THE PRESIDENT

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Edição 28 • março 2017 • romero rodrigues

thepresident

romero rodrigues Managing partner da Redpoint eventures

De olho na inovação




editorial

N

o mais recente Ranking Global de Inovação, elaborado pela ONU, o Brasil ocupa a modestíssima 69ª posição. Atrás de outros países da América Latina, não só dos surpreendentes Chile (44º) e Costa Rica (45º), como também do México (61º), Uruguai (62º) e Colômbia (63º). Sim, números mais do que preocupantes nestes tempos em que o céu é, de fato, o limite em matéria de tecnologia — basta lembrar que o conhecimento, hoje, está nas nuvens. Em um cenário com tais contornos, talentos jovens como o paulista Romero Rodrigues significam um bocado de esperança. Eis o Brasil criando e vendendo tecnologia. Aos 20 anos, Romero juntou-se a quatro amigos de faculdade para dar início ao site de comparação de preços Buscapé, com investimento inicial de R$ 300 ao mês. Pouco mais de uma década depois, vendeu a empresa para a gigante sulafricana Napster por nada menos que US$ 342 milhões. Agora, aos 39 anos, sócio de uma companhia do Vale do Silício, procura outros jovens Romeros para investir, como conta, entusiasmado, na reportagem de capa. Esta edição traz também um perfil de Montreal e Toronto, as duas maiores cidades do Canadá. Um país muito bem colocado, por sinal, no Ranking Global de Inovação: um confortável 15º lugar, ainda que o frio intenso obrigue a população das duas a se refugiar no inverno abaixo do nível do chão. Tecnologia igualmente é o tema de nosso Especial Relógios, com as novidades em alta relojoaria do Salão de Genebra e do BaselWorld 2017. As duas grandes e tradicionais mostras se instalam, não à toa, na Suíça. Trata-se simplesmente do primeiríssimo colocado no Ranking Global de Inovação, à frente de Suécia, Reino Unido, Estados Unidos e Finlândia. Boa leitura.

andré cheron e fernando paiva Publishers

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expediente

the president Publicação trimestral da Custom Editora edição 28

publishers André Cheron e Fernando Paiva

REDAÇÃO Diretor editorial Fernando Paiva fernandopaiva@customeditora.com.br diretor editorial adjunto Mario Ciccone mario@customeditora.com.br redator-chefe Walterson Sardenberg So berg@customeditora.com.br Repórter Juliana Amato julianaamato@customeditora.com.br ARTE editor Guilherme Freitas guilhermefreitas@customeditora.com.br assistente Raphael Alves raphaelalves@customeditora.com.br prepress Daniel Vasques danielvasques@customeditora.com.br PROJETO GRÁFICO Alessandro Meiguins e Ken Tanaka COLABORARAM NESTE NÚMERO Texto Antônio Torres, Lito Cavalcanti, Luciana Lancellotti, Luiz Guerrero, Marcello Borges, Marion Frank, Renata Bench, Roberto Muggiati, Sergio Crusco, Silvana Assumpção, Silvio Cioffi e Tom Cardoso Fotografia Ivan Shupikov, Marcelo Spatafora, Ricardo Rollo e Silvio Cioffi Tratamento de imagens Felipe Batistela ilustração Guilherme Freitas, Raphael Alves MAPA Roberto Torrubia Revisão Goretti Tenorio Capa Romero Rodrigues, fotografado em São Paulo, por Marcelo Spatafora THE PRESIDENT facebook.com/revistathepresident @revistathepresident www.customeditora.com.br

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PUBLICIDADE Diretor executivo André Cheron andrecheron@customeditora.com.br diretor comercial Oswaldo Otero Lara Filho (Buga) oswaldolara@customeditora.com.br Gerente de Publicidade e Novos Negócios Alessandra Calissi alessandra@customeditora.com.br executivOs de negócios Northon Blair northonblair@customeditora.com.br ANALISTA DE MAILING Marcia Gomes marciagomes@customeditora.com.br ADMINISTRATIVO/FINANCEIRO Analista financeira Carina Rodarte carina@customeditora.com.br Assistente Alessandro Ceron alessandroceron@customeditora.com.br REPRESENTANTES REGIONAIS GRP – Grupo de Representação Publicitária PR – Tel. (41) 3023-8238 SC/RS – Tel. (41) 3026-7451 adalberto@grpmidia.com.br CIN – Centro de Ideias e Negócios DF/RJ – Tel. (61) 3034-3704 / (61) 3034-3038 paulo.cin@centrodeideiasenegocios.com.br Tiragem desta edição: 12.000 exemplares CTP, impressão e acabamento: Intergraf Ind. Gráfica Custom Editora Ltda. Av. Nove de Julho, 5.593, 9º andar – Jardim Paulista São Paulo (SP) – CEP 01407-200 Tel. (11) 3708-9702 ATENDIMENTO AO LEITOR atendimentoaoleitor@customeditora.com.br Tel. (11) 3708-9702



Março 2017

22

76

90

14 VISÃO

53 especial

110 proa

18 AUDIÇÃO

76 perfil

118 mulher

22 OLFATO

84 memória

126 LUXO

26 PALADAR

90 Roteiro 4x4

130 viagem

32 TATO

98 velocidade

138 THE PRESIDENT

38 capa

106 garagem

A flamejante trajetória de Melania Trump, de imigrante ilegal a primeira-dama

Há cem anos era gravado, em Nova York, o primeiro disco da história do jazz

Por que, afinal de contas, a baunilha é a mais valorizada das especiarias

A bordo de um avião, quase tudo muda de sabor. Até mesmo alguns dos melhores vinhos

Estourar plástico bolha, mais do que um passatempo, tornou-se uma terapia

Romero Rodrigues é brasileiro e, milagre dos milagres, ficou milionário com tecnologia

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© getty images

foto: roberto torrubia

sumário

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O melhor da alta relojoaria do Salão de Genebra e do Basel World

Nos tempos heroicos da Fórmula 1, o argentino Fangio foi o melhor de todos

Antonio Callado era um escritor radical. Mas sem perder a elegância jamais

A série Pajero Full Indica começa com Campos do Jordão e arredores

Quem diria? Até as marcas de superesportivos se renderam aos SUVs

Pé na tábua com Volvo XC90 D5, Ducati XDiavel, Audi A4 Avant e Jaguar XJ

Lanchas rápidas, dinheiro rápido, morte rápida. Eis a vida de Don Aronow

O encontro sadomasô das belas Pat Andrade e Gabriela Bassani

Toda a nobreza do The Dorchester, o hotel que reina em Londres há 86 anos

A doce rivalidade entre as duas maiores cidades do Canadá: Toronto e Montreal

Semelhanças de uma dessemelhança: John Kennedy e Donald Trump


Toronto: a maior cidade do Canadรก

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colaboradores

CAPA

capa

VISão

tom cardoso

marcelo spatafora

marcello borges

Seus divertidíssimos posts no Facebook

No ano passado, nosso velho cúmplice

Formado em direito e engenharia, o

foram o pontapé inicial de dois livros de

Spata, como é chamado entre jornalistas,

nosso frequente colaborador prefere

crônicas, que se juntaram às biografias

esteve em Londres, Tóquio e Los Angeles

os ofícios de jornalista, tradutor e o

do craque Sócrates e do jornalista Tarso

com Romero Rodrigues, a quem clicou

hobby que transformou em profissão:

de Castro, entre outras. Sobre Romero

para a capa desta edição. “Somos amigos

é professor de charutos e bebidas

Rodrigues, seu entrevistado, resumiu:

e, depois da sessão de fotos, fomos tomar

destiladas da Associação Brasileira

“Ele é o milionário com menos pinta de

um chopinho”, conta o fotógrafo, que já

de Sommeliers. Para esta edição,

milionário que entrevistei. Grande papo”.

trabalhou em um estúdio em Milão.

remontou a trajetória de Melania Trump.

audição

olfato

paladar

roberto mugGiati

silvana assumpção

luciana lancellotti

Versatilidade é com ela. Carioca radicada

Ela rodou o mundo como jornalista

repórter do jornal Gazeta do Povo, de

há décadas em São Paulo, Sil, como

especializada em vinhos e gastronomia,

Curitiba, ele comprou o LP da foto acima.

é chamada pelos amigos, atuou nas

viajando muitas vezes na classe executiva.

“Já tive milhares de vinis, mas a falta de

redações de Exame, CartaCapital e Forbes

Ainda assim, sua refeição inesquecível

espaço e a chegada dos CDs diminuíram

Brasil, entre outras. Sempre escrevendo

num avião foi aos 5 anos. “Provei

bastante a coleção”, conta Muggiati, que,

com desenvoltura sobre assuntos que vão

brigadeiros de sabores diferentes num

para este número, escreveu sobre os 100

de economia a cultura. Desta vez, contou

voo da Varig”, relembra. A cozinha de

anos da primeira gravação de jazz.

a surpreendente história da baunilha.

bordo é o seu assunto nesta edição.

Em 1954, com o primeiro salário de

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perfil

memória

marion frank

lito cavalcanti

antônio torres

De volta ao país, depois de uma longa

A paixão pelo automobilismo bateu muito

Lançado em 1976, o romance Essa Terra

temporada na Califórnia, a eclética

cedo, quando o garoto ouvia falar em

foi traduzido para idiomas tão diferentes

jornalista paulistana escreve com humor

Juan Manuel Fangio, seu perfilado nesta

entre si quanto o búlgaro e o vietnamita.

e erudição sobre um tema inusitado:

edição. Em 1972, o hoje comentarista

Seu autor é o ocupante da cadeira

o plástico bolha. Não, ela não adora

da SporTV já cobria Fórmula 1. Não

23 da Academia Brasileira de Letras.

estourar o tal objeto. Budista e professora

só. “Também fui repórter nas áreas de

Ele nos brinda com as lembranças de

de ioga, criou maneiras mais meditativas

polícia, geral, cultura, comportamento,

outro Antonio, também grande escritor,

de enfrentar o tédio ou o estresse.

saúde e tantas outras”, conta Lito.

romancista e imortal: Antonio Callado.

velocidade

mulher

viagem

luiz guerrero

ivan shupikov

silvio cioffi

Há mais de três décadas, Guerra, como

Seus primeiros retratos foram os de

Graduado pela Faculdade de Direito

é chamado pelos chegados, acelera na

skatistas “voando”. Depois, Ivan pousou

da USP, também estudou ciências sociais

imprensa automotiva. Sempre com raro

nos estúdios como assistente de grandes

na mesma universidade. Mas a vocação

brilho. Seu texto elegante está a serviço

fotógrafos. Quando partiu para um

jornalística se sobrepôs. Silvio ingressou

de muitas informações comparativas, de

trabalho autoral, aliou uma técnica

na Folha de S.Paulo em 1984. Sete anos

que desfrutam os leitores de Car and

apuradíssima a um vívido interesse pelo

depois, tornou-se editor de turismo do

Driver e Cycle World, revistas em que atua

universo underground urbano de São

jornal, função que exerceria por 22 anos

como diretor de redação.

Paulo e seus personagens.

e que o levou a desbravar o planeta.

tato

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visão POR marcello borges

mulher para 400 talheres Melania Trump fala fluentemente quatro idiomas, trabalha desde os 16 anos e desenha joias. E tem 1,80 metro

N

ovo Mesto – ou “Nova Cidade”, indicando que foi erguida sobre as ruínas de outra – é uma pacata e discreta urbe na Eslovênia, com 34 mil habitantes. Foi ali que, em 26 de abril de 1970, veio ao mundo Melanija Knavs. Ou, como se escreve em alemão, Melania Knauss. Ela nasceu como cidadã iugoslava, país que seria desmembrado 36 anos depois. Viktor Knavs, seu pai, era comerciante de carros e sua mãe, Amalija, modelista de roupas infantis. Como tinha espelhos em casa, Melania logo percebeu seu potencial. Es­­­treou como modelo aos 16 anos. Dois anos depois, assinou contrato com uma agência de Milão. Chegou a frequentar a Universidade de Ljubljana, mas saiu um ano depois para se dedicar so à carreira. Não imaginava ir tão longe – em todos os sentidos. Hoje, a página da Casa Branca dedicada à primeira-dama faz constar, com aparente orgulho, uma lista de publicações cujas páginas ela adornou, como a New York Magazine, Vogue, Harper’s Bazaar, in Style e... a GQ inglesa. Na edição de janeiro de 2000 desta última, Melania, então com 30 anos e namorada de Do-

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nald Trump, aparece a bordo do Boeing 727 do magnata, com fivelas de cintos de segurança feitas de ouro. Entre joias, peles e outros paramentos, mal oculta seus belíssimos atributos. Prova da popularidade dessa edição da GQ britânica é o fato de estar sendo vendida no site eBay a quase 500 libras. Sem dúvida, uma primeira-dama valorosa. Mas essa não foi a única incursão fotográfica em pelo da modelo eslovena. A edição de fevereiro de 1997 da Max Magazine, revista francesa já extinta, publicou fotos bem mais picantes de Melania, clicadas pelo exótico fotógrafo Alé de Basseville. Nelas, ela aparece nua, seja sozinha, seja de conchinha com a modelo escandinava Emma Eriksson – esta, aliás, dotada das famosas medidas de ampulheta (92-69-98), segundo sua ficha num site especializado. A primeira-dama não fica atrás em números: 97-66-94 espalhados com toda harmonia em 180 centímetros perpendiculares à base. Em 31 de julho de 2016, o tabloide New York Post republicou essas fotos, causando furor e temores republicanos de que a revelação de Melania melasse (desculpem, não resisti) a campanha

do marido. O Post conversou com De Basseville. O fotógrafo disse que Melania foi “superlegal, uma personalidade fantástica, muito gentil”. Acrescentou que a modelo se mostrou muito à vontade para posar. Disse também que sempre gostou de ver mulheres juntas, porque esteve com muitas que queriam fazer ménage à trois. E comentou: “Isso é belo, não é pornografia. Fico chocado com a indústria pornográfica porque ela destrói a emoção e a essência da pureza e da simplicidade”. Donald Trump também não pareceu preocupado com as fotos. “Melania foi modelo de muito sucesso e fez muitas sessões de fotos para capas e revistas importantes”, disse. “Na Europa, fotos como essas são muito elegantes [“very fashionable”, sic] e comuns”, acrescentou. Bem, ele precisa nos contar que revistas o pessoal de comunicações da Casa Branca tem usado nos clippings... E quem foi que apresentou a bela à fera? Paolo Zampolli. Ele é filho único de um rico clã milanês, com ramos familiares que chegam ao Vaticano. Sua avó era prima distante do papa Paulo VI. Zampolli começou a vida mergulhando no Mediterrâneo e esquiando na Suíça,


Š getty images


visão

Nua no tabloide New York Post e na revista GQ britânica. E muito família na Vogue e na People. Uma primeira-dama com dupla face

como convém a um jovem membro da dolce vita. Seu pai tinha uma fábrica de brinquedos que faturou muito com os bonecos da série Star Wars. Após tocar a empresa durante alguns anos – o pai morreu quando Zampolli estava com 18 anos – vendeu-a a Silvio Berlusconi. Aí é que a coisa ficou interessante.

batiam ponto. “Nós temos interesses comuns: gostamos do que é belo.” Sua bem fornida agenda foi muito útil para a dupla. Zampolli e Trump convocavam modelos famosas para vender imóveis em Manhattan. Se fôssemos bolar um lema para Paolo Zampolli, poderia ser “De playboy a penthouse”...

Ela desembarcou nos Estados Unidos em 1996, como imigrante ilegal. Dois anos, depois conheceu o conquistador de topete amarelo. Ao seu casamento com Trump, na Flórida, compareceu... Hillary Clinton Com um portfólio que veio a incluir as modelos brasileiras Ana Hickmann, Gianne Albertoni e Cinthia Moura, Zampolli criou a ID Models em Nova York em meados da década de 1990, uma das primeiras agências a se valer da internet para suas atividades. A ID operou até 2008. Naquele ano, Zampolli se associou a Donald Trump como diretor de Desenvolvimento Internacional de Negócios. A amizade entre ambos já era antiga. Pouco depois de chegar a Nova York, Zampolli conheceu Trump, cujo estilo admirava. Volta e meia os dois se encontravam nos clubes noturnos onde

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Pouco depois do início das atividades da ID Models, o italiano apresentou a modelo eslovena Melania Knauss, então com 19 anos, a seu amigo de topete amarelo. Zampolli a descobrira em Milão, num evento de casting, e perguntou-lhe se gostaria de testar o mercado americano, onde poderia ganhar mais. “Sim, isso me interessaria muito”, respondeu a bela. Coleção de modelos

Em 1996, Melania, imigrante ilegal, se instalou no prédio nova-iorquino onde Zampolli tinha morado e ficou amiga da namorada dele na época, Edit Molnar. Dois anos depois, numa de suas festas, o

italiano convidou Trump a se sentar à sua mesa. Não tardou para que o presidente começasse a sair com Melania. Curiosamente, tanto sua segunda mulher, Marla Maples, quanto a primeira, a checa Ivana Zelníčková, também eram modelos. Parece uma obsessão na vida do empresário-presidente ter caras-metades habituadas às lentes dos fotógrafos. Quanto a Zampolli, casou-se há mais de dez anos com a ex-modelo brasileira Amanda Ungaro, e ambos dão-se muito bem com o presidente e a primeira-dama. Ele quer ser uma espécie de embaixador informal do Brasil junto a Trump. A conferir. O casamento de Melania e Donald em 2005, em Palm Beach, na Flórida, teve convidados como Shaquille O’Neal e o casal Clinton – ela senadora e sem imaginar que um dia iria enfrentar seu anfitrião nas urnas. No ano seguinte, Melania tornou-se cidadã americana e mãe de Barron William Trump, quinto filho do magnata. Trump entra para uma lista bem limitada de presidentes americanos em função de seu histórico matrimonial: antes dele, Ronald Reagan foi o único divorciado (e casado em segundas núpcias)


Na posse do marido e “homenageada” em um grafite: novos tempos

a chegar ao cargo. Mas Donald Trump, já na terceira mulher, é o primeiro com mais de um divórcio. Além disso, ele filia-se a um exclusivo grupo de políticos casados com beldades. Recordemos de Nicolas Sarkozy (e sua adorável Carla Bruni), de John Kennedy (e a não menos adorável Jacqueline) e – por que não? – de Jango Goulart (e sua Maria Teresa). Mas Melania não foi a única primeira-dama americana a nascer no exterior: Louisa Adams, casada com o sexto presidente dos EUA, John Quincy Adams, nasceu em Londres.

fotos © getty images

Adeus, palácio suspenso

Tola, ela não é. Fala inglês, alemão, francês e, claro, esloveno. Em 2010, bem antes de ser primeira-dama, Melania desenhava joias e relógios, além de criar uma linha de cosméticos própria em 2013. Ainda assim, seu convívio no mundo da moda não tem sido fácil. Até o traje que Melania usaria na posse de Donald foi alvo de discussões. O estilista Tom Ford já havia se recusado a desenhar modelitos para a ex-modelo. E explicou: “Ela não tem a imagem que procuro”. Não é segredo que Ford fez vestidos para Michelle Obama e apoiou Hillary. Já a designer francesa Sophie Theallet chegou a publicar uma carta aberta para outros estilistas, convocando-os a se recusar a desenhar algo para Melania. Ao passo que Tommy Hilfiger, Carolina Herrera e outros declararam não ter problema algum em fazê-lo. Thom Browne saiu pela tangente: “Em respeito à posição da primeira-dama dos Estados Unidos, ficaria honrado se fosse cogitado para

idealizar algum traje para ela, fosse quem fosse a primeira-dama”. Morar em Washington foi uma decisão bem difícil para Melania. Ela demorou a deixar claro que vai, sim, trocar seu palácio folheado a ouro suspenso sobre a 5ª Avenida para passar alguns anos na monótona Casa Branca, embora ainda divida seu tempo entre a capital e Nova York. Foi o que declarou a assessora de Melania, Stephanie Winston Wolkoff: “A Sra. Trump sente-se honrada em servir a este país, e está tomando muito a sério o papel e as responsabilidades de primeira-dama”. Disse ainda que, ao final do ano letivo, Melania vai avaliar se será melhor

continuar na ponte aérea ou se mudará definitivamente para Washington com Barron, seu filho com o presidente. Quanto a Trump, perguntado se iria se sentir solitário caso Melania não estivesse na Casa Branca, disse: “Não, porque acabo trabalhando mais. O que é bom”. Vale lembrar o imortal bordão de Jô Soares: “Vai pra casa, Padilha!”. P

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audição POR roberto muggiati

na ponta da agulha Há cem anos era gravado em Nova York, com um quinteto de New Orleans, o primeiro disco de jazz

E

m 1917, a Original Dixieland Jass Band, quinteto de jazz de New Orleans, foi convidada para tocar música de dança no Reinseweber’s Café de Nova York. Ali, a Victor Talking Machine Company convocou a banda para gravar um disco de 78 rotações. Em um lado, registrou “Livery Stable Blues”. No outro, “Dixie Jass Band One Step”. O primeiro disco de jazz, gravado em 26 de fevereiro de 1917, um domingo, foi lançado pelo selo Victor uma semana depois, em 6 de março. O preço: 75 centavos. Vendeu mais de um milhão de cópias. Há cem anos o mundo começava a ser embalado pelo jazz. Não havia um afrodescendente sequer na ODJB (uma banda virar sigla já consistia um sinal de sucesso). O baterista Tony Sbarbaro e o cornetista Nick LaRocca eram filhos de imigrantes sicilianos; o clarinetista Larry Shields era de origem irlandesa-americana; o trombonista Eddie Edwards e o pianista Henry Ragas também eram americanos de origem europeia. Todos nascidos em New Orleans, um caldeirão racial. A cidade foi fundada por franceses em 1718,

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cedida ao império espanhol, retomada pelos franceses e vendida por Napoleão aos Estados Unidos em 1803. Todos da ODJB viveram além dos 60 anos, menos o infeliz Ragas, levado pela gripe espanhola em 1919. A partir daquele momento, podemos traçar a “arqueologia do jazz gravado”, uma grande contradição: o jazz sempre se pretendeu “a música do momento”, incapaz de se repetir tal como foi tocada pela primeira vez. Mas a única maneira de guardar sons é algum tipo de gravação. A primeira reprodução sonora foi feita por Thomas Alva Edison em 1877

num cilindro de cera. Ele previa o uso da gravação para funções de escritório e não viu seu potencial para a área do entretenimento. Mas logo a nova técnica levava música às massas. Primeiro, rolos de pianola. Depois, discos de goma-laca, que suplantaram os cilindros de cera. A gravação acústica, porém, trazia sérias limitações a instrumentos como piano, baixo e bateria. Isso mudou com a era da gravação elétrica, que vigorou de 1925 a 1947. Foi o apogeu dos discos de 78 rotações por minuto, em que cada lado comportava pouco mais de três minutos de música. Depois da Segunda Guerra, veio a grande revolução. Um material novo – o policloreto de vinil, ou PVC – permitiu a compressão dos sulcos. Um Original Dixieland Jass Band: o início de tudo


LP de 12 polegadas e rotação de 331/3 oferecia um espaço de gravação de meia hora de cada lado. A mudança, obviamente, favorecia muito o jazz. Os instrumentistas agora podiam se entregar a longas improvisações, embora tivessem aprendido a lição da concisão com a camisa de força dos 78 rpms. Caçadores de sons

As gravadoras independentes apostaram num jazz mais complexo e experimental, o bebop. A economia de recursos modelou a nova música. Os grupos limitavam-se em geral ao quinteto: sax, trompete, piano, baixo e bateria. Para não pagar royalties, os músicos construíam novas melodias sobre a grade harmônica de canções conhecidas. O saxofonista Charlie Parker, por exemplo, transformou “What Is This Thing Called Love” em “Hot House”; “Indiana” em “Donna Lee” e “Embraceable You” em “Quasimodo”. Sua obra-prima, “Koko”, é uma paráfrase de “Cherokee”. Mais tarde, as versões alternativas (o alternate takes) acabaram incluídas em álbuns. Os três takes de “Un Poco Loco”, de Bud Powell, foram saudados pelo crítico Leonard Feather como “o nascimento de uma obra-prima” e incluídos pelo crítico literário Harold Bloom entre as maiores obras da arte americana do século 20. Revelam também o processo criativo dos jazzistas e mostram que a improvisação não é uma coisa tão aleatória como se imaginava: há um plano na cabeça do improvisador, o que faz dele um “compositor instantâneo.” Outro fenômeno típico foi o surgimento dos caçadores de sons. Isso ocor-

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audição Três gravações lendárias de Bechet, Bill Evans e Charlie Parker

Duke Ellington com John Hammond, um dos grandes produtores de disco do gênero

reu porque os gravadores se tornaram cada vez mais portáteis. Um dos caçadores mais notórios foi Dean Benedetti (1922-57), um saxofonista que virou fã compulsivo de Charlie “Bird” Parker ao ouvi-lo em 1945 na Califórnia. Em Los Angeles (1947) e em Nova York (1948), Benedetti gravou ao vivo 145 canções tocadas por Parker em clubes de jazz. Registrava só o tema, o solo de Bird e o final da música, sem perder espaço com os demais solistas. Os acetatos e as fitas de Benedetti foram uma lenda até 1988, quando seu irmão, Rick Benedetti, os encontrou e vendeu para a Mosaic Records, que lançou em 1990 a caixa The Complete Dean Benedetti Recordings of Charlie Parker. Parker protagonizou um dos episódios mais trágicos do jazz em 1946, em Los Angeles, ao surtar em plena gravação de “Lover Man” no estúdio da Dial. Seu solo é um desesperado grito de socorro. Apesar das falhas (Bird estava

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alcoolizado e drogado), o contrabaixista Charles Mingus considera “Lover Man” um dos mais belos solos do saxofonista. Levado de volta ao hotel, Parker botou fogo no colchão e saiu do quarto vestindo apenas um par de meias, o que lhe valeu uma temporada numa clínica de reabilitação. A experiência também rendeu música: “Relaxin’ at Camarillo”, que Bird gravou tão logo voltou às ruas. A vez dos songbooks

O jazz começou cedo a inovar no mundo do disco. Em 1941, ainda nos rudimentos da mixagem, a RCA desafiou Sidney Bechet a tocar seis instrumentos sucessivamente em “Sheik of Araby”, que seriam depois juntados para formar um todo. Bechet começou com piano. Depois tocou bateria, contrabaixo, sax tenor e clarineta. Na hora de fazer o lado B, “Blues of Bechet”, estava tão cansado que gravou só quatro instrumentos. O sindicato dos músicos obrigou a gravadora a pagar os cachês de sete artistas.

No álbum de 1963 Conversations with Myself, o pianista Bill Evans toca a seis mãos… consigo mesmo, recorrendo à mixagem. Evans repetiria a experiência em dois outros LPs. Ele inovou outra vez em 1971 no álbum From Left to Right, ao usar simultaneamente dois pianos, dispostos num ângulo de 90 graus. Com a mão esquerda, toca um Steinway acústico; com a direita, pela primeira vez, um elétrico, Fender Rhodes. O destaque do álbum é “The Dolphin”, de Luiz Eça. Alguns homens tiveram atuação marcante na conexão do jazz com o disco. Bisneto do milionário Vanderbilt, John Hammond (1910-87) começou a garimpar discos de jazz ainda garoto. Produtor da Columbia, gravou Bessie Smith e Billie Holiday, sua descoberta. E lançou ainda, citando apenas os principais, Count Basie, Benny Goodman, Bob Dylan, Aretha Franklin e Bruce Springsteen. Foi Hammond que organizou os históricos concertos From Spirituals to Swing no Carnegie Hall, em 1938 e 1939,


Wein (com a mão no bolso, ao lado de Walt Harper e Michael Williams) criou o Festival de Newport. Van Gelder (ao lado) era meticuloso

reunindo músicos de escolas diferentes e promovendo a integração racial. Outro que usou uma sala de concerto para integrar brancos e negros foi Norman Granz (1918-2001), empresário que em 1944 produziu um show antissegregacionista no Philharmonic Auditorium de Los Angeles, intitulado Jazz at the Philharmonic. Logo o JATP, englobando os melhores músicos e cantores de jazz, se tornou um espetáculo itinerante, excursionando pelos Estados Unidos, Europa e Japão. Granz inovou também ao criar os songbooks, a maioria com Ella Fitzgerald, dedicados à obra dos grandes compositores americanos. Tem jazz no Ceará

Apaixonado por eletrônica, Rudy Van Gelder (1924–2016) estudou optometria por achar que não ganharia a vida como engenheiro de som. Em 1946, agregou uma cabine de controle à sala de estar da casa dos pais em Hackensack, Nova Jersey. Ligado aos selos independentes,

fotos © Getty images

nos anos 1950 trabalhava ainda como optometrista de dia e fazia suas gravações à noite. Miles, Monk, Coltrane, Rollins, Horace Silver, Art Blakey passaram por lá. No verão de 1959, concentrou-se só nas gravações, num estúdio maior que

em Boston, começou como pianista de jazz e fundou o clube Storyville, na sua cidade natal. Foi ele quem, a convite de um casal de ricaços de Newport, Rhode Island, organizou o primeiro festival de jazz ao ar livre, em 1954. O Festival de

Em 1941, Sidney Bechet tocou seis instrumentos diferentes em uma mesma gravação. O sindicato dos músicos obrigou a companhia de discos a pagar a ele o cachê equivalente a sete artistas construiu em Englewood Cliffs, NJ, inspirado na arquitetura de Frank Lloyd Wright, parecendo uma capela, com um pé-direito altíssimo e acústica excepcional. Um crítico ressaltou “a meticulosidade extrema de Van Gelder, sua insistência em proibir bebida e comida no estúdio e que alguém sequer tocasse num microfone. Ele mesmo manuseava sempre seu equipamento com luvas. Examinava cada cópia e inscrevia sua rubrica com um estilete na área livre entre os sulcos e o rótulo: #RVG 3549.” O judeu George Wein (1925), nascido

Newport se expandiu e tornou-se grande palco para gravação ao vivo de várias gerações. Ao longo das décadas, outros festivais proliferaram mundo afora. Até o Brasil entrou há muito no circuito. Já ouviu falar do Festival de Jazz & Blues de Guaramiranga? Acontece nos dias de Carnaval, na Serra do Baturité, a 865 metros de altitude, com atrações internacionais. No Ceará tem disso, sim, graças a uma forma de arte que marcou o século 20 e começou a conquistar seu público há cem anos, com a gravação do primeiro disco de jazz. P

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olfato

POR silvana assumpção ilustração guilherme Freitas

Essa fêmea, a baunilha No fundo do inocente e popular aroma, vindo do Império Asteca, se esconde um saboroso toque erótico

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ense numa cavidade escura e alongada, própria para conter e envolver completamente aquilo que lhe adentra, da ponta à base, sem sobra nem falta, em moldagem perfeita. Você, é claro, logo imaginou a bainha de uma espada, não é? Mas estaria muito certo também se pensasse numa vagina, palavra derivada do latim vagna (“vagem” ou “bainha”), que só no século 17 passou a ser usada para nomear aquela cálida parte do órgão sexual feminino. Antes disso, todo o espectro de palavras latinas com a mesma raiz – como as já citadas “vagem” e “bainha” em português ou a vaina, que significa o mesmo em espanhol – referia-se apenas a outros objetos com aquela, digamos, forma vaginal. Foi assim que no início do século 16, quando os espanhóis comandados por Hernán Cortés conquistaram a atual região centro-sul do México e destruíram o Império Asteca, a delgada vagem de certa orquídea que conheceram por lá recebeu deles o nome de vainilla – o diminutivo de vaina. As propriedades aromáticas e de sabor da vainilla ou vanilla (esta a grafia usada na denominação científica da espécie, aliás a única a produzir um fruto comestível entre

todas as orquídeas) já eram conhecidas havia centenas de anos pelos índios nativos totonaca, depois dominados pelos astecas. Ele era utilizado no preparo de uma bebida exclusiva da corte de Montezuma, o chocolate (chocolatl), outra preciosidade gastronômica asteca introduzida na Europa por Cortés. Como a troca do “v” pelo “b” é característica da evolução fonética das línguas românicas e muito comum no português, chegamos assim, da vagina à vaina, à vainilla e à nossa baunilha, esse sublime flavorizante, o mais utilizado e o mais apreciado do mundo, tanto em receitas domésticas como industriais – basta dizer que a Coca-Cola é o maior consumidor mundial do extrato de baunilha. Ele entra também em formulações de uma enormidade de outros produtos, como perfumes, tabaco, cola para selos ou papelaria fina. Uma vez que chegou ao Velho Mundo batizada em espanhol, praticamente todas as línguas ocidentais designaram essa rica planta, bem como sua flor, seu fruto (a vagem ou fava), suas sementes e o extrato delas colhido, por nomes semelhantes, como o inglês vanilla, o francês vanille, o sueco vanilj e o polonês wanilia. Não deixa de ser uma doce ironia ou vingança

feminina que todos esses termos evocativos de delicioso perfume carreguem em seu nome a vagina, em torno da qual séculos de evolução cultural ainda não conseguiram esbater os preconceitos no quesito olfativo. A conotação, por assim dizer, etimológico-sexual da baunilha prossegue ainda, pelo menos em bom português, na sua categorização como “trepadeira”, e que grande trepadeira! Se deixada livre na natureza, pode chegar a 20 metros de altura. Inigualável e caprichosa

Três principais espécies dessa sugestiva planta são cultivadas hoje no mundo, todas derivadas das nativas mexicanas. O México ainda é produtor, mas hoje a maior parte da baunilha provém de Madagascar, em primeiro lugar, e das Sorvetes, perfumes e a Coca-Cola são apenas alguns dos derivados



olfato

Richard tentou roubar a ideia do escravo Albius, que o escritor Ferrier homenageia

Ilhas Reunião. O cultivo se estende a outras ilhas do oceano Índico: Maldivas, Comores, Maurício, Seychelles e Mayotte, que juntamente com as duas primeiras já foram cognominadas “Ilhas Baunilha” pelo marketing turístico. Indonésia, China, Uganda, Polinésia Francesa, Papua-Nova Guiné, Índia, Jamaica, Costa Rica, Fiji e mais alguns centros produtores na América do Sul também figuram entre os fornecedores dessa que é a especiaria mais cara do mundo – depois apenas do açafrão. Claro que, por essa razão, o largo uso industrial da baunilha (é, por exemplo, o flavorizante número 1 da indústria de sorvetes) não poderia depender só da vagem propriamente dita. Muito do que nós percebemos como baunilha no aroma e sabor é apenas extrato artificial feito com um só de seus componentes – a vanilina. Existem até imitações de baunilha de origem petroquímica, que dispensam totalmente a planta. Já na natureza, mais de 300 elementos concorrem para dar seu perfume e sabor inigualáveis, cujo alto preço se deve ao caprichoso trabalho manual indispensável ao cultivo da planta. É nesse ponto que reside um dos mais interessantes aspectos tanto da produção como da própria história da baunilha. Embora fosse levada para o departamento francês da Reunião já no fim do século 18, a orquídea não era comercialmente produtiva fora de sua região de origem por faltar ali, como depois em todos os outros lugares do mundo, uma pequena abelha, a Melipona, que existe apenas no México. Ela é a única capaz de realizar a polinização da baunilha, dificultada por seu pequeno tamanho e formato apertado, de trom-

beta, além de uma fina membrana que a envolve e tem de ser rompida (pensou em alguma coisa parecida?). A planta crescia e florescia, enfim, em muitos lugares, mas a polinização natural, por outros insetos, era diminuta. Nos anos 1830 um famoso botânico belga concluiu que a fecundação só teria sucesso com ajuda humana e desenvolveu um processo manual, mas os plantadores da Reunião logo o abandonaram. Sua complexidade e lentidão também tornavam o custo da produção inviável. Toque de dedos

Mas eis que, em 1841, a solução veio de onde menos se esperaria. Um garoto negro e escravo de uma das ilhas, Edmond Albius, órfão de nascença e criado pelo dono de uma plantação de baunilha, descobriu sozinho quando nela trabalhava, com apenas 12 anos, um método simples e rápido de abrir a flor com os dedos (humm...), polinizando-a com um talinho de grama ou bambu. Albius revolucionou para sempre tanto o cultivo da baunilha (foi literalmente seu “toque”, feito com os dois polegares, que permitiu a este espalhar-se pelo mundo) como a economia das ilhas. Logo começariam as primeiras exportações e, perto de 1900, a especiaria já representava uma fonte de riqueza tão importante para as ilhas quanto o açúcar, alcançando 200 toneladas por ano. Seria uma história feliz para seu inventor, mas, por ser mera criança negra e escrava, a paternidade da descoberta de Albius foi logo contestada. Desde 1831, Jean Michel Claude Richard, um notável botânico francês, condecorado com a Legião de Honra, ocupava o posto de diretor do jardim botânico de Saint-Denis, a capital da Reunião. A instituição teve reconheci-


A planta requer cuidados diários. E toda a atenção

damente com ele sua época de ouro, aumentando seu acervo com numerosas espécies. Mas Richard também passou à posteridade por tentar roubar a glória de Albius, pretendendo ter-lhe ensinado a técnica. Albius foi defendido com vigor por muitos naturalistas importantes, mas ainda assim a injustiça só foi corrigida no final do século 20. Hoje sua técnica é chamada de Método Albius. Ele próprio, porém, que tanto enriqueceu as ilhas francesas, morreu na miséria em 1880. Recentemente, o escritor e ensaísta francês Michaël Ferrier dedicou a Edmond Albius o último capítulo de seu livro Sympathie pour le Fantôme (Gallimard, 2010), com as seguintes palavras (aqui em tradução livre): “Eis aqui a história de um escravo negro em terras de França. Ele vai modificar a história de seu país e a do mundo inteiro com um só movimento de suas mãos”. Diga-se que esse movimento, na prática do plantio, tem de ser repetido

Produzir baunilha é complicado. Muitas vezes, as sementes da planta são submetidas a mergulhos em água quente ou embrulhadas em cobertor por até seis meses. E esse é só um dos detalhes à exaustão, já que cada flor dos cachos de orquídea da baunilha só se abre por algumas horas e durante apenas um dia. Como o cacho inteiro não floresce ao mesmo tempo, durando a fase de floração cerca de dois meses, diariamente durante esse período um trabalhador poliniza flor por flor, cacho por cacho. E o intenso trabalho manual exigido pela baunilha não fica só nisso. Uma infinidade de detalhes envolve, por exemplo, o tratamento das sementes, submetidas a mergulhos em água quente ou embrulhadas em cobertor por até seis meses. As baunilhas variam de modo brutal em qualidade e preço dependendo da espécie, local de plantio, condições climáticas etc. Isso leva muitos produtores ao cuidado de marcar até as vagens com seu brand, de modo que ele seja reconhecido mesmo ao final do processo, quando a planta já se encontra seca. Não deixa de ser curioso que tão

caprichoso trato manual, somado às evidentes sugestões eróticas embutidas no nome e nas práticas de cultivo da baunilha, nunca tenha associado essa substância a poderes afrodisíacos. Bem ao contrário, aliás, no vocabulário do sexo em língua inglesa o termo vanilla é popularmente empregado para transa convencional, pouco excitante, em oposição ao kinky sex, que abrange todas as bizarrias. Até a teoria literária o adota como “coisa previsível”, “sem graça”. A expressão vanilla aparece em análises, por exemplo, de antologias que reúnem apenas textos que ratificam categorias de estilo já formadas (as antologias “vanilla”), por oposição àquelas que surpreendem e introduzem em dada seleção de gênero textos nunca antes incluídos, renovando assim percepções e gostos. Vai entender. Mas, para quem gosta de ler, é uma ideia a ser saboreada – bem como a baunilha. P

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paladar POR luciana lancellotti ilustração raphael alves

Almoço com as estrelas Os desafios das companhias aéreas para conquistar o paladar dos passageiros a mais de 30 mil pés de altitude

– Chicken or pasta? Chicken or pasta? And you, sir, chicken or pasta? A pergunta, repetida pelas comissárias como um mantra durante o serviço de refeições, chega a provocar calafrios entre os passageiros da classe econômica. A expectativa em relação ao que vai aterrissar sobre a mesinha retrátil em poucos minutos costuma ser das menos otimistas: provavelmente recortes de frango requentados e escoltados por legumes insossos. Ou então uma porção de massa com textura molenga, a ser degustada com talheres de plástico.

Na Air France, a montagem dos pratos chega a minúcias

Justiça seja feita, algumas companhias vêm se esforçando para se diferenciar da concorrência, oferecendo refeições mais elaboradas para a econômica. Ainda assim, vamos admitir: é ao viajar na classe executiva ou na primeira classe que se revela um mundo de toalhas de linho, espumantes e porcelanas, com serviço à la carte e menus assinados por chefs estrelados. A companhia alemã Lufthansa, por exemplo, adquire 5% de toda a produção mundial de caviar para a primeira classe de suas aeronaves, o que, segundo a empresa, a coloca no topo do ranking dos maiores compradores mundiais da iguaria.

A Air France, que serve champanhe aos passageiros em todas as classes de serviço (um milhão de garrafas por ano), convidou para criar os menus de La Première ninguém menos que Joël Robuchon, um dos chefs com o maior número de estrelas Michelin do mundo. Nos voos que partem de Paris, Robuchon propôs, para o início de 2017, um aperitivo de tartare de salmão com caviar e brotos de shissô – erva chinesa com acento refrescante. A refeição, que prossegue com lagostas e mignon de porco laqueado com especiarias, é coroada com sobremesas chanceladas pela Lenôtre, grife da confeitaria francesa, com sugestões que vão da crêpe suzette à tarte tatin e baba au rhum. Outra companhia europeia, a Swiss também dedica atenção especial ao catering. Todos os chefs convidados para criar os cardápios das classes executiva e primeira nos voos intercontinentais estão à frente de restaurantes suíços estrelados pelo Guia Michelin. Passageiros que não comem carne contam, ainda, com menus desenvolvidos pelo restaurante



paladar

Rodrigo Oliveira cuida das refeições de quem voa daqui para a Holanda pela KLM

Hiltl, em Zurique, referência internacional em gastronomia vegetariana, com opções como polenta suíça preparada com cogumelos variados e espinafre. Já quem parte de São Paulo ou do Rio de Janeiro na classe executiva com destino a Amsterdã pela KLM pode escolher para o jantar um típico peixe chapeado, com arroz de coco e purê de abóbora com castanha-de-caju, ou, quem sabe, um gratinado de mandioca com carne-seca, abóbora em cubos assados, brócolis e tomate cereja. Brasileiro demais? Pois a experiência com sabores nordestinos, com pratos variados para todas as classes, é resultado de uma parceria que vem fazendo sucesso desde 2014, entre a companhia holandesa e o chef Rodrigo Oliveira, o mesmo dos restaurantes paulistanos Mocotó e Esquina Mocotó, frequentemente ranqueado entre os 50 melhores da América Latina. Na tentativa de conquistar o cliente pelos sentidos, algumas

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companhias vão ainda além do cardápio. As elogiadas Turkish Airlines e Etihad Airways chegaram a levar chefs nos voos para o preparo de vários pratos in loco, enquanto na Singapore Airlines os viajantes podem acompanhar a cocção dos ovos mexidos que, em instantes, serão servidos, fresquíssimos, sobre suas mesas. Sentidos alterados

São iniciativas que podem até soar exageradas, mas houve um tempo, no Brasil, em que o glamour a bordo parecia, tentadoramente, desafiar os padrões do bom senso. Durante a época áurea da aviação nacional, que atingiu seu auge nos anos de 1960, uma viagem aérea era um acontecimento merecedor de ternos bem cortados e vestidos impecáveis. A bordo da primeira classe da Varig, por exemplo, latas de caviar Beluga Malossol eram abertas sem restrição. A iguaria, aliás, era a grande vedete dos cardápios, impressos com a data do voo em sofisticado papel-cartão. Ali estava listada a quintessência da gastronomia da época,

com clássicos como filé à wellington, patas de caranguejo na mostarda e incríveis cascatas de camarão servidas em porções generosas, a serem degustadas em porcelana nobre japonesa Noritake e talheres de prata, com serviço à francesa. Os drinques, por sua vez, eram preparados diante do passageiro, também mimado com vinhos como o consagrado Château Lafitte. Na classe econômica, a refeição era oferecida em louça, com talheres de metal e copos de vidro, arrematada com café e chocolates suíços. Tanto capricho rendeu à Varig, em 1979, o prêmio pelo melhor serviço de bordo do mundo, conferido pela revista americana Air Transport World. Seja no passado, seja no presente, a despeito do nível de sofisticação a bordo, uma característica continua a mesma: nossa percepção sensorial sofre alterações com a altitude. O baixo nível de umidade no interior das aeronaves faz com que as narinas ressequem e a produção de saliva diminua. As sensações de olfato e paladar são reduzidas em torno de 20%. As carnes, por exemplo, pedem cortes com maior


O serviço de bordo da antiga Varig foi premiado

capacidade de absorção dos temperos – é esse, aliás, o motivo de serem frequentemente servidas desfiadas ou com molho. Taninos reforçados

Incansável na pesquisa sobre alimentação a bordo, o chef alentejano Vitor Sobral é o responsável pelos menus oferecidos pela companhia portuguesa TAP. Sobral constatou, no início de seus levantamentos, reclamações recorrentes dos passageiros quanto ao aroma de comida industrializada quando as refeições eram aquecidas. Entre várias medidas, decidiu banir ingredientes processados, privilegiando os naturais. “Passamos a usar ervas aromáticas, para que, quando a refeição fosse aquecida, o aroma fosse agradável”, comenta. Essa alteração, segundo o chef, mudou a perspectiva do passageiro. Quando o assunto é vinho, a questão é ainda mais pormenorizada. “Bons

Vinhos muito encorpados, infelizmente, não se dão bem nas alturas. Os Bordeaux perdem muitas das suas qualidades. Melhor optar por tintos mais jovens. Ou pelo champanhe, que sempre viaja muito bem vinhos em terra nem sempre funcionam em altitude”, alerta a sommelière Monique Kooper, que seleciona os rótulos servidos pela KLM. “Precisamos ser cuidadosos com a escolha dos vinhos, evitando não só os suaves, mas também os muito secos e tânicos”, explica. Para chegar a conclusões como essa, as companhias aéreas investem em experimentos, organizados com degustadores profissionais. A Singapore tem uma sala de degustação pressurizada para realizar seus testes, reproduzindo, em solo, as mesmas condições a bordo. Recentemente, a TAP organizou degustações às cegas para especialistas, a princípio em solo e depois em altitude. O evento apontou, por exemplo, leves alterações na percepção das características dos vinhos brancos.

Já os tintos apresentaram variações que vão além da potencialização dos taninos. Se, por um lado, alguns mudam para melhor quando degustados a bordo, outros simplesmente perdem as qualidades – os Bordeaux costumam configurar um exemplo claro desse segundo grupo. Por isso, não é exatamente uma boa ideia aceitar uma taça de Château Margaux quando disponível na primeira classe – as companhias, aliás, mantêm rótulos bordaleses em suas cartas simplesmente porque passageiros exigem. Antes de escolher o vinho na sua próxima viagem, saiba que, grosso modo, os muito encorpados costumam piorar com a altitude. O melhor a fazer, se a preferência for por tintos, é optar pelos mais jovens.

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paladar A Emirates está na linha de frente quando o assunto é gastronomia

Richard Branson, proprietário da Virgin Airlines, telefonou pessoalmente para um passageiro que reclamara da comida. Ele sabe que as refeições influenciam um bocado a imagem da companhia Um dado surpreendente é que os espumantes não sofrem alterações – sem contar que são extremamente versáteis, acompanhando bem, de forma geral, da entrada à sobremesa. A pedida certa, portanto, é uma taça de Dom Pérignon – se você estiver viajando na primeira classe da Emirates. A companhia sediada em Dubai é o maior comprador do planeta do lendário produtor de Champagne. Entre os grandes vinhos servidos na primeira classe, constam outros rótulos especialíssimos, como o histórico Château d’Yquem. Desde que a Emirates iniciou seu programa de vinhos, há 12 anos, já gastou mais de US$ 500 milhões para desenvolver a melhor carta dos céus

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intercontinentais – a cada voo, oferece cerca de 70 rótulos. Impressão pessoal

A despeito da classe de assentos, o cuidado com a alimentação a bordo é de extrema importância, embora se tenha notícia de cortes recorrentes que várias companhias têm aplicado às refeições nos últimos anos. É certo que a refeição, por si só, não configura um fator decisivo na opção pela companhia aérea: levantamentos apontam que, ao adquirir o ticket, o cliente leva em conta o preço, o horário da partida e o fato de o voo ter escalas ou não. Porém, a qualidade da comida servida a bordo é condição crucial na avaliação positiva da imagem da com-

panhia aérea após o voo, o que, a médio ou longo prazo, acaba influenciando o processo de escolha, ainda que de forma inconsciente. Não à toa, Richard Branson, fundador da britânica Virgin Atlantic, chegou a telefonar a um passageiro para, pessoalmente, desculpar-se por causa de uma mensagem de reclamação que descrevia a experiência a bordo em uma de suas aeronaves como uma “jornada culinária para o inferno”. De acordo com o cliente, o purê de batatas servido pela companhia aérea parecia ter sido processado pelo “trato digestivo de um pássaro”. Elementar, meu caro Branson. Em uma época em que redes sociais descortinam para o planeta deslizes culinários até mesmo dos melhores restaurantes, todo cuidado é pouco para não alimentar, ainda mais, a ideia de descaso das aéreas com o conforto do passageiro. P


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Tato POR marion frank

Vou apertar A internacional mania de estourar plástico bolha e seu valor inestimável para amansar os ânimos modernos

É

mania nacional. Melhor, mundial. E, se existir alguém que lhe dá de ombros, deve ser do tipo que adora ser do contra (conhece?) ou encontrou substituto à altura. Porque somos todos colecionadores de manias. Comprimir plástico bolha com os dedos, por exemplo. Alivia tudo ou quase tudo – dizem. Quem pressiona a superfície empolada com o polegar e outros dedos consegue num zás dirigir a atenção para outra “galáxia”, triturando assim o tédio (do tempo que anda em círculos e faz acreditar que nada acontece); a impotência (de não ser capaz, por exemplo, de abrir a boca no devido momento); a raiva (de se perceber, em consequência, engolindo sapos, rãs) e por aí afora. Os americanos, e o seu idioma tão afeito a dar som a um significado, chamam o ator de estourar as bolhas de to pop a bubble wrap. São tão fissurados que criaram o Bubble Wrap Appreciation Day, algo como o Dia Mundial do Plástico Bolha, sempre celebrado na última segunda-feira de janeiro. A data é motivo de jogos e desafios, como a Bubblympiad, criação de uma estação de rádio FM, a Spirit 95, de Bloomington, Indiana. Os ianques são também detento-

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res do recorde de estourar plástico bolha: 743 metros quadrados em dois minutos. A façanha foi realizada por 366 alunos de uma escola de Nova Jersey, em janeiro de 2013. Está registrada no Guinness Book, claro. “To pop a bubble wrap is the essence of happiness” é o mote. E ninguém contraria. Quem gosta de comprimir plástico bolha desde criança deve ter tido pai ou mãe (ou familiar próximo) como mestre. “Esse é um prazer em si, hábito transmitido de geração em geração”, afirma Ricardo Portolano, psicólogo e psicanalista do Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo. Já a professora emérita de psicologia Kathleen M. Dillon, do Western New England College, em Massachusetts (EUA), alimenta o tema com os resultados de um estudo,

da década de 1990, sobre os efeitos do plástico bolha no bem-estar dos indivíduos. Pasmem. Os estudantes que usaram o tempo do experimento para estourar duas folhas de bubble wrap demonstraram estar mais calmos (e despertos) no fim do que no início da atividade, apresentando ainda níveis mais elevados de atenção, quando comparados à turma não agraciada com o plástico durante o exame. A razão está vinculada ao poder calmante do toque. “Era costume, na Grécia Antiga, carregar uma espécie de colar de contas, de jade ou âmbar, que servia para manusear e relaxar os ânimos”, conta Dillon. Em face de uma situação real de perigo, o objeto ajudava seu portador a “congelar” o tempo, aliviando a tensão do corpo e estimulando a pensar antes de agir de modo intempestivo. Sob o nome de komboloi, O calendário que é um estouro e um komboloi grego



tato continua presente no cotidiano dos gregos. Agora com contas mais espaçadas, facilitando a massagem de áreas entre os dedos que induzem ao relaxamento (segundo a acupuntura). Diferentemente do masbaha ou tespich dos turcos e do rosário ou terço dos católicos, não tem conotação religiosa. O nosso plástico também se mostra irresistível por causa do som (pop!) pro-

do videogame – ainda emite um “som” surpresa, de campainha a uivo. “Foi concebido para ajudar a enfrentar as frustrações da vida”, anunciou o fabricante durante o lançamento, em 2007. Ressalta Ricardo Portolano que há uma diferença fundamental entre mania e obsessão. “A mania não implica sentimento de culpa”, resume. Ele lembra, por

A dupla de inventores do plástico bolha acreditava que seu melhor uso seria como papel de parede. Não colou. Hoje, a milionária empresa de embalagens está presente em 52 países vocado pelo rebentar da bolha. “É bastante divertido”, admite a professora americana. “Já vi secretárias brigando por ele... Um objeto de desejo, sem dúvida, que pode se tornar compulsivo em algum momento”, acrescentou em entrevista ao New York Times. Pois bem. Os japoneses, sempre eles, conseguem ser insuperáveis ao explorar comercialmente o tal som. Exemplo: o chaveiro Mugen Puchi Puchi, que torna “eterno” o ato de pop a bubble. Ao menos enquanto durar a sua bateria. A engenhoca mede 4 cm x 4,5 cm, pesa 25 gramas e, nesse espaço reduzido, tem oito botões que, sob pressão dos dedos, reproduzem a sensação e o ruído característicos. Após 100 pops, o danado do chaveiro – criação da Bandai Co., empresa conhecida no mundo

exemplo, o impulso de espremer o cravo do rosto do namorado (e são as mulheres que mais agem desse modo...). “Quem espreme não sente pesar algum com isso, enquanto a obsessão torna-se uma problema na vida da pessoa, que perde controle sobre ela.” Jornal de poesia

O plástico bolha surgiu nos EUA no final dos anos 1950. Uma invenção dos engenheiros Marc Chavannes e Alfred Fielding, que, a princípio, pensavam usá-lo como papel de parede (conta a história que eles grudaram duas cortinas de banheiro, prensando o ar entre elas). Um fiasco. Até que Chavannes e Fielding se deram conta de que aquela resina de polietileno de baixa densidade, flexível e resistente à umidade, poderia ser utilizada no armazenamento e transporte de equipamentos frágeis – os eletrônicos, entre outros. Foi quando a IBM apareceu no horizonte. A empresa passou a embalar o recém-lançado computador 1401 com o novo material. Era 1960. A dupla de O Mugen Puchi Puchi: chaveiro japonês que reproduz o som da bolha estourando

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criadores levantou US$ 9 mil dólares para montar uma linha de produção, iniciando as atividades da Sealed Air Corporation – um gigante em embalagens que hoje movimenta negócios de mais de US$ 4 bilhões em 52 países. Chavannes e Fielding jamais poderiam ter suposto, no laboratório então instalado em uma garagem em Hawthorne, New Jersey, a que ponto chegaria a fixação do homem contemporâneo pelo plástico bolha – e a extensão da popularidade dessa invenção. A internet aí está para dar prova, caso do site The Original Virtual Bubble Wrap (www.virtual-bubblewrap.com). Entre vários links, destaca-se o que abre a página do plástico bolha (sim, é possível baixar o aplicativo no celular...), indicando modos de uso. No chamado modo normal, basta clicar o mouse sobre as bolhas em destaque na tela, uma a uma, para ouvir o estalo característico. No manic, a mesma página pode ser “devorada”, usando o mouse com velocidade sobre as fileiras de bolhas (dá até para pensar em uma rajada de metralhadora!). Já no modo chamado de insane version é reproduzido, entre outros, o ruído da descarga do vaso sanitário, criando certa “expectativa”, logo depois confirmada pela bolha que arrebenta como se fosse flatulência, o que pode acontecer em diferentes intensidades. Um outro link, a criadora OpalCat defende, veja só, regras de conduta ao manusear o dito cujo. Assim, é sinal de deselegância “estourar as bolhas do papel plástico do vizinho sem permissão”, mas será benéfico para o próprio carma “dar plástico bolha para uma criança brincar”. Bubble wrap também aparece à venda online sob a forma de utensílios domésticos (calendário, por exemplo) e roupas


(aplique em camisetas e bonés, capa de chuva etc.). Pode também ser ferramenta a serviço de capas de revista, como a de Playboy americana, com a atriz Farrah Fawcett envolvida em pelo. Ou, ainda, da própria arte. Basta conferir o trabalho do canadense Bradley Hart. Ele usa o plástico como tela, injetando tinta colorida em cada bolha (o resultado lembra o pontilhismo, do qual o francês Georges Seurat foi pioneiro). No Rio de Janeiro, é nome de jornal de poesia, Quando há dinheiro, a tiragem em papel chega a 13 mil exemplares (Jornal Plástico Bolha também tem versão digital). A publicação surgiu em 2006, ideia de alunos do curso Formação do Escritor da PUC-RJ. “O título indica o nosso cuidado com a palavra escrita”, sintetiza um dos diretores, Lucas Viriato, 32 anos.

fracasso. Encontra uma cutícula sequinha no polegar e puxa-a até a carne viva”. Marcelo Coelho sofre de “dermatilomania”, segundo o diagnóstico do especialista Portolano, pois, a partir do momento em que a mania provoca ferimento, ela ganha a importância de Transtorno Obsessivo Compulsivo e merece, sim senhor, tratamento. E o que dizer do vício de arrancar os próprios cabelos e comer? Existe. Chama-se tricobezoar gástrico. “Como os pelos não são digeridos pelo organismo, é necessária a intervenção cirúrgica”, confirma o psicanalista sobre o caso bem mais cabeludo, com o perdão do trocadilho.

Mas nem tudo são... distúrbios, digamos. Viciada confessa, Maria Madá, pianista clássica, paulistana de 67 anos, aprendeu a desenvolver um estilo ao usar o plástico bolha. “Percebi desde menina as diferentes texturas entre as bolhas”, conta.“Dependendo da altura, algumas provocam um som agudo. Ou um forte. Mas todas eram motivo de prazer”, lembra. Hoje, passadas décadas de contato regular, que ela intitula de “a hora serena da vida”, chegou a uma conclusão: “É um gesto ligado ao pulso e ao coração, uma forma de contatar o tempo”. Plástico bolha também serve para filosofar. Ainda bem. P

A hora serena da vida

Integrante do Conselho Editorial da Folha de S. Paulo, o sociólogo e escritor Marcelo Coelho, que já fez dos vícios em geral tema de sua coluna no jornal (março de 2013), reconhece resistir bem ao papel plástico. Ele pertence a outro grupo de maníacos, o dos “descascadores de películas” (vernizes, tintas, capas plastificadas, adesivos, peles etc.), Como tal, “(...) está condenado ao

Fielding inventou o plástico que Hart usa para pintar (acima) e Farrah usou para posar

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capa

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omero Rodrigues tem adiado a ideia de escrever um livro sobre a épica trajetória do Buscapé, o site de comparações de preços que fundou em 1998 com três sócios e investimento inicial de R$ 300 por mês. A empresa foi vendida uma década depois para a gigante sul-africana Naspers por US$ 342 milhões. Aos 39 anos, Romero encara com certo tédio qualquer tentativa de remexer o passado. Assim como tem pavor da ideia de viver como milionário aposentado, com um cargo simbólico: o de empreendedor que, alçado a mito em seu segmento – no caso, o de tecnologia –, roda o mundo narrando suas façanhas para jovens ansiosos em repetir sua trajetória. Ele teve a chance de levar uma vida sem grandes sobressaltos, com o burro na sombra, ao ficar milionário da noite para o dia e ainda continuar no papel de presidente da empresa que acabara de vender. Encarou essa fase como uma espécie de período sabático. Viajou o mundo inteiro e dedicou-se a prazeres – beber, comer, praticar esportes – que não desfrutou nos tempos em que se preocupou exclusivamente em fazer do Buscapé um fenômeno. Era o momento de superar os tempos de trabalho excessivo, que o transformaram quase em outra pessoa. Principalmente nos primeiros anos de negócio, quando Romero, tomado por uma grande ansiedade – e por uma dose de paranoia, como confessa nesta entrevista –, quase levou o projeto para o buraco, por centralizar demais as decisões. O tempo em que rodou o planeta, como presidente quase decorativo do Buscapé – ele não era mais o responsável, junto com os primeiros sócios, pela palavra final –, foi o suficiente

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para levá-lo a tomar, em 2015, a segunda decisão mais importante da sua vida: deixar a presidência do Buscapé para voltar a empreender na área de tecnologia. Romero, primeiro, passou a apoiar jovens empreendedores, aportando recursos, como investidor-anjo, em mais de 25 startups das mais diversas áreas. Depois, tornou-se sócio da Redpoint eventures, primeiro fundo de investimentos do Vale do Silício a se estabelecer no Brasil. Em quatro anos, com Romero à frente, a empresa já investiu em 24 startups brasileiras, entre elas a ViajaNet, a agência de viagens online que ampliou sua força na América Latina após receber um aporte milionário da Redpoint. Romero não tem pressa para criar um novo fenômeno no mundo digital. Ele só tem uma certeza: não quer fazer nada parecido com o Buscapé, mesmo conhecendo profundamente como funciona toda a engrenagem dos grandes sites de comparação de preços. Movido a desafios, acredita que não teria a mesma graça. O Buscapé nasceu quase por acaso. Rodrigo Borges, um de seus futuros sócios, procurava um modelo de impressora na internet e, diante da dificuldade em achar o melhor preço, sugeriu criar um site de buscas. O fato de o Brasil continuar com sua crônica deficiência na área de serviços será sempre terreno fértil para quem consegue, por meio da tecnologia, bolar saídas para burlar essa deficiência. Romero ainda não achou o seu novo Buscapé, mas por enquanto vai ajudando jovens empreendedores, divertindo-se um bocado e lucrando com isso. Ele deu a entrevista que se segue no escritório da Redpoint eventures, no bairro do Itaim Bibi, em São Paulo. De bem com a vida, muito distante dos tempos em que era comparado, pelo temperamento explosivo, a Steve Jobs, Romero falou sobre fracassos, sucessos, famílias, amigos, namoradas, casamento e planos para o futuro.


Fotos: Marcelo Spatafora/Daylight Assistente de fotografia: Raphael Souza Hair e Make Up: Maria Pia Ornelas Assistente de produção: Maria Spatafora

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capa Você tem uma ligação muito forte com os seus pais e com toda a família de um modo geral. Fale um pouco de sua origem.

Nasci numa família de classe média. Minha mãe cresceu num ambiente menos conturbado. Os pais dela, de origem italiana, tinham uma fazenda de café no interior de São Paulo. Passaram por algumas dificuldades, como na crise de 1929, mas sempre conseguiram se reerguer. Já a vida de meu pai, principalmente na infância e juventude, foi bem mais dura. Por quê?

O pai dele era jogador. Perdeu uma parte da grana na crise de 29 e a outra na sinuca e no baralho. Esse meu avô acabou se separando da minha avó paterna, o que aumentou as dificuldades. Meu pai, o primogênito, teve de virar arrimo de família muito cedo. A família era de Casa Branca, também no interior de São Paulo, e meu pai veio para a capital para cursar engenharia na Poli [Escola Politécnica da Universidade de São Paulo]. Morava no Crusp [alojamento gratuito dentro da USP] e dava aulas particulares para comprar comida e mandar dinheiro para a mãe. Ele se esforçou bastante, conheceu minha mãe e, por fim, criou com dignidade os três filhos. Vocês levavam uma vida confortável?

Era uma vida de classe média. A gente não tinha muita grana, apesar de eu estudar no Porto Seguro, um colégio de elite. Acho que, num determinado momento, as três mensalidades consumiam boa parte do salário dele como engenheiro mecânico. Mas não me lembro de ter passado por nenhuma grande

privação. Tive uma infância muito feliz, muito tranquila, com alguns momentos de aperto. Lembro do meu pai dizendo, muitos anos depois: “Acho que em algumas fases vocês almoçaram arroz e feijão várias vezes até eu conseguir comprar um pouco de bife”. Mas criança não lembra desses detalhes. O que eu recordo bem é da demissão do meu pai. O que ele fez depois de demitido?

Foi trabalhar com o sogro. Virou sócio do meu avô numa loja de materiais de construção. Depois abriu uma construtora. Aí deslanchou, mas demorou muito tempo até ele conseguir juntar um bom patrimônio. Eu já estava na Poli quando isso aconteceu.

Seu sonho sempre foi abrir o seu próprio negócio, não é mesmo?

Sim. Quando fiz 14 anos, meu pai deixou que eu ficasse administrando a loja durante uma semana. Tive que fazer de tudo. Controlei o fluxo de caixa e até preenchi cheques em branco assinados. Era uma fase difícil da economia brasileira, com muita inflação. Aquela coisa de colocar o dinheiro no overnight para tentar neutralizar a perda da renda. Eu ficava pensando: “Quando abrir o meu próprio negócio vou ter de lidar com tudo isso? Tô ferrado!”. Mas, no fundo, sabia que enfrentar tudo isso seria também encorajador. Nessa época, você era ligado

Você foi uma criança criativa?

em computadores, em informática?

Sempre fui fuçador. Eu desmontava tudo o que tinha em casa. Era terrível. E não montava de novo [risos]. O que eu sempre quis desde cedo era ter o meu próprio negócio. Eis a verdade. Um dos meus passatempos preferidos na infância era trabalhar aos sábados na loja do meu pai e do meu avô. Eu tinha 10 anos. Meu avô entrava em pânico toda vez que eu abria o caixa. Morria de medo de que eu errasse o troco.

Não tinha nada, né? Comecei a ter aula de computação no Porto Seguro só na oitava série. Mas estamos falando de 1991. Não existia nem Windows ainda. Veja bem, até existia. Afinal, ele é de 1990. Mas ninguém tinha. Ninguém dava a mínima para essas aulas de computação, que não eram obrigatórias. Não tinham quase nenhum aluno.

E errava?

Não. Eu era bom de conta. Era um pirralho metido a adulto. Queria também atender a clientela. Uma vez um cliente entrou na loja e começou a procurar um funcionário, perguntando quanto custava o assento sanitário. Eu apareci e disse: “70 cruzeiros”. E o cara: “Você não sabe de nada, menino”. Meu avô apareceu, ele repetiu a pergunta. E meu avô: “70 cruzeiros”. Eu olhei pro cliente, rindo, como se falasse: “Toma!”.

Mas você resolveu se dedicar à essas aulas?

Sim, sempre fui curioso. Fiquei encantando com a possibilidade de mexer num computador. Nunca tinha visto um. Estava superanimado, mas fiquei muito decepcionado. As aulas eram um tédio, um saco. Por quê?

Não tinha nada de desafiador. As aulas se resumiam a mexer num aplicativo da Microsoft chamado Works, um filhotinho do Office, muito primitivo, que ensinava a digitar um texto, colocar


negrito, itálico. Zero trabalho intelectual. Pensei: “Isso aqui é uma máquina de escrever disfarçada de computador”. Aí vieram as aulas do segundo semestre e tudo mudou. Qual foi a grande transformação?

Passamos a aprender como montar programas. Era outra história. Criar, interagir, bolar pequenos programas, códigos etc. Um trabalho muito mais lúdico. Aprendi, por exemplo, a montar um jogo de forca. Fiquei tão maluco com tudo aquilo que convenci o meu pai a comprar um computador para a loja, dizendo que a gente precisava se modernizar. Era um 286, um computador moderníssimo para a época. Eu passava o dia inteiro com disquetes debaixo do braço, para trocar com os meus amigos nerds. Minha vida social foi para o saco, assim como qualquer chance de arrumar namorada. Hoje você está muito longe do estereótipo do nerd…

Mas eu era. Um cara que não gostava de futebol e que passava o dia inteiro no computador era o quê? Nerd. Nunca fui o cara mais popular do colégio. Pelo contrário: sofri bullying pra caramba. Acho que nada fora do normal, mas eu não assimilava bem as provocações. Era muito inseguro. Fui o último da turma a namorar. Quantos anos você tinha?

Dezessete. Fui o último dos amigos a perder a virgindade. Talvez por isso, fiquei muito tempo na farra, para recuperar o tempo perdido [risos]. Você se casou recentemente.

Sim, estou casado há cinco meses. Pelo jeito aproveitou mesmo.

Sim, não tenho do que reclamar. Acho que fiz as coisas certas no momento

certo. Lembro de ter lido uma entrevista nas Páginas Amarelas da Veja com o Bill Gates, no começo dos anos 1990, em que ele dizia que a Microsoft já valia uns US$ 5 bilhões. Fiquei com aquilo na cabeça. O cara tinha se tornado bilionário usando apenas o capital intelectual. Era isso que eu queria fazer: montar uma empresa de informática. Mas sabia que não bastava apenas ter boas ideias e mexer no computador da loja do meu pai. Eu tinha de estudar. Ser um autodidata não bastaria?

Não. Eu me virava bem, fuçava todos

Foi quando começamos a crescer pra valer. O Buscapé havia feito duas grandes aquisições, comprando a Bondfaro e a E-bit. Até então, a gente ocupava apenas o 12º andar de um prédio na Vila Olímpia. Durante a expansão, passamos a ocupar oito espaços do prédio, um terço do quarto andar, um sexto do segundo e assim por diante. Nessa fase, depois de um longo tempo dedicado aos processos de fusão e aquisição, viajando quase todo dia, resolvi voltar para o dia a dia da empresa. No primeiro dia, conversei com o pessoal do segundo andar. No segundo,

“Eu passava o dia inteiro com disquetes de computador para trocar com amigos nerds. minha vida social foi para o saco, Assim como a chance de arrumar namorada”

os livros sobre o assunto, mas era preciso ter um conhecimento profundo em hardware, saber como aquela plaquinha verde funcionava, como é um chip de computador. Como já havia uma pressão do meu pai para que eu fizesse um curso de engenharia, acabei optando por engenharia elétrica com ênfase em computação na Poli. O quanto o fator sorte foi determinante para o sucesso do Buscapé?

Acho que a nossa maior sorte foi reunir num mesmo espaço sócios, investidores e colaboradores que tinham um propósito em comum. Mas, mesmo assim, essa união, essa convergência de pensamentos não impediu que a gente errasse em diversos momentos. Erramos muito, mesmo. Aliás, chegou um momento em que tive a certeza absoluta de que a empresa havia acabado, que estávamos indo pro buraco. Que momento foi esse?

do quarto andar. No terceiro dia já estava convencido de que a empresa tinha acabado. Por quê?

O pessoal do segundo andar odiava o do quarto. O do quarto não almoçava com o do quinto. O do quinto e o do quarto achavam os caras do nono uns bostas. Eu tinha 150 funcionários e não havia criado uma unidade, uma cultura dentro da empresa. Eram oito pedaços totalmente independentes. Pior: não havia também qualquer ligação afetiva com a empresa. Eu perguntava: “Qual a sua missão? Por que você está aqui?”. Eles respondiam: “Ah, eu estou aqui para fazer esse código aqui e entregar. Eu quero mesmo é ir pra casa”. Qual foi a solução?

Fomos para um escritório na avenida Paulista, todo integrado. Sem salinhas, sem panelinhas, todo mundo

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grudado. E eu fui aprendendo junto. Nunca havia trabalhado em lugar nenhum na minha vida, nunca tinha tido chefe. Passei a estabelecer alguns rituais para propagar a cultura da empresa, como um bate-papo informal com toda a equipe às sextas-feiras. Depois de vender a Lucas Films para a Disney, George Lucas chegou a dizer que vendeu “suas crianças” para “escravistas brancos” (e depois se desculpou). Você teve algum sentimento paternal ou até ciúmes ao vender o Buscapé?

É muito difícil desapegar, muito difícil. O mais complicado para um fundador é ter que executar ordens passadas pelo novo dono da empresa. Você discorda, mas tem de cumprir. A dor é muito grande. Toda vez que eu me revoltava, dizendo para mim mesmo que não iria cumprir a ordem do novo dono, vinha uma vozinha da minha namorada, atual esposa, dizendo: “Essa empresa não é mais sua. Essa empresa não é mais sua. Está nervoso? Lembra como o nosso apartamento é bonito, confortável”. Como é sua relação com os atuais donos do Buscapé?

Ótima. Não tenho mais vínculo algum, mas sou chamado sempre para conversar, para trocar ideias. Neste mês de março, vou me reunir com alguns executivos de lá. E como é sua rotina como empreendedor?

Fiquei pensando outro dia como se deu minha trajetória. Primeiro, fui fundador de uma empresa pequena. Depois virei CEO da própria empresa, já uma empresa grande. Aí virei executivo global dessa empresa, que não me pertencia

mais. Podia me acomodar nessa situação. Confesso que até me diverti muito. Eu era solteiro naquela época, viajava pelo mundo inteiro, principalmente para a África do Sul. Tenho verdadeira paixão por Cape Town, moraria fácil lá. Mas não estava feliz. Por quê?

Não quero faltar com a modéstia, mas acho que a projeção que o Buscapé tomou quando houve a venda para a Naspers inspirou muita gente a empreender, gente que veio pedir ajuda pra mim, para o Mário, para o Rodrigo, para o Ronaldo. Não

melhor caminho a seguir. Por quê?

Eu não tinha um time formado. Fazia pequenos investimentos em várias frentes. Se alguma desse muito certo, fizesse um sucesso estrondoso, eu teria um percentual muito pequeno a receber. E mesmo assim é muito difícil repetir a trajetória de um Buscapé. Não é todo dia. Então, resolvi me associar à Redpoint. Os meus cheques são todos grandes, investimentos pesados, mas com um retorno maior também. São todos investimentos meus, muitos deles dando supercerto,

“não quero fazer um novo buscapé. Sou movido por paixão, por tesão. não quero fazer de novo o que já fiz. até porque não existe nenhum desafio intelectual nisso”

só ajuda financeira, mas dicas pontuais, querendo saber como se deu todo o nosso processo de criação e gestão da empresa. Não é a minha virar um grande executivo global. O meu tesão está na criação. Hoje, posso juntar duas coisas, exercer o meu lado criativo e ajudar pessoas inteligentes. Essa é a minha cachaça. Você não imagina como eu enriqueci como profissional e ser humano sendo o investidor-anjo de 25 startups, sem contar outras mais conhecidas em que eu fui um sócio indireto. O iFood, por exemplo. Não me interessa fazer o mais do mesmo. Quais são hoje as suas prioridades como investidor?

Para evitar conflito, comecei investindo em áreas que não fossem próximas do Buscapé. Fiz 25 investimentos-anjo, a maior parte no Brasil. Desde que entrei na Redpoint, não faço mais esse tipo de investimento. Só investimentos grandes, os chamados Série A. Achei que era o

como ViajaNet, Minuto Seguros, Cortex e Consulta do Bem. O seu bom trânsito no Vale do Silício foi fundamental para que surgisse essa parceria com a Redpoint?

Sim. Vou no mínimo dez vezes por ano pra lá. Tenho como sócios na Redpoint grandes nomes do mundo digital, como Jeff Brody, Andy Rubin e Tom Tunguz, pessoas com quem converso há muitos anos e que viraram meus parceiros. Estou cercado dos melhores. Isso é essencial para qualquer negócio. Você já recebeu propostas para fazer um novo Buscapé?

Quando vendi o Buscapé, muita gente me procurou dizendo: “Você fez o melhor negócio do mundo. Daqui a alguns anos pode criar um novo Buscapé, muito mais revigorado”. Eu sou movido por paixão, por tesão. Não quero fazer de novo o que já fiz. Até porque não existe nenhum desafio intelectual nisso.

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capa Seria como mexer naquele computador de edição de texto do colégio…

Exatamente! E se eu fizer um outro Buscapé do zero nunca será tão legal como no primeiro. Os sócios não vão contribuir com R$ 100 cada um. Eu quero, isso sim, é fazer algo que seja tão representativo como foi o Buscapé. Mas não tenho pressa. Enquanto isso, vou fazendo parcerias, me reunindo todos os dias com gente inteligente dos mais diversos segmentos. Um dia almoço com o pessoal da startup ligada ao setor de educação. No outro, com o ramo hospitalar. No outro dia com a turma de academias de ginástica. Imagine o quanto me enriquece estar em contato com pessoas

polo de tecnologia de Israel. Todas as startups de lá são feitas para virarem globais, ou pelo menos americanas. Aqui, não. Elas são criadas para solucionar problemas internos característicos do Brasil. O mundo digital está mais vacinado hoje contra uma possível bolha do que estava no ano 2000?

O risco é muito baixo. Naquela época, não existia ainda um mercado formado. Havia muitos investidores pessoa física. Hoje, não. Quem investe é gente da pesada, uma turma profissional, com muito dinheiro e que conhece a fundo todas as variantes do mercado. Ouvi gente que criticou a Apple por investir US$ 5 bilhões para construir sua nova sede em forma de infinito na Califórnia.

“No Brasil, as empresas de tecnologia se desenvolvem para resolver problemas da área de serviço dentro do país. Já em Israel, por exemplo, elas nascem para se tornarem globais”

tão diferentes. Por que o Brasil, com tantas novas startups, ainda não tem o seu Vale do Silício?

Provavelmente, a gente nunca vai ter um Vale do Silício. Por quê?

É algo muito particular. Eles estão há muito tempo desenvolvendo aquilo ali, enquanto no Brasil, se você for olhar o ecossistema de inovação, ele quase não existe. Existiu num período de pouca duração, entre 1999 e 2000, e em 2009, na venda do Buscapé, quando surgiu um número crescente de startups. Mas, mesmo assim, essas startups são criadas, em sua maioria, para resolver problemas de serviço típicos de um país em desenvolvimento como o Brasil. Compare com o

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Minha resposta pra esse tipo de questionamento é a seguinte: “A Apple investiu US$ 5 bilhões na nova sede porque tem US$ 250 bilhões em caixa”. Os números são outros. A realidade, também. O risco é baixíssimo. Você criou, em 1998, com mais dois colegas de faculdade, o Buscapé, que se tornou um fenômeno em seu segmento até ser vendido, dez anos depois, por US$ 342 milhões. Como se deu, em pouco tempo, essa transformação do garoto inseguro para o bilionário admirado?

Não sei. Acho que parte do crédito vai para as namoradas que eu tive, que foram me moldando, me tirando da casinha. O quanto o dinheiro afetou sua rotina?

A gente nunca teve o objetivo de ficar milionário. Era uma ideia bem romântica, meio boba até, de criar algo que ficasse para além de nossa existência. Tem uma frase que é creditada a diversas fontes e que resume bem o que eu penso de tudo isso: “A beleza de empreender é que, se você for bem-sucedido, talvez você ganhe dinheiro”. O alto lucro sempre foi encarado pela gente como uma consequência e não como um objetivo. As pessoas acham que eu sou austero. Acho apenas que gasto com coisas que eu gosto. E do que você gosta?

Gosto de viajar, comer e beber bem, de praticar esportes. Então gasto com essas coisas. Tem amigos que ficam inconformados pelo fato de eu ter uma diarista que vai duas vezes por semana lá em casa. Eu adoro a minha diarista. Mas adoro também ficar sozinho em casa. Adoro acordar pelado, andar pelado pela cozinha, beber água no gargalo. Porque eu vou perder a minha privacidade, que prezo tanto, só porque ganhei dinheiro? Não faz muito sentido. Viajar está entre os seus prazeres?

Sim. Os meus amigos também dizem: “Por que você não compra uma casa na praia?”. Não quero ter trabalho com casa na praia, não quero contratar um caseiro, não quero que ele me ligue dizendo que o deck está apodrecendo. Quero alugar uma casa durante as férias. Se der problema no deck, ligo pro proprietário e peço para ele mandar alguém arrumar. Gosto de usar coisas boas, mas não tenho vontade de tê-las. Não quero ter posses, bens materiais. Nem carro eu tenho. Não tem carro?

Não. Há muitos anos. Quer dizer,


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1. Ao lado do pai, de quem herdou o nome Romero, e os irmãos Bruno e André; 2. Com o pai em Londres, no ano passado; 3. Pedalando com a mulher, Larissa; 4. Troca de posição com o porteiro do Milestone Hotel, em Londres; 5. No curso de pilotagem em Oakland, na Califórnia, depois de mais uma visita ao Vale do Silício; 6. No dia das núpcias

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1. A equipe de amigos da faculdade que fundou o Buscapé: Romero, Ronaldo Takahashi, Rodrigo Borges e Mário Letelier; 2. A primeira tela do Buscapé, em 1º de junho de 1999; 3. Palestrando em São Pedro (SP); 4. Em Tóquio, preocupado com as notícias; 5. Repartindo suas experiências com os atuais funcionários da Buscapé

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tenho um Mustang Flashback, um carro que eu sonhava ter desde criança, um modelo de colecionador. Mas não o uso no dia a dia para me locomover por São Paulo. Prefiro Uber. Até consegui convencer minha esposa a vender o carro dela, mas uma semana depois ela estava me xingando. Pra ela, realmente, é difícil fazer compras de supermercado usando o Uber. Carro, nesse sentido, é mais prático. Mas eu não preciso de um. Só tem o Mustang?

Tenho outro carro que também não uso no dia a dia. É um jipão, o primeiro carro que comprei, ainda na época da faculdade. Tem um valor sentimental para mim. Estava todo destruído, detonado. Eu reformei, deixei novinho. Ah, e tenho uma lambreta 1955, que também está guardadinha na garagem. Você também é apaixonado por relógios.

Em datas importantes eu já me dei relógios de presentes. O que não quer dizer muita coisa. Em São Paulo, não dá pra usar muito relógio. Mas você tem um Rolex…

Sim, com a data do meu aniversário. Um Rolex 77, que ganhei da minha mulher. Não é o dos mais caros, mas tem um valor sentimental pra mim.

eu mudaria de hábitos e de companhia. Como não mudei absolutamente nada, sempre fui muito pé no chão, eles voltaram. Tive a sorte de manter todos os meus amigos de juventude. Alguns ganharam dinheiro, outros não, mas todos continuaram sendo meus amigos. Nada pode ser mais gostoso que um churrasco com amigos. E qual é sua relação hoje com seus ex-sócios do Buscapé?

É ótima, com todos eles. Antes de você chegar, eu estava conversando por telefone com o [Rodrigo] Borges, dando

Quando foi lançado o primeiro filme sobre o Steve Jobs, recebi duas ou três mensagens de texto de caras que tinham trabalhado comigo. Todas diziam mais ou menos a mesma coisa. “Vi o filme do Steve Jobs e lembrei muito de você.” Não era um elogio [risos]. E eles estavam certos?

Sim. E eu era um filho da p. Fui péssimo gestor nos primeiros anos de Buscapé, no primeiro ciclo de cinco a seis anos. É mesmo?

Eu era muito paranoico. Ficava o tempo todo naquela agonia de achar

“fui péssimo gestor nos primeiros anos da buscapé, no ciclo inicial de cinco a seis anos da empresa. por estar quase sempre ansioso, eu queria tomar todas as decisões sozinho”

risada com ele e falando sobre projetos. Ele também está fazendo investimento em internet. E como era a divisão societária?

Eu, o Ronaldo e o Rodrigo éramos donos de partes iguais. O Mário, que entrou um pouco depois, tinha uma participação ligeiramente menor. Tudo foi sempre muito equilibrado e equânime. A única coisa de diferente é que eu assumi o posto de CEO. Você assumiu a presidência do

Você anda com seguranças?

Buscapé por ser um pessoa com uma

Nunca senti necessidade.

nítida facilidade para se comunicar,

Os seus amigos são os mesmos

por transmitir uma leveza em pú-

que cedo ou tarde eu estaria competindo com o Google, com o eBay. Ou que ficaria para trás. E, talvez por estar sempre ansioso, eu queria tomar todas as decisões sozinho. Quando via alguém com alguma dificuldade, eu dizia que iria resolver, com medo de dar merda. O certo seria dar um treinamento para essa pessoa. Estourava e centralizava tudo. E isso, claro, era péssimo, para a empresa e para a minha relação com os funcionários. Eu brinco dizendo que já tive momentos de Steve Jobs. E, infelizmente, não foi pelo brilhantismo. Até que ponto você somatizou

do início do Buscapé, da época das

blico. Um feito e tanto para alguém

vacas magras?

que se dizia inseguro.

esses surtos de ansiedade? Teve

Vou confessar uma coisa. A partir do momento que o Buscapé começou a crescer, que saiu na mídia e tal, alguns amigos se afastaram de mim. É curioso isso: eles se afastaram porque achavam que eu iria mudar, que automaticamente

Espera aí. Posso ser um cara comunicativo, com um certo carisma, mas essa história de leveza é melhor você perguntar para os meus ex-funcionários [risos].

que tomar algum tipo de remédio,

Por quê? Você era um chefe difícil?

fez terapia?

Não. Estou falando dos meus 20 anos. Até os 25. É impressionante como a gente aguenta o tranco nessa fase. Mas o importante de toda essa história é que fui

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capa aprendendo, corrigindo os meus defeitos. Acho que no fim da história já tinha me tornado um chefe um pouco melhor.

encontrar Mark Zuckerberg?

que todo mundo que está envolvido com empreendedorismo tem certa obrigação de ser otimista. Sou também esperançoso. Outro dia estava conversando com amigos americanos, todos desesperados com a eleição do [Donald] Trump.

Não, nunca o encontrei. Eu adoraria, seria um papo muito legal.

para preocupação?

consumidor, no acesso à internet,

Preocupação, sim. Desespero, não. As instituições americanas são muito fortes. O cara não vai conseguir passar por cima de tudo aquilo. No final, haverá um equilíbrio.

beneficiou o seu empreendimento?

Você citou Steve Jobs. Nas suas visitas ao Vale do Silício, chegou a

É um mundo muito fechado?

O nosso mundo, o de tecnologia de forma geral, é muito fechado, mas não o Vale do Silício. Se você pedir uma reunião, você é recebido. Todo mundo ali tem a porta aberta. Quando vou pra lá me sinto como se estivesse em Florença na época do Renascimento. Todo mundo tem uma inteligência emocional incrível. É por causa disso que eu acho que nenhum outro país conseguirá ter o seu Vale do Silício. Você pratica esportes radicais, gosta de ir a churrascos com amigos, de beber, de viajar. O nerd que existia em você morreu?

Morreu nada! Se você me encontrar vendo televisão em casa, durante horas, vai ver que eu nunca troco do Discovery. Também continuo não gostando de futebol. A diferença é que me tornei um adulto, passei a fazer coisas que não fazia nessa minha “fase nerd”, como namorar, beber com amigos etc. Você experimentou alguma droga?

Sim, mas nada fora do normal da curiosidade de experimentar. Não passou disso. E hoje digo que bebo socialmente. Gosto mais do ato de sair para beber, de ficar observando as pessoas, de conhecer gente nova. Como vê o Brasil? Vamos sobreviver ao turbilhão?

Sou um otimista por natureza. Acho

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Você acha que não há motivos

Esse mesmo raciocínio vale pro Brasil?

Também. O Judiciário tem lá seus problemas, mas acho que toda essa história de Lava Jato vai terminar com a nossa democracia fortalecida. E a gente tem só 30 anos de democracia, 20 anos de estabilidade econômica. É muito pouco tempo. O importante é que estamos no caminho certo. Não sou daqueles caras que ficam o tempo inteiro malhando o Brasil. Não está sendo otimista demais?

Temos muito o que corrigir, claro. Entendo o estado de desânimo da população. Mas nem tudo é desgraça. Vou dar um exemplo prático. Reservei uma tarde para fazer algumas coisas burocráticas, que estava adiando por falta de tempo: recadastrar meu título eleitoral, regularizar o cadastro biométrico etc. Saí daqui às 2 da tarde. Tinha uma reunião às 5. Acabei voltando às 3. E minha secretária: “O que você esqueceu?”. Ora, não esqueci nada, já fiz tudo. Tudo funcionou direitinho e muito rápido. Como você se define ideologicamente?

Eu não tenho predileção por nenhum partido. Sou um neoliberal, acredito num

país em que a interferência do Estado na economia seja mais leve e mais eficiente. Essa resposta foi bem tucana, né? [risos]. O Buscapé cresceu durante a gestão Lula. Até que ponto as políticas de crédito do governo petista, a inserção da classe C no mercado

O governo Lula não ajudou nem atrapalhou. O fato de ele seguir a política econômica de seu antecessor foi importante para a economia. É claro que é muito melhor empreender num ambiente de maior estabilidade. Mas, mesmo assim, por incrível que pareça, nós e outras startups crescemos porque houve uma mudança cultural do consumidor, forçada pelas sucessivas crises econômicas. Explique melhor.

Veja o sucesso do Netflix. Ele está oferecendo um serviço parecido com o de seus concorrentes, por um preço muito mais em conta. E por que está sendo bem-sucedido? Porque estamos em crise. Antes, no período de bonança, o pai de família comprava o pacote do BBB e do Brasileirão. Quando ele perde o emprego, não tem como pagar R$ 300 de Net. Ele vai pesquisar, vê que o Netflix custa R$ 15 e cancela a assinatura da NET. A crise forçou essa mudança de cultura. Na marra. Na época do Buscapé, conseguimos fazer esse consumidor entender que, antes de sair de casa pra comprar alguma coisa, era importante sentar de frente do computador e fazer uma busca pelos melhores preços. Se estivesse tudo muito bem, com todo mundo com grana, talvez essa mudança de cultura fosse mais lenta.


A criação do Buscapé daria um bom roteiro de filme?

Talvez. Um livro com certeza. Tenho até uma ideia de contar a história dos 18 anos do Buscapé de um jeito diferente, sem usar um modelo tradicional, uma ordem cronológica. Eu queria separar o livro em vários “causos”, dando uma leveza à narrativa e ao mesmo tempo tentando passar um ensinamento para quem está começando a montar uma startup. Está muito embrionário ainda, não está sobrando tempo. E não tenho pressa. Um dia sai. Quem é Romero Rodrigues?

Eu sou um cara movido por paixão. Sou apaixonado pelo que eu faço, por ideias. Essa coisa de tentar bolar coisas novas que no fim vão mudar o hábito de bilhões de pessoas me fascina. Ah, tem

uma frase também que eu gosto de citar. Qual?

Quer conhecer uma pessoa, dê poder e dinheiro a ela. O que você anda lendo?

Leio bastante. O meu livro de cabeceira é Sapiens - Uma Breve História da Humanidade, de Yuval Noah Harari. É sensacional. Gosto muito também do José Saramago. Estou sempre lendo os seus romances. Qual a sua palavra favorita?

Impossível. E a palavra mais desagradável?

Detesto quando alguém chega pra mim e diz: “Não vai dar”. Eu sou um fazedor. Do que você não gosta?

De trabalhar com gente mal-humorada. Sabe a história do cara preso no

aeroporto, durante uma tempestade? O cara olha pro lado e pensa: “Vou passar as próximas oito horas ao lado desse sujeito chato”. Eu gosto de trabalhar com gente bem-humorada. Num dia especial, qual seria a bebida recomendada?

Um Negroni. Qual a sua cor preferida?

Sobre isso, tem uma história curiosa. Conte.

Fizeram essa pergunta pra mim na época do Buscapé. Eu não soube responder [risos]. Estava tão enlouquecido de trabalho, há muitos anos, que nem tinha uma cor preferida. Nunca tinha parado pra pensar nisso. Agora você tem uma cor preferida.

Agora tenho. É verde.

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especi a l r elรณgios S I H H & BA S E L 2017


S I h H 2 017 O Salão de Genebra não tem vocação para altos volumes. A sua proposta é a mais pura essência da arte relojoeira. Peças exclusivas, edições limitadas, cronógrafos e linhas tradicionais: eis o foco. A 27ª edição do Salon International de la Haute Horlogerie – ou SIHH, para os íntimos – abrigou tudo isso em 45 mil metros quadrados, com 30 marcas (um número recorde) e 16 mil visitantes. THE PRESIDENT conferiu as novidades e conversou com executivos do setor. Por Marcello Borges

panerai

Mecanismo revolucionário

O

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novo modelo Lab-Id Lu-

e níquel) gerado por um processo de

minor 1950 Carbotech 3

injeção a alta pressão – daí a sigla

Days, com tiragem de 50

BMG, de “Bulk Metallic Glass”. Mais

exemplares, tem o mais puro DNA

duro e leve que aço, esse material

da Panerai. Essa herança é visível no

se parece com titânio e é ideal

formato da caixa de 49 mm resistente

para mergulho. Confirmando

a 100 m de profundidade e no mostra-

tal aptidão, o relógio resiste a

dor do tipo “sanduíche”, com nume-

até 300 metros e tem aro

rais e ponteiros azuis luminescentes.

giratório

A peça é feita de carbotech, compos-

pa­ra controle do tempo

to baseado em fibra de carbono, na

de submersão. O mos-

cor preto fosco com uma camada de

trador azul conta com

nanotubos de carbono. Como não dá

ponteiros e índices

para gravar nada nesse material, os

luminescentes

nomes “Luminor Panerai” e “Lab-Id”

dois tipos diferentes

são impressos no cristal do visor. O

de Super-LumiNova),

modelo trouxe a ousadia de exibir um

além de uma janela

mecanismo sem qualquer lubrificante,

para exibição da data

o Calibre P.3001/C. Com carga por

na posição 3 horas. Seu

corda manual, tem reserva para cerca

mecanismo é o Calibre

de três dias. A Panerai dá uma garan-

P.9010 automático, com

tia de nada menos do que 50 anos para

frequência de 28.800 al-

este relógio.

ternâncias por hora e corda

unidirecional

(com

Merece também uma visita o Lu-

para 72 horas. Além disso, traz

minor Submersible 1950 BMG-TECH 3

inovações técnicas como ponte

Days Automatic, cuja caixa de 47 mm

de balanço, tornando o movimento

é igualmente de material revolucioná-

mais estável e confiável. A pulseira

rio: o BMG-Tech, vidro metálico (con-

preta é de borracha com fivela.

tendo zircônio, cobre, alumínio, titânio

panerai.com

| THEPRESIDENT | 03.2017


A edição especial do Lab-Id Luminor 1950 é resultado de diversos projetos em que estamos trabalhando no nosso Laboratorio di Idee. Com o estudo de carbono e reforços antiqueda, a Panerai considerou este o momento certo de pensar em uma inovação. Somos fiéis à nossa história. Não devemos arranhá-la. Mas somos uma marca capaz de evoluir rapidamente.

Angelo Bonati CEO da Officine Panerai

03.2017 | THEPRESIDENT |

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S I h H 2 017 montblanc

A

Entre o clássico e o esportivo Montblanc também investiu

ponteiros “catedral” com material lu-

to, designer com passagem pela Tudor

em modelos feitos de mate-

minescente, os numerais da década de

e pela Panerai. O resultado pode ser

riais pouco usuais. É o caso

1930 e o logo da época – dão assunto

conferido no Chronograph Automatic,

do Chronograph Tachymeter Limited

para conversas. O cronógrafo é acio-

com inspiração no automobilismo. Tem

Edition 100, que, como o nome revela,

nado por um único botão na coroa de

caixa de 43 mm de aço com aro de ce-

terá apenas 100 exemplares produzi-

corda. O mecanismo, com detalhes de

râmica preta. O mostrador remete aos

dos. Trata-se de um relógio da coleção

ouro rosa, pode ser observado pelo

instrumentos de painel de carros de

1858, inspirada nos modelos da Miner-

fundo da caixa. Trata-se do Calibre MB

corrida, com índices e ponteiros lumi-

va, fábrica adquirida pela Montblanc e

M16.29, com corda suficiente para até

nescentes e janela de data às 3 horas.

que hoje elabora os relógios Villeret.

50 horas e frequência de 18 mil alter-

O mecanismo é o Calibre MB 25.07 de

Sua caixa é de bronze, um metal resis-

nâncias por hora. A pulseira é de couro

corda automática, com frequência de

tente e que envelhece bem, ganhando

de jacaré, com fecho de bronze.

28.800 alternâncias por hora e corda

uma pátina conferida pelo tempo. Com

A linha TimeWalker também me-

para até 46 horas. Sua pulseira é de

44 mm de diâmetro, não atrapalha o

rece destaque. Para atualizar e conferir

borracha preta perfurada, com fecho

punho da camisa. Já os detalhes retrô

uma pegada mais esportiva da coleção,

dobrável de aço.

do mostrador champanhe – como os

a Montblanc contratou Davide Cerra-

montblanc.com/pt-br


Os relógios da nova coleção TimeWalker combinam os lendários instrumentos de temporização do passado com o espírito do automobilismo e traduzem o patrimônio da Minerva em modelos com a mais elevada tecnologia. São modelos com um olhar vintage, embora contemporâneos, perfeitos para os negócios e o lazer. Em resumo, inspiram respeito.

Alain dos Santos Managing Director da Montblanc no Brasil 03.2017 | THEPRESIDENT |

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S I I H 2 017 piaget

Altiplano, 60 anos

N

o SIHH de 2017, a Piaget co-

memorou o 60º aniversário de lançamento dos relógios ultrafi-

nos da coleção Altiplano. Um dos modelos comemorativos, o Altiplano 60th Anniversary Automatic, terá apenas 360 unidades produzidas. Sua caixa de ouro branco, com 43 mm de diâmetro, exibe mostrador azul com acabamento sunray acetinado e design extremamente clean e elegante, complementado por ponteiros e índices finos. Ele é movido pelo Calibre 1200P de corda automática, com meros 2,35 mm de espessura e acabamento Côtes de Genève, visível pelo fundo transparente. Tem frequência de 21.600 alternâncias por hora, com corda para até 44 horas. Completa o modelo a pulseira azul de couro de jacaré com fivela de ouro branco. piaget.com/watches

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| THEPRESIDENT | 03.2017


cartier

Mistério nas horas

A

Cartier tem se esmerado em desenvolver relógios

dupla complicação da marca até hoje. O mecanismo de turbi-

que desafiam o designer. Um tipo de relógio em par-

lhão duplo parece flutuar no vazio, e o movimento fica total-

ticular – as “horas misteriosas” – também instiga o

mente visível pelo lado do mostrador. Trata-se do Calibre 9407

observador a descobrir “como isso funciona”. A maison pro-

MC de acionamento manual, com corda para cerca de três

duz esse mostrador fantasmagórico desde 1912. Agora ele

dias e meio, com frequência de 21.600 alternâncias por hora.

foi incorporado, entre outros, ao Rotonde de Cartier Repe-

Como relógios com esse tipo de mostrador geralmente são

tidor de Minutos Duplo Turbilhão Misterioso. Sua caixa de 45

mais frágeis, a manufatura cuidou de testá-los exaustivamente,

mm de diâmetro é de titânio para otimizar o som dos gongos

inclusive com queda livre sobre superfície dura. A pulseira

da repetição de minutos, com coroa de corda encimada por

preta de couro de crocodilo tem fecho dobrável de ouro

cabochão de safira, uma das assinaturas da Cartier. A espes-

branco. Apenas 50 exemplares do relógio serão produzidos.

sura é de apenas 11,15 mm. Ou seja, eis o mais fino modelo de

cartier.com.br

03.2017 | THEPRESIDENT |

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S I h H 2 017 iwc

A

60

Ícone renovado

nova coleção Da Vinci da

aço ou de ouro vermelho, com alças da

ano e dia da semana. Os totalizadores

International Watch Company é

pulseira flexíveis e mostrador prateado.

do cronógrafo ficam num só submostrador,

uma interpretação moderna do

O mecanismo é o Calibre 89630, com

na posição de 12 horas. A pulseira,

emblemático design da década de 1980. O

corda para 68 horas, indicação precisa da

de couro ou crocodilo, tem fecho dobrável

Calendário Perpétuo Cronógrafo resume

fase da Lua e distribuição harmoniosa dos

de ouro.

bem isso. A caixa de 43 mm pode ser de

componentes do calendário – mês, data,

iwc.com

| THEPRESIDENT | 03.2017


baume & mercier

I

Um pilar de tradição nspirada

um

lo com caixa de 40 mm de diâmetro

exemplar da década de 1940 encon-

originalmente

em

e 5,95 mm de espessura, resistente a

trado nos arquivos da Baume & Mer-

até 50 metros. O mostrador azul tem

cier, a coleção Classima é um excelente

acabamento sunray acetinado e janela

canal de entrada para quem deseja ter

de data às 3 horas, com ponteiros do

no pulso um modelo de alta relojoaria.

tipo folha. O verso do relógio é de

Desde 2004, a linha representa muito

aço e liso, permitindo a gravação

bem o DNA da maison. Criada origi-

de uma mensagem ou dedicatória.

nalmente apenas como linha masculina,

Seu movimento é a quartzo –

a nova My Classima tem caixas de aço

ETA F06.111 – e a pulseira

em três diâmetros (40, 36,5 e 31 mm),

preta é de couro com pa-

com relógios de estilo atemporal e pro-

drão de pele de jacaré,

porções clássicas, dotados de bracelete

com fecho triplo de

metálico ou pulseira de couro (azul ou

aço equipado com tra-

preto). No total, são seis opções bas-

vas de segurança.

tante atrativas. Destaque para o mode-

baume-et-mercier.com

03.2017 | THEPRESIDENT |

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sihh 2 017 audemars piguet

Mostradores em dois tons

C

62

om um dos visuais mais em-

em dois tons, como este modelo Royal

ros e índices luminescentes. Uma ja-

blemáticos da relojoaria, o

Oak Chronograph de ouro rosa. A

nela situada às 4h30 indica a data. Tem

Royal Oak é o carro-chefe

caixa tem 41 mm de diâmetro com pa-

movimento automático Calibre 2385,

da manufatura há 45 anos. Uma de

rafusos sobre o aro e resiste a até 50

com corda para cerca de 40 horas e

suas versões, o cronógrafo, completa

metros de profundidade. O mostra-

frequência de 21.600 alternâncias por

20 anos. Por isso, a empresa decidiu

dor azul exibe o padrão Grande Tapis-

hora. Para prender no braço, pulseira

submetê-lo a pequenas mudanças. A

serie, que também é uma assinatura

azul de couro de jacaré.

principal é a adoção de mostradores

dos modelos Royal Oak, com pontei-

audemarspiguet.com

| THEPRESIDENT | 03.2017


vacheron constantin

No mundo da lua

F

undada em 1755, a Vacheron Constantin tem entre suas coleções mais importantes a Patrimony,

com modelos inspirados nas criações da marca na década de 1950. Assim acontece com o Patrimony Moon Phase and Retrograde Date, um relógio automático com caixa de 42,5 mm de ouro branco. A data é indicada por ponteiro no alto do mostrador prateado opalino. Na parte inferior, um semicírculo exibe a fase da Lua. Exige ajuste somente após 122 anos. Seu movimento é o Calibre 2460 R31L, com corda para 40 horas, aproximadamente. A pulseira marrom é de couro de jacaré com fecho de ouro branco. vacheron-constantin.com

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basel 2 017 Todos os anos, a pequena cidade de Basileia, na Suíça, tem sua população de 170 mil habitantes praticamente dobrada por conta de um grande evento: Baselworld. A feira, voltada exclusivamente para o universo da joalheria e relojoaria, estende-se por pelo menos 130 mil metros quadrados em uma grande construção no centro da cidade e recebe cerca de 1,5 mil expositores. Por lá, clientes, jornalistas e amantes desse universo circulam para conhecer as novidades e tendências. Selecionamos alguns dos mais relevantes lançamentos da feira. Por Renata Bench

tag heuer

U

64

seis vezes carrera m dos lançamentos mais im-

de cores e acabamentos.

uma precisão de um quarto de segundo,

portantes da TAG Heuer, o

Assim como o dial, o mecanismo ori-

também foi mantida. Ela trabalha em con-

modelo Carrera Heuer 01, ga-

ginal foi mantido: uma novidade dotada de

junto com um taquímetro estampado no

nhou uma versão de dimensões menos

inovações técnicas e com uma construção

aro do relógio, que tem sua coloração

robustas para 2017. Tem 43 mm de diâ-

em estilo esqueleto, que permite a visualiza-

acompanhando a temática de cada uma

metro. Com o mesmo visual do mostra-

ção de peças em funcionamento.

das peças: preto intenso, marrom-conha-

dor apresentado há cerca de dois anos,

A função cronógrafo, que possibilita

a novidade apresenta novas combinações

a marcação de intervalos de tempo com

| THEPRESIDENT | 03.2017

que ou azul-marinho profundo. tagheuer.com


Com o novo cronógrafo de 43 mm, podemos oferecer variações modernas, jovens e com materiais diferenciados. Interessados que não apreciarem o modelo original de 45 mm podem escolher outros da marca. Além de um tamanho diferente, o modelo foi lançado em diversas opções de cores e aparece em seis novas versões feitas com caixa de aço e aro de cerâmica. Dessa maneira, conseguimos complementar a linha já existente para atingir novos públicos tanto no Brasil quanto no mundo.

Freddy Rabbat representante da TAG Heuer no Brasil

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basel 2 017 omega

F

de volta às origens

amoso no mundo todo por ter sido

deixar a funcionalidade do cronógrafo

usado pelos tripulantes da missão

e taquímetro de lado.

Apollo 11, a primeira a chegar

omegawatches.com

à Lua, o Omega Speedmaster, antes mesmo de ser conhecido por “Moonwatch”, era um modelo que carregava inspiração automobilística. O ano de 2017 marca os 60 anos de sua história. Para comemorar, uma das apresentações da Omega no salão de Basel é o modelo Speedmaster Automático, que traz de volta o mostrador racing e a pulseira perfurada, sem

Breitling

A

instrumento verdadeiro

maior promessa da

aço e com maior resistência que o titânio

Breitling é apresentar

–, a marca prezará pela alta precisão de

um modelo que “cer-

seu mecanismo de quartzo. Uma régua

tamente, agradará o consumidor brasilei-

inserida diretamente à pulseira do relógio

ro por suas características inovadoras”,

auxilia na leitura de mapas com escalas

como descreve David Szpiro, diretor-ge-

de 1:25.000 e 1:50.000 em sua faixa su-

ral da Breitling no Brasil. Com uma caixa

perior. Há uma segunda régua para centí-

feita em Breitlight, material exclusivo da

metros e polegadas na faixa inferior.

companhia – 5,8 vezes mais leve que o

breitling.com


alpina

Conectividade até debaixo d’água A marca esportiva Alpina apresentou um modelo que oferece conectivi-

como ligações e mensagens: tudo isso

do para praticantes de esportes com a

sem nenhum mostrador digital.

grande vantagem de oferecer uma bateria

dade com o smartphone, sem deixar o

“A funcionalidade inteligente abre

com autonomia superior a dois anos de

visual analógico de lado. A peça é voltada

espaço para um nicho no qual ninguém

uso”, afirma Freddy Rabbat, presidente da

para o universo do mergulho e pode ser

opera atualmente no Brasil. Nosso novo

356 Distribuidora, responsável pela im-

submersa a uma pressão de 100 me-

modelo tem todas as características de

portação da Alpina para o Brasil.

tros. Seastrong Horological Smartwatch

um típico relógio tradicional suíço, só que

O modelo conta com uma caixa

amplia a gama de modelos inteligentes

com a funcionalidade smart. Ele é volta-

de 44 mm elaborada em fibra de vidro

da companhia.

e está disponível em quatro cores

Dentre suas funcionalidades, a conec-

diferentes: azul, preto, preto com laranja

tividade com smartphones permite o mo-

e verde militar. A finalização dos

nitoramento de atividades físicas e sono,

modelos é dada por uma pulseira de bor-

assim como entrega notificações do apa-

racha texturizada.

relho móvel direto no pulso do usuário,

alpinawatches.com

03.2017 | THEPRESIDENT |

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basel 2 017

Tissot

relógio envenenado

O

s traços esportivos da linha T-Race MotoGP são parcialmente neutralizados pelo

uso do revestimento de ouro rosa em partes da caixa desta edição limitada a 2017 unidades. Ainda assim, referências do universo do motociclismo não foram

Victorinox

ainda mais robustez

O

modelo I.N.O.X., da Victorinox, que rapidamente virou um

deixadas de lado: mostrador com tex-

best seller da marca por ser um mo-

tura de carbono, botões de ativação da

delo de alta resistência e visual mo-

função cronógrafo em formato de pe-

derno, ganhou nova versão. Com uma

dais de apoio e sistema de ligação entre

caixa elaborada em resina e carbono,

caixa e pulseira que lembram a suspen-

um mostrador preto complementa a

são traseira de uma moto. Na bagagem,

sobriedade, ligeiramente quebrada por

um mecanismo automático suíço prote-

algarismos arábicos em branco e inscri-

gido a até 100 metros sob a água.

ções em vermelho.

tissotwatches.com

victorinox.com

O

material

da

caixa

é o mesmo utilizado em ônibus espaciais para protegê-los na reentrada na atmosfera. Pode resistir a temperaturas que superam os 1.200 graus centígrados.

hans aebi CEO da victorinox no brasil

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O Octo Finissimo Tourbillon foi o nosso primeiro relógio a bater recordes em 2014. Nós surpreendemos o segmento com um design moderno e criativo. Queríamos atrair ainda mais os amantes de relojoaria com a apresentação da nossa visão de esqueletização. Para a Bulgari, isso não era apenas um desafio

técnico,

mas

também estético.

Bulgari

Quase transparente Bulgari é responsável pela fa-

A

A responsabilidade da entrega dos dados

bricação do relógio com o tur-

é do calibre BVL 268 Finissimo, detentor

bilhão mais fino do mundo. O

do recorde de movimento mais fino do

mecanismo reduz os efeitos da gravidade.

mundo nessa categoria. O resultado é

Para 2017, a companhia foi ainda mais fun-

uma peça com muita personalidade. Tem

do com a apresentação de Octo Finissimo

uma caixa elaborada de platina com 40

Tourbillon Skeleton. A maison eliminou

mm de largura no típico formato Octo

partes do sistema para permitir a visua-

da companhia: com nada menos que 110

lização da parte interna do movimento,

facetas. A finalização é dada por uma pul-

num processo de esqueletização, sem

seira preta de couro de crocodilo.

perder nenhuma das funções.

bulgari.com

Guido Terreni diretor-geral da divisão de relógios da Bulgari


basel 2 017

Frédérique Constant

Inovação dentro de casa

F

oram necessários seis anos para que

um valor comercial que não ultrapassa os

ou sem revestimento de ouro rosa, o

a Frédérique Constant desenvolves-

€ 4 mil, um feito para a companhia. Esse

movimento é responsável por entre-

se seu novo mecanismo de fabrica-

movimento foi chamado de FC-760 e é

gar horas e minutos centrais, indicação

ção própria. O resultado é um cronógrafo

composto por 233 peças, das quais 90 são

de pequenos segundos às 9 horas, uma

com função flyback, batizado como Flyba-

dedicadas a dar vida à função principal.

indicação de data por ponteiro às 6 ho-

ck Chronograph Manufacture. Ele permite

“Grande parte dos componentes do mo-

ras e a função cronógrafo com ponteiro

o reinício imediato da função de contagem

vimento Frédérique Constant são desen-

central de segundos e acumulador de 30

de tempo com o pressionar de um único

volvidos in-house, o que traz uma relação

minutos às 9 horas. O modelo possui um

botão. É ideal para corridas ou marcações

valor-qualidade inigualável ao consumidor

mostrador em tom ardósia, enquanto a

que exigem um rápido reinício.

final”, descreve Freddy Rabbat, represen-

versão dourada tem um plano de fundo

tante da marca no Brasil,

em branco prateado.

Uma das funções de mais difícil criação do universo relojoeiro deverá ter

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| THEPRESIDENT | 03.2017

Abrigado por uma caixa de aço com

frederiqueconstant.com


Greubel Forsey

Alta simplicidade

O

Balancier da Greubel Forsey, conhecida por elaborar peças de alta complexidade, encarna

à perfeição os princípios fundamentais da relojoaria. Ele converge as qualidades da marca em um relógio de teor sóbrio e me-

canismo relativamente simples. Dessa forma, a companhia segue o caminho oposto da complexidade que lhe fez a fama. A caixa de ouro branco apresenta o ajuste. Essa pequena peça, que está presente em todos os relógios mecânicos, é responsável em grande parte pela precisão do movimento e distribui o restante da energia que atravessa o mecanismo a um escapamento. A peça apresenta horas e minutos centrais, com os segundos em um pequeno submostrador às 4 horas. A autonomia de energia de três dias pode ser lida por meio de uma escala na região superior do mostrador. O Balancier tem uma produção limitada a 33 unidades. greubelforsey.com

O ano de 2017 nos permitiu apresentar a versatilidade de nossa companhia. O Balancier, assim como modelos de maior complexidade, foi criado seguindo os mais altos padrões de excelência em relojoaria, mas condensados em um relógio de pureza notável.

Stephen Forsey cofundador da Greubel Forsey

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basel 2 017

graham

Para viajantes ousados

O

maior ícone da relojoaria

função

Graham, o modelo Chrono-

nógrafo.

fighter, conhecido por ter um

cro-

O visual da

gatilho na lateral de sua caixa, completa

peça é comple-

15 anos em 2017. A celebração ocorre

mentado com um dégradé

com a apresentação de Chronofighter

apresentado no mostrador,

Vintage GMT.

que está disponível em pre-

Com uma função voltada para

to, marrom, verde ou azul com

viajantes, o segundo fuso horário, o

uma pulseira de couro de vitelo

relógio viaja pelo tempo para colher

que acompanha a tonalidade do dial. O

elementos de diferentes décadas. São

segundo fuso horário é lido por meio de

detalhes que se inspiram na década de

um grande ponteiro central em formato

1960, com um tempero vindo da déca-

de seta, que faz a indicação em uma es-

da de 1970. Sem deixar de lado o sim-

cala de 24 horas estampada no bisel de

bólico gatilho que, além de proteger a

cerâmica preta.

coroa, permite a ativação e pausa da

graham1695.com

Não temos limites para nossas ambições. O sistema de alavanca para a ativação da principal função de nossos relógios dessa linha impressionou os consumidores e ficou gravado na memória deles. Isso fez com que o relógio se tornasse um ícone no mundo relojoeiro.

Eric Loth fundador da Graham

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Zenith

do mar ao ar

A

Zenith é uma das marcas

algarismos arábicos de grandes pro-

que apostaram no bronze

porções, assim como os ponteiros

para a elaboração da cai-

de horas e minutos. A função cro-

Queremos direcionar nossos

xa de seu relógio. A liga metálica,

nógrafo é entregue pela evolução do

novos produtos a um público

comumente aplicada a modelos de

mecanismo El Primero, apresentado

que busca um produto es-

mergulho, tornou-se bastante re-

inicialmente em 1969 e que marcou

pecial, porém com responsabilidade no orça-

quisitada por colecionadores. Mas

história na companhia.

mento. A Zenith entrega arte, tradição, beleza, design, exclusividade e prestígio, sem contar a

o Pilot Extra Special Chronograph

O relógio, de 45 mm de diâmetro,

não foi criado especificamente para

permite ainda a visualização do movi-

elegância dos produtos e a inovação

mergulhadores. É um relógio volta-

mento e seu funcionamento a partir

do mecanismo. Menos é mais.

do para o universo da aviação.

de uma janela posicionada no verso

Por essa razão, a peça apresenta um mostrador com contrastes e

da caixa. zenith-watches.com

Jean-Claude Biver CEO da Zenith e presidente da divisão de relógios e joias do grupo LVMH

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basel 2 017 HYT

horas líquidas YT é uma relojoaria inovadora.

H

O sistema de iluminação é oferecido

Sua indicação de horas enche

por um processo 100% mecânico, que não

os olhos pelo uso de um líquido

requer o uso de nenhum tipo de bateria. O

comandado por um sistema de foles inte-

gerador está aninhado entre 4 e 5 horas na

grado ao mecanismo. O lançamento para

peça e é operado por um dínamo que con-

2017 ainda apresenta a indicação de minu-

verte energia mecânica em elétrica – a luz

tos por meio de um submostrador trans-

é ativada por cerca de 5 segundos. Apenas

parente na porção superior da peça, perto

esse mecanismo é composto por 82 peças.

da região de 12 horas, enquanto a parte de

A caixa do modelo é de titânio com um

baixo é desobstruída para que o usuário

revestimento cinza-carvão, enquanto o

possa apreciar a movimentação do siste-

acabamento é dado por uma pulseira de

ma que controla o líquido e ainda é dotada

alta resistência com fecho de velcro.

de um sistema de iluminação por LED.

hytwatches.com

A criação, a inovação e a busca para soluções novas e originais são os principais valores de nossa marca. Temos investido em novas tecnologias e produtos de maneira contínua, com um planejamento já para os próximos quatro anos com o oferecimento de produtos altamente criativos e modernos com um ar de distinção para aqueles que desejam se destacar da multidão.

Gregory Dourde CEO da HYT

THE PRESIDENT – especial relógios Colaboraram neste número: Marcello Borges e Renata Bench

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Antonio de la Rocha

Leona Kohen

Craig Robins

Helen Lambert

luxuryLab

O LABORATÓrio do luxo Desta vez, o fórum internacional ocorrerá em Miami

A

sétima edição do LuxuryLab

a design; de vinhos ao comportamento

AGENDA

Global, o mais destacado fórum

dos consumidores; de plataformas digitais

LUXURYLAB.US

sobre mercado de luxo nas Amé-

a estilo de vida, e assim por diante. Sempre

ricas, traz uma novidade e tanto. Depois

com um olhar especial para o crescimento

Segunda-feira, 24 de abril

de cinco edições no México e uma em São

e expansão de marcas e empresas de luxo

Welcome cocktail

Paulo, desta vez o evento ocorrerá em

latino-americanas.

Local: The Four Seasons Hotel Mia-

Miami, na Flórida, Estados Unidos. Daí o batismo LuxuryLab.US.

Entre os palestrantes desta edição estarão Fflur Roberts, chefe de

mi/Surf Club Das 17h às 21h

Idealizado por Abelardo Marcondes, o

pesquisa de bens de luxo da Euromo-

fórum, a se realizar entre os dias 24 e 26 de

nitor; Eric Carlson, um dos mais im-

Terça-feira, 25 de abril

abril, mantém sua bem-sucedida fórmula de

portantes arquitetos de retail de luxo

Local: The Four Seasons Hotel Miami

integração entre palestrantes e participan-

e fundador da Carbondale; Humberto

Das 9h às 17h

tes, tendo em vista analisar com profundi-

Campana, célebre designer brasileiro;

dade o mercado de luxo, suas mudanças,

e Martine Assouline, cofundadora da

Quarta-feira, 26 de abril

tendências e oportunidades. Os assuntos

Vernon Company.

Local: Palm Court, Design District

abordados serão diversos: de arquitetura

Eric Carlson

Fflur Roberts

Mais informações em luxurylab.us

Abelardo Marcondes

Das 10h às 12h

Kim Vernon

Humberto Campana

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perfil

Por Lito Cavalcanti

Ainda hoje, Juan Manuel Fangio é imbatível na Fórmula 1. Ele ganhou quase metade das corridas que disputou

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Duas lendas: o piloto argentino e a Alfa Romeo 159

O Ăşltimo dos beats mora sozinho, em San Francisco

Š getty images

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perfil

D

O maior de todos os tempos

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estreitarem com a decisão da Maserati de abandonar as corridas. Fangio nem se dera ao trabalho de procurar um novo contrato. Limitara-se a arranjar com a Maserati uma 250F para disputar pela última vez o GP da Argentina, que abriria o mundial de 1958. Lançada quatro anos antes, a 250F passara por atualizações, mas já não conseguia acompanhar as potentes e leves Ferrari 246 nem os modernos Vanwall. Mesmo assim, Fangio conquistou aquela que seria sua última pole position. Chegou a liderar a corrida, mas uma parada para troca dos pneus o relegou ao quarto lugar. O único testemunho de seu esforço foi a volta mais rápida da prova. “Ele guia como um endiabrado”

Por isso, despertou entusiasmo sua inscrição no GP da França, a ser disputado em Reims, onde ele já vencera quatro vezes. Era um reconhecimento aos engenheiros da Maserati, que haviam deixado a vetusta 250F mais curta e mais leve. No sábado, uma surpresa o levou a considerar com maior seriedade a despedida das pistas. Nas primeiras voltas da prova de classificação, sentiu a 250F instável. Perguntados, os mecânicos informaram que haviam trocado os amortecedores porque o fabricante de uma outra marca pagaria para que Fangio os usasse. wikimedia commons

epois de 50 voltas, a bandeira quadriculada marcou o fim do Grande Prêmio da França de 1958. A quarta colocação obtida era bem menos do que o mundo havia se habituado a esperar daquele homem de estatura mediana, quase baixa. Os cabelos já rareando e o tronco forte e arredondado denunciavam seus 47 anos. Mesmo assim, o planeta ainda se curvava a ele. Ao se aproximar do carro desse adversário, uma velha Maserati, já no fim da corrida, o líder da prova, o inglês Mike Hawthorn, diminuiu o ritmo. Ele se recusava a colocar uma volta sobre o piloto conhecido como “Il Maestro”, que disputava sua última corrida. No dia 6 de julho de 1958 se encerrava a gloriosa carreira do argentino Juan Manuel Fangio. O respeito vinha de todos os seus contemporâneos. “Il Maestro” conquistara cinco campeonatos de Fórmula 1, quatro deles seguidos. Até o ano anterior, obtivera 24 vitórias em 51 Grandes Prêmios. Conseguira ainda 29 pole positions e 23 voltas mais rápidas. Na comparação entre corredores de épocas diferentes, o único critério aceitável é o percentual de vitórias cotejado ao número de largadas. É nele que se revela a estatura de Fangio: ganhou 47,05% das corridas que disputou. O segundo da lista é o heptacampeão Michael Schumacher, que venceu 91 de 308 GPs, um percentual de 29,54. Ayrton Senna, para muitos o único a rivalizar com o argentino quando o assunto é o maior de todos os tempos, ganhou 41 de seus 161 GPs e chegou a 24,46%. A diferença de Fangio em relação aos demais seria ainda maior se as estatísticas incluíssem as provas extraoficiais, que não valiam para o campeonato mundial. Foram mais 14 vitórias. Computadas, elevariam o percentual para cerca de 55%. Aquele domingo havia sido ensombreado não só pelo fim da mais brilhante carreira do automobilismo, mas também pela morte de Luigi Musso. O italiano havia capotado ao tentar tomar a liderança de Hawthorn, seu companheiro na Ferrari. Ejetado do carro, faleceu horas mais tarde no hospital local, onde foi visitado por Fangio. Ao se despedir do companheiro de pistas, o argentino sedimentava na alma a certeza de que chegara a hora de parar. Depois de conquistar, em 1957, seu quinto título mundial, o quarto consecutivo, o ídolo de toda a nação argentina viu suas opções se


Com a Alfa Romeo 158, a “Alfetta”, nos idos de 1950

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Naquele dia, “Il Maestro” fez apenas o oitavo tempo no qualify, a mais de dois segundos da volta mais rápida. No domingo, com os amortecedores originais de volta ao carro, chegou a levar a renovada 250F ao segundo lugar, mas se viu obrigado a entrar nos boxes para reparos. O quarto lugar foi tudo que conseguiu. Quarto dos seis filhos de um humilde casal de imigrantes da região do Abruzzio, no sul da Itália, Fangio nasceu no dia 24 de junho de 1911 em Balcarce, cidadezinha ao sul de Buenos Aires cuja população atual beira 45 mil almas. Lá era conhecido como “El Chueco”, o Torto, por causa das pernas arqueadas. Passou os primeiros anos entre os campos de futebol e a oficina onde travou o primeiro contato com os carros. Encarregado de comprar peças, passava os dias ao volante, enfrentando estradas de terra, lama e charcos, período que chamaria de sua “Universidade Estradeira”. A primeira corrida foi em 1934, ao volante de um táxi emprestado por amigos. Era um Ford modelo A. A primeira vitória viria em 1940, o GP Internacional do Norte, quando percorreu em 109 horas os 9.445 quilômetros de ida e volta da capital argentina, Buenos Aires, à peruana, Lima. Naquele ano e no seguinte, Fangio se sagrou bicampeão da categoria Turismo

começou a dirigir porque trabalhava numa oficina mecâniica e o encarregaram de buscar peças. Estreou nas pistas com um táxi Carretera, até hoje a mais popular da Argentina. Sua melhor oportunidade veio com a temporada internacional, na Argentina, no início de 1948, aproveitando a paralisação das corridas durante o inverno europeu. Vieram Giuseppe “Nino” Farina (que em 1950 se tornaria o primeiro campeão da Fórmula 1), Luigi Villoresi, o príncipe Bira (da família real do Sião, hoje Tailândia), o francês Jean-Pierre Wimille, então o maior vencedor dos GPs europeus nos últimos anos, e Alberto Ascari, principal piloto da Ferrari. Mesmo com um carro superado, incapaz de ameaçar a hegemonia dos europeus, Fangio chamou a atenção. Farina, após vencer a etapa de San Martín, rasgou-lhe elogios nas rádios. “Esse Fangio guia como um endiabrado.” Em 1949, enfim com equipamento semelhante aos dos europeus, conquistou a primeira vitória internacional. Foi na etapa de Mar del Plata, diante de 300 mil pessoas: venceu de ponta a ponta, superando o príncipe Bira por uma

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perfil

Em 1955, com uma Mercedes, ano em que venceu quatro das seis corridas.

volta. Era o passaporte para a Europa. Ao se despedir de Buenos Aires, Fangio declarou que “seria um sonho ganhar uma corrida”. Naquele ano, ganhou seis. A atuação que chamou mais atenção foi em Pau, na França. Numa parada no boxe, obrigado pelo regulamento a desligar o motor durante o enchimento do tanque, Fangio viu que os mecânicos não conseguiam religá-lo. Saltou então do cockpit, empunhou a alavanca que servia como motor de arranque e, com um golpe tão forte que tirou as rodas dianteiras do chão, fez o motor funcionar. De volta à pista, descontou o atraso e terminou na frente de todos. No Museu da Revolução

Sem contrato para disputar em 1950 o primeiro campeonato de Fórmula 1, foi convidado pela Alfa Romeo para experimentar seu novo carro na corrida de San Remo. O modelo T158 tinha um potentíssimo motor de oito cilindros e 1,5 litro com compressor de duplo estágio, chegando a 334 HP. Mesmo sem familiaridade com a Alfetta, Fangio assumiu a ponta desde a largada e impôs um ritmo tão forte que Ascari, na tentativa de acompanhá-lo, acabou estatelando sua Ferrari em uma árvore. Após a vitória, os diretores da Alfa lhe perguntaram quanto pretendia ganhar como salário. Fangio sacou a caneta e assinou o contrato em branco. “Ponham aí os números que acharem justo. Tudo que quero é um carro que me permita disputar o título.” A Alfa pôde

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então dominar o campeonato. Depois de vencer as cinco primeiras etapas, os três pilotos da fábrica italiana chegaram a Monza, última etapa do ano, nos três primeiros lugares: Fangio com 26 pontos e três vitórias; Luigi Fagioli com 24, quatro segundos lugares e nenhuma vitória; e Nino Farina com 22, duas vitórias e um terceiro. O argentino conquistou sua quarta pole position do ano e dominou as voltas iniciais, mas problemas sucessivos o fizeram abandonar na 34ª das 80 voltas. Farina ganhou, chegou a 30 pontos e tirou o título do favorito Fangio – mas as cinco vitórias em provas extraoficiais elevaram seu total a oito triunfos, ofuscando o novo campeão. No ano seguinte, a Ferrari se mostra à altura da Alfa, mas na última etapa, no circuito de Pedralbes, em Barcelona, o líder era Fangio, com duas vitórias e 28 pontos, três à frente de Ascari. O italiano revelou força com a pole position, mas “Il Maestro” venceu de ponta a ponta e conquistou seu primeiro campeonato mundial. O sucesso, porém, não bastou para demover a Alfa da decisão de abandonar a Fórmula 1 em 1952 em virtude dos custos inflacionados. Fangio assinou com a Maserati, mas fraturou uma vértebra cervical e foi alijado do campeonato antes mesmo da prova inicial. O acidente ocorreu na que seria sua primeira participação com a nova equipe, uma corrida extraoficial em Monza, por culpa admitidamente sua. Na véspera, ele havia participado de uma prova na Irlanda e perdeu o voo de conexão de Paris para Milão. A solução foi dirigir a noite inteira sob chuva.


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Último colocado no grid, o novo campeão fez uma largada agressiva e ganhou algumas posições – mas, por causa do cansaço, errou uma troca de marchas. A Maserati bateu nos fardos de feno, levantou voo e o ejetou do cockpit. “À meia-noite saí de Paris, às 2 horas estava em Monza, às 2 e meia no grid e às 3 no hospital”, relataria ele durante a longa recuperação. No retorno, em 1953, Fangio encontrou uma Maserati pouco desenvolvida, o que permitiu à Ferrari dominar o campeonato. O argentino terminou o ano com só uma vitória no mundial – ironicamente em Monza, aonde voltava pela primeira vez desde o acidente. Mas duas vitórias nas provas extraoficiais de Albi e Modena aumentaram o entusiasmo da equipe para 1954. Desencantado com a fábrica italiana, Fangio tinha decidido migrar para a Mercedes. Como o carro alemão não ficou pronto a tempo, ele conseguiu com seus novos contratantes autorização para iniciar o campeonato com uma Maserati, vencendo os GPs da Argentina e da Bélgica. Surgiu então em Reims, para o GP da França, o novo Mercedes W196. Já na estreia, Fangio fez a pole position e ganhou a corrida ao ultrapassar seu companheiro Karl Kling na última curva da última volta. Foi a terceira vitória em três corridas. Sagrou-se bicampeão com mais seis vitórias a seu crédito. Os três anos seguintes foram de dominação total de Fangio. Em 1955, continuou com a Mercedes e venceu quatro das seis corridas que disputou; em 1956, migrou para a Ferrari e teve um ano difícil,

Andreina Espinosa visita o namorado no hospital, depois do acidente em Monza

com apenas duas vitórias em sete provas. No ano seguinte, voltou à Maserati e venceu mais três vezes. Uma delas foi em Nürburgring, tida como sua obra-prima. Fez mais uma pole position, mas, como teria de trocar pneus, precisaria abrir 30 segundos de vantagem sobre seus perseguidores. A parada, porém, foi demoradíssima: Fangio perdeu um minuto e dezoito segundos, e os dois pilotos da Ferrari, Mike Hawthorn e Peter Collins, o superaram. De volta à pista, “Il Maestro” viveu seu melhor momento, quebrando

Na Alfa Romeo, assinou um contrato em branco. Sua única exigência: um carro bom o suficiente para disputar o título várias vezes o recorde de volta mais rápida. Na primeira passagem, a diferença havia caído para 51 segundos, e assim sucessivamente até recuperar o primeiro lugar e receber a bandeirada quase quatro segundos à frente de Hawthorn. Sua carreira ainda incluiria um fato notável. Cuba vivia anos de agitação. Os insurgentes liderados por Fidel Castro desafiavam o ditador Fulgencio Batista, que organizou uma corrida em Havana em 1957 para provar ao mundo que tudo corria bem em sua ilha. Pagando a nada modesta quantia de US$ 7 mil a cada convidado, ele atraiu os maiores nomes do automobilismo mundial. E mais uma vez Fangio venceu. No ano seguinte, Batista repetiu a iniciativa. Mas os guerrilheiros, enfurnados na distante Sierra Maestra desde dezembro de 1956, aproveitaram a oportunidade para ganhar visibilidade e planejaram sequestrar uma das grandes estrelas. Começava a “Retención Patriótica”.

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Aos 80, homenageado quatro anos antes de morrer

para a cruel ditadura de Fulgencio Batista; Fangio seria libertado no dia seguinte, logo após a corrida. O piloto teria dito que nada sabia de política, mas compreendia a situação.

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Mecânico entre mecânicos

Sequestrado pelos guerrilheiros cubanos, foi levado para sierra maestra, onde afirmava ter sido muito bem tratado pelos algozes Na noite de sábado, após marcar mais uma pole position, Fangio foi abordado no saguão do hotel Lincoln por Manuel Uziel, um dos nove guerrilheiros envolvidos na operação. Ele encostou o revólver no pentacampeão e anunciou o sequestro: “Se alguém resistir, serei obrigado a matá-lo”. Na verdade, a ordem do líder Faustino Perez era de não se fazer nenhum mal a Fangio. Sem dar sinais de abalo, o argentino acompanhou Uziel até um carro que aguardava à porta do hotel. Uziel aproveitou a ocasião única e levou o pentacampeão mundial à sua casa para apresentá-lo à mulher e ao filho; só então o conduziu ao cativeiro. Mais tarde, Fangio comentaria que foi muito bem tratado, que suas instalações eram tão confortáveis quanto as do hotel e o serviço de quarto era perfeito, – apesar de os garçons portarem armas. No duro, só passara temor no carro, dirigido pelo péssimo motorista que era Uziel. No cativeiro, Faustino Perez deixou claro que não cometeria nenhuma violência contra ele. O objetivo era chamar atenção

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Na manhã seguinte, havia entre eles o temor de que a polícia de Batista atacasse, matasse Fangio e jogasse a culpa sobre os sequestradores. Decidiu-se então combinar a libertação com a embaixada argentina, negociação de que o piloto participou ativamente. Ao sair do cativeiro, Fangio deixou um bilhete atestando “o tratamento familiar e as atenções cordiais recebidos durante meu amável sequestro”. Esse bilhete se encontra hoje no Museu da Revolução, em Havana. Fidel Castro retribuiu em 1992, enviando por intermédio de Arnol Rodriguez, o mentor do sequestro, uma réplica do troféu do Grande Prêmio de Cuba, hoje exposta no Museu Fangio, em Balcarce. Esse episódio deu origem a um longa-metragem, Operación Fangio, dirigido pelo espanhol Alberto Lecchi, que chegou às telas em 1999. O herói do filme não pôde vê-lo. Fangio morreu de insuficiência renal no dia 17 de julho de 1995, aos 84 anos, deixando como legado uma frase que define como ele se via: “Não mereço tudo que ganhei, que não foi pouco. Nada fiz pela humanidade. Sou apenas um piloto de corridas”. As corridas consumiram sua vida inteiramente, embora jamais se sentisse inteiramente à vontade no universo aristocrático da Fórmula 1 da época. Retraído, pouco falava. Suas companhias preferidas eram os mecânicos. Isso talvez se deva ao fato de ter sido ele também, originalmente, um mecânico. Nos últimos anos, admitia não saber por que não se casara com Andrea Barruet, a companheira de décadas de quem se separou em 1960. Ela era mãe de Oscar Espinosa, mais conhecido como “Cacho” Fangio sem que o pentacampeão o reconhecesse como filho. Cacho só teve o direito de usar o sobrenome famoso em 2015, após a exumação do corpo do pai permitir a comparação de DNA. P



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memória

Por antônio torres

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o doce r adic al Assim era conhecido o escritor Antonio Callado, que completaria 100 anos neste 2017

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ará. Era como ele chamava o autor destas linhas, embora entre os dois houvesse um Carlos no meio, e um circunflexo a menos. Estamos falando de um Antonio que dispensava o acento proparoxítono, ou esdrúxulo, mas que nem por isso deixava de dar um fino trato à última flor do Lácio – e que, se vivo fosse, estaria agora comemorando o seu centenário, efeméride que propicia rememorações a quantos tiveram o privilégio de ter merecido dele pelo menos uns dois dedos de prosa. Nascido em Niterói em 1917, e falecido no Rio em 1997, aquele que por extenso se assinava Antonio Carlos Callado viria a se desempenhar em todos os campos da palavra: ficção, jornalismo, dramaturgia, crítica teatral, radialismo, tradução e magistério. Romancista com uma visão particularíssima de momentos decisivos do país, Antonio Callado deixaria uma forte marca naquilo que se convencionou chamar de “cultura de oposição”. Hoje, sua obra suscita leitura num diálogo entre literatura e história. Estava longe de conhecê-lo quando bati os olhos num romance dele pela primeira vez. Passou-se isto no ano de 1967. Foi num fim de tarde, em pleno outono europeu. A cidade era Lisboa, onde o brasileiro que vos escreve trabalhava como redator em uma agência de publicidade situada na bela alameda Dom Afonso Henriques, o pai da pátria, aquele que – reza a lenda – sustentava uma espada de 80 quilos. E com uma única mão! Mas não foi nenhuma narrativa sobre bravatas ou feitos heroicos lusitanos o que lhe chamou a atenção ao entrar na livraria mais próxima do seu local de trabalho, e sim uma capa quase totalmente alltype, sobressaindo-se entre as novidades da semana pelo destaque ao nome do autor, em letras douradas, e ao título do livro, em vermelho, ambos sobre um fundo preto, tendo entre eles uma seta a flechar o Sol. Pronto, o brasileiro desta história acabava de ser apresentado a Antonio Callado, de quem até ali nada sabia.

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memória Logo, a introdução desse leitor à sua obra foi pelo monumental Quarup, que traça um painel do Brasil do período do suicídio de Getúlio Vargas, passando pela inauguração do Parque Indígena do Xingu e vindo até o golpe militar de 1964. Tudo sob a ótica de um padre que se embrenha no mato para levar a fé aos índios, mas acaba sendo preso e torturado. No final da trama, ele decide entrar para a luta armada contra a ditadura. Li-o em três noites – e na primeira edição brasileira, que, quase por milagre, não demorara a chegar a uma livraria de Lisboa –, com a avidez de quem, longe de casa, dela recebia notícias quentes. Terminada a leitura, voltei lá e comprei o último exemplar ainda a piscar para os seus frequentadores, e me apressei a levá-lo ao diretor de criação da agência onde eu trabalhava. Era outro xará, mas com acento agudo: António Alves Redol. Tratava-se de um famoso escritor, expoente do neorrealismo português, uma forte corrente literária também de oposição – à ditadura de outro António, o Oliveira Salazar. Autor do emblemático Barranco de Cegos, que vinha sendo lido como “o romance de uma época e de um país”, Alves Redol (como ele preferia assinar os seus livros) também leu Quarup com muito entusiasmo, o que não demoraria a confessar ao seu presenteador.

uma enorme sede de conhecer o interior do país. Na volta da Europa, ele se embrenha pelo Xingu e o Nordeste, em busca de grandes reportagens, ao mesmo tempo que se contata com ambiências e realidades que irão determinar os cenários do seu mais célebre romance, o já citado Quarup, que representou para os anos de 1960 o mesmo que Grande Sertão: Veredas representou para os anos 1950, conforme a avaliação de Carlos Heitor Cony, em crônica publicada na Folha de S.Paulo, em 10 de abril de 2004. Agora, 50 anos depois daquele achado numa livraria de Lisboa, descubro que o primeiro Callado a fincar pé no Brasil havia nascido em Elvas, província do Alentejo, Portugal, em 1780. A história do tenente-coronel João Chrisóstomo – que aqui desembarcou em 1815, a chamado do príncipe regente D. João para lutar na Campanha do Rio da Prata, sob o comando do general Carlos Francisco Lecor – está contada em poucas, mas precisas linhas, na Fotobiografia que Ana Arruda Callado organizou em homenagem ao seu finado marido, e que ganhou uma belíssima edição da Companhia Editora de Pernambuco, em 2013. “A região é ocupada a partir de 1816” – escreve Ana – “e o coronel Callado recebe, por sua dedicação durante o conflito, a condecoração da Torre e Espada. As terras da banda oriental do Uruguai acabam por alcançar a independência em 1828.” O bravo bisavô A convocação de João Chrisóstomo Callado por D. João deveuAntonio Callado começou a trabalhar em jornal aos 20 anos, em -se ao seu histórico de bravuras a serviço do Exército português, no outubro de 1937. Em 1941, inconformado com a rigorosa censura do qual se destacou, desde muito jovem, defendendo o reino na guerra Estado Novo, durante a ditadura de Getúlio Vargas, ele aceita um contra a Espanha e em diversas batalhas durante as invasões napocontrato oferecido pela BBC de Londres, que ampliava a sua equipe leônicas, das quais, aliás, o príncipe regente havia fugido. Ao adotar de jornalistas para transmitir informes da Segunda Guerra Mundial o Brasil como sua pátria, João Chrisóstomo se tornou comandante em 57 idiomas, num contraponto à propaganda nazista. E fica na de armas de Santa Catarina, defendeu o império em conflitos como Inglaterra até o ano de 1947, com uma breve temporada na Radiodia Sabatinada, na Bahia, e garantiu a paz durante a aclamação do joffusion Française, depois da libertação de Paris. Mais tarde, Callado vem imperador D. Pedro II, então com 14 anos, acompanhando-o admitiria ter sido nesse período que lhe nascera até a posse. Depois de 54 anos de serviço militar uma “tremenda fome de Brasil”, quando lia ine muitas medalhas e comendas conquistadas, ele Depois cansavelmente literatura brasileira, sentindo chegou ao posto de marechal do Exército.

do golpe de 1964, foi preso duas vezes pelos militares. a segunda foi cana dura

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fotos reprodução Arquivo Publico do Estado de São Paulo

Hotel Glória, conferência da OEA no Rio, 1965: Callado protesta contra a presença do presidente Castello Branco

Esse breve histórico do audaz militar João Chrisóstomo Callado entra aqui por haver sido ele o bisavô de um dos mais abalizados intérpretes das contradições políticas, filosóficas e existenciais em que se debate a sociedade brasileira a partir da segunda metade do século 20, marcadamente em romances como A Assunção de Salviano (1954), Bar Don Juan (1971) – continuação do clássico Quarup –, Reflexos do Baile (1976) e Sempreviva (1981), este ganhador do Prêmio Goethe, que o levou à Alemanha em 1982. Pela sua obra romanesca – traduzida para muitas línguas, estudada, levada ao teatro e ao cinema –, o bisneto do medalhado militar português receberia outros prêmios importantes e condecorações como a de Chevalier des Arts et des Lettres, do governo francês (1985), e o Troféu Juca Pato, concedido em São Paulo pela União Brasileira de Escritores, em 1989. Tão irretocável reputação intelectual, acrescida de sua nobiliárquica ascendência, não lhe impediria de ser preso duas vezes em tempos republicanos nada democráticos. Na primeira, em 1964, foi uma detenção rápida. Já na segunda, depois do AI-5 (dezembro de 1968), a cana endureceu. Obrigado a levar um pôster de Guevara que a polícia encontrara em sua casa, Callado peregrinou de quartel em quartel superlotado,

até ser achada uma vaga para ele em Realengo, onde acabou sendo trancafiado na companhia de Gilberto Gil e Caetano Veloso. O desconforto daquela prisão não o tolheu de reler Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust, que tanto admirava. No ano seguinte, dois artigos seus no Jornal do Brasil, intitulados “A merenda dos generais” e “Exército de mendigos”, o levariam a ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional. E pior: um decreto do governo militar o proibiu de escrever na imprensa. Callado sobreviveu a tais brutalidades sem criar em torno de si uma lenda heroica. Cinzeiro no chão

Em depoimento para o filme A Paixão Segundo Callado, dirigido por José Joffily, com roteiro de Regina Zappa, João Ubaldo Ribeiro o descreveu como um homem que sabia manter-se calmo diante de situações críticas, dele se recordando ainda pela “elegância espigada, mas nunca empertigada, a erudição escorreita, mas nunca pedante”, e pela “fidalguia no trato”. O que levou outros a lhe atribuírem uma “fleuma britânica”, clichê que ainda perdura entre os que conviveram com ele, e do qual, de alguma maneira, nem o memorável frasista Nelson Rodrigues escapou, ao chamar Callado de “o único inglês da

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memória vida real”. Já Otto Lara Resende o via como “o doce radical”. Tudo a companhia ao poeta. Copo vai, canapé vem, avistei Vinicius num combinar com a figura do escritor consagrado que numa noite do vemomento em que se fez uma clareira à sua volta. E dele me aproxirão de 1973 recebeu um estreante nas letras em seu apartamento à mei, para lhe fazer uma consulta. Como estava escrevendo um rorua Aperana, 143, ao final do elegante bairro carioca do Leblon. mance no qual um personagem declamava um poema dele, queria Na verdade, muito mais do que um pretendente à condição de saber se havia algum problema de direito autoral. seu colega de ofício, quem lhe visitava era um leitor entusiasmado, – Qual é o poema? – Vinícius me perguntou. Recitei os versos que, depois de descobri-lo numa livraria de Lisboa, o faria seu santo que pretendia transcrever, de “A Hora Íntima”: “Quem pagará o ende cabeceira. Um ano antes, ao se refugiar numa casa em Ubatuba, terro e as flores/ se eu morrer de amores?/ Quem dentre amigos, tão emprestada por um amigo paulista – o publicitário José Roberto amigo,/ para estar no caixão comigo?”. Filippelli –, com pretensões de escrever pelo menos um capítulo do Ele bateu em meu ombro, sorrindo: seu primeiro livro, acabara completamente envolvido pela alta vol– De todos que escrevi, este é o meu poema preferido. Você está tagem da trama de Bar Don Juan, que descreve um dos períodos mais autorizado a usá-lo do jeito que quiser. inquietantes e conturbados de nossa história, com seus impasses, Agradeci-lhe e me retirei, feliz da vida. Passos adiante, encontrei desencantos e desilusões. Antonio Callado, a quem contei o sucedido. E ele: Articulado pelo jornalista Galeno de Freitas, aquele encontro – Xará, já vi que você não conhece a peça. Qualquer outro poema deixaria no escritor iniciante a sensação de despreparo total para que você mencionasse, Vinicius ia lhe dizer a mesma coisa. Guardo dele uma curiosa observação. Foi numa manhã em que o convívio com gente famosa, pois, sob a desculpa, para si mesmo, voltávamos de um grande espetáculo de música e literatura no Centro de que precisava vencer a sua timidez, bebeu, fumou, falou e gestiCultural São Paulo, e do qual participamos a convite de Chico Buarque culou demais, a ponto de esbarrar num cinzeiro, que se esparramou de Hollanda. No táxi a caminho do aeroporto, Callado comentou: na sala do casal anfitrião, espalhando uma sujeira desastrosa. Mas, – Xará, o Chico é um ótimo sujeito, não é? Pena que ele seja tão ao contrário do que esperava, o vexame não chegaria a significar um famoso. A fama o afasta de nós. entrave na relação dos dois, que, com o passar do tempo, se reenconQuarto ocupante da cadeira número 8 da Academia Brasileira trariam muitas vezes, em diferentes cidades (Rio, principalmente, e de Letras, para a qual foi eleito em 17 de março de 1994, na sucesSão Paulo, Paris, Frankfurt, Colônia), aqui e ali compartilhando mesão de Austregésilo de Athayde, ele foi definido à perfeição pela sua sas de palestras, entre outras atividades. companheira por mais de 20 anos, Ana Arruda: Recordo-o como um ser gregário, dono de uma verve admirável. “Branco urbano (não conseguia sequer andar descalço), classe Como demonstrou durante um coquetel no Country Clube do Rio de Janeiro, promovido pela Editora Três, de São Paulo, para o lançadominante, Antonio Callado traiu com determinação e amor suas mento de uma edição da revista masculina Status, estrelada por Fafá origens. Dedicou sua obra – que se confunde com sua vida – aos de Belém. Como o autor do texto que exaltava a amazônica exubecamponeses, aos negros, aos índios, aos revolucionários e às mulherância da Fafá se chamava Vinicius de Moraes, o res. Amou a natureza, os prazeres da vida, como diretor carioca da publicação, Francisco de Paula amou os despossuídos e os injustiçados”. Segundo Freitas, convidou alguns escritores para fazerem Façamos-lhe justiça, pois. Lendo-o. P

sua mulher, ele amou a natureza, os prazeres da vida, os despossuídos e os injustiçados

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ROTEIRO 4x4 pajero full indica

caminhos da mantiqueira o melhor de Campos do Jordão, São Bento do Sapucaí e Santo Antônio do Pinhal POR Sergio Crusco

fotos Ricardo Rollo

É Pajero Full: conforto nas trilhas serranas

clichê, mas fazer o quê? Baixou a temperatura e quem não pensa em se encarapitar em Campos do Jordão, a mais alta e mais fria cidade de São Paulo? Chocolates em profusão, um chope nas calçadas do centrinho, noites locupletadas com bons tintos, fondues caudalosas. E a pinta kitsch de ser conhecida como Suíça Brasileira, porém sem traço de imigração suíça. Levou a fama por ser, na primeira metade do século 20, a esperança de tuberculosos. Acorriam aos sanatórios da cidade em busca do clima seco e do ar puro e rarefeito que lhes facilitaria a cura. Quem tinha muito dinheiro tratava-se na Suíça de verdade. Os não tão abastados ficavam com sua versão dublada – em português. Há tempos o astral mudou na cidade, fincada no extremo oeste da serra da Mantiqueira. Campos do Jordão e outros municípios no entorno reinventaram-se para o turismo a partir da década de 1950. Em especial, turismo de inverno. Mas é até mais gostoso percorrer o pedaço fora das temporadas. Há menos muvuca, pouca fila nos restaurantes e estradas livres para saracotear pelo triângulo formado por Campos, São Bento do Sapucaí e Santo Antônio do Pinhal. E muita aventura, prazer e luxo no caminho. O bom tempo, seja qual for a época do ano, está garantido: chove pouco na região e ali o sol sempre gosta de brilhar.

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À esquerda, Operários, de Tarsila. Abaixo, o auditório Claudio Santoro e o museu Felícia Leirner

Campos do Jordão

Para começar a jornada em ritmo quente, são muitas as opções para os fãs de adrenalina no sangue em Campos do Jordão. Uma das mais recentes é o Zoom Bike Park, com 17 trilhas para experts e iniciantes, próprias para as práticas de mountain bike, all mountain e XC. O Zoom está no mesmo terreno do Rancho Santo Antônio, que oferece atividades de arvorismo, tirolesa, passeios a cavalo, trilhas para caminhada e paintball. O passeio de quadriciclo é outro clássico da cidade, e a Quad Mania organiza tours por cinco trilhas. Uma das mais radicais leva ao pico do Imbiri, ponto mais alto de Campos do Jordão, cujo acesso é feito apenas por veículos 4x4. Quem quer alta cultura tem na temporada fria sua melhor chance. Em julho acontece o Festival de Inverno de Campos do Jordão, no auditório Claudio Santoro e em outros espaços da cidade, com intensa programação de música sinfônica e de câmara. Rodeando o auditório, o museu Felícia Leirner ocupa 35 mil metros quadrados com 85 esculturas da artista polonesa radicada no Brasil. As obras estão dispostas no parque de acordo com os critérios de Felícia, em ordem cronológica e dialogando com as formas da natureza e os horizontes. Ali perto, o palácio da Boa Vista, criado por Adhemar de Barros em 1964, é a residência de inverno do governador do estado e tem um acervo com a fina flor do modernismo: Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Portinari, Brecheret, Volpi e outros bambas. A obra mais visitada é Operários, de Tarsila do Amaral. Anexa ao palácio, a capela de São Paulo Apóstolo, projetada por Paulo Mendes da Rocha, tornou-se outro ponto de interesse.

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o palácio da boa vista reúne um acervo com a fina flor do modernismo: Di Cavalcanti, anita Malfatti, portinari...


o triângulo da aventura A região de Campos do Jordão, São Bento do Sapucaí e Santo Antônio do Pinhal é perfeita para atividades ao ar livre


Toriba: a melhor fondue do Brasil

Aventura ou museus dão fome, e respeito proverá a harmonia ideal com Aventura ou Campos oferece calorias em todas as sua pedida, seja qual for. museus dão fome, formas a quem precisa repô-las. O papo Hospedar-se no Toriba, claro, é puro e a região oferece pode começar com um chope no bar da charme. Mas há em Campos um dos alcalorias em todas Baden Baden, microcervejaria pioneibergues mais luxuosos e modernos do as formas a quem precisa repô-las ra do movimento artesanal, com seus Brasil, o Botanique Hotel & Spa, a 12 múltiplos estilos, da leve Witbier à poquilômetros do Centro, com arquitetuderosa Stout. Fica no centro do agito, o bairro de Capivari, ra ousada que incorpora gigantescas pedras do local. É o lugar onde também está o celebrado Confraria do Sabor, que tem a para quem quer se desligar do mundo, em especial se escolher carne de cordeiro como estrela do cardápio. Outro ponto forte uma das 11 vilas individuais. Spa com uma extensa lista de para a recarga de proteína é o Libertango, com cortes típicos tratamentos e atividades como mountain bike, aulas de tênis, da terra de Gardel. Fora do bochicho, o Harry Pisek é famoso cavalgadas e trilhas são algumas das regalias do hotel. pelas salsichas artesanais escandalosamente apetitosas, preparadas dentro dos padrões alemães de qualidade. São Bento do Sapucaí O roteiro gastronômico pode ganhar ares cinematográficos A Pedra do Baú, avistada de vários pontos da região, é o no clássico hotel Toriba, fundado em 1943 e usado como locação monumental complexo rochoso formado pelo Bauzinho, pelo em Floradas na Serra (1954), único filme do mito Cacilda Becker, Baú e pela Ana Chata. Ao Bauzinho é fácil chegar de carro, coestrelado por Jardel Filho e baseado na obra de Dinah Silveira vindo de Campos do Jordão, e atingir sua parte mais íngreme de Queiroz, que narra a história de uma tísica em busca da cura em 10 minutos de caminhada, tranquila até para sedentários. e do amor. O Toriba, firme e forte, exibe com orgulho 11 bem Os caçadores de emoções, no entanto, preferem vencer o Baú preservados afrescos do artista italiano Fulvio Pennachi, que dá a partir de São Bento do Sapucaí, pela escada de 600 degraus nome ao restaurante do lugar, o Pennachi. Mas é pelo Toribinha de ferro encravados na rocha até o pico, a 1.950 metros do nível Bar que o hotel recebe grande parte dos aplausos. Há quem diga do mar. Recomenda-se a companhia de guias que conheçam ser servida ali a melhor fondue do Brasil. Uma carta de vinhos de bem o caminho, como os da equipe Baú Ecoturismo.

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foto: roberto torrubia

1 2 3 1. Pedalar é um dos melhores programas na região; 2. O Botanique Hotel & Spa é um dos destinos mais luxuosos do Brasil; 3. Trutas no Baden Baden; 4. Interior do restaurante argentino Libertango; 5. Capelinha de Mosaico, em São Bento do Sapucaí; 6. Arborismo na pousada do Quilombo

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foto: roberto torrubia

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foto: roberto torrubia

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1. Bauzinho, Baú e Ana Chata, vistos de São Bento do Sapucaí; 2. O montanhista Eliseu Frechou, dono da cervejaria Bauzera, em ação na parede de escalada; 3. As criações de mestre Ditinho; 4. Voo de paraglider no pico Agudo, em Santo Antônio do Pinhal; 5. Medalhão com funghi e arroz negro no restaurante Donna Pinha; 6. O designer André Marx em seu ateliê

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Chegar ao Baú-Bauzinho é brincadeira para o Pajero Full

Para quem é dos prazeres calminhos, gelo Milani, que a recobriram de mosaicos quer um pouco o ecoparque Pesca na Montanha tem lago sacros e abstratos feitos de cerâmica. O de Adrenalina? com pedalinhos, minigolfe, trilhas pela resultado é um Gaudí tropical e diminuto. prove O voo duplo mata, programas de observação de aves e de parapente outras amenidades. Se a sede de aventura Santo Antônio do Pinhal ou asa-delta no pico agudo for zero, basta escolher uma mesa no resPequena e formosa, Santo Antônio do taurante e pedir uma truta criada no local, Pinhal é a cidade mais pacata do roteiro. com algum dos vários molhos da casa. O Pesca na Montanha tamO pulo vale a pena para um almoço no restaurante Donna Pinha bém conta com uma pequena pousada de seis suítes e um chalé, (integrado ao antigo Santa Truta), capitaneado pela chef Anouk para quem quer menos interação ainda com o resto da humanidaVasconcelos Rosa. Simples, porém perfeita, a cozinha de Anouk de. A pousada do Quilombo acena com mais uma opção de hosprivilegia a produção local de hortaliças e peixes – a truta, especifipedagem para quem gosta de sossego. Piscinas, spa, trilhas e uma camente. Ela vem em várias combinações (até em forma de linguiradical tirolesa são algumas das atrações, além do restaurante ça). Uma das mais pedidas tem acompanhamento de queijo brie. Trincheira, especializado nas culinárias brasileira e italiana. CerAntes ou depois da refeição, se a vontade é banhar-se em bevejas artesanais de qualidade você encontra na Bauzera, de Eliseu leza, ela pode vir da natureza viva, transformada ou apreciada do Frechou, um dos mais respeitados montanhistas brasileiros. alto. O jardim dos Pinhais é um parque com recantos temáticos Respirar arte na cidade também é programa. Comece pelo (japonês, italiano, desértico, montanhês, tropical) que vale o pasateliê Ditinho Joana, para curtir (e comprar) as obras do ex-laseio. No ateliê do designer André Marx, você encontra móveis e vrador Benedito da Silva Santos e seus filhos, que retratam a vida objetos de formatos inesperados e cheios de curvas, criados com interiorana em esculturas de madeira. Ecologicamente correta, a madeira de demolição. família não derruba nenhuma árvore para criar suas peças – traSe nada disso for capaz de emocioná-lo, tente um voo dubalha com o que a natureza tomba. Em seguida, visite a Capelinha plo (ou seja, acompanhado) de parapente ou asa-delta com a de Mosaico. A pequena edificação centenária estava prestes a ruir equipe do Pico Agudo. Experiência que, com certeza, foge de quando foi recuperada pelo casal de artistas Claudia Villar e Ânqualquer lugar-comum. P zoombikepark.com.br | pousadaharrypisek.com.br pousadadoquilombo.com.br

quadmania.com.br | museufelicialeirner.org.br | acervo.sp.gov.br | badenbaden.com.br | confrariadosabor.com.br libertango.com.br | toriba.com.br | botanique.com.br | bauecoturismo.com.br | pescanamontanha.com.br | bauzera.com.br | atelieditinhojoana.com.br | donnapinha.com.br | jardimdospinhais.com.br | andremarx.com.br | picoagudo.com |

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velocidade Por luiz guerrero

Até TU, BRUTUS? Depois que a Porsche se rendeu aos SUVs, outras marcas míticas de carros esportivos, para horror dos puristas, também aderiram

E Por enquanto, a Ferrari é o último bastião dos fabricantes imunes aos SUVs

nzo Ferrari descansa em paz. Talvez não seja essa a situação de outros entusiastas que dedicaram suas vidas aos carros esporte. Ferdinand Porsche, William Lions (e seu sócio William Walmsley), Ferruccio Lamborghini, Nicola Romeo e Walter Bentley, entre outros nomes lendários da indústria, devem estar se revirando em duplos mortais carpados dentro de seus túmulos. Isso acontece cada vez que seus sucessores anunciam a criação de um utilitário esportivo. Ou seja, de um SUV – a antítese de tudo que esses homens construíram. Não há, porém, como ir contra a corrente. Em 15 anos, de 2000 a 2015, as vendas de SUVs passaram de 5 milhões para 20 milhões de unidades. Segundo a previsão da consultoria britânica Euromonitor, em 2031 as vendas desse tipo de veículo ultrapassarão os 40 milhões. Outra informação: em 2016, a categoria de SUVs liderou o ranking mundial de vendas por segmento com 28,8%, de acordo com levantamento da consultoria Jato Dynamics. Um SUV – ou uma família de SUVs com diferentes portes e configurações – no catálogo de ofertas representa a diferença entre o êxito e a derrocada de uma companhia.

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velocidade

O novo Cayenne (à esquerda) é uma evolução do modelo abaixo

O exemplo mais consistente dessa nova realidade é a Porsche. Seu improvável SUV contribuiu para a retomada da empresa que leva o nome de Ferdinand, seu fundador. De certo modo, esse modelo estimulou outras marcas a seguir pelo mesmo caminho. A Porsche foi a primeira fabricante de esportivos a romper com a ortodoxia, no fim dos anos 1990 – uma questão de vida ou morte, como se verá. Entre 1986 e 1993, a mais icônica marca de carros esportivos da Alemanha amargava 70% de queda nas vendas e acumulava um prejuízo de US$ 180 milhões, situação desesperadora para qualquer empresa. Seus dois únicos modelos, o 911 e o Boxster (e suas respectivas variações), encalhavam nas lojas, enquanto os esportivos japoneses, igualmente rápidos, igualmente atraentes, mas sobretudo mais baratos, avançavam nas vendas. À Porsche, diziam os noticiários da época, restavam duas saídas: a falência ou a absorção por outra fabricante. Ambas as soluções trágicas, já que a marca vinha se mantendo intrépida como um dos poucos fabricantes independentes do mundo. Coube a um homem chamado Wendelin Wiedeking encontrar outro caminho. Levado ao comando da companhia em 1992, aos 41 anos, ele organizou os métodos

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O cayenne simplesmente tirou a porsche da falência. a empresa devia nada menos do que us$ 180 milhões


Até o momento, o SUV da Bentley é o mais caro do mercado

de produção com o auxílio de dois consultores japoneses egressos da Toyota. E em 2001 foi amaldiçoado pelos radicais fãs da marca ao apresentar o Cayenne, o primeiro SUV Porsche. Desafio às leis da Física

Wiedeking sabia que iria provocar a ira da clientela tradicional – e a descrença dos funcionários. Mas também sabia que nos Estados Unidos, o maior mercado da Porsche, donos de 911 tinham, pelo menos, mais dois carros na garagem – um deles, SUV. Estava convicto, finalmente, de que a aceitação dos utilitários esportivos era crescente, enquanto a procura por sedãs convencionais (outro tipo de veículo cogitado pela Porsche para diversificar a linha e tentar salvar a pele) mostrava-se estável. Só havia um entrave para que a guinada de filosofia se concretizasse: dinheiro. O fator determinante para o surgimento do Cayenne, nome de uma pimenta à qual se atribuem poderes medicinais (e, claro, da capital da Guiana Francesa), foram os laços entre Porsche e a Volkswagen. A poderosa empresa que surgiu a partir de uma criação de Ferdinand Porsche, o Fusca, também estava desenvolvendo o seu primeiro SUV, o Touareg. Por que não compartilhar o poderio industrial de uma com a expertise técnica de ou-

tra? A Porsche orientou o projeto e a Volkswagen bancou a construção dos dois carros que, em comum, tinham apenas a plataforma e algumas peças mecânicas. A revista americana Car and Driver calculou que a contribuição da Porsche não passou de 20%. O maior investimento de Wiedeking foram os US$ 124 milhões para a construção da fábrica de Leipzig, onde acontece a montagem final do Cayenne. Embora o modelo compartilhe a mesma linha de montagem com o Touareg, na Eslováquia, Wiedeking se recusou a montar seu carro fora da Alemanha, por entender que um Porsche deveria preservar suas origens. Ainda segundo o entendimento de Wiedeking, qualquer Porsche deveria ter alma esportiva, mesmo que fosse um veículo familiar quase sempre associado a uma direção pacata e tranquila. O BMW X5, que saiu às ruas em 1999, ainda no estágio inicial de desenvolvimento do Cayenne, tornou-se a referência em direção e estabilidade para a construção do novo carro. Surgia, assim, uma nova subcategoria de veículos – a dos utilitários superesportivos. Desafiar as leis da Física com um veículo de elevado centro de gravidade e peso beirando as 2 toneladas tornou-se possível graças aos sistemas eletrônicos de gerenciamento de estabilidade, cada vez mais eficientes e com processadores cada vez mais rápidos. A aceitação do Cayenne, não apenas pelos entusiastas menos radicais da marca, mas por um público que procurava alternativas

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velocidade O modelo da RollsRoyce: ainda camuflado

A Jaguar lançou o seu em 2016. agora será a vez da Lamborghini. em seguida, vem aí o suv da rolls-royce em meio a uma frota de SUVs comportados, foi imediata. Isso estimulou a Porsche a investir em seu segundo utilitário, o Macan, menor, construído sobre a base do Audi Q5 e lançado em 2014. Juntos, Cayenne e Macan, venderam no ano passado 80 mil unidades. Depois que a Porsche rompeu as tradições, podia-se esperar qualquer iniciativa nesse sentido de qualquer fabricante. E as iniciativas estão surgindo, não sem causar surpresa no meio automotivo. A Bentley, empresa que igualmente se orgulhava de sua arraigada tradição até se tornar parte do Grupo Volkswagen, lançou o Bentayga, nome que faz referência a Roque Bentayga, montanha da ilha Gran Canária, ao largo da costa espanhola. Esse, é, por enquanto, o SUV mais superlativo que seu dinheiro pode comprar: motor W12 biturbo de 610 cavalos e incríveis 3,5 segundos para acelerar até os 100 km/h. Obviamente, qualquer um que tenha perto de R$ 1,8 milhão (preço previsto para o Brasil) para gastar em um automóvel não se interessará por esses números mundanos. Vamos ao que interessa, pois: você tem sete cores básicas de carroceria, mas pode escolher o tom que mais lhe agra-

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da – há 24 variações de azul e 16 de branco, entre outros matizes. As combinações do couro interno e dos detalhes de acabamento também parecem infinitas, mas, se nenhuma das opções for do seu agrado, a Bentley encarregará sua customizadora, a H.J. Mulliner, de construir um carro especialmente para você. A Mulliner também fornece kits de pesca ou de piquenique que se adaptam ao porta-malas. Claro que isso eleva em alguns milhares de dólares o preço final. E, se você perceber detalhes de Audi Q7 dentro da cabine, paciência: o Bentayga usa a mesma base e alguns componentes do parente bastardo. A próxima geração do Cayenne será erguida na mesma plataforma. O Bentayga (nome que também representa a junção das palavras Bentley com taiga, como são chamadas as florestas de coníferas ao norte do planeta) é, por enquanto, o único SUV capaz de rivalizar com o Range Rover SVAutobiography, até então o utilitário preferido dos milionários. Bem, por enquanto. A Rolls-Royce, hoje do Grupo BMW, está trabalhando em seu... primeiro SUV. O Cullinan, nome provisório e que remete ao maior diamante já encontrado, estreará uma plataforma inédita e exclusiva da centenária marca britânica e deve ficar pronto no fim de 2018. Lembra um Phantom, da mar-


ca. Pense em algo exageradamente refinado e talvez você consiga vislumbrar o que será este, digamos, Rolls-Royce de dois andares. Até os italianos

A aposta da Jaguar já é realidade. Abaixo, o Urus, da Lamborghini

Comparado aos SUVs de altíssimo padrão, o Lamborghini Urus, que começará a ser fabricado em abril, é até modesto. Mas trará o desenho mais agressivo entre os utilitários esportivos – uma colagem de detalhes dos superesportivos da marca. Com estimados 600 cavalos de potência, o Urus também promete ser rápido, a ponto de disputar preferências com seu primo distante, o Cayenne. Para uma marca que, em tempos passados, lançou um jipe com motor V12, o LM002, o Urus acaba fazendo sentido. A mesma lógica, afinal, se aplica à Jaguar com seu F-Pace, lançado no ano passado: depois que foi resgatada pela indiana Tata Motors, a marca de William Lions voltou a se tornar protagonista no reduzido universo dos carros esportivos. Mas precisava se impor de maneira decisiva em certos mercados, como o americano – com um SUV, naturalmente. A ajuda providencial da Land Rover, a empresa com mais tradição em utilitários esportivos, tornou o F-Pace realidade em pouco menos de dois anos de desenvolvimento. Alguns analistas estranharam que, com tanto know-how dentro de casa, a Jaguar demorasse tanto a ingressar na categoria. Sim, Land Rover e Jaguar estão sob o mesmo guarda-chuva indiano. Nessa relação de impossibilidades que se tornaram possíveis, resta lembrar de mais duas marcas: as italianas Maserati e Alfa Romeo, administradas pela Fiat-Chrysler. Com suporte técnico da Jeep, ambas também fazem estreia no próspero universo dos SUVs. O Levante, da Maserati, foi baseado no sedã Ghibli e se há algo de positivo a se

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Maserati Levante: estabilidade e poder de aceleração

destacar no modelo é seu melodioso ronco. Bem, há outras qualidades, como a extrema estabilidade e seu poder de aceleração. Considerado o equivalente automotivo de Monica Bellucci pela revista Car and Driver por causa de suas linhas insinuantes, o Levante também oferece o que todos procuram em um SUV – o isolamento do mundo externo e seus insignificantes sedãs. Por fim, o Alfa. É possível que algumas centenas de tifosi cerquem o QG da marca em Turim, na Itália, em protesto quando os primeiros Stelvio saírem às ruas, em mais alguns meses. Mas será em vão. Decidida a reconquistar os EUA, a Alfa Romeo recebeu generosa injeção de incentivos para reformular sua linha de modelos. A ofensiva começou no fim do ano passado com o belo (e competente) sedã Giulia. Agora os italianos preparam artilharia pesada nessa batalha que parece muito longe de terminar. O Stelvio, afinal, é na prática uma Ferrari com o logotipo Alfa. Melhor: é o SUV que a Ferrari garante que nunca terá. Enzo Ferrari descansa em paz. Por enquanto. P

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O Alfa Romeo Stelvio será lançado ainda neste ano


você conhece

doutores da alegria?

Talvez você já tenha ouvido falar do nosso trabalho. Completamos 25 anos de atuação com mais de 1,7 milhão de atendimentos a crianças hospitalizadas, seus familiares e profissionais de saúde. Além disso, formamos jovens em situação de vulnerabilidade social e procuramos ampliar o acesso à arte de qualidade em ambientes adversos. Como fazemos tudo isso? Por meio de doações de empresas como a sua. São diversas formas de doar. Uma delas é através de leis de incentivo, onde a empresa pode deduzir parte do Imposto de Renda a ser pago. Nos ajude a ampliar nossa atuação. Vamos conversar?

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garagem

Por mario ciccone

Menu variado Nosso cardápio tem a força do Volvo XC90 D5, o design premiado da Ducati XDiavel S, a versatilidade do Audi A4 Avant e a elegância do Jaguar XJ

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A

Volvo XC90 D5

experiência de dirigir um veículo da Volvo é sempre algo

A montadora garante que o sistema PowerPulse ajuda a entregar

único. O DNA de segurança e tecnologia da marca sueca

uma ótima resposta de arranque em um sistema de ar comprimido.

transforma a sua direção quase em uma pilotagem por

Apesar de sua força de 4x4, é difícil imaginar que alguém jogue este

instrumentos. É o caso do XC90 D5, a versão diesel do consagrado

sueco na lama. É um carrão com status de um sedã de luxo.

SUV da montadora. Acredite: o carro só falta falar. A sua tecnologia

O acabamento e a tecnologia fazem jus aos melhores do segmento.

de direção semiautônoma “corrije” qualquer vacilo do motorista até

É de luxo, sim. Mas fácil de dirigir. O modelo chega ao Brasil em

130 km/h. Foi uma evolução e tanto. A versão anterior permitia esse

duas configurações: Momentum e Inscription. Na primeira, oferece

controle de sensores e câmeras até os 50 km/h.

uma tela de 9 polegadas touchscreen com o controle das funções de

Ainda que tenha toda essa tecnologia embarcada, o utilitário parece

multimídia e zonas individuais de refrigeração. Já a Inscription tem

um tanque. O motor a diesel é um biturbo de 2 litros e quatro

sistema de áudio Bowers & Wilkins, com 19 alto-falantes. O seu sof-

cilindros, com 235 cv. Para um veículo de mais de 2.600 kg, este

tware de áudio simula o ambiente da sala de concerto da Orquestra

SUV tem boa agilidade. Faz de 0 a 100 km/h em 7,8 segundos. E tem

Filarmônica de Gotemburgo.

velocidade máxima de 230 km/h.

volvocars.com.br

A direção semiautônoma permite evitar acidentes até 130 km/h

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garagem Ducati XDiavel S

E

Modelo ganhou dois prêmios em 2016: Red Dot e Good Design

stamos diante de uma moto que é um sucesso internacional. A Ducati XDiavel S vem colecionando prêmios. Os mais recentes foram o alemão Red Dot e americano Good

Design, ambos em 2016. A fama “da mais bela moto” vem já do seu

lançamento em 2015, no Salão de Milão. Esta Ducati é alongada, mas com curvas futuristas e musculosas. Tem alma de uma cruiser (com pedaleiras mais à frente) aliada ao jeito italiano de produzir veículos de duas rodas, com tecnologia e alto desempenho. O motor tem 1262 cc, com dois cilindros em “L” e 156 cv. As versões XDiavel e XDiavel S apresentam câmbio de seis velocidades e três opções de direção: Urban (mais econômica), Touring (menos torque) e Sport. Na estrada, é uma grande viajante. Os oito níveis de controle de tração vêm bem a calhar. Em relação ao modelo básico, a XDiavel S ganha um banho de loja com módulo de bluetooth, motor preto brilhante e rodas com 12 raios. brasil.ducati.com

O

Audi A4 Avant

advento dos SUVs ofuscou um segmento muito popular

tem até 120 kg a menos que a versão anterior e proporciona bom

no Brasil, as station wagon - as populares peruas. A Audi,

rendimento na estrada e na cidade. O motor 2.0 desenvolve 190 cv

no entanto, prova que ainda vale a pena apostar nesse

de potência e chega a 238 km/h de velocidade máxima. Na tecnolo-

tipo de veículo. Os modelos com o sobrenome Avant já estão

gia de bordo, outro ponto forte. A interface do veículo é compatível

no mercado há 20 anos. O A4 se torna atraente pela capacidade

com os sistemas iOS e Android. E um opcional dos mais exclusivos

de carga. Com o banco traseiro rebatido, oferece 1.510 litros de

é o sistema de som da Bang & Olufsen, com 19 alto-falantes. Uma

espaço. Mas esta não é uma perua que serve só para encher de

casa de shows sobre rodas.

tranqueiras. Estamos falando de um Audi. O carro

audi.com.br

Muito espaço para o porta-malas


Um sedã presidencial com motor de carro esportivo

E

Jaguar XJ is um Jaguar no seu estado mais puro. O modelo XJ é

presidencial. Mas, se estiver curtindo o carro, o som Meridian

o mais elegante e clássico dos veículos da tradicional

opcional tem até 26 alto-falantes. Vale cada segundo a bordo.

marca inglesa. Um lorde de 5,2 metros de compri-

jaguarbrasil.com.br

mento serve muito bem a executivos que utilizam motorista, apesar de ser pouco provável que alguém abra mão de estar no comando deste supersedã. Este Jaguar tem duas opções de motor: V6 de 340 cv (versões Portifólio e R-Sport) e V8 de 510 cv (versão Autobiography). A velocidade máxima é limitada a 250 km/h, enquanto a aceleração permite sair da imobilidade até 100 km/h em apenas 4,9 segundos, no motor V8. Estamos falando de um carro com estrutura toda de alumínio. Segundo a montadora, é bem mais leve que os demais modelos da categoria. Trata-se de um sedã que responde bem a quem tem pressa. Tem respostas rápidas ao comando do motorista. A transmissão de oito marchas permite unir o desempenho e o conforto que se espera desse carro

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proa

Por walterson sardenberg sº Ele criou as lanchas mais velozes do mundo. O problema é que as vendia para mocinhos e bandidos. conheça a vida de Don Aronow,

o PLAYBOY VOADOR 03.2017 | THEPRESIDENT |

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Proa

T

foto © folhapress

rês de fevereiro de 1987. Don Aronow entrava em Marcio Dottori, diretor técnico da revista Náutica e o jornalista seu cupê Mercedes-Benz branco, estacionado no que mais conhece barcos no Brasil. trecho à beira-mar conhecido por Thunderboat Aronow era um homem de excessos. Muito alto, muito forte, Alley. Ainda hoje, é um enclave de estaleiros de muito criativo, muito ousado, muito mulherengo, muito ambicioso – lanchas esportivas em North Miami Beach. Nae muito inescrupuloso. No afã de ganhar dinheiro, ia vendendo uma quela tarde, uma terça-feira, as rádios FM da Flórida martelavam a uma as empresas vitoriosas que montava, sempre em galpões na sem cessar “Open Your Heart”, o novo sucesso de Madonna. De mesma área de North Miami Beach, tornada famosa por esses emprerepente, um Lincoln preto emparelhou com o Mercedes e, de endimentos. Foi assim com os estaleiros Formula, Donzi, Magnum e dentro dele, alguém gritou por Aronow, que girou o corpanzil. Cary (onde criou as lanchas Cigarette), um sucedendo o outro. Ao Não teve tempo para mais nada. Foi varado por seis balaços de passá-los adiante, firmava um acordo com o novo proprietário de não 45. Seus inimigos mortais – o adjetivo é mais do que apropriado voltar a produzir barcos similares. Ladino, dava um jeito de quebrar o – não queriam que restasse nenhuma dúvida. compromisso. Era uma mescla de piloto destemido, comerciante asAronow morreu exatamente um mês antes de completar 60 tuto, brilhante criador de barcos e trambiqueiro de marca maior. Um anos. Deixou duas mulheres, cinco filhos (três do primeiro capersonagem que Mark Twain e O. Henry, escritores tão americanos samento e os demais do segundo), dois títulos mundiais (1967 quanto ele, adorariam criar. e 1969) de piloto de lanchas offshore e outros três do campeonato A rigor, Donald Joel Aronow, filho de imigrantes russos – o americano da categoria, além de uma fábula em dinheiro. Deixou “w” final do sobrenome foi uma americanização do “v” eslavo –, também a fama de melhor construtor de barera um megalomaníaco. Como tal, se julgava cos rápidos da história. Tanto que, três décaacima da inveja, das vinganças, dos julgaQuando das depois daquela tarde sangrenta, seu nome mentos e da lei. Essa segurança descabida se os beatles continua sendo mencionado entre os fãs de tornava mais forte à medida que ganhava corforam aos lanchas para mar aberto como sinônimo de ridas – 16 ao longo dos sete anos de carreira –, eua, aronow extrema qualidade. “Ainda hoje, quando um fazia amigos importantes, influenciava pessoos levou construtor de lanchas offshore quer enalteas e conquistava clientes poderosos. para passear cer o seu casco, costuma dizer que tem algo a Em 1964, quando os Beatles foram aos Estaver com os do lendário Don Aronow”, afirma dos Unidos pela primeira vez, adivinhe quem os

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O carro de Aronow, no dia de seu assassinato


Ele foi quem melhor aproveitou o casco em “V” profundo

levou para uma volta de barco na baía de Miami? Aronow, claro. As fotos do passeio, a bordo de uma Formula desenhada por ele, rodaram o mundo. Pouco depois, Ringo Starr, entusiasmado, comprou uma. Cada vez mais festejado, Aronow foi contratado como garoto-propaganda de marcas de luxo como Rolex e o conhaque Hennessy. Posava para os anúncios com seu jeitão de playboy e quase sósia do ator Burt Reynolds. Como desinflar um ego depois disso? Naqueles anos 1960, sua década de ouro, Aronow não tinha mesmo motivos para chorar, ainda que entre seus amigos estivesse Jim Kimberly, proprietário da fábrica homônima de lenços de papel, a quem também vendeu uma lancha. Outros de seus clientes foram os presidentes Lyndon Johnson, Richard Nixon e George H. Bush; o piloto campeão de Indianápolis Mark Donohue; o antigo dono da cervejaria Budweiser, Auggie Busch; o rei Juan Carlos da Espanha, o rei Carl Gustaf XVI da Suécia e a princesa Caroline de Mônaco – o marido dela, Stefano Casiraghi, se sagraria campeão mundial de offshore em 1989 e morreria numa prova da categoria um ano mais tarde. O rei Hussein, da Jordânia, nem discutiu preço. Comprou logo 14 lanchas. Aronow também vendeu barcos para ditadores notórios como Jean-Claude “Baby Doc” Duvalier, do Haiti, e o general golpista Manuel Antonio Noriega, que chegou na marra a presidente do Panamá. “Não me importa quem você é”, costumava dizer. “Se tem dinheiro para me pagar, faço negócio.” Tal filosofia, levada à prática, seria a sua ruína. Quase Tarzan

Com a Donzi (acima), ganhou corridas. Com a Formula, deu carona aos Beatles

Nascido no Brooklyn, em Nova York, no ano de 1927, Aronow começou a vida como salva-vidas nas praias de Coney Island. Sete pessoas teriam se afogado não fosse sua intervenção. Uma delas mantinha ligações com Hollywood e prontificou-se a levar seu benfeitor para viver nas telas o papel de Tarzan, uma vez que o ator Johnny Weissmuller estava abandonando o cipó. Vaidoso de seu físico sarado, Aronow considerou a ideia com carinho. Mas tinha planos mais consistentes, enquanto cursava educação física na Brooklyn University. Shirley Goldin, um de seus muitos flertes nas areias, era não só a mais bela garota da praia como filha de um próspero construtor de casas e prédios. Ele se casou com a lourinha, montou uma imobiliária e passou a vender as construções erguidas pelo sogro. Fez mais do que isso. Ao descobrir o gosto dos clientes, decidiu orientar pessoalmente arquitetos e engenheiros. Resultado: teve uma ascensão tão rápida


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A lista de gente que encomendou lanchas a Aronow inclui George H. Bush, o rei Hussein, da Jordânia, a princesa Caroline de Mônaco e o ditador Baby Doc, do Haiti

© getty images

Reprodução © Andy Warhol

Proa


Livros e filmes tentam decifrar um personagem americaníssimo

quanto as embarcações que construiria mais tarde. Em sete anos de baixo, estreito, leve e longo. Também notou que boa parte da área útil batente, aproveitou a euforia do pós-guerra e vendeu mais de mil proa bordo precisava ser sacrificada em prol da motorização, fossem dois priedades – média de uma a cada três dias. Nada mau para um exmotores de centro ou três, quatro ou até seis de popa. Só assim para -salva-vidas de Coney Island. vencer o forte arrasto. Em 1961, com 34 anos, estava rico o bastante para viver de renda. A nova conformação, enfim, preteria o conforto em favor da veAposentou-se e, como todo bom aposentado americano, foi morar na locidade. O cockpit tornou-se diminuto em virtude do largo espaço Flórida, com Shirley e os filhos. Para ocupar o tempo, comprou uma para a motorização. Já a cabine – quando havia! – teria de ser mílancha sportfisherman de 40 pés (ou 12 metros) de comprimento. O nima e levíssima, para evitar que a lancha embicasse. No final das barco tinha flybridge (ou seja, um segundo “andar” e segundo posto de contas, um barco ideal para corridas, sim, mas espartano em demasia para passeios. Como vendê-lo para o público em geral? “As comando), mas Aronow logo descobriu que preferia a velocidade às mulheres adoram ver um homem numa lancha pescarias de marlim. Lanchas rápidas – e sem flyesportiva”, dizia, gaiato, piscando um olho e arbridge (em português: tijupá) – se tornaram o seu Entre seus queando uma das espessas sobrancelhas. “Meus hobby, numa época em que, mais do que nunca, clientes, barcos são muito sensuais.” elas passaram a correr de fato, graças a uma revoos reis A sensualidade se traduziu num sucesso de lucionária invenção do designer Ray Hunt: o Deep da suécia vendas. As offshores viraram mania mundo afora. “V”, casco com “V” profundo. e espanha. Por aqui, se transformaram em uma febre que Até então, o fundo dos cascos dos barcos além da máfia durou cerca de 20 anos, da metade da década de rápidos era projetado com um “V” na proa, para 1970 a meados dos anos 1990. É revelador desse “cortar” melhor o mar. A partir da meia-nau, fenômeno o casco da Magnum 28, desenhado por contudo, tornava-se quase horizontal, como Aronow. Foi mais copiado no Brasil do que o figurino dos Ramones uma balsa. Com o advento do “V” profundo, os cascos ganharam formatação em “V” não só na proa, mas ao longo de toda a estrutupor adolescentes. A antiga Tecnomarine xerocou. O estaleiro flumira. Inclusive na popa, área em que esse desenho tornou-se maior ou nense Premium, idem. A Magnum brasileira baseou-se fielmente no igual a um ângulo de 24 graus. casco de Aronow para seus modelos de 23, de 34 e de 39 pés. Ainda Com o novo arranjo, as lanchas se revelaram capazes de desemhoje, o estaleiro Maxmarine, instalado em Avaré (SP), fabrica um mopenhos bem superiores, mesmo em mar agitado, e isso ainda permitiu delo de 46 pés que nada mais é do que uma Magnum 39 “aumentada”. que “decolassem”, saindo totalmente várias vezes da água para retornar Aronow não viveu para ver o império das offshores desfeito sem em seguida, num espetáculo grandioso para o recém-formado público compaixão pela preferência por lanchas cabinadas, com suas suítes, das corridas – não à toa, o primeiro Campeonato Mundial de Offshore banheiros completos e cozinhas gourmet. As seis balas calibre 45 chefoi disputado em 1965. “O aumento de velocidade ocorreu porque a engaram antes. Uma ironia: ao incentivar o avanço da tecnologia dos trada do casco em “V” na água é suave e gradual, o que implica menor motores, ele não previu que a pajelança viraria contra o morubixaba. impacto”, explica Marcio Dottori. Tinha início a era das lanchas offshore. Os compradores passaram a preferir as chamadas lanchas open às Seu grande protagonista: Donald Joel Aronow. “Ele não inventou o “V” offshores. Elas têm a boca (largura) bem maior e cockpits abertos, avanprofundo”, diz. “Mas foi quem melhor aprimorou essa criação.” tajados e confortáveis. Nem por isso são lentas. O mais veloz homem dos mares percebeu que, para obter ao mes“Provavelmente, um dos motivos da derrocada das offshores foi a mo tempo estabilidade e rapidez, o casco de uma offshore teria de ser melhoria da relação peso-potência dos motores, permitindo que bar-

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Proa cos mais volumosos tivessem performances, se não à altura das lanBem que sua segunda mulher, a ex-modelo Lilian Crawford, chas esportivas, ao menos muito além do razoável”, analisa o designer queixou-se de estranhos sons ao telefone da mansão do casal Fernando de Almeida, que trabalhou na Europa e nos Estados Unidos em Coral Gables. Provavelmente, o aparelho estava grampeado. e, em seu escritório em São Paulo, projetou embarcações para Inter(Depois da morte do marido, Lilian relataria essa história a Gemarine, Ferretti e Riostar, entre outros estaleiros. orge Bush, pai.) A essa altura, o envolvimento de Aronow com Na realidade, Aronow viveu tempos de vacas gordas e também de o crime organizado ia bem além do nome Cigarette, homenacavalos rápidos, outro de seus hobbies. Deu a um corcel de seu haras o gem a um célebre barco de contrabandistas dos anos 1920, nos seu próprio nome e, da tribuna dos hipódromos, festejou sortidas viidos da Lei Seca. Ele já fazia negócios com outro piloto de lantórias na Flórida. Em 1984, um dos seus barcos era o verdadeiro astro chas, construtor de barcos e espertalhão: Ben Kramer, da Apache do seriado de televisão Miami Vice. Havia muito a comemorar, embora Powerboats, era sobrinho-neto do temido Meyer Lansky, gângster tão ele vivesse um drama dentro de casa: desde 1970, notório que já foi retratado no cinema pelos atoseu filho mais velho, Michael, estava confinado a res Richard Dreyfuss e Dustin Hoffman. Ali é que Afinal, uma cadeira de rodas, em virtude de um acidente morava o perigo. Kramer cumpre pena por tráfico quem matou de carro. Michael escreveu uma biografia do pai. de drogas e armas e, ainda, tentativa de fuga de aronow? presídio por helicóptero. trinta anos Mulheres rápidas Três décadas depois do assassinato de Don depois, Aronow nasceu para vender. Farejou e aliciou Anorow, a polícia da Flórida, que o escritor Carl o mistério outros compradores em potencial de lanchas esHiaasen costuma ridicularizar em seus romances, permanece portivas, para além dos competidores, aristocraainda não sabe ao certo quem o matou. É bem vertas, ricos e famosos. Ainda em 1967, a marinha de dade que o falecido capanga Bobby Young chegou Israel rasgou o canal de Suez usando suas lanchinhas de 16 pés, dua ser encarcerado como o responsável pelo crime. No documentário rante a Guerra dos Sete Dias. Esse mesmo modelo foi requisitado para Thunder Man, dirigido em 2007 por Andrew J. Wainrib e narrado pelo a segurança pessoal do presidente Lyndon Johnson. Para Aronow, ator Andy Garcia, os entrevistados não se entendem. Há quem atribua tanto fazia o cliente. Ele construiu catamarãs para a Guarda Costeira o crime à CIA ou à DEA (a Agência Antidrogas dos EUA). Outros acuda Flórida. E caprichou nas lanchas encomendadas por Robert Vesco, sam Ben Kramer ou traficantes colombianos (seria Pablo Escobar?). o magnata que escapuliu dos EUA depois de condenado a 13 anos de Há, ainda, quem acredite que Aronow teria sido morto a mando de um xilindró por tráfico de drogas e conspiração contra o Estado. Uma das marido ciumento. A chamada do cartaz do filme resume: “Barcos rámáximas do Evangelho de São Mateus recomenda: “Não se deve serpidos, dinheiro rápido, mulheres rápidas, morte rápida”. Don Aronow vir a dois senhores”. Aronow dava de ombros para tal conselho bíblico. teve tudo isso até o fim. P

A Cigarette e as mulheres: duas de suas paixões

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MUlher

Por Ivan Shupikov

O encontro de Gabriela Bassani (de cabelos curtos) e Pat Andrade nĂŁo tem hora para terminar



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Maquiagem e cabelos: Fabiano Almeida Acessórios: Alex Honda (hot pant de couro) Lapidação Azteca (cordão, pulseiras e anéis)

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luxo

Por fernando paiva

O palácio Do sultão Num dos endereços mais elegantes de Londres, em Mayfair, o hotel The Dorchester reina absoluto desde 1931

N

o dia 18 de abril de 1931,

abrigam 194 quartos, 51 suítes, quatro

um abrigo antiaéreo comunitário, espar-

sir Malcolm McAlpine

coberturas e a suíte real.

tano. Enquanto as bombas explodiam na

inaugurava na Park Lane,

A fama de solidez do edifício é tamanha que, durante a Segunda Guerra Mundial

faziam questão de se refugiar no conforto

Londres, um prédio que ele descreveu

(1939-1945), ele foi considerado o mais

do ginásio de esportes ou na sauna (na

como “à prova de bombas, de terremotos

seguro da cidade. O prédio jamais foi atin-

verdade um imenso e luxuoso banho turco

e de fogo”. Naquele sábado de gala, sir

gido diretamente, mas os incontáveis reides

art déco, digno das Mil e Uma Noites).

Malcolm se esqueceu de mencionar que

aéreos da Luftwaffe, que puseram abaixo

o empreendimento também poderia ser

construções vizinhas, causaram apenas

foi inaugurado e, uma quinzena depois lá

qualificado como “à prova de concor-

vidros quebrados. A exemplo dos maiores

chegava, refugiado, pobrecito, o rei Alfonso 13

rência”. Afinal, um trio de antigos pesos

edifícios londrinos, o Dorchester ganhou

e parte da antiga corte espanhola. A Espanha

em Mayfair, centro de

pesados na arte de bem receber, The Claridge’s, The Connaught e The Ritz, ficavam – e ainda permanecem – a uma curta caminhada dali. Nada que impedisse, no entanto, que o The Dorchester se tornasse um dos hotéis cinco-estrelas mais emblemáticos do mundo. Desde o seu nascimento o Dorchester deu o que falar. Arquitetos foram contratados e demitidos para que o prédio tivesse amplos espaços, com o mínimo de colunas atrapalhando. Nada menos que 40 mil toneladas de terra foram removidas para receber os três andares subterrâneos. Um cinturão de concreto armado, de um metro de espessura, sustenta o teto do térreo. Acima deste, oito andares

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superfície, porém, os hóspedes mais ciosos

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As suítes Park Lane têm vista para o Hyde Park

Ah, a clientela do Dorchester... Mal


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1 1. La Table Lumière, no Alain Ducasse. 2. Sala de descanso no spa. 3. The Promenade fica logo após o hall de entrada. 4. O bar do The Grill

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Ah, as acomodações do Dorchester... Você chega e encontra sobre a cama nada menos que um pijaminha, no tamanho certo, assinado por Derek Rose. Quartos completamente à prova de ruído, com room service 24 horas, sistema de som Bose e travesseiros de pluma de ganso à prova de insônia. Dentro do amálgama de estilos que marcam a decoração, o art déco se sobressai, numa profusão de mármores, metal e madeira de lei. Um clássico. Já se foi o tempo em que o livro mais fino do mundo era Delícias da Cozinha Britânica. Hoje, de acordo com o guia Michelin, há três restaurantes três-estrelas em todo o Reino 3

Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte. Um deles, o Alain Ducasse, ora veja, fica no

Em todo o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, apenas três restaurantes merecem as três estrelas do guia Michelin. O Alain Ducasse at The Dorchester, ora veja, é um deles

Dorchester. A reforma de US$ 100 milhões que renovou o hotel em 2007 manteve intencionalmente a atmosfera dos anos 40. No cardápio, culinária francesa contemporânea

vivia o início da sua Segunda República

o apartamento da amante, lady Alexandra

– com direito à Table Lumière, para até seis

e, naquela agitada década de 1930, o hotel

“Baba” Metcalfe, filha de lorde Curzon, ex-

pessoas, iluminada por 4,5 mil fibras óticas

virou ponto de encontro de intelectuais: o

-vice-rei da Índia. Também hóspede, ela teve

e invisível do restante do salão por uma fina

escritor Somerset Maugham, o poeta Cecil

um caso simultâneo com ninguém menos

cortina que permite ver sem ser visto.

Day-Lewis e o pintor sir Alfred Munnings.

que o conde Dino Grandi – o representante

Danny Kaye fazia o público rir no cabaré lo-

de Mussolini em Londres.

Mas há mais. Lembrando a Xangai dos anos 1930 no seu décor, o China Tang serve a

cal, e a cantora de blues Alberta Hunter e sua

Lá estiveram igualmente o escritor

genuína cozinha cantonesa, ao passo que a

orquestra gravaram ali dois clássicos: “Miss

Ernest Hemingway, à época tendo um caso

culinária britânica atual encontra seu palco

Ortis Regrets”, de Cole Porter, e “I Travel Alo-

com a jornalista Mary Welsh, correspon-

nas mesas do The Grill, cujo estilo mourisco

ne”, de Noël Coward. Os dois compositores,

dente de guerra da revista Time – que viria

é atribuído à longa estada do rei Alfonso

diga-se, eram habitués.

a ser sua futura, quarta e última mulher. Já

13 na casa. A entrada triunfal do prédio,

o general americano Dwight Eisenhower

entretanto, cabe a The Promenade. Amplo,

estrutura, o Dorchester hospedou outras

escolheu uma suíte do primeiro andar

elegante e feérico, trata-se de um dos

personalidades. Só que agora num cenário

como seu QG civil a partir de 1944. A bela

lugares mais procurados de Londres para o

envolvendo poder, espionagem e babado

irlandesa Kay Summersby, inicialmente

legítimo five o’clock tea (que inclui o exclusivo

forte. Além dos ministros da Guerra e da Ae-

sua motorista e depois secretária particular

chá Dorchester Blend), acompanhado da

ronáutica, ali se aboletaram por longo tempo

(além de amante, segundo alguns biógra-

mais refinada patîsserie e servido num ce-

o poderoso lorde Halifax, ministro das Rela-

fos), permaneceu no Dorchester até o fim do

nário de colunas de mármore e luminárias

ções Exteriores, e sua mulher, que ocuparam

conflito, sempre à disposição do coman-

de bronze. Enfim, um palácio digno de um

oito quartos e uma capela. Sempre que

dante supremo dos Aliados na Europa, cujo

sultão – como o de Brunei, que aliás vem a

possível, Halifax dava uma escapada para

sobrenome batiza hoje a suíte Eisenhower.

ser o dono do Dorchester.

Durante a guerra, graças à solidez de sua

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viagem

por silvio cioffi

doce

rivalidade Toronto fala inglĂŞs. montreal, francĂŞs. mas as duas maiores cidades do canadĂĄ aprenderam a conviver cordialmente


A torre CN (em Toronto) e a praรงa Jacques Cartier (em Montreal)

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viagem

T

oronto e Montreal não falam a mesma língua. Toronto

se encontra a pioneira CNTower, originalmente uma torre de comunica-

cultua a imagem da rainha Elizabeth 2ª, fala inglês e se

ções inaugurada em 1976 e que atrai 1,5 milhão de visitantes anualmente.

expressa em mais de 100 línguas e dialetos, enquanto

Com 533 metros de altura, ela reinou soberana como a maior estrutura

Montreal conversa em francês e é antimonarquista por

do planeta até 2010, quando foi inaugurada em Dubai a Burj Khalifa – de

excelência. Isso apesar de separadas por apenas 500

828 metros. Admirar o panorama do alto é programa obrigatório. Melhor

quilômetros – distância pequena num país como o Canadá, o segundo maior do mundo, com seus 6 fusos horários e cerca de 10 milhões de qui-

ainda num almoço ou jantar a bordo do restaurante giratório 360. Hoje, mais da metade dos habitantes de Toronto nasceu fora do Canadá. Entre seus moradores mais ilustres está o escritor americano Ernest

lômetros quadrados. Multiétnica, embora ciosa de seu passado britânico desde os anos

Hemingway (1899-1961). Hemingway trabalhou para o jornal Toronto

1800, quando recebeu levas de colonos da Inglaterra e da Irlanda, Toronto é

Daily Star de 1920 a 1924, inicialmente como freelancer e depois como cor-

a capital da província de Ontário. Maior cidade do país e quarta metrópole

respondente em Paris. Apesar de novato na profissão, conseguiu feitos

da América do Norte, ela tem 2,8 milhões de habitantes, metade deles vin-

admiráveis, como uma entrevista com o ditador italiano Benito Mussolini

da de fora do país, da Ásia principalmente. Sisuda e conservadora, sua “ri-

em 1923. E, já que o assunto é jornalismo, não podemos nos esquecer do

val” Montreal, onde vive 1,7 milhão de pessoas, também recebeu grandes

torontino Joe Shuster (1914-1992), criador do Super-Homem em 1938.

contingentes de imigrantes, mas se jacta sobretudo da pioneira influência

Ele mesmo ex-entregador do Toronto Daily Star, não por acaso fez de Clark

francesa. Aliás, fala francês e é a segunda cidade do país em população.

Kent, alter ego do super-herói, um repórter.

Contemporânea, Toronto se autoproclama “Canada’s Downtown”, o

No número 80 da King Street West, a antiga sede do Toronto Daily Star,

centro do Canadá – ao passo que os quebequenses (québécois, em francês)

que serviu de inspiração para o prédio fictício do Planeta Diário, foi demoli-

consideram Montreal nada menos que “a capital cultural do país”. Mas,

da em 1972. Mas a cidade se orgulha de preservar

como veremos, trata-se de uma doce rivalidade.

edifícios bem mais antigos. É o caso do mercadão de St. Lawrence, de 1803. Por volta de 1845 foi a

Hemingway e Clark Kent

sede da prefeitura. Hoje, espelha à perfeição o lado cosmopolita e multicultural da metrópole.

Às margens do lago Ontário, Toronto foi fundada em 1754 e

Suas peixarias, barracas de frutas, lojas de embu-

ainda mantém diversas construções históricas. O que chama

tidos e de queijos, além de diversas lanchonetes,

atenção, porém, é sua espetacular arquite-

aguçam todos os sentidos humanos – até

tura contemporânea, que torna único o skyline da cidade. Explica-se: um

o burburinho das pessoas almo-

terço de seus edifícios subiu

çando ou fazendo compras

na última década. Entre eles

é gostoso de se ouvir.

como rio e são Paulo Montreal e Toronto estão a uma distância relativamente pequena (500 quilômetros) no sul do Canadá

A N D A Á C Québec

Ontário

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1. Azeitonas expostas no mercadão St. Lawrence, em Toronto; 2. Ele foi inaugurado em 1809 e é uma das atrações da cidade; 3. Entre os demais chamarizes da maior metrópole do país destaca-se o centro cultural do Distillery District, também do século 19; 4. Cisnes nadam no lago Ontário

2 4


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foto © getty images

1. O jovem Ernest Hemingway foi repórter do Toronto Daily Star; 2. O prédio do jornal foi demolido em 1972; 4. O edifício inspirou o torontino Joe Shuster a desenhar o edifício fictício do Planeta Diário, onde trabalha o repórter Clark Kent; 5. O primeiro gibi do Super-Homem; 6. Referência nas artes, Toronto é a cidade das estátuas do bairro de Yorkville; 3. Quem nasceu na região foi o arquiteto Frank Gehry; 7.Ele repaginou a AGO (Art Gallery of Ontario), um dos orgulhos do bairro

fotos silvio cioffi

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O restaurante giratório 360 na CN Tower

Outro local histórico e romântico é o Distillery District, o bairro da

ostenta entre seus 6 milhões de objetos peças chinesas da dinastia Ming,

Destilaria (1832). Ali, durante a era vitoriana, funcionou a maior destilaria

obras de pintores canadenses e europeus de diversas épocas e estilos, além

do mundo, transformada em monumento nacional em 1988. Convertido

de hospedar exposições de artistas contemporâneos. Apreciadores de arte

num centro cultural e aberto só para pedestres e ciclistas desde 2003, ele

devem incluir ainda, na Dundas Street West, um pulo à AGO (Art Gallery

abriga restaurantes modernos como o Cluny, bares, lojas de suvenires e

of Ontario), fundada em 1910 e repaginada em 2004 pelo arquiteto Frank

apetrechos de cozinha, galerias de arte, cafés e até uma cervejaria e uma

Gehry, que, coincidentemente, nasceu no bairro.

fábrica de chocolates – ambas artesanais. Se orientar na cidade, cujo nome original era York, é fácil: a Yonge Street divide Toronto e a numeração de

França vs. Inglaterra

seus endereços em Leste e Oeste.

São dezenas as explicações para a origem do nome Canadá. Entre elas

No centro de tudo e identificado como downtown, a Main Stre-

está a palavra kanata. Na língua dos iroqueses ela significava “aldeia” ou

et e a feérica praça Dundas, superiluminada, têm como referência o

“povoado”. Foi o que ouviu o explorador francês Jacques Cartier ao ancorar

gigantesco shopping Eaton Centre, servido por duas estações de me-

pela primeira vez no atual rio São Lourenço. Mal sabia ele que, em pouco

trô. A região remete à Times Square de Nova York, com seus painéis

tempo, franceses (leia-se católicos) e protestantes (ingleses) disputariam

e luminosos gigantescos, músicos de rua e muita agitação a qualquer

cada palmo de terra e água daquela imensa aldeia. Os protestantes domi-

hora. Nas proximidades você encontra lojas de departamento tradi-

naram a área que vai de Ontário ao Pacífico, a oeste, enquanto os católicos

cionais, como a Saks Fifth Avenue.

se apoderaram de Québec para leste. E foi justamente numa ilha do São

Na direção norte, o bairro de Yorkville, um dos mais antigos, congrega

Lourenço que em 1642 nasceu Montreal.

hotéis como o Four Seasons e o InterContinental Yorkville, além de bu-

A luta prosseguiu até 1º de julho de 1867, quando as províncias de Nova

tiques e de bons restaurantes como o wine bar Cibo. Ali, em Bloor Street

Escócia, Nova Brunswick, Ontário e Québec se uniram na chamada Con-

West, pontificam butiques como Chanel, Louis Vuitton e museus como o

federação do Canadá. Assim é que, neste 2017, Montreal comemora dois

gigantesco ROM (Royal Ontario Museum), o maior do Canadá. Aberto

aniversários – seus 375 anos de fundação e o sesquicentenário da confe-

em 1912 e modernizado pelo arquiteto Daniel Libeskind em 2007, o ROM

deração. Charmosa e dona de uma atmosfera inequivocamente europeia,

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viagem

Montreal fica numa ilha do rio São Lourenço

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ela viveu durante anos a dualidade de um burgo marcado pela riqueza dos

Saint Sulpice e a sede original do Banco de Montreal. Bem no centro,

descendentes de ingleses versus a pobreza das pessoas de origem francesa.

uma estátua homenageia Paul de Chomedey, o fundador da cidade.

Originalmente dividida em lado francês e em lado britânico, ela demoraria

No verão, aproveite os cafés e restaurantes da praça Jacques Cartier,

até a década de 1970 para ver concluída a mudança geográfico-social que

da primeira metade do século 19, adornada com um monumento que

apaziguaria as antigas rivalidades. Ainda hoje, no entanto, Montreal, que

alude à frota marítima de Napoleão Bonaparte – inimigo figadal dos

tem quatro universidades (duas francófonas e duas anglófonas), considera

ingleses, como se sabe.

a realeza britânica um adorno dispensável em sua representação política.

Repleta de parques, a metrópole onde nasceu o Cirque du Soleil

Tome por exemplo o boulevard Saint-Laurent – também conhecido como

é célebre por seus 33 quilômetros de subterrâneos, três a mais do que

St. Lawrence Boulevard –, a principal rua de comércio. Seus 11 quilôme-

os de Toronto. Trata-se de uma verdadeira cidade abaixo do nível das

tros não apenas ligam os dois lados da ilha como igualmente a separam,

ruas, com bares, restaurantes, galerias, lojas, clínicas – única manei-

com os bairros franceses a leste e os ingleses a oeste.

ra de a população enfrentar com algum conforto o rigoroso inverno

Para conhecê-la, comece a partir do centro. Na praça de Armas,

canadense. Também a exemplo de Toronto, as comunidades asiáticas

coração histórico da cidade velha, destacam-se as antigas constru-

e árabe-muçulmanas integram a população de Montreal. Entre os

ções de pedra, como a basílica de Notre-Dame, riquíssimo monu-

que têm origem europeia, os mais numerosos, há gregos, portugue-

mento neogótico teminado em 1829. A obra ficou tão bonita que

ses e italianos. Muitos dos que vieram da Europa do Leste, na segun-

seu arquiteto, o irlandês James O’Donnell, anglicano até a medula,

da metade do século 19, eram judeus. É o caso dos antepassados do

resolveu converter-se ao catolicismo em seu leito de morte apenas

músico e poeta Leonard Cohen, que, nascido em Montreal em 1934

para poder ser sepultado sob seu piso. Ao lado ficam o seminário de

e morto no fim de 2016, morava no antigo bairro português.P

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foto: silvio cioffi

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O charme francês, decididamente, está em todos os cantos de Montreal, seja nas pontes ou nas ruas do Centro. Sobretudo, na basílica de Norte-Dame. Outro dos pontos de visitação é a casa onde morou o poeta e cantor Leonard Cohen, natural da cidade e morto no fim de 2016

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© reprodução

the president

JFK (1917-1963) Nasceu rico. Caprichava no topete. Casou-se com uma linda mulher. Chegou à presidência. (As semelhanças terminam por aí.)

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