THE PRESIDENT

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Edição 24 • março 2016 • roberto medina

THEPresident Edição 24 mar/abr/mai 2016

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Roberto Medina Presidente da Artplan

Mr. Rock in Rio

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Boutique Vacheron Constantin, Shopping Cidade Jardim, Piso Térreo Av. Magalhães de Castro, 12.000, São Paulo, Tel: +55 11 3198 9405

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A RT E SÃO DA E T E R N I DA D E D E S D E 1 755 260 anos de história contínua refletem a transmissão do nosso savoir-faire em relojoaria.

PAT R I M O N Y C A L E N DÁ R I O P E R P É T U O

Certificado Oficial da Relojoaria de Genebra

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editorial

R

oberto Medina é um grande vendedor. Em 1985, quando os superstars internacionais da música nem sequer sonhavam em incluir a América do Sul no mapa de suas turnês, o ousado empresário carioca, proprietário da Artplan, vendeu a eles a ideia. De uma só vez, trouxe para o Rio de Janeiro o suprassumo do rock. Era a primeira edição do Rock in Rio, festival que, ao longo de mais de três décadas, tornou-se obrigatório para os roqueiros – e não apenas no Brasil, diga-se. O evento completou 16 edições, dez delas no exterior: seis em Lisboa, três em Madri e uma em Las Vegas. O grande vendedor teve a quem puxar, como ele conta na reveladora entrevista de capa ao jornalista Tom Cardoso – outro carioca da gema. Entre os saborosos causos contados por Roberto está a história do pai, o intrépido Abraham (ou Abraão). Fundador das lojas Rei da Voz, Abraham Medina não apenas inventou a venda de televisores em massa, como criou programas de televisão para justificar e consolidar o consumo do eletrodoméstico. Esta THE PRESIDENT reúne ainda outras deliciosas narrativas. Como a do menino Diego, que dividia um quarto com sete irmãos antes de se transformar no impagável Maradona. Ou a de Zélia Gattai, a mulher que desafiou uma época e, depois dos 60 anos, passou a produzir uma das mais fecundas obras de memorialismo no Brasil. Não deixe de ler também a saga da menina de Brasília que se tornou a premiada atriz Camila Márdila – a coadjuvante de Regina Casé no blockbuster Que horas Ela Volta?, aqui especialmente retratada por JR Duran. E, para fechar este número comme il faut, acompanhe as novidades de dois dos mais exclusivos eventos do mercado de alto luxo. No Black Book, você se informa sobre as estrelas do SIHH – o Salão Internacional da Alta Relojoaria, em Genebra. Na seção PROA, confira os barcos mais cobiçados do planeta: os superboats do Monaco Yacht Show. Bom proveito e até junho, com nossa edição especial de sexto aniversário.

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expediente

the president Publicação trimestral da Custom Editora edição 24

publishers André Cheron e Fernando Paiva

REDAÇÃO Diretor editorial Fernando Paiva fernandopaiva@customeditora.com.br diretor editorial adjunto Mario Ciccone mario@customeditora.com.br redator-chefe Walterson Sardenberg So berg@customeditora.com.br Repórter Juliana Amato julianaamato@customeditora.com.br ARTE editor Guilherme Freitas guilhermefreitas@customeditora.com.br assistente Raphael Alves raphaelalves@customeditora.com.br prepress Daniel Vasques danielvasques@customeditora.com.br PROJETO GRÁFICO Alessandro Meiguins e Ken Tanaka COLABORARAM NESTE NÚMERO Texto Beto Gerosa, Demetrio Polibio, Jaime Bórquez, Jardel Sebba, José Eduardo Mendonça, José Roberto Malia, Luiz Guerrero, Marcello Borges, Roberto Amado, Ronaldo Bressane, Ronny Hein e Tom Cardoso Fotografia Angelo Pastorello, Jorge Bispo, JR Duran e Murilo Mattos Tratamento de imagens Felipe Batistela ilustração Tiago Cândido e Raphael Alves

PUBLICIDADE Diretor executivo André Cheron andrecheron@customeditora.com.br diretor comercial Oswaldo Otero Lara Filho (Buga) oswaldolara@customeditora.com.br Gerente de Publicidade e Novos Negócios Alessandra Calissi alessandra@customeditora.com.br executivOs de negócios Northon Blair northonblair@customeditora.com.br Bruna do Vale brunadovale@customeditora.com.br ANALISTA DE MAILLING Marcia Gomes marciagomes@customeditora.com.br ADMINISTRATIVO/FINANCEIRO Analista financeira Carina Rodarte carina@customeditora.com.br Assistente Alessandro Ceron alessandroceron@customeditora.com.br REPRESENTANTES REGIONAIS BBI Publicidade - Interior do Estado de São Paulo Tel. (11) 95302-5833 Tel. (16) 98110-1320 / (16) 3329-9474 comercial@bbipublicidade.com.br GRP – Grupo de Representação Publicitária PR – Tel. (41) 3023-8238 SC/RS – Tel. (41) 3026-7451 adalberto@grpmidia.com.br CIN - Centro de Ideias e Negócios DF/RJ – Tel. (61) 3034-3704 / (61) 3034-3038 paulo.cin@centrodeideiasenegocios.com.br

Revisão Goretti Tenorio Capa Roberto Medina, fotografado por Jorge Bispo na sede da Artplan, no Rio de Janeiro

THE PRESIDENT facebook.com/revistathepresident @revistathepresident www.customeditora.com.br

Tiragem desta edição: 8.500 exemplares CTP, impressão e acabamento Log&Print Gráfica e Logística S.A. Custom Editora Ltda. Av. Nove de Julho, 5.593, 9º andar – Jardim Paulista São Paulo (SP) – CEP 01407-200 Tel. (11) 3708-9702 ATENDIMENTO AO LEITOR atendimentoaoleitor@customeditora.com.br Tel. (11) 3708-9702

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sumário

106 22 VISÃO

54 CAPA

De cara, um prêmio internacional. De Brasília para o mundo, a atriz Camila Márdila

Pai do Rock in Rio, Roberto Medina mostra por que there’s no business like show-business

28 AUDIÇÃO

71 BLACK BOOK

Os Beach Boys viveram às turras. E a elas sobreviveram.Tal como sua grande música

32 OLFATO Cidades que valem a pena têm não apenas identidade.Também têm cheiro próprio

36 PALADAR Apesar do nome, o feijão-carioca é paulista e desprezado por quem mora no Rio de Janeiro

40 TATO A capoeira joga as pernas em todos os cantos. Já é praticada em mais de 150 países

44 adega Os vinhos tintos e brancos do Buçaco, de Portugal, são dignos de um palácio

48 cult Há 35 anos, John Lennon bradava que o sonho acabou (e detonava meio planeta)

12

36

Dos lançamentos do Salão Internacional de Alta Relojoaria a um livro sobre os Stones

92 futebol Como o improvável comandante Maradona venceu a esquadra inglesa na Copa de 1986

98 memória Roberto Amado, sobrinho de Zélia Gattai, conta como era conviver com a tia

106 proa As novidades e a saga do Monaco Yacht Show, o mais rico salão náutico do mundo

112 motor

março 2016

28 122 garagem Modelos urbanos, 4x4 e até um híbrido. BMW, Jeep, Lexus e Suzuki dão as cartas

128 mulher Nati Casassola, a gauchinha tão bela quanto a Valentina dos quadrinhos de Crepax

138 viagem Fim do mundo? Não. A Patagônia chilena é o começo de uma senhora experiência

148 artigo Chegou a hora: ou as empresas levam o meio ambiente a sério ou não vão sobreviver

154 THE PRESIDENT O dia em que a rainha Elizabeth entregou a taça Jules Rimet ao súdito Bobby Moore

Mitsubishi ASX-S, o carro versátil que faz bonito em todos os terrenos

116 velocidade A volta do NSX, o superesportivo da Honda. Ayrton Senna gostava tanto que tinha três

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lailson santos

marcelo naddeo

colaboradores

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CAPA

CAPA

VISÃO / TATO

tom cardoso

jorge bispo

RONALDO BRESSANE

Autor das biografias de Tarso de Castro e do

Foram reclamar ao Bispo que todo retrato

Foram três horas numa lanchonete com a

jogador Sócrates, ele começou escrevendo

de mulher tinha Photoshop. O carioca

atriz Camila Márdila. “É aquela garota que

sobre música no Estadão. Louco por rock,

reagiu com Apartamento 302, projeto em

você sempre quis ter como amiga para

assistiu, aos 18 anos, ao Rock in Rio 2, em

que despe de qualquer artifício mulheres

dividir um búrguer com cerveja.” Rendeu

1991. O evento daquele ano foi a volta por

anônimas. Ator na adolescência, formado em

um saboroso perfil. Escritor, jornalista,

cima de Roberto Medina, mandachuva do

artes plásticas, Bispo gosta de dirigir clipes.

roteirista, professor e tradutor, Bressane

festival, entrevistado por Tom neste número.

Clicou Roberto Medina para esta edição.

assina também o texto da capoeira, camará.

VISÃO

AUDIção

OLFATO

JR DURAN

JARDEL SEBBA

RONNY HEIN

Ele foi capa de Veja – quando isso era um

Ele fez carreira em revistas masculinas: VIP,

Mr. Hein gosta tanto de percorrer cidades

galardão, esclareça-se. E clicou 120 capas

Sexy e Playboy. Gastou 80% do dinheiro

que todo dia atravessa São Paulo, do

da Playboy brasileira – gloriosos tempos de

com música. Entrevistou Sonny Rollins, Elvis

casarão onde vive, às margens plácidas de

Adriane Galisteu, Tiazinha, Luiza Brunet,

Costello, BB King, James Brown. Quando

uma represa, para o trabalho. E vice-versa.

Maytê Proença, Feiticeira, you name it. Mas os

ama um disco, caso de Pet Sounds, dos Beach

Em meio ao trajeto, botou as sinapses para

tempos mudam, e para melhor, Gottseidank!

Boys, sobre os quais escreveu, Jardel não

jambrar. E perpetrou o delicioso texto

Que o diga a jovem atriz Camila Márdila.

deixa por menos: tem em vinil, cassete e CD.

sobre o cheiro que as metrópoles têm.

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colaboradores

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ADEGA

MEMÓRIA

FUTEBOL

BETO GEROSA

ROBERTO AMADO

JOSÉ ROBERTO MALIA

Um estoico. Sim. Na viagem a Portugal que

Ele se diz “muito Amado”, assim como

Um primo jornalista avisou: havia vaga para

rendeu o texto sobre os vinhos Buçaco, o

seu tio Jorge. “Embora nem tanto quanto

foca na editoria de esportes do Última

intrépido Gerosa, ex-diretor dos sites da

ele”, ri. Seguindo o DNA, Roberto

Hora paulista. Era ir atrás. Malia conseguiu

Veja.com e do Portal IG, se viu obrigado a

publicou romances. Foi escritor convidado

uma boquinha no jornal, que chegaria a

provar 150 rótulos, entre tintos e brancos.

do International Writing Program da

dirigir. Depois, Folha de S.Paulo, Agora e

“Faço qualquer sacrifício pelos leitores”,

Universidade de Iowa, EUA. Para esta

ESPN Brasil. Aqui ele faz um perfil de um

conforma-se o titular do Blog do Vinho.

edição, escreveu sobre sua tia Zélia Gattai.

de seus ídolos, Diego Maradona.

VELOCIDADE

MULHER

ARTIGO

LUIZ GUERRERO

ANGELO PASTORELLO

JOSÉ EDUARDO MENDONça

Difícil dizer o que “Guerra” pilota melhor,

Bono Vox, conhece? Pastorello é um

A exemplo de Gilberto Gil, de quem

carros, motos ou revistas. O diretor da Car

sósia do cantor. Mas tem som próprio. Foi

foi assessor especial no MinC, ele fez

and Driver foi a Tóquio testar o Honda NSX.

baixista do Violeta de Outono, grupo com

a ponte entre Londres e Salvador. Por

“O engenheiro japonês, no banco do carona,

oito álbuns, considerado o melhor de rock

três anos atuou na BBC e há um vive na

falava fluentemente cinco palavras em inglês:

psicodélico no Brasil. Antes disso, já clicava.

Bahia. Criou a revista Bizz. Em seu blog,

good; morning; slow; please! e goodbye”, brinca.

São dele as deliciosas imagens de Nati

o GreenLight, trata de sustentabilidade –

“Mas deu para sentir a energia do carro.”

Casassola, gaúcha de Passo Fundo. Bah!

também o seu assunto nesta edição.

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visão

Por Ronaldo Bressane retratos jr duran

Roube-me, camaleoa Camila Márdila, atriz de Que Horas Ela Volta?, se assume como ladra de gestos e faz do ecletismo a sua estrela guia

C

uidado: Camila Márdila é uma ladra de gestos. Portanto, olho nela, essa camaleoa que pode se tornar o que quiser. De repente, você pode ver o rosto esguio de Camila no cinema, teatro ou TV e perceber que ela surrupiou o jeito do caro leitor de se espreguiçar, de cumprimentar, de comer. A própria atriz confessa esses delitos durante um hambúrguer-efritas que dividiu com THE PRESIDENT na lanchonete Holy Burger, no centro de São Paulo, antes de ir ao Sesc ensaiar a nova peça de Felipe Hirsch. “Uma vez me apaixonei pelo jeito que uma mulher comia batatas fritas”, conta. “Ela enfiava a mão lá no fundo da embalagem, daí trazia um monte; ficava olhando a própria mão, cheia de marcas de vida. Então enfiava as batatas e os dedos e tudo na boca, com um estilo incrível. Quero roubar os gestos de todo mundo!”, ameaça a atriz brasiliense de 27 anos.

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É fato: Camila não pede licença, chega chegando, roubando as atenções com discreta elegância. Igual a sua personagem famosa, a Jéssica de Que Horas Ela Volta?, de Anna Muylaert, o filme brasileiro mais comentado dos últimos anos. Na história, Jéssica sai de Pernambuco para tentar o vestibular de arquitetura na USP em São Paulo e se hospeda na casa em que a mãe, Val (Regina Casé, genial), é empregada doméstica. Seu jeito direto, inteligente e autoconfiante incomoda tanto a mãe quanto a patroa, dona Bárbara (Karine Teles, vilã), mas fascina o patrão, doutor Carlos (Lourenço Mutarelli, hilário), e o patrãozinho, Fabio (Michel Joelsas, um fofo). Um jeitinho que dividiu plateias. “Teve quem me chamou de mala e quem me chamou de revolucionária”, ri. “Tem até fã-clube lésbico da Jéssica.” Seja como for, a força de Jéssica e de Camila contagiaram a crítica. No Sundance Festival, nos Estados Unidos, a novata dividiu o prêmio de melhor atriz com

a veterana estrela global Regina Casé, desbancando nomes como Nicole Kidman. “Pegamos na veia o zeitgeist: a curadora do festival disse que buscavam filmes com mulheres fortes”, relembra. Estruturado em excelente roteiro e ótimo elenco, o premiadíssimo filme é sobretudo um tour de force de Camila Márdila – que, como o Terence Stamp de Teorema, de Pier Paolo Pasolini, bagunça os valores de uma ordem familiar constituída. A obra-prima de Pasolini, aliás, serviu de referência para a criação de Jéssica. Mas não foi dica de Anna Muylaert, e sim do poeta Cauê Novaes, com quem Camila está casada há quatro anos. Eles se conheceram em um samba em Brasília. Tocava “Mambembe”, de Chico Buarque, quando o poeta pediu fogo à atriz – que não negou. O amor foi o passaporte para se mandarem juntos para o Rio de Janeiro, onde viveram em Santa Teresa. Ali Camila conheceu sua turma, o Áreas, um coletivo de atrizes conhecido pelo processo “oficina de escuta”, que

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Aos 27 anos, ela estรก casada hรก quatro

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Visão cria “dispositivos” para experimentar a linguagem cênica. Um desses dispositivos é copiar gestos de pessoas vistas na rua. Daí o vício de Camila em espionar transeuntes. “Adoro pescar conversas alheias no ônibus”, afirma. Sim, aqui temos uma estrela que usa transporte público e anda a pé – em especial pelo centro paulistano, ou por seu bairro, a Lapa, para onde se mudou com Cauê faz um ano e meio. E sempre de Havaianas. “Tenho amigos famosos e é terrível ver como não conseguem ir a nenhum lugar por causa do sucesso. Aí perdem referências do real”, analisa. Antes do sucesso de Que Horas Ela Volta?, Camila teve trajetória singular – até

modelo-e-atriz. Gostava de se apresentar recitando poemas. Mas, quando terminou o colégio, preferiu estudar Comunicação Social. Já fazia parte do coletivo dos irmãos Adriano e Fernando Guimarães, frente de vanguarda no teatro do Distrito Federal. Brasília não era uma paisagem querida para Camila. “Achava esquisito o Plano Piloto. Além disso, a segregação social é muito acentuada”, aponta. “Diplomatas, altos funcionários públicos, políticos... só conheci essa gente depois dos 20 anos”, conta. A seu ver, Brasília torna as pessoas intolerantes. “Não me sinto à vontade”, confessa. “Tenho medo de dirigir sozinha à noite. É uma cidade escura e vazia, em que sequestros-relâmpago rolam o tempo todo.

Ao fazer o teste para o filme que lhe deu fama, achou que não passaria. Era a única candidata não pernambucana e de pele clara. Uma atuação contida e concentrada, porém, deu-lhe a grande chance certo ponto, parecida com a de Jéssica. Filha de legítimos candangos – o pai um bancário mineiro; a mãe, dona de casa –, nasceu em Taguatinga, cidade-satélite de Brasília. O sobrenome foi inventado pelos pais. “Um pai de santo conhecido no Distrito Federal, Raul de Xangô, dizia que Márdila é forte, daria sorte. Está acontecendo”, explica. Criança doente, com crises pulmonares, ficava muito em casa, lendo – ou ia ao Sesc, onde começou a se interessar por atividades artísticas. Nunca curtiu se vestir de rosa nem brincar de boneca. Pratica ioga desde cedo e sempre quis sair de casa. “Outro dia fui jogar sinuca com meu pai. Ele falou que sonhava com uma princesinha, mas me saí mais cachaceira que meu irmão”, ri a fã da aguardente Nega Fulô. Com 11 anos, foi fazer um curso de

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Outro dia fiquei feliz: soube de um hotel de Brasília que faliu e virou ocupação. Ou seja: Brasília agora é uma cidade normal!” Depois de conhecer o Rio com Cauê, aos 23 anos Camila largou os vídeos publicitários em Brasília, que lhe pagavam as contas, para mergulhar no teatro carioca. “Foi difícil. No Rio todo mundo se conhece, e a maioria das atrizes só quer fazer TV”, diz. A primeira montagem em que Camila chamou a atenção foi Nada, Uma Peça Para Manoel de Barros, dirigida por Adriano e Fernando Guimarães, que conta a festa de aniversário dos 80 anos de um avô. Dissolvendo as fronteiras entre elenco e plateia, a montagem amalgamou as atrizes que formariam o coletivo Áreas: Camila, Miwa Yanagizawa, Liliane Rovaris e

Maria Silvia Siqueira Campos. Solidificada a formação no teatro, fez o primeiro filme, O Outro Lado do Paraíso, de André Ristum, em que vive a filha de uma família que se aventura em uma recém-inaugurada Brasília – e se dá mal. Aí apareceu o teste para a Jéssica de Que Horas Ela Volta?. Como única atriz não pernambucana, e de pele clara, pensou que não teria chance. “A Anna nem me olhou direito”, relembra. Mas, com muitos amigos pernambucanos – entre eles a banda Eddie, que compôs parte da trilha sonora –, e alguns carnavais em Olinda na bagagem, sem falar no fluido sotaque brasiliense, emular o acento do Recife foi mole. Conquistou Anna pela secura e pelo sedutor uso do silêncio. A sacada de Camila foi fugir de uma atuação sexualizada. “Quis fazer uma atuação concentrada”, explica. “Criei um dipositivo que era ‘não vacilar’: tudo o que a Jéssica faz é seguro, focado em seu objetivo – passar no vestibular. Também peguei muito sol pra ficar bem morena.” A tensão entre mãe e filha tem pé no real: a diva Regina Casé sentia-se incomodada com o jeito despachado de Camila. “Anna dizia que no set só eu não tinha medo da Regina. Bom, se

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Brasiliense, sim. Mas não gosta da cidade e mora em São Paulo

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reprodução

Visão

Com Regina Casé, a sua mãe no filme de Anna Muylaert, e com quem dividiu o prêmio de melhor atriz no Sundance Festival, nos EUA

fosse pra ter medo, eu não faria a Jéssica, oras”, rememora a atriz, comendo singelamente outra batatinha. Camila conta que, em virtude do tipo físico “comum” brasileiro – cabelos e olhos castanhos, corpo esguio, ar frágil – e jeito duro, suavizado por traços finos e voz modulada, quase grave, deixou de pegar muitos papéis. Já no primeiro trabalho, aos 11 anos, o diretor a substituiu por “uma menina de olho verde”. Tipo de situação que lhe endureceu o couro. “Há uma pressão para a atriz se encaixar em padrões de beleza”, critica. “Fiz testes em que o diretor me disse na cara: ‘Ela não, precisa ser uma atriz bonita’. Querem a beleza óbvia: mulher alta, gostosa, olho claro. Talvez por isso as pessoas me reconheçam pouco na rua – daí me sinto à vontade para espionálas”, diz Camila, que adora ter um rosto camaleônico. “Se eu quiser, fico bonita. Sou uma atriz, porra!”, afirma, elegante.

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Além de Cora Coralina - Todas as Vidas, de Renato Barbieri – misto de documentário e ficção em que interpreta a poeta goiana quando jovem –, em breve você verá Camila camaleão em registros bem distintos. No teatro, em A Tragédia/ A Comédia, peça de Felipe Hirsch criada sobre obras de escritores latino-americanos. Preferiu o drama, e por isso seu criado-mudo está lotado de Roberto Bolaño, Andrés Caicedo e Cabrera Infante – leituras embaladas ao som de Metá Metá, Cidadão Instigado e Caetano Veloso. No cinema, faz uma enigmática dona de um café no Jockey Clube na comédia Altas Expectativas. “Vão dizer de novo que sou malhumorada”, ri, dando de ombros. Com uma estética “meio Wes Anderson”, dirigido por Pedro Antonio e Álvaro Campos, o filme tem como protagonista um jóquei anão (Leo Reis), que disputa

o coração de Camila com um playboy gigante (Milhem Cortaz). Ela participa ainda do longa Tudo Bem Quando Acaba Bem, comédia de estrada dirigida pelo conterrâneo José Eduardo Belmonte, com Alice Braga e Fábio Porchat. E tem também uma minissérie na Globo sobre a qual faz mistério – “Só divulgo depois de gravar”, diz, supersticiosa. “Tenho vontade de pegar um papel de palhaça, porque meus trabalhos nunca me levam pra esse lado – e ,poxa, entre meus amigos sou a que fala mais besteira”, reclama. “Eu me sinto presa a essa imagem de inteligente. Falo as coisas na lata, dizem que sou muito verdadeira. Às vezes acho é que vão descobrir que como atriz sou um blefe!”, brinca. Camila Márdila mata o búrguer, coloca óculos escuros e vai ao teatro ensaiar. A pé. Tive a impressão de que a vi botar no bolso um par de gestos novos. P

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eventos

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audição Por JARDEL SEBBA

A vida de Brian (e seus irmãos) Um dos álbuns essenciais da história do rock, Pet Sounds, dos Beach Boys, completa 50 anos no mês de maio

I

magine o quão excitante era ser jovem na Califórnia em 1965. Agora tente projetar algo melhor do que estar lá aos 23 anos, na condição de astro do rock, com hits em alta rotação nas rádios nos anos anteriores. Sim, no centro da explosão da cultura jovem, na antessala da psicodelia, líder de uma banda famosa por retratar o verão, os carrões, as garotas, a boa vida. Você tem carta branca para fazer um novo LP e, quando ele sai, as primeiras palavras da faixa inicial são: “Não seria bom se fôssemos mais velhos?” Um pouco adiante, segue uma confissão: “Eu simplesmente não fui feito para estes tempos”. Sério? Aos 23 anos, em 1965, na Califórnia? No próximo verão do Hemisfério Norte terão se passado 50 anos desde a primeira vez que se ouviram com espanto aqueles versos, aqueles sons, aquelas gravações. Barroco, psicodélico, sinfônico, experimental, desafiador: tudo no álbum Pet Sounds, dos Beach Boys, era diferente do que a banda havia feito – do que qualquer banda, aliás. Compositor e produtor do grupo, Brian Wilson chegara ao auge. E tinha bons motivos para desejar viver em outro tempo. Nascido em uma família de classe média, Brian havia se transformado em um

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homem estranho e introspectivo. Tornou-se um clichê o fato de astros do rock culparem os pais pelas coisas estúpidas que fazem. Mas é preciso reconhecer: Murry Wilson, o patriarca, não era um sujeito que você chamaria para jantar na sua casa. Ele gostava de música e tocava piano, tal como a mulher. Era um compositor frustrado. Chegou a ter canções gravadas e uma delas até tocou no rádio. Com o correr dos anos,

tornou-se violento. Brian jamais esqueceu certos episódios. Em um deles, o pai arrancou um pedaço de sua orelha. Em outro, jogou um jornal no chão da cozinha e mandou o filho defecar em cima. À violência, física, verbal e psicológica, cada integrante da família Wilson reagia à

sua maneira. A mãe bebia. Carl, o irmão mais novo, descontava na comida. Dennis, o outro mano, queria brigar. Já Brian, o mais velho, se refugiava no piano. Autodidata, se encantou pelo The Four Freshmen e, mais tarde, por Johnny Otis. Na medida em que cresciam o medo e a falta de autoestima, compor passou a ser o seu principal meio de expressão. A música, além de permitir esquecer o pai, o aproximou do primo Mike Love, com quem cantava nas festas de família. Pouco depois, Al Jardine, amigo de escola, começou a se apresentar com eles, e o caçula Carl, que tocava guitarra, se entendeu bem com o grupo. Tão bem que Dennis resolveu aderir. Assim nasceram os Pendletones. Em outubro de 1961, o grupo gravou três músicas já com boa parte do que viria a ser o DNA dos Beach Boys. Em particular, as harmonias vocais. O mais curioso: o novo nome da banda foi escolhido por um promotor da gravadora, Russ Regan. Ele rebatizou os rapazes sem consultá-los. A banda só descobriu que se chamava Beach Boys quando o disco saiu, em dezembro. No ano seguinte, o grupo assinou com

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uma grande gravadora, a Capitol. Com o dinheiro dos primeiros shows e do primeiro LP, Surfin’ Safari, Brian saiu de casa. Foi o seu novo companheiro de quarto quem o apresentou às gravações do produtor Phil Spector. Quando, em 1963, Brian ouviu Be My Baby, das Ronettes, o desejo de superar Spector como produtor virou ideia fixa. A competição passava a ser um fator fundamental. Em especial depois de fevereiro do ano seguinte, quando, como boa parte dos EUA, Brian viu os Beatles no programa de TV de Ed Sullivan. Imediatamente se sentiu velho. Os ingleses vestiam roupas melhores, tinham canções mais cativantes. Aquele era um sinal: chegara a hora de mudar tudo. O objetivo de All Summer Long,

álbum lançado em 1964 pelos Beach Boys, foi enfrentar Spector, Lennon & McCartney. O grupo garantiu o seu primeiro número 1 com o single de “I Get Around”. Na medida em que superar Spector tornou-se um de seus maiores desafios, Brian

Brian, depois de se casar com Marilyn, na época com 16 anos, mesmo sem a certeza de qual das três irmãs Rovell o interessava mais (a dúvida nunca foi totalmente desfeita), começou a ouvir vozes. De alguma forma, elas também nunca o abandonaram.

Fugir da violência do próprio pai, que lhe arrancou parte da orelha numa briga, era um dos três objetivos principais do líder do grupo. Os outros dois: superar os Beatles e as produções de Phil Spector assumiu também como produtor da banda. Isso pavimentou o caminho rumo à sua obra-prima, mas não o livrou de continuar apanhando do pai, ainda empresário do grupo. Murry nunca deixou de chamar o filho mais velho de “perdedor”.

Só Deus sabia

Aos 22 anos, Brian tinha uma certeza: não era um jovem comum. Chorava sem motivo, perdia a memória repentinamente, era obcecado por detalhes, passava horas olhando para o mesmo ponto, evitava conPet Sounds foi o auge do grupo formado por Brian, Mike, Dennis, Carl e David Marks (que substituiu Al por uns tempos)

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audição tato com as pessoas. Tudo era movido pelo medo. Medo de apanhar, de não agradar, de não conseguir escrever um novo hit. Medo ao entrar em um avião para um show em Houston, episódio que o encaminhou ao primeiro psiquiatra. Ao longo dos anos, Brian colecionaria muito mais médicos que canções nas paradas de sucesso. Mas em 1965 as coisas ainda pareciam normais. E “Help Me, Rhonda” garantiu sua permanência no clube dos compositores de sucessos. A canção apareceu na primeira fornada feita sob o efeito da maconha. A banda não curtiu aqueles andamentos mais lentos, mas Brian tinha convicção de que a cannabis servia à criação. Ele tentou o LSD com o mesmo propósito. A barra pesou. Mas foi outro acontecimento de 1965

do que os Beatles foi o impulso inicial, mas ele era mais ambicioso que isso (ainda que essa fosse uma ambição e tanto em 1966). Queria algo que as pessoas ouvissem e pensassem: “Isso não é Beach Boys”. Justamente o que provocava desespero em Mike Love. O som era tão diferente e os temas tão pessoais que Brian pensou em transformar o novo álbum em um projeto solo. A relação conturbada com a mulher, Marilyn, foi em parte a inspiração de uma das primeiras parcerias com Asher, “Caroline, No”. As conversas sobre a atração que Brian sentia pela cunhada Diane, que trabalhava como sua secretária particular, deram origem à letra de “Wouldn’t It Be Nice”. Um disco de John Sebastian ouvido à exaustão foi a inspiração para a emblemáti-

O comportamento de Brian foi se tornando tão estranho que ele não falava mais ao telefone, só fazia reuniões na piscina e acomodou seu piano em casa dentro de um tanque de areia. E tome psiquiatras que teve papel fundamental na criação de Pet Sounds. Sem conseguir compor na estrada e apavorado pelas horas passadas em aviões e hotéis, Brian decidiu parar de excursionar. A banda sairia em turnê com um músico contratado em seu lugar e ele ficaria compondo, gravando e fumando. Parte das canções do disco Summer Days (and Summer Nights!!) já fazia a ponte entre o grupo dos primeiros anos e os novos rumos. Os Beatles, que nunca haviam saído do radar, deixaram Brian atordoado com Rubber Soul. Ao ouvir esse LP, ele decidiu não pensar mais em singles, mas em um álbum, com começo, meio e fim. E ali estava a gênese do mais celebrado disco dos Beach Boys. Brian tinha pedaços de canções, ideias desconexas, que definiu para o letrista Tony Asher como “música espiritual”. Ser melhor

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ca “God Only Knows”. De início, Brian não gostou da letra, que começa com “I may not always love you” (“Eu não posso sempre te amar”), e ficou preocupado com o fato de a palavra Deus poder afastar alguns radialistas, mas Asher o convenceu a manter título e letra. A sessão de gravação de “God Only Knows” levou 23 músicos para o estúdio, nenhum deles dos Beach Boys. E esse foi o maior problema quando o resto da banda ouviu o novo material: eles, os outros, pareciam dispensáveis. Mike Love era o mais incomodado, sobretudo com as letras. Reza a lenda que ele só topou cantar “Hang on to Your Ego”, então com clara referência ao LSD, quando ela virou “I Know There’s an Answer”. Ao lado do surfe, das garotas, dos carrões, do verão e da alegria de viver, a banda também

estava ultrapassada para seu mentor. Aquele era um disco de Brian Wilson, composto, gravado e produzido por ele. Pet Sounds foi lançado em 16 de maio de 1966, e em cinco semanas chegou ao décimo lugar da parada. O que fazer depois de um disco daquele? Trabalhar em “Good Vibrations”, canção em três partes. Brian convocou como letrista Van Dyke Parks, que de quebra adicionou anfetamina à sua dieta de cannabis e haxixe. “Good Vibrations” ficou famosa por consumir seis semanas, 17 sessões de gravação e algo entre US$ 50 mil e US$ 75 mil dólares, números então inéditos para uma única canção. Valeu a pena. Ao atingir o topo da parada e vender mais de um milhão de cópias, o single garantiu alguns meses de paz entre Brian e os executivos da gravadora. Cercado de bajuladores, dopado de entorpecentes, afastado da mulher e dos colegas de banda, ele estava cada dia mais paranóico. Não falava ao telefone e só fazia reuniões na piscina. Chegou a obrigar músicos a tocar com chapéu de bombeiro e a construir uma caixa de areia para acomodar o piano na sala. Previsto para janeiro de 1967, Smile, o sucessor de Pet Sounds, que prometia levar adiante as experiências e soar como uma “sinfonia adolescente para Deus”, chegoou às lojas um pouco depois. Em 2011!! Se a dezena de discos lançados pelos Beach Boys até Pet Sounds se apoiou quase exclusivamente em Brian Wilson, com o cancelamento do projeto Smile, em 1967, o interesse dele pela banda foi definhando. Abriu-se uma oportunidade para os outros membros consolidarem suas próprias criações musicais ao longo dos anos 1970. Por exemplo: o álbum Holland, de 1973, ano da morte de papai Murry Wilson (aos 55, de infarto), trazia boas composições de

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todos os integrantes. Antes dele, 20/20, de 1969, revelou ótimas canções de Dennis, que também ficaria conhecido como o único surfista da banda, amigo de Charles Manson (o assassino morou em sua casa e frequentou o estúdio do grupo) e o primeiro a morrer, em 1983, aos 39 anos. Seu corpo foi encontrado boiando no mar de Los Angeles depois de uma vida de abusos. Amor e misericórdia

Dennis também é autor do disco solo mais interessante dos integrantes do grupo, Pacific Ocean Blue, lançado em 1977 sem êxito comercial. O primo Mike Love, sempre o primeiro a se opor às ideias extravagantes, foi coautor de sucessos como “Kokomo”, single lançado em 1988 e único número 1 da banda sem Brian nos créditos. Carl Wilson, o irmão mais novo, cuja guitarra e vocal sempre foram parte essencial do jeito Beach Boys de ser (ele é o cantor principal de “God Only Knows” e “Good Vibrations”), assumiu a direção da banda

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fotos: reprodução

A imagem era de curtidores do verão. Mas só um deles surfava e é quase um milagre que Brian viva hoje uma maré de paz – e faça shows

no palco até morrer, em decorrência de um câncer de pulmão, em 1998. Al Jardine, ainda que de forma mais modesta, também exibiu talentos de compositor e produtor na ausência de Brian. A banda nunca parou oficialmente, mas surpreendeu o mundo em 2012, quando os três membros originais, ao lado de Bruce Johnston e David Marks, colaboradores de longa data, se reuniram para lançar That’s Why God Made the Radio e saíram em turnê. Marks já houvera substituído temporariamente Al, nos primórdios do grupo. Antes do aniversário de Pet Sounds, Brian Wilson pôde ver a saga das gravações nas telas de cinema no ótimo filme Love and Mercy, que estreou nos EUA em julho de 2014. Dirigido por Bill Pohlad, traz dois Brians em paralelo. Paul Dano interpreta o jovem atormentado que cuida obsessivamente de cada detalhe da gravação de sua obra-prima, enquanto John Cusack faz o assustado homem de meia-idade dominado por Eugene Landy, terapeuta de métodos

pouco ortodoxos. Love and Mercy, além de acertar contas com o passado (a família sustentou por anos uma batalha judicial para tirar Brian das mãos de Landy), confirma que o interesse por Brian Wilson continua em alta. Em maio, quando Pet Sounds completa o seu 50º verão, o maior motivo de festa virá no mês seguinte, quando Brian chegar aos 74 anos de uma forma que ninguém ousaria prever: vivo, saudável e na ativa. Ainda um pouco confuso, é verdade. Em seu único show no Brasil, em 2004, enquanto a plateia paulistana dançava como se não houvesse amanhã, o homem gritou “No more rock’n’roll!” Todos riram. Parecia brincadeira. Não era. Naquela noite, Brian apresentou “God Only Knows” como a canção preferida de Paul McCartney, aquele forte concorrente que, ao visitar o estúdio dos Beach Boys em 67, lhe apresentou ao piano, em primeira mão, “She’s Leaving Home”. Que Brian seja reconhecido com a grandeza de um McCartney é o que os devotos fãs de Pet Sounds desejam. Nada mais justo. P

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olfato Por RONNY HEIN

O cheiro das cidades Lugares que valem a pena conhecer têm sua identidade marcada pelo aroma. É assim de Paris a Salvador

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ão é apenas o cheiro doce e suave das cerejeiras em flor que inunda Washington, a capital americana, no fim de março, e persiste por quase um mês. Qualquer viajante mais sensível sabe: os lugares têm aromas. Os próprios e os universais, nem todos agradáveis. No Ocidente ou no Oriente, metrópoles costumam exalar forte cheiro de gasolina e óleo, devido ao combustível que ainda alimenta suas frotas – apesar das juras de que isso vai mudar no futuro. Roma recende a óleo dois tempos. Cada vez menos, com o avanço da tecnologia. Mas até o papa sabe que a Cidade Eterna é a urbe das motonetas. Elas cismam em cruzar o seu caminho dia e noite, mesmo nos becos mais imprevisíveis. Chegam, até, a estacionar no seu prato de fettuccine, se você não prestar atenção. E isso é ruim? De maneira alguma. As verdadeiras cidades, como as mulheres de verdade, precisam atingir todos os sentidos de quem as conhece. A visão, por meio de seus monumentos ou horizontes. A audição, por seus ruídos peculiares ou pela música que delas emana. O Cairo jamais seria o Cairo sem o alarido irritante das buzinas, que parecem tão essenciais aos

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motoristas egípcios quanto o acelerador ou o freio. E em Salzburgo, possivelmente pela herança de Mozart ou da família Von Trapp, é impossível andar pelas ruas sem que algum tipo de música chame sua atenção. O treino de algum violinista, o ensaio de uma camerata ou os próprios músicos avulsos, que, a exemplo do que ocorre em Viena, tocam nas calçadas com a intenção de atrair espectadores para os inúmeros concertos noturnos. Há outros locais que você adivinharia quais são mesmo de olhos fechados. Tome Nova York em dezembro. Você vai ouvir tantas canções natalinas e com tal frequência que será impossível não querer voltar em busca de outros Natais brancos que não temos. Já no frio de Moscou, Cracóvia ou Irkutsk, na Sibéria, as pessoas exalam vodca (aguinha, em português) desde a primeira frente fria. E não adianta dizer que vodca não cheira; é fácil reconhecê-la depois de incorporada ao organismo. Sobre o paladar é dispensável argumentação posterior. O sabor de cada cidade é, claro, o sabor de cada gastronomia; e, por isso mesmo, parte substancial de seu odor deriva dos ingredientes usados na cozinha. Não há forma de caminhar em Nova Déli ou em Mumbai, na Índia, sem

sentir um vestígio de curry no ar (mesmo que um elefante passe ao seu lado exalando cheiros mais fortes). Cidades litorâneas, de Santos a Yokohama, de Seattle a Gênova, vivem envoltas num olor de peixes e frutos do mar. Isso não significa, no entanto, que as sedes da Microsoft ou da Boeing, em Seattle, recendam a linguado ou a camarão. Mas é bom saber, caso você goste ou deteste, que tais aromas sempre estarão por perto. O Rio de Janeiro, que também é litorâneo, não tem peixes nas proximidades, menos ainda na baía de Guanabara, excelente lugar para pescar garrafas pet. Mas, em Copacabana, a sucessão de casas de sucos deixa um refrescante cheiro de frutas no ar. O inesquecível tabaco negro

Não espere, contudo, que os lugares exalem sempre o aroma de suas especialidades. Os madrilenhos são célebres pelo chocolate quente com churros. Mas ambos são delícias mais gustativas do que olfativas. Londres tampouco cheira a fish and chips ou kidney pie. Na verdade, conforme o bairro, é bem mais provável que você sinta o futum característico de certa erva seca queimada sob a forma de cigarro.

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Washington tem a fragrância das cerejeiras em flor. Roma recende ao óleo dois tempos das motonetas. Moscou cheira a vodca incorporada pelos moradores e Seattle evoca os peixes e frutos do mar

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olfato Berlim (e aqui levo para o lado absolutamente pessoal, pois meu pai e meu avô nasceram ali) ostenta um aroma atávico. Algo que para mim remete a pólvora, fumaça e, veja só, enxofre. É como se fosse uma área de intensa atividade tectônica em um momento de descanso de seus vulcões. Talvez você nunca tenha sentido esse cheiro porque a capital alemã é um fenômeno de força vital e agitação cultural. Mas tem de haver alguma coisa no ar de uma metrópole que, apenas no século 20, sediou e perdeu duas guerras mundiais, levou ao cúmulo as teorias de eugenia e superioridade racial, tornou-se a capital e o símbolo da Guerra Fria e passou décadas dividida por um muro com tensão atômica.

permitia ao freguês passar o dia inteiro em sua mesinha, lendo, escrevendo ou apenas refletindo – sem ser incomodado pelo garçom. Eles ainda existem, claro. Mas se tornaram irritantemente assépticos sem o aroma daqueles milhares de venenos que podem causar milhões de doenças. Pimenta cheira? Sim: mas muito mais em Lagos, na Nigéria, do que no México. Há diversos mercados de pimentas na África. Muitas delas corroem o nariz de seus habitués. Mas com certeza emitem um odor melhor do que as tantas cidades e vilas em que o esgoto corre a céu aberto. A páprica é muito olorosa, mas nem assim Budapeste exala cheiro de goulash. Em certas regiões, próximas a feiras e mercados, você vai se

Sevilha cheira, no verão, a laranja. A Provença tem aroma de lavanda. A região do Chianti, na Toscana, recende a uva Sangiovese. E em certas partes da Ásia sente-se o odor proibido da papoula Quero dizer: há aromas que só são perceptíveis à luz do conhecimento e das referências. Ou exalam o odor neutro dos desodorantes da moda. Paris, ah, Paris: o que dizer da capital dos perfumes? Que eles se espalham pela cidade? Sim, é verdade. Mas, como todas as metrópoles de etnias misturadas, pode haver ali uma fragrância em cada vagão de metrô. Os mais antigos sabem que o verdadeiro aroma de Paris é o da fumaça dos cigarros. Principalmente a do tabaco negro, o indefectível caporal dos Gauloises e dos Gitanes acondicionados em seus elegantes maços azulados e que intoxicavam cafés, bares e boates em um tempo de menos proibições e muito mais ideias brilhantes. A Cidade Luz também recendia a café, já que energia elétrica não tem aroma. O mesmo café que, uma vez solicitado,

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deliciar com o aroma da pimenta húngara. Mas isso ocorre em todas as cidades que cultuam bons temperos. Em Túnis, Marrakech ou Bagdá, o perfume do açafrão em pó provará que tem um imenso alcance, exorbitando os limites dos souks, os grandes mercados. Assim como o litoral inteirinho do Mediterrâneo sabe a alecrim, na primavera e no verão. E a nossa Bahia de todos os santos tem um reconhecível odor de dendê, o óleo baiano por excelência, que o digam acarajés, vatapás e moquecas. É uma pena que minerais sejam inodoros. Sim, porque se o ouro tivesse aroma – e ele fosse, digamos, doce – Istambul seria enjoativa como uma fábrica de melado. E há outra verdade irrefutável: todos os cantos que produzem frutos ou plantas aromáticas costumam ficar impregnados com seus cheiros. Sevilha cheira, no verão, a laranja.

A Provença, no sul da França, tem aroma de lavanda. A região do Chianti, na Toscana, recende a uva Sangiovese. E em certas partes da Ásia sente-se o odor proibido da papoula. Na mística Ásia, por falar dela, há diversos lugares que tresandam a incenso. Chiang Mai, no norte da Tailândia, é um deles. Varanasi, na Índia, é outro – ainda que certos cheiros, ligados ao fim da vida carnal, dominem a atmosfera, pois ali os mortos são atirados cerimoniosamente no rio Ganges. Saigon, Bangcoc, Pequim e Kuala Lumpur são dominados pelo odor de óleo de cozinha – girassol, gergelim ou soja. É de se ver que as pessoas cozinham nas calçadas e comem nas ruas e nos ônibus. Da mesma forma que, se um aroma puder representar a periferia de São Paulo, ele seria o dos chamados, nem sempre injustamente, churrasquinhos-de-gato ou boi-de-telhado. Quase todos os pontos de ônibus nos subúrbios recebem passageiros famintos para degustar a iguaria. Exemplo vivo daquilo que o médico e cientista político Josué de Castro batizou de geografia da fome. De minha parte, jamais me senti tão tomado por um aroma quanto na espanhola Priego de Córdoba, cidade andaluza cercada de oliveiras por todos os lados. Mais que isso: o lugar está sitiado por pequenas fábricas que fazem a extração e a produção do azeite – fenômeno que resulta em um cheiro parecido, mas muito mais forte, do que o da azeitona propriamente dita. Digamos que, mesmo depois de uma breve visita, você saia de Priego de Córdoba definitivamente temperado. Pois que assim seja. Não há personalidade nos lugares que não marquem, se possível a ferro, os seus sentidos. Ou alguém aí pode me dizer o aroma de lugares como Hanôver, Detroit ou Osasco? P

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Berlim ainda tem o odor dos conflitos do século passado, enquanto Paris anda perdendo o cheiro dos cigarros negros. Sevilha, no seu tórrido verão, emana laranjas. Já Salvador recende ao dendê

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paladar

Por waltERSON SARDENBERG Sº

Carioca coisa nenhuma O feijão mais vendido no país – quem diria? – é 100% paulista. E foi descoberto por acaso, há mais de 40 anos

E

xistem cariocas notórios, com todos aqueles maneirismos no sotaque, embora nascidos e registrados em São Paulo. Um deles morreu no ano passado: o produtor de shows Luís Carlos Miele, talvez o único brasileiro que veio ao mundo de smoking. Para citar apenas outros três, vale lembrar o multimídia Nelson Motta, o cineasta Nelson Pereira dos Santos e o ex-rei da noite Ricardo Amaral. Se a descoberta causa espanto à maioria, prepare-se para mais uma: apesar do nome, o feijão-carioca é tão paulista quanto uma peleja entre o XV de Jaú e o XV de Piracicaba. Tem mais. A despeito de manter os concorrentes muito distantes na tabela do campeonato, o vitorioso feijão-carioca, dono de 80% do mercado brasi-

leiro, só começou a adentrar os grandes gramados há pouco mais de 40 anos. Antes disso, o carioquinha, como também ficou conhecido, estava nas equipes de base. Nem sequer esquentava o banco da equipe titular, onde despontava, na época, um meio de campo formado por jalo, preto, roxinho e mulatinho – todos eles craques consumados. As origens do feijão-carioca, integrante da ampla família Phaseolus vulgaris, estão na zona rural de Ibirarema, lugarejo de 6 mil moradores nos confins do oeste paulista, a 400 quilômetros da capital. Foi ali que, em 1964, o agricultor Waldimir Coronado Antunes, então com 27 anos, se viu alertado por um empregado de sua fazenda, a Bom Retiro: em meio à plantação de feijão-chumbinho cresciam, do nada, grãos de estranha aparência bicolor. Formado em agronomia quatro anos antes, Antunes (nas

Ele detém 80% do mercado nacional

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horas de folga jogador de basquete da seleção de Assis, a maior cidade dos arredores) logo matou a charada. Tratava-se de uma mutação acidental – hoje, ele prefere a expressão “transgênico natural”. Como isso ocorreu? “Pode ter sido até uma faísca elétrica que mudou o cromossomo da variedade”, arrisca. Nas conversas com os lavradores, Antunes descobriu que aquele feijão de textura listrada crescia com muito mais rapidez. Não só. “Era uma planta bem maior e mais resistente, imune às principais doenças de vírus”, conta. Antunes levou um punhado de grãos para a mulher, Zezé, cozinhar. Deu gosto ver. O resultado foi um feijão de cheiro inebriante e caldo substancioso. Quanto ao sabor, bastava provar para aprovar. Antunes ficou animado.“Presenteei fazendeiros da região com sementes e todos tiveram uma reação entusiasmada”, relembra. Astuto, o jovem agricultor selecionou um saco de 30 quilos da nova espécie e o fez chegar ao Instituto Agronômico de Campinas, pelas mãos

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Paladar de outro engenheiro agrônomo, Jacob Toselo, que viajava para visitar um irmão. Era o endereço perfeito. Antunes relembra: “Vi que, se tivesse o aval do Agronômico, o grão iria ser um sucesso”. Como de fato foi.

fazendeiro de Ibirarema entraram no Agronômico em 1º de agosto de 1966, já com o batismo de feijão-carioca. O nome fora escolhido por Antunes. Ao longo de décadas, divulgou-se que o batismo provinha das listras

O nome do feijão tem uma razão curiosa: o rajado dos grãos evocou o rosto sardento de um lavrador que trabalhava em Ibirarema, lugarejo a 400 quilômetros de São Paulo, e era apelidado de Carioca Esnobando os rajados

O instituto, mais conhecido por Iacê – da sigla IAC –, já então um braço da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, tem longa tradição na pesquisa agrícola. Foi criado para aprofundar os estudos do café ainda em 1887. Uma iniciativa de Dom Pedro II, dois anos antes de o imperador ser destronado e chutado para o desterro. Os grãos enviados pelo

das calçadas de Copacabana, semelhantes às do feijão, ou à raça de porcos carioca, também de ranhura similar na pele. O motivo, no entanto, é bem mais prosaico. Na época, trabalhava na fazenda Bom Retiro um lavrador conhecido por Carioca. Apelido por sinal impróprio, uma vez que o sujeito era natural de Nova Friburgo – era fluminense, e não carioca. Descendente de alemães, o tal Carioca

tinha a pele muito alva e coberta de sardas, em virtude da exposição diária ao sol. “A associação com o feijão, todo pintadinho, foi imediata”, recorda-se Antunes, agora arrependido do batismo zombeteiro. Fosse hoje, escolheria outro nome: feijão Antunes. “Quem sabe eu teria ficado rico?”, sonha. “Hoje, essas descobertas na agronomia rendem royalties.” Dentro do IAC, os estudos sobre o carioquinha ficaram a cargo de outro jovem agrônomo, Luiz D’Artagnan de Almeida, então com 25 anos. “Em 1967 e nos dois anos seguintes testamos quase cem variedades de feijão”, conta. Pesquisas nas duas safras (tanto na seca como na cheia) comprovariam as qualidades do carioquinha. Ele se mostrou de fato mais resistente às pragas, mais saboroso e mais produtivo (simplesmente o dobro). Não bastasse, cozinhava bem mais rápido. “Plantamos em dez regiões diferentes do estado”, diz D’Artagnan. “O carioquinha se adaptou a todos os terrenos, inclusive ao arenoso.” Em abril de 1971, tudo isso foi narrado pelo pesquisador no primeiro artigo científico sobre o novo grão, publicado na revista Bragantia, do IAC. O único problema era a aparência. Feijões rajados não eram bem vistos pelos fazendeiros. Primeiro foi preciso convencê-los. “Imprimimos folhetos e

Alisson Chiorato (à esquerda) inova o feijãocarioca (ao alto, na outra página). Enquanto isso, o Rio de Janeiro prefere o feijão-preto

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percorremos muitas cidades do sudoeste do estado, onde se planta feijão: Taguaí, Coronel Macedo, Fartura e por aí afora”, rememora D’Artagnan. Uma missão quase messiânica. E espinhosa. As variedades de feijão bem cotadas nas bolsas de cereais tinham uma cor única. Daí que os atacadistas esnobavam os rajados. Foi necessária a intervenção do Banco do Brasil, dando preferência de financiamento a produtores que optassem pelo plantio do carioca. Os do Rio preferem o preto

O consumidor revelou-se menos desconfiado. Lançado no mercado em 1971, cinco anos depois o carioca já tinha lugar cativo no time. Pouco mais tarde, era o preferido do país. Um craque feito para erguer taças. Ainda assim, treinou um bocado, passando por melhorias genéticas. Em 1998, a Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – colocou à disposição dos agricultores a cultivar Pérola, com grãos maiores (cultivar é a palavra para uma variante genética desenvolvida por engenheiros agrônomos). O IAC continuou os estudos. Em 2011, lançou o Formoso e, pouco depois, o Imperador. Em 2014, chegou

a vez do Milênio. Tem esse nome por se tratar do milésimo cultivar preparado pelo instituto. “Além de ser uma variante bem graúda e mais clara, o Milênio é muito mais resistente às doenças”, afirma Alisson Chiorato, há 11 anos pesquisador do IAC. “Isso significa uma redução de 30% no uso de agrotóxicos.” Outras diferenças são o tempo de cozimento ainda menor e a formação de plantas mais eretas, mais adequadas para a colheita mecanizada. O Brasil produz de 3,5 milhões a 4 milhões de toneladas de feijão por ano. Quase tudo para consumo próprio. Ao contrário de outros craques brasileiros, o carioquinha não atiça a cobiça do exterior. O fato tem fácil explicação. “Há um preconceito generalizado lá fora contra feijões bicolores”, resume Chiorato. “Muito embora o carioquinha seja de qualidade superior.” É bem verdade que a Camil exporta o feijão-carioca, já cozido, para alguns países da Europa. Mas o consumo se restringe em geral a brasileiros ali

radicados – e saudosos de um dos nossos alimentos mais tradicionais. Seja como for, o feijão-carioca vem sendo estudado por uma das principais organizações de melhoramento genético agrícola, o Centro Internacional de Agricultura Tropical (Ciat) de Cáli, na Colômbia. Cientistas do Ciat consideram o carioca uma das mais importantes contribuições alimentares do século passado, embora, como seria natural, façam terrível confusão com o nome. Para eles, a palavra remete a gente bronzeada. Nada a ver com aquele lavrador descendente de alemães, com o rosto coberto de sardas. Imagine se eles souberem que, no próprio Rio de Janeiro, o carioquinha é quase sempre preterido em favor do feijão-preto. P

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tato

Por ronaldo bressane

Pé ante pé De mansinho, a capoeira tem 6 milhões de adeptos no Brasil e hoje é praticada em mais de 150 países

A

capoeira já começou no meio do furacão, camará. Até se tornar a arte marcial brasileira mais exportada para o mundo – a segunda é o jiu-jítsu recriado aqui pela família Gracie –, ela levou muita porrada. Hoje é bacaninha vestir uma roupa branca, dar rasteira e cantar cantigas de marinheiro. Mas quem manja dos paranauê sabe que a capoeira oculta uma história de perseguição, preconceito e violência. Fala-se de duas capoeiras, ambas criadas em Salvador: a de Angola e a Regional. Uma nova vertente, a contemporânea, seria um mix delas. Mas há controvérsia até sobre o surgimento da capoeira na capital baiana. Há quem afirme que ela teria se iniciado na África. De qualquer maneira, quando essa arte marcial se alastrou pelo resto do país – em especial, Rio de Janeiro, Recife, São Luís e Belém – já havia vários outros estilos sendo jogados. Até meados do século 20 só existiam registros orais da história da capoeira. Isso dificulta a investigação. Daí várias dúvidas persistirem. Surgiu na área rural ou no litoral? Por que foi considerada subversiva? Por que o Estado a combateu? É uma arte rebelde, revolucionária ou de negociação? É um jogo, uma luta ou uma dança?

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Nada menos que 3,6 milhões de africanos chegaram vivos ao Brasil, desde o século 16, sem contar aqueles vindos após a proibição do tráfico, em 1830. Eles eram divididos em crioulos (nascidos no Brasil), libertos ou forros (que haviam ganhado a liberdade) e livres (nascidos já sem grilhão). Havia, ainda, os escravos de ganho, que costumavam ter um trabalho próprio nas horas de folga. São justamente estes os primeiros praticantes da capoeira. Eles lutavam entre si. É bom lembrar que, mesmo depois da chegada de Dom João VI, por algum tempo ainda não havia polícia ou outro tipo de poder público coercitivo, mas milícias e seguranças particulares. Nas cidades, ao contrário do meio rural, os escravos de ganho quase nunca viviam perto de seus senhores. “Podiam ser artesãos, músicos, amantes”, conta o historiador Bruno Rodolfo Martins na tese Raízes Étnicas da Capoeira. Nos momentos em que esperavam por trabalho, estavam “vadiando” – o verbo usado para a prática da capoeira. Capoeira, aliás, era como se chamava o escravo que dava duro como carregador, portando um cesto. Já capoeiragem significava bagunça. Mas o termo não veio da África. Capo, do tupi-guarani, quer dizer mato ralo, um lugar aberto na floresta,

uma clareira perfeita para ser usada como ringue. Só que caapo, também do guarani, quer dizer cesto de palha trançada – daí o carregador de cesto virar o capoeira. No começo do século 19, a capoeira não estava sistematizada. Nem tinha esse nome. O que a escassa historiografia sugere é que começou como um jogo, evoluiu como dança, para, mais tarde, adquirir sentido de luta, “e luta violenta”, como afirma mestre Pastinha no já clássico livro Capoeira Angola (1968). Segundo o substancial estudo de Carlos Líbano Soares, A Capoeira Escrava e Outras Tradições Rebeldes no Rio de Janeiro (2004), a perseguição aos praticantes foi fundamental para a disseminação, a síntese e a estetização da capoeira. Boa parte dos escravos presos pela polícia ou por seguranças particulares eram arruaceiros que brigavam entre si. Juntados à força na cadeia, trocavam saberes e técnicas. Mas de onde vinham esses arruaceiros? Sobretudo da banda centro-ocidental africana, onde hoje é Congo e Angola. Os de Moçambique, na costa oriental, eram exceção. Embora seja adequado inferir que a capoeira tenha nascido em um contexto da etnia banto, é complicado afirmar que tenha surgido de uma nação africana específica. Afinal, os escravos eram no-

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O alemão Johann Rugendas viveu no Brasil entre 1822 e 1825 e retratou cenas como esta

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tato Os mestres Pastinha e Bimba foram figuras cruciais de uma arte que, ao que tudo indica, nasceu em Salvador

meados de acordo com o porto em que embarcaram, e não da terra em que nasceram. O que se pode dizer é que a capoeira sempre foi relacionada à pobreza – e daí para ser estigmatizada socialmente é um pulo, ou melhor, uma rasteira. Para muitos dos povos africanos que vieram escravizados, o sagrado e o profano estavam imbricados. Deuses do candomblé, os orixás têm características humanas: são imperfeitos e mutantes. Portanto, muito mais complexos que os monolíticos deuses nascidos no deserto, como Jeová, Alá e Jesus. Candomblé e capoeira têm muito em comum. Por exemplo: valores como o respeito aos mais velhos, a solidariedade e a consciência da missão individual. Outras similaridades são a prática em roda e a ginga. Tem mais. Tanto a ritualística do candomblé quanto a da capoeira só se desenrolam com trilha sonora. A semelhança musical impressiona. As cantigas do candomblé de

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Angola são parentes próximas das cantigas de capoeira. Até porque os terreiros religiosos eram defendidos pelos capoeiristas. As rodas e ritmos só foram introduzidos pelos mestres Bimba e Pastinha já no século 20, influenciados pelo candomblé. Mestre Bimba, um ex-estivador nascido em Salvador em 1900 – portanto, livre –, unificou saberes e técnicas que aproximaram a capoeira do que ela é hoje. Capoeirista desde jovem, foi convidado pela polícia para ser inspetor. Declinou. Não queria participar de uma instituição que perseguia os capoeiristas. Digno, honrado, decente

Autointitulou-se educador e foi a primeira figura a ensinar sistematicamente capoeira no Brasil. Precursor da capoeira Regional, Bimba morreu em 1974. Seu contemporâneo, o elegante mestre Pastinha foi a maior lenda da capoeira de Angola. Morreu aos 93 anos, em 1981. Ambos eram célebres pelo comportamento correto e pela visão da capoeira como molde ético do cidadão. Pastinha propunha o capoeirista como sujeito “digno, honrado, decente”. Apesar de primeiros responsáveis pela institucionalização da capoeira, morreram quase esquecidos – tão pobres quanto nasceram. Antes desse chamado “período clássico” da capoeira, conforme diz mestre

Decânio, um grande capoeirista de hoje, houve uma repressiva campanha contra as manifestações afro entre fins do século 19 e começo do século 20. O Código Penal da República, executado por Marechal Deodoro da Fonseca em 1890, expressamente proibia “exercícios de agilidade e destreza corporal conhecidos pela denominação capoeiragem (...) Aos chefes e cabeças de bandos ou maltas de capoeiras, se imporá a pena em dobro”. Duas das gangues mais violentas do Rio, na época, eram as dos Guaiamuns e dos Nagoas. Os Nagoas serviam ao Partido Conservador e os Guaiamuns ao Liberal. Ou seja: mesmo reprimida pelo Estado, a capoeira era usada politicamente pela elite. A punição para quem praticasse a luta em público variava entre 300 açoites (e as feridas “temperadas” com sal e cachaça) até o envio para o presídio de Fernando de Noronha. Na Bahia, quem fosse flagrado na vadiação da capoeira era mandado para a linha de frente da Guerra do Paraguai. As gangues do Recife só foram extintas em 1912. A partir daquele ano, a capoeira passou a ser considerada brincadeira e acabou dando origem ao frevo. Mesmo hoje, blocos de carnaval famosos, como o Homem da Meia-Noite, de Olinda, têm capoeiristas entre seus líderes. Só em 1940 a capoeira foi enquadrada como uma espécie de ginástica nacional. Porém, por vias tortas, sob uma ótica militarista, disciplinadora e eugenizadora. Só era permitido jogar capoeira em determinados lugares. Para retirar os praticantes da marginalidade, os mestres Bimba e Pastinha, sob o governo Vargas, criaram códigos de conduta, uniformes, hierarquias,

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nomenclatura de golpes, campeonatos, associações e federações, muito estranhas à prática original. Há relatos de Getúlio orientando o Exército brasileiro a divulgar a capoeira nos quartéis. Segundo mestre Nilo, o primeiro presidente da associação dos capoeiristas cariocas, Vargas queria “que o exército ficasse fera na capoeira, em briga de rua, defesa pessoal, pra segurar a população sem precisar pegar em armas”. Getúlio só liberou a capoeira para “pessoas idôneas, que não tivessem passagem pela polícia, profissionais liberais, estudantes”. Nesse momento se deu a cisão entre as capoeiras: a oficial, de elite, Regional, e a do povo, marginal, dos excluídos, a Angola. Outras diferenças entre as capoeiras, conforme o mestre baiano Anzol: a Regional é mais técnica e disciplinada; a Angola mais improvisada e inventiva. A “reafricanização” da capoeira só viria a acontecer depois do período da ditadura militar, com o surgimento de mestres que fundiam as linguagens Regional e Angola, buscavam saberes diversos, e a levaram ao exterior. Fora do país, a capo-

eira começou a misturar-se com outras artes marciais, como o judô, o caratê e o jiu-jítsu. Hoje, é praticada por 6 milhões de pessoas no Brasil e mais de 150 países têm associações de capoeiristas.

dições alheias – que na cultura brasileira foi essencial para movimentos artísticos como a Antropofagia dos anos 1920, a Tropicália dos anos 60 e o Manguebeat dos anos 90 – pode ter sido o responsável

Entre as punições para a prática da capoeira estavam os açoites (tendo as feridas “temperadas” com cachaça e sal) e o envio para a prisão de Fernando de Noronha ou o front da Guerra do Paraguai Diz-se que os povos bantos, primeiros habitantes de Congo e Angola, são famosos por uma grande capacidade de absorção da cultura alheia (algo parecido tinham os romanos, que engoliram conhecimentos egípcios, gregos, bárbaros etc). Esse talento para reorganizar as tra-

por fazer da capoeira essa original suma de técnicas e saberes. E, dada a popularidade que ganhou, essa qualidade pode fazer com que, daqui a cem anos, vejamos uma dança ou jogo ou luta muito diferente do que se pratica nas rodas do Brasil e do mundo de hoje, camará. P

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Jogo, dança, luta e produto de exportação

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adega Por BETO GEROSA

O vinho do palácio O esplêndido Buçaco é produzido na residência em que a família real portuguesa deu sua última festa, antes da chegada da República

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restaurante do Bussaco Palace Hotel, na região da Bairrada, próximo a Coimbra, em Portugal, funciona na antiga sala de jantar da realeza. O lugar foi propriedade dos monarcas e palco de banquetes da dinastia dos Bragança. A sala é ornada por um impressionante teto de motivos mouriscos e por telas ilustrando passagens de Vasco da Gama narradas em Os Lusíadas, de Camões. Os vinhos da casa que serão provados estão enfileirados sobre uma mesinha de apoio. Aguardam-me o Buçaco Tinto Reservado das safras 1983, 2001 e 2011, assim como o Buçaco Branco Reservado dos anos 1956, 2001, 2003 e 2013. “Um branco de 1956!”, eu me espanto. O economista António Rocha, responsável pelos rótulos do hotel, se encarrega de destampar as garrafas mais antigas com um saca-rolha em formato de pinça, evitando assim o rompimento da cortiça quando retirada. Ele despeja um gole na taça, introduz o nariz no recipiente e sorri satisfeito. A sala de jantar da realeza é tomada pelo perfume do Buçaco Branco de 1956. A bebida, engarrafada há 60 anos, vai enfim se revelar.

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História, tradição e exclusividade. Essas palavras exprimem as características dos vinhos Buçaco Reservado. Mas a principal é longevidade. A passagem dos anos define o estilo do vinho, sua concepção e evolução. Tempo também é o que a bebida requer do felizardo consumidor para se mostrar por inteiro. São mais de 100 mil garrafas de safras antigas estocadas na adega do hotel. Para atestar a qualidade dos vinhos, vale recorrer a Matt Kramer, crítico da prestigiada revista americana Wine Spectator. Em 2014, ele classificou o Buçaco Reserva Branco 2003 como “excepcional” e o elegeu o melhor branco do ano. Disse mais: “Jamais havia degustado um vinho branco tão bom”. O Palácio do Bussaco ganhou tal batismo por estar circundado pela floresta do mesmo nome, chamada pelos romanos de bos sacrum – “floresta sagrada”. A grafia do rótulo do vinho, no entanto, segue a ortografia mais atual. Tornou-se Buçaco, com cedilha. O palácio começou a ser erguido em 1888, seguindo um projeto do italiano Luigi Manini, mas sofreu intervenções em diversas fases até a conclusão, em 1907. Seu estilo é o neomanuelino. Isso significa

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O Palรกcio do Bussaco, prรณximo a Coimbra, onde sรฃo produzidos tintos e brancos

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adega torres que lembram a Torre de Belém e desenhos semelhantes ao magnífico Mosteiro dos Jerónimos, ambos vizinhos em Lisboa. O último rei de Portugal, D. Manuel II, usava o palácio para encontros furtivos. Ali passou, em sigilo, seis semanas seguidas com a dançarina francesa Gaby Deslys. No Bussaco, também, ele comandou a derradeira festa de uma monarquia que perdurou por 771 anos. Aconteceu em

mostram-se um tanto puídos. Também os dormitórios estão longe do conforto dos hotéis modernos. Só alguns dos 64 quartos têm minibar e ar refrigerado. Os aparelhos de TV são de tubo. Mas quem vai querer ver televisão num lugar desse? Para chegar aos quartos opta-se por um elevador minúsculo ou por uma imponente escadaria de mármore. No meio da escada, uma armadura medieval com

Quando a qualidade das uvas não é satisfatória, os vinhos do palácio simplesmente não são produzidos. Nos últimos 13 anos, nada menos que cinco safras foram rejeitadas pelo exigente crivo Buçaco

Em sigilo, Manuel II passou semanas no palácio com Gaby Deslys

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fotos: wikimedia commons

setembro de 1910, quando o rei celebrou os 100 anos da Batalha do Bussaco contra o exército de Napoleão. Uma semana depois foi proclamada a República e o ex-soberano seguiu para o exílio. Em seguida, o palácio passou a funcionar como hotel de caça e, mais tarde, viu-se guindado a hotel de luxo. Propriedade do Estado até hoje, é arrendado a uma rede hoteleira portuguesa. Hospedar-se no Bussaco é relevar alguns detalhes. O mobiliário e tapeçarias

o elmo aberto exibe os olhos reluzentes de um manequim. Não precisava. Melhor esquecer e celebrar os salões e o restaurante. Ali é servido o exclusivo vinho da casa. A história do Buçaco Reservado é, na prática, a do palácio. António de Almeida, responsável pela transformação da construção em hotel de categoria, percebeu que grandes hotéis europeus tinham seu próprio rótulo. Idealizou um tinto e um branco que fossem representativos das

uvas nativas das proximidades. A fórmula se mantém intacta. As castas brancas são a Maria Gomes (também conhecida por Fernão Pires) e a Bical, da região do Dão; e a Encruzado, da Bairrada. Já os tintos resultam da mescla das uvas Baga (Bairrada) e Touriga Nacional (Dão). São produzidas apenas 10 mil garrafas do Buçaco tinto e a mesma quantidade do branco por ano. Metade das uvas vem de fora da propriedade. Quando a qualidade não é satisfatória, os vinhos não são produzidos. Não há tintos dos anos 2003, 2006 e 2008 – e não serão engarrafadas as safras de 2013 e 2014. Já os brancos não foram produzidos em 2004, 2006 e 2008. Durante muito tempo só era possível comprar os vinhos no próprio hotel. Mesmo assim a fama do Buçaco correu mundo. Hoje, ele é vendido em lojas especializadas de Portugal e exportado para pouquíssimos países, entre eles o Brasil. A partir de 2007, a importadora Mistral tornou-se representante oficial do rótulo no país. António Rocha é, desde 2003, o guardião dos vinhos do Buçaco. Sem formação em enologia, mantém a mescla original estabelecida por António de Almeida e trabalha apenas com as uvas do Dão e da Bairrada. Ele não pretende aumentar o volume produzido. Os rótulos só são lançados após três anos de estágio em garrafas (para os brancos) e quatro anos (para os tintos). Defensor de vinhos com potencial de guarda, Rocha aconselha esperar o tempo ideal para desarrolhar: oito ou dez anos após a produção. “São vinhos para quem tem alguma experiência”, enfatiza. Os hóspedes do hotel e os clientes do restaurante, de inspiração francesa, têm à disposição tanto as safras mais recentes como as mais antigas. Comecei pelo Buça-

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co Reservado Branco 2013. Os das safras de 2003 e 2001 vieram a seguir. Pense em um vinho delicado, com um perfil mineral, cortante, que vai se revelando intenso e com boa estrutura e exibe notas de frutas de acordo com a safra. Imagine um vinho longevo, que ganha incríveis variações de sabor e aroma com o tempo. A safra de 2013 tem uma cor mais clara. Embora muito nova, revelou-se elegante e com notas de mel e pera. A de 2003, um ano de clima mais quente, destacou aromas similares ao do abacaxi. Quanto ao branco de 2001, é maravilhoso. Tem cor dourada e maior complexidade aromática, com notas nítidas de tangerina e mel. A força dos brancos, de certa maneira, eclipsa a avaliação dos tintos. A Baga da Bairrada tem maior presença na mescla (60%), marcando mais o vinho que a Touriga Nacional. “A Baga é a casta com mais taninos no mundo”, explica Rocha. “Mas em anos bons mostra-se excepcional.” O tinto de 2013, ainda em maturação, pede tempo na garrafa para amaciar, mas já traz um perfil de boa acidez e fruta. Na safra de 2001, o álcool aparece menos. O vinho tem uma evolução de fruta madura, uma sutileza de aromas, e seu sabor permanece mais tempo na boca. António Rocha nos serve uma taça de Buçaco Tinto Reservado 1983. Somos os últimos clientes do restaurante. Esse tinto evoluiu bem. Evoca caixa de tabaco, couro, café-creme e algo de terroso. Em uma degustação às cegas, eu teria confundido com a delicadeza e a elegância de um Pinot Noir da Borgonha envelhecido. “A Baga fez um bom trabalho”, retoma Rocha. Sou obrigado a concordar. Mas o vinho inesquecível da degustação é mesmo o Buçaco Branco Reservado de

1956 (custa 800 euros, no hotel). A cor impressiona, com matizes douradas e brilhantes. O aroma é exuberante: caramelo, torrone, crème brûlée, mel e ervas. As camadas vão se sobrepondo e retornando em círculos. Na boca, a acidez revela-se vibrante, viva, com menos fruta, como era de se esperar. O mel permanece e o toque oxidativo confere importância e complexidade. Impossível não pensar nas pessoas que produziram esse vinho. A ampola do tempo volta ao ano de 1956. António Salazar era o ditador de Portugal havia 24 anos. Continuaria outros 12 anos no poder. Juscelino Kubitschek começava a comandar o Brasil. Um grande vinho tem a capacidade de encapsular um tempo e o resultado do trabalho de uma geração. Assim, o Buçaco Branco Reservado 1956 funciona como um fio condutor da história daquele lugar, da tradição, de uma época. Estava soberbo. Provado no palácio, proporcionou uma experiência mais completa. “Esses vinhos foram feitos para beber neste hotel e neste restaurante”, suspirou António Rocha. P

O majestoso restaurante do hotel e uma de suas preciosidades: o Buçaco Reservado branco, safra 2001

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Por WALTERSON SARDENBERG Sº ilustrações Raphael Alves

Há 45 anos era publicada a entrevista de John Lennon à Rolling Stone em que ele detona meio mundo e brada: “o sonho acabou”

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O ex-beatle aos 30: furibundo e com a sensibilidade a mil

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obrou para todo mundo. Em janeiro de 1971, exceção à regra, nem mesmo particularmente esperto”. quando a edição 74 da Rolling Stone chegou às No início de dezembro de 1970, acomodado no escritório bancas, a orelha de muita gente boa esquentou. nova-iorquino de Allen Klein – o empresário espertalhão a quem Ou melhor, ferveu. Em entrevista a Jann Wenner, tentava passar o legado administrativo dos Beatles –, Lennon, o um dos fundadores da publicação, um John Leniconoclasta, estava mesmo como o tinhoso aprecia. Escaldado, non furibundo falava barbaridades de todos os seres animados Klein instruiu funcionários a fornecer laxantes e analgésicos ao que algum dia ousaram lhe cruzar o caminho. Poupada das imcliente roqueiro. Eram paliativos contra os efeitos colaterais da precações, Yoko Ono, sua amada cara-metade – e a maior parte heroína, droga em que Lennon recaíra no primeiro semestre do da outra metade também –, ajudava a aumentar a temperatura. ano. A ansiedade maníaca da fala do ex-beatle, seja como for, é Para horror dos amigos do ex-beatle, a entrevista teve uma típica dos consumidores de cocaína. Dá para ouvir no YouTube. sequência no número seguinte da Rolling Stone, naqueles tempos A julgar pela verborragia, ele aspirara em quantidades, diria o ainda um tabloide da imprensa alternativa. A longa conversa com vulgo, de bater com enxada e cheirar com manilha. Wenner passaria para a história em virtude desta declaração: “O John atribuía sua imersão nas drogas pesadas à reação pouco sonho acabou. E não estou falando apenas que os Beatles chegaamistosa ao seu relacionamento com Yoko, junto de quem cirram ao fim, falo de toda uma geração. O sonho acabou, e tive de enculava, havia dois anos, com a constância de irmãos siameses. carar pessoalmente a chamada realidade”. “Estavam infernizando a nossa vida”, exÀ primeira vista, uma realista consplicou. Justificável ou não, a mágoa virou John estava tatação do fim do ingênuo ideário hippie. rancor e, enfim, artilharia pesada. Ao lonchapado no dia No entanto, bem mais do que isso, a engo da entrevista, Lennon chamou Mick da entrevista. trevista – sai da frente! – foi mesmo uma Jagger de “uma piada” e sua dança de Isso ajudou a soltar a língua indiscriminada distribuição de patadas. “idiotice”. Os Rolling Stones, ao seu ver, e a desancar os Até Yoko admitiu que John pegara pesanão iam muito além de imitadores: “O rolling stones, do. Em 2000, duas décadas após a morte que a gente criava, eles faziam dois meses bob dylan do marido, ela escreveu: “Naquela entredepois”. Também o mais recente LP de e, claro, os próprios beatles vista, John está tentando revidar e não se Bob Dylan, New Morning, não era “grande sai bem. Não é sutil ou sensato e, como coisa”. Andy Warhol? “Não curto o meio de drogas e veadagem em que ele vive”. Mas o pior ficara reservado aos colegas de fortuna – e agora de infortúnio. Segundo o pouco natalino Lennon daquele mês de dezembro, o cavalheiresco produtor George Martin não produziu “para valer” muitos dos discos dos Beatles. O lado B do LP Abbey Road, por exemplo, seria “um lixo”. Quanto aos demais colaboradores próximos da banda, “depois de trabalharem dez, quinze anos com gênios”, começaram a achar que também haviam vindo ao mundo com neurônios privilegiados. Ora essa, quer dizer que os quatro rapazes de Liverpool tinham sido geniais? Nem tanto. Em vez de beatle, John disse preferir o ofício de pescador, embora as excursões do conjunto, como se dizia à época, tenham proporcionado alguma diversão. Pela excentricidade Duas capas seguidas: e quantidade de orgias, “pareciam o Satyricon de Fellini”. Mas, nada seria como antes depois de tantas patadas pensando bem, nem era tão divertido assim. “Para ser o que os

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fotos: reprodução

Mick Jagger? “Uma piada.” Andy Warhol? “Não curto aquele meio de drogas e veadagem.” O álbum New Morning, de Dylan, não era “grande coisa”. O de estreia de George, “razoável”. O primeiro de Paul, “tolo”. Sobrou para todo mundo

Beatles foram é preciso se humilhar completamente”, cravou. E que tal, caro John, o disco de estreia solo de Paul McCartney, seu amigo, confidente e parceiro desde os 16 anos? Numa palavra: “tolo”. E o de George Harrison, um álbum triplo? Em outra: “razoável” – “Não é o tipo de música que eu ouviria em casa”. Um vocábulo único podia resumir o John Lennon dos idos em que acordara do sonho: compulsivo. Mesmo advertido por Mick Jagger de que Allen Klein era um velhaco, atirou-se nos braços do empresário como uma mocinha de folhetim. Ainda que lhe apontassem a desafinação de Yoko Ono como um incontornável empecilho musical, resolveu ignorá-la – a desafinação. Até mesmo diante das evidências de que o grego Alexis Mardas

não passava de um picareta, preferiu dar de ombros. Mardas chegou a Londres com um único diploma, o de técnico em eletrônica. Isso o credenciava, no máximo, a consertar televisores. Mas ele era cara de pau e bem-humorado. Ao aproximar-se de Lennon, mostrou-lhe uma diminuta caixa de metal de sua lavra, a Nothing Box, que alternava de modo aleatório luzinhas coloridas. A invenção fazia jus ao nome: não servia para nada. Estranhamente, John maravilhou-se. Ainda mais quando Mardas, a quem apelidou Magic Alex, contou-lhe seus planos mais ambiciosos: pôr em prática uma mesa de som de 72 canais, um papel de paredes que funcionaria como alto-

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CULT -falante, uma tinta que tornaria os objetos invisíveis e – por que não? – um disco voador. Lennon entusiasmou-se a ponto de soerguer o novo amigo a presidente da Apple Eletronics, subsidiária da Apple (sim, Steve Jobs inspirou-se nesse nome), a empresa aberta pelos Beatles por recomendação dos advogados para diminuir encargos fiscais.

Em janeiro de 1970, o americano Arthur Janov, Ph.D em psicologia pela Universidade da Califórnia, enviou a Lennon pelo correio o livro em que sintetizava a sua metodologia: The Primal Scream (O Grito Primal). Em geral, o ex-beatle considerava estudos acadêmicos mera “conversa mole”. Janov, porém, fundamentava a prática no tratamento objetivo dos traumas de infância. Isso calou em John. Janov propunha ao paciente retorUm presente de grego nar às dores da meninice e expurgá-las por gritos, choro e até Ao tomar posse do emprego, o oráculo grego de John partiu murros em sacos de boxe. John e Yoko se encantaram e resolvepara arquitetar a tal mesa de som. O trambolho jamais funcionou, ram se submeter ao tratamento. Em março, Janov desembarcou assim como suas demais engenhocas. Geoff Emerick, brilhante na Inglaterra. Foi acolhido na mansão do casal em Ascot, mas engenheiro de som dos Beatles, relata em seu livro de memórias decidiu ter sessões de terapia com John e Yoko em separado. ter vendido a geringonça para um brechó por 5 libras: “Foi o dobro Isso significou uma logística esdrúxula. Proibidos de mando que realmente valia”. Quanto ao disco voador, não chegou a ser ter contato, John e Yoko se hospedavam em andares diferentes feito. Sua construção teria transformado em sucata dois automóde hotéis de luxo londrinos, enquanto Janov corria de um quarto veis-símbolo da indústria europeia. É o para o outro como um coelho de desenho que confessou George Harrison: “Eu ia dar animado. Em uma das suítes, ouvia os A terapia do a Alex o motor V-12 da minha Ferrari Berlancinantes uivos da menina que sofrera, grito primal linetta; e John o de seu Rolls-Royce. Alex aos 13 anos, com os bombardeios amecalou fundo disse que com esses dois motores faria um ricanos sobre Tóquio. Na outra, escutaem lennon, que se esvaía disco voador”. va os berros do garoto abandonado pelo em lágrimas Se as invenções se revelaram um frapai, o marujo Alfred, ainda bebê. Mais no estúdio e casso, ainda assim John titubeou antes de traumas: John foi criado pela tia Mimi, engordou nada despedir o amigo grego. Afinal, ele foi-lhe irmã de sua mãe, Julia, atropelada e mormenos do que 15 quilos útil como detetive. Explique-se: já unido ta quando o filho tinha 17 anos. à Yoko, um solerte John incumbiu Alex de Depois das sessões londrinas, o casal vasculhar flagrantes de traição amorosa viajou para Los Angeles, para prosseguir de sua ex-mulher, Cynthia Lennon, com quem ainda estava cao tratamento, enfim interrompido antes do prazo estipulado sado no papel, a fim de facilitar o divórcio. Desta feita, o grego se por Janov. Eis o motivo principal da suspensão: Lennon teria deu bem. Primeiro, dormiu com Cynthia – que andava bem resdesconfiado de que o terapeuta gravava cada conversa. Janov lasentida. Depois, enviado para segui-la de perto em uma viagem a mentou: “Conseguimos que ele ficasse totalmente aberto, mas Pesaro, na Itália, descobriu o relacionamento íntimo dela com o não tive tempo de reajustá-lo a uma normalidade”. hoteleiro Roberto Bessanini. Cynthia negou o quanto pôde. Mas Foi esse John frágil como um táxi de papel que se enfureceu acabou se casando com o italiano. Embora uma fraude como inao ler as declarações de McCartney revelando à imprensa o fim ventor, o grego tinha faro fino. dos Beatles, a pretexto de divulgar o próprio álbum solo. A seu Alguém que acreditasse em tinta para tornar objetos invisíveis ver, uma traição. Desgovernado pela cisão emocional aberta e também podia botar fé em um psicoterapeuta de métodos mais não suturada, Lennon engordou 15 quilos. “Parte da terapia era heterodoxos que um óvni com motores de automóvel. Foi assim não ter qualquer tipo de autocontrole”, explicaria depois. Foi que Lennon se envolveu com o homem que mudaria sua vida no também esse John rechonchudo, sensível e emotivo ao extremo ano de 1970 e seria o responsável direto não só pela sem-cerimôque entraria no estúdio para gravar Plastic Ono Band, um álbum nia da entrevista à Rolling Stone, como também pela superexposiaté hoje sem paralelos, com suas letras confessionais, cruas, ção emocional de seu primeiro – e maravilhoso – disco solo. edipianas e despojadas de metáforas. Uma honestidade brutal.

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Para acompanhá-lo, John chamou dois chegados de velha data, a quem sabia poder expor sua alma nua. Na bateria, o boa-praça Ringo Starr. No baixo, Klaus Voorman, o alemão que conhecera em Hamburgo quando os Beatles eram quase anônimos. Só com amigos íntimos, enfim, poderia se despir de qualquer pudor. De qualquer maneira, foi um choque. “De repente, estávamos no meio de uma faixa e John simplesmente começava a chorar ou gritar – o que nos apavorou no início”, revelou Voorman. “Ele chorava na sala de controle, ouvindo as músicas, conversando com Yoko, lembrando coisas das letras. Era visível o quanto estava comovido”, relatou o baixista e desenhista, autor da capa do álbum Revolver, dos Beatles. Em meio às sessões, John Winston Lennon completou 30 anos. Na capa do disco, ele aparece tranquilo, refestelado no colo de Yoko à sombra de uma azinheira, em foto tirada pelo ator Dan Richter – o macaco da sequência inicial do filme 2001, de Stanley Kubrick. O invólucro não condiz com o conteúdo. “Working Class Hero” é uma canção de protesto ao estilo de Dylan, só que muito mais contundente. Em “God”, Lennon vocifera contra todos em quem não acredita mais, de Jesus a Krishna; de Elvis aos Beatles. A letra inclui o verso “o sonho acabou”. “Isolation” desafoga as dores de John e Yoko por serem acusados pelo fim do casamento com Cynthia e da própria banda. “Mummy’s Dead” é autoexplicativa. “Hold On” recorda as emoções em farrapos de Lennon quando os parentes tentaram consolá-lo pela morte da mãe. “Mother”, único sucesso de execução do álbum, é a essência do grito primal. Lennon, aos pedaços, berra para que a mãe não vá embora e se esgoela para o pai voltar para casa. Ainda naquele ano de 1970, Alfred Lennon parece ter ouvido os insistentes chamados do filho. Ambos não se viam havia três anos. Chegaram a aproximar-se no passado, quando John teria aceitado as explicações do pai pelo rompimento com a família – que, jurava Alfred de joelhos, partira muito mais de Julia Lennon, a ex-mulher, do que dele. Agora, aos 58 anos, o pai de John voltava a procurar o primogênito. Trazia uma nova esposa, que ainda não completara 20 anos, e um bebê de colo, David. John viu-se projetado na criança, a quem, finalmente,

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Alfred assumia por inteiro como pai amoroso. Aquilo era demais para a sensibilidade esgarçada de John. Ele tratou o pai aos brados. Ameaçou até mandar matá-lo.

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Nem Elvis nem Jesus

As capas do LP Plastic Ono Band e do livro O Grito Primal. E uma foto de papai Alfred

rep fotos:

“Foi o primeiro álbum punk”, disse James Woodall, especialista em biografas (escreveu uma de Jorge Luis Borges) e autor do livro John Lennon and Yoko Ono (1997).

Até a rainha da Inglaterra

Nunca mais pai e filho se veriam. Seis anos depois, eles se falaram pela última vez, pelo telefone, quando Alfred estava internado no Hospital Geral de Brighton, na Inglaterra, com um câncer de estômago terminal. Conversaram de maneira muito carinhosa e combinaram um reencontro que jamais ocorreu. Nunca mais, também, John procuraria o terapeuta Arthur Janov, que, aos 91 anos, continua matando cachorro a grito em sua clínica na Califórnia. Nunca mais, ainda, gravaria um álbum tão despudorado, no sentido mais profundo da palavra, quanto Plastic Ono Band. Ou concederia uma entrevista tão reveladora quanto aquela para a Rolling Stone – ninguém, na realidade, concederia. O próprio John se arrependeria mais tarde. Ao recordar seu último encontro com o ex-beatle, o produtor George Martin lembrou-se de ter se queixado do teor da entrevista. Ao que John retrucou: “Eu estava totalmente chapado quando falei tudo aquilo. Você não levou a sério, levou?” O sempre polido Martin admitiu: “Eu havia ficado furioso com a entrevista. Acho que todo mundo ficou. Ele massacrou até a rainha da Inglaterra. Acho que não se esqueceu de ninguém”. Há uma curiosa coincidência. A entrevista ocorreu em 8 de dezembro de 1970, em Nova York. John Lennon foi assassinado por um cretino na mesma cidade, exatamente uma década depois. Pois é, no dia 8 de dezembro de 1980. P

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POR tom cardoso retratos Jorge bispo

Mr. Ele criou uma das franquias mais importantes do showbiz internacional. aos 67 anos, o carioca Roberto Medina faz um inventário de sua trajetória. Dos tempos de menino, quando imitou Jânio para o próprio, à vinda de Sinatra, brigas com Brizola, tombo financeiro, sequestro e, claro, muito rock’n’roll

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Ousado, ele tem planos de um Rock in Rio na China

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D

e longe ou de perto, Roberto Medina lembra muito, fisicamente, o arquétipo do “coxinha”. O termo , no entanto, não combina com a história de vida deste carioca de 68 anos, descendente de judeus sefaraditas do Marrocos. Embora bem-nascido, o dono da produtora de eventos Artplan, responsável pela valiosíssima marca Rock in Rio, é um homem forjado na dificuldade e no ríspido relacionamento com os poderosos. Medina viu o pai, um self-made man que apostou na venda de eletrodomésticos ainda nos anos 1950 e criou uma bem-sucedida rede de lojas, ser destroçado pelo regime militar na década de 1960. Barra-pesada. A situação quase se repetiu com o próprio Medina. Ao longo de anos, o empresário e publicitário travou uma luta fratricida com Leonel Brizola, então governador do Rio de Janeiro. O político gaúcho, mandachuva do PDT, chegou a derrubar a Cidade do Rock, no bairro carioca de Jacarepaguá, onde Medina fincou, em 1985, as bases de seu primeiro Rock in Rio. O evento abriu as portas do país para os grandes festivais internacionais de música, ao trazer artistas do porte de Queen, Rod Stewart, Yes e AC/ DC. Mas, para o seu criador, significou um tombo financeiro. Quando ainda tentava se recuperar da bancarrota, nosso protagonista foi sequestrado, em 1990. Levado para um cativeiro, ali permaneceu por intermináveis 16 dias, torturado e ameaçado de morte. Sabe-se que sua família pagou US$ 2,5 milhões pelo resgate. O sequestro foi marcado por lances kafkianos, que nem mesmo Vince Gilligan, o inventivo criador da série de televisão Breaking Bad, conseguiria reproduzir. Não por acaso, a vida de Medina vai virar filme, numa coprodução Estados Unidos-Portugal. O Rock in Rio, nascido com uma estrutura quase mambembe, é hoje uma das maiores franquias de entretenimento do mundo. O festival se descolou da cidade que o batiza. Das 16 edições, seis ocorreram no Brasil, seis em Lisboa (Portugal), três em Madri (Espanha) e uma em Las Vegas (Estados Unidos). Foram mais de 8 milhões de espectadores, em dois continentes. No seu furor expansionista, Medina sonha em levar o evento para a China. Não será difícil convencer os asiáticos do quão forte e rentável é o seu produto. Na sexta edição brasileira, realizada no ano passado, 643 itens foram licenciados com a marca do festival, divididos em 76 categorias. A lista inclui o antisséptico bucal com o símbolo do Rock in Rio e até mesmo um suvenir inusitado: um recipiente com a lama da primeira edição do festival. Preço: R$ 185. O sucesso não livrou Medina dos aborrecimentos de sempre. A Artplan, sua agência de publicidade, que no ano que vem completa 50 anos, é

também idealizadora da árvore de Natal da Lagoa Rodrigues de Freitas, a maior do mundo, um dos pontos turísticos mais visitados do Rio de Janeiro. Todo fim de ano, Medina é criticado por órgãos ambientais. O motivo: as lâmpadas da imensa árvore de 85 metros, segundo as ONGs, estressam os mosquitos que a rodeiam. Medina gosta de citar a famosa frase de Tom Jobim (“Sucesso no Brasil é ofensa pessoal”) para mostrar o seu descontentamento com uma mentalidade que não poupa quem é bem-sucedido, nem quem tenta ser. O publicitário é um raro defensor de Eike Batista, de quem foi sócio. “Ele errou, mas tinha uma vontade genuína de transformar o Rio”, diz. “O que estão fazendo com o Eike é um exagero, algo totalmente desproporcional.” Tom Jobim é outra admiração de Medina. Mas os dois se estranharam um pouco antes do histórico show de Sinatra no Maracanã, promovido pela Artplan há 35 anos. Segundo um texto do jornalista João Luiz de Albuquerque para a MIT Revista, Medina se recusou a pagar cachê para que o autor de “Águas de Março” subisse ao palco e participasse do espetáculo, diante de 175 mil pessoas, o maior público da história do cantor americano. Medina não só confirmou o ocorrido, como narrou a reação de Sinatra, que teria ficado inconformado com o pedido de cachê de Tom Jobim. O show de Sinatra no Maracanã, realizado em 26 de janeiro de 1980, tornou Roberto Medina um nome nacional. Até então, ele era celebrado apenas no mundo da publicidade. Pudera. Entrou na agência Artplan, como empregado. Era assistente de gerente de contas. Ainda antes dos 30 anos, tornou-se presidente e dono, ao comprar a agência de José Isaac Perez. Um dos clientes principais era a Seagram (hoje, Diageo), multinacional de bebidas, que produzia o uísque Passport a partir do malte escocês. Ousado, Medina contratou o ator britânico David Niven para um comercial. Um salto ainda maior foi bancar Sinatra para bebericar o Passport brasileiro em um anúncio de TV. Usando o pianista brasileiro Sérgio Mendes, nascido em Niterói, como ponte, Medina acertou-se com o cantor. O bom relacionamento motivou o convite para trazer A Voz para se apresentar no Maracanã. Os dias que se antecederam ao espetáculo foram de chuva intensa. Tudo levava a crer que o show não seria realizado. Mas Medina, mesmo tendo passado por muitas agruras, é um homem de sorte. Pouco antes da apresentação de Sinatra, a chuva deu uma trégua, como se reverenciasse o cantor. Voltou à carga tão logo A Voz se despediu. Medina não faz negócios com o fígado. Está preocupado com o colapso financeiro e político por que passa o país, deflagrado, segundo ele, também por culpa de um governo que considera inepto, mas que não é o único responsável

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capa pela crise. O homem do Rock in Rio critica de forma veemente o empresariado brasileiro, que se recusa a investir no país, movido muitas vezes por ressentimento, por diferenças ideológicas e de classe, ranço que Medina admite ter conservado anos a fio. O episódio do sequestro e um encontro marcante com o sociólogo e ativista Betinho o tornaram mais maleável. Roberto Medina casou-se duas vezes. Da primeira união, com Maria Alice, nasceram os filhos Rodolfo e Roberta. Ambos trabalham com o pai. Do segundo casamento, com Mariana, nasceu Raíssa, com 10 anos. Irrequieto e sempre ambicioso, Medina é fã do personagem Dom Quixote, de Cervantes. “Assim como ele, luto de todas as formas para realizar o impos-

The President: Medina, quem foi o seu pai?

Roberto Medina: Abraham Medina. Um sujeito espetacular. Um nortista que estudou só até o primário. Um cara que, sem dinheiro nenhum, cheio de dívidas, alugava carro-pipa para regar as árvores e flores do Aterro do Flamengo. Tinha paixão por esta cidade. Paixão que nem sempre foi correspondida à altura. Ele nasceu onde?

Belém do Pará. Veio ainda criança para cá, fugindo da madrasta que o maltratava. Chegou ao Rio e foi se virando. Reformava pianos e vendia rádios capelinha com uma inovação: alto-falante separado. Era um grande vendedor, um comunicador nato. Em pouco tempo já era dono da maior rede de eletrodomésticos do Rio, as lojas Rei da Voz. Foi uma das primeiras a vender geladeira, item de luxo na época. Mas o barato dele era mexer com música, com artes em geral. A minha casa parecia um backstage.

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sível”, costuma dizer. Na sua sala de estar, tem duas estátuas e seis quadros do personagem. Um deles é assinado por Salvador Dalí. O quadro lhe foi presenteado pelo líder do Queen, Freddie Mercury, já falecido. O cantor comandou um coro de 200 mil pessoas na primeira edição do Rock in Rio. Medina concedeu esta entrevista em março, no escritório de três andares da Artplan, na Barra da Tijuca. Só de perto, sentado em frente ao empresário, foi possível notar que ele usava um cordão no pescoço, no estilo hippie, com uma palheta de metal com o símbolo do Rock in Rio gravado, peça que destoava de seu figurino. “Eu sou um empresário de um festival de rock, né?”, pergunta. “Me diga aí se estou mais ‘descolado’.”

Por quê?

Ele começou patrocinando um programa dominical na Rádio Nacional. Foi pioneiro nisso também, de usar a publicidade como alavanca para os negócios. Ficou próximo dos grandes artistas da época: Francisco Alves, Orlando Silva e Sílvio Caldas, Tônia Carrero, Cacilda Becker. Esses astros da música e do teatro ensaiavam lá em casa, viviam por lá. Eu era garoto, cresci num ambiente de grande efervescência cultural. Meu pai era ligado em tudo, um visionário, sacava as mudanças culturais e comportamentais de forma muito rápida. Quando a televisão passou a tirar o espaço do rádio, ele já patrocinava um dos programas de variedades na TV, com a maior audiência da época. O Noite de Gala…

Sim, na TV Rio. Depois passou a ser exibido na TV Globo. Só tinha craque. Era dirigido pelo Geraldo Casé. O Nelson Rodrigues tinha um quadro

de crônicas. Meu pai ganhou muito dinheiro na época, fez grandes coisas. Era um homem brilhante. Só tinha o primário completo, mas conversava de igual pra igual com os caras do Banco Central, com grandes autoridades. Era apaixonado por política. Trabalhou muito na campanha do Jânio Quadros para a Presidência, em 1960. Ele gostava do Jânio?

Gostava. Mais por ele ser o candidato que representava, na época, as forças mais identificadas com o liberalismo econômico. O meu pai, um empreendedor nato, era muito preocupado com o comunismo, com essa esquerda mais agressiva, intervencionista. Tinha horror a tudo disso. Prezava a liberdade de mercado. E decidiu abraçar a candidatura do Jânio Quadros à Presidência, que era o candidato apoiado pela UDN [União Democrática Nacional]. Durante a campanha eles ficaram muitos próximos, amigos mesmo.

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O Jânio frequentava a sua casa?

Sim. Uma vez passei por um vexame. Eu tinha o costume de imitar o Jânio. Botava bigode, óculos e fazia aquela voz, aquele jeito de falar. Um dia, estava no quarto e meu pai me chamou. Quando cheguei, o Jânio estava sentado no sofá. E meu pai: “Vai, filho, pega lá os óculos e o bigode e vem imitar o Jânio”. Eu não queria imitar, fiquei morrendo de vergonha, mas o meu pai insistiu. O Jânio também. E qual foi a reação do Jânio?

Ele levou na brincadeira, tirou sarro: “Caramba, não sabia que eu era tão feio assim!” Eu não sabia onde enfiar a cara.

apoiado um candidato identificado com a UDN…

Não era, mas não admitia ser censurado, intimidado. O Noite de Gala, apesar de ser um programa de variedades, também abria espaço para falar sobre política e outras questões. Meu pai escrevia os editoriais. E, quando veio a revolução, ele passou a bater forte no Roberto Campos, ministro do Planejamento do governo Castello Branco, homem forte da economia. Como o governo reagiu?

O problema foi esse. Os militares tentaram cercear meu pai de todas as maneiras. Quase todo dia aparecia um

pediu para que eu fosse com ele até a TV Globo. Queria falar com o Walter Clark, diretor da emissora, com quem mantinha ótimas relações desde os tempos de rádio. Não queria que o seu programa saísse do ar, mas também não queria recuar. Não era um homem de engolir sapo. Estava disposto a continuar a atacar o governo e não queria correr o risco de sair do ar sem dar o troco. O Walter ligou da sala para o Roberto Marinho e eles decidiram que o Noite de Gala iria sim ao ar, mas que a Globo colocaria um aviso antes de começar o programa, explicando que não se responsabilizava pelo conteúdo do editorial.

E como o seu pai encarou a renúncia do Jânio?

Acho que já esperava. Primeiro, ficou muito aborrecido quando o Jânio condecorou o Che Guevara [em 1961, com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, a maior condecoração que o país oferece, até hoje, para um estrangeiro]. Meu pai ficou tão irritado que viajou para Brasília. Ele raramente saía do Rio. Chegou lá e deu um esporro no Jânio. Tinha intimidade pra tanto. “Pô, rapaz, como você vai condecorar um cara como o Che Guevara? Tá procurando sarna pra se coçar.” E o Jânio: “Abraham, eu faço um aceno para a esquerda, um aceno para a direita e no fim dou uma banana para os dois”. Deu no que deu. O Jânio renunciou, achando que o chamariam de volta. Ninguém chamou. E quem mais se deu mal com toda essa história, por ironia, foi meu pai. Veio o golpe e os militares acabaram com a vida dele. Por quê? Ele não era um homem de esquerda. Pelo contrário, tinha

“Os militares entraram na minha casa e quebraram tudo. Levaram o meu pai, que passou a noite sendo torturado. Nunca mais foi o mesmo” oficial para dizer que, se ele não parasse de criticar a política econômica, o programa corria sérios riscos de sair do ar. E, quanto mais o apertavam, mais ele batia no governo. Era um sujeito teimoso, brigão. Até que um dia ele recebeu uma ligação do Roberto Marinho. O Noite de Gala era o programa de maior audiência da Globo na época. O Roberto tentou convencê-lo a parar com os editoriais ofensivos ao governo. “Olha, Medina, o seu programa é a maior audiência da minha emissora, mas se você continuar com os ataques serei obrigado a tirá-lo do ar.” Meu pai ficou ainda mais furioso. O que ele fez?

Eu me lembro desse dia como se fosse hoje. Eu era um adolescente. Ele

E qual foi o conteúdo desse editorial?

Meu pai começou dizendo assim: “Hoje o meu editorial não será sobre política. Porque no Brasil não se faz mais política. O que existe no Brasil é uma ditadura militar, que não dá o mínimo espaço para o debate, para o contraditório”. Cortaram imediatamente o sinal. Aí começou a caça às bruxas. Acabaram com meu pai. O que fizeram?

Tocaram a campainha da minha casa, entraram e quebraram tudo. Levaram meu pai e meu irmão mais velho, o Rubem. Fiquei em casa sozinho com a minha mãe, apavorado. Meu pai passou a noite inteira sendo torturado. Quando chegou em casa, era outra pessoa. Havia

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capa perdido o brilho. Aquele olhar, tudo. Nunca mais foi mesmo. A retaliação terminou aí?

Não. Cassaram todas as empresas dele. Depois o proibiram de pedir empréstimo no banco. Ele viveu ainda por muitos anos, mas era um homem morto, sem o mesmo entusiasmo. Quanto esse drama familiar afetou a sua vida?

Meu pai ficou muito preocupado comigo. Eu gostava de escrever poesia. O mundo acabando, e eu escrevendo poesia. Ele achava aquilo um desastre. Dizia que eu tinha potencial, que eu era inteligente. Falava: “Poetinha, meu filho,

causa da perseguição da ditadura, que o impedia de fazer empréstimos, não havia dinheiro para pagar os funcionários. Foi um período muito difícil. Eu acho que meu pai só não sucumbiu completamente por causa do seu amor pelo Rio. E a história de regar por conta própria as árvores e flores do Aterro. Foi nessa época?

Sim. Ele fez isso durante seis meses seguidos. Achava que a prefeitura não cuidava direito do Aterro, que ele considerava o maior patrimônio do Rio. Tinha adoração por aquilo. Por muitos anos, sem que ninguém soubesse, ele gastou uma fortuna con-

“Chico Buarque marcou um show no Maracanãzinho justamente no dia de estreia do primeiro rock in rio. Mas se deu mal. ninguém foi”

alugado 600 caminhões durante os seis meses. Fui lá, com os recibos, mostrar a meu pai. Perguntar por que tinha feito aquilo num momento tão difícil para as empresas dele, cuidado de um patrimônio que era público, justamente no momento em que o Estado o perseguia. E ele: “E quem disse que o Aterro é dos milicos? O Aterro é do Rio de Janeiro. Aquilo tudo estava uma merda e eu tinha que fazer alguma coisa”. O seu sucesso como publicitário e empreendedor cultural fez de alguma forma o seu pai recuperar a alegria?

Ele nunca mais se recuperou da porrada que levou, mas é claro que ficava feliz com o sucesso do filho. O sonho de trazer o Sinatra para cantar no Brasil, por exemplo, era um sonho muito mais dele do que meu. E você trouxe o Sinatra para can-

você pode fazer mais, muito mais do que apenas escrever poesias”. Você era um bom poeta?

Não sei dizer. Sou suspeito, não? Guardou algo?

Eu tinha um livro só com essas poesias. Mas uma assistente minha roubou. Levou e nunca mais me devolveu. Por que ela fez isso?

Eu a demiti e ela, por vingança, sumiu com tudo. Tinha um valor afetivo, mas cultural nenhum. Ninguém perdeu nada. A poesia brasileira agradece. Você começou a trabalhar cedo por conta da perseguição ao seu pai?

Sim. Fui trabalhar para ajudá-lo. Fiquei na área financeira. Eu era o “Poetinha”, um desastre para fazer cálculos, planejamentos. E, além de tudo, por

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tratando caminhões pipa para regar o Aterro. Quem passava e via um monte de caminhões irrigando aquele jardim interminável [com 19 quilômetros de extensão, o Aterro do Flamengo é considerado o maior jardim urbano do mundo], pensava que eram caminhões da prefeitura. Não eram. Eram alugados pelo “maluco beleza” do meu pai. Ele fez isso no auge da crise financeira e pessoal…

Sim, acho que era uma terapia pra ele, um jeito de se mostrar útil, de fazer um bem para a cidade que amava. Só fui descobrir a história dos caminhões pipa porque fui improvisado, por ele, como diretor financeiro na empresa. Um dia recebo uma nota de um fornecedor de pipa de água. Era uma fortuna. Ele tinha

tar no Rio, em 1980...

Eu já havia montado a Artplan e era um empresário e publicitário bem-sucedido. Achei que estava na hora de homenagear o meu pai. No fundo era uma sandice trazer um astro como o Sinatra para cantar num país que, na época, não fazia parte do roteiro dos grandes shows como faz hoje. As estrelas do showbiz americano não vinham cantar aqui. Imagine o Frank Sinatra! Mas eu já era um cara teimoso, obsessivo. Fiquei semanas negociando com o Mickey Rudin [o lendário empresário de Sinatra] e consegui sair de Las Vegas com o contrato assinado. Nem foi por causa de grana. O Sinatra, vaidoso, encantou-se com a ideia de cantar para o maior público da sua carreira. E foi o

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Anúncio do Rock in Rio dos EUA, com o grupo No Doubt e a filha Roberta

que aconteceu. Mais de 175 mil pessoas foram vê-lo no Maracanã. É verdade que o Sinatra queria convidar o Tom Jobim para subir no palco e que este só não aceitou porque você se recusou a lhe pagar um cachê?

Sim, é verdade que ele me pediu uma grana para subir no palco com o Sinatra. Mas eu não podia fazer isso, pagar o Tom, sem antes falar sobre essa questão com o próprio Sinatra. Não seria ético da minha parte. O contratado da noite era o Sinatra, não o Tom. Fui falar com o Sinatra sobre isso e ele se enfureceu. Com quem?

Com o Tom! Ficou ensandecido, puto da vida. Disse um monte de

palavrões. Ele queria homenagear o Tom Jobim, cantar com ele “Garota de Ipanema” diante de 175 mil pessoas, mostrar o quanto o admirava, o quanto admirava a bossa nova como gênero musical. E o Tom vem com essa história de cachê? Não fazia sentido, era algo sem pé nem cabeça. Você vai ser convidado para subir no palco para se apresentar com o maior cantor de todos os tempos e pede uma graninha? Para mim, o Tom escorregou nessa. Eu não falei nada na época, pois tinha grande admiração pelo Tom, como tenho até hoje. Eu era criança quando vi o Tom tocar piano na sala da minha casa. Como ele foi parar lá?

Por causa do Noite de Gala. Meu pai

fazia teste com vários músicos para depois colocá-los na orquestra do programa. Assim o Tom foi tocar lá em casa. Era jovem ainda, mas um gênio já. Tanto que virou o maior nome da música brasileira. Por isso, nem eu nem o Sinatra entendemos a história do cachê. Aliás, eu me decepcionei justamente com dois dos artistas brasileiros que mais admiro: Tom Jobim e Chico Buarque. Por que a bronca com o Chico?

No primeiro Rock in Rio, ele decidiu marcar um show no ginásio do Maracanãzinho, justamente no primeiro dia de festival. Mas se deu muito mal, porque não foi ninguém. Não foi apenas uma coincidência de datas?

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capa Não. Era mais um posicionamento ideológico do Chico. A esquerda não gosta de rock, muito menos de rock internacional. Confesso que fiquei impressionado com a atitude dele. Não parece coisa do Chico, mesmo sendo ele um homem de esquerda. Sou fã dele, um dos maiores compositores deste país, mas pisou na bola. Nunca pensou em convidá-lo para cantar no Rock in Rio, já que o festival não abre só espaço para roqueiros?

Nunca tentei, pela certeza de que ele não aceitaria. Quando você trouxe o Sinatra, não era um empresário do showbiz, mas um publicitário bem-sucedido. Como virou o homem do Rock in Rio?

Por dois motivos. Primeiro, por ter perdido o encanto com a publicidade. No fundo, jamais gostei da ideia de ter que contar uma mentira para o público, de trabalhar para tentar convencê-lo de que o produto é bom, mesmo que não seja. Minha experiência com o Sinatra, apesar de exaustiva, me deu outro tipo de tesão. Era outra história. Eu estava realizando o sonho do meu pai e de muita gente. Não estava tentando convencer alguém de que tal coisa era boa. Era o que eu queria fazer. E o outro motivo?

Eu também estava desencantado com o país. Era começo dos anos 1980, nada ia para a frente, aquele marasmo. Caminhando por Ipanema com minha mulher, comecei a dizer o quanto estava descrente, que tinha vontade de me mudar para Nova York, de abrir uma

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agência por lá. Enfim, respirar novos ares, tentar novos desafios. E minha mulher: “Roberto, se é isso que você quer, tudo bem. A gente se muda com as crianças, faço o que você quiser, mas isso não é jogar a toalha muito cedo? Você não acha que pode fazer mais pelo Rio de Janeiro?” Voltamos pra casa, ela foi dormir e eu fui pra sala. Sentei na mesa e comecei a rabiscar. Passei a madrugada desenhando. Foi muito estranho. De manhã, eu tinha o projeto do Rock in Rio pronto. Você jamais tinha pensado em fazer um festival de rock no Rio?

Não. Muito estranho, né? A ideia nasceu naquela madrugada, da vontade de ficar no Rio e de fazer algo que fosse grandioso para a cidade. Algo como eu havia feito com o Sinatra, mas que tinha sido um evento esporádico. Fui correndo para a Artplan. A gente tinha na época oito turmas de criação. Falei entusiasmado da minha ideia, mas ninguém se empolgou. Saiu todo mundo da sala e ficou só um cara. Que nem era da agência, não era redator, nem nada, mas estava credenciado para fazer parte do núcleo de criação. Eu nem o conhecia direito. Ele perguntou se podia dar uma sugestão. Eu disse: “Claro! Diga lá”. O que ele disse?

Ele falou: “A ideia é boa. Mas você tem que se comunicar de uma maneira extremamente conservadora. Se você colocar isso do jeito que você está colocando, nunca terá credibilidade”. Ele me disse que eu precisava dar um tom mais empresarial ao projeto, para que os empresários se convencessem de

que um festival de rock pode ser viável comercialmente. De que associar uma marca a um público jovem pode ser algo muito lucrativo. E ele tinha razão. Eu tinha muita paixão no meu projeto, era intuição pura, mas nada era muito estruturado, com um pegada mais corporativa. Perguntei: “Você escreve comigo uma carta apresentando o projeto nesses moldes mais empresariais?” E escrevemos. O Rock in Rio começou a ser gestado ali. Quem era esse publicitário?

O Nizan Guanaes. É, você deu sorte.

Sim, ele é um gênio, ficou comigo até o fim. Com o projeto reestruturado, fomos até a Brahma, que na época estava lançando uma nova cerveja, a Malt 90, para se conectar melhor com o público jovem. Pesquisas apontavam que a Brahma passava por um envelhecimento de sua imagem. Falei que seria muito mais interessante patrocinar o Rock in Rio, o primeiro grande festival de rock do Brasil, do que investir numa campanha convencional. Saí de lá com um cheque de US$ 20 milhões. Depois consegui de outras marcas e da Rede Globo. Mas mesmo assim, com todo o sucesso, o festival deu prejuízo. Perdi US$ 8 milhões nos valores de hoje. Por quê?

O ingresso custava o equivalente a US$ 10. Lá fora, cobravam-se por um festival do mesmo porte cerca de US$ 80. O meu custo era três vezes maior, pois tudo era importado. E havia a perseguição implacável do [Leonel] Brizola [governador do Rio de Janeiro], que fez

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de tudo para que o festival não acontecesse. Tudo isso encareceu o projeto. Por que o Brizola era contra o Rock in Rio?

Fiquei anos sem saber o motivo de tanto ódio por mim. Vinte anos depois, numa convenção do PSDB, diante de 500 pessoas, o Marcelo Alencar, que era prefeito do Rio na época do primeiro Rock in Rio, e aliado de Brizola – os dois depois romperam –, disse para todo mundo ouvir que no fundo o Brizola temia que eu me tornasse uma força política no Rio, por falar bem, por me comunicar com o público jovem. Era maluquice da cabeça dele. Eu tinha um irmão político, o Rubem, que havia sido deputado federal, mas nunca senti a menor vontade de entrar para a política. Imagine se eu representava alguma ameaça ao Brizola. Mas ele ficou com essa paranoia e fez de tudo pra acabar comigo. Tudo. Até que acabou. Mesmo assim o Rock in Rio acabou acontecendo.

Mas, assim que terminou o festival, o Brizola fechou a Cidade do Rock. Acabou com o festival. Não era o que ele queria. Por ele, não teria havido Rock in Rio. Mas aí arrumaria uma briga feia com o Tancredo [Neves]. E em 1985 ninguém queria arrumar confusão com o Tancredo. Ele tinha acabado de ser eleito presidente da República [pelo Colégio Eleitoral]. Como o Tancredo entrou nessa história?

Eu estava enlouquecido. Todos os artistas contratados, os ingressos vendidos. Uma estrutura imensa, que eu nem sei

como consegui colocar de pé. E o Brizola inventando todo tipo de coisa para inviabilizar o festival. Até que ele inventou uma história de excesso de ruído, mandou um monte de carros de polícia para a Cidade do Rock e lacrou tudo. Aquilo era o fim do mundo, mas ele tinha vencido a queda de braço. Eu liguei para o Rubem, meu irmão, que ti­nha relações com o Tancredo, e fomos os dois para Brasília. Chegamos lá, ex­plicamos a situação ao Tancredo, que pegou o telefone na mesma hora e ligou direto pro Brizola. “Olha, governador, se você não abrir a Cidade do Rock, a briga não é mais com o Medina. É comigo.” O Brizola recuou?

Mais ou menos. Eu fiz o festival, mas ele queria me obrigar a assinar um do-

um depoimento de meu pai falando dos filhos, do quanto eu era parecido com ele, do quanto ele se orgulhava de mim, mas que ao mesmo tempo estava chateado pela perseguição ao meu festival. Em 1990, cinco anos depois do primeiro Rock in Rio, você viveu um novo drama, ainda pior: o sequestro. Você já espantou todos os demônios ou o assunto ainda o incomoda?

Já superei. Nos primeiros dias depois da soltura, evitei tocar no assunto. Era, aliás, uma recomendação do chefe dos sequestradores, o Maurinho Branco. Ele dizia que, se eu escapasse, não po­dia falar com ninguém da imprensa. Absolutamente nada. Se falasse, ele mataria minha família inteira. E que,

“Minha vida vai virar filme. Uma coprodução estados Unidos-Portugal. Claro que o sequestro que sofri será importante na trama” cumento me comprometendo a destruir a Cidade do Rock logo depois do Rock in Rio. Eu achei que aquilo não teria a menor importância e assinei. Pensei: “O festival vai ser um sucesso e ele não vai ter moral para destruir porra nenhuma”. O festival foi um sucesso, sim, mas no dia seguinte o Brizola mandou os tratores e passou a destruir tudo. Perdi tudo. Perdi o contrato que eu tinha com a Brahma para o festival no ano seguinte. Entrei em depressão. E o seu pai?

Também ficou muito mal. Viu se repetir o que de certa forma já haviam feito com ele. Tempos depois, recebi um vídeo que não consegui ver até o fim. Era

mesmo se ele morresse, o que de fato aconteceu, duas semanas depois do fim do sequestro, a promessa continuaria valendo, já que tinha avisado sobre esse nosso acordo a outros bandidos de sua confiança. Só fui falar abertamente so­bre o sequestro em 2001, para uma revista semanal. Achei que não corria mais perigo. Não podia ficar mais com essa história toda guardada, me atormentando. Hoje falo abertamente sobre tudo. Minha história vai virar filme e o sequestro, claro, será parte importante da trama. Quem vai dirigir?

Ainda não sei. Estamos ainda no meio do roteiro. Só sei que será uma

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capa

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1. O pai do empresário, Abraham Medina, com a cantora Connie Francis e a Miss Guanabara 1965, Vera Lúcia Couto; 2 e 3. Freddie Mercury no show histórico do primeiro Rock in Rio e a programação do evento; 4. Ao lado do craque Ronaldo, no Rock in Rio de 2001; 5. O festivo anúncio da sociedade com Eike Batista. O ano: 2012

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coprodução Estados Unidos/Portugal. Acho que nem o mais criativo dos roteiristas conseguiria inventar as histórias que aconteceram comigo durante o sequestro. Por exemplo...

Tem a história do gavião, que era o bicho de estimação do Maurinho Branco. Ele levou o bicho para o cativeiro. Durante as nossas conversas, e a gente conversava muito, ele me fez outra ameaça. Disse que, se o cativeiro fosse estourado, eu teria que levar o gavião comigo de qualquer jeito. Teria de alimentá-lo, cuidar dele até que a ave morresse. Se não fizesse isso, o Maurinho mataria o meu filho Rodolfo. O Rodolfo foi quem mais sofreu com a história do sequestro. Ficou seis meses inteiros sem dizer uma só palavra.

o bicho ao Ibama se ele assinasse uma carta dizendo que havia me obrigado a entregar a ave. Ele achou estranho e contei a ameaça do Maurinho Branco. O sujeito ficou mudo no telefone por alguns segundos e falou: “Tudo bem, esquece essa história”. Acho que ficou com medo de sobrar pra ele também. Depois disso, ninguém do Ibama ligou mais?

Ligou. Eu levei o gavião para o meu sítio. Não o queria mais em casa. Pois bem, passado um bom tempo desde a ligação do superintendente recebo uma nova ligação. Desta vez de um funcionário do Ibama em Brasília: “Seu Medina,

Outra frase do Tom Jobim. O Brasil passa por uma das maiores crises de sua história. Como sairemos dessa?

Todo dia eu ouço um empresário ou um profissional liberal reclamando do Brasil, dizendo que vai embora do país, que vai morar em Miami, em Nova York. Não acho que a solução seja abandonar o barco. Sim, o cenário é sombrio, a economia está descendo ladeira abaixo, mas essa falta de perspectiva, de esperança por parte dos empresários só torna as coisas ainda piores. O [Mário Henrique] Simonsen, de quem fui próximo, dizia que “economia é confiança”. E os empresários brasileiros ficam se

“temos um mercado interno gigantesco no brasil, que está adormecido por culpa do empresariado. O Fla-Flu ideológico atrapalha”

E você cumpriu a promessa de cuidar do gavião?

Sim! Que coisa maluca, né? Acho que o Maurinho achava que era o próprio gavião, que podia continuar vivo de certa maneira. Doideira total, meio kafkiano, né? Eu tive várias dores de cabeça por causa desse bicho. A história não terminou aí… Por quê?

Eu peguei o gavião e mandei colocar na área de serviço lá de casa. Não queria nem olhar pra ele. Seis meses depois, me liga o superintendente do Ibama no Rio de Janeiro. “Medina, eu sei que você tem um gavião na sua casa, mas não pode criá-lo em cativeiro. É contra a lei.” Eu disse que odiava o tal do gavião, que não tinha a menor vontade de ficar com ele em casa, mas que só entregaria

desculpe incomodar, mas estou aqui com o processo 5.359, aberto contra o senhor por criar um gavião em um cativeiro...” Aí expliquei a história de novo: “Olha, meu amigo, o seu chefe já me ligou. Quer levar o gavião? Leva, mas preciso de uma carta assinada por você, dizendo isso e aquilo. O menino ficou apavorado com a história da ameaça, que parecia mesmo uma maldição. Antes de desligar o telefone se comprometeu a rasgar o processo. E você e o gavião nunca mais foram incomodados…

Não. Mas o maldito gavião demorou um bocado pra morrer. Eu conto essa história para os meus amigos americanos e eles não acreditam. O Brasil não é mesmo para principiantes.

queixando o tempo todo e não investem no país. Nós temos um mercado interno gigantesco, que está adormecido por culpa do empresariado. A culpa é só da classe empresarial?

Sim, em grande parte. Esse Fla-Flu ideológico, essa eterna disputa entre es­querda e direita, atrapalha muito, sempre atrapalhou. Relembro que, quando fiz o Reage, Rio, um movimento pela paz, uma espécie de desabafo após o meu sequestro, no momento em que eu estava acuado, ameaçado pelos criminosos, chamei o Betinho [Herbert José de Sousa, sociólogo e ativista] para participar da passeata. Eu caminhava pela avenida Rio Branco, no centro do Rio, quando passou um jipe, levando o Betinho. Ele já estava bastante debilita-

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capa do [hemofílico, o sociólogo contraiu o vírus da aids em uma transfusão de sangue], mas esticou o braço em minha direção e apertou com força minha mão. O Betinho disse: “Roberto, por que a gente se relacionou tão pouco ao longo de todos esses anos? Quanto tempo perdemos, né?” Essa distância se deu por ele ser um sociólogo e eu um empresário. Não deveria ser assim. Não deve ser assim. Tenho feito a minha parte. Invisto – e muito – no país em que eu acredito. Achei que você estaria mais cético.

Não estou otimista. Só não acho que esse vitimismo alimentado pela maioria dos empresários brasileiros vai levar a alguma coisa positiva. Nem na época da ditadura militar, quando a gente se afundou numa depressão enorme, eu vi os empresários agindo de uma forma tão derrotista. E a Olimpíada de 2016? Havia uma expectativa de que os Jogos representassem para o Rio o que representaram para Barcelona em 1992, que passou a ser outra cidade após a competição. Não vamos chegar lá. Nem de longe.

Não, não vamos. Mas tem muita obra sendo feita no Rio por causa dos Jogos Olímpicos. Tem investimento no metrô, na região portuária. E não havia um grande investimento na cidade desde o governo Carlos Lacerda [1960-1965]. O Brizola acabou com o Rio, que era um produto pronto. Bastava acender as luzes e abrir a bilheteria. Quando eu tinha 16 anos, era filho de um grande empresário e subia a favela para jogar

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pingue-pongue, mesmo sendo filho de um grande empresário. Não havia nem de perto a violência de hoje. Você subia qual favela?

Não me lembro qual. Era perto do túnel velho. Eu subia numa boa. Sabia que tinha uma mesa de pingue-pongue em determinado ponto da favela e ia para lá com os amigos, como se vai à praia para jogar futebol. Aí veio o Brizola e o começo da degradação. Não foi culpa só dele, mas também de uma mentalidade brasileira que não vê com bons olhos quem é bem-sucedido. O Tom Jobim acertou em cheio: “Fazer sucesso no Brasil é ofensa pessoal”. O Eike passou um pouco por isso. O Eike Batista?

Sim. Ele errou, não há dúvida de que errou. E tinha essa história de almejar ser o empresário mais rico do mundo, que é uma coisa que não é só dele, é do empresário brasileiro de uma forma geral. Essa história de acumular dinheiro. Eu vendi antecipadamente todos os ingressos do Rock in Rio no ano passado. O festival é um sucesso absoluto. Ouvi de muitos empresários amigos: “Pô, Medina, se a procura é grande, por que você não aumenta o ingresso? Você pode ganhar muito mais dinheiro”. Eu não quero ganhar cada vez mais dinheiro. Não quero entrar na lista dos bilionários. Quero é fazer mais coisas, investir mais no Brasil. Se ganhar dinheiro fazendo o que eu acredito, já está ótimo. Isso não é retórico?

Não! Eu sou visto até como excêntrico pelos meus colegas empresários.

Se não fosse por esse meu tipo de mauricinho, você até diria que eu sou um homem de esquerda, um idealista. E não é?

Não. Eu prefiro ser chamado de roqueiro. Voltando ao Eike…

Sim, ele errou, mas ele tinha uma vontade genuína de transformar o Rio, de investir na cidade. O que estão fazendo com o Eike é um exagero. Nos Estados Unidos, quando você tem uma trajetória de sucesso, vira referência para a sociedade. Aqui é o contrário. O Eike começou a ser criticado antes de experimentar o fracasso. Quando perdeu tudo, muita gente comemorou, algo completamente desproporcional. Vocês foram sócios. Em 2012, o Eike chegou a comprar metade do Rock in Rio por R$ 120 milhões. Você desfez a sociedade. Por quê?

Ele entrou no negócio porque a minha ideia era expandir a marca Rock in Rio internacionalmente. O acordo previa investimentos de US$ 350 milhões em cinco anos. Investimentos que passaram a não ser possíveis por conta dos problemas enfrentados pelas empresas do Eike. Mas resolvemos essa questão num almoço em Nova York. Ele não ficou chateado?

Não. Pelo contrário. Ele concordou, foi muito sensato. Disse: “Ok, Medina, assunto encerrado. Vamos falar de Rio de Janeiro”. O almoço começou no início da tarde e acabou só tarde da noite. Acho uma pena o que aconteceu com ele. O Rio perdeu muito.

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Você citou a frase sobre sucesso do Tom Jobim. Você também sofreu perseguição por sem bem-sucedido?

O tempo todo! Um exemplo que não tem nada a ver comigo, mas é importante para contextualizar. Se não existisse o Cristo Redentor e algum empresário decidisse hoje investir no projeto, nada sairia do papel. Não existiria Cristo Redentor. Os ambientalistas não deixariam. Inventariam alguma desculpa. Diriam que a cabeça do Cristo pode cair numa árvore ou algo do tipo e travariam tudo. Eles queriam acabar com o projeto da árvore de Natal da Lagoa Rodrigo de Freitas idealizada pela Artplan e que é um sucesso sempre. A maior árvore de Natal do mundo, uma das maiores atrações turísticas do Rio. Por que os ambientalistas que-

Eu não quero fazer juízo de valor em cima de uma questão pessoal, mas se o Eduardo está achando que o Pedro Paulo pode representá-lo na sucessão deve ter suas razões. Eu não conheço esse ca­so com profundidade para emitir uma opinião a respeito. E o qual sua opinião sobre o governo Dilma?

Não há como não reconhecer os avanços ocorridos durante o governo Lula. Ele aumentou o salário mínimo real, criou uma nova classe média, com poder de compra. Vivemos durante um tempo numa época de prosperidade. Mas houve vários erros. O governo

encantar com a ideia como eu havia me encantado. E o Brasil, pelos motivos que já expliquei aqui, não é um país fácil. Tomei muita porrada e isso acabou de certa forma terminando com o fechamento da Cidade do Rock. Eu deveria ter me preparado mais, ter escolhido um interlocutor, alguém com trânsito na imprensa. Hoje sou extremamente cuidadoso. E continua tomando porrada?

Sim, mas estou muito mais preparado. Faço sempre um esforço para trazer os melhores artistas. Os mais populares, os que são capazes de fechar a noite de um festival, de atrair multidões. E tem sempre gente reclamando dizendo que

“o brizola acabou com o Rio de Janeiro, que era um produto pronto. Bastava acender as luzes e abrir a bilheteria”

riam acabar com a árvore na Lagoa?

Por causa dos mosquitos. Como assim?

Eles diziam que as lampadinhas da Lagoa deixam os mosquitos estressados, em depressão. Poxa, eu odeio mosquitos! Eu fui irônico, disse que a árvore era para aquilo mesmo, para matar todos os mosquitos da cidade. O que você acha da administração do prefeito Eduardo Paes?

Lula e depois o de Dilma ficaram dando subsídios ao mercado quando não precisava. É evidente que não era para conter o preço da gasolina e da energia elétrica. Mas repito: essa guerra política não vai levar o país a lugar nenhum. Os empresários têm de voltar a investir, fazer a parte deles. Você apontou erros do governo Lula e do governo Dilma. Quais foram

Ele tem feito uma boa gestão.

os seus erros como empresário?

O Paes tem encontrado dificul-

Cometi alguns, sim. É bom falar dos erros. Quando decidi fazer o Rock in Rio, fui eu mesmo fazer a assessoria de imprensa do festival. Peregrinei por todas as grandes redações de jornais e revistas, fiquei muito visível, exposto. Apanhei muito. Eu tinha uma visão um tanto ingênua: achava que as pessoas iriam se

dades para emplacar o seu sucessor, o secretário Pedro Paulo Carvalho, pelo histórico de agressões do Pedro à ex-mulher. O quanto esse passado de violência doméstica deve ser levado em conta pelo eleitor carioca?

eu trago sempre as mesmas atrações. Poxa, o público que vai assistir ao show do Metallica assistiria a 80 shows do Metallica se pudesse! Veja o caso dos [Rolling] Stones. Toda vez que eles vierem ao Brasil, os ingressos vão se esgotar. Ninguém vai dizer: “Ah, eu já vi. Não quero ver mais”. Essas pessoas vão querer ver sempre, porque são os Stones. Mas não adianta, sempre tem um chato pra reclamar. E, toda vez que eu embarco na do chato, acabo me ferrando. Aconteceu isso no Rock in Rio que fiz na Espanha. O que houve?

Eu estava fechando a contratação dos artistas. Ficava o dia inteiro no escritório de Madri. Havia um cara da minha equipe de lá, responsável por acompanhar a repercussão pela internet, que sempre

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capa comentava, brincando: “Pô, Seu Medina, o pessoal aqui realmente não gosta muito do senhor”. Eu quis saber o razão. E ele: “O senhor traz sempre a Shakira. Precisa mudar. Traz o Race Against the Machine. É um grande grupo, muito pedido pelo pessoal daqui”. Devia ser a banda favorita dele. Acabei acertando a contratação desse grupo. No dia seguinte, voltei ao escritório e ouvi do mesmo cara. “Ah, agora sim. O senhor virou Deus aqui”. Sabe o que aconteceu? O show do Race Against the Machine foi um fiasco. A noite mais vazia da história do Rock in Rio. A gente vai aprendendo. Agora, na dúvida, contrato a Shakira.

muitos anos. Outro dia, fui até o quarto da minha filha, ela estava dormindo, fechar a persiana. Olhei pela janela e vi o Empire State Building todo iluminado. Daquele ângulo, Nova York é linda. Se você pensar nela como um todo, porém, é uma grande merda. Basta pensar na poluição visual. Mas a cidade tem uma energia, as pessoas na rua, aquela efervescência que faz Nova York ser o que é. Já morei em Los Angeles. Não é a mesma coisa. Nem de longe. Quando quero fugir, energizar, ter espaço para criar, vou para Mauá ou para Nova York. E seus restaurantes preferidos?

Sou um carnívoro. Uma das coisas

“O show do race against the machine foi a noite mais vazia do rock in rio. agora, na dúvida, contrato a shakira” Você tem vontade de criar algo diferente?

Sim. Um festival para crianças e adolescentes, de 8 a 15 anos. Já estou trabalhando nisso. Só estou esperando o Brasil dar uma recuperada para colocar o projeto em prática. Qual é o seu principal hobby?

Gosto de caminhar. Minhas melhores ideias eu tive caminhando, olhando a praia, o mar. Amo também viajar. Adoro montanha e cachoeira. Entrar em cachoeira me deixa com muita energia. Vou muito para Visconde de Mauá. Tem casa lá?

Não. Fico numa pousada com minha mulher. Casa dá muito trabalho. Outra cidade pela qual sou apaixonado é Nova York. Tenho um apartamento lá há

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boas da vida é almoçar no Pobre Juan e comer carré de cordeiro acompanhado de palmito pupunha assado. Afinal, quem é Roberto Medina?

Sou um cara que acredita no Brasil. Não é uma bravata. E tenho obrigação de seguir o exemplo de meu pai, que não ficou posando de vítima, mesmo sendo destroçado por um regime ditatorial, que o impediu de fazer as coisas. E quero fazer as coisas acontecerem, muito pensando nele e na minha cidade. É algo que me angustia até. Veja o caso do Rock in Rio. Eu já fiz 16 edições. Cheguei a um grau de excelência em que fazer o Rock in Rio não me causa mais aquela “coceira”. Preciso fazer algo que me tire da zona de conforto, que me entusiasme como em 1985. Sou um angustiado. E adoro sentir essa angústia. P

Entre os novos planos, um festival para crianças e adolescentes, de 8 a 15 anos

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Mercearia SRoqueindd 70

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relógios hotéis zed nesti suíça rolling stones

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zed nesti

Pra inglês (e pra brasileiro) ver

E

le ficou conhecido quando retra-

O fato é que Zed, pintor que honra

tou seus contatos de rede social

essa ocupação milenar e não teme en-

em desenhos a carvão na série

frentar a tinta a óleo (bem mais difícil de

The Book of Faces of Facebook (2010).

domar do que a onipresente e palatável

Agora, na exposição Pra Inglês Ver – Just

acrílica), brinca com estereótipos que

for Show, Zed Nesti dá nova interpreta-

os gringos têm do Patropi. Ou, diria

ção a símbolos tipicamente brasileiros.

novamente a crítica, “tece um comen-

No dizer da crítica, “cria uma tensão

tário sobre o papel da sociedade de

entre imagens que ligam a história ao

consumo e da mídia contemporânea”.

mundo atual”. Whatever.

Whatever again.

Zed Nesti (no alto), carioca radicado em São Paulo, não teme nem a tinta a óleo nem o kitsch em um trabalho que reinventa signos brasileiros

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Geisel (60 x 50 cm)

A capa do primeiro LP dos Secos & Molhados, revisitada em óleo sobre tela

Carioca radicado em São Paulo, Zed

nos recolhemos ao silêncio. Nos limitamos a

é um pesquisador à antiga. Um artista

dizer: estamos frente a um artista de imen-

em evolução. Com paciência de hortelão

so talento e inegável senso crítico. O que,

beneditino, sabe que a produção de seu

convenhamos, não é pouco – nestes dias de

jardim depende do adubo diuturno para

espuma de sobra e sabão de menos.

o espírito. Ora et labora, diriam os de São

Para os investidores, Zed é a chamada

Bento. Dedication, devotion, cantarolaria o

pule de dez. Aquele cavalo bem superior

Dire Straits. Daí estudar a sério óleos, resi-

aos demais, cuja vitória é tida como certa.

nas, pigmentos, ceras, solventes, nigredos,

Pode apostar. Vale hoje. E deve valer bem

albedos, citrinitas e rubedos. Materiais que

mais no futuro. (Demetrio Polibio)

Zed utiliza em seu trabalho de alquimista de imagens. Aliás, alguém já disse que “suas

Pra Inglês Ver – Just for Show

imagens misturam o realismo a espirros de

Exposição de 26 pinturas a óleo de Zed

tinta e marcas de dedos”. WTF?

Nesti – Bolsa de Arte – R. Mourato Coe-

Na falta de um Mario Pedrosa (Mar Rio

lho, 790, Pinheiros, São Paulo, SP

Pedra Rosa, que saudade, compagno!) capaz

De segunda a sexta, das 10 às 19h. Sába-

de analisar em português decente e de

dos, das 11 às 17h – Até 7 de maio de 2016

maneira cristalina a produção de Zed Nesti,

saopaulo@bolsadearte.com.br

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taschen

Let it rock

O

livro tem o nome mais

de fotógrafos renomados retratando a

Richards, Charlie Watts e Ron Wood.

simples possível: The Rolling

banda britânica – por exemplo: David

Coisa fina. Sai por US$ 5 mil. Dessa leva,

Stones. E basta. De simples,

Bailey, Michael Cooper, Cecil Bearon

há 75 exemplares especiais. Eles vêm

não tem nada. A capa desta obra ba-

e Annie Leibovitz. Há também uma

acompanhados de uma foto primorosa-

seada, sobretudo, em imagens antecede

coletânea de ilustrações de primeira e

mente ampliada e assinada por seis gran-

o valor do conteúdo: uma foto inédita,

até um prefácio da lavra de Bill Clinton,

des fotógrafos. Pode ser, por exemplo,

de Gered Mankowitz, tirada na mesma

exaltado fã dos Stones.

aquela feita por David Bailey para a capa

sessão da capa do álbum Between the

Impressa pela minuciosa Taschen, a

do álbum Goats Head Soup, de 1973. O

Buttons, de 1967. Ao longo das 522

publicação tem tiragem de apenas 1.150

preço? US$ 20 mil. It´s only rock’n´roll... but

páginas, em formato 53 cm x 33 cm, o

exemplares, numerados. Cada um deles

is not cheap. (Walterson Sardenberg So)

que se vê é não apenas um greatest hits

é autografado por Mick Jagger, Keith

taschen.com

O livro vem dentro de uma caixa. Cada exemplar é assinado por Jagger, Richards, Watts e Wood

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Longines

O relógio do grande Prêmio

O

Grande Prêmio Longines

revela o movimento de corda auto-

e práticos, a Longines ocupa um lugar

Latinoamericano é a mais

mática. A coleção acompanha seus

importante na pirâmide de marcas

importante prova interna-

fãs nas melhores ocasiões: reuniões,

do Swatch Group, junto de Omega e

cional do hipismo no continente. O

eventos esportivos e festas. Versáteis,

Rado. Se notabiliza mais por cronógra-

evento, realizado no início de março

os modelos podem ser encontrados

fos e calendários do que por grandes

no Hipódromo da Gávea, Rio de Janei-

em cinco opções de tamanho. Tam-

complicações. E pelo savoir-faire.

ro, foi chamado por um jornal carioca

bém varia o material das caixas. Ela

Afinal, mais de 180 anos de existência

de a “Libertadores do Turfe”. Claro

vai do aço ao ouro rosa. Em comum,

endossam seu logotipo: uma ampulhe-

que o relógio oficial da prova foi um

os Master Collection são resistentes

ta alada, indicando que o tempo voa...

Longines. Aliás, o Master Collection.

à água e vêm com pulseiras de couro

O símbolo, diga-se, é o mais antigo

A peça tem mostrador prateado e

com fecho dobrável.

dentre os logotipos de fábricas de

indicações de fases da Lua. Com fundo transparente, a caixa de aço inoxidável

Fundada em 1832 e com um extenso track record de modelos elegantes

relógios. (Marcello Borges) longines.com

Master Collection: versatilidade

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air france

Mais espaço

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Não é exagero. Tudo ficou ainda melhor.

maior. Cada acomodação chega a

para garantir intimidade sempre, como

A classe Business da Air France para

1,96 metro.

o cofre pessoal com interior vermelho.

voos intercontinentais oferece agora

Tudo é regulado sem mistérios. Para

Os novos nécessaires são vintage. Têm o

mais conforto e mais privacidade.

os dispositivos, estão disponíveis uma

mesmo modelo do lendário Concorde.

As modernas poltronas, instaladas em

tomada e uma entrada USB individuais.

O que não mudou foi o serviço de bor-

44 aeronaves Boeing 777 da companhia,

A iluminação é ajustada de acordo com a

do. Permanece o mesmo, extremamente

garantem a sensação de privacidade. As-

vontade do passageiro: modo de leitura,

atencioso e eficiente. A companhia fran-

sim, o viajante pode trabalhar, bebericar,

de teto, de fundo. O viajante tem ainda

cesa continua prestigiando os melhores

fazer as refeições e assistir a filmes na

descanso para os pés, apoios para os

tintos e brancos nacionais. Além disso,

tela de 16 polegadas com mais espaço. A

braços de couro e pespontos nas bordas

convida periodicamente os maiores

forma de casulo dos assentos se adapta

do apoio de cabeça. Os travesseiros,

nomes de sua gastronomia para recriar

bem ao corpo de cada pessoa, esteja

grandes e confortáveis, e os edre-

o menu de bordo. Criado por chefs com

sentada ou deitada. Mas é na posição

dons macios proporcionam uma noite

estrelas no Michelin, évidemment.

cama que esse conforto se revela ainda

tranquila. Cada detalhe foi previsto

(Juliana Amato) airfrance.com.br

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Volta ao Mundo de Trem

Pelos trilhos de três continentes

O

nome pode parecer um tan-

Canadá e Estados Unidos. Em várias,

Vancouver, no oeste do Canadá. É a

to exagerado: Volta ao Mun-

participa de programas variados. Alta

vez do célebre trem Rocky Montaineer,

do de Trem. Não é. Trata-se

gastronomia, por exemplo. É o caso da

com seu vagão panorâmico. Haverá

de um roteiro extenso e único, que

refeição em Paris no Torre Montparnas-

uma parada no charmosíssimo Fairmont

atravessa três continentes inteiros (Eu-

se, com panorâmica vista da Cidade Luz.

Chateau Lake Louise, hotel às margens

ropa, Ásia e América do Norte) em um

Ou do jantar de encerramento no Loeb

do lago Louise, no Parque Nacional de

dos mais românticos meios de trans-

Boathouse, de Nova York.

Banff. Nesse ponto, começa a viagem

porte: os trens. O programa oferecido

Uma das diversões é a diversidade

no The Canadian, da VIA Rail, o trem

pela TT Operadora Lufthansa City

dos trens. Há desde um futurista TGV,

que cruza o Canadá. O trecho derra-

Center, companhia especializada em

que trafega a 320 km/h, até trens histó-

deiro da Volta ao Mundo de Trem liga

roteiros ferroviários ultraexclusivos, sai

ricos, percorrendo caminhos construí-

Toronto a Nova York. Um grand finale.

da estação em 24 de agosto.

dos no final do século 19. Ao expresso

São 35 dias de um roteiro que

Pablo Bernhard, CEO da TT

que liga Paris a Moscou, segue-se o

Operadora, adianta: “A viagem será

Phileas Fogg, o protagonista do romance

trecho mais longo, de 13 dias, na len-

uma experiência exclusiva, com belezas

Volta ao Mundo em 80 Dias, de Júlio Ver-

dária ferrovia Transiberiana. Atraves-

naturais ainda intocadas, um forte

ne, aprovaria entusiasmado. O visitante

sam-se mais de 9 mil quilômetros entre

apelo cultural e tom exótico”. Quanto

viaja em sete comboios diferentes, com

Moscou e Vladivostok.

custa? Os pacotes chegam a 42,9 mil

estratégicas paradas em 15 cidades de

Dali, o felizardo cruza o Pacífico

quatro países: Portugal, França, Rússia,

de primeira classe pela Korean Air até

euros por pessoa. (Mario Ciccone) voltaaomundodetrem.com.br

Uma das emoções é atravessar as Rochosas canadenses

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HOTEL MÉTROPOLE

Très classique

S

ólido como as rochas que marcam

terraço privativo de 110 metros quadra-

a paisagem local, ele está lá, firme

dos, dali se tem uma vista panorâmica. À

e forte, desde 1886. A diferença

noite, parece que a qualquer momento

é que, em vez de se desgastar, ele só

Mary Poppins ou Wendy, Peter Pan e os

fez melhorar com o tempo. Principal-

Garotos Perdidos vão aparecer sobre

mente depois da monumental reforma

os telhados das águas-furtadas, voando

que sofreu em 2004. Assim é o hotel

como em um sonho.

Métropole, em Montecarlo. A casa se destaca por oferecer conforto e serviço

o melhor estabelecimento da Europa

clássicos, na melhor tradição hoteleira

pela The Leading Hotels of the World.

europeia, somados às amenidades que a

E certamente merece a honraria. Além

vida contemporânea exige.

do serviço eficiente, atencioso e multilín-

São 141 apartamentos e suítes num

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O Métropole já foi eleito, em 2007,

gue, a gastronomia é um ponto forte. A

belíssimo edifício em estilo neoclássico,

começar pelo restaurante Joël Robuchon

situado no coração do principado de Mô-

Monte-Carlo. Esse celebrado 2 estrelas

naco. Mesmo que você não se hospede

do guia Michelin serve uma culinária criati-

nela, informe-se sobre a possibilidade

va, contemporânea, inspirada obviamente

de visitar a suíte Carré d’Or. Com um

pelo Mediterrâneo a poucos passos

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Em Mônaco, o neoclássico reina absoluto. À direita, o terraço da suíte Carré d’Or

dali. O chef Christophe Cussac reina

E aqui abrimos parênteses para o

em uma cozinha literalmente aberta aos

estúdio de Bastien Gonzalez, o célebre

olhos, ao olfato e aos ouvidos. E a grelha

Pédi:Mani:Cure. Conhecido como “o

teppan-yaki e o balcão só fazem aquecer

homem que dá asas a seus pés”, Bastien

a atmosfera de salutar convivialidade.

começou a esquiar ainda criança. Durante

Muito bom.

uma competição, acidentou-se gravemen-

Ali funciona ainda a primeira casa

te. Resultado: nos seis meses de fisiote-

japonesa de Robuchon, o Yoshi. No

rapia, conheceu um podologista e definiu

comando está o chef Takéo Yamazaki – e

seu futuro. Mudou-se para Paris, estudou

as refeições são servidas em torno de um

firme e, ao se graduar, abriu consultório

sushi bar e do teppan. Exemplo perfeito e

na place des Voges. Ao mesmo tempo,

acabado de uma convivência harmoniosa.

passou a atender os grandes hotéis da

Ainda no que diz respeito aos

região. Sua fama se espalhou. Em pouco

prazeres da carne, vale uma menção ao

tempo, sua agenda se estendia de Lon-

luxuoso spa. Área dedicada à beleza, ao

dres a Nova York, de Paris a Cingapura,

relax e à forma física, ele ocupa todo o

graças a uma clientela conquistada pelo

amplo anexo do hotel, com diversas salas.

profissionalismo, bom humor e savoir-fai-

Abriga ainda um fitness studio de 85 me-

re. Marque uma hora com o simpático e

tros quadrados e uma sala de relaxamen-

competente Christophe Champs, o boss

to, complementados do lado de fora pela

do estúdio. Você vai sair de lá pisando nas

deliciosa piscina aquecida de água do mar,

nuvens. (Fernando Paiva)

em meio a um oásis de tamareiras.

metropole.com

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viagem

Quatro vezes suíça aqui está o melhor de zurique, lucerna, basileia e genebra

Zurique Para quem gosta de viver bem

Z

urique é conhecida como

de 50 museus. Sempre fez. Por exemplo: a

ambiente animado se alonga no decorrer

centro financeiro e valorizada

maior das cidades suíças – com quase 380

do ano na vida noturna mais fervilhante

pela localização. Pode ser uma

mil moradores – está festejando, com inten-

do país, em casas como a Mascotte, sem

boa fama, mas, dito assim, cerca a cidade

sa programação, os 100 anos do irreverente

hora para fechar as portas.

de uma sisudez que nada tem a ver com

movimento artístico Dada. Tudo começou

a realidade. Muito além de seu poderio

em 1916 no Cabaret Voltaire. Os dadaístas,

cidade dotada de hotéis românticos,

econômico, Zurique foi feita para se

entre eles Tristan Tzara e Hugo Ball, também

como o Baur ao Lac (vencedor do Tra-

caminhar por suas adoráveis ruas, praças

se encontravam no Café Odeon, onde mui-

veller’s Choice 2016) e o Dolder Grand,

e parques, a qualquer hora e sempre

tas vezes esbarravam em Einstein e Lênin.

de 1899. Este último está situado nas co-

em total segurança. Tanto é assim que

Ambas as casas estão preservadíssimas.

linas de Zurique. E, no coração da cidade,

ela está sempre presente nas listas das

Como quase tudo na Suíça.

fica uma das mais movimentadas estações

melhores cidades para se viver. Zurique

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Outra fama injusta é a de cidade fria.

Não há, enfim, qualquer frieza nessa

ferroviárias da Europa. Bem mais do que

prefere ser avaliada pela medida do

No verão, os moradores banham-se no

homens de negócio, ela recebe visitantes

humano – e não a do dinheiro.

limpíssimo lago Zurique, mesmo nos

curiosos em saber como se vive em um

Nesse sentido, a vida cultural também

dias úteis. O clima é de festa contínua,

dos melhores lugares para se viver. (MB)

faz toda a diferença nesse centro com mais

com inúmeros festivais de música. Esse

www.zuerich.com

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Lucerna A síntese de um país

L

ucerna é pequena. Tem só 80 mil

barrocas etc. O conjunto termina, triunfal,

habitantes. Nesse espaço redu-

pouco mais além, no futurista Centro

zido, porém, cabe o que a Suíça

Cultural e de Convenções de Lucerna,

da Suíça, a linda Lucerna tem hotéis de

desenhado pelo renomado Jean Nouvel.

alto padrão e vista para o lago – anote

oferece de melhor, embora, à primeira vista, pareça só uma pacata cidade do

Klee é de 125 quadros. Para completar a síntese do melhor

A cidade também conta com um

dois nomes: Palace Luzern e o Schwei-

interior no centro do país, em que as bi-

adorável rio, o cristalino Reuss, que

zerhof. E mais: está cercada de monta-

cicletas substituem os carros, as crianças

corta um centro histórico ainda mais

nhas bem estruturadas para aproveitar

brincam em liberdade em meio às lojas

adorável. Fazendo jus à Suíça, país com

o inverno. Entenda-se por isso estações

centenárias e as pessoas costumam se

mais de 1.500 lagos, Lucerna tem o

de esqui, com paisagem de embalagem

cumprimentar – nem que seja só com

seu. Chama-se Vierwaldstättersee, ou

de lápis de cor, onde se servem cozinha

um leve e simpático menear da cabeça.

simplesmente lago Lucerna. É limpíssi-

contemporânea, tradicionais receitas

Mas basta olhar os prédios com

mo e resulta das águas do Reuss, que,

alemãs e dois pratos que podem parecer

atenção, um a um, para constatar: aqui

nesse ponto, se tornam plácidas. Muito

franceses, mas são essencialmente

cintila um resumo da história da arqui-

próximos estão os museus, incluindo a

suíços: a fondue e a raclette. O melhor da

tetura, com construções da Baixa Idade

Coleção Rosengart, especializada em

Suíça, enfim, está mesmo por inteiro em

Média, românicas, góticas, renascentistas,

arte do século 20. Seu acervo de Paul

Lucerna. (MB) www.luzern.com

Zurique (à esquerda) e Lucerna: percorra a pé

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Basileia Arte às margens do Reno

S

e você incluir nas contas os tempos

outros, de Renzo Piano ou do escritório

eventos desse porte. Daí que acolhe

de povoado romano, a cidade da Ba-

local Herzog & de Meuron.

também uma das principais feiras da

sileia tem mais de 2 mil anos. É fácil

relojoaria do mundo, a Baselworld. Entre

entender por que foi erguida nesse ponto.

conta com o mais antigo museu de arte

outros motivos para esse sucesso está a

Simples: aqui o rio Reno, que a atravessa

público do planeta, o Kunstmuseum Basel.

ótima hotelaria, que não para de crescer.

com toda a graça, sempre foi navegável.

Não à toa, a cidade sedia um dos mais fa-

Por exemplo: este ano foram inaugura-

Ainda hoje, a linda Basileia – ou Basel, em

mosos eventos artísticos do mundo, o Art

dos o Motel One local, assim como uma

alemão – é o único porto do país. Um

Basel, iniciado em 1970. A edição deste

unidade do Hotel Nomad. Outro motivo

lugar muito importante, portanto, para o

ano ocorrerá em junho e reunirá exposi-

são os seus formidáveis bares, como o Bar

comércio. E também charmosíssimo.

ções de 286 galerias de 33 países, incluindo

Rouge, no topo de um edifício, a

o Brasil. Dos nossos cinco participantes, o

105 metros de altura.

Um dos seus atrativos é a contra-

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Esse pendor não é de hoje. A Basileia

posição arquitetônica. De um lado, a

destaque fica para a galeria paulista Berga-

Cidade Velha, a Altstadt, com construções

min & Gomide, que trará uma mostra da

privilegiada. Basileia está encravada na

medievais nas ruelas íngremes. Do outro,

artista suíço-brasileira Mira Schendel.

tríplice fronteira entre Suíça, Alemanha e

É preciso lembrar, ainda, a localização

o centro moderno, onde despontam edi-

Embora com apenas 200 mil habi-

França. Dá para fincar os pés em três paí-

fícios arrojados com as assinaturas, entre

tantes, a Basileia é um lugar perfeito para

ses num único só dia. (MB) j.mp/brasil_bt

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O Bar Rouge, na Basileia, e o Lago Léman, em Genebra

Genebra A capital mundial da paz – e dos relógios

D

os 26 cantões (o equivalente aos

extensão. A emoldurá-lo, ao fundo, alguns

E é o que ocorre. Genebra e seus

nossos estados federativos) da

dos mais altos picos alpinos, incluindo o

arredores contam com nada menos

Suíça, apenas dois se expressam

Montblanc.

que 14 hotéis cinco estrelas e com dez

exclusivamente em francês: Genebra e

Genebra é, antes de tudo, o lago – dos

restaurantes com estrelas Michelin. Sem

Vaud. A cidade de Genebra, capital do

banhistas, dos barzinhos ao ar livre, dos

esquecer dos 30 mestres chocolateiros

cantão do mesmo nome, por sinal, é um

pequenos veleiros e dos cisnes. A ele se

artesanais. Compreende-se. O chocolate

dos lugares em que a influência gaulesa se

dedica um festival de verão com muitas

é um dos chamarizes de Genebra. Assim

revela mais notória. Ao flanar pela urbe de

atrações – que este ano de estenderá de

como a alta relojoaria. O centro da ci-

200 mil moradores, o visitante remete-se

4 a 14 de agosto. Mas a cidade é também

dade, em torno da rue du Rhône, cintila

à Paris do final do século 19. Os elegantes

a capital mundial da paz, com mais de 200

com lojas da Patek Philippe, Audemars

prédios de sete andares se sucedem, como

organismos internacionais – sede da Cruz

Piguet, Cartier e Vacheron Constantin,

se refletissem a Cidade Luz. No lugar do

Vermelha, da Organização Mundial da Saú-

para ficar em quatro grifes desse centro

rio Sena, todavia, há algo ainda mais gran-

de e sede europeia da ONU, entre outros.

urbano tão chique que os relógios de

dioso: o lago Léman, o maior da Europa Ocidental, com 72, 9 quilômetros de

Um lugar tão cosmopolita precisa, claro, de hotéis e restaurantes à altura.

rua são da marca Rolex. Simplesmente. (MB) www.geneve.com/pt

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Audemars Piguet

calendário perpétuo

A

principal linha da Audemars

fase da Lua, e às 9 horas, o dia da sema-

Piguet é a Royal Oak, e por isso

na. Finalmente, um ponteiro central em

nada mais justo do que apre-

forma de flecha aponta para a semana do

sentar o Royal Oak Perpetual Calendar

ano (1 a 52) num aro interno. O verso

lançado neste ano. Com caixa de ouro

da caixa é dotado de visor de cristal de

amarelo de 41 mm de diâmetro, reúne

safira, possibilitando observar o movi-

as indicações do calendário perpétuo

mento 5134 de corda automática, com

sobre um mostrador azul com o padrão

corda mínima para 40 horas. O bracelete

consagrado pela marca, o “Grande Tapis-

de ouro amarelo é o tradicional dessa

serie”. Às 12 horas, vê-se o mês e o ano

coleção, com fecho dobrável. (MB)

bissexto; às 3 horas, a data; às 6 horas, a

audemarspiguet.com

Baume & Mercier

shelby cobra

O

s fãs de automobilismo sabem muito bem quem foi Carroll Shelby, criador do Mustang Shelby e do Cobra. A Baume & Mercier

formou uma parceria com esse ícone no ano passado, e, passados 12 meses, o resultado foi o cronógrafo Capeland Shelby Cobra 1963. Nele, diversos elementos remetem às pistas, como o número 15 do 289 Roadster que venceu as 12 horas de Sebring, gravado no verso do relógio, ou a cobra que aparece na extremidade menor do ponteiro dos segundos. O mostrador preto traz os contadores do cronógrafo na cor branca facilitando a visualização da cronometragem; uma janela às 4h30 informa a data. Seu movimento é o Valjoux 7753, e o tom esportivo fica ainda mais evidente com o forro amarelo da pulseira de couro de jacaré. A tiragem é limitada a 1.963 peças. (MB) baume-et-mercier.com/pt

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Cartier

caixa de paládio

C

om pegada contemporânea, o Clé de Cartier

o Calibre 9621 MC automático, com rotor de ouro de 22

Automatic Skeleton tem mostrador vazado, com

quilates. A reserva mínima de corda desse movimento é

os algarismos XII, III, VI e IX recortados nele,

de 48 horas; e a frequência, de 28.800 alternâncias/hora.

permitindo a observação do mecanismo. Seu nome reme-

Curiosidade: trata-se do primeiro movimento automático

te à coroa de corda na forma de chave (clé, em francês),

esqueletizado produzido pela manufatura, e o verso da

encaixada num mecanismo que automaticamente recolhe

caixa tem visor para observação do mecanismo. A pulsei-

a coroa após o uso. A caixa é de paládio, com 41 mm de

ra é de couro de crocodilo com fecho ajustável de ouro

diâmetro, e o mecanismo adotado para esse modelo foi

branco. (MB) cartier.com.br

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IWC

top gun

O

Big Pilot’s Watch Top Gun pertence a uma linha já consagrada da IWC, com desenho que lembra os instrumentos da cabine de aviões de combate. A caixa de

cerâmica preta fosca tem 46 mm de diâmetro e 15 mm de altura, resistente a até 60 metros de profundidade. Um processo especial impede que o visor de cristal de safira saia caso haja a despressurização da cabine. O mostrador, também preto fosco, tem boa legibilidade com numerais e ponteiros brancos e data na posição 6 horas; um submostrador às 3 horas indica a reserva de corda, que é de até sete dias. Seu mecanismo é o Calibre 51111 automático, com um sistema patenteado que garante reserva de corda plena com um número menor de revoluções do rotor. A pulseira preta de couro tem desenho que lembra o nylon, com fecho dobrável. (MB) iwc.com

Jaeger-LeCoultre

Reverso, 85 anos

C

omo não falar do Reverso, ainda mais neste ano, quando se celebram 85 anos da criação deste relógio dupla-face? O Reverso Tribute Calendar é um exemplo

da criatividade da Jaeger-LeCoultre: de um lado, num mostrador branco, o horário de referência, com indicação de fase da Lua com acabamento martelado e data (às 6 horas), mês e dia da semana (às 12 horas); do outro, num mostrador antracite com acabamento guilloché clous de Paris, um segundo fuso horário com indicação dia/noite. O mecanismo é o Calibre 853 de corda manual, com corda para até 45 horas e frequência de 21.600 alternâncias por hora. A caixa de ouro rosa tem 49,4 mm x 29,9 mm, com 12,06 mm de espessura. A pulseira marrom de couro de crocodilo tem fecho dobrável de ouro rosa. (MB) jaeger-lecoultre.com

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Panerai

Tradição precisa

O

Radiomir 1940 3 Days GMT Power Reserve Automatic Acciaio tem caixa de aço de 45 mm de diâmetro, resistente a até 100 metros. O

mostrador preto com padrão listado (apelidado de “tuxedo”) traz as indicações de data às 3 horas, de reserva de corda às 4h30 e de segundos e 24 horas às 9 horas. Além disso, um ponteiro central indica as horas de um segundo fuso horário. Para melhor legibilidade, ponteiros, numerais e índices são dotados de material luminescente. O mecanismo é automático – Calibre P.4002 – com reserva de corda para até 72 horas, graças a dois tambores de corda ligados em série e frequência de 28.800 alternâncias por hora. Quando a coroa é puxada, os segundos param, permitindo um acerto preciso. A pulseira é de couro cru com pespontos brancos, com fivela de aço. (MB) panerai.com

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montblanc

dia a dia

M

uitos gostam da ideia de ter um relógio que forneça todas as indicações de

calendário. Gente assim por vezes se esquece do dia da semana ou se o mês já virou. Nessas horas, um modelo como o Heritage Chronométrie Chronograph Quantième Annuel é bem útil. Com caixa de ouro vermelho de 42 mm de diâmetro, ele exibe as funções de calendário com clareza, aliadas ao cronógrafo. Às 12 horas, data e segundos do relógio; às 3 horas, fase da Lua; às 6 horas, dia da semana e horas do cronógrafo; às 9 horas, mês e minutos do cronógrafo. O movimento é o Calibre MB 25.09 de corda automática, com corda para até 42 horas e frequência de 28.800 alternâncias/hora. A pulseira preta de couro de jacaré é produzida na Peleteria Montblanc em Florença, com fecho de ouro vermelho. (MB) montblanc.com/pt-br/home

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Piaget

brilhante

S

empre em busca da redução da espessura de seus modelos como parte da identidade

da maison, a Piaget lançou o mais fino relógio de alta joalheria do mundo, o Altiplano 38MM 900D. Para realizar essa façanha, foi preciso aliar movimento e caixa como uma só coisa, resultando um relógio de 5,6 mm de espessura. A caixa de ouro branco

de 38 mm de diâmetro traz 38 diamantes baguete totalizando 1,36 quilate e 266 brilhantes totalizando 1,86 quilate; no mostrador, 33 baguetes (com 1,34 quilate) em torno do mostrador horário. Na metade inferior do mostrador, é possível ver algumas engrenagens do movimento, o Calibre 900D, com 48 horas de reserva de corda e frequência de 21.600 alternâncias/hora. Sua pulseira é de couro de crocodilo, com fecho dobrável e 23 brilhantes (totalizando 0,05 quilate). (MB) piaget.com

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Vacheron Constantin

overseas

U

m dos designs mais conhecidos dentre as manufaturas clássicas é o da coleção

Overseas. Neste ano, a Vacheron apresentou, entre outros, o Overseas Cronógrafo com mostrador prateado ou azul. A caixa de aço de 42,5 mm de diâmetro resiste a até 150 metros de profundidade, com botões, coroa de corda e fundo do relógio aparafusados. Além disso, a caixa confere proteção eletromagnética. No mostrador, a data aparece num visor às 4h30, e índices e ponteiros são dotados de material luminescente; o totalizador de 30 minutos do cronógrafo fica às 3 horas e o de horas, às 6 horas. O mecanismo é o Calibre 5200, automático, com cerca de 52 horas de reserva de corda e 263 componentes. Este relógio vem com bracelete de aço e duas pulseiras adicionais, uma de borracha e outra de jacaré. (MB) vacheron-constantin.com

THE PRESIDENT BLACK BOOK Colaboraram neste número: Demetrio Polibio, Fernando Paiva, Juliana Amato, Marcello Borges, Mario Ciccone e Walterson Sardenberg Sº

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futebol

Por JOSÉ ROBERTO MALIA ilustração raphael alves

á se passaram três décadas, mas as imagens da 13ª Copa do Mundo continuam muito vivas. Em especial, no coração dos argentinos e na razão de ser do futebol, o maior espetáculo da terra. Os hermanos comemorarão 30 anos da conquista do bicampeonato em 29 de junho. Decerto boa parte deles, talvez a grande maioria, acredita que a maior vitória aconteceu antes de soltar o grito de campeão no México. Precisamente nas quartas de final, quando Diego Armando Maradona e sua diabólica perna esquerda destruíram a tradicional Inglaterra. El Pibe de Oro entrou em definitivo para a galeria dos gênios do futebol ao estraçalhar os ingleses com dois gols antológicos. Uma das obras-primas começou a ser construída aos 10 minutos do segundo tempo. Ele recebeu a bola ainda em seu campo e disparou na direção do gol. Correu 55 metros e deu 11 toques na gorduchinha. Os ingleses foram ficando pelo caminho, sem saber se deveriam continuar a correr atrás de Dieguito ou parar e aplaudir a aula de tango no estádio Azteca, na Cidade do México, com mais de 114 mil torcedores. “Se não fosse uma partida tão importante, eu teria aplaudido”, confessou o atacante adversário Lineker. Mais do que azedar o chá da rainha e decretar a queda dos ingleses nas quartas de final, o “gol do século” serviu como uma espécie de redenção para os argentinos. A partida reviveu a disputa pelas Ilhas Malvinas (ou Falklands,

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para os britânicos) quatro anos antes, quando 649 soldados argentinos morreram. O embate no Azteca ganhou tamanha proporção que o exército mexicano foi convocado para patrulhar as arquibancadas e os arredores. Usou até tanques. Se a Argentina havia sido derrotada pela armada britânica, agora podia se sentir soberana. A estocada inicial da derrocada inglesa havia sido dada quatro minutos antes, no primeiro gol. Pela “Mano de Dios”. Sorrateiramente, El Pibe ludibriou a arbitragem do tunisiano Ali Bennaceur e, com um sutil toque de mão, superou o goleiro Shilton na dividida, desviando a bola para as redes. Os ingleses diminuíram o placar com Lineker na bacia das almas, mas já era tarde para dar um bico no pesadelo da eliminação. Vingança cumprida, com louvor. “Em 1986, bater a Inglaterra era o objetivo”, afirmou Roberto Perfumo, zagueiro nas Copas de 66 e 70, ao jornal britânico The Guardian, 16 anos depois da partida. “Ganhar a Copa era secundário.” Embalados pela épica exibição de Dieguito, os hermanos passaram a borracha na Bélgica nas semifinais. O baixinho marrento (1,65 m) reencontrou a seleção que o havia caçado em 1982. Entrou com o ânimo redobrado, porque o goleiro Pfaff resolveu alfinetá-lo antes da partida: “Maradona é um jogador como qualquer outro. Nada de especial.” Os belgas voltaram a distribuir bordoadas, mas Dieguito não se acovardou e implodiu duas vezes a meta de Pfaff.

foto: corbis

Há 30 anos Maradona fintava meio time da Inglaterra na Copa de 86 e firmava seu destino de herói

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futebol

Em casa, obras de Adriana Varejão

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futebol foto: getty images

La Mano de Diós: o baixinho marrento detona os ingleses

A Argentina decidiu o caneco contra a ser inteligente e saber derrotar o sistema”, Só não Alemanha. Os sul-americanos começaram escreveu o jornalista inglês Jimmy Burns, jogou a copa na frente, com tentos de Brown e Valdano. Aí que acompanhou El Pibe por mais de duas de 78, na colocaram o salto alto, rebolaram e tomaram décadas. Aos 9 anos, Dieguito era a estrela argentina, o empate. O Rei da Copa de 86, porém, deu do time da favela de Villa Fiorito, onde moporque foi novamente o ar da graça, faltando sete minurava, no subúrbio de Buenos Aires. Indicado considerado tos para o fim da partida. Com um passe de por um colega para a base do Argentinos Jumuito jovem mestre, colocou Burruchaga na cara do gol: niors, encantou o treinador Francis Cornejo Argentina, 3 a 2. Bicampeonato mundial garantido por um dos já no primeiro teste. mais fantásticos e polêmicos jogadores que o planeta conheceu. Seis anos depois, participava das partidas preliminares E que, a exemplo do “Anjo das Pernas Tortas”, Mané Garrincha, e atraía muitos torcedores. Lançado entre os marmanjos, no Chile, em 1962, ganhou na prática o título sozinho. No cômnão saiu mais do time, graças a um inesgotável repertório puto final, Maradona fechou o espetáculo com cinco gols e deu o de lançamentos, passes, dribles curtos, chutes perfeitos, passe para outros cinco dos 14 assinalados pelos hermanos. Racobranças de falta e escanteios. Sempre com o pé esquerdo. zão mais que suficiente para ser idolatrado pela torcida argentiAos 17 anos, foi convocado pela primeira vez para a seleção. na. “Pelé foi rei. E Maradona é deus”, garantem os fiéis da Igreja Chegou a ficar concentrado com o grupo que seria campeão Maradoniana, fundada em 30 de outubro de 1998, na cidade de mundial na Copa de 78. Apesar da pressão da torcida, o técRosário, quando o ex-jogador completou 38 anos. nico César Menotti decidiu cortá-lo por considerá-lo muito Na infância, Dieguito dividia um quarto com sete irmãos. jovem – e muito genioso. “Ele nasceu num ambiente em que, para sobreviver, é preciso Decepcionado, Maradona se reapresentou ao Argentinos

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foto: corbis

Juniors e vingou-se nos goleiros. Terminou como artilheiro. trocar uma carreira brilhante pelo brilho de uma carreira – Até hoje é o goleador mais jovem de um Campeonato Argenchegou a ficar em coma por overdose –, ceifaram a paixão tino. A ascensão do garoto prodígio não parou mais. Firmoudos torcedores, o amor por um ídolo que pode ter jogado me-se como astro e despertou a cobiça do Boca Juniors, seu nos que Pelé, mas jamais se curvou aos poderosos e se time de coração. Depois de 40 jogos com a escondeu na confortável colcha do “não me camisa azul e amarela, foi contracomprometas”. tado pelo Barcelona por US$ 7 “Há alguns anos me chamamilhões, uma dinheirama ram de louco quando falei na época. Aterrissou na sobre a corrupção na Fifa”, Catalunha como mescomentou Maradona, sias. Não justificou o em entrevista recente oba-oba. Demorou a a uma rádio argense adaptar. Depois tina. “Agora o FBI en­frentou uma heestá mostrando a patite e uma fraverdade. Nunca tura no tornozelo houve transparênesquerdo. Retorcia no futebol.” O nou ao time, mas homem que o jorcaiu em desgraça nal francês L´Equipe ao armar uma briga definiu como “megeneralizada num jogo tade anjo, metade decontra o Athletic Bilbao. mônio” sempre brigou Três meses de gancho. com a cartolagem que se Fim da linha no Barça. apoderou do esporte. DeDali voou para o pequeno Naponunciou as falcatruas e o bolNo Boca Juniors, li, time que colocou no mapa das so armado pelos larápios para seu time de grandes equipes. Levou os napotungar o futebol. Mamaram à coração: com a bola toda litanos a dois títulos nacionais, vontade até a entrada do FBI em uma Copa da Itália, uma da Uefa e ação, em 2015. Hoje, boa parte da uma Supercopa da Itália, formando quadrilha está presa, inclusive um uma fantástica dupla com o brasileiro ex-presidente da CBF, José Maria Careca. Virou o dono da pizza. Tanto que Marin. Há pouco, Dieguito apareceu dividiu a torcida no embate Itália x Argentinas redes sociais vestindo uma camiseta na, em Nápoles, na semifinal da Copa de 90. Um com as imagens de Joseph Blatter e Michel Plaano depois, se mandou para o Sevilla. Era o início da decatini e o carimbo “ladrões”. Os ex-presidentes da Fifa e da dência, muito mais por fatores extracampo – boemia, excesUefa estão suspensos por oito anos, suspeitos de corrupção. so de peso, drogas e brigas com a mídia. Ficou uma tempoMaradona e Pelé viveram entre tapas e beijos. “Como rada (1992/93) no time espanhol. Depois, voltou à Argentina jogador ele foi o máximo, mas não soube aproveitar para para jogar no Newell´s Old Boys e, enfim, retornou ao Boca. enaltecer o futebol”, escreveu Maradona em Yo Soy El Diego. Nem os lamentáveis acontecimentos que acompanha“Teria gostado que se propusesse, como eu, a presidir uma ram a turbulenta caminhada de Dieguito fora de campo, ao associação para defender os direitos dos jogadores, que se

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futebol ocupasse de Garrincha e não o deixasse morrer na ruína, xou na poeira o Uruguai (1 a 0) na hora de a onça escovar os que lutasse contra as ações dos poderosos.” Pelé rebateu as dentes. Antes de matar os bichos-papões empatou, ainda na críticas várias vezes. Numa delas, afirmou ter rezado para fase de grupos, com a Itália, a então campeã do mundo. o hermano se livrar das drogas. “Quando isso acontecer, a Fora a explosão genial de Dieguito, a 13ª Copa do Mungente faz uma sessão privada do filme Pelé Eterno. Aí ele pode do (24 equipes, 132 gols, média de 2,5 por jogo) teve uma tirar conclusões sobre quem é o melhor jogador da história”, história atribulada. Ela deveria ter sido organizada pela cravou, irônico. “Só espero que Maradona esteja sóbrio para Colômbia, que desistiu da competição por causa de graves ver.” Tempos depois, recorde de audiência na TV argentina: problemas econômicos. A mamãe Fifa tentou encaixotá-la Pelé compareceu ao programa de Maradona e trocou pasno Brasil, Estados Unidos ou Canadá, sem sucesso. Os meses de cabeça com o El Diez, um apaixonado pela Revolução xicanos apareceram como salvadores da pátria das chuteiras Cubana, que ele reverencia sob a forma de tatuagens de Fidel e resolveram sediar o torneio pela segunda vez – a primeira Castro e Che Guevara, na perna e no braço. foi em 1970, quando o Brasil faturou o tri. De volta à 1986. Os argentinos chegaram ao México mais Por pouco não desistiram da ideia, em razão de um terremodesacreditados que nota de 3 pesos. Nem poderia ser diferente. to que deixou um rastro de destruição no país, em setembro de A equipe havia penado para carimbar o passaporte nas elimi1985. Contando apenas a Cidade do México, foram ao menos 7 natórias. O professor Carlos Bilardo era cornetado pela mídia, mil mortes depois de abalos sísmicos de até 8,1 graus na escainconformada com o sistema tático defenla Richter. A tragédia abalou de tal maneiVoltou à sivo. Um esquema que deu liberdade a Mara o mundo futebolístico que os mexicanos seleção viram-se obrigados a promover uma visita radona para exterminar os adversários. Há de seu país de jornalistas estrangeiros para mostrar que que se recordar ainda: El Pibe foi convocado em 2010, tudo estava sob controle. Apesar de os tapudebaixo de críticas da imprensa – a mesma mes esconderem toneladas de pedras e ferros, que, no ocaso da carreira, ele recebeu a tiros como técnico. podia-se ver o resultado da catástrofe. com uma arma de ar comprimido. A bronca Brigou. O torneio de 1986 determinou ainda o fim aumentou depois de ter sido escolhido para xingou. perdeu de uma geração de craques brasileiros, como capitanear a equipe. Bilardo suportou a presZico, Falcão, Júnior e Sócrates, sem soltar o grito de campeão. são. E botou na reserva o zagueiro Passarella, porque o capitão do título de 1978 Azar das Copas. Se quatro anos antes o grande futebol do time era desafeto de Maradona. de Telê levara Maradona ao desespero de uma entrada Com o maestro Dieguidesleal no volante Batista, desta feita a participato em fase esplendorosa, a ção brasileira foi mediana. A seleção chegou às Argentina eliminou nada quartas de final e terminou eliminada pela menos que três campeões França de Michel Platini, em um jogo decidimundiais. Além de ingledo nos pênaltis. Inês era morta. Dos males, ses e alemães, deio menor: o Brasil se livrava de um encontro com Maradona na grande final. getty images Quatro anos depois, na Itália, não deu para evitar o confronto. Mesmo sem repetir as grandes exibições apresentadas em gramados mexicanos, Dieguito comandou a Argen-

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tina até uma nova decisão contra os alemães. Nas semifinais, precisou de apenas uma jogada para driblar uma fileira de jogadores e mandar a equipe brasileira para o espaço. Na final, El Pibe tombou aos pés dos alemães. Em 1994, ele voltou a defender a Argentina nos EUA. O time sofreu barbaridades para garantir a vaga. Só carimbou o passaporte na repescagem contra a Austrália. Bem mais magro (havia perdido 13 quilos, passando de 89 para 76), Dieguito começou a Copa a mil. Arrebentou a Grécia e detonou a Nigéria, até ser flagrado no antidoping. O teste detectou efedrina, droga usada para emagrecer e também um poderoso estimulante. Os companheiros sentiram o baque: Bulgária, 2 a 0. Após a classificação como uma das melhores terceiras colocadas, a Argentina deu adeus ao torneio com derrota diante da Romênia. Dieguito retornaria à seleção em 2008. Desta vez como maestro fora de campo, substituindo Alfio Basile no banco. Teve um aval importante para ocupar o cargo: a presidente Christina Kirchner ligou para Julio Grondona, mandachuva e raios da federação argentina, e “sugeriu” Maradona como técnico. Um grupo de atletas que conspirou contra Basile também apoiou a mudança. A torcida foi à loucura com a confirmação de Dieguito. Mas ele não demorou em criar confusões. Brigou com o craque Riquelme, que pediu dispensa. Usou nada menos que 80 jogadores. A equipe se classificou para a Copa de 2010 só na última jornada. Antes, havia perdido de 6 a 1 para a Bolívia, em La Paz, o pior resultado da história da seleção argentina. Depois da vaga assegurada, Maradona rebateu as críticas, ainda no campo, com palavrões aos repórteres. Recebeu dois meses de suspensão e multa. No Mundial da África do Sul, o time despontou como candidato ao caneco, com triunfos sobre Nigéria (1 a 0), Coreia do Sul (4 a 1) e Grécia (2 a 0) na primeira fase. Nas oitavas de final, passou o rodo no México (3 a 1). Euforia geral. Que venha a Alemanha... e o pesadelo: 4 a 0, com direito a “don’t cry for me, Argentina”. Um mês depois, Maradona deixaria o comando do time. Sem festa. Nem o próprio Maradona, porém, consegue manchar a sua imagem de herói nacional. E olha que ele tem se esforçado. P

Com a taça em 1986, noMéxico: Pelé foi rei, mas Maradona é deus

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Por roberto amado lettering tiago candido

No centenário de nascimento daquela que preferia ser chamada de memorialista a escritora, deliciosas recordações da intimidade com a anarquista que acreditava em Deus

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Antes de começar na literatura, vibrou com a fotografia

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Memória Com Jorge em Moscou. Ano: 1952. A novidade era a câmera com disparador automático

fotos: Fundação Casa de Jorge Amado / Acervo Zélia Gattai

S

empre que penso nela, vejo duas imagens. Na primeira, ela está contando algum caso engraçado, modulando a voz, desfrutando cada palavra. Na segunda, aparece tranquila, de mãos dadas com tio Jorge. Tanto em uma imagem como na outra, seu belo rosto redondo transborda uma enorme satisfação de viver. Essa é tia Zélia. Poderia ter sido uma tia qualquer. Aliás, era o que ela pretendia. Mas havia algo que a fazia sobressair – sempre. Carismática, marcava sua presença em qualquer ambiente e brilhava com suas histórias, sua doce risada e sua personalidade intensa. Muito se falará sobre tia Zélia neste ano. É o centenário de seu nascimento. Ela morreu em 2008, aos 91 anos, em Salvador. Seis anos antes, fora eleita pela Academia Brasileira de Letras para ocupar justamente a cadeira do marido. Cá do meu lado, penso nela como símbolo da mulher feliz, emancipada e criativa. A vocação de contadora de histórias levou-a, ainda que tardiamente, a escrever livros. Publicou o primeiro aos 63 anos. A partir daí foram outros 16, um fenômeno. Lançou o último deles, Vacina de Sapo e Outras Lembranças, aos 89, em 2006, dois anos antes de morrer. Foi também fotógrafa e artista plástica,

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além de companheira incondicional de seu amado, o Jorge, com quem conviveu ao longo de 56 anos. Com ele, compartilhou uma vida atribulada: viajou o mundo inteiro e sofreu as agruras dos confrontos políticos e do exílio. A convivência com Jorge Amado talvez tenha dado a tia Zélia um jeito baiano. “Não fale assim, Jorge!”, dizia ela com entonação cantada, repreendendo alguma brincadeira safada de tio Jorge, irmão de meu pai, Joelson. Nesses momentos, caprichava na célebre malemolência baiana. Mas tia Zélia era paulistana típica. Com sotaque e tudo. Ela nasceu em 2 de julho de 1916 e foi criada na alameda Santos, a uma quadra da avenida Paulista, como conta em seu livro de estreia, Anarquistas, Graças a Deus. Era, sobretudo, Gattai – uma das famílias italianas que emigraram para o Brasil no século 19 com o sonho de construir um modelo de sociedade anarquista. Pouco mais de 50 pessoas se instalaram no norte do Paraná e fundaram a Colônia Cecília, onde não havia líderes, vivia-se em comunidade e o amor era livre. Isso foi em 1890. Minha tia conheceu esses fatos apenas pelos relatos dos pais, Ernesto e Angelina Gattai, modestos e com pouca instrução, mas admiradores da arte e dos movimentos

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operários. A menina caçula de cinco irmãos cresceu vivendo o sonho igualitário do começo do século 20 e, ainda muito jovem, casou-se com um intelectual, Aldo Veiga, tesoureiro do Partido Comunista. Foi ele quem abriu as portas para que a mulher convivesse com artistas e intelectuais como o escritor Mário de Andrade, o cronista Rubem Braga e os pintores Lasar Segall e Tarsila do Amaral. Sobre essa época, no entanto, ela pouco falava. A vida de tia Zélia mudou quando ela se aproximou de tio Jorge. Na época, 1945, ele estava em São Paulo, escrevendo e participando de atividades políticas naquele sopro de liberdade do pós-guerra. O antropólogo Darcy Ribeiro relembrou o período em que ambos conheceram Zélia: “Ela era livreira de uma pequena livraria na avenida São João e tinha os mais belos braços de São Paulo. Postos nus para pegar os livros numa estante alta, nos maravilhavam. Sobretudo a Jorge, que acabou fugindo com ela, para andarem juntos mundo afora, vida adentro”. Três meses depois, a livreira e o escritor moravam juntos, quebrando convenções e desafiando as regras sociais vigentes. Ela deixou o marido e o filho, Luís Carlos, que tinha apenas 3 anos. E, quando tio Jorge foi eleito deputado federal pelo Partido Comunista, não hesitou em ir com ele para o Rio de Janeiro, onde “compraram um sítio e passaram a criar galinhas”. Não exatamente. Tio Jorge escrevia e tinha obrigações no Congresso Nacional. Mas era assim que contava minha avó Lalu, mãe dos “meninos” Jorge, Joelson e James, os irmãos Amado. De ascendência indígena, Lalu era inteligente, sarcástica, muito imaginativa, e detestava o assédio feminino a seus filhos queridos. Ciumenta, não gostou da nova presença na família e tinha duas versões do primeiro encontro entre Jorge e Zélia – escolhia uma delas conforme o humor. Na primeira, dizia que foi amor à primeira vista, uma paixão divina. Na outra versão, ela recorria aos impulsos mais safados de tio Jorge. A futura nora de vó Lalu era

muito jovem, muito bonita e muito interessante. Claro que o recém-desquitado Jorge haveria de lançar suas mais sedutoras estratégias em direção à beldade, sem qualquer outra intenção mais séria. Parece que foi traído pela intenção.

Ela lançou o primeiro livro aos 63 anos. O último, aos 89. Mas não se dizia escritora, e sim memorialista

Disposta a ser feliz

Com o início da Guerra Fria, a União Soviética passou a ser “inimiga”, assim como seus admiradores. Em maio de 1947, o registro do Partido Comunista Brasileiro foi cassado e tio Jorge se viu obrigado a se exilar. Tia Zélia ficou. Tinha acabado de dar à luz o primeiro filho com tio Jorge, meu primo João Jorge, e não era aconselhável viajar com o bebê naquelas condições – o que só aconteceria alguns meses depois. Tia Zélia, com criança de colo, encontrou uma Europa destruída pela guerra. Faltavam energia, água, carvão e comida. Sabonetes eram raros, uma preciosidade. Como se não bastasse, tio Jorge não parava. Viajava pelos quatro cantos da Europa, exercendo sua militância. Em 1948, esteve no Congresso de Intelectuais pela Paz, na cidade semidestruída de Vratislávia, na Polônia. Muitas vezes tia Zélia ficou sozinha, em lugares estranhos onde não havia fraldas nem alimentação adequada para o bebê. O vaivém sossegou quando o

A carteirinha de estudante de francês e seu derradeiro livro: 40 anos entre um momento e outro

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Memória viagem casal se mudou para Paris, onde tio Jorge ocupou um cargo no Comitê pela Paz. Ali os dois passaram quase dois anos. A moradia era o Saint-Michel, um modesto hotel no Quartier Latin, com banheiro compartilhado e calefação precária. Mas foi naquela Paris que a moça criada em São Paulo pôde ter um pouco de estabilidade e se desenvolver intelectualmente. Aprendeu francês, se aprofundou no estudo da arte e conviveu com gente

Por amor a jorge amado, Zélia largou tudo. Só reatou com o único filho do primeiro casamento na velhice

como os dois Pablos – Picasso e Neruda. Tudo isso enquanto cuidava do filho ou datilografava os originais do marido. O casal não parava quieto. Foram os primeiros brasileiros a visitar a União Soviética depois do começo da Guerra Fria, quando tio Jorge ganhou o prêmio Stálin, a versão socialista do Nobel. Eram tempos agitados, plenos de sonhos e certezas de criar um mundo de paz e igualdade social. Tempos duros também, de pouco conforto e nenhum luxo. Enquanto a dupla curtia o amor romântico, formando nova família, no Brasil os filhos do primeiro casamento de cada um foram abandonados. Lila, nascida da união de tio Jorge com Matilde, morreu repentinamente aos 15 anos de lúpus, uma doença autoimune. Ao mesmo tempo, o filho de Aldo Veiga com tia Zélia se afastava dela. Luís Carlos, assim registrado em homenagem ao líder comunista Luís Carlos Prestes – aliás, personagem-título do livro O Cavaleiro da Esperança, de Jorge Amado –, só reataria relações com a mãe décadas depois. Quando os dois já eram idosos. Tia Zélia contava: “Tomei a decisão de enfrentar todas as dificuldades, de ter pouco dinheiro, de não chorar de saudades. Eu amava Jorge e nada seria sacrifício. Estava disposta a ser feliz”. Motivo para gargalhadas

Era tempo de amor, literatura e tarefas políticas. E algumas surpresas: sem muitas explicações, o casal foi expulso da França e passou a morar em Praga, na antiga Tchecoslováquia, onde encontrou abrigo no Castelo dos Escritores, um refúgio dos

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perseguidos e excluídos. Lá, tia Zélia teve uma menina: Paloma. Os motivos para voltar ao Brasil começaram a se acumular. Houve uma negociação com o governo para que tio Jorge não fosse preso na volta. Depois de cinco anos de exílio, os dois vieram morar no Rio. Foi naquela época, segunda metade da década de 1950, que os crimes de Stálin se tornaram públicos, o PCB se enfraqueceu e o casal rompeu relações com o “Partidão”. Era o momento de se dedicar a tarefas pessoais e abandonar de vez o sectarismo. Tia Zélia explicava: “O socialismo que eu aprendera a respeitar, desde criança com meu pai, era outro, muito outro, completamente diferente... Meu pai me ensinara que sem liberdade o homem não pode viver. Não há dúvida, os princípios do socialismo significavam um avanço da sociedade. Os homens que os aplicavam é que, muitas vezes, não estavam à altura”. Já no início dos anos 1960, ela não titubeou em apoiar a decisão do marido de trocar de endereço. Foram para Salvador, para a célebre casa do Rio Vermelho, onde viveram por mais de 40 anos. Ali, ela descobriu a fotografia. De início, as fotos eram despretensiosas. Mas logo a vocação artística se pronunciou e a atividade virou paixão, a ponto de tia Zélia montar um laboratório fotográfico doméstico para revelar e ampliar seus retratos em branco e preto. Naquele período, a imagem dela estava sempre associada a uma câmera fotográfica a tiracolo, com a qual montou um belíssimo acervo, registrando, sobretudo, a vida de Jorge Amado. A partir da década de 1960 passei a acompanhar de perto a rotina deles, quando ia a Salvador passar férias escolares. Raramente brigavam. Mas tio Jorge gostava de aprontar traquinagens com ela, só pelo prazer de se divertir com sua indignação. Certa vez, me prometeu um dinheirinho caso eu repetisse para ela a frase: “Velha decrépita, centenária!” Foi o que fiz, várias vezes. “Saia já daqui, menino!”, ela ralhava, sabendo de antemão quem estava por trás da cena. Tio Jorge se deliciava com a presepada. Eu, claro, ignorava o sentido daquelas palavras. Mas fiquei feliz O convite com a gorjeta que ganhei. para a festa Tio Jorge tinha medo dos 90 anos

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fotos: Fundação Casa de Jorge Amado / Acervo Zélia Gattai

Com os filhos Paloma e João em 1969 e quatro anos antes. Sempre na casa do Rio Vermelho

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Memória de avião e nunca guiou um automóvel. Apesar de ter um motorista, preferia ir como passageiro no velho Peugeot com o qual minha tia circulava por Salvador. E, mesmo incapaz de dirigir, fazia questão de atuar como copiloto, dando palpites inúteis que a deixavam furiosa. Mesmo assim, ela jamais perdia o bom humor. À fúria momentânea logo se sucedia um sem-fim de gargalhadas.

longe de ser uma “dona de casa exemplar”. era a companheira ideal, rindo das traquinagens do marido

Emancipação feminina

Jamais vou me esquecer do jeito com que ela tratava tio Jorge. Com uma delicadeza e uma dedicação impressionantes. Tia Zélia não era a chamada “dona de casa exemplar”, que cozinhava, lavava, fazia compras. Longe disso. Mas era a personificação da companheira perfeita. Vivia sempre ao lado dele, apoiando-o, sem no entanto jamais deixar de fazer o que queria. Em 1987 ela publicou o livro Reportagem Incompleta, uma fotobiografia dos dois. Mas seu talento inquieto pedia mais, muito mais. Já sexagenária, incentivada por tio Jorge e pelos amigos, resolveu passar para o papel sua experiência de vida. Tia Zélia, aliás, jamais se considerou uma escritora. “Sou uma memorialista”, dizia. Ainda assim, fez sua estreia com uma obra que, mais do que um saboroso documento, revelou-se um clássico. Anarquistas, Graças a Deus reproduz sua infância com uma riqueza impres-

sionante de detalhes sobre o viver paulistano no começo do século 20. O título não deixa dúvida quanto à ideologia e às crenças da família Gattai – anarquistas que, lá no fundinho, acreditavam em Deus, uma contradição inexplicável, mas plenamente aceitável. O livro tornou-se best-seller, foi vertido para o espanhol, o italiano e o francês e, mais tarde, virou minissérie da Rede Globo. Tio Jorge se orgulhava do sucesso da mulher – ainda que muitas vezes não a deixasse em paz. Mais velho que ela, acordava todo dia de madrugada. Dizia que depois das 10 da manhã “ficava burro”. E não deixava por menos: criava uma confusão dos diabos. Falava alto, dava ordens aos empregados, metia a colher em detalhes domésticos que não eram da sua conta. Meio a contragosto, tia Zélia acabava se levantando e tratava de apaziguar a ansiedade do homem. Essa rotina só mudava quando tio Jorge estava escrevendo um novo romance – e então o casal encontrava um retiro para se afastar do assédio diário. Ela fazendo as vontades do marido. Ele batucando a máquina de escrever. Datilografava apenas com dois dedos, os indicadores. Tia Zélia, que batia a máquina com os dez dedos, queria porque queria ensiná-lo a fazer o mesmo – mas qual! Com o tempo, percebeu que se tratava de barro sem a menor esperança de escultura. Melhor tratar de sua própria produção literária. Suas obras seguintes depuram o estilo muito pessoal de escrever, sem ornamentos e pleno de emoção. Mais segura do domínio do ofício, lançou-se na ficção. Publicou três livros para crianças e também um para adultos, Crônica de uma Namorada. A rigor, um romance de formação, narrando alegrias, descobertas e agruras de uma adolescente, Giane. Como profissional da literatura, tia Zélia se completou com reflexões sobre a emancipação feminina.

Embora tenha começado tarde, publicou 17 livros em vida

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fotos: Fundação Casa de Jorge Amado / Acervo Zélia Gattai

Bem que ela tentou ensinar datilografia ao marido. Deu em nada

Universo sensual

Para Walnice Nogueira Galvão, professora titular de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP, Zélia Gattai baseou sua obra “em uma vida muito rica e interessantíssima”. Walnice destaca a importância histórica das memórias do movimento operário impulsionado pelos italianos em São Paulo. Mas acredita que o valor literário de Zélia vá além do mero aspecto documental. “Sua linguagem coloquial tem um sabor muito próprio.” O romancista gaúcho Moacyr Scliar, morto há 4 anos, era apenas um menino quando viu tia Zélia pela primeira vez, em visita a seus pais no Rio Grande do Sul. Mais tarde, Scliar seria lembrado por ela no livro Um Chapéu para Viagem, lançado em 1982, como “um garoto loirinho de Porto Alegre”. Scliar testemunhou: “Zélia foi uma ótima narradora, cosmopolita e uma testemunha importante de fatos importantes da história brasileira”. Disse mais: “A literatura de Zélia deixa transparecer aquela que na minha opinião é sua maior característica: a generosidade”.

Alguns momentos com tia Zélia me marcaram. Em especial, uma conversa em 2001. Tio Jorge havia morrido fazia pouco tempo e escrevi uma carta para ela tentando explicar como ele havia sido importante para mim. Naquela ocasião, ela nos visitava em São Paulo. Ainda estávamos tristes com a morte de tio Jorge e me lembro que a encontrei na entrada do prédio, ambos chegando juntos. Ela olhou para mim e disse: “Ai, que carta linda!” E me abraçou. Ficamos assim por uns três minutos, em silêncio, os dois soluçando levemente. Eu não disse mais nada. O assunto para mim se encerrara naquela carta. Agora só restavam os gestos. Percebi que havia lágrimas nos olhos de tia Zélia, mas ela sorria. “Tanta coisa bonita que você sentiu pelo seu tio”, disse, passando a mão no meu rosto. Entramos no elevador em silêncio, pensativos. “Ele sempre falou muito de você”, retomou. De repente, rompendo o ciclo de tristeza, encarnou o marido. Perguntou à queima-roupa: “Você ainda está de cacho com aquela loirinha safada?” E rimos os dois, de volta ao sensual universo dos Amado. P

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Por fernando paiva, de montecarlo

Todo ano, o monaco yacht show, o maior evento de superboats do planeta, mostra como é doce viver

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e você realmente gosta de barco, anote: Port Hercules, 28 de setembro a 1º de outubro de 2016. Esse antigo e charmoso ancoradouro do Mediterrâneo é a sede do Monaco Yacht Show – MYS. Um get together de superboats hiperelegantes sem rival no planeta. Sim, há eventos náuticos maiores. Sim, há mais populares. Desde 1991, no entanto, cabe ao MYS a primazia de congregar as maiores, mais cobiçadas e mais caras embarcações. Iates a partir de 40 metros (123 pés) de comprimento feitos para clientes especiais. Gente disposta a gastar até 80 milhões de euros para navegar. A cada ano a exposição apresenta cerca de 40 novidades, ansiosamente esperadas. Apenas como aperitivo, saboreie algumas reveladas no MYS 2015.

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O Suerte, da Tankoa Yachts

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m antigo ditado alemão garante: o diabo mora nos detalhes. Subvertendo a sabedoria oral de sua terra, o arquiteto Mies van der Rohe (1886-1969), um dos criadores da escola Bauhaus, se celebrizou ao declarar o contrário: “Deus mora nos detalhes”. E não é que ele estava certo? Pois apenas a presença divina pode explicar que um mero banheiro de hóspedes ostente um mosaico com nada menos de 20 mil pastilhas, paciente e artesanalmente aplicadas à mão. É o que acontece no Ann-G. Não à toa, o barco de 50 metros (165 pés) de comprimento levou três anos para ser terminado pelo estaleiro holandês Heesen. O design exterior leva a grife do britânico Clifford Denn, um mito da arquitetura naval. Do lado de dentro, a decoração ficou a cargo do elegante Reymond Langton.

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Esse verdadeiro superyacht acomoda até oito convidados com todo o conforto do Universo. Os proprietários, óbvio, dispõem de seu próprio convés. Um dos destaques é o engenhoso bar no deque principal. Metade do lado de fora, metade dentro do salão social, a solução integra à perfeição os ambientes. A ampla garagem de proa, onde ficam os chamados “brinquedos”, jet skis, pranchas de SUP e de windsurfe, e tenders (barcos de apoio com até 30 pés ou 1o metros de comprimento), deixa espaço de sobra na popa, onde funciona o espaçoso beach club e a academia de ginástica. Sim, porque embarcações de sonho como o Ann-G oferecem o melhor dos dois mundos. Um paraíso flutuante para quem prefere ficar do lado de dentro, lendo na espreguiçadeira, e para quem só consegue viver ao ar livre.

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BENETTI

ELEVEN

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stamos frente a uma embarcação que, com 63 metros (207 pés) de comprimento e sua característica proa afilada, similar à do lendário Nautilus do capitão Nemo no filme A Liga Extraordinária, corta as águas como uma cimitarra afiada. Um barco literalmente cinematográfico, daqueles de tirar o fôlego. Pois assim é o Eleven, típica criação do respeitado estaleiro italiano Benetti. Com sede em Viareggio, na Toscana, de frente para o mar Tirreno, a empresa tem a tradição de mesclar a mais avançada tecnologia náutica ao melhor design naval. O barco acolhe com todo o conforto até 12 convidados, distribuídos por seis espaçosas cabines e atendidos por uma guarnição de 16 tripulantes. Sobre o casco de aço, montado em uma estrutura de alumínio, cinco deques de teca se superpõem de maneira absolutamente elegante.

Impelido por dois motores Caterpillar a diesel, de 1.810 cavalos cada um, o Eleven atinge a velocidade máxima de 17,5 nós (32 quilômetros por hora). Sua autonomia de 5 mil milhas náuticas, ou 9.300 quilômetros, permite sair de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e lançar âncora em Lisboa, Portugal, cruzando todo o Atlântico sem reabastecimento. A bordo desse palácio flutuante, que leva 25 mil litros de água doce, tudo é controlado eletronicamente. Proprietários e hóspedes desfrutam de academia de ginástica, jacuzzi no convés, garagem com jet skis e barcos de apoio, além de um monumental beach club na popa. Para completar, convém mencionar as 46 luzes estrategicamente instaladas abaixo da linha d’água. Acionadas depois do pôr do sol, com o barco ancorado, garantem ao Eleven a autoria de um espetáculo único, inesquecível.

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SILVER YACHTS

SILVER FAST

E

spen Oeino é uma lenda viva no universo dos megaboats. Estudou arquitetura naval em Glasgow, Escócia, e assina barcos como o mitológico Al Said, de 155 metros (510 pés) de comprimento. Aqui, Oeino resolveu fazer um barco rápido. Muito rápido. Construído na Austrália, o Silver Fast faz jus ao nome. É o maior e mais veloz iate de alumínio com propulsão convencional, capaz de chegar aos 27 nós – 50 km/h – de velocidade. Pode parecer pouco, mas não se esqueça de que estamos na água. O barco acomoda até 18 convidados em oito enormes suítes. Os proprietários, como acontece nessa categoria de embarcações, dispõem de um andar privativo. Cinema ao ar livre, jacuzzi de vidro transparente para oito pessoas, heliponto capaz de receber um Agusta 109 (na foto, o proprietário preferiu levar seu conversível) e mesa para até 20 pessoas no salão de refeições, tudo o que o dinheiro – no caso, 80 milhões de euros – pode comprar, o Silver Fast oferece.

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proa BURGESS YACHTS

SOLANDGE

F

eito na Alemanha, ele mede “apenas” 85 metros (279 pés). É mesmo um grande barco. E luxuosíssimo. Abriga até 16 convidados em 8 espaçosas cabines, servidos por uma tripulação de 29 pessoas. O casco é de aço, a superestrutura, de alumínio. A suíte dos donos, na proa, tem visão de 180 graus. Academia de ginástica, duas jacuzzis, raia de natação, spa com massagem, sauna seca e a vapor. Ah, tem também um cineminha. Para dez pessoas. E um elevador que leva do primeiro ao quinto andar. Para nove.

CRN YACHTS

ATLANTE

I

taliano puro-sangue, ele foi inteiramente construído em Ancona, no Adriático. O desenho viril, de cantos vivos, e o casco cinza-fosco remetem a uma embarcação militar. Mas o Atlante, de 182 pés (55 metros) de comprimento, é na verdade uma elegante homenagem à art déco, ao combinar em seus cinco deques carvalho escurecido, mármore branco e aço inox. As persianas horizontais filtram a luz de um jeito mágico. É como estar a bordo de um filme do vienense Fritz Lang (18901976), o grande esteta do cinema expressionista alemão.

TANKOA YACHTS

SUERTE

D

a academia de ginástica, um elevador leva os proprietários para o solário privativo, lá no alto, com piscina particular. Fabricado em Gênova, o Suerte foi uma das estrelas do MYS 2015, com seus 69 metros (227 pés) de comprimento. O mais legal, entretanto, é o fantástico beach club na popa aberta. Se você se cansar das piscinas, basta saltar da borda para o mar. Com os tanques cheios, tem autonomia para navegar 5 mil milhas náuticas – cerca de 9.300 quilômetros. Ou seja: do Rio de Janeiro a Londres sem reabastecer.

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motor

Por mario ciccone fotos murilo mattos

Tiragem limitada Restrito a 200 unidades, o Mitsubishi ASX-S é a versão esportiva de um crossover Perfeito para expedições em todos os terrenos. e ainda é elegante na cidade

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Compacto e elegante, vai muito bem na cidade

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motor

É

hora de sair da garagem e pegar a estrada. O descia. Os controles de tração e estabilidade facilitam muito. Boa tino não importa. Isso, bem entendido, se o seu parte do mérito deve ser atribuído à suspensão dianteira indecarro for o ASX-S, a versão especial do versátil pendente McPherson, às barras estabilizadoras e à suspensão crossover da Mitsubishi. Superequipado, ele traseira multilink. consegue vencer todos os tipos de terreno. Da O sistema de tração é acionado a partir de um botão no conestradinha de terra que leva à casa de campo a um jantar formal sole central. No uso urbano, o motorista opta pelo 2WD, que na cidade, o carro é um 4x4 diferente: tem a força que os avenpossibilita economia de combustível. Em trechos sinuosos, a tureiros exigem e conforto de sobra. E nem por isso ostenta a opção é a 4WD, tração integral, que garante o desempenho esaparência agressiva de um topa-tudo. Com design elegante, ele portivo. Em pisos de pouca aderência, a opção Lock bloqueia o faz bonito até numa reunião black tie. diferencial e proporciona maior segurança no trajeto. Sim, pois embora encare pisos irregulares, o ASX-S se sai muito bem se a ideia for viajar por uma highway. Nesse moCrossover urbano mento, um rock dos Rolling Stones, se for do seu agrado, comNa hora de voltar à cidade, algumas canções românticas de bina com o momento e a estrada. Com os quatro cilindros e as Frank Sinatra caem como uma luva. O ASX-S é pura suavida16 válvulas em ação, o motor 2.0 desende. É que nesta versão S o carro ganhou volve 160 cavalos de potência e chega a itens exclusivos, como o teto na cor cin190 km/h. za, as novas rodas aro 18 e os faróis DRL Ele tirou a A transmissão conta com o câmbio (Daytime Running Lights) incorporados ao nota máxima CVT. A sigla significa Transmissão de para-choque. Entre as novidades ainda em proteção Variação Contínua. Complicado? Nem se destacam a antena externa no estilo a motorista tanto. Ela se traduz de maneira simshark, que lembra a barbatana do tubae passageiros ples: prazer ao dirigir. Basta escolher. rão, além dos detalhes sempre na cor do no principal Optando pelo Sport Mode, o motorista veículo. A grade dianteira tem seção em recebe de presente a reação de um puropreto fosco, e as janelas ganharam molinstituto de -sangue. Outro recurso é o INVECS III, duras. Na assinatura do carro, o emblesegurança que analisa o estilo de dirigir do piloto e ma ASX está em cinza grafite, com o S automotiva permite trocas de marchas mais suaves. em vermelho. Enquanto você ouve a voz de Mick JagO crossover ostenta ainda luz de nebliger e a guitarra de Keith Richards, é hora na no para-choque traseiro e extratores de curtir a direção. de ar dos para-lamas na cor cinza grafite, com detalhes vermeMas você também pode escolher o câmbio sequencial nos lhos. Em resumo, você está ao volante de um objeto de design, paddle shifters ou na alavanca. O recurso é ideal para quem gosta que ganhou o mundo e está sendo fabricado em Catalão, Goiás. de sair do automático e ter outra percepção da condução do carNão é nenhuma surpresa encontrá-lo estacionado em frente ro. Vale lembrar ainda que o modelo é uma referência em seguaos melhores endereços de Londres, Tóquio ou “New York, New rança. Conquistou nota máxima na proteção dos ocupantes por York”, como declamaria Sinatra. parte do principal instituto de segurança automotiva dos EUA, No interior, a tecnologia e o conforto são pontos fortes. A o IIHS (Insurance Institute for Highway Safety). ideia da Mitsubishi foi transformar o crossover urbano em um Fora da estrada, o ASX-S tira de letra terra, lama, cascalho ícone do seu portfólio. Os bancos, por exemplo, são produzidos e areia. Asfalto ruim? Não é problema. É nessas superfícies com couro especial e detalhes em tecido Baltic preto, além de irregulares que ele se destaca pela aderência e pela eficiêncostura central e do sistema de aquecimento. Esta série especial

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É um SUV, sim. Mas com linhas suaves

é numerada até 200 e identificada por uma placa interna. No painel, os designers da marca resolveram mesmo caprichar. Os marcadores exibem aros prateados e iluminação branca. A tela do computador de bordo oferece 12 funções, com display LCD colorido de alto contraste. A bordo, os ocupantes têm a certeza de estar recebendo um produto encantador nos mínimos detalhes. Os tons pretos receberam acabamento prata, o que resultou num conjunto harmônico, contemporâneo. Além do estilo, o novíssimo Mitsubishi ASX-S esbanja tecnologia. Chega equipado com sensores de estacionamento e de chuva, acendimento automático dos faróis e espelhos re­ tro­vi­sores retráteis (de acionamento automático quando o car­ro é trancado). Completo, este crossover pesa apenas 1.465 quilos, muito bem distribuídos e com a vantagem de oferecer amplo espaço interno. Embora compacto, o veículo não economiza em conforto. Isso fica por conta do entre-eixos de 2,67 metros, o que permite a todos os ocupantes ficarem bem acomodados. Por is­ so o ASX-S também é perfeito para levar toda a família. Se todos gostarem de aventura, melhor ainda. P

As trocas de marcha podem ser feitas na direção

O motor tem 160 cavalos

mitsubishimotors.com.br

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velocidade Por LUIZ GUERRERO

Honda NSX Ele voltou ainda mais feroz

Onze anos depois de sair de linha, o superesportivo, que teve a colaboração de Ayrton Senna nos ajustes, retorna totalmente reformulado

N

os últimos onze anos, a Honda parecia mais preocupada em vender Accord e Civic para os americanos do que em construir um superesportivo. Sim, um automóvel daquela categoria em que cada veículo custa muito e vende pouco – mas, em compensação, é desejado por todos. Sem esquecer que carros dessa espécie funcionam como vitrine tecnológica da marca. A Honda havia lançado um superesportivo em 1990, o NSX, até então sua única investida no gênero. O bólido, no entanto, saiu de linha em 2005. Desde aquele ano, a Honda viu a Nissan quebrar recordes de velocidade com o GTR, lançado em 2007, e a Toyota criar sob o selo Lexus o LFA, um superesportivo de produção limitada. Os fãs da marca ficaram intrigados. Embora a empresa continuasse investindo nas pistas, a ausência de um superesportivo no portfólio causava estranheza. Até porque aquele NSX da

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primeira geração foi considerado um dos melhores carros da categoria. Ele tinha o aval de ninguém menos que Ayrton Senna (veja quadro). O piloto brasileiro o testou na pista e fez sugestões. Era um carro em muitos aspectos superior aos modelos de pôster de quarto de adolescente – estamos falamos dos automóveis da Ferrari e da Lamborghini, entre os mais tradicionais. A expectativa terminou em 2011, quando veio o anúncio: o NSX retornaria em 2016 com reveladora diferença no significado da sigla. Deixaria de ser um New Sportscar Experimental, denominação da primeira geração, para se transformar em um New Sports Experience. O NSX tornou-se, nas palavras de Ted Klaus, o americano a quem foi confiado o projeto, “um superesportivo para ser dirigido no dia a dia”. E é aí que reside a sutileza da nova denominação: o carro de agora é tão amigável quanto um sedã e tão rápido quanto um Porsche. Foi criado para permitir experiência a quem não tem tanta... experiência com supercarros.

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Depois de 10 anos, a marca japonesa retorna Ă categoria dos supercarros

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velocidade

O primeiro modelo, de 1990, com as linhas desenhadas pelo escritório italiano Pininfarina

Embora com tecnologia japonesa, o novo bólido foi criado nos Estados Unidos e apenas Lá será fabricado A tecnologia é japonesa. Mas a concepção do início ao fim do novo NSX é americana. Aliás, o superesportivo só será produzido nos Estados Unidos, na filial de Ohio. O modelo foi desenhado pela californiana Michelle Christensen, 35 anos, combinando a agressividade de um Audi R8 com a personalidade de um Chevelle 1967, o carro predileto da designer. Michelle avisa que o novo NSX não deve ser visto como uma recriação do antigo. A seu ver, o único elemento de estilo que pode ter algo em comum entre os dois carros é a tampa traseira. Se o superesportivo dos anos 1990, desenhado pela Pininfarina, foi inspirado nas linhas da Ferrari 348, o NSX dos anos 2000 tem personalidade própria.

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As linhas são funcionais. Por exemplo: as massivas entradas de ar que dominam a dianteira são providenciais para refrigerar motor e freios. Já os vincos pronunciados servem para melhorar a aerodinâmica e, com isso, reduzir o volume de ruído interno e o consumo de gasolina. Sim, é o que você leu: diminuição do consumo de combustível – uma preocupação antes reservada aos carros mais baratos. Três motores elétricos

A Honda chegou a testar motores mais fortes no NSX, incluindo o V10 derivado dos carros de pista. Mas acabou optando por um V6 biturbo instalado em posição transversal na dianteira. Ele é auxiliado por outros três motores, elétricos, utilizados em manobras e baixa velocidade. Dois deles (com 36 cv cada um) estão instalados junto às rodas dianteiras. O terceiro (de 47 cv) foi posicionado entre o motor a gasolina e a caixa de câmbio automatizada de nove marchas e dupla embreagem. De acordo com Ted Klaus, a solução traz outras vantagens, além da economia de energia.

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Na versão de 2002, a diferença mais notável foi o fim dos faróis escamoteáveis

Em primeiro lugar, permite melhor aproveitamento de espaço para os dois ocupantes e abre área de razoáveis 110 litros no porta-malas. Em segundo, favoreceu a distribuição de peso no layout da plataforma (as baterias elétricas, por exemplo, foram instaladas sob os bancos). Por fim, os motores elétricos do eixo dianteiro favorecem a aderência ao solo – e isso contribui para estabilidade em curvas —, enquanto o traseiro elimina o lag dos turbos, recurso que torna o funcionamento do motor a gasolina mais suave e uniforme. À exceção talvez dos veículos movidos a energia alternativa, como o Clarity, que trabalha com células de hidrogênio, o NSX é o Honda com o conjunto mais complexo de auxílios eletrônicos. Os sistemas vão além dos controles de tração e de estabilidade. Também atuam no monitoramento dos motores e da caixa de câmbio, da direção elétrica e nos ajustes dos modos de direção – do totalmente elétrico, chamado de modo silencioso, ao modo de pista.

O primeiro carro que saiu da linha de produção da fábrica americana de Ohio foi arrematado em leilão beneficente em fevereiro por US$ 1,2 milhão, quase dez vezes mais o preço final para os consumidores americanos (US$ 156 mil). Nos EUA, o NSX é vendido sob o selo Acura, divisão de prestígio da marca. A Honda estuda sua importação para o Brasil a partir do próximo ano. Aqui, seguramente custará mais de R$ 1 milhão. Menos visceral

Além da sigla que batiza os dois carros e da semelhança entre as tampas traseiras, os únicos pontos de contato entre os NSX da primeira e da segunda geração são a perfeita ergonomia, estudada a partir da disposição dos comandos dos jatos de caça, e o motor V6. Dirigi ambos: em 2014 o NSX preto 1992 que pertenceu a Ayrton Senna, no kartódromo que o piloto construiu na fazenda da família em Tatuí, interior de São Paulo. E, no ano passado, o novo NSX, na pista da Honda, em Tochigi, no Japão.

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VELOCIDADE o carro do senna

Durante seis temporadas, Ayrton Senna correu, e

do carro”, disse Klaus. “O que conseguimos aplicar das

ganhou três títulos mundiais, com motor Honda. Ele tinha

sugestões de mais de 25 anos atrás foi melhorar o equilíbrio

excelentes relações com o pessoal da divisão esportiva da

do chassi.”

marca. Por isso, foi convidado a dirigir o NSX entre 1988

O NSX começou a ser vendido em 1990 como a opção

e 1989. É certo que sugeriu modificações (e foi atendido)

mais em conta à Ferrari 348 de 320 cv e ao Porsche 911

para tornar o carro mais rápido. Mas o NSX já estava em

Carrera (250 cv). O desempenho dos três era equivalente,

fase final de desenvolvimento. Um dos vídeos mais vistos na

mas o NSX, com seus 1.365 kg de peso, distribuídos à

internet é o de Ayrton dando show de pilotagem com um

razão de 40% no eixo dianteiro e 60% no traseiro, era mais

NSX branco na pista de Suzuka, no Japão, em 1991, um ano

amigável. Tinha embreagem mais leve; um câmbio manual

depois do lançamento do carro.

de cinco marchas, mais suave, e o motor, um V6 de 3.0

O primeiro superesportivo Honda incorporava várias

litros aspirado, mais elástico que o V8 3.4 da Ferrari ou o

soluções da Fórmula 1. Entre elas, o motor instalado adiante

6 cilindros contrapostos 3.6 do Porsche. Podia ser dirigido

do eixo traseiro, as rodas dianteiras uma polegada menor

em ritmo de passeio em quinta marcha ou esportivamente,

que as traseiras (15 e 16) e o inédito uso do alumínio para

esticando todas as marchas até o limite dos 8 mil giros.

moldar chassi e estamparias da carroceria. Por sinal, foi o

A falta da assistência hidráulica da direção podia

primeiro carro de produção a ter chassi desse material —

incomodar quem não tinha tanta intimidade com carros

o Audi A8 só viria em 1994. O objetivo de reduzir peso foi

esportivos. Mas o dispositivo tornou-se item de série a partir

alcançado: a estrutura do veículo chegava a apenas 200 kg.

de 1994 junto com o opcional câmbio automático de quatro

Mas promover o acerto do chassi de um carro de tração

marchas. A cabine foi inspirada nos caças e isso significa que,

traseira com motor central de 273 cavalos e torque de

além da ergonomia perfeita, permitia ao motorista campo

quase 30 quilos de força não dependia apenas de cálculos

de visão de 312 graus – uma grande vantagem sobre os

estruturais, mas da sensibilidade de um tricampeão.

claustrofóbicos rivais. As linhas externas eram desenhadas

Assim, o NSX foi testado em Suzuka e em Nürburgring,

pela Pininfarina, na Itália.

na Alemanha. A cada parada nos boxes de Suzuka, conta-

Ayrton teve três NSX: um preto 1993 que ficava guardado

se, Senna anotava suas impressões no papel. No fim,

em uma casa de campo em Sintra, Portugal (e que foi a leilão

entregou o manuscrito à fábrica, que, seguiu as orientações

em 2014 com lances que chegaram ao equivalente a R$ 190

do piloto meses antes de o superesportivo chegar às

mil); um vermelho, do mesmo ano, ainda hoje mantido em

lojas. O documento está guardado na Honda, em Tóquio,

Portugal; e outro preto 1992 que usava em São Paulo e é

e foi consultado por Ted Klaus, tão logo se viu designado

preservado pela família Senna da Silva.

a liderar o projeto do novo NSX. Ele ficou emocionado ao ler as observações de um dos seus ídolos. “Senna fez várias anotações sobre o conjunto mecânico, mas sua maior preocupação era com a dinâmica O tricampeão a bordo. Ele tinha três NSX

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As linhas do novo NSX são mais agressivas. Por dentro e por fora

O primeiro NSX era tão cru que nem tinha direção hidráulica. Vinha com câmbio manual de cinco marchas e com um V6 central traseiro tão disposto que era preciso modular a embreagem para evitar que os pneus traseiros queimassem borracha nas arrancadas. O novo é menos visceral. Mesmo no modo pista do ajuste eletrônico (feito por meio de uma roldana no alto do console central), o carro progride de maneira suave: mal se sentem as trocas de marcha da transmissão de dupla embreagem. No modo silencioso, você roda a até 40 km/h apenas com a energia dos motores elétricos. O baixo nível de ruído a bordo, a propósito, foi um dos pontos mais comentados, e criticados, por quem dirigiu o carro: ao contrário do antigo, o novo NSX não produz o som contagiante que se espera de um superesportivo.

Há quem reclame do baixo ruído a bordo. E explique: ainda que voe baixo, o NSX não soa como um superesportivo de verdade Infelizmente, só tivemos permissão para dar duas voltas na pista oval de Tochigi – e, ainda assim, com velocidade limitada a 180 km/h. Não foi muito para um carro com 500 cv, torque de 66 quilos força e que, segundo o fabricante, pode chegar a 305 km/h. Apenas o suficiente para entender o que a Honda quis dizer quando apresentou o carro como o superesportivo para ser usado no dia a dia. P

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garagem

Por mario ciccone

Pura versatilidade Perfeitos para o cotidiano e incríveis para viagens, modelos Suzuki, Lexus, BMW e Jeep esbanjam performance

Mais alto, mais largo e mais confortável

BMW X1

Q

uando a BMW decidiu reformular o X1, não brincou em serviço. Ao apresentar a nova geração, escolheu

Turbo, de 4 cilindros em linha. Na opção mais potente, a xDri-

o melhor palco: o Salão de Frankfurt, o maior do

ve25i Sport, são 231 cavalos e tração integral, proporcionando

mundo em área. O evento teutônico garantiu os holofotes internacionais para um carro que cresceu. Ganhou em altura e em largura. Resultado: conforto de sobra a bordo. O motorista dispõe agora de ainda mais visibilidade. Já os

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Todas as versões do novo X1 têm motor 2.0L TwinPower

uma aceleração de 0 a 100 km/h em 6,5 segundos. Desde março de 2016, este veículo de atividade esportiva, SAV na sigla em inglês, passou a ser fabricado no Brasil, em Araquari (SC). Numa época de mercado retraído, o novo mo-

passageiros foram brindados com comodidade extra para as

delo é também um ás na manga da montadora para alavancar

pernas nos bancos traseiros. Quanto ao porta-malas, passou a

as vendas da sua linha X – e se manter entre as líderes do

ter capacidade de 505 litros (1.505 com os bancos rebatidos).

segmento premium. bmw.com.br

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Ele faz até 19 quilômetros por litro na cidade

Lexus CT200h

A

relação com este compacto da Lexus começa

tem muitas de suas fichas depositadas neste modelo

silenciosa. Ao acionar o motor, nada de barulho

compacto, leve e com boa desenvoltura na cidade. De

enquanto as baterias são carregadas. Por isso, é

acordo com a configuração, o veículo pode fazer até 19

comum o estranhamento inicial. Herdeiro da tecnologia

quilômetros por litro na área urbana. Mesmo com essa

híbrida da Toyota – encontrada no Prius –, o CT200h

preocupação ambiental (até como estratégia de vendas),

tem um motor a gasolina e outro elétrico, totalizando

o carro não decepciona na performance. Do modo

136 cavalos. Com o carro em movimento, as baterias são

espor tivo ao ecológico, ele mantém um padrão de acele-

carregadas pela energia excedente gerada pelo motor a

ração linear, com excelente resposta. O carro tem ainda

combustão e pelos freios.

outras vantagens. É isento de rodízio. Ótimo para quem

Ainda com um mercado pequeno no Brasil, a Lexus

vive em São Paulo. lexus.com.br

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garagem

Suzuki S-Cross

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Suzuki S-Cross chega com bastante apetite. Este crossover é dos mais versáteis, ideal para o uso no dia a dia da cidade e perfeito para quem gosta de

se lançar em aventuras nos fins de semana. Quando o asfalto acaba, o S-Cross encara com tranquilidade estradas de terra e areia de praia. A tração 4x4 AllGrip é o ponto forte nas versões top (há também a opção 4x2). Com o sistema, o carro reúne recursos inteligentes para interpretar os comandos do motorista e as condições de dirigibilidade. Aliado a sensores espalhados por todo o veículo, o AllGrip permite agir imediatamente para garantir a aderência mesmo antes de o TCS (controle de tração) e ESP (Controle de estabilidade) entrarem em ação. O modelo GLS AllGrip vem com faróis de bi-xenon, teto solar panorâmico, sistema multimídia conectado ao Waze, sensor de estacionamento dianteiro e traseiro e rodas aro 17. A segurança é outro ponto forte. Não por acaso recebeu nota máxima (5 estrelas) na Europa pelo respeitado órgão

EuroNCap. O veículo conta com 6 airbags: frontais, laterais e de cortina. No quesito conforto, o ar-condicionado dual zone proporciona a todos os ocupantes a temperatura ideal para cada viagem. O S-Cross conta ainda com piloto automático e direção elétrica. Nesses tempos de radares onipresentes, vale destacar o Speed Limiter, tecnologia que permite estabelecer uma velocidade padrão e evitar uma surpresa no final do mês. Bem adaptado por aqui, o S-Cross tem um bom motor, uma garantia de boas arrancadas sem comprometer a economia de combustível. Aliás, o carro recebeu a classificação A do Inmetro no seu segmento, além do selo Conpet de Eficiência Energética. A união de ótimo desempenho geral e reduzida emissão de CO2 transformam este crossover leve em uma escolha das mais seguras do mercado.

Divertido de pilotar, o S-Cross gruda nas curvas

suzukiveiculos.com.br

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garagem Jeep Cherokee Trailhawk

N

a tradição da Jeep de produzir há mais de 70 anos

Trail Rated, utilizado pela marca para identificar os modelos

carros robustos, o Cherokee Trailhawk faz jus à

que podem realmente se aventurar fora da estrada.

fama. É um herdeiro direto dos jipes militares da

O motor é parrudo: um V6 de 271 cavalos e 3,2 litros.

Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Um SUV, enfim, que

Delicioso de acelerar. Convém lembrar, no entanto,

soma a resistência de um tanque à aceleração excitante de

que falamos aqui de um SUV de luxo – luxo mesmo. O

um esportivo. Com 4,6 metros de comprimento e 1,72 de

acabamento esmerado, do couro costurado à mão aos

altura, trata-se de um veículo imponente.

detalhes polidos, se reflete também na tecnologia de bordo.

A tração 4x4 permite que ele avance sobre terrenos difíceis,

Vale destacar o GPS, presente no sistema multimídia e

para dizer o mínimo. Riachos, cascalho, lama e neve (é um

entre os instrumentos do painel, para que o piloto não desvie

americano típico) ficam para trás. Ele recebeu, inclusive, o selo

a atenção do volante. Tudo de bom. jeep.com.br

Força do lado de fora e bastante luxo por dentro

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Notícia, análise e opinião, respeitando sua inteligência.

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MUlher

Por angelo pastorello

WOMAN in black Nati Casassola é gaúcha de Passo Fundo. Tem os traços, o penteado e o sangue meridional de outra personagem de sonho: a Valentina, de Guido Crepax

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mulher

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mulher

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Cabelo e maquiagem: Jô Moraes

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circuito elegante Acima de tudo, hotéis de serra Hotéis de serra têm muito em comum. A começar, claro, pela localização privilegiada, no alto das montanhas, onde as temperaturas são mais amenas. Não foi à toa que Dom Pedro II decidiu ter uma alternativa para o sufocante calor de seu palácio, no bairro carioca de São Cristóvão, e optou por Petrópolis, na Serra Fluminense. Eram meados do século 19. Começava o hábito, entre nós, não só de se recolher do verão em terras menos tórridas, como também de aproveitar os invernos com um estilo de vida decididamente europeu – à beira aconchegante de uma lareira, por exemplo. Aqui estão três hotéis com muito em comum. Todos serranos, com poucos aposentos e dotados de serviço personalizado. Um deles, vale lembrar, fica na Serra Fluminense, onde tudo começou.

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Outro está instalado em Campos do Jordão, cidade que, de início, acolhia visitantes com graves problemas respiratórios. Até se transformar, ainda na primeira metade do século passado, em um refúgio de inspiração europeia. O terceiro endereço do trio de hospedagens recomendadas cintila na Serra Gaúcha, um enclave que foi deixando de ser abrigo exclusivo de imigrantes italianos e alemães para instalar uma refinada hotelaria. Os três hotéis aqui indicados integram a seleta rede Circuito Elegante. Para usufruir de suas benesses basta acessar o site www.circuitoelegante.com.br e digitar o código “PRESIDENT”. Ao completar seu cadastro, o caro leitor torna-se cliente especial, com direito às melhores tarifas no momento de fazer a reserva. E mais: acumula pontos para outras hospedagens.

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Parador Santarém Itaipava, RJ

Um campo de golfe com nove buracos, a 809 metros de altitude. Eis aí um dos chamarizes do Parador Santarém, encravado no vale de Santa Mônica, em Itaipava, em um ponto cercado de montanhas, um dos mais espetaculares da Serra Fluminense – e de frente para um lago. O hotel tem serviço personalizado em um ambiente que já deslumbrou hóspedes ilustres como um sheik das arábias, membros da família imperial brasileira e o presidente da Costa Rica. Até o ano 2000, o Parador Santarém, a 25 quilômetros do centro de Petrópolis, era a elegante casa de campo de uma

família carioca. Vem daí parte da adorável intimidade que proporciona. Eis o motivo, também, de cada uma de suas 14 suítes ser absolutamente diferente das demais. Esse aconchego se estende aos salões, ao spa, à piscina com borda infinita e, em especial, à adega com lareira. Ali são servidas fondues de carne, queijo ou chocolate. E, claro, rótulos da melhor cepa de tintos e brancos.

Parador Santarém Estrada Corrêa da Veiga, 96, Itaipava, Petrópolis – RJ, (24) 2222-4083, www.paradorsantarém.com.br

Um aconchego encantador na Serra Fluminense

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circuito elegante Conforto total no centro da cidade gaúcha

Modevie Boutique Hotel Gramado, RS

Gramado, a 825 metros de altitude, tem o maior festival de cinema do Brasil e uma gastronomia singular – com excelentes opções. Tem também um dos mais envolventes pequenos hotéis. O Modevie Boutique Hotel acena com apenas 15 suítes, em um predinho bem no centro da cidade, a 200 metros da rua Coberta. Para um bom pas­seio, basta sair a pé. Ou de bicicleta, oferecida aos hóspedes. Se a fachada de inspiração art nouveau evoca o roman­ tismo, o interior segue o minimalismo contemporâneo. Um lugar perfeito, enfim, para dias de sossego, idílio e relaxa­ mento. Inaugurado em 2012, o hotel capricha nos detalhes,

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dos enxovais às amenities. Seu restaurante, o Âme, recor­ re a ingredientes locais e formas modernas de preparação, tudo sob a égide do chef Vinicius Costa. Entre as criações, uma deliciosa costela cozida por 72 horas. Em tempo: consi­ derado um dos dois melhores hotéis de Gramado pelo Guia Quatro Rodas, também é vencedor do Traveler’s Choice desde a sua abertura, nas categorias Romântico, Melhor Serviço e Hotel de Pequeno Porte.

Modevie Boutique Hotel Rua Augusto Zatti, 160, Gramado – RS, (54) 3295-1075, www.modevie.com.br

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Um dos mais exclusivos hotéis de serra

Botanique Hotel & Spa Campos de Jordão, SP

Se você mora em São Paulo ou redondezas, o Botanique se encarrega de buscar as malas na sua casa e arrumá-las no armário de seus aposentos. Também as leva de volta, com as peças devidamente passadas e lavadas. Eis aí detalhes que revelam o desvelo deste que é, sem favor nenhum, um dos mais exclusivos hotéis de serra do continente. São só seis suítes no prédio principal. Além de 11 vilas, com espaço que varia de 100 a 300 metros quadrados. A arquitetura se baseia no tripé madeira reciclada, pedras e paredes inteiras de vidro. Tudo para integrar-se à paisagem e proporcionar uma visão privilegiada das montanhas, em

um terreno de 80 mil m 2, com 7 mil m 2 de área construída no âmago da serra da Mantiqueira – mas a somente meia hora de carro do centro de Campos do Jordão. Outros detalhes reveladores do Botanique, fincado 1.200 metros acima do nível do mar: os móveis são do melhor design brasileiro (de Sergio Rodrigues a Porfírio Valadares) e o spa tem seis salões de atendimento especializado. Sem contar que até um blend especial de café foi criado para o hotel.

Botanique Hotel & Spa Rua Elídio Gonçalves da Silva, 4000, Campos do Jordão – SP, (12) 3662-5800, www.botanique.com.br

www.circuitoelegante.com.br

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viagem

POR jaime bórquez

A Patagônia chilena não é para quem quer Badalação, mas para quem procura se centrar

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As Torres del Paine são, sem ou com trocadilho, o ponto alto do passeio

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viagem

H

á lugares no mundo que são unanimidachilena como destino de viagem (não usarei o termo férias, pordes – boas ou ruins. Por educação, não que é leve demais) está à procura de uma profunda experiência vou falar das últimas. E também, clade vida. É o que oferece de melhor esse fim do mundo. ro, porque gosto não se discute – só se Ou seria o começo dele? Sim, porque é justamente nessa lastima. Mas há uma unanimidade que, área que o gelo da última glaciação ainda cobre grande parte após muitas viagens até lá, continua me do território. Chega a assombrar. Aqui está a terceira maior cativando: a Patagônia chilena. Tudo nela é grandioso, a comeextensão de gelo continental, menor somente que as da Ançar pelas dimensões. A região ocupa 1/3 da extensão do país. Sua tártica e Groenlândia. São 17 mil quilômetros quadrados. Ou temperatura varia de 30 graus Celsius a 20 negativos. Os ventos mais de 11 vezes a cidade de São Paulo. Infelizmente, tal susão brutais. As geleiras, portentosas. As estepes, infindáveis. Laperfície vem diminuindo. Efeito estufa? Ciclos próprios da gos se espalham às centenas. Vulcões, aos milhares. Terra? Deixo a discussão aos cientistas e me remeto ao que Se é bem verdade que os trechos mais imponentes dos vejo pela janela do avião, que está me levando ao aeroporto de Andes estão fora da Patagônia, ainda assim seus picos esnoPunta Arenas. bam as nuvens. O Cerro San Valentin, A aeronave deu um grande giro sopor exemplo, avança a 4.058 metros de bre o mítico estreito de Magalhães. Isso altitude. De pequeno, a Patagônia só me faz lembrar o que li sobre Fernão tem mesmo o número de moradores. de Magalhães. Esse marujo português, Tudo na Patagônia Equivale a apenas 5% dos 17,7 milhões após inúmeras e infrutíferas tentativas chilena é grandioso, de moradores do Chile. Um isolamento de convencer o rei Dom Manuel a apoiar a começar pelas humano transformado em densa poesia sua empreitada de descobrir um ponto dimensões. A região – e em Prêmio Nobel de Literatura – por de união entre o Atlântico e Pacífico, ocupa 1/3 da extensão Gabriela Mistral, que morou anos na reabandonou Portugal e conseguiu uma do país. Os ventos são gião, já adulta. audiência com o jovem rei Carlos 1º, da brutais. As geleiras, Quem vem à Patagônia não procuEspanha. O monarca aceitou financiar a portentosas. Lagos se ra por grandes cidades. A maior delas, expedição. Agradecido, Fernão de Maespalham às centenas. Puerto Montt, no alto da região e sua galhães até trocou o nome para HerVulcões, aos milhares. porta de entrada, tem só 175 mil habinando de Magallanes. tantes. Não é a mais bela dos arredores Ele soltou as amarras no golfo de Cá– perde para as diminutas Puerto Varas diz, em 20 de setembro de 1519. Chegou e Frutillar, de colonização alemã. Ainda assim, permite zarpar a achar que encontrara o fim do continente americano ao entrar em uma dos mais adoráveis passeios da Patagônia: seguir de no vasto rio da Prata. Um engano. Enfim, mais de seis meses catamarã de lago em lago até Bariloche, na Argentina, vendo depois, em 1º de abril de 1520, a esquadra arribou em uma baía, os picos nevados refletidos nas águas serenas. Só um trechirodeada de terra árida. A tripulação estava com o moral abatinho do trajeto é feito por terra, atravessando a cordilheira. do depois de enfrentar tormentas, motins, fome e doenças. Um Escolhi outro cruzeiro, mais de mil quilômetros ao sul de mar de desgraças. Puerto Montt. No caso, ao largo das geleiras chilenas e a bordo do Skorpios III. Resolvi, também, passar uns dias no hotel ExO encontro com Patagón plora, para rever as estonteantes paisagens do parque Torres del Foi ali que Magallanes viu, depois de meses, os primeiros Paine. Um aviso: sem grandes cidades, a região também não é seres humanos. Como eram homens altos e fortes, aludiu aos lugar para compras, badalação diurna ou noturna e vastos hotéis gigantes marinhos. O cronista de bordo, Antonio Pigafetta, de luxo ostensivo. Atrevo-me a dizer: quem escolhe a Patagônia escreveu em seu diário: “...e o nosso capitão os chamou de

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O glaciar Serrano é colossal, como os ventos que fazem árvores crescerem curvas

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viagem Patagones”. Toda a história de que o batismo deriva das diPaulo e Sorocaba. Essa peculiar geografia fez o jornalista João mensões do pé dos nativos ou coisa que o valha é papo de guia Saldanha – eventualmente técnico de futebol – apelidar o lonturístico de quinta. Na realidade, o nome provém de uma fagilíneo ex-vice-presidente Marco Maciel, muito alto e muito mosa novela da época chamada Primaleón. O herói da história magro, de “Mapa do Chile”. tinha como inimigo um selvagem corpulento, metade animal O estreito de Magalhães torna-se azul profundo, o sol brie metade homem cujo nome era... Patagón. Essa novela, pulha com intensidade e, do outro lado, o contorno de suaves blicada em 1512, teve sucessivas reedições. Foi um best-seller. montanhas acusa a ilha Grande da Terra do Fogo. Várias etnias Mas Magallanes ainda não havia descoberto o estreito. Antes ocuparam esse amplo território. Uma delas chama a atenção disso, deu à região o nome de Terra dos Fogos, pela quantidade em especial, os Yamana. Foram pescadores e caçadores. Mas de fogueiras vistas na orla. Somente oito meses depois de ter como chegaram à ilha sem ser canoeiros? Nem sequer sabiam entrado no estreito, em 1º de novembro de 1520, ele soube que nadar. Não, os Yamana não foram abduzidos por alienígenas tinha, enfim, chegado ao outro oceano. Batizou-o de Pacífico. ancestrais. A explicação está na história de Terra do Fogo. Somente 16 anos mais tarde o espanhol Pedro de ValdiO estreito de Magalhães foi uma enorme língua de gelo e, via chegou ao Chile, 4 mil quilômetros claro, os grupos humanos em seu desejo de descobrimento cruzaram essa ao norte. É considerado, oficialmente, o branca e gelada vereda, instalando-se descobridor do país. Mas como, se a coFernão de magalhães no território. Com o passar dos anos, o rajosa odisseia de Magallanes ocorrera ancorou por aqui em gelo derreteu. Eis a origem do estreito. muito antes? 1520, após uma viagem Os Yamana permaneceram na ilha. Não trágica. Somente Pampas com história existia como e nem por que sair. Havia 16 anos depois, o Após retirar as malas no aeroporto água doce, frutos, animais de caça, maespanhol pedro de Carlos Ibañez del Campo, na cidade de riscos e peixes em abundância. A vida valdívia chegou Punta Arenas, constato que os ventos, teria sorrido para sempre aos Yamana ao chile, embora embora poderosos, não estão em seu – não fosse a apocalíptica chegada do seja considerado o apogeu. Nos dias mais insinuantes, as homem branco. descobridor do país rajadas são tão potentes que, no recreio das escolas, as crianças usam capas Um genocídio oculto para brincar de voar. Os ventos são ainMoravam na Patagônia de 10 a 11 mil da mais enérgicos em Puerto Williams, a cidade mais meriaborígenes, entre Aónikenk, Sélknam, Haush e Kawéskar, que dional do planeta – e com apenas 2.800 viventes –, obrigando eram canoeiros, além dos Yamana. Seu ocaso veio, é claro, com as árvores a crescer inclinadas. a colonização. O relacionamento com o homem branco debiliSubo à van que entra nos infindáveis pampas, sempre tentou a integridade e o vigor da cultura dos nativos. Também os do o estreito de Magalhães à minha direita. São quase três afetou o contato com as doenças europeias. Mas o golpe defihoras de trajeto até a cidadezinha de Puerto Natales, “acamnitivo foi a entrega de grandes extensões de terra, por parte do pamento base” do que pretendo percorrer desse pedacinho da governo chileno, aos colonos que povoaram esses pampas com Patagônia. Ali me espera o navio Skorpios 3. Ele navega pelos ovelhas e bois. Essa ocupação foi limiÉ comum ver gauchos com canais, visitando várias geleiras. Olhando a paisagens sem tando os pontos de caça dos nativos, que extensos rebanhos, muita variedade, meu pensamento de novo voa e viaja à históse alimentavam, em boa parte, da carne mas são incomuns o arrojo do hotel ria desse longo e delgado país. O Chile mede de ponta a ponta dos guanacos – um parente do camelo. Explora e o cerca de 4,2 mil quilômetros. Em seu trecho mais estreito, tem A introdução do gado europeu gerou cruzeiro no navio Skopios III só 70 quilômetros de largura, menos que a distância entre São um conflito inevitável, pois os nativos

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o c e a n o p a c í f i c o

não tinham qualquer noção de propriedade privada. Passaram, ca. Desse trabalho realizado pela natureza ao longo de milhaportanto, a consumir a carne de bois e ovelhas. Os estancieros res de anos surgiram centenas de golfos, istmos, ilhas, fiordes, (leia-se fazendeiros) e seus caubóis, os gauchos, começaram a lagos, rios, cachoeiras, canais, estreitos, penínsulas e outros defender à bala o seu rebanho. Os enfrentamentos se tornaram acidentes. Benjamin Subercaseaux, Prêmio Nacional de Litecada vez mais violentos. A tal ponto que o governo enviou troratura, resumiu: “Chile, una loca geografia”. pas do Exército, recebidas pelos nativos com uma chuva de fleNuma das paradas, para visitar a geleira Amalia, a naturechas. A última etnia a desaparecer foram os Sélknam. za me dá uma lição de como tudo começou após o gelo recuar. No Museu Martin Gusinde, de Punta Arenas, há fotos da O processo é lento. Chega primeiro o líquen, que vai cobrindo época, mostrando soldados disparando nos aborígenes. Alo terreno como tapete. O vento traz o pólen e a capa vegetal vai guns nativos lograram se salvar, crescendo. Algumas sementes fugindo para a Argentina. Ali, se vêm com o vento. Outras com os transformaram em peões nas fapássaros. Nascem os carvalhos e Ponta do cone zendas. Em pouco tempo perdea mata rasteira, como o calafate e ram sua cultura, idioma e a livre a chaura. O milagre da vida está a r g e n t i n a ali, bem diante dos nossos olhos. forma de encarar a vida. Uma segunda lição aprendo no Puerto Montt O whisky de 30.012 anos navio, desta vez sobre a riqueza do O navio Skorpios III zarpa do Pacífico. Pela mesa desfilam escais de Puerto Natales e entra no pécies estranhíssimas tiradas do emaranhado de canais e ilhas. Permar. Uma delas é o choro maltón, c h i l e o c e a n o sonagens tais como os bucaneium mexilhão de porte avantajado. a t l â nt i c o ros Thomas Cavendish e Francis Há também a macha, o picoroco, o Drake, os navegadores James Cook loco, o piure. O mais extravagane Robert FitzRoy e o naturalista te? A centolla, um caranguejo que, Charles Darwin percorreram essa contando as patas, chega a 1 metro Parque Nacional Torres del Paine região. No bar do navio, enquanto de diâmetro. E, estando no Chile, é Puerto Natales saboreio um whisky de 30.012 anos covardia falar de vinhos. EnquanEstreito de Magalhães Punta Arenas – 12 por conta dos escoceses e 30 to observo as montanhas, as geleiParque Nacional mil pela pedra de gelo retirada de ras, o verde desse deserto darwiTerra do Fogo uma geleira local –, observo, abniano desde o convés do Skorpios, sorto, as montanhas cobertas de passam por minha taça mostos de verdejantes bosques de carvalho. Montes, Viu Manent, Casa Silva, Darwin não estava errado ao dizer que esse era o deserto Santa Cruz, Los Vascos — o melhor dos terroires chilenos. verde. Após a saída de Puerto Natales não há mais presença Considero esta viagem uma vivência gastronômico-etíhumana e durante os três dias de navegação não veremos nem lico-cultural, que me permite também a impagável oportusequer uma casinha perdida no bosque. Vez por outra topanidade de estar livre de celular e internet, com tudo o que -se com um barquinho de pesca artesanal. O resto será água isso implica, e poder me justificar perante os afoitos que me e montanhas arredondadas pelo passo das geleiras, as chaprocuraram com um simples “desculpe, por onde andei não madas morrenas glaciares, e os profundos e arredondados vales tinha sinal”. Eles perguntarão se por acaso eu estava no fim esculpidos pelo colossal e inimaginável peso do gelo. Foi essa do mundo. Resposta afirmativa que darei com um aberto e massa gelada que formou a fragmentada paisagem patagônilongo sorriso. P

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Pura magia As Torres del Paine são, sem favor nenhum, um dos lugares mais belos no planeta

U

ma visita ao fim do mundo não

A viagem deveria continuar, mas ele pediu

entre uma cavalgada pelas cornisas ou um

está completa sem esticar ao

ao guia que o deixasse ali, observando os

passeio a Las Chinas, que termina com um

Parque Nacional Torres del Paine.

Cuernos del Paine, e que o buscasse na volta

churrasco de cordeiro ao fogo de chão no

Além de ser a imagem mais divulgada do

do passeio. O tal turista apanhou uma ração

quincho do hotel.

Chile, esse lugar faz parte das maravilhas

de frutos secos, suco, sanduíche e frutas.

indiscutíveis do planeta. Impossível ficar

Sentou-se numa rocha, apoiou as costas,

dos troncos de carvalho tem um sabor úni-

insensível à sua imponência. As tais torres

suspirou e se despediu de nós.

co. É preparada pelos gauchos, que também

poderiam ser comparadas a catedrais

Essa carne assada lentamente ao calor

Horas depois fomos reencontrá-lo.

repartem o chimarrão e histórias do huma-

góticas. Se, claro, algum templo construído

Continuava sentado com a vista cravada nas

no e do divino. De noite, no bar do Explora,

pelo homem chegasse a 3.285 metros.

torres. Ao entrar na van disse, emocionado:

enquanto saboreio uma tábua de queijos e

Curiosamente, as torres são um repeteco

“Hoje foi o ponto mais alto da viagem.Volto

frios com um Carmenère da Vinha Gracia,

dos Andes, em uma região já transigente à

pra casa não só contente e satisfeito, como já

me assalta uma pergunta: quando é noite por

planície. Lembro-me de um turista europeu

pensando em retornar a este lugar mágico”.

aqui? São 21h30, mas vejo o céu claro, ainda

hospedado no hotel. Saímos juntos cedo até

Esse é o sentimento que tenho do parque,

nem sequer avermelhado. É dia ou noite?

o lago Nordenkjöld, em uma van com outros

um lugar de paisagens mágicas. Qual seria a

Depois do segundo gole de vinho, isso não

hóspedes e o guia. Caminhamos até a orla

mais poderosa? As torres? A geleira Grey?

tem importância alguma. A Patagônia é mes-

desse lago que tem como pano de fundo a

O lago Pehoé? A incrível lagoa Azul? O salto

mo mágica. Isso é o que devo entender.

montanha com as impressionantes torres.

Grande? Difícil decidir. Assim como escolher

n www.skorpios.cl n www.explora.com

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Por JOSÉ EDUARDO MENDONÇA

Um século verde (ou o último deles) Não tem mais jeito. Ou o mundo assume uma economia sustentável ou se tornará insustentável. A boa notícia: respeitar o meio ambiente dá lucro

E

m 1976, escrevi uma série de reportagens pioneiras sobre fontes de energia alternativa para o então excelente Jornal da Tarde, de São Paulo. Na época, viajei muito pelo interior do estado e encontrei uma insuspeita atividade de usinas eólicas, de biomassa e pequenas hidrelétricas em terras particulares. Esses lugares desbravadores evitavam, ainda que em escala muito pequena, a queima de combustíveis fósseis não renováveis, como carvão e petróleo. Tal queima, como já era do conhecimento quase que exclusivo de acadêmicos, provocava o aquecimento do planeta, com seriíssimas consequências para a humanidade, além do colapso de diversos setores da economia. Existia um movimento popular ambiental, mas focado principalmente em uma questão – a da poluição. Com o passar do tempo, junto com essa preocupação, vieram muitas outras. Havia uma série de interrogações. O lixo não era resultado de um excesso de consumo? Esse consumo não iria provocar em algum momento uma exploração de recursos naturais além da capacidade do planeta de renová-los, com o crescimento então explosivo da população mundial? Se esses recursos minguassem, como a economia continuaria girando, e de onde viriam alimentos para tanta gente? Os primeiros militantes do ambientalismo eram tidos pelo sistema como hippies correndo atrás de uma utopia. Décadas depois, as empresas tiveram de levar aquelas questões a sério. Ou seriam obrigadas a fazê-lo por novas regulamentações de Estados ou por pressão gerada pelos consumidores, muito mais atentos ao estado do mundo com a disseminação de informações partilhadas pelas redes sociais. Outro dos fatores que pressionaram as empresas rumo a um caminho de responsabilidade ecológica é, evidentemente, a sua própria sobrevivência. Se a concorrência começa a

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usar de forma mais sensata os recursos naturais, e ao mesmo tempo baixa seus custos de produção, a companhia que faz vista grossa para as mudanças acaba em franca desvantagem. Não são mais só investidores e acionistas a cobrar resultados. Agora temos a pressão dos stakeholders. Ou seja, de todos os envolvidos pelos resultados das atividades da empresa, incluindo comunidades e fornecedores. Há cerca de uma década começou a pipocar um novo termo: sustentabilidade. Sim, mais do que ecologia ou meio ambiente. De início, era uma expressão confortante em relatórios anuais. Mas ainda desprendida da urgência de hoje. Os líderes empresariais não têm mais como fingir que nada acontece. Não têm mais como dar satisfações desprovidas de conteúdo verdadeiro. Nem como empurrar As lâmpadas LED consomem as coisas com a barriga menos energia por tempo indefinido. e duram mais

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A demanda por alimentos cresce mais que a oferta, num mundo que clama pela sustentabilidade

“Eles já não podem simplesmente ignorar o problema, pois isso tende a aumentar demais os riscos assumidos pelas empresas”, diz José Eli da Veiga, professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP e autor de diversos e importantes livros sobre o tema, incluindo Sustentabilidade - A Legitimação de um Novo Valor (2010). Ele retoma: “Por enquanto, para algumas dessas companhias, tais riscos podem estar apenas ligados à reputação. Mas para muitas outras o que já se anuncia, e estará cada vez mais em jogo, será sua própria longevidade”. No centro da questão está a administração inteligente de recursos como energia e água. Alimentos e matérias-primas também se beneficiarão de práticas que irão definir o rumo da economia mundial nas próximas duas décadas, em termos de polí-

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ticas e investimentos em diversos setores. No caso dos alimentos, o progresso que o mundo fez para reduzir a fome em décadas recentes foi zerado, e estaríamos bem mais perto de uma crise maior do que se imagina. A demanda cresceu bem mais do que a oferta. Apenas na última década, os estoques mundiais de grãos caíram em um terço. O súbito aumento de preços de alimentos, que dobraram entre 2007 e 2008, deixou, em números absolutos, mais pessoas famintas que em qualquer momento da história. O avanço da classe média na Ásia

Quando o período de abundância alimentar foi inaugurado, nos anos 1960, o mundo tinha 2 bilhões de habitantes. Hoje, são 7 bilhões. De 1950 a 2000 houve saltos bruscos ocasionais de preços em grãos como resultado de eventos induzidos por variações inesperadas do clima – provocando grandes perdas de colheita –, mas seus efeitos eram de curta duração e logo tudo voltava ao normal. Normal é algo que não existe mais. Com cerca de 3 bilhões de pessoas entrando na classe média (proporcional à renda de seus países) até 2030, notadamente na Ásia, a demanda de todos os recursos utilizados na produção de bens deverá crescer entre 30% e 80%. Isso tem um significado muito mais importante do que o mundo servir de morada a 7 bilhões de habitantes. Esse crescimento da demanda coincide com o fato de que encontrar novas fontes de recursos e extraí-los vai se tornar cada vez mais complexo e caro. Além disso, existem interligações crescentes entre diversos tipos de insumos. A escassez de um deles pode

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O maior data center da Apple, nos Estados Unidos, é movido por energia renovável

rapidamente contaminar a oferta de outros. Há, ainda, uma progressiva evidência de que fatores ambientais estão agindo como um constrangimento à produção, sobretudo nos setores de energia e alimentos. O futuro das empresas que não se adaptarem à nova economia poderá não existir. “A depender do prazo que se considere, já se pode afirmar que ele simplesmente não haverá”, afirma Veiga. O que as empresas terão de fazer? Primeiro, reunir informações mais confiáveis sobre impactos negativos da escassez de recursos em suas atividades. Depois, precisam avaliar onde têm relativamente mais exposição à carência de recursos em relação às suas concorrentes. Por último, devem cuidar para que esses recursos sejam utilizados de forma mais racional em todo o processo de produção. Aqueles que comandam a economia vão ter, quer queiram quer não, de sair de suas zonas de conforto e se reinventar. Não vai ser fácil, pondere-se. Trata-se de uma mudança de paradigmas não vista desde a Revolução Industrial, no século 18. As empresas terão de lidar com redes de negócios complexas e interdependentes e chegarão a isso com novos modos de pensar a economia, colaboração social, inovação e acompanhamento das tendências de sustentabilidade. É bom que se diga: tem gente se mexendo. Pense, por exemplo, no smartphone que você tem aí ao seu lado, bem perto desta revista. Por trás de nossos recursos como acesso à internet e manutenção e tráfego de nossos dados encontram-se milhares de servidores espalhados pelo mundo em bancos de dados – os data centers, cada um deles em média com gasto de

energia capaz de alimentar 180 mil lares. E também há a energia gasta na própria fabricação e transporte desses equipamentos de alta performance. Tudo isso somado dá 10% da geração mundial de eletricidade. Ou a mesma eletricidade que alimentava todo o planeta em 1985. Empresas exemplares

A Apple deu um passo importante: agora tem seu maior data center nos Estados Unidos movido inteiramente por energia renovável, com a maioria dela gerada localmente por painéis solares e células de combustível. É o necessário para o consumo de energia de 10 mil lares. E, como o custo da energia alternativa

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A rede de magazines H&M vestiu a camisa do meio ambiente até na coleta de roupas velhas

despenca e se torna mais barato que o de combustíveis fósseis, mostra-se no caso que a sustentabilidade está muito além de proteger o planeta: ela dá lucros. A rede de magazines H&M, da Inglaterra, é outro caso de adoção esperta de políticas de sustentabilidade. Mais de um milhão de toneladas de tecido vão parar em aterros a cada ano. A H&M pediu a seus clientes que levem para suas lojas roupas usadas, em qualquer estado. O resultado foi a coleta de 3.500 toneladas de tecido, o necessário para fabricar 15 milhões de camisetas, que serão vendidas. Também a americana Unilever, com seu “plano de vida sustentável”, economizou desde 2010 energia suficiente para mover 40 de suas fábricas. E usa 21% menos energia do que em 2008. Aqui no Brasil despontam, da mesma

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maneira, exemplos inspiradores. A montadora sueca Volvo foi fazendo pequenas alterações em suas práticas e acabou diminuindo em 63% a energia para produzir um veículo. Já a holandesa Philips vem na liderança de lâmpadas eficientes e de longa duração, as LED, que possam ser mais acessíveis às populações de baixa renda. O preço caiu 70% em dois anos em economia de energia e recursos não renováveis. Pequeno, mas é o que temos

Sem sustentabilidade, bem sabemos, o planeta vai sofrer consequências catastróficas, com, claro, o crescimento das emissões de gases de efeito estufa, que o aquecem. Recursos irão minguar. Os efeitos serão inúmeros, também para a saúde dos humanos. Ações individuais podem também ser significativas e exemplares. Olhe em volta e veja o quanto consome de coisas que não são realmente necessárias. A ideia é que cada morador do planeta precisa se mexer para ajudar a transformar o mundo. O físico Stephen Hawking disse, em entrevista recente, que a única saída para a humanidade é simplesmente mudar de planeta. Ao menos nas próximas décadas, porém, essa solução é inviável. Continuará reservada aos devaneios do cinema e da literatura. A Terra, nos parâmetros de quem a conhece a fundo e pode cotejá-la, com fundamentos, a outros planetas, não é grande coisa em matéria de tamanho. “Vista de 230 mil milhas de distância, é realmente pequena”, contou o astronauta Frank Borman, que participou da missão Apolo 8, em 1968. Mas por enquanto, e por muito tempo ainda, porém, é o que temos. P

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Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária - CONAR

2.827

Total de processos instaurados pelo CONAR entre 1/1/2007 e 31/12/2014

344

Processos abertos envolvendo publicidade infantil

230

Processos que terminaram com penalização para o anunciante e sua agência

35 ANOS DE ÉTICA NA PRÁTICA

www.conar.org.br

35 ANOS DE ÉTICA NA PRÁTICA

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the president

AP Photo / Glow Images

Elizabeth 2ª, Rous, o príncipe Philip, a princesa Margaretha e Bobby Moore

Bobby save the Queen

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ia 30 de julho de 1966. Premiação da Copa do

a exposições e guardava a réplica em um cofre. Wembley acabou

Mundo em Londres. Após vencer a Alemanha na

demolido em 2003, para dar lugar a um estádio mais moderno.

final, na prorrogação, a Inglaterra levanta a taça,

entregue pela rainha Elizabeth 2ª ao capitão do English Team, o

do retrato –, continuam firmes como a catedral de Saint Paul.

zagueiro Bobby Moore.

Ela aos 90 anos. Ele, aos 95. Também está viva e forte, aos 81, a

A imagem, meio século depois, mostra que tudo mudou –

princesa sueca Margaretha, irmã do rei Carl Gustav. É a senhora

à exceção da cúpula das monarquias britânica e sueca. Stanley

loura com chapéu rosa. No trono desde 1953, Elizabeth tornou-

Rous, o senhor de cabelos brancos, ex-bandeirinha e então

se a monarca com o reinado mais longo do Reino Unido. Em 9

presidente da Fifa, morreu em 1986, aos 91 anos. Amargava

de setembro de 2015, superou o recorde da tataravó, a rainha

o dissabor de ver seu eurocentrismo diluído pelo populismo

Victoria, que comandou o império por 63 anos e 215 dias.

do sucessor, João Havelange. Ao menos não testemunhou os

Muita coisa mudou em Londres. Os pombos da Trafalgar

recentes escândalos da Fifa. Bobby Moore morreu bem mais

Square foram dizimados pela prefeitura, a frota dos ônibus

jovem. Tinha apenas 51 anos quando sucumbiu a um câncer.

de dois andares (os célebres double-deckers) diminuiu

Nem mesmo a taça Jules Rimet nem o tradicional estádio

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Mas Elizabeth 2ª e o marido, Mark Philip – o espigado príncipe

drasticamente e até o sisudo The Times se viu transformado

de Wembley sobreviveram. O troféu, sob a posse definitiva do

em tabloide – no formato, bem entendido. Elizabeth 2ª, todavia,

Brasil tricampeão do mundo desde 1970, foi roubado e derretido

já declarou que não tem a menor intenção de abdicar em favor do

11 anos depois, no Rio de Janeiro. A CBF levava a taça verdadeira

filho. Aos 67 anos, Charles continua no banco de reservas.

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