cintura fina e um sorriso irresistível. Muitas estrelas se encaixam nessa descrição. Poucas, porém, são como Kirsten Dunst. O je-ne-sais-quoi da atriz, seu mojo, o que a distingue das demais, está, dirão uns, na covinha do lado esquerdo, aquela pequena aspa que impõe, talvez, uma ironia secreta ao sorriso. Ou, simplesmente, um charme coquete, ainda que involuntário. Outros dirão que está naquele dente leve-

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interlocutores, pobres apaixonados, como Trip Fontaine (Josh Hartnett) em Virgens Suicidas (1999), ficam muito longe de tocá-la, ainda que estejam ao seu lado. O fato é que Kirsten tem uma rara intimidade com a câmera. E isso dá a ela um poder que todo bom ator busca: o desapego com a própria imagem. Kirsten parece ter o controle natural de cada expressão, sem que a vaidade ou a autocrítica interfiram demais. A atriz americana nascida em Nova Jersey, de pai alemão e mãe de origem sueca, começou bem cedo, fazendo uma ponta no episódio dirigido por Woody Allen em Contos de Nova York (1989). Tinha 8 anos. Pouco depois, interpretou a filha de Tom Hanks em Fogueira das Vaidades. Talvez tenha, de fato, um talento especial, pois não se vê uma evolução significativa em sua carreira, como é comum em atrizes precoces. A verdade é que ela sempre foi boa. Isso ficou evidente já em Entrevista com o Vampiro, saga sanguinolenta dirigida por Neil Jordan. Impossível esquecer seu personagem: uma menina tornada vampira mimada, capaz de maldade espontânea, sem culpas, que vai ganhando consciência de sua situação à medida que

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passam os anos e não se torna mulher. O conflito, original em todos os sentidos, é vivido com tanta presença e senso de humor que os caninos dos demais atores perdem o fio e seus rostos ficam ainda mais pálidos do que o papel exige – que o diga Antonio Banderas, canastrão como nunca. Há momentos impagáveis, como quando mata um vendedor só para pegar um brinquedo, ou quando suga a jugular da costureira que prepara seu vestido, depois que ela fura o dedo na agulha. Há também cenas de terror inimaginável: por inveja de um corpo que ela nunca teria, a pequena Cláudia mata uma bela prostituta e guarda o cadáver entre suas bonecas. E há momentos curiosos e dramáticos, como quando beija o insosso Brad Pitt – beijo que ela, em sua fase pré-sex symbol, não queria dar de jeito nenhum (“Achei que fosse pegar um micróbio”, disse, numa entrevista). Não à toa, foi indicada para o Globo de Ouro de melhor atriz coadjuvante quando o filme foi lançado. Naquele mesmo ano de 1994, ainda foi vista em Little Women, ao lado de Wynona Ryder e Claire Danes, e, mais uma vez, roubou a cena, arrebatando a crítica. Essa, aliás, seria uma constante em sua vida. Mesmo quando contracena com grandes atrizes e atores. Foi assim em Melancolia, como Justine, uma noiva depressiva entre o casamento e o fim do mundo. Seus parceiros na tela eram ninguém menos que William Hurt, Charlotte Gainsbourg e Kiefer Sutherland. O filme, de 2011, dirigido pelo polêmico Lars Von Trier, cineasta dinamarquês conhecido por ser um dos criadores do grupo Dogma, recebeu críticas em geral desfavoráveis, mas, ainda assim, rendeu o prêmio de melhor atriz para Kirsten no Festival de Cannes. E talvez esteja nesse longa a cena

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Em Melancolia, seduzida por um planeta maior do que a Terra

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visão

No cult Virgens Suicidas e no arrasaquarteirão Homem Aranha 2: versátil

Aos 35 anos, ela está em ótima forma, Depois de vencer uma severa depressão, retomou a carreira com o brilho de sempre e vai se casar com o ator Jesse Plemons, seu parceiro na série de televisão Fargo mais erótica que fez na carreira — de um erotismo bizarro, diga-se. A Terra está ameaçada de colisão com um planeta bem maior. Fascinada pela beleza do astro que se aproxima, Justine se oferece a ele, por assim dizer, deitando-se nua numa relva de conto de fadas, margeada por um córrego onírico, e acaricia seus belos seios sob a luz azul que a atinge suavemente, com sensualidade. A música, linda e triste como a atriz, é de Wagner, o que só aumenta o efeito poético. (Perguntada sobre o apocalipse retratado na história, ela disse, com sua risada ainda de menina: “Pelo menos resolve todos nossos problemas”.) O contraste com outra cena em que aparece nua é enorme, mas mostra bem sua capacidade de operar em diferentes registros. Em Wimbledon, comédia romântica de 2004, ela está no chuveiro de um quarto de hotel quando entra Paul Bettany, por conta de alguma confusão com a chave. Com

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adorável naturalidade, Kirsten sai do box translúcido e se enrola na toalha, enquanto pergunta a um embasbacado Bettany: “Posso ajudar em alguma coisa?”. Cabeleireira amalucada Seu timing cômico sempre foi elogiado pela crítica. Mesmo com todo seu lado misterioso, que faz com que seja uma namoradinha da América no mínimo alternativa, capaz de estrelar sucessos estrondosos, como os três primeiros filmes da série Homem-Aranha, no papel da ruiva Mary Jane, mas também filmes complexos, para públicos mais exigentes, como o próprio Melancolia e os quatro em que atuou sob a batuta de Sofia Coppola. Em todos eles, Kirsten guarda a simplicidade alegre e esperta das atrizes que estrelavam comédias nos anos 1940, ou mesmo antes, recheadas mais de subentendidos e pequenas malícias do que de piadas físicas e toscas.

Há algo antigo no seu jeito de atuar que faz pensar numa felicidade perdida. Em o Miado do Gato (2001), longa assinado pelo ótimo Peter Bogdanovich, ela interpreta justamente Marion Davies, atriz famosa do cinema mudo. A história gira em torno do triângulo amoroso vivido por ela, o magnata William Randolph Hearst e Charlie Chaplin. Cantando (sim, ela também canta – e bem! Todos que viram Homem-Aranha 3 sabem disso) e encantando, Kirsten/Marion deixa os espectadores tão apaixonados quanto seus amantes famosos. Já em Tudo Acontece em Elizabethtown (2005), filme de Cameron Crowe, que só vale por ela, Kirsten faz uma aeromoça (curiosamente, a primeira profissão de sua mãe, que depois se tornaria artista plástica e galerista) que tenta de todo jeito levantar o ânimo de Orlando Bloom depois que ele perde o pai e o emprego. Seu bom humor meio exagerado e extravagante contagia não apenas o coitado interpretado por Bloom mas também quem a ela assiste: impossível não sorrir quando Kirsten aparece.

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Aos 35 anos, ela continua em ótima forma. É destaque na segunda temporada de Fargo, elogiada série inspirada no filme de mesmo nome dos irmãos Cohen, na qual interpreta Peggy Blomquist, uma cabeleireira amalucada em meio à violência de duas gangues. Foi novamente indicada ao Globo de Ouro pelo papel. Já não tem a imagem ingênua e etérea de antes, é certo. Sua beleza em filmes como As Virgens Suicidas (1999), em que interpreta Lux, adolescente depressiva e ninfomaníaca, e principalmente no belíssimo Maria Antonieta (2006 - ambos de Sofia Coppola), no qual encarna o papel-título à perfeição, conseguindo juntar num mesmo olhar pinceladas de tédio, lascívia e ingenuidade, deu lugar a uma compleição de mulher madura, mais pé no chão, que soube vencer uma severa depressão anos antes e está prestes a se casar com o parceiro de série Jesse Plemons. Para quem gosta de fofocas, seus relacionamentos anteriores incluem os atores Jake Gyllenhaal e Garrett Hedlung, e o roqueiro Johnny Borrell, da banda Razorlight.

Curiosamente, a nova fase parece um retorno ao começo da carreira. Ela já havia participado de séries de TV nos anos 1990 — seu papel mais conhecido foi o de uma prostituta adolescente em Plantão Médico, tratada pelo charmoso Dr. Ross (George Clooney). E voltou a filmar com a amiga Sofia Coppola numa nova versão de O Estranho Que Amamos, originalmente dirigida por Don Siegel, com Clint Eastwood no papel principal. The Beguiled, história de um soldado ferido na Guerra Civil americana (Colin Farrell) e acolhido numa escola de mulheres, tem tons de terror psicológico e erotismo. Ladeada por Nicole Kidman e Elle Fanning, é provável que roube a cena. Mais uma vez. Dica preciosa para os fã da atriz: o clipe de “We All Go Back to Where De volta ao terror em The Beguiled, e ao amor, com Jesse Plemons

FOTOS REPRODUÇÃO

Como Maria Antonieta, sob a direção da amiga Sofia Coppola

We Belong”, do R.E.M, traz Kirsten num plano americano fixo o tempo inteiro. O que ela faz? Simplesmente reage a Michael Stipe, que canta à capela para ela. Não precisa mais nada. P

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audição PoR maRCoS diEGo NoGuEiRa

VENTO NOVO O eclético cantor e compositor capixaba Silva empurra a música brasileira para longe dos preconceitos

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m “Fala Sério”, segunda faixa de seu disco de estreia, de 2012, Silva cantou: “Eu vi você vestindo o tédio sem perceber”. Cinco anos depois, a mensagem profética parece ter sido um aviso à música brasileira e ao conservadorismo em geral: ali chegava um artista único. Um vento novo. Hoje, Silva já tem público cativo e, ao mesmo tempo, continua sendo uma ótima aposta para quem ainda não está familiarizado com o seu som. Nascido em Vitória, no Espírito Santo, ele não é do samba como Martinho da Vila, mas, no melhor estilo “devagar, devagarinho”, vem ganhando cada vez mais ouvintes. De nome completo Lúcio Silva de Souza, escolheu usar o Silva, o sobrenome mais comum no Brasil, para assumir um lugar incomum na música brasileira. Violinista formado pela Faculdade de Música do Espírito Santo, desde cedo era levado junto com os irmãos à escola onde sua mãe dava aulas de música. Começava assim a absorver influências diversas, uma tônica que vem margeando sua vida. “Muita gente já me perguntou se me inspiro em música asiática, por causa das minhas melodias. Mas não é o que eu mais costumo ouvir, apesar de ter alguns ídolos musicais

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japoneses”, conta à THE PRESIDENT. “Gosto de compor de forma bem intuitiva. Por isso aparecem elementos brasileiros, africanos, asiáticos e de todo canto”, explica. A evolução sonora está bem evidente ao longo de seus três álbuns autorais – Claridão (2012), Vista pro Mar (2014) e Júpiter (2015). Além deles, o cantor lançou Silva Canta Marisa (2016), em que interpreta o repertório de Marisa Monte. A experiência no exterior também foi importante para moldar seu ecletismo. Aos 20 anos, partiu para a Irlanda, onde fez parte de uma banda de jazz que tocava pelas ruas da capital, Dublin. Voltou um ano e meio depois, decidido a ser músico popular no Brasil. “Viver em Dublin foi bem importante”, ressalta. “Aprendi muito,

compus minhas primeiras canções e foi lá que surgiu essa vontade de cantar e de não ser ‘apenas’ músico. Vi muitos shows e tive experiências que expandiram minha cabeça”, conta, no bate-papo concedido nos intervalos de preparação para voltar à Europa em uma turnê de verão por Portugal. “Tocar fora do Brasil é sempre desafiador”, diz. “Às vezes o público pode ser frio, mas em geral tenho tido boas experiências. Acho que calor não vai faltar desta vez”, brinca. A fama crescente e o cotidiano corrido decerto devem impactar suas futuras obras: “Gosto de estar sozinho para compor e esses momentos têm sido cada vez mais escassos”. Sendo assim, um novo álbum ainda está fora dos planos? “O ritmo de trabalho ficou bem intenso. Compus músicas novas, mas ainda não sei se entrarão no próximo disco. Quero fazer tudo com calma desta vez”, pondera. Quebrando barreiras Quem conhece Silva pela fala mansa e a tranquilidade ao gerir seus projetos pode se surpreender com alguns pontos de vista em relação a assuntos como a sexualidade, por exemplo. O clipe de “Beija Eu” mostra casais de diferentes orientações sexuais se

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REPRODUÇÃO © JORGE BISPO

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No seu álbum mais recente, ele revê o repertório de Marisa Monte

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REPRODUÇÃO © RICARDO SILVA

Silva admira e é admirado por nomes como Milton Nascimento, Lulu Santos e Marisa Monte. Tendo lançado quatro álbuns em cinco anos, o cantor fez barulho com clipes de alta tensão erótica, como o de “Feliz e Ponto”. O apoio na carreira artística também vem do irmão, Lucas Souza, músico e cantor, e do namorado, Fernando Sotele

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beijando. Já o vídeo de “Feliz e Ponto” exibe o cantor vivenciando um romance com um homem e uma mulher. Ao ser questionado sobre sua orientação sexual, Silva sempre se definiu a favor do poliamor, e vem conseguindo justificar isso por meio da sua arte. Ou pelas redes sociais. Um caso curioso aconteceu no início do ano, quando postou uma foto ao lado do namorado, Fernando Sotele, e recebeu de volta uma chuva de comentários. “Gente, esses dois são maravilhosos”, se empolgou um internauta, que recebeu uma resposta direta do cantor: “É porque você não viu a gente na cama”. “Júpiter pode ser começar de novo se por lá não houver esse mesmo povo que só quer controlar o que a gente quer.” Assim o cantor versa na faixa que leva o nome do maior planeta do sistema solar no título. “Feliz e Ponto” faz parte do mesmo disco. Silva vai passando seu recado de artista saborosamente incontrolável e que simboliza a nova fase musical nacional que navega pela correnteza da inovação. Não à toa, em sua playlist figuram nomes como Pabllo Vittar, Maria Gadú, Illy, Izaar e Céu. “O Brasil é um lugar incrível para arte”, derrete-se. “Aqui a música sempre teve e sempre vai ter artistas interessantes”, resume.

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REPRODUÇÃO © MIGUEL VASSY

Mesmo abordando temas espinhosos – ele também fuma um baseado no clipe de “Feliz e Ponto” –, Silva não deixa de circular em meios tradicionais. Prova disso foi ter emplacado essa mesma canção na trilha sonora da telenovela global Malhação. “Acho que algumas pessoas têm resistência com os artistas novos”, avalia. “Talvez por conta da história forte que a gente tem com música. Parece que ninguém novo vai ser digno do título de ‘artista da MPB’.” Mas se a missão desse músico de 29 anos é quebrar barreiras, isso vem sendo provado também pelo prestígio que ganhou de nomes consagrados da própria MPB. Milton Nascimento é um deles. A cantora Marisa Monte, homenageada no disco Silva Canta Marisa, outro. “Eu me identifico muito com a Marisa, não só pela música, mas pelo jeito que me trata e trata as pessoas”, comenta. “Ela é elegante, mente aberta, moderna e generosa.” Outra fera que se rendeu ao talento de Silva é Lulu Santos, seu parceiro no single “Noite”, lançado por Silva. “Sou um cara mais quieto e o Lulu é um furacão que me ensinou a não ter medo do palco, a valorizar o que tenho nas mãos e a cuidar disso com muito carinho”, diz o cantor, que atacou de produtor na versão

de “Ovelha Negra” que deverá figurar no disco de Lulu em homenagem à Rita Lee. Também Fernanda Takai, parceira de dueto em “Okinawa”, faixa de Vista pro Mar, ganha fartos elogios: “É uma das pessoas mais incríveis que conheci”. Silva sonha em tra-

ou de ser rico ou de ser muito famoso. Eu quero ser eu mesmo e talvez essa seja minha maior busca. Morar em Vitória é uma escolha que me ajuda nesse sentido e me tira do olho do furacão”. E completa: “Aqui tenho amigos, família e posso escolher quando vou ao Rio e a São Paulo pra me relacionar e aprender com outros músicos”. Silva aponta sua versatilidade como músico para explicar a independência artística e descarta a necessidade de se manter no eixo Rio-São Paulo para estar em evidência. “Tive uma sorte grande de ter sido educado na música desde novo. Isso me deu uma autonomia de tocar, cantar, gravar, produzir e compor”, lista, sem falsa modéstia. “Há cantores que precisam de alguém para compor para eles ou para tocar e produzir suas músicas”, reconhece.

Nos clipes mais conhecidos, apareceu fumando um baseado e beijando mulheres e homens. Ele se define um adepto do poliamor e faz questão de demonstrar esse posicionamento em sua arte balhar com Jorge Ben, Criolo e João Donato. Com Seu Jorge, gostaria de fazer um disco inteiro. “Admiro quem tem consciência do próprio talento e sabe abrir caminhos para quem também ama música.” Sempre Vitória Outro aspecto marcante de Silva está na relação com sua cidade natal. “Amo Vitória e o fato de ser um lugar pequeno”, diz. E analisa: “Não temos o caos do Rio e São Paulo. Temos praias, montanhas e acho curioso ninguém saber muito bem o que temos por aqui”. Para Silva, o Espírito Santo é a região mais subestimada do Sudeste e “historicamente abafada pelos vizinhos”. Ele explica sua opção de continuar morando em Vitória: “Todo artista tem uma ambição,

“Esses necessitam estar no eixo Rio-São Paulo. Acho que me livrei desse perrengue”, comenta, bem-humorado. Dando sentido à tradução do seu nome em latim – Selva –, Silva vai abrindo caminho e desbravando um universo musical que engloba influências do eletrônico dos anos 1980, da variedade rítmica dos 1990 e do lirismo dos 2000. Seu instrumento de origem, o violino, está deixado um pouco de lado, em prol de melodias construídas com sintetizadores, teclados e batidas eletrônicas semelhantes às do chamado synthpop, rótulo de abrangência musical que engloba nomes como Pet Shop Boys, Depeche Mode e LCD Soundsystem. Cidadão de um mundo sem fronteiras, Silva é autenticamente brasileiro. P

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olfato

PoR SIlvana aSSumPção colagem guIlheRme fReItaS

ALGUMA COISA NO AR Sentimos cheiros com os narizes, mas reagimos a eles com o inconsciente. É disso que vive o marketing olfativo

O

olfato é o mais subestimado dos cinco sentidos. Diante de uma hipotética escolha do mal menor, a maioria das pessoas preferiria perder a percepção dos cheiros do que a visão, a audição ou o tato. Ainda que essa perda levasse junto, como se sabe, grande parte do paladar. O olfato, no entanto, talvez seja o sentido mais intimamente conectado ao nosso inconsciente e à memória, influenciando nosso humor e emoções e sendo também, por isso mesmo, um agente importante de sensações como prazer e desprazer, felicidade, euforia, alerta, repugnância ou medo. E isso mesmo quando nem o percebemos. Se num ambiente houver um cheiro tão sutil que não tenhamos consciência dele, mas um cheiro que se conecte com nossas experiên-

Os difusores “espalham” os aromas

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cias, isso poderá nos afetar muito mais do que gostaríamos exatamente por ser inconsciente, levando-nos a agir de forma mais emocional. Um experimento nos Estados Unidos comprova com clareza esse poder dos aromas. Pesquisadores formaram dois grupos para tratar de questões éticas e morais, com a intenção de descobrir se, quando alguém está incomodado, enojado ou irritado, tende a fazer julgamentos morais mais severos. Para tanto, usaram na sala de reunião de um dos grupos um spray de pum (com desculpas pela palavrinha chula, mas isso é ciência). A intensidade era muito fraca, tão discreta que o cheiro não aflorava à consciência dos presentes. E o que aconteceu? Nesse grupo, as posições indignadas e a severidade nos julgamentos foram muito mais intensas que no grupo não submetido àquele fator de mal-estar. É claro que o marketing, essa arte ou técnica de explorar emoções, desejos e recalques para vender produtos, não deixaria passar uma

arma tão eficaz. Tanto é que vem ganhando força o chamado “marketing olfativo”, que já conta com uma quantidade de estudos curiosos a fundamentá-lo. Um deles mostrou que o cheiro de peixe e de frutos do mar exacerba nossos instintos de suspeição, provavelmente por conta do ancestral temor de envenenamento por esses alimentos. Marcar arcar reuniões de negócios em restaurantes de frutos do mar não é, portanto, boa política. Já o aroma de qualquer massa sendo assada transmite a sensação de conforto familiar, algo que, aliás, percebemos instintivamente. Em um filme americano de anos atrás, uma corretora de imóveis, precisando desesperadamente vender uma casa, tem a ideia de assar um bolo para perfumá-la antes da chegada dos possíveis compradores, de modo a fisgá-los com sutileza pelo nariz. Os cheiros falam Há aromas certos, enfim, para despertar uma enorme gama de sensações, muitas delas já bem exploradas pelo marketing. As lavandas transmitem tranquilidade e são boas para aromatizar consultórios médicos, odontológicos e

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clínicas de estética. Ambientes que precisam passar sobriedade, como escritórios de advocacia e lojas de artigos masculinos finos, se beneficiam dos másculos aromas amadeirados. Já os florais são perfeitos em casas de chá, lojas de moda feminina clássica e roupas infantis, enquanto os cheiros cítricos revigoram e energizam, sendo adequados para academias de ginástica e centros esportivos. Notas quentes do almíscar, da baunilha e da canela, por sua vez, conferem sensualidade e completam bem o clima de lojas de lingerie. O fato é que, ao entrarmos num ambiente onde o cheiro é agradável e, acima de tudo, adequado à atividade que lá se realiza, tendemos a nos demorar mais ali, o que por si só já impulsiona as vendas nos casos de shoppings e lojas. Mas, apesar dessas vantagens, o marketing olfativo não se impôs sem esforço. Denise Spada, que foi a primeira franqueada da empresa de aromas Avatim e é dona de duas lojas da marca em São Paulo, conta que há pouco mais de dez anos, no Brasil, quando ela entrou no negócio, era um custo convencer os clientes das virtudes

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da aromatização ambiental. “O marketing olfativo só começou a se desenvolver no país a partir de 2006, 2007”, diz. A Avatim, cujo nome em tupi-guarani significa “cheiro de terra”, tem sede e fábrica na Bahia e também produz fragrâncias para uso corporal. Mas é a única empresa nacional que, além de criar aromas sob encomenda para ambientes, o que agora muitas outras também fazem, tem mais de 50 itens no portfólio destinados apenas a esse fim, sendo nisso a pioneira e a maior do país. Está presente em todo o Brasil com 99 lojas, sendo 17 próprias e as demais fraqueadas. Hotéis e motéis É a Avatim que produz, por exemplo, a fragrância exclusiva do Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. Esse ícone da nossa hotelaria foi, aliás, um dos primeiros a aderir à aromatização de seus ambientes, mais de dez anos atrás. Como Denise logo verificou ao adquirir a franquia, em 2003, e decidir não ficar só nas vendas da loja, mas também sair a campo para conquistar clientes, até então

o uso de aromas era tabu em hotelaria. “Os hotéis tinham medo de incomodar os hóspedes ou provocar a suspeita de falta de higiene”, explica. Ela se lembra de uma reunião que manteve naquele ano com o diretor de uma grande rede internacional, que com grande resistência acabou por aceitar cheirar uma tirinha de amostra de uma essência da Avatim. O executivo era europeu e Denise teve a sacada de tirar da valise um aroma de lavandas, já que são flores muito cultivadas em toda a Europa e deveriam suscitar nele memórias afetivas. “Quando o executivo levou a tira ao nariz, ficou com ela ali algum tempo e percebi que seus olhos marejaram um pouco”, conta. O homem havia passado a infância perto de um campo de lavandas. Ponto para Denise, que já então havia conquistado o motel Lumini, que atende até hoje e foi seu primeiro cliente na área. Desde então vem aromatizando, entre muitos outros clientes das mais variadas áreas, diversos motéis e hotéis, como os da rede Bourbon e alguns da Blue Tree. Às vezes, também o Fasano, que mima seus hóspedes ao ponto de usar um

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O Copacabana Palace escolheu o seu aroma, assim como Lula o de seu gabinete no Planalto. O cheiro de carro novo: um segredo

aroma da Avatim A só para um habitué, habitué que adora o patchuli com notas de lavan lavanda da marca. “Sempre que esse hóspede chega a governança liga e compra um frasco de 200 ml”, diz Denise. Esse mesmo aroma, ela conta, foi muito usado pelo presidente Lula em seu gabinete no Planalto. Depois de ganhar um frasco de uma revendedora da Avatim em Brasília, ele se tornou fiel cliente. Alvos sutis “Cheiro de aconchego”, “cheiro de riqueza”, “cheiro de alegria”, “cheiro de solidez”, “cheiro de festa”. A sutileza é a nota principal do mundo dos aromas e rege os briefings dos clientes. Aumentando a lista já feita mais acima, o cheiro de riqueza, explica Denise, vem das nuanças amadeiradas, já que ainda associamos o dinheiro ao universo masculino; enquanto o aconchego é atributo da flor do algodão e a alegria, do alecrim. O cedro, que os antigos árabes queimavam em reuniões de família, sugere a solidez. Um aroma que provocava em Denise

uma sensação pessoal de festa, e que ela se orgulha de ter sido a responsável por introduzir no portfólio da A Avatim, é o de folhas de pitanga. “Eu pesquisei e descobri que de fato elas são usadas nas festas dos terreiros de candomblé”, conta.

em espaços muito grandes, pois não tem a tecnologia para utilizar dutos de ar condicionado. Seus aromas provêm de essências com difusores, essências concentradas aplicadas diretamente e outros meios, como as velas.

Aromas florais são ótimos para lojas de roupas femininas clássicas. Já os cítricos se adequam aos centros esportivos. Cada ambiente requer o seu próprio cheiro para atrair clientes e consumidores Um caso à parte do marketing olfativo é o da indústria automobilística, que desde sempre se notabilizou pelo delicioso “cheiro de novo” dos carros. Como explica Denise, ele provém dos cheiros particulares (e muito bem pensados pelos fabricantes) de seus componentes internos, os plásticos, os couros e os tecidos. Segundo ela, esse aroma não é diferente nas marcas de luxo. “O que muda é a qualidade de cada essência, porque no carro de luxo o cheiro de novo tem que durar eternamente.” Mas essa é uma área em que a Avatim ainda não entrou – embora aromatize revendas de carros de luxo –, como também não atua

O trabalho da Avatim e de outras empresas de seu segmento é feito para agradar com base na psicologia dos aromas, mas de maneira explícita. Os cheiros para ambientes que produz estão lá para serem claramente sentidos. Mas o marketing olfativo também pode ser um ardil para os adeptos de teorias conspiratórias, já que os aromas têm o poder de induzir reações mesmo sem se fazer notar, nisso se aproximando perigosamente da propaganda subliminar. No Brasil não há legislação contra ela, como existe nos EUA e na França, onde é proibida. Mas, sendo realistas, que marketing deixa de ser, de alguma forma, subliminar? P

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Paladar POr rOnaldO bressane

GENTE COMO A GENTE A antropofagia é o supremo tabu. Nem tanto para dois alemães, separados por meio milênio de história

H

istória do primeiro alemão. “Cunhambebe tinha diante de si uma cesta cheia de carne humana. Naquele momento, ele estava comendo a carne de um osso, que segurou defronte ao meu nariz, enquanto perguntava se eu também queria um pedaço. Respondi: ‘Mesmo um animal irracional raramente devora os seus semelhantes, por que então um homem iria devorar os outros?’. Deu uma mordida e disse: ‘Jau ware sehe. Sou uma onça. Está gostoso’. Então deixei-o.” História do segundo alemão. “Decorei a mesa com velas simpáticas”, ele disse. “Usei minha melhor louça, esquentei alcatra – uma fatia da dorsal –, adicionei batatas duquesas, couvede-bruxelas, molho de pimenta e sal. Preparado o jantar, comi. A primeira mordida foi, claro, bem estranha. Um sentimento que não sei descrever. Passei 40 anos sonhando com isso. E agora tinha a sensação de estar atingindo uma

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conexão perfeita e íntima através de sua carne. Tem gosto de porco, mas mais forte.” O que diferencia o alemão da primeira história do alemão da segunda? Pouco menos de 500 anos. O primeiro alemão é Hans Staden. O trecho aparece no capítulo 43 de A Verdadeira História dos Selvagens, Nus e Ferozes Devoradores de Homens, um dos grandes livros de aventura do século 16, ao lado do Dom Quixote de Cervantes. Narrado com clareza e riqueza de detalhes, o relato de viagem de Staden é hoje considerado pela antropologia como o livro fundador da ideia do outro, que estabelece um confronto claro

entre civilizações em tudo dessemelhantes. Soldado alemão a serviço dos portugueses, o cristão Staden ficou oito meses no Brasil feito escravo dos tamoios, agradecendo todos os dias ao Senhor por não ser devorado. O diálogo em que descreve o banquete do cacique Cunhambebe foi a maior referência para Oswald de Andrade escrever seu Manifesto Antropófago, cabal peça literária da cultura brasileira. Sagaz, Oswald capturou no papo entre Staden e Cunhambebe a lógica que origina a nossa identidade de devoradores e processadores de todas as culturas – europeias, africanas, orientais, americanas. O europeu, ao questionar um hábito “selvagem” como sendo um comportamento, além de não cristão, nada humano, recebe de volta o cala-boca: mas eu não sou um homem; eu sou uma onça. Em 1548, o Brasil é a terra em que um homem pode ser uma onça: é a terra em que a natureza (onça) e a cultura (homem) ainda são a mesma coisa; é a terra em que o índio come o europeu para ganhar a sua força e tornar-se, ele também, europeu. “Tudo é gente”, Hans Staden relatou em livro sua temporada com os índios. A obra inspirou o filme Como Era Gostoso o Meu Francês (1971)

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explica o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, formulando a visão ameríndia em Metafísicas Canibais. Elevando o modernismo antropofágico ao grau máximo, Guimarães Rosa irá revisitar nosso mito original em “Meu Tio o Iauaretê”, novela narrada por um caçador de onças que se transforma em onça, e tenta devorar o ouvinte a quem conta sua história. A forma mestiça do texto de Rosa, um monólogo que incorpora as sintaxes de várias línguas, incluindo o alemão, o latim, o iorubá e o guarani, resgata o ritual tupinambá, ao invocar na carne do outro a possibilidade de absorção de outros saberes & sabores. Cunhambebe, um cacique de 2 metros, de fala gaga e arrastada, caiu no caô dos jesuítas portugueses, desceu a guarda e se-

A conversa entre o náufrago Hans Staden e o cacique Cunhambebe foi a referência maior para Oswald de Andrade escrever, em 1928, o Manifesto Antropófago, cabal peça literária da cultura brasileira lou a Paz de Yperoig, o tratado que deu aos cavaleiros de Cristo o direito de colonizar o litoral. O chefe foi comido pelos imperialistas: “pacificados”, os tamoios tiveram roubados seu pau-brasil, seu ouro e suas terras. Sentindo-se humilhado e traído, no fim da vida Cunhambebe lançou sobre os europeus a maldição: tudo o que o invasor começasse a construir fracassaria. Dizem que a maldição explica o motivo por que Paraty – centro do território tupinambá – seja a segunda cidade mais violenta do Rio de Janeiro e, em pleno 2017, não disponha nem sequer de saneamento básico. Ou talvez a maldição de Cunhambebe

tenha alcançado dimensão mais simbólica, conforme adverte Nick Cave na canção “Cannibal’s Hymn”: “If you’re gonna dine with the cannibals/ Sooner or later, darling, you’re gonna get eaten” (“Se você jantar com os canibais/ Cedo ou tarde, querido, você vai ser comido”). Parece que os civilizados europeus aprenderam direitinho: quinhentos anos depois de Cunhambebe, o canibal mais famoso do mundo é o alemão Armin Meiwes, o Mestre Açougueiro, o Canibal de Rotenburgo. Engenheiros e técnicos em informática quarentões, Meiwes e Bernd Brandes se conheceram na rede em 2001, no Cannibal Cafe, fórum para fetichistas

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O canibalismo é tema do quadro Abaporu (1928), de Tarsila do Amaral, e do filme O Silêncio dos Inocentes (1991), de Jonathan Demme

sexuais, de acordo com o livro Interview with a Cannibal, do jornalista Günter Stampf. Foi o encontro da fome com a vontade de comer, já que o fetiche de Brandes era ser comido e o de Meiwes alimentar-se de carne humana. Juntos, os fetiches realizariam a fantasia suprema: a fusão com o outro. Meiwes e Brandes marcaram um date – e mantiveram uma câmera para deixar claro que agiam consensualmente. Os nerds leram trechos de um livro da série Star Trek e beberam schnapps pra relaxar antes de transar. Nos preparativos da grande ceia, para mitigar sua dor e mantê-lo consciente, Meiwes deu a Brandes xarope e pílulas para dormir. A pedido de Brandes, cortou seu pênis. Como se trata de uma carne cheia de nervos, teve de ir ao

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fogo, temperado com sal, alho, óleo e pimenta. Ambos dividiram o antepasto mas acharam duro de roer. Daí jogaram o peru cozido para o cão de Meiwes. Cansado, Brandes foi para uma banheira; Meiwes leu Star Trek até que o amigo apagasse. Consumido vivo De manhã, afinal o engenheiro Meiwes aplicaria tudo o que aprendeu na internet sobre o carneamento em humanos. Sem cabeça, sangue, pele, gordura, ossos e cartilagens, Brandes foi pro freezer, sendo consumido nos meses seguintes. Um colega do fórum canibal avisou a polícia – e Meiwes entregou nove horas de vídeo revelando a inusitada ceia. No documentário Interview with a Cannibal, gravado na cadeia

onde Meiwes ficará até morrer, ele parece um cara legal. Passa aquele sentimento de pessoa realizada, demonstra a paz de quem chegou lá, sabe assim? É uma expressão facial em todo diversa do Albert Spica em O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante, filme de Peter Greenaway (1989). O gângster Spica, vivido pelo fantástico Michael Gambon (o Dumbledore de Harry Potter), leva o amante de sua mulher para o forno após flagrá-la com a boca na botija. Como convém a uma comédia de humor negro, o marido traído devolve a gentileza degustando raivosamente o coq au vin – embora a vingança, supõe-se, coma-se em prato frio. O filme tem inúmeras camadas simbólicas. Uma delas, sugerida pelo próprio Greenaway, atribui ao Ladrão o papel de Capital, o Amante como a Cultura e a Mulher como a própria Inglaterra. Outra camada indica a boca como um portal alquímico em que toda substância entra para se transformar em algo diverso. O sonho de Bernd Brandes era ser devorado vivo para virar outra coisa. “Ele queria a experiência total”, lembra Meiwes.

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“Queria desaparecer completamente dentro de mim. Não queria deixar nada: nem um osso, nem um pedaço de carne. Queria manter uma conexão mental comigo. ‘Vou me tornar parte das suas células’, ele dizia. ‘Quando você me consumir vivo, vou experimentar o prazer máximo. Será o clímax de toda a minha vida’.” Um masoquista típico, que só atinge a felicidade quando experimenta uma dor excruciante? A experiência do ponto de vista de Brandes resultou no saboroso curta-metragem An Appetite for Bernard Brady, uma das centenas de obras de arte que surgiram inspiradas naquele banquete em Rotenburgo. Transmissão de energia A obra-prima de Greenaway é um filme de cabeceira do canibal alemão, que o viu aos 11 anos, mesma época em que assistiu a outro filme crucial para alimentar suas fantasias gastronômicas: Robinson Crusoe. Meiwes diz preferir Greenaway à série de obras estreladas por Hannibal Lecter, a quem considera “um psicopata vulgar”. O engenheiro alemão percebe o canibalismo antes como uma cerimônia espiritual de transfusão e sobreposição de almas do que como somente uma satisfação carnal, uma tosca visita a uma praça de alimentação de shopping center – mesmo que se trate da ceia de um gênio refinado como o do psiquiatra de O Silêncio dos Inocentes. “Gosto de imaginar que a pessoa que eu como fica comigo pra sempre”, diz ele em Interview with a Cannibal. “Canibalismo não é sobre matar ou estripar. Canibalismo é sobre estar em um relacionamento. Minha grande fantasia é procurar uma pessoa que queira ser abatida e comida. Desde

Cena de O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante (1989)

O filme O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante foi uma das inspirações do ex-canibal Armin Meiwes, hoje vegano, que calcula existirem, na Alemanha, nada menos que 800 antropófagos criança meu desejo era encontrar um ‘irmão’ a quem eu pudesse assimilar, uma pessoa que fizesse parte de mim.” Sempre me comoveu pensar nos jesuítas tentando explicar aos tupinambás o conceito cristão de comunhão, “Tomai e comei, este é o meu corpo”: imagine as carinhas confusas dos nossos antepassados... Para os bons selvagens, comer o outro não era nem símbolo nem tabu: era transmissão concreta de energia. “Só me interessa o que não é meu”, justificou Oswald de Andrade. Ainda que o canibalismo seja tão antigo quanto a espécie humana, existe uma sutil distinção entre o canibalismo e a antropofagia: o canibal

come carne humana para se alimentar; o antropófago a ingere em uma cerimônia. Onívoros e apreciadores de vários alimentos, nossos antepassados só comiam a carne dos inimigos por vingança – porque os inimigos haviam comido antes seus parentes – e também por acreditarem estar absorvendo a força dos outros. O simpático Armin Meiwes parou de comer carne e virou vegano. Mas, tal como o doutor Hannibal Lecter, de sua jaula o Canibal de Rotenburgo já ajudou a polícia a solucionar crimes envolvendo canibalismo. Ele calcula existirem 800 antropófagos na ativa na Alemanha. Cunhambebe lamberia os beiços. P

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tato PoR seRgio cRusco

POR CIMA O salto alto faz sucesso desde o Antigo Egito, há mais de 5 mil anos. Embora vez por outra esteja por baixo

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a primeira metade dos anos 1930, no Rio de Janeiro, uma cantora sapeca, cheia de balanço e baixinha bolou uma maneira de parecer mais alta e ainda assim manter a estabilidade durante suas evoluções. Desenhou o modelo e levou-o ao sapateiro, para que o executasse. – Mas isso é sapato de aleijado, dona Carmen! – reclamou o gajo ao bater os olhos no croquis de um sapato-plataforma. Não houve jeito, porém, senão cumprir o desejo da cliente, que em breve abalaria Hollywood com turbantes e balangandãs. A outra versão da invenção do sapato-plataforma indica que teria sido criado pelo estilista Moshe Kimmel na mesma década, para subir a altura de Marlene Dietrich (1,68 m). Se a história contada por Aurora Miranda num documentário sobre a irmã procede (e não há por que não ser verdadeira, pois Carmen era boa de traço e antes de cantar fez sucesso com os chapéus que desenhava), vencemos a parada. Moshe chegou a Los Angeles, fugido do nazismo, somente em 1939. Carmen Miranda, 1,52

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m, desembarcou na Broadway no mesmo ano. Já em cima do salto, portanto. Histórias sobre quem fez ou não primeiro, no entanto, são sempre difíceis de aferir nesse mundo de gente querendo parecer mais alta do que é. Há evidências pictóricas de que egípcios usavam saltos altos. Em especial, os açougueiros, que preferiam não molhar os pés em mares de sangue. No teatro grego tornou-se um

recurso fundamental, caso um ator baixote interpretasse uma personagem de classe ou posição política superior àquela vivida por outro ator mais alto. Na Idade Média era comum que homens e mulheres abastados usassem plataformas acopladas às solas; e não para se sentirem melhores que o resto. A Apenas protegiam seus finos sa sa-patos do lamaçal que eram as cidades, sem esgoto. No século 15, a onda dos chopines,

O salto no século 16, em quadro de Francesco Curradi. E a nossa Carmen Miranda

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sapatões de origem turca, causou furor em Veneza. Alguns eram tão altos, com mais de 45 centímetros, e tão pouco práticos que obrigavam as mulheres ricas e extravagantes que os calçavam a andar com cajados ou amparadas por serviçais. Mas os saltos altos, pelo menos na história ocidental, só ganham significado fashion com a chegada de outra pequena notável à corte francesa: Catarina de Médici, prometida ao duque de Or-

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leans, futuro rei Henrique II. Aos 14 anos, ele tinha um cacho com a cortesã Diane de Poitiers, 20 anos mais velha e responsável por sua iniciação sexual. Em 1533, a italiana Catarina, também adolescente e bem mais baixa que Diane, chegou à França insegura, calçou saltos altos para tentar disfarçar a diferença de altura. Lançou moda. A partir daí, estar alguns centímecentímetros acima foi tendência em várias cortes, gerando, na Inglaterra, a expressão wellwell -heeled, usada para designar quem tivesse poder, dinheiro ou os dois juntos. O monarca francês Luís 14, no século 16, levou a ideia de supremacia medida pelo tamanho do salto às últimas consequências. Proibiu a plebe de subir nas tamancas, estabelecendo clara distinção entre zé povinho e aristocracia. O formato de salto popular em sua época, gorducho e de silhueta convexa, próprio para homens e mulheres, até hoje é conhecido como louis heel no jargão da moda. Alguns exemplares retratavam cenas campestres ou de batalhas,

um espalhafato incomensurável como toda a moda suntuosa do período, com seus veludos, brocados e perucas encaracoladas. A Revolução Francesa (1789) passou a régua em todo aquele fru-fru, do barroco ao rococó. O Código Napoleônico chegou a banir saltos altos, justamente quando se pregava igualdade entre os homens. De fato, a barra pesou para os inimigos da fraternidade, que tiveram cerceada a liberdade de saracotear em cima de suas carrapetas. Não pegava bem e ainda corria-se o risco de ter a cabeça decepada por causa de um capricho estético. Notem que Napoleão Bonaparte é sempre retratado com saltos rasteiros. Josephine Baker e Pola Negri Na Era Vitoriana (1837-1901), os saltos altos, agora restritos às mulheres, desencadeavam polêmicas. Havia quem acreditasse que eram benéficos à postura, aliviavam as dores nas costas e faziam o ato de andar menos cansativo (opinião compartilhada por Hebe Camargo, que sempre atribuiu o belo torneado de suas pernas ao uso de saltos). Outros os viam como “anzóis envenenados” prestes a fisgar homens desavisados. Como quase todo discurso puritano, busca esconder um desejo reprimido, podemos entender aí um viés fetichista, embora as alturas se mantivessem moderadas, não mais que 5 centímetros, até os anos 1930.

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tato Ao longo da primeira metade do século 20, porém, essa altura foi subindo. E os historiadores da moda até hoje discutem quem criou o modelo mais radical, o finíssimo agulha (ou stiletto). Um de seus precursores foi o designer francês Andre Perugia, que teve como clientes estrelas

de salto agulha, alguns ultrapassando os limites dos 10 cm, chegando a 18 em casos extremos. Muitos creditam a Roger Vivier, que trabalhou para Christian Dior e cuja grife existe até hoje, a invenção do stiletto. O avanço da indústria do plástico permitiu a criação de um salto suficientemente

Curiosamente, as ideias políticas influenciam os altos e baixos dos calçados. A Revolução Francesa baniu os saltos, assim como os hippies e as feministas o fariam nos anos 1960. Mas eles sempre voltam do palco como Josephine Baker e Mistinguett, e do cinema como Gloria Swanson e Pola Negri. Na época em que a imagem já começava a valer mais do que tudo, essas mulheres precisavam crescer ante as ralés. Marilyn Monroe e Bettie Page Perugia não apenas entendeu esse anseio. Foi pop antes de o pop existir. Criou modelos inspirados em Georges Braque (em forma de peixe e com salto finíssimo, copiado à exaustão por diversas grifes até hoje) e Pablo Picasso (uma composição cubista em forma de calçado). Trabalhou com alguns dos estilistas europeus que realmente interessavam: Paul Poiret, Jacques Fath, Hubert de Givenchy e Elsa Schiaparelli (que se inspirou em Dalí e fez chapéu em forma de sapato). Lavrou a máxima: “O caminho para desvendar uma mulher é estudar seus pés”. Com o processo de industrialização, que pegou fogo a partir da década de 1950, já era possível a uma mulher comum ter seus sapatos

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resistente e cada vez mais fino, plasmando a figura clássica da sex symbol ao estilo Marilyn Monroe, que dizia serrar meia polegada de seus stilettos para ganhar um caminhar serpenteante. Marilyn simbolizou a ingênua, facilmente enganada pelos homens, de uma sensualidade quase pueril, à espera de um milionário que lhe garantisse conforto. Mas havia outra mulher de talhe independente de afeto e quase sempre montada

em saltos agulha. Se com eles pisasse nos homens, tanto melhor. A pin up Bettie Page, cabelos negros e bastos, foi sua melhor encarnação. O fenômeno da cultura de massa do pós-guerra cristaliza a imagem da vamp de salto alto, arquétipo sempre associado ao imaginário sadomasoquista. Ou já viu dominatrix calçando rasteirinha? O desenhista americano Eric Stanton (1926-1999) ajudou a estabelecer essa mística, com suas mulheres cruéis, mandonas, lascivas, impiedosas, perpetrando toda sorte de castigos e punições contra rapazes imberbes – e contra mocinhas também. Seus desenhos ganharam o mundo em capas de romances baratos e em séries de quadrinhos que muitas vezes Stanton criava sob encomenda, de acordo com as taras do freguês. O homem, no traço de Stanton, tem olhar abobado, chorão. A mulher não traz nenhum traço de comiseração na face

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Luís 14 subiu nas tamancas. André Perugia criou o sapato em forma de peixe

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Três amantes dos saltos: Helmut Newton, Bettie Page e Christian Louboutin (o das solas vermelhas)

e em 99% das vezes usa salto agulha, reiterando a simbologia que os sapatos altos conferem desde os tempos das dondocas venezianas: poder. Só que agora com mais charme. É curioso observar como os altos e baixos da moda de certa forma acompanham o pensamento político das gerações. À maneira dos revolucionários franceses, os hippies, na década de 1970, aboliram o salto, algo considerado tão antiquado quanto as instituições que contestavam. No máximo, usavam tamancos, que eram rústicos, próprios do homem agreste.

O movimento feminista foi na mesma onda, vendo no salto alto um símbolo de opressão. Os ativistas do Black Power, ao contrário, subiram nas plataformas: altíssimas, vistosas, deslumbrantes. Era preciso levar o orgulho às alturas. E o mundo segue em montanha-russa. Na virada do milênio, designers famosos pelos saltos finos como Manolo Blahnik, Georgina Goodman, Jimmy Choo e, sobretudo, Christian Louboutin (o das solas vermelhas, glorificado pelas moças de Sex & The City) viraram heróis. Mas há quem defenda o conforto dos modelos baixos. O NPD Group, o maior especialista em pesquisa de mercado do setor calçadista, apontou um declínio de 12% das vendas dos modelos stiletto no ano passado. A imagem sedutora da mulher que se equilibra nas alturas, no entanto, não deve ser apagada do imaginário masculino tão facilmente. O fotógrafo Helmut Newton (1920-2004), que elevou ao status de fine art a estética SM – de couros, cordas, saltos e palmadas –, tinha uma visão particular dessa predileção: “Uma mulher não está completamente nua sem saltos altos”. P

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O argentino Nicolás Catena em São Paulo: “Agora quero aprender a falar português”

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Por luciana lancellotti retrato marcelo sPatafora

A ARTE DA REVOLUÇÃO Na busca incansável pelo aumento da qualidade na produção vinícola em Mendoza, Nicolás Catena tomou decisões ousadas e chegou a ser chamado de louco

N

a região rural de Men-

das cepas e dos vinhos locais, sobre-

já têm”. É inimaginável a situação, mas os

doza, oeste argentino, os

tudo os Malbecs – resultado, em boa

pontos principais do acordo de importa-

caminhos que ligam as

parte, dos esforços e, principalmente,

ção foram improvisados em um pedaço

vinícolas parecem guiados

da teimosia do argentino de ascendên-

de papel e até hoje não há contrato

pelas linhas que a cordilheira dos Andes

cia italiana Nicolás Catena, 77 anos.

assinado entre Mistral e Catena Zapata.

desenha no céu. Se todas compartilham

Incansável na investigação de melhorias

“Esse é um dos melhores lados do vinho”,

as montanhas como cenário – cinemato-

na qualidade de seus vinhos, o produtor

comemora Ciro Lilla. “Ao conhecer as

gráfico, é bom salientar –, a maior parte

trabalhou por décadas, desafiando céti-

famílias dos produtores, acabamos nos

conta, ainda, com outro fator em comum:

cos e fechando os ouvidos para críticas.

tornando amigos – o mesmo aconteceu

o estilo arquitetônico, pautado pelos châ-

“Até mesmo meus amigos acreditavam

com a família do [produtor italiano] Angelo

teaux franceses ou pelas villas italianas.

que ou me sobrava dinheiro e eu não me

Gaja –, são sonhos que fui realizando.”

Entre elas, porém, um edifício se

importava com os resultados, ou algo

A parceria foi comemorada com um

destaca ao reproduzir uma pirâmide maia.

não funcionava bem na minha cabeça”,

jantar no Jockey Club de São Paulo para

Não fossem os vinhedos no entorno e a

conta, muito bem-humorado.

duzentos convidados ligados ao vinho

área onde está encravado – Luján de Cuyo,

Nome mais importante do vinho

e à gastronomia. Horas antes, Catena

uma das cinco sub-regiões principais de

argentino atualmente, Nicolás Catena

nos concedeu uma entrevista. Elegante e

Mendoza –, associá-lo a uma vinícola não

esteve no Brasil para a comemoração dos

amável, ele fala pausada e detalhadamente

seria uma suposição imediata.

25 anos de amizade com a família Lilla,

sobre sua trajetória profissional e pessoal.

proprietária da importadora Mistral,

Quando se refere à família, no entanto, os

duzidos os vinhos Catena Zapata, marca

em São Paulo, que traz seus vinhos para

olhos transmitem brilho especial. “Agora

emblemática argentina que fez do pionei-

o Brasil. A relação teve início durante a

quero estudar português, porque é a

rismo uma bandeira. E engana-se quem

Vinexpo, Paris, em 1993, quando Ciro

língua que vão falar meus dois netos mais

deduz que o estilo da construção, inspira-

Lilla conheceu Elena Catena, mulher de

jovens”, comenta, ao se referir aos filhos do

do na cultura mais avançada da América

Nicolás. Ao provar um copo de Chardon-

genro brasileiro com sua caçula, Adrianna,

pré-colombiana, foi uma escolha baseada

nay, gostou tanto que quis experimentar

que hoje vive em Oxford e dá nome a seu

meramente na estética. Trata-se de uma

um tinto. Degustou, então, um Cabernet

vinhedo mais importante. Historiadora,

homenagem do produtor ao caráter não

Sauvignon e perguntou logo em seguida:

ela estudou os vinhedos mendocinos e

europeu e único do terroir mendocino.

“Vocês têm representante no Brasil?”. Ao

resgatou fatos importantes sobre as castas

ouvir a resposta negativa, cravou: “Então

mais antigas plantadas pelos imigrantes

Pois sob aquela construção são pro-

Esse caráter começa pela tipicidade

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Entre barricas: a Catena Zapata é uma das vinícolas mais visitadas de Mendoza

Ao comandar sua primeira revolução, na década de 1980, Nicolás Catena entrava no mundo da qualidade internacional – hoje a Argentina é o décimo maior exportador de vinhos do planeta

italiano, mas uma década antes”, explica. “Quando estive lá, já estavam seguindo a escola francesa e lembro-me de terem me dito: ‘Catena, não invente, faça o mesmo

italianos na região argentina. O olhar de

em áreas ainda pouco exploradas, ou

que os franceses, que produzem o vinho

Catena também parece sorrir quando ele

mesmo desconhecidas até então, como

mais caro do mundo’.”

se refere à primogênita, Laura, que copro-

Agrelo e Luján de Cuyo.

tagoniza a terceira e mais recente revolu-

cer, com toques de tosta, em um exercício

ção da vinícola. O filho do meio, Ernesto,

bodega familiar mas se formou econo-

para evitar que todos os vinhos apresen-

também ingressou no mundo do vinho

mista e viveu em Berkeley com a mulher,

tassem o mesmo sabor. Garantiu, assim,

– é considerado um talento ascendente

Elena, durante alguns meses de 1982,

uma boa dose de autenticidade à bebida.

e produz, no momento, os vinhos Tikal,

quando ministrou aulas no departamento

“Dei início a um projeto para fazer o

elaborados em pequena quantidade.

de economia agrícola na Universidade da

mesmo que os californianos, entrando

Califórnia. Durante um fim de semana,

no mundo da qualidade internacional”,

ao visitar uma vinícola no Napa Valley,

afirma. “Foi uma revolução que permitiu

ele teve o insight de sua primeira revolu-

que a Argentina se convertesse em um

ção. “Percebi que o vinho deles era muito

país exportador de vinho, o que até aquele

superior ao que produzíamos na época”,

momento, não era.” Hoje, a Argentina é

admite. “Decidi retornar e centralizar mi-

o décimo maior exportador de vinhos do

nhas atenções à nossa vinícola, que então

mundo, de acordo com a OIV - Interna-

utilizava métodos baseados na escola

tional Organisation of Vine and Wine

italiana, algo obviamente herdado de meu

–, com um volume de exportação de 2,7

avô.” Em outras palavras, os vinhos da

milhões de hectolitros anuais.

Rupturas A produção de vinho na Argentina pela família Catena começou no fim do século 19, com a chegada do imigrante italiano Nicola Catena, avô de Nicolás, que em 1902 plantou em Mendoza a primeira vinha de Malbec, até então utilizada em cortes de vinhos bordaleses na França. Em 1934, seu filho, Domingo Catena, pai de Nicolás, casou-se com Angelica Zapata e assumiu a vinícola familiar, impulsionando a Bodega Catena Zapata. Inovou não somente ao apostar na Malbec, mas também ao investir

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Nicolás acompanhava a rotina da

Pois ele tratou de fazer a fruta apare-

Bodega Catena Zapata estagiavam por muito tempo em madeira, oxidavam e, embora ganhassem fineza, perdiam o caráter frutado. “No Napa Valley, os produtores também haviam investido no estilo

“Languedoc, não” A segunda revolução comandada por Nicolás aconteceria no início da década de 1990, quando a Bodega Catena

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Zapata já havia implementado mudanças tecnológicas e alcançado êxito nas vendas nos mercados americano e britânico. Certo dia, um produtor francês comparou o sabor dos vinhos Catena Zapata com o dos produzidos no Languedoc. “É uma região francesa não tão prestigiada e eu não queria isso, queria algo semelhante à Borgonha e a Bordeaux”, diz. Como o Languedoc é uma área com temperaturas altas, Catena buscou, para se diferenciar, regiões mais frias em Mendoza, sabendo da grave ameaça de ocorrência de geadas. Arriscou, assim, plantar as vinhas em altitudes muito maiores, visando dimi-

A QUINTESSÊNCIA DOS VINHOS CATENA Os cinco rótulos mais aclamados da vinícola de Nicolás Catena são produzidos no vinhedo Adrianna, a 1,5 mil metros de altitude, a partir de parcelas únicas

nuir os riscos de geada: resolveu cultivar a 1.500 metros, criando, assim, o vinhedo Adrianna, em Gualtallary, gerando um sem-número de críticas. “Entendo a preocupação geral em torno da minha decisão, mas, veja, até hoje nunca tive-

Mundus Bacillus Terrae Malbec Elaborado com uvas cultivadas em uma parcela composta por carbonato de cálcio e fósseis marinhos que cobriam a região há milhões de anos – daí o nome,“elegantes micróbios da terra”. Muito encorpado, com taninos abundantes, tem passagem de dois anos por carvalho francês. Fortuna Terrae Malbec O nome “sorte da terra” faz referência às videiras sortudas da parcela do vinhedo onde são cultivadas. O frescor resultante da profundidade do solo e da altitude proporciona ótima acidez e aromas delicados de flores. Um tinto aromático e elegante, com taninos arredondados. River Stones Malbec Produzido a partir de uma pequena parcela coberta por pedras ovais brancas que pertenceram ao leito de um

mos geada ali”, orgulha-se. “Foi uma das antigo rio. As pedras abundantes facilitam a ótima drenagem e a adaptação de temperaturas extremas. Intensamente aromático, concentrado e opulento. White Bones Chardonnay As vinhas são cultivadas em solo aluvial, rico em calcário, e subsolo de pedras redondas, que resultam em um branco exuberante e denso, com notas de mel e damasco, com ótima acidez. A safra de 2009 levou 97 pontos de Robert Parker, nota mais alta concedida pelo crítico a um vinho sul-americano. White Stones Chardonnay O nome vem da pequena parcela do vinhedo Adrianna, “Piedras Blancas”, que se refere à composição do solo, com presença abundante de pedras ovais brancas cobertas de cascalhos. Um branco muito complexo, concentrado e aveludado, combinando notas minerais, de mel e de frutos secos.

melhores resoluções que tomei na vida, porque hoje é nesse vinhedo que produzimos nosso melhor Malbec e nosso melhor Chardonnay.” O tempo trouxe ainda mais experiência e Catena pôde observar as influências da altitude sobre a qualidade das uvas que, sob maior amplitude térmica, eram cultivadas em condições ideais de maturação. “O que ninguém tinha me dito na Califórnia foi que, para os franceses, a qualidade – sobretudo o sabor e o aroma de um vinho – dependia do que eles chamam de microclima e da composição de determinada área do solo”, observa. “Nunca soube por que os californianos não perceberam isso na época.” Certo da relevância do microclima, Nicolás finalmente deu início a uma terceira revolução, ao lado da primogê-

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nita, Laura: buscaram setores dentro dos próprios vinhedos que apresentavam diferença na qualidade das vinhas. Bióloga, Laura entendeu que a interação com cada setor traria ainda mais qualidade aos vinhos – cultivadas individualmente, as

A pirâmide que abriga a Bodega Catena Zapata, em Mendoza: referência maia

uvas expressariam maior autenticidade. Ela estudou o solo e trabalhou na identificação dos setores, dando início a um novo processo: a elaboração dos vinhos de parcela, desenvolvida a partir da compreensão de cada microterroir e de sua capacidade de proporcionar vinhos de qualidade. “É um tema muito importante, que Laura estuda com afinco”, diz. “Ela vive em San Francisco com o marido e os três filhos e vem para a Argentina seis vezes por ano.” E aproveitando a adrenalina das revoluções da família Catena, é natural querer saber do patriarca qual será a próxima. A resposta, em tom espirituoso, vem quase imediata: “Ora, mas eu já disse que é aprender a falar português!”, diverte-se.

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capa pOR feRnandO paiva RetRatOs tuca Reinés

TIME IS MONEY E FREDDY RABBAT, CEO DA MANUFATURA SUÍÇA DE RELÓGIOS TAG HEUER NO BRASIL, SABE DISSO COMO POUCOS. VEJA SUAS AVENTURAS NO MERCADO DE LUXO

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capa

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N

o descanso de tela do paulistano Freddy Rabbat, 54 anos recém-completados no útimo 8 de setembro, rebrilha a imagem de um Porsche 356 Carrera ano 1959 em estado impecável. Peça cobiçada mesmo pelos colecionadores da Alemanha, ela atesta o fascínio do dono pela velocidade. Trata-se de paixão inata por “tudo que tenha motor”, como ele mesmo diz, vinda da infância. Aos 11, o menino convenceu o motorista da família a deixá-lo assumir pela primeira vez o comando de um sedã Dodge Dart, um dos carros brasileiros mais velozes dos anos 1970. “Só para sentir a sensação daquele motor V8”, ele relembra. Dali em diante, ninguém mais segurou o moleque, cujo maior sonho era ser piloto de Fórmula 1. Não é para menos, portanto, que Freddy seja hoje o CEO da TAG Heuer no Brasil. Umbilicalmente ligada ao automobilismo de competição, a manufatura de relógios esportivos tem entre seus embaixadores eternos o piloto Ayrton Senna e o ator Steve McQueen. Este, ao usar o modelo Monaco no pulso direito durante as filmagens de 24 Horas de Le Mans (1971), ao volante de um Porsche 917, botou a marca suíça no mapa da mídia. Um fracasso na época do lançamento, a fita se tornou cult nas décadas seguintes – Monaco virou “o” relógio daqueles que têm nas veias gasolina de alta octanagem no lugar de sangue. Filho de uma família de classe média alta de origem libanesa, Freddy é um dos pioneiros no Brasil do chamado mercado de luxo contemporâneo (“contemporâneo”, porque o comércio de bens luxuosos é mais velho que a Sé de Braga; começou na China, há pelo menos 8 mil anos). Graduado em engenharia metalúrgica pela FAAP – Fundação Armando Álvares Penteado, ele vendeu toneladas de telhas de zinco da Eucatex nos confins do Sudão e em todo o Oriente Médio até que decidiu retomar a tradição paterna. Seu Freddy, o pai, foi importador de relógios, lustres de cristal Baccarat e vinhos. Ao decidir montar o próprio negócio, numa época em que se dependia das chamada “cotas de importação”, o filho levantou uma delas no valor de US$ 50 mil. Resolveu trazer isqueiros e canetas. Para usar um chavão, foi o início de uma carreira bem-sucedida. E cheia de percalços, alguns engraçados, como se verá na conversa a seguir. No fim dos anos 1980, Freddy chegou a montar uma rede de 400 papelarias, tabacarias e lojas de presente país afora. Tudo para distribuir as esferográficas alemãs Montblanc – de corpo de acetato preto ou bordô. Emblemáticas da cultura yuppie vinda dos

Estados Unidos, as Montblanc vendiam como pão quente. E quando a marca decidiu dar um upgrade em seus canais de distribuição, exigindo que suas peças fossem comercializadas apenas em joalherias, Freddy foi pego no contrapé – mas deu o pulo do gato. Sua coroação como um dos mais experientes executivos da área teve data e lugar: 26 de junho de 1995, na esquina das ruas Oscar Freire com Haddock Lobo, Jardins, São Paulo. Naquela segunda-feira ensolarada de inverno, era inaugurada a primeira butique Montblanc – a flagstore, no jargão do meio – das Américas. Sim, a de Nova York ficou em segundo: abriu suas portas quatro meses depois. Na loja paulistana houve fila e empurra-empurra: “Imagine você ter de deixar os clientes lá fora, no sol”, recorda-se. “Mas não havia espaço nem vendedores, as pessoas entravam por turnos.” Freddy passou mais de duas décadas na Montblanc. Assistiu à entrada da grife no competitivo terreno da alta relojoaria. Quando a matriz, em Hamburgo, resolveu adquirir o negócio no Brasil, ele topou e assinou um acordo de não competição, uma quarentena de três anos. Pensou em viajar, restaurar carros, se divertir. Mas o quê. Descobriu-se um workaholic de marca, daqueles que carregam na alma o bicho-carpinteiro. Virou consultor nas empresas de amigos. Livre da quarentena, ele voltou à paixão antiga. Desde o fim de 2015 representa a TAG no Brasil. Marca que, coincidentemente ou não, tem linhas batizadas de Formula 1 e Carrera. Ele também responde pela distribuição das manufaturas suíças Alpina (com modelos inspirados na aviação), a clássica Fréderique Constant e a ultrajovem Bomberg – cujo estilo militar-motociclístico abusa de caveiras e afins. Casado, Freddy é pai de dois filhos: a garota, de 19 anos, cursa economia e sustentabilidade na universidade Columbia, em Nova York. O filho, o terceiro Freddy do clã, tem 16, adora carros, quer ser engenheiro e acaba de fazer um curso de verão em Stanford. Corintiano fanático, o pai se orgulha de tê-lo levado em 2012 ao estádio do Pacaembu para assistir ao Timão levantar o título de campeão da Libertadores. “Houve uma época que o Corinthians só perdia, ele era criança e queria virar são-paulino”, conta. “E eu disse a ele que homem que é homem não vira a casaca: ‘Você nasceu corintiano, é Corinthians até morrer’.” Nesta entrevista, realizada em seu escritório na parte corporativa do shopping Cidade Jardim em 27 de julho de 2017, Freddy faz um divertido relato de sua carreira. Conta a sua experiência no mercado de luxo e, principalmente, analisa em profundidade os erros e os acertos dos players dessa área tão fascinante quanto volátil.

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capa THE PRESIDENT: Como foi sua

infância, Freddy?

Normal. Apesar da família libanesa, sempre me julguei brasileiríssimo. Sou paulistano da gema. Estudei a vida inteira, do pré-primário ao terceiro colegial, numa escola que ficava na rua Bela Cintra, nos Jardins, e hoje não existe mais: Externato Nossa Senhora de Lourdes. Era uma escola religiosa, católica. Vocês falavam francês em casa?

Sim, foi minha primeira língua. E com 6 anos comecei a cursar a Aliança Francesa. Eu brigava com meu pai, pois queria aprender inglês, mas só me matricularam quando eu tinha 9 anos. Então, apesar do sangue libanês, fui criado absolutamente como brasileiro. Sempre me considerei totalmente brasileiro. E tem alguma vantagem nisso?

Não. O engraçado é que me considerei a vida toda brasileiro até começar a namorar minha futura mulher. Porque ela é brasileira de verdade, com raízes da época do Cabral, se não antes, da época dos índios. Aí, um dia, a gente conversando, ela disse: “Imagina, você não tem nada de brasileiro, você é completamente árabe”... Você lia gibi do Tintim quando garoto?

Sim, eu adorava. Meus pais viajavam muito e me traziam aquelas edições francesas, de capa dura. Li também muito Júlio Verne, cheio de aventuras extraordinárias, Vinte Mil Léguas Submarinas, Viagem ao Centro da Terra. Sempre gostei de aventura, de adrenalina. Aliás, para trabalhar no Brasil só gostando de adrenalina, né? [risos] Fale um pouco da sua família.

Meu pai veio do Líbano para o Brasil em 1953. Um Líbano que, para ele, era

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um adendo da França. Seu primeiro idioma era o francês. Ele se considerava muito mais francês do que libanês. Não conheci meu avô paterno, ele faleceu aqui em 1961. Ele e o sogro haviam investido numa propriedade muito grande na Turquia. Colocaram nela o que tinham e o que não tinham. A Turquia estava instável, eles foram desapropriados e perderam tudo. Meu pai, recém-formado advogado, falou: “Aqui não tem nada mais para eu fazer, meu pai não vai se levantar dessa”. E resolveu sair do Líbano. Ele estava em dúvida se vinha para o Brasil ou ia para o Canadá. Por que ele escolheu o Brasil?

Terra do futuro. Não vamos falar disso, né? [risos] Ele veio com seus avós?

Não, veio sozinho. Depois veio o irmão. Eles tinham alguns primos distantes aqui. E, quando ele chegou, a primeira coisa que fez foi fazer exatamente o que todo libanês fazia... ...montou uma loja de tecidos.

Exatamente. Foi para o comércio, por muito tempo foi sócio do irmão. A sociedade terminou, e ele resolveu trabalhar com uma coisa da qual sempre gostou: o mercado de luxo – que naquela época não era chamado assim. Passou a trazer relógios e lustres de cristal Baccarat. Eram produtos sofisticados. Em 1976 as importações foram proibidas. A única coisa que podia ser importada eram vinhos, e meu pai entrou nesse ramo, montou uma empresa chamada Century. Ele já conhecia um pouco essa área, havia sido representante dos chocolates Tobler e Cadbury. Que tipo de vinho ele trazia?

Só vinho francês. Mas o Brasil não

tinha a tradição de consumir vinho. Aí ele passou a trazer o vinho branco alemão Liebfraumilch. Ave-Maria! O vinho da garrafa azul... [risos]

Esse mesmo. Aquilo virou moda e vendia como água. Era uma porcaria, doce, uma garapa, não? Mas vendia muito. Ele obviamente criticava: “O que posso fazer, se é o que o mercado pede? Preciso atender o mercado”. Aí, em 1981, entrei em engenharia na FAAP. Pedi: “Pai, quero trabalhar com você”. E ele: “Filho, vá primeiro aprender com o dinheiro dos outros. Quando você tiver alguma coisa para acrescentar, vem falar comigo”. Ou seja: foi a primeira cacetada que levei na vida profissional. [risos] E aí?

Eu queria trabalhar em comércio exterior, mas em exportação, porque o Brasil era um mercado fechado. Acabei entrando na Eucatex como estagiário. Eles haviam comprado uma máquina de fazer telhas de zinco para cobrir uns galpões deles. E a máquina ficou ociosa. Então eles decidiram exportar. E precisavam de um maluco que fosse viajar para o Oriente Médio e a África. Nada como um moleque para fazer essas coisas...

Exato. E lá fui eu. Viagem na época era uma coisa cara, então você pegava um avião e passava três meses como caixeiro-viajante. Eu já havia arrumado daqui do Brasil um grande cliente no Sudão, o país ainda não estava convulsionado como hoje. A população morava em favelas e todos os barracos eram cobertos de zinco, aquilo durava a vida inteira... E o Oriente Médio acabou virando um mercado enorme, um mercado de cons-

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trução. Fui para Jordânia, Omã, Arábia Saudita, Kuwait, Iêmen, Bahrein, Emirados Árabes... Putz, Dubai era horrível, pobre, não tinha nada. Bonito era Abu Dhabi, o “Jardim do Oriente”. Não havia os megaedifícios...

Zero, zero. Em Dubai, aquela grande avenida, hoje entupida de grandes edifícios, aquilo era um portão. Em Abu Dhabi pelo menos havia grama, plantas. Na época, eles rebocavam grandes icebergs dos polos, para transformar em água. Ainda não tinha água dessanilizada. Depois fui para o Kuwait, antes da guerra, da primeira invasão, do Saddam Hussein. Foram experiências muito legais.

canetas, comecei a importá-las também. Na segunda metade dos anos 80, a Montblanc começou a fazer muito sucesso nos Estados Unidos, com os yuppies. Curioso: a Montblanc havia sido comprada pela Dunhill para fazer as penas das canetas Dunhill. Elas eram feitas no Japão pela Namiki, que até hoje faz canetas de alto luxo, mas a Dunhill não aguentava mais a demora dos caras. E botaram um CEO para cuidar da marca, Norbert Platt, que foi uma das grandes sortes que tive na vida.

Caneta e isqueiro.

Isqueiro, exatamente. Relógio era muito para mim. Mas um isqueiro custava, a preços de hoje, US$ 2 mil. O melhor que havia na época era o francês S.T. Dupont. Depois vinha o Dunhill, inglês. Agora, aquele “clic” que o Dupont fazia, aquele som mostrava em qualquer lugar que você era uma pessoa sofisticada. Como as duas marcas fabricavam

Em consignação?

Nada! Tinha de pagar antecipado! Só sei que o lote chegou e, em menos de um mês, vendemos tudo. O antigo representante, que também importava comigo, esse cara sozinho comprou 20. O resto eu empurrei nas papelarias. Era o consumidor ávido por comprar. No final de 1992, a Montblanc me avisa: “Mudamos toda

“GAROTO AINDA, FUI VENDER TELHA DE ZINCO NO ORIENTE MÉDIO: JORDÂNIA, OMÃ, ARÁBIA SAUDITA, EMIRADOS. DUBAI ERA HORRÍVEL, POBRE, NÃO TINHA NADA”

E depois?

Chegou um ponto em que eu falei: “Bom, acho que já aprendi o que tenho para aprender”. Estávamos no governo Sarney [1985-1990] e as primeiras empresas de importação passaram a receber cotas. Era tudo muito difícil, abri uma empresa em janeiro, só em setembro consegui uma cota de US$ 50 mil. Pensei: “Pô, bem na boca do Natal”. E fui falar com meu pai: “Agora interesso? Tenho empresa, uma cota...” Mas eu não queria trazer vinhos, uma operação trabalhosa, precisa de armazém refrigerado. Queria trazer coisas pequenas, objetos de luxo. E o que era luxo na época?

gente venda essa por US$ 2.100?” Já havia uma de prata, de US$ 600, que não saía nem a pau. “Vou ficar com duas.” E eles: “Ah, não, reservamos 40 para você”.

Por quê?

Ele era jovem e brilhante. Ele entrou na Montblanc com uma visão de grife. Aqui no Brasil, o foco da Montblanc era papelaria. Começamos a vender bastante, cada vez mais por causa da onda yuppie. E só havia dois modelos que vendiam: a esferográfica preta e a bordô. A bordô era novidade. Tinteiro ninguém queria. Custava o dobro e sujava a mão. Quando chegou 1991, a Montblanc quis um distribuidor exclusivo e me ofereci. Fizeram um contrato de apenas um ano, mas em pouco tempo eu tinha 400 papelarias trabalhando com a marca. Aí aconteceu algo engraçado. A Montblanc fez sua primeira edição limitada. “Estamos lançando uma caneta sofisticada, vão ser 4.800 peças para o mundo, quantas vocês querem?” A série se chamava Mecenas das Artes. A primeira caneta dessa série foi a Lorenzo De Medici.

Isso. Eu disse: “Cara, a gente vende caneta de US$ 100 e vocês querem que a

nossa política, a gente agora vai trabalhar só com joalheria”. Eu falei: “Pô, 400 pontos de venda abertos e os caras agora querem trabalhar só com joalheria”. Mas eu era moleque, 29 anos, bem caxias, e topei. Missão dada, missão cumprida. Como não conhecia o mercado joalheiro, bolei uma estratégia simples. “Bom, quem é o melhor joalheiro do Brasil?”, perguntei. Na época era o Natan Kimelblat. Catei a malinha, botei catálogo, lista de preço, uma amostra, porque era apenas um produto... Marquei um horário com o sr. Natan e fui para o Rio de Janeiro. E levei a segunda maior bordoada da minha vida, depois daquela do meu pai. Como foi?

Eu já conhecia o Sérgio, filho dele. Entrei na sala: “Então, seu Natan, eu trabalho com a Montblanc, a gente agora mudou a política, a marca vai colocar as canetas em joalherias do mundo todo e pá, pá, pá”... E ele só ouvindo. Aí, olha pra mim, do alto daquela senioridade

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capa de quem havia montado um império, e dispara: “Na minha joalheria não entra canetinha de plástico”. Gelei. Minha estratégia tinha ido por água abaixo. Saindo do escritório, nos fundos daquela loja gigantesca, eles tinham um prédio na Visconde de Pirajá, me virei e falei pro Sérgio: “Cara, me ajuda, preciso botar a caneta aqui dentro”. E ele: “Ô, Freddy, não dá...”, daquele jeito carioca, né? “O velho não é mole, quando ele decide, não tem o que fazer.” Você insistiu?

Claro que sim. “Sérgio, eu preciso entrar de qualquer jeito.” Então ele se virou e falou: “Seguinte, o velho nunca vai para São Paulo. Quem cuida do negócio lá sou só eu, estou lá o tempo todo. Se você me

joalheiros quiseram. Em pouco tempo tinha 100 deles no Brasil inteiro. Com essa migração, ganhei em faturamento. O primeiro ano era venda, o segundo, reposição. Os negócios cresciam. Mesmo assim, havia um problema. Qual?

O espaço das canetas nas vitrines e nos balcões. Os joalheiros olhavam pra mim e diziam: “Meu, você vai ser sempre a vitrine do cachorro”. [risos] Que era a parte de baixo, certo? Nas vitrines de cima eram só joias e relógios. “Ô, põe a gente ali em cima também”, eu pedia. “Arrã, no dia em que você tiver relógio, a gente conversa.” Tá bom. Nesse tempo, por volta de 1994, a Montblanc já fazia artigos de couro. E conseguimos pela

“A LOJA DA MONTBLANC NA OSCAR FREIRE FOI A PRIMEIRA DAS AMÉRICAS. UMA LOUCURA! HAVIA FILAS NA PORTA. ERA TANTA GENTE QUE TÍNHAMOS DE TRANCAR E DEIXAR AS PESSOAS LÁ FORA”

fizer um bom negócio”... Bom negócio era quase vender minha alma, mas enfim. “Se você me fizer um bom negócio, experimento as canetas lá em São Paulo, na loja da rua Augusta, e se for bem a gente amplia, vai para o shopping Iguatemi.” Naquela época a rua Augusta ainda era bacana, a loja principal deles ficava lá. Pensei naquilo não como uma venda, mas como uma estratégia. Eu precisava fazer qualquer coisa e fiz. Deu certo?

Botamos a caneta lá dentro, começou a vender bem – e rápido, o que era mais importante. Porque, ao vender rápido, o Sérgio teve coragem de comprar de novo, já que estava fazendo tudo escondido do pai. O fato é que, depois que apareceu na loja dele, todos os

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primeira vez colocá-los nas lojas de joias. Até então era tudo muito compartimentado, joalheria vendia 90% de joias e o restante de relógio. Onde já se viu colocar artigos de couro? No ano seguinte vocês abriram a primeira butique Montblanc do Brasil.

Do Brasil, não. Primeira butique Montblanc das Américas, na rua Oscar Freire. Foi no dia 26 de junho de 1995. A primeira loja da marca nos Estados Unidos, em Nova York, foi inaugurada quatro meses depois. No mercado brasileiro você tinha apenas a Louis Vuitton com loja própria. Aquilo foi uma loucura, a economia bombando, filas na porta da loja... Filas?

Imagine você ter de trancar a porta, deixar as pessoas esperando lá fora, no

sol, porque você não tem espaço para atender, não tem vendedor. E a gente entrou enquanto a Oscar Freire não era nada ainda, a rua era baratinha. Mesmo assim, nos faltavam os relógios. O pessoal das joalherias continuava insistindo: “Ok, tudo bem, mas vocês são secundários ou terciários aqui – primeiro é joia, depois relógio, depois caneta. A gente só tem vocês porque vende”. Ótimo. E qual era a marca da moda de relógio na época, que todos queriam? A do Senna. [Ayrton Senna havia morrido no ano anterior, 1994] E qual relógio o Senna usava? TAG Heuer. “Pô, vou atrás dessa marca do desejo”, eu disse. Afinal, eu já me considerava um player razoável nesse mercado. Quem distribuía a TAG?

Um cara de Miami, dono de uma empresa chamada Andros. Distribuía para América Latina e Caribe. Fui conversar com ele, descobri que ele não tinha nenhuma ligação mais direta com a fábrica, era só o cara que viajava nesse mercado. Ele já trabalhava há anos com a H.Stern, mas a TAG, eu soube depois, queria dele uma distribuição mais ampla. Acertamos os detalhes, o preço não era aquele que eu queria, mas desejava demais a marca, o relógio bombava. Liguei para a Montblanc, animado. “Pessoal, agora a gente vai explodir no mercado, joalheiro não pode mais reclamar, vou fazer a sinergia da Montblanc com a marca mais desejada de relógios, estou fechando um contrato de exclusividade com a TAG Heuer para o Brasil.” E os caras: “Não, não pode”. Eu: “Como não pode? Vocês estão loucos? Nosso contrato diz que só não posso vender o que vocês fazem. Preciso de relógio, vocês querem que a gente tenha uma posição mais proeminente

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nas joalherias”... Eu tinha uma viagem marcada para Hamburgo [sede da Montblanc], e resolvi antecipar. Me levaram para uma sala de reuniões das mais importantes, me fizeram assinar um termo de confidencialidade. “Em 1998 vamos lançar a linha de relógios Montblanc”, me disseram. “Está feliz?” Você estava?

Falei: “Pô, gente, estou feliz, mas vou perder três anos até lá, né? Podíamos aproveitar para vender, o relógio está bombando”. Eles: “Calma, tenha paciência, você vai ver, vai ser um sucesso”. Como você fez para voltar atrás?

Pois é, já estava apalavrado com ele. Liguei para Miami e disse: “Olha, pelo preço que você quer não tem condições; preciso que você faça o meu preço”. Sabia que ele não ia fazer, mas se fizesse eu estava ferrado. E o cara: “Não, Freddy, não tem jeito, então deixa, vou continuar com a H.Stern, sinto muito”. Como eu sabia com muita antecedência, fui preparando o mercado. Claro que não podia falar, mas fui forçando os joalheiros a me colocar. O relógio foi apresentado aos distribuidores no fim de 1997 e lançado no Salão Internacional de Alta Relojoaria, em Genebra, no ano seguinte. A Montblanc fabricou 8 mil peças. Quantas você pediu?

Cinco mil. Oi?

Dos 8 mil, ficamos com 5 mil e vendemos todos. Os caras não acreditaram. Mas vou contar outra coisa. Quando eles foram apresentar a coleção para a gente, no fim de 1997, levei um susto. Dourado não era moda nem existia ouro rosé. A moda era aço. Os relógios tinham 38 milímetros [de

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capa diâmetro], a moda era 36. E foram mostrando: os cronógrafos tinham a caixa muito espessa. “Pô, que legal”, eu disse. “E o resto?” Eles: “Que resto? É isso”. Eram 13 modelos, todos idênticos – nove folheados a ouro, quatro de ouro. Você não sabia diferenciar um do outro. Mesmo assim você ficou com 5 mil relógios. E os outros 3 mil?

Foram distribuídos para as lojas deles, porque a Montblanc não tinha clientela de joalheria até então. Estavam engatinhando. No segundo ano, aumentaram a produção para 9 mil peças. Eu repeti o pedido de 5 mil e vendemos novamente. Os caras não acreditavam. Só que aí veio a primeira crise cambial, em janeiro de 1999.

houve o problema da Daslu. [Em 13 de julho de 2005 a loja foi alvo da operação Narciso, deflagrada pela Polícia e pelo Ministério Público Federais. O objetivo era apurar os crimes de formação de quadrilha, sonegação fiscal, falsificação de documentos e contrabando] A Daslu era uma potência.

Grande potência, todo mundo estava lá dentro. Eu não quis montar loja lá e as pessoas me chamaram de bobo. “Como você não monta loja na Daslu? Mais de 50 das melhores marcas de luxo no Brasil estão lá.” Havia muitas butiques exclusivas. Foi quando essas grandes marcas falaram: “Bom, e aí? Se a Daslu ganhou dinheiro conosco esse tempo todo, a gente também vai ganhar dinheiro no Brasil.

lá, não tem jeito. Vem devagar, faz um projeto devagar. Bom, aí os caras dizem: “Vamos para o Brasil. A gente sabe trabalhar o mundo todo, o Brasil não vai ser diferente”. E despejaram aqui um caminhão de dinheiro. Cidade Jardim, Iguatemi, JK, Batel, Rio Mar, vamos fazer um monte de shoppings de luxo. E eu, macaco velho, olhando e pensando: “Caramba, isso vai dar caca. A gente está num país de 200 milhões de habitantes, não de consumidores. Temos hoje, bombando, 4 milhões de prováveis consumidores. Claro que o mercado de luxo não vende para esses caras, a gente conversa com eles – vendemos para uns 200 mil, 300 mil”. Isso sem contar aqueles que, durante a época de câmbio favorável,

“TEMOS HOJE, NO BRASIL, BOMBANDO, CERCA DE 4 MILHÕES DE

preferiam comprar no exterior.

CONSUMIDORES. O MERCADO DE LUXO CONVERSA MAS NÃO VENDE

Pois é, o Brasil já era inseguro, já existia o turismo de consumo, mas ainda não era tão forte. Porque na hora em que as grandes marcas vieram, elas tinham de operar de maneira diferente daquela da Daslu, não? E aí vem o custo Brasil. O cara olha e fala: “Caramba, como é que eu faço para vender para esse meu cliente pelo mesmo preço que ele compra lá fora?”. Depois de muito sacrifício, ele chega na conta. Ótimo, vamos lá. No papel dá bonitinho, vai dar uma rentabilidade de 3% no fim do ano. Obviamente, até o fim do ano é um baita buraco, não? É quando acontece uma coisa curiosa. Lembra-se daqueles 200 mil, 300 mil consumidores fortes? Pois bem, as dez marcas que vendiam para eles de repente viraram 150. Todas vendendo para esses mesmos caras. Você soma a isso a crise em que o país se encontra e... bom, tem gente querendo mesmo se matar.

PARA TODO ESSE PÚBLICO. E SIM PARA 200 MIL, 300 MIL PESSOAS” Na reeleição do Fernando Henrique Cardoso.

Fernando Henrique, isso. O dólar, que era 1,20, foi para 2 e cacetada, quase 3. E eu me vi com um estoque gigantesco de relógios... Um preço absurdo. Falei com eles: “Gente, bom, vocês estão vendo, o Brasil afundou”. Disse que haviam sido anos e anos maravilhosos, mas queria saber como eles poderiam me ajudar. “Não se preocupe, ninguém vai te forçar a comprar mais mercadoria.” Eu disse que não era aquilo, queria saber se eles não podiam pegar de volta, não tinha como vender. Bom em resumo, a resposta foi: “O problema é seu, vire-se”. Você foi vendendo aos poucos?

Sim, fomos vendendo aos poucos. Depois o Brasil se recuperou. Em 2005

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O país está aberto, vamos para lá”. E de repente você teve, em 2007, o shopping Cidade Jardim começando, o Iguatemi se elitizando, o Morumbi pensando se ia se elitizar, o Higienópolis querendo se elitizar. E as marcas começaram a chegar em bando. No fundo, a gente se pergunta: “Não posso acreditar que grupos de marcas desse tamanho entrem num mercado sem fazer uma pesquisa gigantesca antes”. Ninguém fez pesquisa alguma. Algumas marcas, por sua vez, demoraram muito para entrar. Chegaram durante o primeiro governo Dilma [2011-2014].

Em alguns casos, na alta relojoaria, estamos falando de marcas centenárias. A marca centenária, como o nome diz, leva mais de 100 anos para chegar

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1. Retrato em preto e branco: Freddy com 1 ano; 2. Aninhado entre a mãe (Darcy) e a avó (Bárbara); 3. Aos 3 anos, de mãos dadas com a irmã, Leda; 4. Aproveitando uma folga para pedalar na Alsácia; 5. Em férias na Provence com a mulher, Patrícia; 6. Aos 33 anos, no auge da onda yuppie, em seus tempos de Montblanc

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capa E aí?

Aí que o sujeito diz: “Deixa eu sair correndo logo, antes que cortem cabeças”. Quando, na verdade, cabeças já iam ser cortadas. Pois o sujeito que toma uma decisão dessas e a coisa dá errado, ele terá a cabeça cortada. Bom, vamos voltar para o enxame de lojas. Há uma crise mundial e todas começam a dar prejuízo. As pessoas começam a repensar: “O que nós estamos fazendo ali?”. Então, o próprio país tem uma missão de pensar... óbvio que isso não está em nenhuma das prioridades do governo. Mas ele precisa pensar o que ele quer desse comércio internacional. Caso contrário, não vai sobrar ninguém, todo o mundo vai embora. Já estão fazendo uma conta que não é mais o Brasil. Eles sabem que aqui a rentabilidade é muito pequena. A conta é: quanto eu ganho de dinheiro com o brasileiro fora do Brasil? Vale a pena estar aqui, marcar presença, se eu ganho mais dinheiro fora? Claro que o país tem mil problemas muito maiores para cuidar, mas acho que este, saber o que queremos, é mais um. Quanto os produtos de luxo pagam de imposto e taxas?

Depende do produto. A grande maioria está na faixa dos 20% de imposto de importação. Mas depois vêm o IPI, o ICM, PIS, Cofins... Tudo somado chega aos 100%. Claro, o mercado de luxo lá fora tem uma margem gorda, o que permite a ele fazer essas concessões e trabalhar no Brasil. Mas tem que trabalhar com uma margem muito reduzida e é difícil. Então muitas marcas desistem. Vamos voltar para o Freddy de novo.

Bom, em 2011 a Montblanc me avisou que queria assumir a operação. Eu disse:

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“A casa é de vocês. Vocês são a Sabesp, eu sou a torneira”. Negociamos durante um ano, eles compraram o negócio e eu assinei um contrato de não competição por três anos. Achei que fosse uma delícia: “Oba, três anos, vou curtir, vou aproveitar, vou...” E então você descobre que é viciado em trabalho. Eu não via a hora de voltar. Como não podia ser no meu ramo, fui dar consultoria para amigos, em outras áreas. Fui me divertir um pouco. Mas se você perguntar: “Freddy, você tirou um sabático?”. Imagina. Não tenho paz de espírito para tirar sabático. Passei três anos dando palpite nos negócios dos amigos. Depois, fui resgatar os sonhos antigos. Voltar para o mercado de que eu tanto gosto. Por onde você começou?

Comecei a olhar o mercado de relógios. Queria trabalhar com marcas novas. Mas quando vi o TAG Heuer novamente, bateu o coração. Marquei uma reunião com o presidente da marca na Suíça e, olha, tem momentos da vida que a gente fala: “Não, sou iluminado demais”. Ele se chama Jean-Claude Biver e acho que, hoje, é o maior ícone da indústria relojoeira suíça. É quase um Midas. [Biver tem uma carreira de muito sucesso, no comando de marcas como Blancpain, Omega, Hublot] Ele disse que conhecia meu trabalho, fiquei impressionado. Negociamos lá mesmo e ele perguntou quando eu poderia começar: “Amanhã”, eu disse. “Está ótimo. Chegando ao Brasil você vai encontrar um executivo meu com o contrato para a gente assinar. Você assina e a gente começa já para o Natal deste ano.” Isso foi em 30 de novembro de 2015. Depois ele veio para cá, é um cara muito ativo, chegou pela manhã, foi embora à noite, enfim, foi uma coisa fantástica

para mim. Depois do Norbert Platt, da Montblanc, nunca mais pensei que fosse encontrar um sujeito assim. A TAG Heuer passa por um bom momento.

Olha, enquanto o mercado total de relógios suíços despencou 16% em 2016, a TAG cresceu 10%. Quando o Biver assumiu, no fim de 2014, a primeira coisa que disse foi: “A marca esqueceu nossa linha Formula 1. Estamos muito focados em alta relojoaria, alta relojoaria, alta relojoaria. Alta relojoaria é muito bacana, tem o seu mercado. Mas nosso negócio é o Formula 1”. Aí, abaixou o preço do relógio e, quando todos criticaram, ele disse: “Esperem, que todos vão nos copiar”. Dois anos depois, não deu outra. O que mais o Biver fez?

Anunciou junto com a Apple que a TAG ia lançar o primeiro smartwatch do mercado de luxo suíço. A Apple lançou o dela creio que em julho de 2015 e, no fim de outubro, saía o nosso. Foi um sucesso de faturamento. Enquanto a Apple vendia o dela por US$ 500, a TAG estava vendendo a US$ 1.500, US$ 1.700. Deu tão certo que teve de construir uma fábrica só para isso. Quanto custa um smartwatch desses aqui?

Começa em R$ 7,3 mil e vai até R$ 50 mil. Essa diferença é porque o Biver teve a ideia de você poder trocar a pulseira, colocar uma de ouro, até de brilhantes, se quiser. Você remove a caixa e pode acoplar um turbilhão. E o desenho é o de um relógio analógico, não parece que você está com uma minitelevisão no pulso. Ou seja, é uma revolução. E quando você percebe a Louis Vuitton lançando seu smartwatch, pode apostar: ele veio para ficar. Marcas que

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fazem relógios à mão, peças únicas de 500 mil dólares, talvez não entrem nisso. Mas marcas mais comerciais, se não entrarem nessa, estão ferradas. Agora, você não trabalha apenas com a TAG, apesar de ser o distribuidor exclusivo.

Sim, combinei com o Biver que eu poderia trabalhar com marcas mais caras ou mais baratas – desde que não competissem frontalmente com a TAG. Só vamos dar ênfase a ela, pois se trata de um produto desejado pelos joalheiros, é desejado no mundo todo. E o brasileiro adora. Fiquei impressionado ao descobrir o quanto a memória do Senna está ligada à TAG. É por isso que ele até hoje é o embaixador da marca. Por falar em Senna, de onde vem sua paixão pelos carros?

Putz, desde sempre. Influência do seu pai, do seu avô?

Imagina, o meu pai não estava nem aí com carro. Todo mês eu comprava a Quatro Rodas com a minha mesada. E, desde que me lembro por gente, sou apaixonado por Porsche. Eu dizia: “Pai, quero ser piloto de Fórmula 1”. E ele: “Filho, sei o quanto você gosta de carro, mas veja quantos campeões brasileiros há no mundo – um”. [risos] Era o Emerson Fittipaldi. “Pois é, e todo o resto está ali, se matando, morrendo. Um conselho: trabalha, ganha dinheiro, compra seus carros”. Teve um tio meu que me marcou muito. Um dia, em 1969, estou no Guarujá, na casa de outro tio, e vejo ele chegando num Lamborghini Miura. Olhei aquilo e pensei na hora: “Que Apollo 11 que nada, que homem ir à Lua coisa nenhuma, isso é que é maravilhoso”. Eu não tinha completado 6 anos, nem sabia

pronunciar direito Lamborghini. [risos] Do que mais você gosta?

Sou apaixonado por qualquer coisa que tenha motor: carro, moto, avião, barco. Mas precisava olhar para algo que estivesse ao meu alcance – e carro sempre esteve. Moto eu adorava. Antes dos 14 anos eu enchia a paciência do meu pai, queria porque queria uma moto. Meus amigos já andavam de mobilete, um deles tinha uma Yamaha Mini Enduro, de 50 cilindradas. “Não te dou moto

do carro decolando. Já era meio idiota naquela época. [risos] Saltar de carro como o Steve McQueen nas ruas de San Francisco em Bullit, não?

Exato! Eu adorava, vi todos aqueles filmes, Bullitt, Grand Prix, 24 Horas de Le Mans. Em todos eles tem a cena de um carro decolando. Escuta, você gosta de vinho?

Olha que coisa engraçada, né? Meu pai é importador, toneladas de vinho em casa,

“O SMARTWATCH VEIO PARA FICAR. QUANDO VOCÊ VÊ A LOUIS VUITTON LANÇAR O SEU, PODE APOSTAR: AS MARCAS MAIS COMERCIAIS QUE NÃO ENTRAREM NESSA ESTÃO FERRADAS”

de jeito nenhum”, meu pai dizia. Minha mãe era brava: “Não vai ter moto”. Foram anos assim. Até que um dia meu pai não aguentou: “Prefiro te dar um carro do que uma moto”. Aí, pronto, já viu, né?

bebi muito, me casei, minha mulher não bebe, não gosta de bebida, eu tentei insistir em beber, mas sozinho não tem graça nenhuma... Hoje sou quase abstêmio.

Ou seja, você começou a dirigir

O Freddy já foi um Freddy e meio. Tenho 66 quilos. Há sete anos eu pesava 30 quilos a mais. Amava comer, adorava. Emagreci só mudando a alimentação. Não fiz operação, nada.

antes dos 18, certo?

Putz, comecei a dirigir com 11. Onde? No Guarujá?

Não, aqui em São Paulo. Eu cresci muito cedo. Depois parei de crescer rápido, dá pra ver. É que nosso motorista ia me buscar na Aliança Francesa, ali em Santo Amaro, e eu ficava enchendo até ele me dar o carro. Minha mãe não sabia, claro. Que carro era?

Um Dodge Dart sedã, quatro portas, câmbio de três marchas na coluna, motor V8. Eu adorava sentir aquela sensação de carro de corrida. As ruas eram vazias, ele me deixava dirigir um pouco e depois ele retomava. Às vezes a gente pegava a avenida Vereador José Diniz, e ele acelerava em cima do viaduto sobre a avenida dos Bandeirantes, só para eu ter a sensação

E de comer?

De que culinária você gostava?

Francesa. Uma das minhas diversões era viajar pela França e explorar restaurantes. Lá eu bebia ainda mais vinho. Como minha mulher não bebia, ela dirigia. Um dia, meu filho com 9 anos de idade, eu quis pedalar com ele. Comprei a bicicleta e li no adesivo: “Peso máximo admissível: 200 libras”. Ou seja, mais ou menos 90 quilos.

E eu pesava 96! Aí falei: “Não posso subir nessa bicicleta”. Perdi meu pai cedo, eu tinha 40 anos. E resolvi que, se eu quisesse curtir um pouco o meu filho, tinha de decidir o que eu iria comer. Fui

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capa Qual o seu palavrão preferido?

Filho da puta. O que move você?

Adrenalina. Sou extremamente emocional, preciso de desafio. O que você mais abomina?

Pessoas falsas. E aí volta a história da mentira. Infelizmente aqui no Brasil isso se difundiu muito, o famoso populismo. A mentira se tornou comum no país. Você seria capaz de matar alguém?

Sou muito religioso. Isso me impede de fazer um monte de besteiras, inclusive essa. Olha o perigo que é o ser humano. Se eu fosse uma pessoa criada e educada sem religião, não teria o menor problema em matar. O que não tem perdão para você?

Traição. Que profissão você gostaria de exercer no lugar da sua?

Piloto de Fórmula 1. E que ocupação você jamais exerceria?

estudar e aprender o que era comida, o que comia de errado, o que tinha de comer para comer certo. E o prazer?

Pois é, a alimentação é um baita prazer, quase uma válvula de escape. Mas o que é melhor? O prazer de uma, duas horas de alimentação por dia ou o prazer de 22 a 23 horas de você estar se sentindo bem com você mesmo? Preferi o das 22, 23 horas. Sempre que vou almoçar ou jantar com os amigos é aquela história: o Freddy é aquele cara chato que não está bebendo, não está comendo risoto, não está comendo aquele monte de coisa gostosa. Fica naquela proteína magra, na saladinha – é sofrido. Mas quando todo

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mundo termina, entrega os pratos, e o papo continua, estou bem mais feliz do que os que se empanturraram. Vamos fazer um bate-pronto para terminar. Qual é a sua palavra favorita?

Verdade. E a palavra da qual você menos gosta?

Mentira. Qual é o seu som favorito?

Do motor do meu carro, perto de 8 mil rotações por minuto. E que tipo de barulho você não suporta?

Grito de criança. Se minha mulher ouvir isso, vai me matar. [risos]

Médico. Se Deus existir, o que você gostaria de ouvir quando chegasse ao céu?

“Você cumpriu bem sua missão.” Afinal, quem é Freddy Rabbat?

Putz... O Freddy é um cara cheio de emoção... um cara que acredita na raça humana, que acredita que o homem é bom. Tenho um lema que sempre usei e que curiosamente acabou marcando muito meus filhos também. É em inglês, fácil de traduzir, mas sempre me soou melhor em inglês: “Life is what you make it”. A vida é o que você faz dela. Tudo o que você quer muito, você tem. Do bom e do ruim. Então, cuidado com seus pensamentos também. P

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Por luciaNa laNcellotti retratos tuca reiNés

NOVA TACADA CEO DO CLUB MED NA AMÉRICA DO SUL, O FRANCÊS JANYCK DAUDET FALA SOBRE SUA TRAJETÓRIA NA COMPANHIA E COMEMORA A ABERTURA DO QUARTO VILLAGE DA REDE NO BRASIL

“S

impático desse jeito, você deveria trabalhar no Club Med”, disse uma vez o aluno de um curso de esqui aquático a Janyck Daudet, então instrutor em uma escola próxima a Nîmes, na França. Estudante de economia, Daudet trabalhava ali temporariamente. A exemplo de muitos jovens europeus, ele aproveitava as férias de verão para juntar algum dinheiro. Naquela época, em 1976, nem sequer havia ouvido falar em Club Med e recebeu do aluno uma revista sobre a companhia. Ficou surpreso com o que viu. “Passei o fim de semana admirando aqueles lugares maravilhosos. Era tudo o que eu sonhava em termos de viagem”, recorda-se. O fascínio por aquelas fotos marcaria o início de uma relação que já vem durando quatro décadas. Aos 60 anos, Daudet é hoje o CEO do Club Med na América do Sul, com passagem por várias unidades da companhia – atualmente, a maior rede de resorts do mundo, com mais de 70 villages espalhados em 26

países. No Brasil, o primeiro empreendimento foi inaugurado em 1979, na ilha de Itaparica, Bahia. Em seguida, foi a vez de Rio das Pedras, na cidade fluminense de Mangaratiba (1989), sucedido por Trancoso (2002). O village mais recente do país, Club Med Lake Paradise, abre as atividades do grupo no estado de São Paulo após quatro meses em obras: está operando desde dezembro de 2016 em Jundiapeba, Mogi das Cruzes, a 70 quilômetros da capital. Distribuída por 100 hectares, a unidade está instalada no lugar onde já funcionou o Paradise Golf & Convention, às margens de um lago, com campo de golfe profissional e projeto arquitetônico assinado pelo arquiteto francês Marc Hertrich. Foi onde THE PRESIDENT conversou com Daudet. Na entrevista a seguir, o executivo, que hoje vive no Rio de Janeiro, fala sobre a própria ascensão na empresa e comenta sobre os fatores que marcam a personalidade do Club Med – dos chamados G.O.s, os gentis organizadores, aos valores da empresa.

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Negócios

Prata da casa: Janyck trabalha no Club Med há 40 anos, 25 deles no Brasil É verdade que você entrou no Club Med como instrutor de esqui aquático?

Sim, em 1976 eu dava aulas durante as férias em uma escola de esqui aquático e, após um cliente me dizer que eu deveria trabalhar no Club Med devido à minha simpatia, decidi participar de um recrutamento. Fui selecionado e entrei para trabalhar por dois meses, julho e agosto, no village Pakostane, na antiga Iugoslávia, hoje Croácia. Qual foi sua primeira impressão?

Eu imaginava algo luxuoso e encontrei um lugar decorado com sapê, era um camping sofisticado. Mas adorei, me entrosei muito bem e retornei para a minha cidade em setembro. Já em dezembro, com aquele frio chato da França, fui convidado para ser instrutor em um Club

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Med na Martinica. Achei que fosse ficar só um mês, mas nunca mais voltei. Largou o curso de economia?

Larguei. Estava no primeiro ano, parei tudo. Meus pais ficaram chateados, mas, veja, eu nunca havia estado em um lugar tropical [risos]. Fiz uma temporada como instrutor de esqui aquático e me disseram que eu tinha potencial. Você foi efetivado rapidamente?

Sim, e tive uma promoção extremamente rápida. Fui o chef de village (gerente geral) mais jovem da história do Club Med, com 25 anos de idade. Então, vim abrir o primeiro village no continente americano, o Sandpiper Bay, na Flórida, com campo de golfe e conceito muito sofisticado. Também abri o village de Phuket, na Tailândia, e foi interessante porque ninguém falava inglês, utiliza-

mos intérpretes para fazer todo o treinamento da equipe. No Marrocos, fiz a reabertura de outro village, o Agadir, e foi ótimo ver, ali, o jet set e o show business parisiense. Então você veio fazer a abertura do Club Med Rio das Pedras?

Sim, vim para Mangaratiba (RJ), daí vem meu português. Foi maravilhoso. Em seguida fui nomeado diretor mundial de qualidade para o Club Med, mas só fiquei dois meses porque fui chamado para um novo negócio, o Club Med no maior veleiro do mundo, com 180 metros, 2.500 metros de vela, 180 cabines sofisticadas. Isso há 25 anos, e eu nunca tinha colocado meu pé em um veleiro. Quanto tempo durou essa experiência?

Cinco anos. Foi muito interessante,

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Com 100 hectares, a nova unidade em Mogi das Cruzes tem piscinas debruçadas para uma praia artificial

porque conseguimos gerenciar o luxo de um cruzeiro pelo Caribe e o Mediterrâneo com a diversão do Club Med. Foi o início do reposicionamento do Club Med em upscale. Lancei os barcos e depois fiquei em Paris direto, gerindo os cruzeiros. Então fui chamado para assumir o Brasil. E qual foi sua reação ao saber que viria para cá?

Eu já adorava o Brasil, principalmente pelas pessoas. Acho que o espírito brasileiro tem tudo a ver com o Club Med. Se eu fosse desenhar o cliente perfeito, seria o brasileiro. No início tinha Itaparica e Rio das Pedras, fiz o reposicionamento deste último, com bastante investimento, foi totalmente reformado. Depois veio Trancoso.

“ACHO QUE O ESPÍRITO BRASILEIRO TEM TUDO A VER COM O CLUB MED. SE EU FOSSE DESENHAR O CLIENTE PERFEITO, SERIA O BR ASILEIRO” Quais foram os principais desafios?

Conquistar clientes e fidelizá-los, até porque conquistá-los custa caro. E se você consegue fidelizá-los, ganha networking no mercado. É aquela história: “Estive no Club Med, é maravilhoso, você precisa ir”. Isso acontece muito com o esqui. Por falar em esqui, aqui no Brasil o Club Med é a maior operadora desse esporte para a França, não?

Exato. Temos 70% dos brasileiros que vão esquiar na França: eles vão para o Club Med, é um crescimento louco. Neste ano, por exemplo, vamos abrir mais um village de esqui por lá e, em janeiro, 90% da

ocupação é de brasileiros. Você tem a proximidade com as pistas, do outro lado tem um miniclube onde as famílias podem deixar as crianças. E o que faz muita diferença: em cada village que tem brasileiro, temos um G.O. brasileiro. Vamos falar sobre a figura do G.O., que vem a ser o Gentil Organizador.

O G.O. é extremamente importante porque é ele que faz o link com o cliente e possibilita o que o cliente quer. Seja aprender a jogar tênis, golfe… Quando você tem uma boa equipe de G.O.s, você sente as vibrações, o sorriso, o entusiasmo, o espírito de festa. E se tem uma

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Negócios coisa que não mudou nesses 66 anos de história é a figura do G.O., seu DNA. Ao contratar, como é identifica-

substituídas e as próximas só chegam um ano depois. Verdade. Ninguém quer retornar

do se um candidato tem potencial

frustrado das férias.

para ser um G.O.?

De jeito nenhum. E tem outra coisa: para vender felicidade é preciso ser feliz. E ouvir de um cliente quando vai embora que ele passou as melhores férias da vida dele é muito gratificante. É o nosso produto. No Club Med temos cinco valores principais: multiculturalidade, espírito pioneiro, gentileza, liberdade e responsabilidade.

O recrutamento faz um teste psicológico, analisa se o candidato gosta de pessoas, de viajar, de aprender e evoluir, de viver! Porque você vai lidar diretamente com o cliente e ele nem sempre está feliz. Muitos chegam estressados, com problemas. Nosso desafio é conseguir mudar o estado do hóspede entre o primeiro e o último dia de estadia. Damos possibilidade a muitos jovens de crescer e aprender. O Club Med é uma grande escola e o G.O. é a alma do Club. Há muitos chefs de village que foram G.O.s?

Todos. Você não pode simplesmente chegar à empresa e assumir. A diferença de um diretor de hotel para um chef de village é a relação. Ele é manager porque lidera uma equipe, mas também está conectado com o cliente. Está acessível a todo momento e tem como objetivo que o cliente saia feliz. É como eu sempre digo: férias erradas não podem ser

As quatro unidades brasileiras representam quanto para o Club Med em termos de faturamento?

Representam 8% do faturamento mundial. E nessas quatro unidades o público paulista é o que tem maior

ca havia encontrado algo “wow”. Neste espaço em Mogi das Cruzes você tem a sensação de liberdade, pode andar no campo de golfe, pedalar quatro quilômetros de bicicleta, fazer caminhadas, correr. Fizemos uma praia maravilhosa, onde é possível praticar kitesurf, vela, caiaque. Temos também arvorismo, dois campos de futebol, há muito o que fazer, além de um spa maravilhoso e liberdade para as crianças. O público corporativo também deve ser significativo nesta unidade, certo?

Sim, e são expectativas diferentes: o corporativo quer internet que funcione, sala de reuniões bem montada, coffee break pontual. Já o lazer deseja desconectar, quer diversão e emoção. Como foi abrir esta unidade em

representatividade?

2016, em plena crise econômica?

Sim, em todas as unidades, com exceção de Rio das Pedras, onde o público é mais balanceado, porque o acesso é mais fácil.

Um pouco à contramão, é verdade. Aumentamos nossa capacidade em 50%. Nós acreditamos no Brasil, que é um grande mercado para nós. As dificuldades

Daí veio a iniciativa de abrir uma unidade no interior paulista?

Sempre quis alguma coisa em São Paulo, mas nun-

O campo de golfe do Lake Paradise, com 18 buracos

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Em Itaparica, o primeiro Club Med do Brasil foi inaugurado em 1979

aconteceram no mercado corporativo, porque não conseguimos abrir no prazo previsto, havia uma obra gigante aqui, mas agora, depois de oito meses de operação, graças ao trabalho da equipe, as pessoas estão convencidas de que aqui é um Club Med. Há clientes que já voltaram cinco vezes. Quando você viaja, o que leva em consideração ao escolher um hotel?

Academia. Para mim é muito importante porque tenho pouco tempo, gosto de malhar, sempre fui esportivo. Também adoro comida e vinho, então preciso balancear e desestressar. A localização é outro ponto fundamental. Qual foi o hotel que mais o impressionou?

Foi o Nizuc, em Cancún. É incrível pela arquitetura e tem uma forte presença local, mas é um estilo mexicano reinventado, que não é fácil fazer. Foi idealizado por um milionário mexicano, acho que quem faz um hotel daquele

“O BRASIL É UM PAÍS MARAVILHOSO, MAS RECEBE APENAS 5 MILHÕES DE PESSOAS POR ANO. SÓ CANCÚN RECEBE 18 MILHÕES DE TURISTAS ANUAIS”

jeito não vê retorno e, sim, prazer. A iluminação à noite, com fogueira em todo lugar, muita água e pedra, também, objetos bonitos, peças de arte. Percebe-se ali que cada detalhe foi pensado e repensado. E eu adoro detalhes, adoro receber. É uma qualidade fundamental para quem trabalha com hotelaria. Quais são os principais desafios do turismo brasileiro?

É um país maravilhoso, com tanto potencial, e ainda recebe tão pouco turismo… São 5 milhões e meio de pessoas por ano – ano passado subiu para 6,6 milhões, com a Olimpíada. E só Cancún recebe 18 milhões de turistas anuais. Aqui tem tudo e tem pessoas, receptividade. Acredito que não temos voos suficientes vindo para cá e a divulgação também não é bastante. Outro proble-

ma é que, internamente, o preço da viagem aérea ainda é alto. Mas vejo o Brasil crescer a médio prazo. Qual é o próximo passo do Club Med no Brasil?

Continuar com a qualidade de nosso serviço, com essa alma maravilhosa, e desenvolver cada vez mais G.O.s brasileiros, que têm um potencial muito grande. Temos cinco chefs de village brasileiros. Em termos internacionais, devemos abrir 20 novos resorts até 2020. Você se vê morando na França novamente?

Sempre fui muito feliz aqui. Moro no Rio, casei com uma brasileira e tenho dois filhos brasileiros, amo o que faço. Tenho alguns amigos franceses, claro, mas muitos amigos brasileiros. Meu network é o Brasil. Não volto mais. P

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M

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G A S TRONOM IA RE LÓG IOS VI N HOS I RVI NG PE N N

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ERIKA GOULART

A

HERANÇA DE MALBECS

os 23 anos de idade, a paulistana Erika Goulart descobriu que

Qual foi seu primeiro contato com o vinho?

havia herdado do avô paterno

Foi muito engraçado, aconteceu em

um vinhedo abandonado em Mendoza.

uma pizzaria na [avenida paulistana] Faria

“Na época era uma pobreza extrema,

Lima que nem existe mais. Eu tinha 19 anos,

sem hotéis ou estradas, bem diferente

era trainee no setor de marketing da Bosch.

dessas vinícolas maravilhosas que exis-

Estava com duas amigas e havia acabado de

tem hoje por lá”, conta. Ainda que tudo

receber meu salário após um mês de mui-

fosse incerto, ela não teve dúvidas: mu-

tas horas extras. Pedi a carta e disse: hoje

dou-se para a Argentina, recuperou as

eu quero o vinho mais caro. Na época, ima-

vinhas e ergueu a Bodega Goulart, que

gine, havia Lambrusco, Liebfraumilch e Bolla

hoje, duas décadas depois, conta com

Valpolicella. Este último era o mais caro dos

uma produção anual de um milhão de

três e foi o que pedi. Posso garantir que foi

garrafas e vários rótulos pontuados, es-

uma experiência, porque tomamos toda a

pecialmente os Malbecs.

garrafa. (LUCIANA LANCELLOTTI) “Minha filosofia é respeitar nossa matéria-prima, que é a uva: muita qualidade com baixa produção em vinhedo”

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Erika: mudança para a Argentina quando ninguém falava em Mendoza

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FILIPA PATO

VINHO NO SANGUE

F

FERRARI TRENTO

NO PÓDIO

D

a comemoração do novo scudetto da Juventus a reuniões com che-

ilha de um dos maiores nomes

coroso] preparada pela minha avó em

do vinho português, a produ-

1975, ano de meu nascimento. Ela uti-

tora Filipa Pato escolheu seguir

lizou a Baga, variedade típica da Bair-

Ferrari Trento são onipresentes na vida ita-

a carreira do pai, Luís Pato, trilhando,

rada. Estávamos em família e tomamos

liana. O tradicional produtor do Nordeste

contudo, caminho independente. “Não

o vinho com castanhas, em pleno Dia

da “Bota” escoa 80% dos seus vinhos para

houve ruptura, meu pai sempre me

de São Martinho. A experiência foi

o mercado interno. “Queremos aumentar

apoiou a romper fronteiras, sem me

tão intensa que me inspirou a elabo-

a nossa presença no exterior. Hoje, ex-

prender à história”, diz. Formou-se

rar o Espírito de Baga, utilizando na

portamos para 40 países”, afirma Massi-

engenheira química, rodou o mundo

composição uma aguardente também

miliano Giacomini, gerente de exportação

conhecendo diferentes métodos de

produzida com Baga, algo completa-

do produtor para as Américas. “Nossos

produção de vinhos, voltou à Bairrada,

mente purista em termos de vinhos

espumantes se distinguem do Franciacorta

onde cresceu entre as vinhas, e hoje

fortificados, que comumente utilizam

e dos champanhes pela altitude dos

está à frente da Filipa Pato & William

aguardentes neutras. (LL)

nossos vinhedos. Estamos entre 350 e 800 metros do nível do

Wouters junto com o marido, sommelier belga com quem compartilha o

fes de Estado, os espumantes

“Não uso química nas vinhas e nem

mar. Isso nos dá maior acidez.

na adega e, ironicamente, sei fazer

Tivemos sorte.” Para pensar em

Qual o seu vinho inesquecível?

isso pelo fato de ter me formado enge-

descobrir este Ferrari, que não é

Sem dúvida uma Jeropiga [vinho li-

nheira química”

o Cavallino Rampante, vale provar

nome da vinícola.

este triunvirato de Trento: Ferrari Riserva Lunelli (100% Chardonnay), Filipa: o amor à Bairrada e à Baga

Ferrari Perlè Nero (100% Pinot Noir) e Giulio Ferrari Riserva del Fondatore (100% Chardonnay/

está no

vinhas plantadas em 1960).

sangue

Os espumantes chegam ao Brasil pela Decanter. ferraritrento.it; decanter.com.br (MARIO CICCONE)

O Giulio Ferrari: 100% Chardonnay

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Bacalhau confitado na cama de Brás (acima); drinque Penicillin: Black label, calda de mel com gengibre, suco de limão siciliano ao perfume defumado de uísque Laphroaig (abaixo)

GASTRONOMIA

POR TODOS OS LADOS

O

TIVOLI MOFARREJ

badalado 23º andar do hotel Tivoli Mofarrej, em São Paulo, foi

“Nossa ideia é mudar o menu a cada seis

reformulado e ganhou um novo

meses, adaptando melhor os pratos e drin-

nome: Seen (“visto”, em inglês). Faz jus ao

ques ao inverno/verão e o que cada estação

visual em 360° de um dos melhores e mais

traz de melhor em questão de ingredientes”,

altos pontos da metrópole: a alameda Santos.

comenta o chef William Ribeiro, que tem tra-

O ambiente é praticamente livre de pa-

balhado com peixes como tainha e prejereba

redes. Já a gastronomia é assinada pelo chef

68

sido ótima”, comemora Marin.

para algumas opções do menu.

franco-português Olivier da Costa e exe-

“Queremos manter o Seen como uma

cutada por William Ribeiro. Ou ainda o sushi

das melhores opções da cidade, como um lu-

bar comandado por Massahiko Enohi. Para

gar descolado, com boa vista, ambiente e fre-

SEEN REASTAURANTE & BAR

completar, um bar central com coquetéis de

quência”, descreve Miguel Garcia, diretor-ge-

Alameda Santos, 1437 – 23° andar

Heitor Marin. “A aceitação do público tem

ral do Tivoli Mofarrej. (RAPHAEL CALLES)

seensp.com

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LE GRILL

E

jAnTAr SOB AS ESTrELAS ntrar no Hôtel de Paris em Monte

responde pela cozinha. Mediterrânea, como

Carlo, pedir ao ascensorista o oitavo

convém, ela abrange da Toscana à Provença.

andar e desembarcar no The Grill.

Lentamente, carnes e peixes ganham ma-

Eis uma das 1001 coisas que todos deveriam

ciez dourada na enorme grelha central que dá

fazer antes de morrer. Principalmente se for

nome ao lugar. Enquanto isso, o aroma dos su-

noite de lua cheia: o teto retrátil oferece a

flês do mago Olivier Berger seduz as narinas,

oportunidade de um jantar sob as estrelas.

preparando a festa para as papilas gustativas.

Reinaugurado com decoração contem-

Espetáculo que se completa com Barbarescos

porânea, o Le Grill ressurge com novidades:

e Barolos, rosés do naipe de um Château de

o salon privé Winston Churchill, para até 18

Pibarnon, ou blanc de blancs como Clos Mi-

pessoas, e o terraço ampliado. Franck Cerutti,

reille des Domaines Ott – entre os mais de

chef executivo dos restaurantes do hotel (en-

700 rótulos à disposição. (FAUSTO POKOL)

tre eles o notável Louis XV, de Alain Ducasse),

hoteldeparismontecarlo.com

EM HARMONIA

vinhO OU cErvEjA?

C

destaques do hotel: com uma estrela no

Cobrindo toda a parede, a adega é um dos

guia Michelin, o Aylin Williams at West-

destaques do Aylin Williams at Westbury

bury é um dos poucos restaurantes da cidade que tratam cervejas e vinhos com a mesma distinção. O menu degustação, apresentado em sete passos, pode ser

onhecido pelas galerias de

inteiramente harmonizado com cerve-

arte e boutiques exclusivas,

jas especiais, inclusive em sua versão

o bairro de Mayfair também

vegetariana. Um dos chefs britânicos

é célebre por concentrar o maior nú-

mais bem-sucedidos, Williams faturou

mero de hotéis de luxo de Londres.

o National Chef of the Year em 2012 e

Um deles é o Westbury, que acaba de

trabalhou com chefs como Marcus Wa-

ser reformado e passa a operar sob a

reing e Gordon Ramsay, nos igualmente

bandeira da Luxury Collection, do gru-

luxuosos The Berkeley e Claridge’s. (LL)

po Starwood. A gastronomia é um dos

westburymayfair.com

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ONE WORLD

DISTÂNCIAS ENCURTADAS PASSAGEIROS MEMBROS DE PROGRAMAS AFILIADOS À ALIANÇA ONE WORLD DESFRUTAM

A

DE BENEFÍCIOS EXCLUSIVOS vida de viajante internacional

voos da aliança, quando o aeroporto não

las pela Seven Stars Luxury Hospitality

tem seus benefícios, mas as es-

oferece restrições. Já os membros Eme-

and Lifestyle Award.

peras e conexões – muito lon-

rald, por exemplo, contam com uma fila

Mas para desfrutar de tais luxos não

gas ou muito curtas – em aeroportos po-

rápida fast track no controle de segurança

é preciso ir tão longe. Companhias aéreas

dem ser um estorvo. Um aviso: é possível

de alguns aeroportos.

como Latam, American Airlines, Iberia

contornar esse tipo de situação quando

Os benefícios se estendem às áreas

e British Airways, que operam com voos

associado de uma companhia aérea que é

de embarque, onde as categorias mais

frequentes do Brasil, também oferecem

membro da aliança One World.

altas têm direito a acessarem os Lou-

tais facilidades. Os serviços ainda incluem

Os benefícios variam de acordo com

nges VIP das companhias aéreas par-

franquia de bagagem adicional gratui-

três categorias: Emerald, Sapphire e Ruby.

ceiras. Entre eles, o espaço da Qatar

ta, pedido de refeição especial e escolha

Em qualquer uma delas, é possível contar

Airways em Doha, no Catar, primeiro

de assentos. (RC)

com embarque prioritário para todos os

do mundo a receber o selo sete estre-

oneworld.com

Sala VIP, em Doha, no Catar: sete estrelas

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MONTBLANC

do texto, assim como a edição das notas

DO PAPEL PARA ONDE QUISER

em si – ao adicionar ou apagar o texto pre-

MARCA LANÇA GADGET PARA DIGITALIZAR ANOTAÇÕES À MÃO

e-mail, ou adicionado a algum aplicativo de

A

viamente escrito. Quando o documento estiver pronto para ser compartilhado via edição de texto compatível, o sistema reali-

Montblanc elevou ainda mais o

tablets ou smartphones – facilidade para

za a conversão automática do texto manus-

nível da experiência da escrita.

quando o usuário estiver off-line. Quan-

crito para digital – que é oferecido com um

A maison lançou o Augmented

do conectado ao seu dispositivo, ao fi-

suporte inicial para 12 idiomas. O kit inclui

Paper, sistema que permite continuar ano-

nalizar a anotação em uma página, basta

um estojo de couro com o dispositivo de

tações realizadas em papel diretamente em

pressionar um botão de transferência

conversão, um instrumento de escrita es-

tablets e smartphones iOS ou Android.

para que os dados sejam encaminhados

pecial Starwalker, três recargas esferográfi-

ao aparelho com o aplicativo instalado.

cas e pinças para a troca dos refis, além de

O Augmented Paper lê e armazena anotações feitas nas páginas posiciona-

No smartphone ou tablet, o app permi-

um bloco de notas e cabos para recarga do

das sobre a plataforma eletrônica. São

te a edição do modo de escrita entre os

aparelho – que conta com uma autonomia

até 100 páginas de memória interna, que

modelos de ponteiras de canetas disponi-

de bateria de 8 horas para uso contínuo.

não exigem a sincronização inicial com

bilizadas pela maison ou ainda a coloração

(RC) montblanc.com

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IWC

nho médio nas nossas coleções Portofino

MESMA HISTÓRIA, NOVAS PALAVRAS

e Pilot, decidimos expandir nossas opções femininas com a linha Da Vinci. Ao mesmo

CHRISTOPHER GRAINGER-HERR ASSUME POSTO DE CEO DA

çar esse público. No ano passado, começa-

RELOJOARIA IWC E APOSTA NA NOVA COLEÇÃO DA VINCI

mos a oferecer uma seleção de relógios no

C

tempo, buscamos novas maneiras de alcan-

site de venda de artigos de luxo Net-a-Porom uma atuação de mais de

anterior). Tenho background voltado para

ter.com, onde apresentamos nossos pro-

dez anos dentro da IWC,

arquitetura e design. Por isso, ofereço para

dutos em um ambiente puramente fashion.

Christopher

a marca a minha visão estética, o que ajuda

Baseado na performance dessa iniciativa,

em nossas iniciativas e produtos futuros.

acredito que existe um grande potencial

Grainger-Herr,

39 anos, assumiu o cargo de CEO da companhia no primeiro semestre deste ano.

Quero continuar no desenvolvimento

para a linha continuar a ter

A carreira de Grainger-Herr inclui atuação

de produtos belos e simbólicos, além de

um bom desempenho.

nos setores de marketing, planejamento

engajar esse storytelling em nossos par-

(RC) iwc.com

estratégico e vendas da própria IWC, além

ceiros. Meu objetivo, portanto, é apos-

de ter formação também em design.

tar no crescimento da marca como um

PRESIDENT

THE

conversou com este alemão de

Frankfurt para entender melhor seus planos e estratégias de atuação com as novas demandas do mercado.

dos principais players do mercado da alta relojoaria. Como você acha que será a per-

GraingerHerr: aposta em relógios femininos

formance da linha Da Vinci, apresentada em 2017, ao redor do mundo?

Quais os planos para a marca no futuro? Como uma marca de luxo, estamos

72

Somos uma marca bastante masculina. É até uma surpresa para muitos

mais focados no storytelling. Cada uma das

saber que temos uma longa

nossas seis linhas tem uma forte narrativa

história com produtos fe-

pelas quais as pessoas se apaixonam. Essas

mininos. Na verdade, os

histórias enriquecem nossos produtos com

relógios femininos são

experiência e emoção. A família Da Vinci,

uma parte integral da

por exemplo, é baseada no “código de bele-

linha Da Vinci desde

za” em que Leonardo Da Vinci se esforçou

1988 e, em geral, são

em apresentar com o uso da geometria e

produzidos por nos-

da matemática. Já nossa linha Ingenieur está

sa manufatura des-

focada na fascinação de carros clássicos e

de 1870. Com essa

automobilismo histórico. Essas histórias

nova coleção, revi-

adicionam uma nova dimensão aos nossos

sitamos a tradição

produtos e são algo que permite uma cone-

de criar referên-

xão das pessoas com eles.

cias dedicadas às

Será uma atuação de continuidade?

nossas

clientes

Eu estou na IWC há mais de dez anos

mulheres. Depois

e desenvolvi muitas das iniciativas atuais

de introduzirmos

em parceria com Georges Kern (o CEO

modelos de tama-

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PANERAI

DE PRIMEIRA

A

incansável busca de inovações da indústria relojoeira pode ser também encontrada na estrutura

das Officine Panerai. Cerca de 50 profissionais sediados em Neuchâtel, na Suíça, trabalham no setor de pesquisa e desenvolvimento da companhia em conjunto com uma equipe de design, que tem base na Itália. Como uma engrenagem de um movimento, os setores se comunicam para assegurar a entrega de materiais de altíssima qualidade que, ao mesmo tempo, atendam aos códigos estéticos estabelecidos pela maison em sua história: relógios de mergulho com inspiração militar, que atenderam à Marinha Italiana nas décadas de 1930 e 1940. Além do visual, a fiabilidade de mecanismos produzidos pela própria companhia também está em jogo. Isso permite a fabricação de peças facilmente reconhecíveis pela frente e pelo verso. Principalmente se

Um modelo Luminor: muito confiável

elas contam com uma abertura de cristal de safira no fundo da caixa. São a simplicidade visual e a complexidade mecânica aliadas a uma estética incomum, o que inclui o uso de grandes pontes de acabamento escovado e ângulos delicadamente biselados. O processo de desenvolvimento de um novo mecanismo pode ocupar até quatro anos de trabalho. A companhia já desenvolveu dez movimentos de corda manual e outros dez de corda automática. Um de seus projetos recentes foi o modelo Panerai LAB-ID, que faz o uso de carbono na caixa, no mostrador e no movimento, que não requer lubrificação por 50 anos. (RC) panerai.com

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OMNISTORY

onde ficará em atividade até meados de 2018.

passos além da AmazonGo. Temos alguns

A LOJA DO AMANHÃ

Nos primeiros quatro meses de funciona-

componentes semelhantes, mas nossa solu-

mento, oferece itens de bem-estar, beleza e

ção é a mais completa.”

O conceito omnichannel traz uma plata-

gia com acesso a dados mensurados e passam

magine chegar a uma loja e o vendedor

forma de multicanais: infomercials, e-com-

a saber a abordagem ideal aos clientes fre-

já saber do que você gosta e qual é a sua

merce, aplicativo, máquina de vendas e loja

quentes também com base em dados como

área favorita na loja. Mais: ele conhece as

física. A tecnologia do projeto reúne recursos

resenhas já publicadas. “Teremos acesso às

expressões faciais que você revelou nas visitas

de reconhecimento facial, totens e mesas in-

dez mil faces de clientes habituais e podere-

anteriores. Essa é a proposta da Omnistory,

terativos, etiquetas inteligentes e conteúdo

mos direcionar ofertas.”

projeto da holding Grupo GS& Gouvêa de

personalizado. “Pode parecer pretensioso,

O projeto será apresentado nos maiores

Souza, especializada em varejo e marketing.

mas esse projeto é inédito no mundo”, ga-

eventos do setor em Miami e Nova York en-

A loja já funciona em caráter experimen-

rante Marcos Gouvêa de Souza, presidente

tre 2018 e 2019. (MC)

tal no Shopping Villa-Lobos, em São Paulo,

e fundador da consultoria. “Estamos alguns

grupogouveadesouza.com.br

I

saúde. Em dezembro, passará a operar como loja de chocolates ou de vestuário.

O projeto não se resume a recursos eletrônicos. Os vendedores manejam a tecnolo-

Em São Paulo, um lugar único no planeta

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KOMBI

(um em cada eixo), que permitem auto-

grada pela Kombi – produzida até 2013 na

nomia de 434 quilômetros. A montadora

fábrica da montadora alemã em São Ber-

garante que o usuário consegue carregar

nardo (SP). Enquanto a Buzz não chega por

A

80% da bateria em 30 minutos. Outro des-

aqui, vale lembrar a icônica cena da família

Volkswagen apresentou no últi-

taque é a direção autônoma. Previsto para

empurrando uma Kombi em Pequena Miss

mo Salão de Paris o I.D. Buzz, um

chegar ao mercado em 2022, o Buzz terá

Sunshine. (MC) vw.com.br

carro elétrico e autônomo inspi-

volante retrátil: com um leve toque,

rado na sexagenária Kombi. O nome Buzz

a peça é recolhida e inicia-se o

remete ao apelido que o veículo tinha nos

modo piloto automático. O

Estados Unidos, além de imitar o som de

projeto mantém a combi-

motores elétricos. O Buzz tem dois deles

nação de duas cores, consa-

VOLTEI!

Longa espera: ela chegará em 2022

O novo modelo: só 88 unidades

PININFARINA

A EVOLUÇÃO DA BIKE

N

cos e até na área interna de uma arena esportiva, o Juventus Stadium. O estúdio também coloca muitas de suas pranchetas à disposição de soluções de mobilidade. É o caso do novo modelo da família de bicicletas E-voluzione: a Elettronica limi-

ão é de hoje que a marca da

ted edition, produzida em parceria com a

Pininfarina não se limita ao

holandesa Diavelo. Serão produzidas ape-

capô ou à porta de uma Fer-

nas 88 unidades, que têm integração com

rari. Essa assinatura do design italiano está

GPS e estrutura de fibra de carbono. O

em outros carros, inclusive uma edição

modelo chega ao mercado internacional

limitada de Emerson Fittipaldi, de-

em janeiro de 2018, ainda sem previsão

sign para casa, interior de bar-

de venda no Brasil. (MC) pininfarina.com

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CHRISTIE’S

O LEILÃO DO SÉCULO?

D

avid Rockefeller era um dos ho-

mens mais ricos do planeta. Filho caçula do filantropo John D. Ro-

ckefeller, passou a infância entre obras de arte medievais, renascentistas e modernas no maior casarão da cidade, que a família cedeu mais tarde ao Museu de Arte Moderna de Nova York. Cresceu colecionanCHRISTIE’S © ARTHUR LAVINE/ROCKEFELLER ESTATE

do quadros e esculturas. Os pais incentivavam. A mania aumentou ao se casar com Peggy, moça amante da arte. David, ex-presidente do Chase Manhattan Bank, morreu em março último, aos 91 anos. Agora a família anunciou que vai leiloar pela Christie’s mais de 2 mil itens do casal. Prata e mobiliário estão na lista – e

O casal Peggy e David Rockefeller em 1973

também quadros de monstros sagrados

ALAS & PIGGOTT

como Manet, Picasso, Matisse, Gauguin, Braque, Cézanne e Juan Gris. “O acervo

DUAS DÉCADAS

inclui obras que jamais foram vistas em

A

público. São preciosidades”, adianta Marc Porter, da Christie’s. O casal só se desfez de um quadro na vida: um Mark Rothko, comprado em 1960 por US$ 10 mil e re-

Marcus Piggott está comemorando em grande estilo seus 20 anos de

parceria dedicados à moda. Recém-lançado

vendido por US$ 72 milhões em 2007.

pela prestigiada Taschen, o livro Mert Alas and

O leilão acontece no segundo trimestre de 2018. Como costuma ocorrer entre as

Marcus Piggott estampa os principais ensaios

tradicionais famílias americanas, as vendas

realizados para grifes como Yves Saint Laurent

reverterão para instituições insuspeitas. Leia-

e Givenchy, entre outras. A publicação traz

se a Universidade Harvard, o Conselho de

também editoriais assinados para revistas de

Relações Exteriores, o MoMA e o próprio

moda internacionais, reunidos pela primeira

Rockefeller Fund. (WALTERSON SARDENBERG Sº) christiesrealestate.com

76

dupla de fotógrafos Mert Alas e

Edição histórica da Taschen é o principal registro do trabalho da dupla de fotógrafos

vez em um único trabalho. O design do livro é assinado pelo diretor criativo ítalo-brasileiro Giovanni Bianco. (LL) taschen.com

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A cantora Sky Ferreira por Mert Allas e Marcus Piggott para Vogue Paris, 2013; Kate Moss, aos 40, comemorando os 60 anos da Playboy, em janeiro de 2014

Fonssagrives by Irving Penn REPRODUÇÃO © THE IRVING PENN FOUNDATION

GRAND PALAIS

sempre com precisão e elegância, Um

IRVING PENN

comprado por US$ 193 mil. Penn foi du-

O

fotógrafo

Irving

de seus portraits de Gisele Bündchen foi rante décadas fotógrafo dos editoriais de

Penn

moda da revista Vogue. Muitas vezes, usa-

morreu em 2009, aos 92

va como modelo a própria mulher, Lisa

anos, em sua cidade natal,

Fonssagrives.

Nova York. Deixou por legado um

Para homenagear o mestre em seu

vasto acervo de retratos irretocáveis,

centenário de nascimento, uma exposi-

em sua maioria focalizando alguns

ção de mais de 200 de seus principais re-

dos personagens mais importantes

tratos foi montada. Primeiro, no Metro-

do século passado, de Pablo Picasso e

politan Museum of Art, de Nova Nork.

Marlene Dietrich a Alfred Hitchcock

Agora, no Grand Palais, de Paris, onde

e Truman Capote. Penn era mestre

ficará até 29 de janeiro de 2018. (WSS)

em captar a essência do retratado,

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Colaboraram neste número: Fausto Pokol, Luciana Lancellotti, Mario Ciccone, Raphael Calles e Walterson Sardenberg Sº

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futuro

Por fErNANDo fIGuEIrEDo MELLo ILustrAção rAPhAEL ALvEs

IMPRESSIONANTE! A impressão em 3D já pode criar até músculos e ossos. Mas isso não é nada perto de enviar uma cadeira pela internet

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e você se comportar, eu te imprimo um brinquedo!”, dizia o título de uma espirituosa reportagem sobre tecnologia do jornal The New York Times, em maio de 2003. O texto era um exercício de futurologia sobre as possibilidades da impressão em 3D. Em particular, a viabilidade da produção de impressoras com preços acessíveis, para consumo dos reles mortais. À época, a engenhoca era restrita ao ambiente da chamada indústria pesada, a que apenas designers, engenheiros e profissionais de Tecnologia da Informação (TI) tinham alcance e privilégio de uso. Até porque custavam uma fábula. Menos de uma década depois, qual foi um dos musts do Natal de 2012 nos Estados Unidos senão o tal do aparato? Pois é. Não

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precisou de muito tempo para a outrora custosa maquininha virar gadget para papais agradarem seus pimpolhos. Hoje, mais cinco anos se esvaíram na ampulheta e consegue-se uma impressora 3D por menos de R$ 1 mil (na China, na verdade, mas o preço do modelo mais simples não passa dos R$ 2 mil por aqui). Foi tudo bem rápido e, no momento, há uma lista de surpreendentes produtos fabricados com a engenhoca: esculturas, partes de construções de automóveis e aviões, protótipos de fetos (!), próteses de tecidos e até músculos e ossos – estes últimos ainda em fase de testes, bom que se diga. Tudo começou na década de 1980, quando o engenheiro americano Chuck Hull criou a primeira máquina 3D. O ano não poderia ser mais emblemático: 1984. Mas antes das óbvias analogias com a ficção científica de George Orwell e dos exercícios de futurologia, relembremos a historinha. Formado na Universidade do Colorado em 1961, Hull trabalhava em uma empresa da Califórnia que desenvolvia lâmpadas para a solidificação de resinas Chuck Hull criou a primeira sobre plataformas, impressora como mesas e do gênero. O ano: 1984 outros móveis, em

processo conhecido por estereolitografia. Era muito demorado. Para apressá-lo, Hill testou até conseguir dominar um sistema em que o material mudasse de sólido para líquido conforme a incidência da luz. A partir daí trabalhou na impressão de um objeto camada a camada. Impressão de chocolate Em pouco tempo, após uma batelada de testes, ele aperfeiçoou o método, o patenteou e criou a própria empresa, a 3D Systems. Apenas dois anos separam os protótipos iniciais do lançamento de Hull como empreendedor. A primeira impressora de uso comercial nasceu em 1988 e foi sucesso em alguns setores, como aeroespacial, médico e automotivo – áreas que ajudaram muito no desenvolvimento da impressão 3D. Aliás, a General Motors e a Mercedes Benz introduziram a tecnologia em suas linhas produtivas já naqueles estertores dos anos 1980. Na ocasião, mesmo com a célere prosperidade do próprio invento, Chuck Hull profetizou que a impressora 3D chegaria ao público em geral somente em um período de 25 a 30 anos. Bingo. Além de criativo, o americano era bom de contas. As folhinhas caíram do calendário e estamos aqui, assistindo à rápida revolu-

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Jorge Lopes dos Santos trouxe a primeira impressora. E investiu na medicina fetal

múltipla, embora sempre ligada à impressão em 3D e estudo de novas tecnologias”, conta. “Mas há algumas áreas com as quais tenho mais familiaridade, como desenho industrial e design.”

ção do 3D. No momento, a tecnologia está espraiada por diversos campos. Da arquitetura à arqueologia, do design à medicina, da indústria de calçados à alimentícia. Já fizeram até bombom de chocolate numa impressora. Não deve ser um Godiva. Seja como for, a impressão em 3D é uma realidade. E o Brasil tem nomes de peso na pesquisa, desenvolvimento e estudo sobre o presente e o futuro da técnica. Jorge Lopes dos Santos, por exemplo. De currículo tão vasto quanto qualificado, é difícil restringi-lo em uma área quando se trata do assunto. Ele está em todas: arquitetura, desenho industrial, design, medicina, paleontologia, arqueologia, artes plásticas, engenharia. Jorge fala com desenvoltura sobre qualquer uma dessas disciplinas. “Tenho uma formação

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Jaguariúna e Camaçari Recentemente, Jorge apresentou em Milão, na Itália, uma exposição com vasos de cerâmica feitos com processo de impressão em 3D, em parceria com Tiago Lima e Alice Felzenszwalb. Trata-se de uma das empreitadas que vem desenvolvendo no Núcleo de Experimentação Tridimensional (NEXT), laboratório de pesquisa do Departamento de Artes e Design da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, do qual é coordenador e professor. No momento, a impressão em cerâmica é a área na qual Jorge está debruçado. Em breve, o foco vai mudar. O brasileiro embarca para a Austrália, onde fará pós-doutorado em bioimpressão, desenvolvendo impressão de material biológico. Como artérias, por exemplo.

Sim, em futuro nem tão distante, será possível fabricar tecidos e até órgãos com impressão em 3D. Próteses bem-sucedidas já são uma realidade. Em 2013, uma senhora de 83 anos recebeu um modelo artificial de mandíbula e voltou a fazer os movimentos normalmente. Órgãos e ossos são as próximas fronteiras. Testes têm sido realizados há mais de cinco anos. Nos Estados Unidos, bexigas criadas em laboratório por cientistas do Wake Forest Institute for Regenerative, na Carolina do Norte, foram implantadas em pacientes, com respostas superpositivas. No mesmo instituto, a bioimpressora conseguiu criar tecidos, ossos e até músculos. Essa será a nova estrada de Jorge na Austrália, mais de 20 anos depois que trouxe a primeira impressora 3D para o Brasil. Foi em 1996, em viagem aos EUA. Em duas décadas, Jorge desenvolveu ou auxiliou no progresso da tecnologia no país. Seja mergulhando em projetos, testes ou estudos, seja criando - ou ajudando a criar os chamados FabLabs. FabLabs? Trata-se da abreviação de “laboratório de fabricação” em inglês (fabrication laboratory). Consiste em uma oficina para a produção digital, sempre de forma colaborativa. Ou seja, agrupando especialistas de diversas áreas do conhecimento. Em geral, gente de exatas, tanto da “velha guarda” (engenheiros, arquitetos, etc.) quanto da “nova”, o pessoal ligado ao digital. O conceito nasceu da cabeça de Neil Gershenfeld (guarde esse nome, pois trataremos mais dele ao final). Professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), Gershenfeld é o cara quando o assunto é impressão 3D. Em 1998, ele criou uma disciplina dentro da instituição chamada How to make (almost) anything – ou

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Como produzir/fabricar (quase) tudo. Foi a partir de uma turma dessa matéria que surgiu o primeiro FabLab. Até hoje, é a menina dos olhos do professor, que já está com a cabeça voltada ao futuro, para o próximo passo. Hoje, existem milhares de FabLabs mundo afora. O Brasil não fica atrás. Além das capitais – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba, Brasília, Cuiabá, Belém, Fortaleza, Aracaju, Recife –, várias cidades menores têm seus laboratórios de fabricação. Exemplos? Jaguariúna (SP), Camaçari (BA) e Anápolis (GO). Pioneiro na área, Jorge Lopes dos Santos tornou-se fundamental no desenvolvimento conceitual por aqui. Desde quando trouxe a primeira impressora para o país, muita coisa evoluiu e vários foram os caminhos trilhados. A nova etapa em Melbourne não será a primeira empreitada na área da saúde e da medicina. Em 2007, Jorge iniciou na Inglaterra estudos na área de medicina fetal, especificamente no desenvolvimento de protótipos em 3D a partir de ultrassonografia. O mergulho no tema virou tese de doutorado e, já naquele ano, o primeiro artigo internacional foi publicado. Inclusive, o primeiro feto feito em impressão 3D foi de seu filho. O interesse e o aprofundamento no terreno da medicina fetal fizeram com que Jorge se conectasse com o ginecologista e obstetra Heron Werner, hoje a maior sumidade no assunto. A fusão entre o conhecimento teórico e prático de Jorge, adquirido no

DOIS BRASILEIROS CRIARAM RÉPLICAS PERFEITAS EM 3D DE FETOS HUMANOS. FOI UMA TECNOLOGIA INÉDITA NO MUNDO E PROVOCOU UMA REVOLUÇÃO. VEIO AUXILIAR — E MUITO! — NAS DELICADAS CIRURGIAS INTRAUTERINAS DE MALFORMAÇÃO

doutorado na Inglaterra, e a familiaridade do médico em imagens de fetos, com que já tinha contato desde a residência, na França, ainda nos anos 1990, provocou uma revolução na área. Werner lembra que era algo inédito no mundo. Ninguém tinha tentado antes. Começaram a pesquisar, com auxílio de ressonância e ultrassonografia, entre outros tipos de exames. Menos de um ano depois, já tinham protótipos de fetos. O objetivo principal, desde o início, era auxiliar nas delicadas cirurgias intrauterinas de malformação, criando réplicas perfeitas. “Depois, vimos também que era o ideal para mostrar a quantas anda o feto para gestantes cegas, casais com deficiência visual, o que fazemos até hoje”, revela Werner, enaltecendo a importância de proporcionar aos futuros pais a experiência real de como está o bebê. Hoje, dez anos depois, o planejamento para as operações intrauterinas é realizado com muito mais precisão, por causa dos detalhes à mão dos médicos. Os moldes em tamanho real, exatamente na dimensão do feto na barriga da mãe, possibilitam a escolha da melhor estratégia, além de treinos e testes pré-cirurgia. O médico ressalta a extrema importância da tecnologia. “Esse ambiente virtual faz toda a diferença na discussão com a paciente, que quer saber o prognóstico, o que será feito”, explica. “A conversa se torna mais real, mais palpável, literalmente, e a relação médico-paciente se torna diferente”, enaltece. O uso de 3D e também de realidade virtual já começa a chegar aos bancos das faculdades de medicina, proporcionando

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Parece simples, sim. Mas esta é a Form 2 da Formlaps. Top de linha

uma melhor formação aos futuros médicos, o que provoca certa inveja (boa) de Werner, com mais de 30 anos de graduação. Para ele, esse é o futuro, bem como a melhoria da tecnologia, provavelmente em ritmo acelerado. Programmable matter Por falar em futuro, o que será da impressão em 3D daqui pra frente? O polivalente Jorge aponta o dedo para Neil Gershenfeld e fala duas palavrinhas mágicas: programmable matter – programação da matéria, em português. E o que é isso? Bem difícil e um tanto abstrato de explicar, mas vamos tentar. Pense no e-mail. Você envia dezenas todos os dias. Escreve, aperta send, a mensagem viaja pela nuvem virtual e aparece na caixa do destinatário. Agora imagine você enviar, pelo mesmo caminho da nuvem, uma cadeira? Impossível, você responde. À primeira vista, sim, parece um absurdo. Parece. Porque não será a cadeira física, concreta a “mensagem” despachada, mas o código do objeto. Código? Sim, o DNA da cadeira, como um código genético. Do outro lado, haverá uma máquina que processará esse código e o trans-

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PREPARE-SE! VEM AÍ A PROGRAMAÇÃO DA MATÉRIA. ELA PERMITIRÁ RECEBER O CÓDIGO DE UMA CADEIRA PELA NUVEM E TORNÁ-LA REAL. AINDA MAIS INCRÍVEL: TAMBÉM SERÁ POSSÍVEL REVERTER O PROCESSO E TRANSFORMAR A CADEIRA NOVAMENTE EM CÓDIGO

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futuro

formará em... uma cadeira! “É difícil entender, mas é o que vai acontecer”, vaticina Jorge Lopes dos Santos. “Quando falamos da produção convencional, existem moldes, matrizes, você tem a matéria-prima, como a bauxita, o ferro, e transforma em bem de consumo. Há muito gasto nesse modelo. Por isso e outros motivos, é preciso pensar em outras maneiras”, analisa o carioca. Segundo Neil Gershenfeld, a impressão está obsoleta e o futuro é a programação do produto. Jorge concorda e acredita que talvez não demore tanto assim para toda essa fantasia se tornar realidade. “Pense no streaming. Ninguém mais questiona o streaming”, ele reflete. “É algo dado no mundo, na realidade das pessoas.” Ah, antes de terminar, sabe aquela cadeira que você enviou para o seu amigo? Saiba que, depois que ele usou na festinha que deu em casa, não precisa mais dela e quer se livrar da dita-cuja. Em vez de jogar fora ou doar a alguém, pode, simplesmente, reverter o processo e transformá-la novamente em... código! Não, não é ficção. P

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Por Marcos Diego nogueira

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Aqui mesmo no Brasil já dá para automatizar a moradia de uma maneira ainda mais avançada do que previa a ficção científica

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O projetor Sim2 é tão futurista quanto a lâmpada BeOn Starter, controlável pelo celular

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altando poucos minutos para as 8 da manhã, os eletrodomésticos começam a funcionar, sem a intervenção humana direta. Primeiro, a torradeira. Em seguida, a cafeteira. Ato contínuo, um braço mecânico abre e serve uma lata de comida para cães no pratinho arrumado no chão. O ano é 1985 e tudo isso acontece na casa do Dr. Emmett Brown, personagem interpretado por Christopher Lloyd. O ambiente é um tanto caótico. Trata-se da cena de abertura do primeiro filme da trilogia De Volta para o Futuro. Como você se lembra, o Dr. Brown tinha uma máquina do tempo instalada em um automóvel, o DeLorean. Tinha também uma queda especial por criar uma “casa do futuro”. Mas, se fizesse o DeLorean viajar para o ano de 2017, descobriria que os gadgets para preparar café e alimentar o cachorro são, hoje, bem menores. Mais: funcionam sem fio e muito melhor. Além disso, têm um custo muito mais baixo. Isso porque o universo da automação – leiase a integração das diversas tecnologias de uma casa – está cada vez mais moderno e acessível. “As pessoas, em geral, conhecem pouco de automação”, diz o engenheiro José Roberto Muratori, diretor executivo da Associação Brasileira de Automação Residencial e Predial, a Aureside. “Se conhecessem, descobririam que muitos sistemas disponíveis não são caros”, avisa. Muratori lembra que, além de as tecnologias terem se tornado mais acessíveis, muitas delas são acionadas a par partir do smartphone. Sem esquecer que podem ser adquiridas por etapas, gradativamente. “Você não precisa comprar de cara todo o aparato de automação”, ressalva. “Pode começar com um sistema mais simples e, ainda assim, muito útil.”

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Sim, o Dr. Brown também se surpreenderia ao descobrir que é possível controlar tudo de uma casa por meio do tablet ou do celular. Os aplicativos permitem a alguém, mesmo longe do seu endereço, ligar e desligar o que quiser. Por exemplo: qualquer pessoa pode, a quilômetros de distância, distribuir o sistema de áudio e de som para os diversos lugares da casa e, também, programar eletrodomésticos (contando o ar-condicionado) para funcionar antes mesmo da presença do MESMO BEM dono. Pode, ainda, mesmo distante do LONGE DE lar, encher a hidromassagem com água CASA, VOCÊ em determinada temperatura e em um horário específico. Ou controlar as lâmCONTROLA padas BeOn Starter. Essas são apenas TODOS OS algumas das infinitas possibilidades GADGETS E disponíveis aqui mesmo no Brasil. Há ainda toda a tecnologia para o ATÉ LIBERA controle de acesso residencial, claro. Por A ENTRADA intermédio dela, dá para liberar a entraDOS AMIGOS da da visita mesmo quando você não está. Isso pode ser feito até por reconhecimento facial. Funciona assim: você cadastra seu amigo pelo rosto e, quando ele chega na sua casa, ainda que na sua ausência, o sistema reconhece as feições, envia uma mensagem para o seu celular e, com um toque, você libera o ingresso. As possibilidades são múltiplas. “Tem gente que pede para monitorar a coleção de charutos”, conta Muratori. “Conheci um sujeito com US$ 100 mil dólares em charutos. Ele não pode ter problemas de umidade e temperatura. Por isso, é constantemente avisado pelo ce-

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lular.” Já moradores que têm móveis caros conseguem preservá-los também programando as cortinas. “Elas abrem e fecham conforme a posição do Sol, mesmo sem gente em casa”, explica Muratori. Uma das áreas da automação com maior avanço é a do entretenimento. Soluções futuristas não faltam para quem curte música e vídeo. “Você entra em casa e já tem sua playlist tocando em cada ambiente”, informa Muratori. “Tudo com comando simples, feito diretamente pelo celular.” O fim dos fios Inaugurada há 35 anos, a Som Maior, sediada em Joinville (SC), passou por todas as transformações do mercado. Já nos anos 1980, trazia ao Brasil aparelhos sonoros de alta qualidade. Isso se aprimorou na década seguinte, com a verdadeira abertura dos portos para o mercado internacional. Hoje, a empresa distribui para todo o Brasil a mais avançada tecnologia de áudio, vídeo, automação e rede. Representante das marcas mais conceituadas no mundo, como os alto-falantes ingleses da Bowers & Wilkins – usados em estúdios como o histórico Abbey Road, em Londres – ou os projetores italianos Sim 2, a Som Maior, além de importar aparelhos de última geração, se encarrega de programar a automação entre eles. “Dessa maneira, o cliente não precisa perder tempo e paciência tendo de ligar um por um e programá-los”, esclarece Samir Zattar, um dos sócios da empresa, que tem no portfólio a montagem de salas de cinema particulares, provendo o ambiente até mesmo de poltronas especiais e telas de 140 polegadas. “São tamanhas a comodidade e qualidade que, ao adquirir esse equipamento, o proprietário nunca mais vai querer ir ao cinema”, prevê.

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Cena de De Volta para o Futuro previa tela multimedia, como a da Crestron. Abaixo, amplificador da B&W e o Amazon Eco

Apaixonado por música e entretenimento, o médico Marcelo de Souza não considera o seu lar uma “casa do futuro”, apesar de ter instalado há dois anos um sofisticado sistema de áudio e iluminação que permeia todos os cômodos. “O melhor é poder reunir os amigos e controlar onde e qual música irá tocar”, relata. Na realidade, a cultura da automação continua pouco difundida no Brasil se cotejada aos países desenvolvidos. Pois é. Para se ter uma ideia, quase 20% das casas dos Estados Unidos já têm algum nível de automação. Na Europa, esse número fica entre 15% e 18%. No Brasil não chega a 1%. Estima-se um potencial de mercado por volta de 3%. “Meus amigos me perguntam se tive de fazer uma grande reforma ou se foi um transtorno instalar todo o equipamento em casa”, conta Marcelo, rindo. Na realidade, ele não precisou nem mesmo

recorrer a muitas fiações. A maior parte da automação dispensou fios elétricos. Funciona via radio, wi-fi ou bluetooth. Uma tendência que veio para ficar, segundo Samir Zattar: “Os clientes pedem para passar tudo que for possível da estrutura cabeada para a sem fio”. Quem manda é a voz Se a moda da casa automatizada ainda está pegando a passos de formiga no Brasil, o mesmo não ocorre com a tecnologia à disposição. “Hoje, a importação é fácil”, resume Muratori. “Se o produto sai em uma feira no exterior em janeiro, já no mês seguinte está por aqui.” Existe também um fator cultural curioso. Enquanto nos EUA o pessoal procura mais por sistemas de áudio e vídeo e de segurança eletrônica, nos países europeus a busca é não só pela segurança patrimonial, mas também pelo sistema de segurança da moradia. Por exemplo: sensores de vazamentos de gás, inundação. Sustentabilidade e economia de energia também são levadas mais em conta no Velho Mundo. “Já no Brasil existe uma combinação de duas coisas: as pessoas gostam de um certo exagero, mas também não querem gastar demais”, brinca Muratori. Quanto custa ter uma casa do futuro? Segundo estudos da Aureside, a média de gasto varia entre 2% e 5% do valor do imóvel. Já para a Som Maior, tudo depende do que quer o cliente. “Com R$ 15 mil dá para deixar a área social ótima, com controle de home theater e cortinas”, diz Zattar. “Se o cliente quiser gastar R$ 5 mil para fazer a iluminação da sala, consegue. Se resolver instalar sistema de câmeras, gastará mais R$ 3 mil.” Mas, afinal, se o Dr. Brown, a bordo do DeLorean, avançasse alguns anos à frente do nosso tempo, o que ele veria? Ao que tudo leva a crer, duas palavras vão comandar a automação: reconhecimento e interação. Sensores em cada cômodo serão inteligentes o suficiente para distinguir entre convidados e membros da família, adaptando-se assim aos gostos de cada pessoa. Um artigo recente da antenada revista americana Wired incluiu os batimentos cardíacos como outra forma de os sensores perceberem quem está no local. Reconhecendo a pulsação, ajustarão automaticamente a temperatura ambiente, a iluminação, e reproduzirão vídeos ou músicas com base em preferências pré-configuradas. Outra novidade: para interagir com a casa não será mais preciso ter um celular ou um iPad. Será a vez do comando de voz. “Você pedirá ‘coloque na novela’, e pronto. O televisor vai ligar no seu canal desejado”, antevê Zattar, citando o Amazon Eco como um produto que já funciona assim. O futuro é hoje. P

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memória Por marion frank colagem raPhael alves

...E O SONHO HO CONTINUA MEIO SÉCULO DEPOIS DO VERÃO DO AMOR, O BAIRRO DE HAIGHT-ASHBURY, EM SAN FRANCISCO, PERDEU A INOCÊNCIA. MAS MANTÉM PARTE DO ESTILO DE VIDA

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memória

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casa tem cor cinzenta. Isso lhe acentua o ar austero, vamos sugerir assim. Só que a construção de três andares e 240 metros quadrados, no número 710 da Ashbury Street, em San Francisco, abriga uma das trajetórias mais “coloridas” – para dizer o mínimo – da costa Oeste dos Estados Unidos. Foi ali que a banda Grateful Dead – e familiares e fãs e quem mais se fizesse presente – montou uma comunidade que deu o que falar em Haight-Ashbury, um bairro particularíssimo na história cultural do país (e do mundo). Em setembro de 1966, Owsley Stanley III, o primeiro sujeito a produzir e vender LSD (dietila-

os ensaios do Grateful Dead eram acrescidos, à noite, do som das motos dos Hells Angels, que gostavam de acelerar em frente ao 710. Que tempos! Hoje, mesmo sem placa indicativa, o endereço continua a agir como ímã. Turistas rondam e rondam pela calçada, sorrindo para o registro fotográfico (há quem assobie “The Weight”, da trilha do filme Easy Rider, lembra-se?). Imperturbável, a casa permanece com as janelas (e cortinas brancas) fechadas. “Quem mora ali? Um casal de velhinhos americanos”, comenta a jovem que sai do apartamento térreo, do outro lado da rua (o de nº 719). “Eles gostam de passear com o cão. São sossegados.” Simpática, Sheila aceita a prosa rapidamente, reagindo sobre a música dos antigos moradores. “Grateful Deal? Não gosto, sorry”, diz. “É um som muito velho para mim.” Sheila tem 18 anos – e nem existia enquanto ideia, 50 anos atrás, dentro do corpo de sua (futura) mamãe. Já a mãe de sua mãe muito provavelmente teria o que dizer sobre o que aconteceu no histórico Summer of Love, o verão de 1967, em San Francisco. Era o ápice do movimento hippie, cujos valores iriam marcar os homens da Terra para sempre.

MORAR EM NORTH BEACH FICOU CARO DEMAIS. POR ISSO, OS BOÊMIOS E OS ARTISTAS DESCOBRIRAM AS RUAS HAIGHT E ASHBURY

O termo “hippie” apareceu pela primeira vez no jornal San Francisco Examiner, em setembro de 1965. No artigo “A new haven for beatniks”, o jornalista Michael Fallon eses miuçava o êxodo de artistas e boêmios de North Beach – onde o custo de vida tinha

mida de ácido lisérgico) em larga escala na Califórnia, bancou a nova morada para os músicos. A casa logo serviu de teto a excessos de toda a sorte, entorpecentes e sexo incluídos, afora a prática do que a cartilha hippie tinha de melhor (oferta de comida e auxílio médico, por exemplo). Neal Cassidy era frequentador assíduo. Idem Janis Joplin, que colecionou endereços nos arredores. Dizem que

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“If you are going to San Francisco, be sure of using some flowers in your hair” (hit de 1967, na voz de Scott Mc Kenzie)

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Piadas

disparado com a projeção de seus moradores no movimento beat – para Haightcom as -Ashbury, um lugar mais em conta, a lesdrogas te do Golden Gate Park e próximo da San estavam Francisco State University. “É o novo enem todos dereço para escritores, pintores e músicos, os lugares trabalhadores e defensores dos direitos civis, assim como homossexuais, lésbicas, maconheiros e jovens casais de tendências artísticas”, escreveu Fallon. E acrescentou: “Os hippies vão se agregar a um mosaico único de nacionalidades da cidade – negros, japoneses, russos, checos, escandinavos, armênios, gregos, alemães, irlandeses”. Na esquina das ruas Haight e Ashbury, o Blue Unicorn Café funcionava como ponto de encontro de clientela vestida com as roupas mais extravagantes (mistura de cowboy com estilo eduardino), boa parte delas encontrada nos sótãos dos casarões vitorianos abandonados no bairro. A palavra hippie – que pertencia ao vocabulário dos músicos de cor negra para nomear os brancos que gostavam de jazz – “era usada de forma pejorativa pelos veteranos beats para descrever os jovens da classe média que partiam

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A antiga casa do Grateful Dead e uma vitrine da rua Ashbury hoje

de North Beach”, conta Barney Hoskyns no livro Beneath the Diamond Sky, que detalha o cotidiano em Haight-Ashbury entre 1965 e 1970. “A mudança estava no ar e quem tinha 20 anos ou mais sabia que precisava encontrar o próprio espaço.” Change, segundo o Cambridge Dictionary, inspira várias interpretações em inglês, como, por exemplo, “to make or become different” ou “to form a new opinion or make a new decision about something that is different from your old one”. Elas ajudam a transportar quem lê para a atmosfera reinante nos EUA em época tão singular. Em 1964, Ken Kesey and the Merry Pranksters viajavam de ônibus pelo país, organizando festas e experiências com LSD, um pontapé no establishment no momento em que o governo decidira entrar com força na Guerra do Vietnã. À margem do que era ditado em Nova York e Los Angeles, a cidade de San Francisco incitava a mistura das correntes culturais. A música era a sua síntese. Por fim, a cena alucinógena dissolveu “as barreiras entre bandas e audiências e rapidamente promoveu um senso de “comunidade”

Owsley, ead, Janis o Dead, e a primeira reportagem com a palavra “hippie”

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memória no bairro de Haight-Ashbury que nunca seria igualado no mundo Ocidental”, exalta Hoskyns em seu livro. Grateful Dead era uma delas, assim como Jefferson Airplane e Quicksilver Messenger Service. Janis Joplin? Já tinha largado o Texas natal para saber “what was going on” naquela parte do planeta. O mood Califórnia virava matéria de exportação, embora Ronald Reagan, então governador daquele estado, fizesse questão de alertar que “hippie é o sujeito que se veste como Tarzã, usa o cabelo como Jane e cheira igual a Chita”. Reagan era exemplo de autoridade que andava por aqui com aquela gente que “...acreditava em compartilhar, você percebia que as pes-

que todos eram iguais – e quem não era deveria ser, recebendo o que comer.” Schnabel fazia parte dos milhares de jovens que, desiludidos com o sonho americano, se rebelavam contra o ideário conservador que norteara a vida de seus pais. Não por acaso o professor de psicologia Timothy Leary, defensor do uso de LSD com fins terapêuticos, incitava o drop out (ou seja, a não se alistar para a guerra), uma das palavras de ordem do Human Be-In, manifestação que reuniu cerca de 20 mil pessoas no Golden Gate Park. Foi assim: todas as tribos que se opunham ao status quo em vigor marcaram presença naquele 14 de janeiro de 1967, ouvindo mantras, poesia e música, além de discursos em honra do pacifismo e da ecologia (ainda hoje pertinentes, aliás). Houve uma comoção nacional – e, com ela, a mídia “descobriu” Haight-Ashbury, passando a informar maciçamente sobre o bairro e seus frequentadores, de flores no cabelo, até o ponto de o tema “tornar-se automático, o que faz com que as pessoas tendam a esquecer seu significado”, avaliou Schnabel. Ok, o Verão de 67 ainda serviu de inspiração para um festival de música inigualável, o de Monterey. Mas o início do fim já era palpável: em outubro, os Diggers lideravam um cortejo sui generis por Haight-Asbuhry, de nome The Death of the Hippie.

O ALUGUEL DE UM PEQUENO APARTAMENTO POR AQUI ESTÁ POR VOLTA DE US$ 3 MIL. HÁ QUEM DIGA QUE É O MAIS ALTO DOS ESTADOS UNIDOS

“Qualquer pessoa que pense que tudo isso é apenas sobre drogas tem a cabeça enfiada em um buraco. Trata-se de um movimento social, quintessencialmente romântico, do tipo que se repete em tempos de crise social real. Os temas são sempre os mesmos. Um retorno à inocência. Uma comichão para o transcendental. Aqui você tem os caminhos do romantismo que, historicamente, acaba em problemas, se presta ao autoritarismo. Quanto tempo você acha que vai demorar para isso acontecer? (pergunta de um psiquiatra de San Francisco a Joan Didion, em Slouching Toward Bethlehem).

soas tentavam ser sinceras, honestas, sobretudo em 1966”, lembrou o historiador William Schnabel no lançamento de sua obra Summer of Love and Haight: 50th Anniversary of the Summer of Love, em junho. Aos 17 anos, ele então participava, em Haight-Ashbury, das paradas dos Diggers, grupo de atores de teatro que se especializou em distribuir comida na vizinhança. “Eles diziam

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Timothy FOTOS REPRODUÇÃO

Leary e uma latinha de luxo da história

Joan Didion é nome de proa do new journalism – e o artigo que escreveu sobre Haight-Asbuhry para o jornal The Saturday Evening Post, na primavera de 1967, um retrato contundente do cotidiano hippie, tornou-se marco de reportagem não apenas nos EUA. O LSD já havia sido declarado ilegal; seu produtor afamado, Owsley Stanley, estava preso; e San Francisco começava a ser invadida por drogas de “baixo quilate”, vamos dizer assim. Com elas, veio a heroína, a violência. E quem podia dava o fora, salvo Jim Siegel, que fez o caminho inverso: aos 16 anos, em 1972, decidiu morar em Haight-Asbuhry, “apesar do perigo constante de ser assaltado a faca, terrível...”, lembra. Naquela época, ele viveu consumindo e vendendo drogas, mas a vida deu a volta nessa trajetória pouco gloriosa; e Siegel, um “abençoado por Deus”, como gosta de

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Joan Didion flagrou o bairro em seu auge. Sunshine e S Siegel vivem S por lá agora

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realçar, foi primeiro parar na gerência de uma loja de produtos para pets e plantas, a White Rabbit – aliás, nome de um sucesso do Jefferson Airplane. A partir daí, abocanhou negócios ao longo da Haight Street, um total de quatro, em 40 anos. Hoje, aos 61, é dono da Distractions, endereço especializado em vestuário e adereços em estilo vitoriano. O eixo comercial de Haight-Ashbury é, na atualidade, um dos mais diferenciados de San Francisco. Em especial, no que diz respeito a lojas de roupa vintage. “O bairro é reflexo da cidade, e San Francisco se tornou uma das mais caras do mundo. O aluguel de um studio [pequeno apartamento] está cotado acima de US$ 3 mil dólares, o mais alto do país”, afirma Siegel. “Por isso, ainda se vê muita juventude sem rumo por aqui. Não dá para suportar custo de vida tão elevado.” Como se estivessem presos na teia do tempo, jovens continuam a vaguear pelas ruas de Haight-Ashbury, alguns tocando guitarra para ganhar trocados, outros caídos nas calçadas sob o efeito de drogas (pesadas). “Temos cerca de 600 jovens vivendo nas ruas do bairro”, afirma Sunshine Powers, artista plástica e dona da Love on Haight, butique de fama na venda de roupas tingidas (tie-dye). “E muitos estão a caminho, eles preferem deixar suas casas no Meio-Oeste para viver aqui, onde se sentem seguros.” Aos 37 anos, o rosto maquiado de glitter, Powers está certa de ter vindo ao mundo para cuidar da história de Haight-Ashbury. “Existe uma consciência comunitária notável, que sabe o que deve ser feito para espelhar os valores que importam”, exalta. Ela, por exemplo, faz parte da diretoria do Taking it to the Streets (TITTS), organização que deu abrigo, comida, trabalho e tratamento contra drogas, nos últimos três anos, a 250 jovens que perambulavam pela região. Pork Store Cafe, também na Haight Street, é estabelecimento conhecido há décadas por servir refeições no fim do dia a quem não tem um centavo. E Haight Ashbury Free Clinic

é posto médico que funciona segundo a filosofia original, dos anos 1960, atendendo de graça a drogados e outros enfermos. Em época de governo Donald Trump, de valores tão antagônicos, será possível afirmar que o espírito de Summer of Love continua de certa forma intacto? “Já sobrevivemos aos desmandos de Reagan, aos da família Bush e o mesmo vai acontecer em relação a Trump”, sentencia Jim Siegel. “Porque eterno é apenas o que faz bater o coração em Haight-Ashbury.” P

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cult

Por luiz maciel

CRÈME DE LA CRÈME Por que o Romanée-Conti, da Borgonha, se tornou o Santo Graal dos enófilos - e o vinho mais caro do planeta

S

ão cerca de 5,5 mil garrafas

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Nessa plataforma de comércio virtual

Os Romanée-Conti são tão escandalo-

por ano, raramente mais do

– que converte em tempo real os preços

samente caros e usados como commodities

que 6 mil, que consumidores

dos vinhos na moeda do país de quem

de luxo que até Aubert de Villaine, um dos

ansiosos topam pagar com

consulta suas ofertas –, o Romanée-

proprietários da vinícola e seu principal

antecedência e aguardar o que for preciso

Conti mais antigo à venda era da safra de

executivo, se diz incomodado com essa

para garantir algumas em suas milioná-

1915, colocado em leilão por um colecio-

especulação financeira. “O vinho é para

rias adegas. Quando chegam ao mercado,

nador romano com lance mínimo de

ser bebido e não para ficar guardado para

depois de passar 18 meses repousando

R$ 132.018. Um exemplar ainda mais

revenda”, costuma dizer o senhor de 78

em barricas novas de carvalho francês, os

valioso, de 1945, era oferecido por um

anos, como se fosse possível abolir a lei da

vinhos Romanée-Conti, feitos exclusiva-

suíço do cantão de Vaud por R$ 188.168.

oferta e da procura. Aliás, como guardião

mente com as uvas tintas Pinot Noir da

Ambos valendo bem mais do que o equi-

das videiras e da história dos Romanée-

região francesa da Borgonha, requerem

valente em ouro aos 750 mililitros de suas

Conti, Villaine não faz outra coisa senão

ainda mais paciência. Dez anos de guarda,

garrafas – no início de junho, 750 gramas

reforçar, com processos produtivos cada

pelo menos, para atingirem o nível de

de ouro valiam cerca de R$ 98.600. A

vez mais cuidadosos, o culto a esse vinho de

qualidade que se espera deles. Enófilos

oferta mais estratosférica era de uma

raízes milenares, feito a partir das uvas que

mais exigentes conservam exemplares de

imperial (de 6 litros, volume correspon-

crescem numa área de apenas 1,81 hectare,

safras excepcionais por até 30 ou 40 anos,

dente ao de oito garrafas padrão) de 1990,

equivalente a duas vezes e meia o gramado

para provar a bebida no seu auge – ou para

que um investidor de Nova York orçou em

de um campo de futebol.

revendê-la com grande lucro.

R$ 1.653.846. Isso mesmo: mais de um

Por ser tão pequeno e discreto, esse

Como uma obra de arte que de fato

milhão e seiscentos mil reais, quase tanto

terreno até pode passar despercebido por

é, uma garrafa de Romanée-Conti vale

quanto o que se paga aqui por uma Ferrari

quem circula pela comuna de

algumas dezenas de milhares de dólares.

California, impostos incluídos, ou por 63

Vosne-Romanée, na região da

As mais raras são arrematadas em leilões,

unidades do carro mais barato à venda no

Côte d’Or, em Borgonha –

com preço mínimo prefixado e o céu como

Brasil, o chinesinho Chery QQ. Por isso

embora seja a expressão

limite. No site www.wine-searcher.com, que

causou tanto frisson o fato de Luiz Inácio

máxima do que os

conecta vendedores e compradores de vinho

Lula da Silva ter comemorado uma vitória

do mundo todo, com mais de 8,7 milhões de

em debate na TV com José Serra, antes de

ofertas, os Romanée-Conti são sempre os

sua primeira eleição à presidência, com

mais caros. Em julho de 2017, apareciam no

um Romanée-Conti safra 1997 (oferecido

portal com preço médio de US$ 15.104.

pelo publicitário Duda Mendonça).

O preço médio de uma garrafa vai além dos R$ 15 mil

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Cada passo da produção é tratado com total atenção pelo herdeiro da marca, Aubert de Villaine

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cult franceses chamam de terroir, ou seja,

se tornaria a uva usada até hoje em todos os

de Conti, que reservou a produção apenas

a combinação entre solo, tipo de uva,

tintos borgonheses. Perceberam, também,

para consumo próprio e dos seus convi-

clima, insolação, drenagem, regime de

que as condições de solo e clima podiam

dados. Em 1789, a Revolução Francesa

ventos, atividade microbiológica e outros

mudar de um lote para outro, em questão de

confiscou as terras e as leiloou. O vinhe-

fatores naturais que, ao final do processo,

metros, influenciando as características do

do passaria ainda por três famílias até ser

resultará num vinho de personalidade

vinho. Depois de muitas experiências, esses

arrematado em 1869 por um antepassado

única. Ao redor desse lote dos Romanée-

fanáticos vinhateiros, os primeiros a provar

de Aubert, Jacques-Marie Duvault-Blo-

Conti, vinhedos igualmente vistosos e

na boca as amostras de terra para entender

chet. Em 1912, Edmond Gaudin de Villai-

bem cuidados são a base de outros vinhos

seus segredos, acabaram encontrando as

ne, avô de Aubert, registrou as várias

notáveis, também pertencentes à mais

melhores condições de produção no trecho

parcelas como integrantes da Domaine

nobre categoria da indústria vinícola

inicial de uma encosta suave, a que deram o

Romanée-Conti. Em 1933, ampliou esse

da Borgonha, os grand crus – só não são

nome de Costa do Ouro. Os Romanée-Con-

domínio com a compra dos vinhedos

iguais ao vizinho mais famoso.

ti são produzidos nesse terroir até hoje.

vizinhos La Tâche. Em 1942, diante dos desafios da Segunda Guerra Mundial e

O terreno das vinhas tem as dimensões de dois gramados e meio de futebol. Ali, os trabalhos são feitos a pé ou a cavalo, e a influência dos astros no terroir é analisada. Tratores? Foram abolidos

de uma praga que já rondava os vinhedos franceses, a phylloxera, vendeu metade desse conjunto de propriedades a Henry Leroy.

Foi à custa de muita dedicação, e de uma

Por quatro séculos, os monges

A praga obrigou a substituição de todas

santa paciência, que se identificou, ao longo

cultivaram seus vinhedos em paz. Mas

as videiras do DRC por mudas mais resisten-

dos séculos, onde começava e terminava

então a monarquia se deu conta do valor

tes, interrompendo a produção do lendário

cada terroir nesse pedaço da Borgonha. Os

que as terras haviam alcançado e passou

vinho entre 1946 e 1951. A excelência do

grandes responsáveis por isso foram os

a cobrar impostos da Abadia de Saint-

produto, porém, não foi afetada – até porque

monges beneditinos da Abadia de Saint-Vi-

Vivant, que se viu obrigada a vender seu

o controle de qualidade passou a ser ainda

vant, que em 1131 receberam essas terras em

melhor terroir para quitar as dívidas. Em

mais rigoroso. Aubert de Villaine, que parti-

doação do duque de Borgonha. Os religiosos

1745, o lote dourado foi parar nas mãos

acertaram na mosca com a Pinot Noir, que

de Louis-François de Bourbon, o príncipe

“O Romanée-Conti tem aromas celestiais e surreais.”

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ELEGIAS AO NÉCTAR

Robert Parker, crítico de vinhos americano

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“Por causa desse vinho

“Só vi isso em país subdesenvolvido.”

um filho seria capaz de cometer

Aubert de Villaine, impressionado

um parricídio.”

com a coleção de Romanée-Conti

Eça de Queiroz

na adega de Paulo Maluf

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cipa da gestão da vinícola desde 1965, baniu

em setembro. Os cachos são delicadamente

compram tudo o que podem, sem reclamar.

os defensivos químicos das plantações 30

acomodados em cestas pequenas, sem se

Cerca de 80 dessas caixas (ou seja, 80 gar-

anos atrás e, mais recentemente, aderiu ao

sobrepor uns aos outros, para evitar o rom-

rafas de Romanée-Conti) são enviadas por

cultivo biodinâmico, que leva em conta a in-

pimento das bagas, e depois transferidos

ano a compradores do Brasil.

fluência dos astros sobre as vinhas. De 1974

para uma esteira onde são examinados um a

a 1989, ele contou com Lalou Bize-Leroy,

um. Apenas as melhores amostras seguem

recorrer para comprar um Romanée-

lendária enóloga da Borgonha, na diretoria

para a prensagem e a fermentação – que

Conti, uma vez que as visitas à vinícola

de marketing da DRC – o que garantiu à

dura cerca de um mês, mais do que é usual,

são fortemente desencorajadas. Uma

vinícola a atual expressão mundial. Para

com temperatura controlada abaixo dos 33

placa fixada em frente ao célebre lote de

zelar pelos 16.300 pés de uva do seu lote mais

graus. No final do processo, a montagem e

1,81 hectare não poderia ser mais clara:

valioso, Villaine mantém uma equipe de

o engarrafamento são feitos por gravidade,

“Muitas pessoas vêm visitar esta área e

25 funcionários atentos a qualquer ameaça

barril por barril, sem filtragem. Nem pressa.

nós entendemos. Mas solicitamos que

natural. Os trabalhos são feitos a pé ou a

Além do seu vinho mais desejado, a

É a esses intermediários que se deve

você permaneça na estrada e sob nenhuma

cavalo, para evitar a compactação do solo. Os

Domaine Romanée-Conti produz outros

condição entre no vinhedo. Obrigado pela

tratores também foram abolidos.

seis grand crus: La Tâche, Le Richebourg,

sua compreensão”. No fundo, monsieur

Romanée-Saint-Vivant, Echézeaux, Grand

Aubert de Villaine – que já deixou de re-

A cota brasileira

Echézeaux e Le Montrachet (este o único

ceber até o ex-presidente francês Giscard

A fertilização do vinhedo que dá origem

branco, feito com uvas Chardonnay). Todos

d’Estaing em seus domínios, por não

aos Romanée-Conti é feita apenas com uma

são despachados para os compradores com

considerá-lo um amante de vinhos – não

compostagem à base de raízes de videira,

a mesma rapidez dos Romanée-Conti, gra-

mandou colocar esse aviso por se tratar de

cascas de uva e resíduos de fermentação. Na

ças a um artifício adotado há muito tempo

um homem rude. Mandou colocar apenas

altura de julho ou agosto, as vinhas passam

pela vinícola: a venda casada. Para levar

porque ele pode.

por uma implacável poda verde – o descarte

para casa um Romanée-Conti, é preciso

dos cachos menos desenvolvidos, para apu-

comprar mais 11 garrafas das outras marcas.

rar a concentração de açúcar nos demais.

Parece abusivo? Pois os clientes tradicionais

A colheita é feita quando as uvas atingem o

– geralmente grandes importadores – já

ponto máximo de maturação, quase sempre

estão acostumados com essa exigência e

P

“Bem guardado, (o Romanée-Conti) torna-se muito melhor quando se aproxima de oito a dez anos; transforma-se então em um bálsamo para os idosos, os frágeis

“Agradece, manda que se faça

e os deficientes, e devolve a vida aos moribundos.”

uma rifa em benefício dos sem-Romanée

Trecho de um documento da época da Revolução Francesa

e bebe o que bem entende.” Elio Gaspari, jornalista, sugerindo o que Lula deveria ter feito ao ser presenteado com um RomanéeConti 1997 pelo marqueteiro Duda Mendonça, em comemoração à vitória num debate com José Serra, em 2002. Lula não fez a rifa.Tomou o vinho com prazer e ganhou a eleição

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motor

Por carlos cereijo fotos christian castanho

VOCÊ NO GRID A BMW CONVIDOU FÃS DA MARCA A REALIZAR UM SONHO: ACELERAR COM TUDO EM INTERLAGOS A BORDO DOS BÓLIDOS MAIS VELOZES DA MARCA

N

a edição anterior de THE PRESIDENT, Rogério Fasano, sócio do Grupo Fasano, ousou uma frase lapidar: “A meu ver, o ideal é vinho francês, cozinha italiana, carro alemão e mulher brasileira”. Talvez por isso, quando o convidaram a participar do M-Tower Tour, Rogério não enrolou. Topou com entusiasmo. O M-Tower Tour é uma oportunidade e tanto, oferecida a motoristas amadores por uma das mais tradicionais marcas germânicas, a BMW: pilotar em alguns dos principais autódromos do mundo – com liberdade para acelerar – os mais velozes bólidos da montadora. Em especial, os da série M, incluindo os impressionantes X5 M e X6 M, com motores 4.0 com dois turbos e oito cilindros em “V” e nada menos que 575 cavalos. Essas máquinas são capazes de escalar de 0 a 100 km/h em míseros 4,2 segundos. Um fenômeno.

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Rogério estava entre os mais animados convidados a pisar firme na tábua naquele fim de semana no autódromo de Interlagos, em São Paulo. Enquanto colocava o capacete, revelava ansiedade em encarar, pela primeira vez, trechos da pista que se tornaram célebres, como o insinuante “S” do Senna e a veloz Curva do Sol. “Eu corria de kart, mas isso foi há muito tempo”, dizia. De início tímido ao volante, pouco a pouco ganhou confiança, experimentou vários modelos e, de novo, reverenciou os automóveis alemães. “Gosto muito dos BMW, tanto que tenho um modelo WX4 na garagem”, contou. “São carros que têm pegada e personalidade. São confortáveis sem serem molengas.” Já bem à vontade, Rogério foi de carona ao lado do paranaense Augusto Farfus, piloto oficial da BMW, ex-campeão da Fórmula 3000 e, no momento, participante da DTM (Deutsche Tourenwagen Masters), a competição alemã de carros de turismo, categoria em que chegou

ao vice-campeonato em 2013. Farfus veio da Europa, onde vive há 18 anos, especialmente para o evento. Aproveitou para “matar a saudade de Interlagos”. Instruiu, um a um, os motoristas amadores sobre os macetes de pilotar em alta velocidade. Alguns deles lhe pediram que dirigisse o carro. Nesses “passeios”, chegou a mais de 230 km/h. Rogério Fasano, depois da carona, saiu do BMW exaltado. “O que esse cara faz na pista é impossível!” Resumindo: “Foi inesquecível”. Farfus gosta de instruir novatos fãs de automobilismo em voltas para lá de turbinadas. “Muitas vezes, o sujeito tem um carro muito seguro e potente, mas jamais experimentou tudo o que ele pode dar na pista”, explicava. “Fico feliz quando consigo mostrar toda a qualidade de uma das nossas máquinas.” Foi o que fez com Carlos Henrique Martins, o Kaká. O executivo veio de Sorocaba (SP), onde comanda o hangar de aviação World-Way Aviation, só para

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Nina Dragone, diretora de marketing, e um M2

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1. Piloto oficial da BMW, Augusto Farfus veio da Europa para participar; 2. Rogério Fasano era um dos mais entusiasmados; 3. Outro fã da marca alemã: Carlos Henrique Martins; 4. Adriano Amaral chegou com a mulher, Vanessa, e o filho, Lorenzo; 5. Bruno Klabin adorou o “passeio” no SUV X5 M; 6. Um dos organizadores do evento, Jorge Júnior; 7. O M2, muito concorrido; 8. Paulo Ilha, da DPZ&T

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De longe, parecia um dia de corrida

pilotar os novos BMW da linha M. Os 95 quilômetros que separam as duas cidades jamais seriam um empecilho para esse ardoroso fã da marca. “Tenho um BMW M235 e posso atestar como o carro é bom”, dizia nos boxes, depois de se aventurar na pista a bordo de um M140. “Mas a fábrica deu um passo à frente. O M140 é diversão pura.” Kaká também acelerou um X6 M. “Tem muito motor e faz as curvas com uma destreza formidável”, testemunhou. Seu fascínio pela fábrica alemã é tamanho que, já sem o capacete, ele mostrou no celular a foto de sua mais recente aquisição: uma moto BMW S100 RR Tricolor, de 199 cavalos. “Fiquei na dúvida se comprava ou não, mas minha mulher incentivou. Aí já viu, né? Peguei uma das primeiras que chegaram à concessionária.” No ano passado, o M-Power Tour ocorreu na pista da Fazenda Capuava, em Itu (SP). Mas Interlagos é outra coisa. Ali se respira a história viva do automobilismo brasileiro, de Chico Landi e Bird Clemente a Emerson Fittipaldi, Ayrton Senna e Felipe Massa. Para a BMW, em particular, há saborosas

ROGÉRIO FASANO FOI UM DOS CONVIDADOS QUE PISARAM FUNDO nO ACeLerADOr. SAIU DO CARRO eXTASIADO, PEDINDO MAIS recordações. Por exemplo: em Interlagos, o colombiano Juan Pablo Montoya venceu, em 2004, o Grande Prêmio de Fórmula 1 pilotando uma Williams com motor da marca. “Acelerar no mais famoso autódromo brasileiro é o sonho de todo fanático por velocidade”, resume Nina Dragone, diretora de marketing da BMW, lembrando que foi utilizado o mesmo traçado da Fórmula 1. Ela explica o motivo principal do M-Power Tour: “Queremos proporcionar uma imersão no mundo da linha M”. Jorge Roberto do Carmo Júnior, gerente de marketing da BMW, completa: “A ideia é deixar claro aos convidados que os carros da linha M têm desempenho de pista de corrida sem abrir mão da funcionalidade da rua”.

Mas o M-Power Tour não é apenas acelerar na pista. O evento reuniu cerca de mil convidados no sábado e outros mil no domingo. “Montamos no autódromo butique, barbearia e até espaço para crianças. Queremos mostrar o lifestyle ligado à marca”, explica Jorge Júnior, ressaltando que, além da linha M, estavam disponíveis os mais variados carros da BMW, desde os pequenos Mini até os grandalhões BMW 540i e 750i. Uma das famílias que aproveitaram esse estilo de vida foi a de Adriano Amaral, diretor da empresa de blindagens Win Safety. Ele chegou a Interlagos acompanhado da mulher, Vanessa, e do filho de 2 anos, Lorenzo. “Já tive todos os modelos M que você puder imaginar”, dizia, pouco antes de vestir as luvas e acelerar. Para Adriano, entrar no circuito de Interlagos é sempre especial, embora, no seu caso, não seja uma novidade. Ele já participou de algumas provas no autódromo, ainda que tenha se iniciado tardiamente no automobilismo. O sonho de infância de Adriano era ser piloto mas, na juventude, não teve recursos financeiros para tanto. Só aos 25 anos começou no kart. Mais tarde, passou para a stock júnior, categoria preliminar da stock

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Augusto Farfus ensinando os macetes

car. “Foi com um stock júnior que acelerei pela primeira vez em Interlagos”, relembrou. “Fiz a volta sorrindo, realizando um sonho de criança.” Depois disso, Adriano correu três anos na categoria Mini Challenge. Ganhou cancha. Em 2015, chegou ao auge na carreira de piloto, ao conquistar o título da Sprint Race na categoria GP. As atividades de empresário, contudo, não lhe permitiam conciliar as pistas com o escritório. Retornou ao kart. Chegou a disputar o Mundial, na Itália, no ano passado. É justamente no kart que pretende ingressar o filho, Lorenzo, tão logo complete 5 anos. De certa maneira, é como se o garoto tivesse a chance que ele não teve. “O Lorenzo já fala `kart, papai’, todo feliz”, derreteu-se Adriano, empolgado. Ele garante que levará a carreira do menino a sério. Ou nem tanto. “Já estou em busca de patrocinadores”, brincava. Se Adriano deixou Sorocaba para dirigir em Interlagos, Bruno Klabin saiu do Rio de Janeiro. Os dois têm muito em comum. Assim como Adriano, o carioca Bruno, CEO da

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UM DOS CONVIDADOS SAIU DO InTerIOr De SãO PAULO Só PArA TeSTAr OS BMW. OUTrO VeIO eSPeCIALMenTe DO RIO DE JANEIRO empresa de automação residencial Conekta, também levou a paixão pelo automobilismo às últimas consequências. Chegou a pagar para experimentar um Fórmula 1 na França. Mais que isso, teve uma carreira tardia como piloto, disputando a Copa Clio e a Copa Porsche. Hoje, possui uma coleção particular de automóveis, que inclui jipes americanos e esportivos italianos. O acervo pode ganhar mais uma peça valiosa: o X5 M, o SUV da BMW que experimentou em Interlagos. “Já andei em SUVs muitos rápidos”, contava um entusiasmado Bruno nos boxes. “Mas a estabilidade e o desempenho do X5 M são impressionantes. É sem dúvida hoje o melhor da categoria.”

A escolha dos convidados para pilotar os carros da BMW em Interlagos no M-Power Tour foi estratégica, segundo a DPZ&T (a DPZ mais o novo sócio, Dorian Taterka), que tem a conta publicitária da montadora. A agência apostou na força dos chamados in fluenciadores digitais. “Isso já funcionou muito bem com o Itaú, Vivo e McDonald’s”, diz Paulo Ilha, diretor de mídia da DPZ&T. Segundo ele, a tática é expandir o espírito do evento de maneira natural, por intermédio das redes em que esses influenciadores digitais atuam de maneira espontânea. “Ao analisar os processos de compra, descobrimos que, cada vez mais, o primeiro contato de um cliente com a marca é por meio desses canais digitais”, conta Ilha. Portanto, quem não esteve em Interlagos pôde, mesmo assim, viver o BMW M-Power Tour pelos olhos de quem também é louco por velocidade. E, ao que tudo leva crer, no ano que vem tem mais. P

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ROTEIRO 4x4 ASX indicA

NAS TERRAS DO REI CAFÉ UM PASSEIO ON E OFF-ROAD PELA SERRA DA BOCAINA, ENTRE SP E RJ, REVELA A REGIÃO QUE VIVEU A ASCENSÃO E A QUEDA DE TODA UMA CULTURA

MARCELO SPATAFORA

POR WALTERSON SARDENBERG Sº

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Fazenda Boa Vista: relíquia de 1780

A

das expectativas. Feridas de morte pela erosão, as terras haviam dado o que tinham de dar. O modo de produção, basea- do na mão de obra escrava, também se esgotara. Não admira que o cultivo do café tenha se bandeado para o oeste paulista, onde se fortaleceria com terras mais férteis, mão de obra assalariada e um eficiente sistema de escoamento da produção por estradas de ferro. À Bocaina restou tentar plantar chá. Não vingou. Melhor acomodar-se na pouco lucrativa atividade de gado leiteiro. Paciência. Hoje, as principais cidades da Bocaina são lugares tranquilos, acolhedores – ótimos para descansar da correria diária. Bananal, a maior delas, tem 11 mil moradores. São José do Barreiro, apenas 4 mil, o mesmo que a vizinha Areias. Silveiras mal chega a acomodar 5.600 viventes. Os visitantes mais desatentos, para quem a opulência dos casarões locais passa despercebida, pasmam ao ouvir sobre o passado dessas cidades que importavam modas de Paris, sedas da China e cristais da Boêmia. Em troca, exportavam café. Muito café. No seu auge, a região acolheu 82 fazendas cafeeiras, que por ali foram se acomodando após a abertura, no século 18, do Caminho Novo da Piedade, ligando as

RICARDO ROLLO

meio caminho entre São Paulo e o Rio de Janeiro há um lugar habitado por bugios, pacas, tatus, cutias, queixadas, esquilos, capivaras, lontras, veados, cachorros-do-mato e até onças suçuaranas. Não, não se trata de um zoológico. Esses e outros bichos estão livres e soltos no Parque Nacional da Serra da Bocaina, área de preservação criada em 1971, com mais de 100 mil hectares – o equivalente a dois terços da cidade de São Paulo. Imaginar que toda essa fauna e a maior concentração de mata atlântica contínua estão nas veredas que ligam as duas maiores cidades do país já seria por si só surpreendente. Ainda mais espantoso é notar que a maioria dos moradores dessas metrópoles jamais ouviu falar do parque – embora ele tenha cachoeiras com quedas de mais de 100 metros e picos de até 2 mil metros de altitude, entre outros chamarizes. Ainda hoje, a região da Bocaina parece fadada ao esquecimento. Uma sina iniciada no fim do século 19, quando suas principais cidades tiveram de abandonar o fausto proporcionado pelas fazendas de café. A rigor, a riqueza da Bocaina, que começara nas primeiras décadas daquela era, durou só duas gerações. Já em 1878, a colheita se revelou bem aquém

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ROTEIRO 4x 4 províncias de São Paulo e Rio de Janeiro. Naqueles idos, Banamais adrenalina. A estrada para o parque foi pavimentada renal se orgulhava da maior receita em todo o território pauliscentemente com áreas de asfalto e outras de brita. Ainda asta. Era 35% superior à da provinciana capital. De tão poderosim continua sendo uma aventura chegar à única hospedagem sa, a Bocaina tinha sua moeda própria, ao arrepio da corte, no dentro do parque, o Refúgio Vale dos Veados. Rio de Janeiro. Quem mandou cunhar foi Domingos Moitinho, um dos chamados barões do café. Algumas dessas peças estão Duque de Caxias e dom Pedro 1º expostas no curioso acervo da fazenda dos Coqueiros, de 1855, A 42 quilômetros de distância e 1.300 metros de altituaberta para quem se dispuser a retroceder ao século 19. de, ele fica no topo de um caminho que exige tração 4x4. A Moitinho tinha tanto dindim que, em 1888, importou pousada é provida de tudo, menos de luz elétrica. O banho da Bélgica uma estação ferroviária pré-moldada em aço e a quente está garantido pelo gás. Já a iluminação vem de canmontou como uma espécie de Lego gigante no centro de Badelabros – o que não deixa de ser romântico. A superlativa nanal. Não deixe de visitá-la. Ainda assim, o todo-poderocomida do fogo de lenha e o ofurô à beira do lago funcionam so nem era o fazendeiro mais rico da Bocaina. Perdia para como reconfortos para quem topa a façanha de subir mais Manuel Aguiar Valim, dono de cinco fazendas, entre elas 300 metros e, lá do cocoruto, no pico do Gavião, divisar a a Resgate, também aberta a visitação desde que agendada. baía da Ilha Grande. Mais alta ainda, a 1.770 metros, mas Percorrer os salões da sede é revelador. O palacete neoclássiem outro ponto, a pousada Ventos da Bocaina, ideal para co da Resgate tem um cravo inglês Bucasais, fica ao lado de uma rampa naNO SÉCULO 19, tcher & Watlen e fortunas em pratarias tural de voo livre. A SERRA DA BOCAINA da Christofle, de Paris. Nas paredes, A alternativa para dormir na altitude ERA TÃO PODEROSA afrescos pintados pelo espanhol José é hospedar-se nas fazendas centenárias QUE CHEGOU Maria Vilarongo, com destaque para transformadas em hotéis, usufruindo A CUNHAR aquele que mostra cafezais escalando do mobiliário de época e de um sossego MOEDA PRÓPRIA uma caixa repleta de dinheiro vivo. valioso. Caminhar sobre largas tábuas de cedro celebra uma volta ao tempo dos Desafio off-road barões e das sinhazinhas do café e até faz nos sentir como tal – Aguiar Valim era o homem mais rico do Brasil, quando sem o pince-nez e os espartilhos. Para melhorar, vários desses esse tipo de ranking estava longe de ser moda. Chegou a avahotéis-fazendas alugam cavalos. É relaxante trotar por esses lizar um empréstimo do banco Rothschild, em Londres, para recantos sem trânsito, cabendo ao cavaleiro o cavalheirismo o governo de dom Pedro 2º. Sua memória, contudo, ficou made cumprimentar os moradores com o arrastado “Tarrrde”. culada por importar escravos quando a atividade já estava Entre as fazendas que hospedam, vale lembrar que a proibida. Os africanos chegavam escondidos em Bracuhy, na São Francisco (de 1813) trai o nome: não é nada franciscaregião de Angra dos Reis. Também cafeicultor em Bananal, na. Tem decoração caprichada, com peças art nouveau, já do José Ramos Nogueira ocupa escaninho melhor na lembrança século 20, e um pequeno museu com preciosidades como da Bocaina. Em 1846, pouco antes de morrer, deu os mesmos partituras originais da pianista e compositora Chiquinha direitos de herança dos sete filhos legítimos aos outros 15 Gonzaga. A Vargem Grande (1937) é ainda mais refinada: com três escravas diferentes – dez com a mesma, Florinda. seus espetaculares jardins levam a assinatura de Roberto São José do Barreiro é a sede do parque nacional, cujo acesBurle Marx (1909-1994). so começa a 28 quilômetros do centro da cidadezinha. Até há O arquiteto paisagista era amigo do proprietário, Clemente pouco, era bem mais difícil rodar por esse trajeto, como conGomes, um designer autodidata – também já falecido –, e esmetinua sendo no alternativo “por cima da serra” entre Barreiro rou-se na encomenda. Desenhou jardins em três níveis, com 19 e Silveiras, ótimo desafio para quem aprecia um off-road com quedas-d’água e três piscinas de água corrente. Quando vinha à

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1 e 2. Parte do fausto da casa sede da Fazenda Resgate. Nas paredes, afrescos em homenagem ao Rei Café; 3 e 4. O Refúgio Vale dos Veados tem tudo, menos iluminação elétrica; 5. Na Fazenda Vargem Grande, o paisagista Roberto Burle Marx fez um belo trabalho; 6. Pleno sossego em uma região que já foi a mais rica e poderosa do estado de São Paulo

3 FOTOS RICARDO ROLLO

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ROBERTO TORRUBIA

1 e 2. Encarapitada a 1.770 metros, a pousada Caminhos do Vento proporciona um visual admirável; 3. Cachoeiras não faltam na região; 4. Por toda parte, casas centenárias; 5. Veículos 4x4 são muito bem-vindos por aqui; 6. O modo de vida interiorano orienta o dia a dia na região

3 MARCELO SPATAFORA

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FOTOS RICARDO ROLLO

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UMA ÁREA DE MUITO VERDE A Bocaina é a maior região de mata atlântica contínua do país

MAPA ROBERTO TORRUBIA

Vargem Grande vistoriar as obras, Burle Marx se embrenhava em Seja qual for a hospedagem, cabe ao visitante reservar um intermináveis noites de cantoria. Adorava entoar música lírica. almoço no restaurante da dona Licéia. É imperdível. Fica na Infelizmente, nem todos as fazendas que hospedam preserfazenda Caxambu. A septuagenária Licéia Franklin de Oliveivaram o mobiliário. A Boa Vista (1780), ra, mineira de Manhuaçu com 34 anos HOSPEDAR-SE embora mantenha a alameda de palmeide Rio de Janeiro, prepara delícias como NAS FAZENDAS ras imperiais, só guardou dos velhos idos galinha-d’angola à cabidela e coelho É VIVENCIAR DE os móveis do quarto em que dormiu o à caçadora. A casa é simples, mas tem PERTO O FAUSTO, duque de Caxias a caminho da Guerra do um heliponto para receber figurões do O LUXO DA ÉPOCA Paraguai (1864-1870). Mas é ótima para quilate de José Bonifácio de Oliveira SoDO CAFÉ hospedar crianças. Também a Três Barras brinho, o Boni, que desce dos céus sobra(1813) não possui mais o mobiliário origiçando tintos e brancos do outro mundo. nal, embora, da mesma maneira, colecionasse hóspedes históriMais uma surpresa de uma região esquecida – mas muito cos, contando aí o presidente Juscelino Kubitschek e dom Pedro bem lembrada pelo sossego, relíquias históricas, paisagens 1º, que ali dormiu em 1822, dias antes do Grito da Independência. formidáveis e até pela gastronomia. P

fazendaresgate.com.br

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velocidade Por marcio ishik awa

EXPERIENCE AMAZING INSPIRADA NO ESPORTIVO LC 500, A LEXUS APRESENTA UMA NOVA ASSINATURA PARA GRANDES EXPERIÊNCIAS

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À esquerda, Lexus Sport Yacht Concept, a primeira embarcação com assinatura da marca, e a nave Skyjet, projetada para o filme Valerian e a Cidade dos Mil Planetas

E

moção, atitude e inovação. O modelo esportivo Lexus

colabora para isso a nova transmissão automática de dez veloci-

LC 500 leva a marca a um novo patamar. É a assinatura

dades, com trocas quase imperceptíveis, mas tão rápidas quanto

“Experience Amazing”. Um estilo de vida baseado em

em uma caixa de dupla embreagem.

experiências incríveis, pautadas pelo ousado design, performan-

ce impactante e constante inovação.

Além de modelo de alta performance e responsável por ditar os rumos dos próximos projetos da Lexus, o LC 500 é o

Lançado no Salão de Detroit de 2016, LC 500 é inspirado

símbolo maior de uma nova era da marca. Clientes e convida-

no conceito LC-LF mostrado no mesmo evento dois anos antes

dos vivenciaram esse estilo visionário na apresentação de dois

– e igualmente bem recebido. Ainda em 2017, o novo esportivo

projetos de alta tecnologia da Lexus, realizada em Miami: o

da Lexus irá se juntar ao portfólio da marca japonesa. O LC 500

Sport Yacht Concept, barco desenhado e produzido pela mar-

irá atender à demanda por maior performance e esportividade. O motor V8 5.0 gera 473 cavalos, com aceleração de 0 a 100 km/h em 4,5 segundos. Haverá também uma opção híbrida. O desenvolvimento do LC 500, que estreia a nova arquitetura global da Lexus, marcou uma forte integração entre

O MODELO ESPORTIVO É O SÍMBOLO MAIOR DE UMA ERA, QUE TAMBÉM INCLUI UM BARCO E ATÉ MESMO UMA NAVE ESPECIAL

ca, e o Skyjet, uma nave espacial fictícia projetada em parceria com os Estúdios EuropaCorp. A nave se tornou uma das estrelas do filme Valerian e a Cidade dos Mil Planetas. No Brasil, as concessionárias já oferecem ao cliente brasileiro os modelos ES 350, NX 200t, RX 350 e CT 200h.

designers e engenheiros. O objetivo foi produzir um modelo

Muito mais do que um portfolio dos mais completos, a mar-

que oferecesse uma experiência única de condução dinâmica.

ca tem se notabilizado por oferecer experiências exclusivas aos

Motor e posição dos ocupantes foram centralizados e rebaixa-

clientes. Assim, o mercado brasileiro vem se tornando cada

dos. Com isso, o centro de gravidade tornou-se o mais baixo

vez mais relevante para a marca japonesa, com crescimento

possível. Associado à suspensão multilink, o cupê tem reações

contínuo de sua participação no segmento premium. Não por

rápidas aos movimentos do volante e controle absoluto nas cur-

acaso, o LC 500 reforça justamente todos esses conceitos de

vas. Em resumo: elevadas doses de prazer ao dirigir. Também

alto padrão, que levam a marca anos-luz à frente. lexus.com.br

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garagem

Por mario ciccone

SEM LIMITES UMA EXPEDIÇÃO POR TRÊS ESTADOS DO NORDESTE A BORDO DO HONDA WR-V E TRAJETOS URBANOS COM O JAGUAR XE E O PORSCHE MACAN

HONDA WR-V

O

convite foi instigante: atravessar terrenos diversos por

integrando o Rally dos Sertões. Se por um lado não há planos de

Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte a bordo

lançar a versão 4x4, por outro o carro não se intimida diante de

de um Honda WR-V – um SUV compacto. A surpresa

um terreno tão hostil. A visão a respeito da BR 101 muda radical-

não tardou: mesmo não se tratando de um 4x4, o veículo mostrou

mente ao sair de Recife para atravessar Pernambuco e cruzar a

que não seria coadjuvante nos três dias de expedição.

divisa com a Paraíba.

A viagem teve paradas impactantes, como na Reserva do

O trecho que une os dois estados tem retas longas e boas

Paiva, um paraíso de coqueiros que vem atraindo hotéis e casas

condições de pista, um convite para acelerar. O WR-V consegue

de alto padrão. Num breve trecho de areia, o WR-V se man-

manter média acima dos 150 km/h de forma segura e eficiente,

teve firme, resistindo bem aos solavancos. De noite, foi a vez

mesmo com motor compacto 1.5 i-VTEC FlexOne de 116 cv. A

de passar pelo Porto de Suape em direção a Muro Alto, onde

transmissão automática CVT permite uma direção fluida, com de-

fica o Nannai, resort sempre bem cotado em guias internacio-

sempenho melhor quando se pisa no acelerador de forma gradual.

nais, como o Condé Nast Johansens. A vista a partir do lugar e o nascer do sol às 5h30 são famosos. No dia seguinte, o Honda WR-V passou por off-roads leves. Ao atravessar Recife pela BR 101, contam-se tantos buracos

A chegada a João Pessoa mostra uma cidade arborizada com um sol de rachar em pleno inverno. Na praia de Manaíra, observamos a prática da pesca de arrasto, em que

na rodovia, em estado de abandono, que é possível imaginá-la

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Em sentido horário, a pesca de arrasto de camarões, em João Pessoa; lagosta, uma das estrelas da gastronomia do Nannai; as falésias da praia da Pipa, com 45 metros de altura, e uma parada na Reserva do Paiva, próxima a Recife

uma rede grande e pesada é arrastada no fundo do oceano – uma atividade discutível, que vem transformando leitos marítimos em desertos em vários locais do mundo. Ainda pela BR 101, terminamos a travessia da Paraíba com um desempenho empolgante: a direção agressiva garantiu a chegada ao Rio Grande do Norte antes do pôr do sol. Em área rasa da lagoa de Guaraíras, um trecho curto de balsa leva à praia da Pipa, com suas falésias esculpidas ao longo de 8 quilômetros e 45 metros de altura. Um belo cenário no fim da jornada, para o qual o Honda WR-V parece ter sido talhado, moldando-se como um companheiro de viagem para surfistas e aventureiros. “O público-alvo do WR-V é formado por um grupo variado de consumidores ativos, principalmente de famílias jovens”, explica Marcel Dellabarba, gerente de relações públicas da montadora. “Trata-se de um SUV compacto com uma combinação única de versatilidade em uma carroceria compacta para uso diário, com ótima dirigibilidade e design atraente.” honda.com.br

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garagem

O sedã é um lorde inglês com desempenho esportivo

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JAGUAR XE

Jaguar XE vem da linha de montagem instalada no vila-

interna e opção de TV digital. A experiência no carro tem ainda

rejo de Castle Bromwich, em West Midlands, Inglaterra.

um sistema de som da famosa marca Meridian com 17 alto-falantes.

Elegante a toda prova, este sedã mais parece um terno

Tudo nesse carro tem caimento perfeito, assim como os melhores

feito sob medida por alfaiates da Savile Row, em Londres. Era lá

ternos ingleses. jaguarbrasil.com.br

que personalidades como o primeiro-ministro britânico Winston Churchill, o escritor Charles Dickens e o empresário de mídia William Randolph Hearst encomendavam ternos bem cortados e de caimento perfeito. O Jaguar XE tem essa classe very british da vestimenta bespoke. Porém, com um toque de esportividade. A versão S tem motor 3.0 V6 Supercharged com 340 cv de potência, é capaz de chegar a 250 km/h e faz de 0 a 100 km/h em 5,1 segundos. A tradução disso é um Usain Bolt vestido como um lorde. Essa agilidade não é por acaso. Mais de 75% do veículo é composto de alumínio. Modelo da Jaguar campeão de vendas no Brasil, o XE é o sedã mais compacto, leve e dinâmico da marca. A versão de 2017 tem incrementos tecnológicos. Na versão top de linha, apresenta sistema de entretenimento com tela de 10,2 polegadas, 10 GB de memória

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A

PORSCHE MACAN versão 2017 do Porsche Macan carrega uma

embreagem. Já quem preferir um pouco mais de força

grande responsabilidade. Trata-se do best-seller da

bruta tem à disposição uma das estrelas da família Macan:

marca no Brasil. E a tendência é manter o título

a versão GTS. Este é o décimo modelo da Porsche com

que tirou de seu irmão maior, o Cayenne, em 2014. Neste

o sobrenome Gran Turismo Spor t. Ele faz companhia ao

ano, foram vendidos 50 mil unidades no mundo e 211 no

Boxster, Cayman, Cayenne, Panamera e aos míticos 911

Brasil. “Ultrapassamos os números dos últimos anos, um

Carrera GTS, Coupé, Cabriolet e Targa 4. O motor V6

recorde histórico. Nossos carros vêm mantendo no cliente

biturbo desenvolve 360 cv, com 256 km/h de velocidade

a paixão pela marca", comemorou Matthias Brück, diretor-

máxima e aceleração de 0 a 100 km/h em 5,2 segundos.

-presidente da Porsche Brasil. O modelo 2017 apresenta

A promessa é de mais prazer ao dirigir, como se isso já não

sob o capô motor 2.0 de quatro cilindros e que gera 252

fosse subentendido em se tratando de Porsche.

cv. Além disso, tem câmbio de sete velocidades e dupla

porsche.com/brazil

O SUV é o veículo mais vendido da marca no Brasil e no mundo

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EsportE por ubiratan lEal

SE LIGUEM, CARTOLAS! Aprender, humildemente, com a estrutura econômica das ligas esportivas americanas pode ser a salvação para os clubes de futebol do Brasil

O

Museu de Arte é um dos marcos da Filadélfia. Imponente com sua arquitetura neoclássica, ele observa do alto uma escadaria e uma esplanada que mira o centro histórico da cidade. O lugar foi o cenário dos treinos de Rocky em diversos filmes da saga de boxe mais famosa do cinema. Mas, no final de abril, estava muito diferente. Um telão obstruía, na prática, a visão das colunas gregas

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do edifício, enquanto milhares de pessoas transformavam a área verde em um grande formigueiro humano. Eram torcedores de futebol americano, que tomaram a primeira capital dos Estados Unidos sem que houvesse uma partidinha sequer sendo disputada. Naquele dia, a Filadélfia recebeu pela primeira vez o draft da NFL, o momento em que cada uma das 32 equipes da liga escolhe os

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melhores jogadores universitários para se reforçar para a próxima temporada. O que poderia ser apenas uma formalidade burocrática, com cartolas e comissões técnicas anunciando seus novos atletas, se transformou em um evento midiático que mobilizou milhões de pessoas, contando os telespectadores. Um exemplo de como os americanos conseguiram misturar tão bem esporte, espetáculo e negócio que já é impossível pensar em um sem que os outros dois venham a reboque. Há dois anos, a consultoria PricewaterhouseCoopers divulgou um estudo em que projetava que a indústria do esporte chegaria a US$ 73,5 bilhões em 2019 nos Estados Unidos, cerca de R$ 231 bilhões no câmbio médio de agosto de 2017. Para se ter uma ideia, o mesmo setor movimentou apenas R$ 15,1 bilhões no Brasil em 2014, ano em que os investimentos na área foram inflados pela Copa do Mundo. As ligas são reflexos naturais da força desse setor da economia. As três ligas com maior faturamento no mundo são americanas: NFL (futebol americano, US$ 14,1 bilhões ao ano), MLB (beisebol, US$ 10,5 bilhões) e NBA (basquete, US$ 6,7 bilhões). A quarta colocada é a Premier League, o campeonato inglês de futebol (US$ 4,6 bilhões), mas a quinta também vem da América do Norte, a NHL (hóquei no gelo, US$ 3,7 bilhões). Só depois aparecem as demais ligas de futebol da Europa, como Bundesliga (Alemanha), La Liga (Espanha), Serie A (Itália) e Ligue 1 (França). O resultado natural, até pelo modelo de negócio da liga, é que os clubes também enriqueçam. Todo ano, a revista Forbes faz uma lista dos 50 times mais valiosos do planeta. O futebol, disparado o esporte

mais popular do mundo, se faz presente com oito representantes na lista: Real Madrid (2º), Barcelona (3º), Manchester United (5º), Bayern de Munique (12º), Arsenal (23º), Manchester City (28º), Chelsea (35º) e Liverpool (41º). Todas as outras 42 equipes citadas são franquias profissionais americanas, sendo 27 da NFL (incluindo o Dallas Cowboys, o primeiro do ranking), oito da NBA e sete da MLB. Para manter tanto dinheiro circulando, é preciso atrair o torcedor. E não falta investimento para isso. Das 111 arenas utilizadas nas quatro grandes ligas dos EUA, apenas 17 têm mais de 30 anos, sendo que cinco delas serão substituídas em breve. E não se economiza nas obras, pois sete estádios já passaram da marca de US$ 1 bilhão de custo de construção. O recordista ainda nem foi inaugurado, o Mercedes-Benz Stadium, que será a casa do Atlanta Falcons (NFL) por US$ 1,6 bilhão. No futebol, apenas um estádio, Wembley, ultrapassou o bilhão de dólares (1,25, para ser exato). Tudo para oferecer conforto e opções de consumo e lazer para os torcedores. O auge desse processo é o Super Bowl, a decisão do futebol americano. Trata-se do evento de maior audiência da TV dos EUA, contando todos os programas, atraindo 50% dos televisores e mais de 110 milhões de telespectadores. Claro que, nesse público todo, há muita gente que não gosta de futebol americano ou não liga para os times finalistas. Mas essa parte do público pode se divertir com o

ENTRE OS 50 TIMES MAIS VALIOSOS DO MUNDO, NADA MENOS QUE 42 SÃO DOS EUA

FATURAMENTO ANUAL DAS LIGAS (em bilhões de dólares)

US$

6,7

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US$

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EsportE

FOTOS REPRODUÇÃO

show do intervalo (que conta com artistas do tamanho de Paul McCartney, Rolling Stones, Katy Perry, Madonna e Lady Gaga, que se apresentam em um palco montado no meio do gramado em menos de dez minutos). Ou com os intervalos na TV, pois muitas empresas aproveitam a visibilidade recorde para lançar novos produtos ou campanhas, mostrando comerciais produzidos especialmente para a ocasião. Para o anunciante, vale até pagar os US$ 5 milhões para expor sua marca por apenas 30 segundos. Esse sucesso financeiro se deve à forma bastante particular como o esporte americano se estruturou. “A gestão corporativa dos clubes é como a de uma empresa. Os times têm dono, e esses donos são também sócios da liga. Tudo tem de dar lucro”, comenta Amir Somoggi, consultor de marketing esportivo e autor de diversos estudos sobre as finanças de clubes de futebol no Brasil. “Eles entenderam a questão de forma mais ampla. Não basta a equipe dar dinheiro”, diz. “É preciso a liga como um todo dar dinheiro. Por isso, tomaram medidas para valorizar o campeonato todo, o que fez com que todo o negócio prosperasse”, acrescenta. Que medidas seriam essas? Bem, as grandes ligas profissionais dos EUA têm um sistema de gestão muito diferente do que estamos acostumados a ver no futebol, seja o brasileiro, seja o europeu. A prioridade é assegurar estabilidade financeira e equilíbrio técnico entre as equipes.

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O show de Katy Perry no intervalo do Super Bowl e o novo MercedesBenz Stadium, em Atlanta, que custará US$ 1,6 bilhão

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Há pequenas diferenças de um certame para o outro, mas, em linhas gerais, a distribuição de dinheiro dos contratos nacionais de televisão e da venda de produtos licenciados (camisas, bonés, cachecóis, bandeira, agasalho) é feita igualmente entre todas as franquias. Apenas o dinheiro dos contratos regionais de TV e o arrecadado em dia de jogo (bilheteria e venda de produtos no estádio) ficam com o time. “Dá para imaginar isso no Brasil, com a Chapecoense e o Flamengo dividindo igualmente 5% do lucro da venda de cada camisa do Flamengo?”, questiona Somoggi. No início, muita confusão Dentro de campo, as equipes de pior campanha não são rebaixadas para uma categoria inferior, mas premiadas com a possibilidade de contratar o jovem mais promissor para a próxima temporada. É o sistema de draft, que garante um rodízio periódico das equipes de ponta em cada liga. Um time fraco faz algumas campanhas ruins, mas vai contratando garotos talentosos e, depois de um tempo, acaba formando um elenco forte. Enquanto isso, os times fortes vão envelhecendo e perdendo rendimento, tendo de passar por um período na rabeira para remontar a equipe. Por particularidades de cada modalidade, a eficácia do sistema varia de uma liga para a outra, mas quase todas as equipes vivem em ciclos, uma realidade compreendida pela torcida e pela imprensa. Ainda assim, os clubes trabalham para reduzir os períodos de baixa e potencializar os de alta. O que criou um grande investimento em coleta de informações e análises técnicas, tanto para ter mais certeza para avaliar o talento de um jovem que pode ser recrutado quanto para identificar atletas úteis que passam despercebidos pelos demais times. Um marco nesse aspecto é o livro – que se transformou em um filme – Moneyball. A obra relata a temporada de 2000 do Oakland Athletics, um time de beisebol que se especializou em criar métodos diferentes de usar estatísticas na avaliação de jogadores, encontrando talentos subestimados no mercado. A história é real, e a franquia, mesmo sem dinheiro, conseguiu montar equipes competitivas por vários anos. Seu gerente-geral, Billy Beane (interpretado por Brad Pitt na versão hollywoodiana), até hoje é uma referência no esporte mundial sobre como utilizar os números para conhecer atletas. Tanto que já foi contratado como consultor por dois clubes de futebol, o San Jose Earthquakes (EUA) e o AZ Alkmaar (Holanda).

Michael Jordan e Tom Brady: atletas universitários, tentaram a sorte no draft

A avaliação por números se une à observação técnica. O draft é altamente profissionalizado, com várias sessões de treinos e testes entre os principais nomes do processo de seleção diante de olheiros dos clubes. Aí, tudo o que pode influenciar o desempenho do jogador no futuro é considerado. Atletas com passado atribulado – por exemplo, envolvimento com a polícia ou violência doméstica – perdem pontos por serem potenciais problemas no futuro. Jovens que mostram bom entendimento do esporte são bem vistos, pois podem se adaptar com mais facilidade às exigências da liga. Até o modo de realizar seus movimentos merece atenção, pois alguns, em longo prazo, podem levar a contusões. Nem sempre esse cuidado todo dá certo. Michael Jordan, o maior jogador da história do basquete, foi o terceiro jogador selecionado no draft de 1984, ficando atrás de Hakeem Olajuwon e Sam Bowie. Tom Brady, quarterback mais vencedor da NFL e também conhecido no Brasil por ser marido de Gisele Bündchen, foi apenas o 199º atleta recrutado em 2000. O modelo americano não surgiu do nada, a partir de um grupo de empresários muito altruístas. Eles apenas souberam aprender com os erros e buscaram soluções rápidas. A primeira liga profissional dos EUA foi a NAPBBP (National Association of Professio-

TORCER PARA AS EQUIPES RIVAIS TEREM UM BOM LUCRO É UM SEGREDO DO SUCESSO DAS LIGAS

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EsportE nal Base Ball Players), criada em 1871. Ela surgiu com a união de várias equipes profissionais que viviam dos ingressos de amistosos que disputavam pelo país. Não era uma liga organizada. Os clubes disputavam os jogos, mas muitos abandonavam a competição no meio da temporada, quando ficava claro que não havia mais chance de título, para voltar a ganhar dinheiro aceitando cotas de amistosos pelo interior. Eram anos confusos, e esse formato não permitia que a liga deslanchasse, pela falta de credibilidade. Após cinco edições, os donos de duas equipes, o Boston Red Stockings e o Chicago White Stockings, perceberam que era inviável seguir assim e implodiram a NAPBBP. William Hulbert, dono do Chicago, recrutou algumas das equipes mais estáveis do campeonato extinto e foi buscar outras novas pelos EUA, criando a Liga Nacional. As regras eram claras: uma liga fechada e comandada pelos donos das equipes, que se comprometiam a manter o time por toda a temporada, e novos integrantes só entrando com aprovação dos demais. Era a estrutura básica das ligas americanas. Deu tão certo que as duas equipes que lideraram o processo existem até hoje, com o nome de Atlanta Braves e Chicago Cubs (atual campeão da MLB). Dirigentes folclóricos, impetuosos e irracionais existem em todo lugar do mundo, e nos EUA não é diferente. Mas esse modelo de gestão criou uma obrigação de se manter um

O ORLANDO CITY SOCCER CLUB TEM DOIS ANOS. E ATRAI MAIS PÚBLICO DO QUE NOSSOS CLUBES DE FUTEBOL

padrão mínimo de qualidade. Por mais impulsivo que seja o dono de uma franquia, todo o negócio é tocado por profissionais contratados no mercado: do presidente ou CEO ao responsável pela administração do estádio, passando pelas decisões esportivas (contratações, folha salarial do elenco) e corporativas (marketing, relações com a comunidade, busca de parceiros comerciais). Um cenário muito raro no Brasil, em que clubes de futebol têm presidentes definidos em um processo político que exige que nomeie aliados para cada departamento, a despeito da capacidade de cada um. “O mercado é muito imaturo no Brasil e conceitos do mundo corporativo são rechaçados”, critica Somoggi. “O resultado em campo pesa demais. Dirigentes não aplicam técnica de gestão. Querem ficar com a imagem de caudilho diante da torcida. As equipes não pautam suas decisões com base na lógica empresarial. Gastam mais do que podem só para ganhar. A torcida também não ajuda, pois vai na onda do cartola.” Equilíbrio é fundamental Eduardo Morato, ex-executivo de marketing do São Paulo e ex-consultor de empresas que buscavam investimento em esporte, faz coro. Para ele, a incapacidade dos clubes de verem como a saúde da liga, do campeonato, é tão importante quanto a sua própria é danosa ao futebol. “Todo ano é a mesma coisa. Tem um clássico decisivo e dirigentes trocam agressões verbais para definir mando de campo, cota de torcida visitante, vantagens no STJD. Eles não entendem que a questão é maior”, comenta. “Não adianta só pensar nos grandes. O médio também é fundamental para um campeonato. Para o futebol paulista, uma Portuguesa e um Guarani fortes são importantes. O que é melhor ver: São Paulo x Portuguesa ou São Paulo x Água Santa?”

Morato e a turma do Orlando City: Silva, Kaká e Phil Rawlins, presidente honorário

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Morato dá um exemplo de como o futebol brasileiro não atinge seu potencial econômico por falta de credibilidade no mercado. “É complicado até fechar um negócio. O empresário faz uma reunião com um clube para assinar um patrocínio ou uma parceria e o dirigente não sabe nem conversar nos termos do mercado”, aponta. “O cartola faz o que quer e não tem o menor respeito por contratos. Um cliente meu tinha comprado o patrocínio exclusivo da camisa de um grande clube. De repente, esse clube anunciou um acordo para estampar uma outra marca no sovaco. Reclamei, mas me disseram ‘sovaco não é camisa’ e ‘se levar para a Justiça, a torcida vai ficar contra o seu cliente por processar o clube’”, conta o publicitário, que deixou o futebol brasileiro para trabalhar com esporte nos EUA. Hoje, comanda a Yellow Birds, uma rede de escolas de futebol (ou soccer, como se diz por lá) na região de Orlando, Flórida. Na cidade famosa pela Disney World, o ex-executivo do São Paulo está próximo do maior exemplo de como o modelo americano de esporte tem atraído a atenção de brasileiros. O Orlando City Soccer Club estreou na Major League Soccer em 2015 e já atingiu marcas expressivas. Nas duas temporadas que disputou, teve a segunda melhor média de público do país, sempre acima de 30 mil (no Brasileirão de 2016, só o campeão Palmeiras alcançou número equivalente). Em 2017, o clube inaugurou um estádio novo, construído com recursos próprios, e contratou a atacante Marta para o Orlando Pride, sua equipe na liga feminina de futebol. Muito desse trabalho se deve a brasileiros. Flávio Augusto da Silva decidiu investir no clube, então em uma liga de terceira divisão nos EUA, após vender a Wise Up,

rede de escolas de idiomas. O comando do dia a dia da franquia é de Alexandre Leitão, CEO do Orlando City, ex-gerente de marketing da AmBev e ex-presidente da Octagon, agência de marketing esportivo. Outros executivos de carreira trabalham nos diversos departamentos do clube. “Sempre fui apaixonado por futebol. Eu tinha um sentimento de que o maior esporte do mundo iria conquistar os Estados Unidos e queria fazer parte disso”, conta Leitão. O executivo já tinha experiência no esporte desde os tempos da AmBev, pois foi um dos responsáveis por cuidar da relação com a seleção brasileira, patrocinada pela empresa de bebidas. Depois, criou a Octagon, posteriormente vendida ao ex-atacante Ronaldo Fenômeno. Para Leitão, o sistema de trabalho do esporte americano é tão particular que não pode ser replicado no Brasil, apenas usado como inspiração. Segundo o executivo, o modelo brasileiro não é favorável à saúde financeira dos clubes, mas a solução precisa sair de dentro da cultura esportiva do país. A gestão esportiva americana tem esse mérito, o de refletir a cultura da economia local. Leitão faz paralelos entre a gestão corporativa tradicional e a de um clube nos EUA. “O futebol é um negócio como outro qualquer. Temos de ter um olhar crítico para o que fazemos, precisamos aplicar pesquisas de mercado para entender o comportamento e desejo do nosso público, precisamos trabalhar para transformar o fã ocasional em fã ávido”, compara. “O sistema funciona, independentemente dos resultados em campo. Sobre isso não temos tanto controle, pois esporte não é ciência exata. Até brincamos aqui no Orlando que esse é o melhor negócio do mundo. Pena que temos de entrar em P campo nos fins de semana.”

Mais brasileiros no time da Flórida: Marta e o CEO Alexandre Leitão

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Por Alef Ghosn

A HOR A DA ESTREL A O brilho da modelo paulista Paloma Freitas se mantém intenso em uma suave manhã de sol

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Nas páginas anteriores: Brincos e gargantilha Mythos de prata 950 e quartzos incolores Lara Mader para Joyá Ipanema; bota Isabeli de veludo Mundial Nesta página: Brinco de argola prata e colar longo com argolas vazadas Morana Acessórios Nas páginas seguintes: Gargantilha prata com corrente Morana Acessórios; sandália de veludo Núbia Mundial; calcinha fio dental, com lateral fina e aplicação de renda guipir Verve; relógio Omega Seamaster Aqua Terra 150M Co-Axial Master Chronometer Calibre 8500/8501 Fotografado na Park Suit do hotel Tivoli Mofarrej – São Paulo Produção executiva: Mario Ciccone Produção de moda: Guilherme Freitas e Raphael Alves

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viagem POR emiLiO FRaia

TROPICAL INGLÊS Muito além do mar cristalino do Caribe, o segredo de Barbados, que já foi a mais próspera colônia do Império Britânico, está nas praias banhadas pelo Atlântico e nas destilarias onde se produz o melhor rum do mundo

uma escada, reformada em 1746, leva aos

de um lugar? Mais: pode uma

sete quartos do andar de cima. • • •

bebida se confundir com a história

desse lugar a ponto de serem praticamente uma coisa só? O natural para quem viaja a

como a propriedade se espalha por quase

Barbados é passar dias e dias relaxando nas

dois quilômetros de plantações de cana-

praias de sonho do Caribe. Mas a aventura,

de-açúcar, jardins, mata nativa e as ruínas

a aventura mesmo, mora ao lado, no interior

de um antigo moinho de vento. A ilha de

e na costa leste do país, onde se desenrola

Barbados foi reivindicada pelos ingleses em

a saga da bebida mais emblemática das

1625. Antes, em 1536, portugueses passaram

Américas: o rum.

por ali. Não se interessaram pela terra, mas

Estamos na província de St. Peter, em

deram nome ao lugar, por conta de uma va-

frente à mansão colonial St. Nicholas Abbey.

riedade de figueira que pontuava a paisagem

A casa, de estilo jacobino, foi construída em

(cujas raízes longas e aéreas lembram uma

1658. Na sala principal, um grande lustre

barba). Em 1627, a primeira colônia inglesa

feito de corais paira sobre mesas e cadeiras

foi estabelecida. Logo, em 1640, a cana apor-

de mogno barbadiano – todo mobiliário é

taria na região.

original, dos séculos 17 e 18. Um papagaio

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Da janela de um deles, é possível ver

Pilares da nova economia, a indústria

empalhado, num aparador, segue cada

do açúcar e o trabalho escravo (abolido na

visitante com a vista. Nas paredes, dormem

ilha em 1834), além de darem origem a uma

retratos de colonizadores e mosaicos feitos

abastada classe colonial, foram decisivos

de conchas, os sailors valentines, com os quais

na formação do país. A produção de açúcar

marinheiros presenteavam suas amantes e

era intensa, e Barbados logo se tornou a

esposas após longas viagens. Mais adiante,

mais próspera colônia inglesa. Na época,

FOTO VISIT BARBADOS

P

ode uma bebida contar a história

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A maioria dos 270 mil moradores da ilha caribenha tem ascendĂŞncia africana

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viagem O RUM DE BARBADOS ERA UMA BEBIDA RÚSTICA, CHAMADA DE MATA-DIABO. MAS FOI SENDO APRIMORADA. HOJE, UMA MESMA GARRAFA PODE AMALGAMAR 44 BLENDS DIFERENTES

12 anos em barris de carvalho, o que faz seu sabor se aproximar ao de alguns bourbons. “Em quatro séculos, a bebida dos colonos, do homem comum, chegou à sala principal. É a grande história americana, de algo que supera suas condições desafortunadas de nascimento para ser aceito no mundo”, anota o escritor americano Wayne Curtis em seu livro And a Bottle of Rum. • • •

Bridgetown (atual capital barbadiana) era mais importante do que Manhattan. Ainda

beleza. O arquiteto Larry Warren adqui-

assim, quando o açúcar era produzido, uma

riu a propriedade em 2006. De lá pra cá,

quantidade significativa de restos acabava

comandou um diligente projeto de restauro

deixada de lado – e isso não combinava com

da mansão e foi o responsável por trazer de

o capitalismo nascente.

volta o espírito do rum para St. Nicholas.

Para maximizar os lucros decidiu-se que

Klebere Parry, de 25 anos, uma simpática

algo deveria ser feito com esses subprodutos,

guia local, conta que Warren decidiu retomar

sobretudo com o principal deles, o escuro e

a produção da bebida, que havia sido para-

espesso melaço, que passou a ser destilado.

lisada em 1947. Ele reparou um velho motor

Foi desse processo que nasceu o rum, espé-

a vapor e comprou uma incrível máquina de

cie de primo da cachaça (cuja destilação, por

destilar apelidada de Annabelle.

sua vez, é feita a partir do caldo da cana). • • • A primeira aparição documentada da

Longa conversa com Klebere num dos corredores da casa. Assunto: críquete, esporte

Para conhecer a saga do rum no país é preciso ir à mansão St. Nicholas Abbey, de 1658, que produz um ótimo 12 anos. Melhor ainda se estiver por lá a guia Klebere, que sabe tudo dessa história. E de críquete

nacional do país. Barbados tem mais jogado-

palavra rum, uma derivação de rumbullion

res de críquete de nível mundial per capita do

Entre as comidas clássicas do país estão a

ou rumbustion, gírias inglesas para tumulto

que qualquer outra nação no mundo, ela con-

torta de macarrão, o peixe-voador, a sopa

e alvoroço, data de 1652. Apenas três anos

ta. Digo a ela que no dia anterior conheci um

de fruta-pão e o cou cou, espécie de polenta

depois dessa primeira ocorrência, 900 mil

jogador de críquete. O nome dele era Mario

apimentada com quiabo. O melhor jeito de

galões da bebida eram já produzidos na ilha.

Albert. Tinha 24 anos. Ele disse que costuma

conhecer Barbados é de carro. As estradas são

O rum, ainda rudimentar, então conhecido

jogar críquete no campo do Maple, um clube

estreitas. No interior, macaquinhos cruzam a

como kill-devil (mata-diabo), se tornava cada

em Holetown. Treina como rebatedor, mas

pista a todo momento. O trecho mais bonito?

vez mais popular entre escravos, colonos e

gosta mesmo é de futebol – ele estava com

A descida do Cherry Tree Hill em direção à

homens do mar.

uma camisa de um time caribenho, o Old

costa leste, que é banhada pelo Atlântico. Fica

Mas a bebida se sofisticou. Hoje, na

Road Football Club, que imita a do Barcelona.

ali o Morgan Lewis Sugar Mill, único moinho

lendária Mount Gay, nos arredores de Brid-

Mario faz parte da seleção de futebol de Bar-

de vento conservado do Caribe.

getown (a mais antiga destilaria em atividade

bados, joga de ponta-direita. Mas diz que o

no mundo, que produz rum desde 1703),

futebol no país não é nada bom. Bom mesmo

Bathsheba. O lugar virou point de surfe na

há variedades como o Old Cask Selection,

é o críquete. E o rum.

última década. Kelly Slater, lenda desse es-

resultado de 44 blends diferentes da bebida. Na St. Nicholas Abbey, o rum pode ser apreciado em versões envelhecidas por até

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St. Nicholas Abbey é um lugar de rara

• • • O drinque mais popular da ilha é o rum punch, feito com rum e ponche de frutas.

A principal cidade da costa leste é

porte, tornou-se dos maiores fãs das ondas barbadianas. Seu lugar preferido chama-se Soup Bowl. A melhor época para surfar

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FOTOS RENATO PARADA

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viagem

A influência inglesa está no críquete de Mario Albert, na roupa das colegiais e em nomes como Anchers Bay

longo dos anos, restaurado e expandido. thecrane.com

OS LUGARES CERTOS Onde ficar The Sandpiper – Cinco estrelas com personalidade, ganhador do mais recente World Travel Awards como melhor hotel do país. sandpiperbarbados.com The Crane – Primeiro resort do Caribe e hotel mais tradicional de Barbados – foi construído em 1887 e, ao

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Atlantis – Uma joia na costa leste, sobre as areias de Bathsheba. Natureza intocada e paisagens surpreendentes. atlantishotelbarbados.com Onde comer e beber The Cliff – Em St. James, sobre o mar. Tem uma extensa carta de vinhos. Destaque para o ótimo mojito com toque de caldo de cana. Outra: o peixe-espada preparado à moda thai vale a viagem. thecliffbarbados.com

Champers– Frutos do mar e requinte em frente à belíssima Accra Beach, em Skeetes Hill. É o melhor restaurante do sul. champersrestaurant.com Cin Cin – Cozinha mediterrânea com toque cool e caribenho. Entre os drinques, destaque para o Ri-Ri, homenagem à popstar nascida na ilha, Rihanna, feito com vodca, amora, cranberry, schnapps de pêssego e suco de limão. cincinbythesea.com Roundhouse – Numa casa construída em 1832, frutos

do mar com toque bajan de frente para as ondas revoltas de Bathsheba. roundhousebarbados.com Fisherman’s Pub – Na charmosa Speightstown, é um dos restaurantes mais simpáticos barbadianos. Modesto, serve clássicos caribenhos. (246) 422-2703 Oistins Fish Fry – É o imperdível evento que acontece às sextas-feiras à noite em Oistins. Ao som de reggae e soca, churrasqueiras flamejantes trazem à luz peixes

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é de setembro a novembro. Um passeio imperdível em Bathsheba é o Andromeda

De volta à St. Nicholas Abbey, num

Botanic Garden. No norte da ilha, há um lu-

dos quartos da mansão, há um armário de

gar impressionante, Archers Bay, com ondas

vidro, com um livro dentro. É um exemplar

estourando em pedras imensas.

de Robinson Crusoé, do inglês Daniel Defoe (1660-1731). O romance foi escrito em

• • •

FOTOS RENATO PARADA

O DESTINO DO MARUJO ROBINSON CRUSOÉ ERA BARBADOS. UMA DE SUAS PRIMEIRAS ALEGRIAS DEPOIS DO NAUFRÁGIO FOI ENCONTRAR NOS DESTROÇOS DO NAVIO UMA GARRAFA DE RUM

• • •

Uma pessoa para se conhecer em Bar-

1719, mas a ação se passa em idos de 1650,

bados quando o assunto é rum: Mr. Harold

a mesma época do nascimento do rum. A

Shepherd. Há 26 anos, ele cuida do bar do

história é sabida: depois de se distanciar

cinco estrelas The Sandpiper. O bar, inclusi-

da costa brasileira, o navio de Crusoé sofre

ve, leva seu nome. Harold inventou muitos

avarias e vai a pique quando está indo em

perto da praia. Então, Crusoé se lançou

drinques, todos com rum. Seu ponche é

direção a, justamente, Barbados. Muito já

às ondas, nadou até a proa e passou a

uma lenda na ilha. Harold é apaixonado por

se falou sobre como Crusoé personifica o

vasculhar a embarcação. Entre utensí-

futebol e tem um filho chamado Bebeto, em

conquistador, o individualista econômico,

lios, ferramentas, armas e munições,

homenagem ao jogador brasileiro. Outra

o self-made man fundamental, alguém que,

encontrou um objeto flutuando no chão

pessoa para se conhecer em Barbados no

sozinho na ilha, racionaliza o trabalho a tal

da cabine: uma garrafa de rum. “Do qual

quesito rum: Mr. Clement Armstrong. Na

ponto que consegue domar a natureza e se

tomei um grande gole”, diz. “Algo de que

cidade mais charmosa da ilha, Speights-

bastar. É o livro que marca o nascimento do

realmente necessitava, a fim de animar

town, ele comanda há mais de 40 anos o

mundo moderno. E no coração dele há uma

o espírito para o que eu teria pela frente.”

Fisherman’s Pub, restaurante que serve com

cena emblemática em que o protagonista é

O enlace entre a bebida e a aventura do

correção todos os pratos típicos da culinária

justamente a bebida do Novo Mundo.

Novo Mundo estava assim consolidado.

bajan (termo usado para designar tudo o que

Logo após o desastre, sozinho na

E nos séculos seguintes o que teríamos

é nativo do país) e tem bela carta da bebidas

ilha, Crusoé constata que o navio não foi

pela frente também ficaria melhor, sem

barbadianas. Faça chuva ou faça sol, Cle-

totalmente destruído. Para a sua sorte, a

nenhuma dúvida, na companhia de uma

ment estará sempre de gravata-borboleta.

maré baixou e as ondas o trouxeram para

dose de rum. Saúde!

grelhados de outro mundo. barbados.org/oistins-fish-fry.htm Mustor’s – No coração de Bridgetown. Simples e dono do melhor cou cou (espécie de polenta apimentada com quiabo) da viagem. visitbarbados.org/ mustors-restaurant Aonde ir St. Nicholas Abbey – Produtora do mais sofisticado e cultuado rum da ilha, além de ser a mais incrível e preservada fazenda colonial, ainda do século 17. stnicholasabbey.com

Mount Gay Rum Visitors Center – O mais antigo rum do mundo é feito nesta destilaria. É também o mais popular entre os barbadianos. mountgayrum.com Andromeda Botanic Gardens – Na entrada sul para Bathsheba, este jardim botânico reúne uma infinidade de árvores e plantas tropicais. Destaque para a figueira das longas barbas que dá nome ao país. andromedabarbados.com Sunbury Plantation House – Construída por volta de 1660,

P

a casa é a expressão viva do que era uma fazenda de cana-de-açúcar. barbadosgreathouse.com

1965. Barbadianos fazem piqueniques no local nos fins de semana. barbados.org/fhill.htm

Morgan Lewis Sugar Mill – Último moinho de cana a deixar de funcionar no Caribe (em 1947), foi restaurado e hoje é um museu. barbados.org/morgan.htm

Harrison’s Cave – No centro do país, caverna com muitas galerias. harrisonscave.com

Farley Hill National Park – Sete hectares de jardins ao redor das ruínas de uma grande mansão erguida em 1818 e destruída por um incêndio em

Arlington House Museum – Em Speightstown, uma casa do século 18 abriga um museu com bom panorama do período colonial barbadiano até a independência do país, em 1966. barbados.org/arlingtonhouse-museum

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the president

Better: why can’t he be OUR president? #ficaadica

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