The President

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Edição 34 | SETEMBRO 2018 • MORONGO da MORMAII

Edição 34 SETEMBRO 2018

FALA, MORONGO! O CEO DA MORMAII CONTA COMO DISSE NÃO A US$ 100 MILHÕES PARA CONTINUAR SURFANDO EM PAZ

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a crise de 2019

um mergulho na DARK WEB

vida minimalista

por lawrence pih

Por RONALDO BRESSANE

Por rosangela petta

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e d i to r i a l

P

or duas vezes, ofereceram ao gaúcho Marco Aurélio Raymundo, o Morongo, quantias iguais ou superiores a US$ 100 milhões pela sua Mormaii, marca lançada em 1979 em Garopaba (SC), então uma aldeia de pescadores, onde ele mora até hoje. Era pegar ou largar. Pois Morongo decidiu não vender aquela que se tornou uma das cinco grifes de surfe mais valiosas do mundo. “Já tenho barco, helicóptero, mulher bonita. Entrar num negócio só por dinheiro não tem sentido para mim”, justifica este empreendedor tão diferente que, aos 70 anos, permanece fiel à sua primeira paixão: o mar catarinense, onde surfa todos os dias. Morongo é a capa desta edição, que prima por assuntos tão surpreendentes quanto ele. Por exemplo: André Borges Lopes mostra que é possível viver a experiência única de voar em warbirds clássicos da Segunda Guerra Mundial ou em caças a jato que, durante as manobras mais severas, aguentam até 9 G – nove vezes a força da gravidade. Mais uma surpresa: Roberto Muggiati, que privou por décadas da amizade de Carlos Heitor Cony, mostra o outro lado do autor de Quase Memória, praticamente desconhecido pelos obituários quando da morte do acadêmico no começo deste ano. Das lembranças desse convívio, desponta um Cony gaiato, que adorava pregar peças e levava pouquíssimas coisas a sério – além de ter como método de trabalho não anotar nada durante as entrevistas. Ainda neste número, o redator-chefe Walterson Sardenberg So lista com muito bom humor hotéis que se celebrizaram pelas idiossincrasias de seus clientes. Das jaguatiricas mantidas pelo pintor espanhol Salvador Dalí em sua suíte no Meurice, em Paris, ao misterioso tatu que causou a destruição do apartamento de Johnny Depp e Kate Moss no The Mark, de Nova York. E tem mais. Radicada em Barcelona e adepta fiel da arte de viver apenas com o básico, Rosangela Petta explica o minimalismo. Afinal, que movimento é esse que tem levado as pessoas à simplicidade, à contenção do consumo desenfreado, a tentar viver com o essencial? Na mesma linha, Marion Frank, que acaba de embarcar para sua segunda experiência com o budismo em San Francisco, na Califórnia, reflete sobre o mindfulness, a roupagem mais atualizada da milenar meditação, que começa a ser utilizada até no universo corporativo para diminuir o estresse de quem vive constantemente debaixo dele. Boa leitura e até dezembro. andré cheron e fernando paiva Publishers

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e xpediente the president Publicação da Custom Editora edição 34 publishers André Cheron e Fernando Paiva

REDAÇÃO Diretor editorial Fernando Paiva fernandopaiva@customeditora.com.br diretor editorial adjunto Mario Ciccone mario@customeditora.com.br redator-chefe Walterson Sardenberg So berg@customeditora.com.br ARTE Diretor Marcelo Rainho assistente Raphael Alves raphaelalves@customeditora.com.br prepress Daniel Vasques danielvasques@customeditora.com.br PROJETO GRÁFICO Marcelo Rainho COLABORARAM NESTE NÚMERO Texto Alex Solnik, André Borges Lopes, Daniel Benevides, Fausto Pokol, Flávia Pegorin, Lawrence Pih, Luiz Guerrero, Luiz Maciel, Marina Moraes, Marion Frank, Raphael Calles, Ramiro Zwetsch, Ricardo Prado, Roberto Muggiati, Ronaldo Bressane, Rosangela Petta, Sergio Crusco, Ubiratan Leal e Walter Craveiro Fotografia Tuca Reinés e Walter Craveiro Tratamento de imagens Daniel Vasques e Felipe Batistela Revisão Goretti Tenorio Capa Morongo por Tuca Reinés THE PRESIDENT facebook.com/revistathepresident @revistathepresident

PUBLICIDADE Diretor executivo André Cheron andrecheron@customeditora.com.br diretor comercial Oswaldo Otero Lara Filho (Buga) oswaldolara@customeditora.com.br gerente de publicidade Andrea Ballario andreaballario@customeditora.com.br executivOs de negócios Northon Blair northonblair@customeditora.com.br Marcia Gomes marciagomes@customeditora.com.br Marilu Neme marilu@customeditora.com.br ADMINISTRATIVO/FINANCEIRO Analista financeira Carina Rodarte carina@customeditora.com.br Assistente Alessandro Ceron alessandroceron@customeditora.com.br REPRESENTANTES REGIONAIS GRP – Grupo de Representação Publicitária PR – Tel. (41) 3023-8238 SC/RS – Tel. (41) 3026-7451 adalberto@grpmidia.com.br CIN – Centro de Ideias e Negócios DF/RJ – Tel. (61) 3034-3704 / (61) 3034-3038 paulo.cin@centrodeideiasenegocios.com.br Tiragem desta edição: 12.000 exemplares CTP, impressão e acabamento: Coan Indústria Gráfica Ltda. Custom Editora Ltda. Av. Nove de Julho, 5.593, 9º andar – Jardim Paulista São Paulo (SP) – CEP 01407-200 Tel. (11) 3708-9702 ATENDIMENTO AO LEITOR atendimentoaoleitor@customeditora.com.br Tel. (11) 3708-9702 www.customeditora.com.br

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su m á r i o se t em b ro 201 8

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26 VISÃO

66 quase memória

114 comportamento

30 AUDIÇÃO

72 imprensa

120 viagem

34 paladar

78 motor

134 opinião

38 olfato

84 vento

136 crônica

42 TATO

92 estilo

138 THE PRESIDENT

46 esporte

102 internet

52 capa

108 alma

A bela atriz britânica Vanessa Kirby faz sucesso vivendo aristocratas sapecas

Equipamento de som começa com “b”: Bose, Bang & Olufsen e Bowers & Wilkins

Por acaso, o suíço Rodolphe Lindt descobriu como fazer o melhor chocolate

Você sabia, por exemplo, que as mulheres identificam mais aromas que os homens?

A identificação digital não para de abrir portas. Até mesmo do seu carro

Kylian Mbappé, o craque programado para chegar na frente

Morongo pegou a onda certa para levar a Mormaii à crista das marcas de surfe

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Carlos Heitor Cony era, antes de tudo, um carioca ao velho estilo: um pândego

O enfant terrible Michael Koellreutter foi o mais ferino jornalista do grand monde

Toda a versatilidade, potência e tecnologia da versão top de linha do Suzuki S-Cross

As dicas para alugar – e voar – em aviões históricos criados para a guerra

As suítes de hotel em que os (muito) famosos botaram para quebrar

Eles querem viver com menos bens e menos dinheiro. E mais felizes. São os minimalistas

A Cidade do Porto é pequena, sim. Mas tem os atributos de uma genuína metrópole

Dez anos depois da crise mundial, o mundo ainda não aprendeu a cuidar das finanças

Uma atribulada estadia no Copacabana Palace, entre um gole e outro

A história da capa de Veja apreendida dias depois do A1-5 – há meio século

Um fascinante passeio pelos meandros da Dark Web, o lado barra-pesada da rede

Esqueça os sadhans do rio Ganges. Dá para fazer meditação até no mundo corporativo

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co l a b o r a d o r e s

CAPA

audição

Luiz maciel

tuca reinés

ramiro Zwetsch

Versátil, este paulista de Palmital já foi de repórter do Jornal do Brasil a editor de Quatro Rodas, além de redator-chefe de Caminhos da Terra. Nos últimos anos, vem se dedicando aos bons vinhos, ao entardecer na serra da Cantareira, onde mora, e ao jornalismo de negócios – não necessariamente nessa ordem. Foi escalado para viajar a Garopaba (SC), onde entrevistou Morongo, a nossa capa.

Ele é arquiteto por formação. Mas transformou-se em fotógrafo de raro brilho, com obras em coleções de museus internacionais e livros lançados pela editora Taschen, na Alemanha. Ao clicar Morongo para esta edição, exercitou outro de seus talentos: terminada a sessão de fotos, acompanhou na bateria os teclados dedilhados pelo nosso personagem de capa. Seu testemunho: “Ele toca muito!”.

Música é com ele mesmo. Jornalista e DJ, Ramiro foi editor-chefe dos programas Metrópolis e Manos e Minas, da TV Cultura, em São Paulo. É sócio da loja Patuá Discos e DJ residente da festa Entrópica, também na capital paulista. Nesta edição, trata de três marcas de equipamentos de áudio, todas de alto nível: Bose, Bang & Olufsen e Bowers & Wil­k ins. “Som nas caixas!”, rogam os dançarinos.

paladar

tato

ricardo prado

flávia pegorin

vento

Trocar o carro por uma bicicleta e São Paulo por Paraty foi a mais recente iniciativa deste escritor, jornalista e roteirista. No litoral sul fluminense, livre da correria, o ex-edi­tor de revistas para aventureiros (Náutica, Horizonte) e para professores (Nova Escola, Carta na Escola , Fundamental) escreveu o saboroso texto sobre a importância do acaso na história do chocolate.

Ela é jornalista há duas décadas. Turismo, gastronomia, saúde, ciência, comportamento - passam assuntos de todo tipo pelo seu teclado. Basta uma xícara de café e a página em branco para começar a contar histórias. Mas só tomou coragem de ativar o celular com a impressão digital ao escrever o texto sobre biometria e congêneres desta edição. Depois, entusiasmou-se pelo assunto.

olga vlahou

CAPA

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andré borges lopes Ele deveria ter sido médico em Minas Gerais, mas fugiu da faculdade para estudar história e jornalismo. Por capricho do destino, tornou-se consultor em tecnologia editorial e gráfica. A miopia impediu que o gosto por aeronaves se convertesse num brevê de piloto. Mas não afastou o interesse por assuntos tão diversos quanto política, gastronomia e, em especial, a história da aviação.

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ronaldo bressane

imprensa

alex solnik

comportamento

rosangela petta

No início dos 1970, o estudante de cinema entrou na redação do jornal alternativo Ex, em São Paulo, para divulgar um recital de poemas que teceu quando “levado para averiguações” no DOI-Codi. Hamilton Almeida Filho, o Haf, ordenou: “Escreva você mesmo”. Solnik obedeceu. “Virei jornalista”, relembra. De primeira linha, aliás. Nesta edição, ele recorda outro jornalista de escol: Michael Koellreutter.

Com quase 40 anos de jornalismo, há 22 vem expandindo a prática do texto como consultora em comunicação, roteirista e dramaturga. Fundou e dirigiu a Oficina de Escrita Criativa, em São Paulo (20102014), com 29 cursos de ficção e não ficção. Em 2017 lançou o primeiro romance, Relato das Venturas, Confissões e Arrependimentos do Sr. João dos Matos e suas Nefastas Consequências (Reformatório).

viagem

CRÔNICA

OPINIÃO

walter craveiro

marina moraes

lawrence pih

Ele tem um pé em São Paulo, onde nasceu. E outro na Cidade do Porto, onde mora boa parte do ano. Aliás, vê muitas semelhanças entre as duas – o que renderá, em breve, um livro. Fotógrafo de longo percurso e editor de publicações customizadas, aborda nesta edição justamente o Porto, revelando facetas e imagens pouco conhecidas pelos brasileiros da cidade à beira do Douro.

Seja como jornalista, escritora ou publicitária, sempre temperou seus textos com um refinado senso de humor. Ex-repórter, editora e apresentadora da TV Cultura, em São Paulo, viveu 12 anos em Nova York, onde trabalhou, entre outros veículos, para a Folha de S. Paulo e a Rede Bandeirantes. De volta ao Brasil, foi diretora de comunicação nas agências Leo Burnett e Dentsu. Mora no Rio de Janeiro.

Ele foi um dos primeiros grandes empresários a simpatizar com o PT – que hoje abomina. Crítico contumaz do papel histórico não cumprido das elites do país, o presidente do Grupo Pacífico – atuante nas áreas imobiliária e de mercado de capitais –, Pih faz uma análise bastante sombria (e até apocalíptica) sobre a economia global e, em particular, a brasileira.

pedro dimitrow

Largar uma carreira bem-sucedida na publicidade para aventurar-se no jornalismo não foi sua única ousadia profissional. O paulistano Bressane, nascido em 1970, também tem se dedicado a escrever romances experimentais, sem concessões ao chamado mercado – caso do mais recente, Escalpo (Reformatório). Ousada também foi sua jornada pelos meandros da Dark Web. Rendeu o envolvente texto desta edicão.

josé pelegrino

renato parada

internet

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av ent u r a P o r FAUS TO P O KO L

travessia andina Bom mesmo é cruzar a cordilheira a cavalo

Depois de um dia que inclui passar riachos a grande altitude, o relax merecido na água quente do ofurô do lodge

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Os incas exploraram os Andes e abriram seus caminhos. Os conquistadores espanhóis trouxeram os cavalos para as Américas. O Mountain Lodges of Peru juntou os dois e criou uma viagem danada de bonita: a travessia da cordilheira em dóceis e resistentes quarto de milha. A cavalgada Salkantay começa e termina em Cusco, no Peru. Salkantay é a montanha sagrada inca de 6.270 metros de altitude que domina a região. Durante sete dias, você atravessará 15 ecossistemas diferentes, numa média diária de quatro horas de montaria. Criados pela própria empresa, os cavalos são treinados para esse tipo de viagem. E estão acostumados com o terreno, a fauna e a altitude. Ou seja: não é preciso ser nenhum John Wayne para participar. O dia começa sempre em um lodge ao longo do percurso, com um breakfast reforçado. Depois, é montar para conhecer de perto a cultura peruana nas aldeias dos camponeses; cruzar riachos de águas transparentes; descer vales dominados

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pela neblina; circundar lagos formados pelo degelo dos glaciares; almoçar ao ar livre enquanto se admira a beleza dos picos nevados, sobrevoados pelos condores. Vida selvagem, geografia, história e mitologia locais são explicadas em detalhe pelos guias, considerados os melhores do país – diversos deles premiados por publicações de viagem. Chega o fim da tarde, e, com ele, a hora de rumar para o lodge seguinte. Momento de tomar aquele banho merecido e relaxar. No ofurô com vista para as estrelas ou perto da lareira, saboreando os aperitivos e o vinho que antecedem o jantar. Terminada a parte equestre, o último dia inclui uma visita a Machu Picchu. São meia hora de subida a partir de Aguas Calientes, duas de visita guiada e outras duas para você explorar o santuário à vontade, enquanto faz um balanço de sua mais recente travessia – física, cultural e espiritual.

Da raça quarto de milha, os cavalos estão aclimatados à região e ganham dos guias cuidados constantes

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b usi n e ss

“A pluralidade é o caminho” Nicolas Baretzki, o CEO da Montblanc, acredita que quanto mais diversidade, melhor

Há um ano e meio, Nicolas Baretzki tornou-se CEO da Montblanc, onde atua há cinco verões. Foi um desdobramento natural no caminho do brilhante aluno formado em finanças pela HEC, a École des Hautes Études Commerciales, de Paris. Antes de jogar as amarras na Montblanc, Baretzki teve cargos de projeção internacional em outras marcas de luxo: a Cartier e a Jaeger-LeCoultre. Taurino, nascido em 15 de maio de 1970, ele comanda a empresa a partir de seu escritório em Hamburgo, na Alemanha. Mas concedeu esta entrevista em Genebra, no decorrer do célebre salão de alta relojoaria da cidade suíça. THE PRESIDENT: É verdade que você comprou sua caneta-tinteiro Montblanc quando entrou na faculdade? Sim. Eu a comprei aos 20 anos e ainda a tenho. É uma Meisterstück. A meu ver, fiz o que deveria fazer, como um rito de passagem. Eu havia acabado de entrar em uma ótima faculdade, estava supercontente e queria celebrar com algo de que fosse sempre me lembrar. Há objetos que você pode relacionar melhor ao sucesso ou a um determinado período da sua vida. Eis o caso das canetas Montblanc. Você realmente usou sua caneta-tinteiro? Muito. Sei que é um costume que podemos perder com facilidade, pois existem as esferográficas. Mas desde que comecei a trabalhar para a Montblanc redescobri o prazer de escrever com uma caneta-tinteiro. É ótimo. Muitas pessoas no mundo pensam assim. Outras se esqueceram de quão divertido e prazeroso pode ser. Estamos aqui para mostrar a elas. Pesquisas indicam que gente que hoje tem até 30 anos será 45% do mercado de luxo em alguns anos. Como lidar com uma geração que não escreve mais à mão? Temos nos relacionado muito bem com esse público há anos.

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Somos uma maison moderna. A Montblanc sempre conversou com as novas gerações de cada época: millennials, geração X, baby boomers. É preciso não ser excludente. Eu não tenho problema em ser dois: eletrônico e histórico. Não tenho problema em dizer que somos legítimos tendo os dois perfis de produtos. Mas como se relacionar com os millennials? Eles têm muito conhecimento, são muito culturais. Também querem sucesso, talvez de uma maneira um pouco diferente à de outras gerações. São muito sérios, mas que não querem ser levados tão a sério assim. Sabem muito bem o que estão fazendo quando defendem uma causa, ao mesmo tempo que migram de uma causa para a outra com rapidez. Isso significa curiosidade e que eles podem se apaixonar facilmente. Essa paixão tem de ser nutrida. O espírito da Montblanc traz isso. Temos muitas oportunidades de nos mantermos relevantes. Cada CEO tem seu próprio estilo para comandar uma empresa. Como você definiria o seu? Ser o CEO de uma companhia, hoje, não é um trabalho solitário. Sim, em muitos momentos sou o maestro. Em outros posso ser o pianista, o violinista, o percursionista. É mais do que ser regente. É fazer com que as pessoas saibam que tem alguém a bordo que sabe para onde vamos e como iremos. São três mil funcionários ao redor do mundo. Mil deles apenas em Hamburgo. Quando você pensa em tudo isso de gente, o que lhe vem à cabeça? Diversidade. E vejo diversidade como riqueza. Quando pensamos nos nossos clientes, pensamos em diversos mercados, dos maiores aos consumidores individuais. Não somos apenas alemães ou italianos ou franceses. A pluralidade é o único caminho de entender o mercado.

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TEM PO Por R aphael Calles

Por dentro da Swatch Mesmo mecânicos, estes relógios chegaram ao mercado para revolucionar a indústria com muita tecnologia no processo de produção Não se engane: o visual clássico de traços modernos dos relógios da imagem acima traz consigo mais do que a pegada cool que estamos acostumados a ver em um Swatch. Fabricados em Boncourt, cidade suíça fronteiriça com a França, estes relógios, mesmo mecânicos, contam com a mais alta tecnologia em toda a fabricação. O processo guarda segredos revelados apenas a visitantes privilegiados – que, no entanto, uma vez na fábrica, não podem fotografar. Aparelhos eletrônicos são banidos dessa parte da planta.

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Entre esteiras, robôs e grandes maquinários, cada um dos mecanismos é produzido em um ambiente hermético, com precisão milimétrica e quase sem contato com humanos. A facilidade e rapidez de produção permite a criação de milhares de unidades por dia com temáticas diferentes apresentadas nos mostradores, nas pulseiras e nos próprios mecanismos. Cada máquina é composta por apenas 51 peças unidas por pontos de solda e um parafuso central. Isso tudo permite que o relógio chegue às prateleiras custando apenas três dígitos de dólares. swatch.com

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g a r ag em P o r m a r i o c i cco n e

Motor V6 de 333 cv

Velocidade máxima 250 km/h

Aceleração 0-100 km/ h em 6,1 segundos

Mais leve O novo Audi Q7 vai te surpreender. Não pelo tamanho. Mesmo sendo um utilitário de mais de 5 metros de comprimento, ele consegue ser ágil. Este tanque alemão está 325 kg mais leve que o modelo anterior e, mesmo assim, oferece mais espaço. É um veículo grande, de respostas rápidas e muito conforto. Não economiza potência nem facilidade ao dirigir. Detalhe: as rodas traseiras se movem até 5 graus para facilitar as manobras (na realidade, um opcional). Aliado a tudo isso, o modelo tem a tecnologia como outro ponto forte. O painel do Audi Virtual Cockpit pode ser configurado de acordo com a preferência do motorista. Assim, todas as informações estão aos olhos de quem dirige. Outra boa-nova: o som tem a chancela da americana Bose. O sistema ainda permite controle de voz do smartphone e lê e-mails em voz alta. Tudo pela segurança.

Quinta geração A quinta geração do Honda CR-V chegou com muitas missões. Entre elas, a de manter a fidelidade dos clientes, acrescentar tecnologia e convencer de que figura entre os veículos de altíssimo nível. Fabricado nos Estados Unidos, o utilitário marca pontos em todos esses quesitos. Líder entre os SUV esportivos por lá, o modelo tem uma única versão no Brasil, a Touring. Ela vem completa e pela primeira vez com motor turbo. Na tecnologia de bordo, destaque para a partida remota. Com esse recurso, o motorista interfere no veículo antes de chegar. Assim, aciona o ar condicionado e, se quiser, deixa a temperatura interna na faixa dos 22 graus Celsius. Conforto na medida certa.

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Motor 1,5 litro DOHC turbo/ 190 cv

Porta-malas 522 litros

Peso máximo 2.130 kg

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Motor V6 3.0 340 cv

Aceleração 0 a 100 km/h em 6,2 segundos

Velocidade máxima 245 km/h

Tudo novo Porsche Cayenne renova sua imagem e mostra sua força Uma coisa é certa: tarefas fáceis não abrem o apetite da subsidiária brasileira da Porsche. Desde que abriu as portas, no auge da nossa crise econômica, a filial vem ganhando terreno e a atenção da matriz. Em 2017, vendeu mais de 1.100 unidades, um recorde no mercado nacional, e apresentou taxa de crescimento de 30%, a maior do mundo. Agora é a vez de colocar o foco no Porsche Cayenne. Após revolucionar a história da Porsche ao entrar no segmento de SUV, o modelo viu o seu irmão menor, o Macan, tomar a dianteira. Era hora de renovar tudo com o mais alto nível de exigência: desempenho de esportivo, conforto de sedã e espaço de SUV. “A chegada desta nova geração faz parte da estratégia para conquistarmos ainda mais espaço no mercado, e uma oportunidade de atingir resultados que superem os patama-

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res de 2017, ano recorde da marca”, afirma, otimista, Werner Schaal, diretor de vendas da Porsche Brasil. A nova identidade visual confere ao gigante da marca ares mais contemporâneos. Das lanternas às entradas de ar, tudo foi remodelado. Basta um passeio para entendemos a que veio o novo Cayenne. A confiança dos executivos e engenheiros não é sem motivo. Ao volante, mais parece um sedã, tal o conforto e tamanho o desempenho. Mal dá para acreditar que se trata de um veículo de quase 2 toneladas. Na estrada e nos terrenos hostis sabe se virar bem. Não se intimida com lama, areia e pedra. Nas três versões de motores, o modelo tem respostas rápidas, esportivas de verdade. O novo Cayenne não leva a marca Porsche por acaso.

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Ponto de encontro Interlaken, nos Alpes, é marcada por paisagens de cinema. E congrega as grandes marcas de relógios suíços

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O idioma alemão decididamente não é fácil. Ainda assim pode-se presumir, sem maior esforço, o significado do nome Interlaken, cidade fincada no cantão de Berna, na Suíça. Como dá para supor, ela está situada entre lagos. São dois. A leste, o lago Brienz. A oeste, o lago Thun. Veja bem a foto e ateste: a pacata cidade de 6 mil habitantes lembra aquelas lindas e bucólicas estampas das antigas caixas de lápis de cor. Interlaken espalha sua beleza em uma pequena área de 4,3 quilômetros quadrados. Não é preciso mais. Ela sintetiza o melhor da paisagem alpina.

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ALigni blaccaectior sundemp ernatibeatur aut rem nobisquam

Numa mesma rua, nada menos do que sete lojas com o melhor da haute horlogerie

A encantadora Höheweg e o interior refinado da Casino Gallery

Um dos pontos mais recomendáveis para admirar Interlaken é do mirante Harder Kulm. Venha entre os meses de abril e outubro, quando está aberto à visitação. Ver a cidade entre as águas cor de esmeralda já seria ótimo. Melhor ainda: o cenário é emoldurado pelos picos do Mönch, do Eiger e do Jungfrau. São três das maiores montanhas de Europa, acima dos 3,5 mil metros de altitude. Jungfrau, por sinal, abriga a loja de relógios mais alta do mundo, a Kirchhofer Hightime, instalada a 3.571 metros. Ali se encontra uma seleção das mais desejadas marcas em um único endereço. Embora seja a mais alta, não é a única loja Kirchhofer desse admirável trechinho da Suíça. Longe disso. Basta percorrer a acolhedora rua Höheweg, a mais famosa de Interlaken, para notar outras sete lojas Kirchhofer dispostas em somente 700 metros. Todas elas coroando uma história iniciada há 74 anos: Casino Gallery, Haute Horlogerie I e II, Lifestyle, Watch & Trend Shop,

Trendshop e Zimmerli. Elas acenam com uma infinidade de produtos. Incluindo, claro, o maravilhoso mundo da alta relojoaria nacional. A Haute Horlogerie, por exemplo, abriga nomes de Audemars Piguet e Bvlgari a Piaget e Vacheron Constantin. Já a Casino Gallery oferece uma gama de 100 marcas distintas. Os 74 anos de história levaram a Kirchhofer da Höheweg Promenade para o mundo. “Oferecemos a mais vasta gama de relógios de marcas suíças do planeta e uma atraente variedade de joias, artigos de couro, cosméticos e produtos de beleza de alta qualidade”, conta Jürg Kirchhofer, CEO da companhia. Hoje, a empresa emprega 230 consultores poliglotas que aconselham clientes locais e estrangeiros em 30 línguas, 365 dias por ano. Além de Interlaken e do monte Jungfrau, a rede mantém endereços em duas outras cidades suíças: Grindelwald e Lucerna. Em todas, fala-se português. kirchhofer.com

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OS 5 sentidos

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v i s ã o Sangue azul E fervente Vivendo na TV aristocratas sensuais, Vanessa Kirby criou seu reinado POR DANIEL BENEVIDES

Ela é a mulher do beijo furtivo, roubado – de preferência, proibido. Sua boca de lábios carnudos parece estar sempre pronta para um encontro íntimo, inesperado. Por baixo da fina estampa da classe aristocrática, das poses elegantes e do ar austero, esconde-se (reprime-se?) o desejo de quebrar regras e protocolos para descobrir prazeres e, talvez, o amor. Ao fim e ao cabo, não será uma conveniência palaciana ou o risco de um escândalo de Estado que irá impedi-la. Foi assim em The Crown, a série que tornou Vanessa Kirby conhecida no mundo inteiro após longas temporadas no teatro londrino. O pobre e invejado capitão Peter Townsend (Ben Miles) que o diga. Nem todas as medalhas que arrebanhou na Segunda Guerra como herói da Royal Air Force foram suficientes para resistir aos rasantes da princesa Margaret, interpretada com garra e sensualidade por Vanessa Kirby. Ela roubou-lhe não apenas um, mas vários beijos enquanto Townsend era secretário particular do rei George 6º, pai da moça impetuosa, 17 anos mais nova que ele. Sempre com os ombros e o colo desnudos, um sorriso malicioso de quem gosta de jogos sexuais, a princesa irrompia no escritório do militar e bagunçava sua vida, a ponto de fazer com que ele se divorciasse. Logo iniciaram um romance fadado ao fracasso. Os espectadores, claro, se apaixonaram por Kirby/ Margaret. A princesa, morta em 2002, aos 71 anos, diga-se, era tão bela na vida real quanto a atriz, que, não bastasse, possui atributos de outro ícone da vasta simbologia britânica: os grandes olhos azuis de Liz Taylor.

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Foi assim também numa série menor, As Crônicas de Frankenstein, em que Vanessa Kirby vive uma nobre decadente e misteriosa, bem mais recatada que a polêmica Margaret, mas não menos impetuosa. Galvanizada pela atração que sente pelo inspetor interpretado por Sean Bean, ela não hesitará em romper a barreira das classes sociais e beijá-lo apaixonadamente, para surpresa do homem já resignado à solidão. Mais adiante – e não vamos aqui entregar o spoiler a quem não viu a série –, a nobre será capaz de um beijo roubado ainda mais ousado e muito mais inesperado. Por fim – e certamente não será a última vez, considerando-se que essa persona cai com uma luva na atriz –, ela rouba um beijo de ninguém menos que Ethan Hunt, o agente de Missão Impossível vivido pela sexta vez por Tom Cruise, na nova encarnação da franquia, The Fallout. Dizem os tabloides que não ficou por aí. Os beijos teriam se estendido além dos bastidores. Fofocas à parte, esse foi o primeiro blockbuster da atriz de 30 anos, nascida em Wimbledon, o famoso distrito de Londres

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Em The Crown: muita classe – e o desejo de botar abaixo o protocolo

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Princesa Margaret (a verdadeira) e La Kirby de coroa e lenço vivendo a personagem

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onde ocorrem os duelos mais glamourosos do tênis. E ela se sai bem como uma intermediária sexy entre ladrões de plutônio e assassinos. Há uma cena de luta em que, no meio de uma brutalidade sanguinolenta, Kirby puxa uma faca da cinta-liga e mata dois ou três com a mesma habilidade com que mataria alguém de prazer na cama. É um flash erótico em meio a um caos degenerado. Nada mau. Vanessa Kirby rouba cenas também. Em The Crown, há momentos em que ofusca Claire Foy (a talentosa atriz que encarna à perfeição a rainha Elizabeth 2ª ). A rivalidade entre as irmãs da realeza é explorada ao máximo quando a rainha parte numa excursão pelos países da Commonwealth e a caçula fica em seu lugar. Mas, em vez de manter a postura neutra da irmã, decide brilhar por conta própria e exibir seu charme, senso de humor e beleza. Kirby, que é divertida e falante, pode enfim tirar a armadura do constrangimento protocolar e deitar e rolar, para deleite de seus convivas e aflição dos assessores.

Um dos “duelos” mais interessantes da série se dá no contraste entre a vibrante, hedonista e “irresponsável” Margaret, carregada num vestido dourado por seus amigos bêbados, e o secretário todo-poderoso da rainha, Tommy Lascelles (Pip Torrens), cujos bigodes parecem a franja de um buldogue (se buldogues tivessem franjas), e as linhas severas da testa, textos esculpidos de leis da decência. Sem esquecer os olhos, frios e imperturbáveis. “A vida palaciana é o avesso de tudo o que a gente está acostumada. Não é nada que pudéssemos sequer imaginar – é quase como se estivéssemos numa espaçonave”, avaliou a atriz, no seu modo espirituoso. Não à toa, seus amigos a chamam de Noo, porque acham que ela é de outro planeta. PARA LIBERTAR A LIBIDO Seu planeta, de fato, nada tem a ver com a realeza. De família de classe média alta, filha de um urologista e de uma jornalista (fundadora da revista Country Living), nunca deu bola para a Coroa. Hoje, é tanto identificada com a figura infeliz e complexa de Margaret que já foi repreendida na rua porque deu um gole numa garrafa de gim que levava para uma festa. Kirby estudou inglês na Universidade de Exeter, mas antes passou um ano na África do Sul aprendendo resolução de conflitos e como voluntária num hospital para pacientes com aids. Mas sua formação de fato se deu palco. Durante as filmagens da primeira temporada de The Crown, ensaiava todos os dias para o papel da bela Helena, em Tio Vânia, de Tchékhov. De novo, uma mulher infeliz, presa às circunstân-

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antes de chegar ao cinema, ela interpretou Shakespeare, ibsen e arthur miller nos palcos

cias da sociedade, com o desejo por outro(s) homem(s) reprimido. Já havia interpretado outra heroína do grande autor russo. Sua Masha, de As Três Irmãs, foi muito elogiada pela crítica. Mais uma vez, é uma mulher ambivalente, dividida entre o dever e o desejo; casada, se apaixona por um tenente idealista. Essa capacidade de expressar o limite entre a contenção e a vontade de expansão, no sentido de libertar a libido, parece o ponto forte de Kirby. E se concentra na expressividade ampla de seus olhos, e em toda a sutil linguagem corporal de que é capaz, mesmo aprisionada por todas dobras da roupagem típica de época. “Acho que as pessoas têm um brilho natural”, diz. “Quando esse brilho começa a se extinguir pelas circunstâncias – seja um casamento ruim ou uma situação à qual você está psicologicamente presa –, há algo nessa centelha que está morrendo que me atrai para atuar.” REDGRAVE, A OUTRA VANESSA Sua beleza não óbvia, de traços pouco finos, mas que de alguma maneira se harmonizam e formam um rosto fascinante, é difícil de deixar de olhar. Aliada a uma inteligência rápida, ao carisma natural e um jeito sexy, atraiu a atenção dos melhores diretores jovens de Londres. Antes de chegar à TV e ao cinema, Kirby interpretou Shakespeare, Ibsen e Arthur Miller, entre outros. Um currículo invejável. Ela despertou para o teatro aos 13 anos, ao ver Vanessa Redgrave no palco. Seu pai havia operado o irmão da diva, o também ator Corin Redgrave. Ficaram amigos da família. No camarim, ao

FOTOs: divulgação, wikimedia commons

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término da apresentação, só conseguiu balbuciar que tinham o mesmo nome. Mais tarde, interpretou a Rosalind da comédia do bardo de Stratford-upon-Avon Como Gostais, papel que já fora de La Redgrave. No entanto, como muitas atrizes de talento e beleza, tinha suas inseguranças. “Não sou bonita o suficiente para essa profissão”, queixa-se. “Todas as atrizes que vejo na tela são deusas lindas e atraentes, e eu sou apenas uma garota magrela e desleixada de South West London. Seja como for, procuro me empoderar. Acredito que o que você faz por dentro se reflete por fora, e o que você dá a si mesma, você dá para os outros.” O autoconselho deu certo. Sua carreira deslanchou na segunda temporada de The Crown, pela qual ela ganhou o prêmio da Academia Britânica de Cinema, o Bafta, de melhor atriz coadjuvante. Merecido. Se há algo de erótico na série se deve a ela. Suas cenas de flerte com o fotógrafo Tony Armstrong-Jones (Mat­ thew Goode), com quem enfim Margaret irá se casar, são memoráveis. Ela está tão mergulhada na dança amorosa entre os dois que quase podemos sentir sua respiração, tocar sua pele. Como disse um entusiasmado crítico britânico, não exatamente com essas palavras (mas por que não?): a star is born.

Com Henry Cavill e Tom Cruise, no novo filme da franquia Missão Impossível

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wall of sound As caixas de som do BeoSound Shape da Bang & Olufsen sĂŁo uma obra de arte na parede

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AU DIç ÃO Som com design Bang & Olufsen, Bose e Bowers & Wilkins têm muito em comum, além de começarem com “B” Por Ramiro Zwetsch

Ouvir música em casa é um ritual. O momento de lazer requer o melhor clima possível para massagear os ouvidos – e relaxar -, seja curtindo CD, vinil, MP3 ou streaming. Com o avanço da tecnologia, algumas marcas oferecem sistemas de som residencial que ostentam mais do que um alto nível de reprodução. Além disso, suas peças se tornam objetos de design, servem à decoração de interiores. Nesse sentido, três marcas se destacam. Uma curiosidade: todas com os nomes iniciados pela letra “B”: Bang & Olufsen, Bose e Bowers & Wilkins. A Bang & Olufsen é a mais antiga. Nasceu em 1925 por obra de dois colegas de faculdade, Peter Bang e Svend Olufsen, na pequena cidade dinamarquesa de Quistrup. Sua primeira invenção foi uma engenhoca que eliminava o uso de baterias e reduzia o ruído dos aparelhos de rádio. Dois anos depois, a dupla abriu a primeira fábrica e, a partir daí, ergueu um império de produtos que esbanjam desenho de excelência. Não à toa, 18 itens desenvolvidos pela B&O pertencem hoje ao acervo do Museu de Arte Moderna (MoMA), de Nova York. A marca também é a responsável pelo som de carros de luxo, como o Audi A8. Uma obra-prima para sons residenciais é a série batizada de BeoSound Shape: Off the Wall Music, lançada no ano passado. Esse sistema modular pode comportar até 11 amplificadores e 44 alto-falantes. O som toca por meio de sinal wireless e é compatível com várias plataformas de streaming. Dispensando cabos ou fios, o equipamento baseia-se em formas hexagonais que se encaixam em uma combinação geométrica interessante e provocam um grande impacto visual quando instalados na parede. Cada peça parece, de fato, uma escultura. Elas podem ter tamanhos e cores diferentes (algumas bem vibrantes, como roxo), de modo a permitir a escolha de

um modelo que harmonize melhor com o ambiente. O desenho lembra o de uma colmeia e, segunda a marca, foi inspirado no efeito provocado pela luz natural quando incide sobre as montanhas. O design sempre foi uma obsessão da marca dinamarquesa. Trata-se da única empresa de eletroeletrônicos do mundo que submete a engenharia ao departamento de criação. Ou seja: todo produto desenvolvido tem como prioridade o desenho e a forma. Dessa maneira, os componentes eletrônicos são definidos em uma segunda etapa e adaptados ao design. em busca do silêncio Jã não é bem assim no caso dos aparelhos com a assinatura Bose. A marca americana prefere a discrição e, tradicionalmente, investe em equipamentos de porte diminuto e que chamem o mínimo de atenção. Parece coerente que uma empresa imbuída na austeridade dos produtos tenha surgido na busca pelo silêncio. Sim, em 1950, o dr. Amar G. Bose professor de engenharia elétrica e psicoacústica do Instituto de Tecnologia de Massachusetts - foi convocado para resolver um problema de excesso de ruído na comunicação entre os pilotos de aviões militares e a base. O barulho das turbinas dificultava o processo. O dr. Bose desenvolveu, então, um sistema que anulava os ruídos por intermédio de um microfone acoplado ao capacete. Hoje, a credibilidade da marca a leva a sonorizar desde os ônibus

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desenho primoroso 1 - Minicaixa de som da Bowers & Wilkins; 2 - Dock station Zeppelin, tambĂŠm da B & W; 3 - Muito estilo na caixa sonora da empresa dinamarquesa Bang & Olufsen; 4 - O minimalismo do speaker SoundLink, da Bose

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espaciais da Nasa até a Capela Sistina e os jogos da NFL. Na liga do futebol americano, atletas e treinadores, inclusive, são proibidos de usar fones de ouvido de outras companhias. Para os sistemas de som residenciais, um dos mais bem-sucedidos é o Bose SoundTouch 30 Series III. Trata-se de uma única peça, disponível nas cores básicas – branca e preta. O aparelho funciona via bluetooth e é manipulado pelo SoundTouch. Funciona assim: basta um toque no telefone celular ou no computador para fazer a música soar. “Toque a mesma música em todos os cômodos da casa, ou músicas diferentes em diferentes ambientes.” Eis a frase propagada pela marca em seu site oficial para explicar a ideia de “multi-room speakers” – ou seja, caixas de som espalhadas por toda a residência. A empresa também ostenta tradição e credibilidade em home theater. No momento, oferece sete opções. Mais uma vez, o minimalismo dita o design. Os aparelhos são compactos e nada imponentes. É uma preocupação permanente da Bose que o equipamento não chame mais atenção do que o som que emite. O SOM DE ABBEY ROAD Fundada na cidade inglesa Worthing em 1965 por John Bowers e Roy Wilkins, a Bowers & Wilkins se dedicou a criar alto-falantes que proporcionassem a melhor apreciação de sinfonias dos compositores eruditos. Dois anos depois, uma senhora chamada Miss Knight gastou 10 mil libras para adquirir caixas de som da marca. Esse dinheiro foi reinvestido na produção. O perfeccionismo na busca pela alta fidelidade seguiu com a marca nas décadas seguintes. A B&W lançou vários produtos que marcaram época. Entre eles, o alto-falante B&W 801 (de 1979) e o dock station B&W Zeppelin (2007). No momento, a empresa trabalha no lançamento da nova série 600. Ela é integrada ao cone Continuum – considerado um hit da marca e que levou oito anos para ser desenvolvido. Chegou às lojas em 2015. Tido e havido como

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A bose cuida do som da capela sistina e dos ônibus espaciais da nasa

um dos mais eficientes, o equipamento garante uma reprodução de extrema fidelidade às frequências originais da música. Destaca as nuances dos timbres grave, médio e agudo. O conjunto da série 600 envolve três tipos de alto-falantes, além de três subwoofers. O sistema foi muito bem recebido pelos amantes do vinil. Outro destaque é a Nautilus. A marca anuncia essa caixa de som, ainda mais eficiente na missão de neutralizar as distorções, como o seu projeto mais ambicioso. É também um objeto de design ousado, com um desenho em espiral na base e formas futuristas no topo. A peça acumula prêmios de design e está em exposição no Design Museum de Londres. “Nosso foco em engenharia e em tecnologia leva a uma experiência que enfatiza o que chamamos de True Sound (som verdadeiro)”, diz Andy Kerr, diretor de marketing e comunicação da marca, em entrevista por e-mail. “Para nós, o que faz a diferença em um bom sistema não é o número de alto-falantes, ou o poder de amplificação. O diferencial está em quão intimamente conecta o ouvinte ao artista e à experiência que o artista pretendia que o ouvinte desfrutasse.” Kerr continua: “É como nosso fundador disse: ‘o melhor alto-falante não é o que mais adiciona. É aquele que perde o mínimo’. Nós fundamos a empresa nesses termos em 1966 e ainda fazemos produtos com essa filosofia em mente”. Não por acaso, a Bowers & Wilkins está em ambientes de enorme credibilidade, como os estúdios Abbey Road (onde os Beatles e o Pink Floyd gravavam) e a empresa Skywalker, do cineasta americano George Lucas (criador das franquias Star Wars e Indiana Jones). É também a desenvolvedora exclusiva de som automotivo da britânica McLaren. Enfim, entre as três marcas de áudio iniciadas com “B”, cabe ao ouvinte escolher o que quer para o seu paredão de som. Do design mais discreto ao mais arrojado, o importante é valorizar a experiência de ouvir música da forma mais prazerosa.

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PA L A DA R A delícia do acaso Absolutamente sem querer, Rodolphe Lindt criou o moderno chocolate em barras Por RICARDO PRADO

Esta é a história de Rodolphe Lindt, um jovem chocolateiro suíço, curioso e esquecido. Justamente por sua curiosidade – e por um esquecimento –, ele mudaria a história do chocolate para melhor, em meados do século 19. Para muito melhor, é preciso frisar, porque, antes que o acaso encontrasse um espírito científico preparado como o de Lindt, o chocolate em barra era quase incomível. Extremamente duro, exibia pequenos grãos das sementes de cacau que deixavam um sabor amargo. Sem esquecer que as barras, algumas horas após a fabricação, ficavam com a superfície esbranquiçada. Nos séculos seguintes à descoberta da América, o chocolate, vindo do Novo Mundo – onde era consumido como um líquido amargo e carregado na pimenta –, havia virado febre na Europa. Tornou-se bebida da moda nos cafés de Madri e, depois, Londres e Paris. Na capital francesa, ganharia fama a receita de chocolate que Madame de Pompadour, amante de Luís 15, fazia uso “para estimular o ardor de Sua Majestade”. O apelo afrodisíaco da bebida permaneceria na corte do sucessor. Maria Antonieta, mulher de Luís 16, gostava tanto que tinha um personal-chocolatier trazido da Áustria. Embalagens de chocolate em pó, para ser

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misturado ao leite após o uso intenso do molinilho, um misturador manual de madeira, já circulavam entre os consumidores mais abastados da Europa. Mas as versões em barra não geravam o mesmo entusiasmo. Até que a curiosidade desse as mãos ao esquecimento. A concha dos Lindt Sexta-feira, fim de tarde, em alguma quadra do ano de 1879. Rodolphe Lindt, então com 24 anos, fechou a porta de sua fabriqueta de chocolates em Berna preocupado com o seu futuro. Nem comemorou a chegada do fim de semana. Havia investido suas economias na compra de uma velha fábrica incendiada. Equipou-a com máquinas antiquadas e uma torradeira de grãos de cacau comprada de um fabricante falido. Ele

Rodolphe deu sorte, ao esquecer de desligar uma máquina

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Uma fábrica no século 19, quando o chocolate deu um salto de qualidade

apostava o resto de seu dinheiro, e suas esperanças, no desenvolvimento de uma engenhoca que aprimorasse seu chocolate. Para isso, havia pedido ajuda ao irmão, August Lindt, que seguira a profissão de farmacêutico na botica herdada do pai. Graças ao conhecimento químico de August, os Lindt já haviam descoberto que a camada branca formada sobre a superfície era gordura cristalizada sob a ação do açúcar. O segredo para que não fosse expulsa da massa no processo de secagem migrando para a superfície do chocolate estaria, segundo suas experiências, em retornar à massa parte da manteiga de cacau extraída. O óleo de cacau, ou manteiga, era um subproduto ainda recente da semente, cuja extração se tornara possível graças ao chocolateiro holandês Coenraad van Houten. Ele inventou uma poderosa prensa hidráulica capaz de esmagar as duras castanhas de cacau, extraindo delas um líquido viscoso e denso. Com esse processo, o teor de gordura do cacau restante caía de 53% para 28%, o que tornou o chocolate mais digerível e palatável. Com a vantagem adicional de que a “manteiga de cacau” logo se tornaria um cobiçado produto para a nascente indústria cosmética.

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seu esquecimento. Aquilo sim era maciez! O sabor do chocolate havia encontrado sua mais perfeita forma: uma barra macia, plena de aromas e promessas, que derretia na boca com suavidade. Do cacaueiro ao produto final: cada vez mais cuidados

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Mas se a questão da gordura estava se resolvendo com a adição de manteiga de cacau, um desafio permanecia: como deixar o chocolate menos duro? Mais ainda: seria possível torná-lo realmente macio? A aposta dos irmãos foi adaptar outra invenção que impulsionava a produção de chocolate na Suíça: o mélangeur, uma moenda para grãos de cacau, feita de granito e movida por força hidráulica, criada algumas décadas antes por seu compatriota, e concorrente chocolateiro, Philippe Suchard. Rodolphe e August vinham fazendo diversos testes com a nova máquina de mistura, que parecia funcionar bem em relação ao branqueamento provocado pela gordura. Mas os irmãos não alcançavam nenhum progresso quanto à textura até aquela sexta-feira, quando Rodolphe saiu da fábrica com a cabeça cheia de preocupações. Tanto que se esqueceu de desligar a máquina. Ao retornar na segunda-feira, o jovem fabricante constatou sua falha e, decerto esperando encontrar uma massa queimada e imprestável (“Que péssimo jeito de se começar uma semana!”, deve ter pensado), foi surpreendido. Ao abrir a tampa, um aroma delicioso invadiu o ambiente. A massa estava com aparência acetinada. Parecia ter ganho volume. Quando experimentou aquele chocolate, deixado por 72 horas rodando na máquina em forma de concha, Rodolphe percebeu o alcance de

LEITE EM PÓ Não foi difícil para os irmãos Lindt matarem a charada do que acontecera naquele fim de semana: a mistura por um tempo prolongado, conhecida mais tarde como conchagem, além de aerar a massa de cacau, deixando-a mais suave, alterava a composição química do chocolate. Isso porque o aquecimento provocado pelo atrito de micropartículas de sementes de cacau liberava uma gama de substâncias contidas na massa original, agregando uma segunda camada de aromas e sabores. Os Lindt se cercaram de cuidados para proteger o segredo da maciez do chocolate que fabricavam. Poucos funcionários, apenas os de confiança, tinham acesso à área das máquinas, que agora funcionava em uma nova unidade, para permitir o uso da força hidráulica do rio Aar.

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Também surgiram por acidente... ...a Coca-Cola Em 1886, quando criou uma bebida a partir de vários ingredientes, inclusive folhas de coca e noz-de-cola, o farmacêutico John Pemberton, de Atlanta, EUA, queria inventar um remédio contra a dor de cabeça. E assim a Coca-Cola seria vendida por 13 anos.

Os irmãos não tardariam em agregar às suas receitas outra descoberta da época, o leite em pó. A novidade, que provocaria outro encontro mágico entre cacau e leite, surgiu do trabalho de investigação de uma dupla de empresários de Vevey, o chocolateiro Daniel Peters e o químico Henri Nestlé. No mesmo ano em que Rodolphe Lindt descobriu a conchagem, eles fizeram o primeiro chocolate ao leite produzido com leite em pó. A fama dos chocolates Lindt cresceria a ponto de o segredo da receita ter se tornado uma espécie de corrida culinária ao Santo Graal entre os fabricantes do produto. Em 1899, 20 anos após o fim de semana revelador, a revista alemã Gordian provocava seus leitores: “Por que este chocolate é diferente dos demais?”. A redação foi inundada de cartas com hipóteses dos leitores. Bem que os repórteres tentaram desvendá-lo, mas o segredo permaneceu com os Lindt até 1905. Naquele ano, o negócio foi vendido por 1,5 milhão de francos suíços para Rudolf Sprüngli, fabricante de chocolates em Zurique. Mais que o parque industrial, modesto para o valor ofertado, o que o recém-criado grupo Lindt & Sprüngli almejava alcançar era o segredo dos chocolates que derretem na boca. Nas últimas décadas o chocolate suíço vem perdendo a primazia para o chocolate produzido na Bélgica, onde desde o século 19 o teor mínimo de cacau puro é regulamentado por lei (35%), e o tamanho dos grãos também é regulamentado com rigidez. Mas o essencial para que um chocolate belga derreta na boca é que ele demora muito tempo no processo de conchagem. Tal como aquela mistura esquecida por Rodolphe na sexta-feira em que estava com a cabeça cheia de problemas.

fotos: divulgação

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...as batatas chips Em 1853, George Crum, cozinheiro do hotel Moon’s Lake, em Saratoga Springs, Nova York, irritou-se com as constantes reclamações de um cliente sobre a batata frita “encharcada de óleo”. Para provocá-lo, fatiou as batatas da maneira mais fina possível. O tal cliente adorou. ...o picolé Frank Epperson era um garoto de 11 anos de San Francisco, Califórnia. No inverno de 1905, esqueceu na varanda um copo com refrigerante em pó e água – e um palito, para mexer. Na manhã seguinte, topou com o primeiro picolé. ...os cookies Em 1938, Ruth Wakefield, dona de um restaurante de beira de estrada em Massachusetts, se viu sem chocolate em pó para a massa dos biscoitos. Adicionou pedaços de chocolate meio amargo sobre as rodelas, pensando que o forno iria derretê-los. Não aconteceu. Mas os biscoitos viraram um sucesso. ...a sacarina O químico russo Constantin Fahlberg foi contratado para analisar a pureza do açúcar. Em junho de 1878, jantando, apanhou um pãozinho e sentiu-o muito doce. Voltou ao laboratório e experimentou tudo o que havia manuseado naquele dia. Encontrou a origem do sabor adocicado: uma reação do ácido osulfobenzoico com cloreto de fósforo e amônia.

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O L FATO O nariz, esse desconhecido Inveja do sommelier? Ora, você é capaz de identificar mais de um trilhão de odores Por Sergio Crusco Participar de uma prova de vinhos conduzida por um grande sommelier pode ser frustrante para alguém de nariz mediano. Um profissional de gabarito detecta violetas, alcaçuz, frutas vermelhas em compota, caramelo toffee, algo de café levemente torrado e, ao fundo, um insidioso perfume de tabaco – tudo isso combinado à mineralidade. Onde e quando essas pessoas conseguem identificar tantas nuances na bebida? Os bons sommeliers são treinados para reconhecer uma miríade de cheiros e sabores. Passam a vida caçando e estudando aromas em feiras, mercados, cozinhas, na natureza e nos próprios vinhos. É provável também que sejam dotados de uma máquina olfativa mais apurada que a maioria. Olfatos superpoderosos têm servido à literatura. Descrições de fragrâncias estão presentes na obra de Baudelaire e Virginia Woolf, muitas vezes em combinação com outros sentidos. Nos anos 1980, o romance O Perfume, do alemão Patrick Süskind, vendeu como pipoca em circo narrando a história de um rapaz com capacidade incomum para sentir cheiros. Obcecado por um aroma vindo de uma moça, começa uma série de assassinatos na França do século 18. Virou filme de sucesso. Bem antes de Süskind, o nosso João do Rio, no nascer do século 20, já havia traçado, no conto “A Mais Estranha Moléstia”, o perfil de um rapaz de olfato excepcional que também trava a mesma busca alucinada, degringolando a moral. “Aspiro todos

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os corpos à espera de um dia encontrar o perfume incomparável, a essência doce dessa carne de ouro”, diz o jovem Oscar ao narrador, que ao final não conclui se seu interlocutor é biruta ou se padece de uma moléstia olfativa. Talvez Oscar sofresse de hiperosmia, aumento raro da sensibilidade olfativa que pode decorrer de lesões cerebrais, reações a drogas, neurose ou depressão, entre outros gatilhos. Anosmia é o contrário, a perda total da capacidade de sentir cheiros. Numa escala olfativa considerada normal, hoje se sabe que há olfatos mais desenvolvidos que outros pela contagem do número de células do bulbo olfatório. Essa região do cérebro é responsável pela elaboração das impressões do faro. Quem tem mais células, sai ganhando. A exemplo dos superdegustadores, que ainda contam com a vantagem genética de ter nascido com mais papilas gustativas que a média. Em 2014, pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro compara-

Gorgonzola, figos e nozes: o cheiro evoca a memória com muito poder

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ram a estrutura dos bulbos em homens e mulheres que haviam morrido aos 55 anos e poderiam ser considerados donos de olfatos corriqueiros – nenhum deles era sommelier ou perfumista. Concluiu-se que, de maneira geral, as mulheres têm olfato mais apurado, atribuído a cerca de 43% a mais de células nessa região cerebral e também a 50% a mais de neurônios olfatórios. A estrutura biológica, no entanto, não é tudo na vida de quem pretende desenvolver um bom olfato. Outra pesquisa, feita em 2017, na Universidade Radboud, Holanda, propõe que a razão de uns serem mais sensíveis aos aromas que outros (além da questão genética, também importante) tem base na experiência e no ambiente. O menino urbano que cresceu em apartamento sendo alimentado com comida industrializada terá um repertório aromático mais pobre do que aquele criado na natureza, colhendo frutas no pomar, ervas e legumes na horta, acompanhando o cotidiano de uma vovó quituteira. A herança gastronômica é um dos fatores determinantes dessa fina sensibilidade, dizem os cientistas holandeses. Sensibilidade que pode ser desenvolvida e treinada, como fazem os sommeliers.

Os cheiros são o melhor gatilho para a memória. Como marcel proust, aliás, já sabia

Publicado em 1985, o romance

Memória sentimental Quando Marcel Proust sente o aroma das madeleines que levam seu espírito de volta à casa da tia no início de Em Busca do Tempo Perdido, confirma de antemão a funcionalidade do sistema olfativo descrita pela ciência. Captadas pelas narinas, as moléculas de odor são reconhecidas como um aroma específico pelos glomérulos olfatórios do bulbo, que faz parte do sistema límbico e está ligado à amígdala cerebral, processadora das emoções, e ao hipocampo, responsável pelo aprendizado. Ao escrever que “o aroma e o sabor permanecem ainda por muito tempo, como almas, sobre as ruínas de tudo o mais”, Proust também dá sentido antecipado à pesquisa de Rachel S. Herz, do departamento de Psicologia da Universidade Brown, em Providence, EUA. Sugerindo aos participantes de seu estudo narrar histórias autobiográficas, constatou que, quando estimuladas por um aroma, essas memórias eram mais emocionais do que se evocadas por sons ou pela visão. O cheiro da pipoca, por exemplo, fazia brotar lembranças mais “quentes” (não necessariamente mais acuradas) do que o barulho do milho estourando. Rachel admite ser inconclusiva em sua tese, mas acredita estar na trilha certa. Diz ela: “Os cheiros são os melhores gatilhos da memória. A primeira asso-

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O Perfume conta a saga de um homem com olfato incomum, que se torna obcecado e assassino

ciação feita a um odor é difícil de ser desaprendida e associações posteriores àquele mesmo odor dificilmente serão formadas”. Isso quer dizer que, se o aroma de seiva de alfazema está intrinsecamente ligado à lembrança de sua tia Eusébia, dificilmente você o dissociará dessa imagem, mesmo que Gisele Bündchen venha falar-lhe ao ouvido usando a mesmíssima fragrância. Embora não tenhamos certeza de como e por que as lembranças trazidas pelo nariz são mais sentimentais (“ah, o empadão da tia Eusébia...”), a maneira como os aromas são percebidos pelos cerca de 400 receptores olfativos do nariz vai sendo desvendada em qualidade e quantidade. Até pouco tempo acreditava-se que o ser humano era capaz de identificar algo como 10 mil cheiros. Uma merreca. Em 2014, pesquisadores da Universidade Rockefeller, Nova York, chegaram à conclusão de que podemos reconhecer mais de um trilhão de cheiros. Ou seja, não estamos tão mal assim no filme, embora percamos feio para a maioria dos animais em qualquer campeonato de olfato – eles têm uma porcentagem maior do cérebro devotada a esse sentido. “Minha esperança é acabar com o mito de que os humanos têm péssimo senso olfativo”, disse um dos pesquisadores, Andreas Keller, ao jornal científico Nature.

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A profissão de sommelier exige muito treino

Outros mitos ainda não derrubados aparecem em conversas de bar sobre como nossos instintos seriam despertados a partir dos aromas corpóreos de nossos pares sexuais. Sim, existe uma relação entre o cheiro do outro e nosso apetite lúbrico, mas a química ainda não é bem entendida pela ciência. Além disso, os tais “aromas sexuais” humanos, os alegados feromônios, estão longe de ser “sintetizados”, como promete a indústria de implementos eróticos. Comprar um cheirinho da loló engarrafado à guisa de atrativo libidinoso é, segundo o zoologista britânico Tristram Wyatt, fazer papel de trouxa. NAPOLEÃO E JOSEFINA De acordo com Wyatt, da Universidade de Oxford, os feromônios cumprem função muito mais ampla do que guiar instintos sexuais. Eles funcionam como comunicação entre as espécies. Exemplo: deter-

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minado cheiro pode anunciar ao bando que há perigo por perto. Na espécie humana não há pesquisa equivalente, ainda segundo Wyatt, pois não é tarefa fácil identificar essas moléculas, uma vez que estão escondidas e integradas a centenas de outras moléculas nos mamíferos. O que chega mais próximo da descoberta de um possível feromônio humano é o aroma de uma secreção expelida pelos mamilos da mulher lactante, que induz os bebês a sugá-los. Cientistas franceses atestaram que essa secreção é capaz de estimular qualquer nenê, a despeito de que seio venha. Wyatt pondera que já alcançamos grandes progressos, a exemplo da descoberta de como os neurônios receptores do nariz reconhecem os cheiros e os enviam na forma de sinais elétricos ao cérebro – investigação que rendeu o Nobel de Medicina aos americanos Richard Axel e Linda Buck. Admite, porém, que há muitos mistérios a serem desvendados. Cada ser humano tem sua maneira de perceber aromas, definida tanto pela genética quanto por razões culturais. Parece repugnante a outros povos o hábito islandês de comer carne de tubarão podre. Ou, aos mais asseados, estranhíssimos os pedidos de Napoleão para Josefina não tomar banho antes que ele voltasse de uma batalha. Portanto, não sofra se não sentiu o aroma das violetas na taça que acabou de girar. Pode ser que violetas não sejam o seu forte.

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TAT A marca humana As impressões digitais abrem todas as portas. Mas podem perder a vez para a íris

Por FLÁVIA PEGORIN

Que ninguém seja tão tolo de menosprezar estas minúsculas cordilheiras. São sulcos quase imperceptíveis, mas capazes de abrir muitas portas. Hoje mesmo você pode ter utilizado suas impressões digitais para entrar em casa, retirar aquele dindim no caixa eletrônico ou acessar a academia de ginástica. Elas são únicas e intransferíveis. A identificação pelas digitais carrega quase uma mágica – ao mesmo tempo, tão antiga quanto os povos e tão nova quanto um YouTuber adolescente que pressiona o polegar no botãozinho para acessar seu celular e gravar pérolas de sabedoria juvenil. É o microchip que a natureza criou. Embora os povos antigos não percebessem que poderiam identificar cada indivíduo, há referências às impressões digitais desde a Babilônia, indicando que os oficiais da lei as registravam ao prender pessoas. Do mesmo período, sobrou a perenidade do tato em si: marcas de dedos, intencionais e não intencionais, em peças cerâmicas de 4 mil anos. Da dinastia chinesa Qin, mais pistas da questão. Registros mostram que as autoridades também recolhiam impressões digitais de mãos e pés como prova de uma cena de crime. Naquela China de 220 a.C., marcas das mãos de um larápio azarado foram usadas como evidência em um julgamento por roubo. Um século mais tarde, os chineses criariam bases para o início da ciência forense. Em um livro do século 13, o persa Rashid-al-Din Hamadani se refere à prática chinesa de identificar pessoas por meio de suas impressões digitais. “A experiência mostra que não há

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dois indivíduos com dedos exatamente iguais”, diria uma passagem. E assim documentos governamentais persas também começaram a ser autenticados com impressões digitais. Em 1665, o bolonhês Marcello Malpighi mencionou em seu tratado De Externo Tacto Organo Anatomica Observatio a existência de padrões nos sulcos e glândulas sudoríparas na ponta dos dedos. Uma nova revolução. Mas só mais de um século depois, em 1788, o anatomista da Pomerânia Johann Christoph Andreas Mayer descreveu que as impressões digitais são de fato únicas para cada um de nós, como anteciparam os persas. Únicas mesmo em gêmeos, mesmo em algumas outras espécies animais. Quando agências de investigação ou empresas que usam um simples dedão no reconhecimento da identidade selecionam e observam uma digital e encontram seu dono, o que elas avaliam são os chamados padrões – pequenas cristas nas extremidades das mãos de um indivíduo formando espirais, arcos e curvas. A natureza fez evoluir esses padrões, a princípio, para que os humanos conseguissem melhor aderência e firmeza para agarrar e segurar objetos. Nesse exercício de apego e propriedade feito ao longo dos milênios, a textura veio impedir que as coisas escapassem das

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Sherlock holmes começou a recorrer às digitais em 1890. onze anos antes da Scotland Yard

mãos, o que aconteceria se a pele ali fosse completamente lisa. De quebra, nos tornou singulares. Esses padrões são formados por volta da 12ª semana de gestação de um ser humano e permanecem ao longo de toda a vida. Elas nos tornam especiais. Bem, alguns mais especiais que outros – se considerarmos que 60% a 70% das pessoas têm curvas nas digitais, enquanto 25% a 35% têm espirais e apenas 5% apresentam os arcos. Vacilos também escapam, aqui e ali, pelas digitais dos humanos. E acontece só por isso mesmo – erro humano. Vários casos notórios mostraram, nos últimos 20 anos, que os examinadores forenses podem cometer erros ao analisar ou comparar impressões. Uma iniciativa do National Institute of Standards and Technology (agência não regulatória americana para padronizar questões científicas e tecnológicas) criou, há alguns anos, 34 recomendações para minimizar ainda mais esse tipo de engano. Pontos de tensão como julgamento precipitado, visão parcial ou até o estado de cansaço de um analista de imagens entraram na lista. Reviravoltas Definir um suspeito, culpado ou mesmo um mero dono de ingresso para o jogo de domingo depende dessa precisão na análise dos sulcos, arcos, espirais e as voltinhas todas. Devese ser preciso nos resultados. Sherlock Holmes fez isso antes mesmo dos investigadores da vida real. O escritor Arthur Conan Doyle (1859-1930) criou o personagem Holmes no final do século 19 como um homem de ciência e de métodos inovadores. Para não dizer premonitórios. Holmes foi a vanguarda da detecção de crimes. Por isso, é mote de várias monografias sobre técnicas de resolução de delitos, mesmo não sendo uma pessoa de verdade. Em vários casos, o minucioso e bem informado Conan Doyle descreveu Holmes usando métodos anos antes de

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Neste texto, Conan Doyle foi pioneiro

serem adotados por forças policiais oficiais. A leitura de digitais foi um deles. Holmes revelou-se rápido em perceber o valor da evidência. O primeiro caso em que as impressões digitais são mencionadas é O Signo dos Quatro, de 1890. Curioso: a Scotland Yard só começou a recorrer a elas 11 anos depois, em 1901. Em O Construtor de Norwood (1903), a descoberta de uma impressão digital é a peça-chave na solução do crime, e 36 anos depois, em As Três Empenas, esse rastro volta a revelar o infrator. É interessante Conan Doyle ter preferido que Sherlock Holmes utilizasse a papiloscopia (identificação de mãos e pés), mas não a bertillonage (também chamada de antropometria). O sistema de identificação inventado pelo francês Alphonse Bertillon recorria à medição de 12 características do corpo – e os dois modos competiram pela atenção forense por muitos anos. Mas o astuto Conan Doyle escolheu o método com o futuro científico mais palpável. Ponto para ele, que percebeu com rapidez os fundamentos da impressão digital. Muitos o seguiram, na literatura, no cinema e na TV. Até na música. Mick Jagger e Keith Richards, dos Rolling Stones, compuseram e gravaram, em 1974, “Fingerprint File” (“Arquivo de Impressões Digitais”). A letra, um tanto paranoica, fala em “se sentir perseguido, se sentir marcado”.

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A íris tem tudo para substituir as digitais. É esperar para ver

Milhares de filmes encamparam o tema forense – mas o maior hit aconteceu mesmo na televisão, com a série CSI – Crime Scene Investigation, lançada em outubro de 2000 nos Estados Unidos. A equipe de policiais cientistas (meio gênios, quase místicos) cativou telespectadores por 15 temporadas e fez pipocar uma infinidade de seriados paralelos colhendo impressões digitais pelo mundo adentro. O FIM DOS CARTÕES MAGNÉTICOS Para fazer justiça, o espetáculo não ficava muito longe da realidade – e os apaixonados pelo seriado que fez Las Vegas parecer perigosa muito além do salário perdido nos caça-níqueis tiveram a chance de entender até mesmo técnicas avançadas. Como a captura de digitais em diversos tipos de superfície, podendo ser recuperadas com pó, vapor ou mesmo em meio líquido. Logo, um simples atleta de TV-e-sofá estava compreendendo o papel da corrosão eletroquímica no tratamento de impressões digitais sob alta temperatura. Nada elementar, meu caro leitor. Historicamente, autoridades governamentais sempre preferiram documentos de identidade estáticos, como RGs ou passaportes e vistos de imigração. Em contraponto, o setor privado (instituições financeiras, empresas de tecnologia etc.) se concentrou no aumento de transações autorizadas por digitais e, consequentemente, na redução das fraudes. Agora, no mundo interconectado, as necessidades desses dois segmentos estão convergindo. A capacidade de adicionar a biometria, das impressões digitais e até da íris, na identificação de passageiros da aviação, por exemplo, já é vista como um sistema mais rápido e seguro. Tanto que a Organização Internacio-

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nal da Aviação Civil, órgão das Nações Unidas, implantou um grupo de trabalho para soluções do gênero. E promete testes já em 2019. Assim como leitores de digitais se tornaram um método acessível, o barateamento da leitura da íris é o próximo passo. E não apenas a aviação, mas outros mercados públicos e privados se interessam por ela. Companhias já estão investindo no reconhecimento da íris para o setor da saúde (o paciente seria identificado com um escaneamento de três segundos). Um time de beisebol dos EUA, o St. Louis Cardinals, instalou esse sistema para acesso dos jogadores a vestiários e áreas de treino. Aposentou assim os cartões magnéticos – aqueles que se pode esquecer ou clonar. Talvez seja esse o futuro iminente de todo funcionário no acesso ao local de trabalho.

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E SPO RTE P O R U B I R ATA N L E A L

Agarra-me se puderes Precoce e veloz em campo, Mbappé, aos 19 anos, é um atacante inalcançável

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Seu pai, camaronês, era técnico de futebol. A mãe, argelina, jogadora de handebol. Ele já nasceu no esporte

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Real Madrid, Chelsea, Manchester United, Liverpool, Bayern de Munique. Todos estão de olho no jovem francês que mostrou seu potencial pela velocidade, habilidade e capacidade de decidir jogos. Ele recebe convites e chega a viajar de clube em clube para conhecer a estrutura de perto. O Real até designa Zidane para o recebê-lo em seu centro de treinamento. Tudo o que for possível para impressionar Kylian Mbappé. É fácil imaginar esse cenário após o atacante brilhar na Copa do Mundo, levar a França ao bicampeonato mundial e se tornar um palpite recorrente a melhor jogador do mundo quando Messi e Cristiano Ronaldo enfim entrarem em declínio. Mas a questão é que todo esse assédio aconteceu cinco anos antes. Foi em 2013, quando o atacante tinha apenas 15 anos. O futebol de Mbappé é um atropelo. Um desavisado pode sentir como se levasse um tapa na cara na primeira vez que vê uma de suas arrancadas. Difícil ficar passivo no assento do estádio (no futebol onde ele joga não há arquibancada de concreto) ou no sofá de casa assim que Mbappé dispara com a bola. Forte, alto (1,78 m) e veloz, ele vai passando

pelos adversários como se fossem cones colocados no gramado durante o treinamento. Os defensores argentinos sabem muito bem qual é essa sensação. Não adianta correr atrás, não há como segui-lo. Às vezes até lembra um certo velocista jamaicano que conquistou nove medalhas de ouro olímpicas, mas seria um surrado clichê fazer tal comparação. “NOVO PELÉ” O curioso é que, fora de campo, Mbappé é a antítese disso. Durante o jogo, sua potência física e velocidade o elevaram a estrela do Paris SaintGermain, da seleção francesa e da Copa do Mundo. No dia a dia, porém, o caminho é o do planejamento. Ter paciência antes de cada passo. Reconhecer as limitações de ca­da momento. Escapar das armadilhas e saber a hora de avançar. Eis aí a cartilha de suas decisões pessoais e profissionais. O primeiro exemplo foi dado no primeiro parágrafo. O assédio agressivo de alguns dos maiores clubes do mundo não o deslumbrou. Mbappé preferiu assinar com o Monaco. Motivo? Sabia que não estava pronto para morar em outro país.

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Aos 14 anos, já estava na mira do Real Madrid, Chelsea, Bayern e liverpool

Até aquele momento, uma grande transferência soava surreal. Mbappé começou sua carreira na base do Bondy, clube da cidade homônima que atua em liga regional amadora da Grande Paris. Era como jogar em casa: seu pai, o camaronês Wilfried, era ex-jogador e técnico do time. “Dá para dizer que Kylian nasceu no clube”, contou Atmane Airouche, presidente do Bondy, à BBC. “Ele estava aqui como bebê quando seu pai jogava e treinava.” Airouche relembra bem: “Com apenas 2 anos, ele já andava com a bola e se sentava com os jogadores para ouvir as preleções antes dos jogos. Acho que é o jogador que tem o recorde de preleções ouvidas”. Desde então, tudo girava em torno da bola. As paredes do quarto de Mbappé eram forradas de pôsteres de Cristiano Ronaldo. “Ele sempre pensava em futebol, falava de futebol, assistia ao fu-

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tebol. E, quando não estava fazendo isso, estava jogando games de futebol no PlayStation”, relembra Antonio Riccardi, seu técnico no sub-13 do Bondy. Naquela época, Ricciardi costumava levá-lo para casa depois do treino e cuidava do menino até sua mãe (argelina, ex-jogadora de handebol) chegar. “Ele ficava jogando bola na sala e pedia para eu não contar nada, porque os pais ficariam bravos.” Segundo Riccardi, a sorte do garoto é que ele nunca quebrou nada. O talento valeu a Mbappé uma estadia em Clairefontaine, academia onde a França tem moldado vários dos jogadores que colocaram os Bleus entre os grandes do futebol mundial. No centro de treinamento da federação, o garoto esteve no radar de olheiros de diversos clubes. Fechou com o Monaco, onde deixou de lado a possibilidade de morar em uma casa luxuosa para ficar no alojamento do clube. A única exigência que fez foi ter todos os canais de futebol no quarto. E, quando nem a televisão saciava sua vontade de futebol, ligava o computador para brincar no Football Manager, game em que o jogador treina e gerencia um clube.

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Preferiu deixar o Monaco por um clube da frança. um passo por vez

A imersão deu resultado. Mbappé rapidamente ganhou espaço no novo clube. Estreou em dezembro de 2015, 18 dias antes de completar 17 anos, tornando-se o jogador mais jovem da história do Monaco. Dois meses depois, transformou-se no mais jovem a marcar um gol pelos monegascos. Os dois recordes pertenciam a Thierry Henry. Em julho de 2016, foi o melhor jogador e vice-artilheiro do Europeu Sub-19, conquistado pela França. Na semifinal contra Portugal, Mbappé comemorou um de seus dois gols imitando Cristiano Ronaldo. Sua precocidade motivou Arsène Wenger, extécnico do Arsenal, a chamá-lo de “Novo Pelé”. Mas Mbappé preferiu desconversar. E seguiu seu caminho. Em 2017, ajudou o Monaco a conquistar o Campeonato Francês e voltou a ser assediado por gigantes da Europa. Era hora de, enfim, dar um salto. Mas não de sair de seu país. MOTOR DO ATAQUE “Estar aqui é como voltar para casa. Eu costumava vir a esse estádio (Parque dos Príncipes) ver jogos quando eu era novo”, contou Mbappé em sua apresentação ao Paris Saint-Germain. “Só há um clube em Paris, então todo garoto parisiense torce pelo PSG.” Claro, ajudou muito o fato de o clube estar nas mãos da família real do Catar e ter o dinheiro que o Monaco exigia. No caso, € 180 milhões. Ainda assim, a negociação foi complicada. Como o clube parisiense já havia gastado € 222 milhões com Neymar, havia extrapolado os limites definidos pelas regras do fair play financeiro para a temporada. O jeito foi mascarar a contratação de Mbappé, que ficou um ano por empréstimo, com a compra definitiva pré-acertada para depois da Copa do Mundo.

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Levou o título de melhor jovem jogador da Copa. Além da própria Copa, é claro

Quando chegou, o ambiente no PSG estava carregado, com Cavani e Neymar tendo atritos pela artilharia do time. Mas isso não ofuscou Mbappé. O francês fez 21 gols em 44 jogos e mostrou que tinha brilho próprio. No meio da temporada, Riccardi afirmou que seu ex-comandado podia “ser melhor que Neymar em dois anos”. Dividindo espaço no mesmo vestiário, em um clube no qual o brasileiro desfruta de privilégios garantidos pelo presidente e dono, Mbappé tem menos oportunidade para provar se seu ex-treinador estava certo. Mas a Copa do Mundo podia servir de atalho. O francês aproveitou muito bem. O atacante de 19 anos foi o motor do ataque azul em gramados russos. Depois de uma estreia discreta contra a Austrália, ele aproveitou que seu companheiro Griezmann ainda não tinha achado seu melhor posicionamento no time para assumir o papel de protagonista. Usou sua velocidade para dar fluidez ao ataque da França. Quebrou as linhas defensivas do adversário. E criou espaços para Giroud e o próprio Griezmann. Contra o Peru, fez o gol da vitória se antecipando aos marcadores depois do chute de Giroud desviar no goleiro. Foi só um prelúdio para o que viria nas oitavas de final. A Argentina simplesmente não tinha resposta à velocidade de Mbappé. De uma arrancada de quase 70 metros que deixou quatro marcadores para trás, surgiu o pênalti que abriu o marcador para a França. A vantagem poderia ser ampliada se seus companheiros caprichassem mais nas finalizações, até que os

argentinos viraram em dois gols casuais. Hora de Mbappé decidir por conta própria. Pavard empatou o jogo em um golaço de voleio, mas foi o atacante do PSG que definiu o placar, com um gol em jogada de habilidade na pequena área e outro em arrancada de contra-ataque. A Argentina até diminuiu no final, mas os 4 a 3 ficarão marcados muito mais pelo jogo em que Mbappé explodiu para o mundo do que pela emoção do placar. Afinal, foi o segundo jogador com menos de 20 anos a fazer mais de um gol em um jogo de mata-mata de Copa. O outro foi Pelé, com três gols contra a França e dois contra a Suécia no Mundial de 1958. LESÃO ANTES DA FINAL Na semifinal, contra a Bélgica, a França se viu acuada em vários momentos. O garoto, jogando como um veterano, era a válvula de escape, carregando a bola e criando contra-ataques que aliviavam a pressão. E, se Giroud não tivesse transformado o desperdício de gols em uma forma de arte, a vitória francesa seria mais folgada que o discreto 1 a 0. Para muitos especialistas, Mbappé foi um candidato forte ao título de melhor jogador da Copa. No entanto, o atacante já carregava desde a partida anterior uma lesão nas costas – revelada apenas depois do Mundial – e teve atuação discreta. Ainda assim, fez um gol e participou diretamente de outro nos 4 a 2 da França sobre a Croácia. O garoto levou o título de melhor jogador jovem do torneio, mas, para surpresa de muitos, não ficou nem no pódio do prêmio de melhor da competição. Mas isso importa pouco. A sensação que ficou é que Mbappé está mais para um talento consolidado do que para uma promessa – ainda que com só 19 anos. Tem a velocidade, a visão de jogo, a força e a habilidade que o futebol contemporâneo exige cada vez mais. Um futebol que ele conhece muito bem, pois vive imerso nele como o mais fanático dos torcedores. Por isso, ele não apenas quer ser o melhor do mundo. Ele sabe qual o caminho para chegar lá. A questão é ver se consegue percorrê-lo.

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A marca do mar

Marco Aurélio Raymundo, o Morongo, trabalhou dez anos como médico numa aldeia de pescadores antes de criar um revolucionário traje para surfistas e fazer da Mormaii a grife esportiva brasileira mais conhecida no exterior Por LUIZ MACIEL, de garopaba retratos tuca reinés

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ode pesquisar, vasculhar no Google, que você não vai achar nada parecido. A trajetória do dono da marca Mormaii, que hoje estampa milhares de produtos de sucesso no Brasil e no exterior, de chinelos a óculos de sol, de skate a joelheira, é absolutamente única. Isso porque Marco Aurélio Raymundo, o Morongo, costuma fazer manobras radicais não só quando pega onda, mas também ao comandar o próprio destino. Um aviso: ele adora o apelido de infância – as sardas do rosto lembravam um morango – e só usa o nome próprio para assinar contratos. Tão logo se formou em medicina na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ele avisou aos pais que iria clinicar em Garopaba, então uma cidadezinha paupérrima e perdida no litoral sul de Santa Catarina. Ninguém entendeu a decisão. Só ele, que já havia construído uma sólida camaradagem com os pescadores do vilarejo, nas muitas vezes que fora até lá para surfar e praticar caça submarina. Na cabeça de Morongo, tratava-se de uma atitude lógica: juntava a sua determinação de praticar a medicina num lugar carente ao prazer de pegar onda e mergulhar à vontade. Hoje ele administra uma marca milionária, entre as cinco mais famosas do mundo no seu segmento. Mas diz que passou os dois primeiros anos em Garopaba vivendo do escambo, da mesma forma que os pescadores locais, sem reclamar. Ao contrário: ele conta que esses foram os melhores anos de sua vida. Morongo queria surfar o ano todo, não só no verão. Por isso não sossegou até costurar, ele próprio, nas horas de folga, um traje de banho que o protegesse do frio sem tolher os movimentos em cima da prancha. Quando conseguiu um resultado satisfatório, depois de tantos testes, as encomendas começaram a chegar, trazidas pelo vento. Ao perceber que tinha iniciado um negócio promissor, meio sem querer, aposentou a carreira de pediatra para dar uma contribuição diferente a Garopaba: abrir vagas de emprego. Os produtos Mormaii hoje estão expostos em 50 mil lojas do país e são exportados para cerca de 70 países. O terceiro movimento radical de Morongo foi repassar a produção para parceiros franqueados, alguns anos atrás, e se dedicar exclusivamente à gestão da marca. Sem se descuidar do desenvolvimento de produtos, ganhou tempo para surfar, viajar, pilotar helicóptero, construir barco e namorar Marisa, sua

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“Já tenho barco, helicóptero, mulher bonita. entrar num negócio só por dinheiro não tem sentido pra mim”

segunda mulher. Além, claro, de curtir os filhos (o empresário Flavius, 43 anos; Mailyn, 35, manager de atores em Los Angeles; e a designer Tainah, 31) e os quatro netos. Nesse meio tempo, Morongo recusou ofertas de compra da Mormaii que qualquer outro mortal aceitaria. Uma delas colocou US$ 100 milhões de dólares na mesa. Outra, do grupo J.P. Morgan, era até mais interessante, mas tinha um porém, um grande porém: exigia que ele tocasse a empresa a partir de Nova York. Seria uma nova guinada no destino, mas sair de Garopaba é inaceitável para Morongo. Por isso disse não, obrigado. “Já tenho barco, helicóptero, mulher bonita”, justifica. “Entrar num negócio só por dinheiro não tem sentido pra mim.” E lá vai ele no seu carro de mais de dez anos, customizado com uma torneirinha no porta-malas para limpar a areia da prancha, surfar na praia do Silveira, de ondas mais fortes, depois do expediente – que pode terminar às 10 da manhã, às 3 da tarde ou às 9 da noite, não importa. Em relação ao surfista iniciante que descobriu Garopaba nos anos 1970, ele só perdeu um pouco de cabelo, o que costuma disfarçar com um boné ou um chapéu de aba curta, ao estilo de Frank Sinatra. Aos 70 anos, continua magrelo, elétrico, sorridente e – principalmente – com a eterna alma leve de surfista.

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1- Nos anos 1980, ainda cabeludo; 2-Uma dĂŠcada antes, curtindo o saldo da pesca submarina; 3- Nas ondas de Garopaba; 4- Com a mulher, Marisa; 5- Na companhia dos netos Alejandro e Juan, filhos da designer Tainah

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THE PRESIDENT: Quando começou a sua paixão pelo mar? Acho que logo que nasci. Veja, sou do signo de Peixes e meu nome é Marco Aurélio Ray­­mundo, M-A-R. Nem me lembro quando aprendi a nadar, mas foi muito cedo. Ninguém me ensinou. Você nasceu em Porto Alegre? Numa cidadezinha perto de lá. Barra do Ribeiro, que fica do outro lado do Guaíba. Mudamos pra capital quando construíram as pontes sobre o rio e acabaram com o movimento das barcas. Meu pai tinha uma empresa de ônibus que fazia a conexão de Barra do Ribeiro com o resto do estado. Com a mudança, eu perdi o arroio onde a gente brincava, nadava... Aí o jeito foi cair na piscina? Foi. Praticava natação e saltos ornamentais no Grêmio Náutico União. Cheguei a ser tricampeão estadual de saltos ornamentais. Sempre fui ligado ao mundo da água. Foi assim toda a vida. E quando começou a surfar? O surfe veio um pouco mais tarde, já na adolescência, quando a gente começou a frequentar mais o litoral. Na época, final dos anos 1950 e começo dos 60, quase ninguém conhecia o surfe. Os pioneiros no Sul foram os Johannpeter, donos da Gerdau. Eles trouxeram as primeiras pranchas da Califórnia. Eu era molequinho, mas ficava grudado neles, acompanhando as manobras. As pranchas eram enormes, pesadas pra burro. Onde você costumava surfar? Em Torres. Mas logo vimos que em Santa Catarina, que era logo ali, depois do rio

“minha primeira mulher me deu um pé na bunda por causa da falta de conforto”

Mampituba, havia ondas melhores. E aí acabou conhecendo Garopaba. Sim, Garopaba foi descoberta por surfistas e mergulhadores, como eu. A primeira vez que vim para cá foi para praticar caça submarina, mergulho. Para quem vinha do Sul, era a primeira praia com visibilidade boa para o mergulho. É uma praia mais protegida, com ilhas, mas tem pedaços com ondas fortes também. Os pescadores não se incomodaram com essa invasão dos gaúchos? Não, logo ficamos amigos deles e tentávamos ajudá-los de alguma maneira, porque eram muito pobres e estavam infestados de vermes. Nessa altura eu já estava no primeiro ano de medicina e ficava penalizado ao ver essa gente vivendo sem nenhuma estrutura. Eles faziam as necessidades no mato, iam buscar água na fonte de uma gruta. Eu trazia remédio, trazia às vezes uma comida, às vezes levava alguém para Porto Alegre para fazer um tratamento. Formou-se um vínculo forte de amizade com os pescadores. Você logo decidiu que se mudaria para Garopaba ao se formar? Não, essa decisão levou um tempo para amadurecer. Eu vinha para cá, ficava dias acampado nessa aventura de surfar e mergulhar. Só no final do curso fui pensar na possibilidade de montar um consultório num lugar como este, que precisava tanto de médico. Porto Alegre já tinha médico demais e aqui

não havia nenhum. E é um lugar tão lindo! Como a sua família recebeu a notícia de que você iria exercer a profissão em Garopaba? Você já era casado? Eu estava recém me casando, tinha nascido uma menininha... Todo mundo me chamou de louco e eu disse que era mesmo, foda-se. Sua mulher topou numa boa? Ela era mais louca que eu e veio junto, né? Ficou dez anos comigo e depois me deu um pé na bunda, pois não aguentou mais a falta de conforto. Nós morávamos então numa casinha de madeira ali na beira da praia, com piso de areia. Aqui não tinha nada. Nem posto de saúde? Tinha um postinho onde um médico atendia uma vez por mês, vindo sei lá de onde. Não adiantava nada. Atendimento de verdade só passou a ter quando cheguei. Eu era pediatra, mas atendia gente de toda idade, com qualquer tipo de problema, de lombriga a parto. Como é que você vivia? Ah, nunca tive muito problema de sobrevivência, porque eu pescava muito bem, fazia caça submarina, pegava peixe mais do que suficiente, às vezes trocava peixe por alguma coisa. O que funcionava aqui era o escambo. Minhas consultas eram pagas com meia dúzia de ovos, um quilo de farinha de mandioca, uma galinha. Vivi os dois primeiros anos aqui praticamente sem dinheiro, e foram os anos mais felizes da minha vida.

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E os medicamentos, como você conseguia? Pedia para meus colegas lá do Sul. Eles me mandavam sacos e sacos de amostra grátis. Clinicar e pegar onda. Essa era a sua rotina? Claro, foi por isso que vim para cá. Podia trabalhar o dia todo, mas sempre achava um jeito de surfar ou mergulhar. Surfava tanto que precisava de um traje para entrar no mar no inverno também. Naquela época, anos 1970, ninguém arriscava pegar onda no inverno, porque não existia uma roupa que protegesse do frio sem atrapalhar os movimentos. As roupas de mergulho não serviam para surfe, porque eram pesadas demais, não tinham elasticidade. O Jack O’Neill e a Body Glove, na Califórnia, faziam trajes para surfe, mas não pense que era coisa boa, porque não era. Qual era o problema? Eles dependiam, como eu comecei a depender também, de uma única fábrica nos Estados Unidos, a Rubatex, que produzia neoprene para isolamento térmico de canos, porque no inverno lá no Hemisfério Norte a água congela nos encanamentos. Eles passaram a produzir barras de neoprene, um material parecido com esses espaguetes de piscina, a pedido do Jacques Cousteau, que precisava de trajes para o mergulho autônomo. Nós fazíamos testes com esse material, mas ele ainda era muito duro, não servia para surfar. Aí eu me lembrei de um traje que usei na península Valdez, na Argentina, onde passei uma temporada trabalhando como guia de mergulho. Essa roupa tinha uma gola mais macia, de três milímetros. Fui até lá atrás do tecido daquela gola, que era fornecido pela Rubatex para uma empre-

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sa argentina, e comprei umas telas. A Mormaii começou aí. Nessa altura do campeonato, ninguém fazia traje de surfe com aquele material da gola? Pode ser que o Jack O’Neill fizesse alguma coisa, não sei. Mas naquela época, final dos anos 1960, princípio dos 70, tanto ele quanto eu estávamos na mesma toada, tentando desenvolver uma roupa mais flexível. Então você não bebeu direto de ninguém? Não, a dor ensina a gente a gemer. Eu tinha que resolver o meu problema, porque eu ia morrer de frio, entendeu? Eu surfava com a roupa de mergulho e não dava, porque assava tudo, não tinha a elasticidade que eu precisava. Se o frio era um problema desse tamanho, não teria sido mais fácil ir para o Nordeste em vez de Garopaba? Escolher uma praia com água morna o ano inteiro, numa vila de pescadores parecida? É que naquela época, no final dos 60, o Nordeste era uma tristeza absoluta, meu Deus do céu. Em alguns lugares as pessoas olhavam para o meu buggy e perguntavam se aquilo voava... Mas a verdade é que eu já tinha um vínculo de amizade com os moradores de Garopaba. Não queria ir pra outro lugar. Quando foi que o médico deu lugar ao empreendedor? Lá por meados dos anos 1980. Trabalhei como médico mais de dez anos, primeiro por conta própria, depois como contratado do estado, quando instalaram um posto de saúde aqui. Fazia as roupas em casa, nas

horas de folga. Estendia o tecido na mesa de refeições e ia cortando. As pessoas ficavam sabendo delas no boca a boca e começaram a fazer encomendas. Até que alguém pediu dez de uma vez, depois voltou e pediu 50 e eu já não conseguia atender aos pedidos. Nessa altura, já havia uns três médicos aqui na região e eu não era mais indispensável. Podia parar de atender sem dor na consciência. Então importei mais matéria-prima, comprei umas máquinas e aposentei o diploma. Bem na hora em que o surfe crescia no país. Exato! E como eu era o único no Brasil que fabricava isso, vinha gente de São Paulo, Rio, Porto Alegre, Curitiba, de tudo que é lado atrás da minha roupa. Garopaba também cresceu, passou a receber mais turistas. Digo sempre que, como empresário, contribuí muito mais com a cidade do que quando eu era médico. Porque o problema daqui era econômico, as pessoas não tinham dinheiro para se alimentar bem, ter acesso a saneamento. Com o turismo, os agricultores que plantavam mandioca viraram construtores, aprenderam a construir as casas dos veranistas e depois as próprias casas. Hoje você não encontra um mendigo em Garopaba. Parece que você demorou pra se mudar da casinha simples na praia, mesmo tendo condições de viver com mais conforto aqui em Garopaba. É verdade? Sim, levei muitos anos pra sair de lá. A casa era feita de costaneira, o primeiro pedaço que tu tira da madeira, ainda com a casca. Quando chovia com o vento sul, tu tinha de empurrar a cama para escapar das goteiras; quando batia o vento norte, empurrava pro outro lado. Se dava vento nordes-

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te, entrava areia pelas frestas e tu comia com farinha. Por isso que a minha primeira mulher me deu um pé na bunda. Hoje, mais maduro, eu entendo que exagerei, querendo investir tudo o que eu ganhava na empresa. Devia ter ido para uma casa melhor, ter dado mais conforto para a Maíra. Meu pai era um puta empresário, tinha grana, eu não tinha problema na minha cabeça. Mas eu continuava indo buscar água na grutinha, andando de BMV, a minha Brasília meio velha... Você chegou a ter quantos funcionários? Ah, centenas. Até que comecei a licenciar e as vagas de trabalho ficaram com as empresas franqueadas. Para você ter uma ideia, só a Grendene, que fabrica chinelos com a marca Mormaii, tem mais de 10 mil funcionários. Garopaba inteira não tem 20 mil, contando criancinha, vovozinha, tudo o que tu quiser. Cheguei num ponto que não tinha mais como centralizar a produção, entendeu? Então comecei a fazer franquias e a empresa ficou num outro patamar. Você tem muitos produtos patenteados? Não, porque isso não é tão importante no mundo do surfe. É um mercado meio alternativo, marginal, onde alguém cria uma coisa, outro copia, outro aprimora e assim vai. O que eu fiz foi o registro da marca, que hoje é uma das cinco mais conhecidas do mundo nesse segmento. A marca vem da junção do meu nome com o da minha primeira esposa, Maíra, e os dois “is” de Hawaii. Depois eu me casei com a Marisa. Ou seja, a combinação de nomes continua a mesma. Mas você não escolheu a Marisa pelo nome, né?

“Como empresário contribuí muito mais com garopaba do que quando era médico”

Hahaha... Não, a gente troca de mulher, mas não troca o nome da empresa, né? Então ficou tudo igual, do mesmo jeito, está comigo há mais de 30 anos, a Marisa. Maravilhosa. Como a sua marca ficou tão forte no mundo do surfe? Foi pioneira. É o mesmo caso da Gillette, que virou sinônimo de lâmina de barbear porque é pioneira. O bodyboard, em muitos lugares, é chamado de morey-boogie, porque quem inventou foi o [Thomas] Morey. Seu grande patrimônio hoje é a marca? Sem dúvida nenhuma. Hoje a gente vive basicamente do branding, da gestão da marca. Ela é pioneira, líder do mercado, mas precisa estar sempre evoluindo, inovando, para não perder a força. Essa é a nossa preocupação. Quantas franquias você tem? Ah, tenho algumas dezenas de franquias, mas o número que mais me deixa satisfeito são os quase 50 mil pontos de vendas no Brasil. Tem relojoarias, óticas, sapatarias, tem muita coisa com a marca Mormaii. Como você controla a qualidade de tantos produtos? Nós acompanhamos de perto o desenvolvimento de cada produto, e só aprovamos depois de receber uma prova física e constatar a sua qualidade. Além disso, o nosso serviço de atendimento ao cliente, o SAC,

é muito atento às reclamações dos consumidores. Tanto que há nove anos seguidos ganhamos o prêmio de melhor SAC do Brasil. Melhor. Quantos tipos de produtos tem a marca Mormaii? Ah, milhares. Muita coisa. Cinco mil, dez mil? Por aí, nem eu sei direito. Porque, por exemplo, chinelo tem vários modelos, né? Então é um tipo diferente do outro, se for olhar só chinelo é uma coisa. Na loja do aeroporto deu para ver de tudo: cinto, carteira, relógio... Pois você não viu nada. Nossa loja aqui em Garopaba é 50 vezes maior que a do aeroporto e mesmo ela não tem nem 20% dos produtos vendidos com a nossa marca. A Mormaii também fazia essas roupas de nadadores olímpicos que foram proibidas? Não, mas fazemos para triatlo. É uma roupa que te dá uma vantagem na natação, porque você não vai sentir frio, e é fácil de tirar pra fazer depois a prova de ciclismo. O shape da roupa, a construção, os materiais fomos nós que desenvolvemos. As roupas que a gente desenvolve aqui, seja para mergulho, surfe ou para triatlo, todas elas exigem um profundo conhecimento da fisiologia humana, da anatomia, das necessidades funcionais de cada esporte. Por isso que eu sou mergulhador, sei fazer kite, pego onda.

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“meus produtos sempre evoluem. Há 30 anos vou duas vezes por ano ao Havaí”

Você é o primeiro a testar os seus produtos? Sim, se o produto não funcionar para mim, ele é descartado. A Mormaii exporta para quantos países? Ah, para algumas dezenas. Alguns até improváveis, como a Rússia, por exemplo. É um grande cliente nosso. É porque eles gostam de tomar aquele banho gelado? Eles compram para praticar jet ski e vela no mar Báltico. Para a Suíça e a Suécia vendo roupa para triatlo. Para a Espanha e a França, também. Já para o Chile o que mais sai é roupa de surfe. E vai por aí, dependendo da área, é um tipo de coisa.

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ganhou prêmios na Inglaterra como a melhor roupa do mundo em determinado momento. Apesar de toda essa bagunça que tu vê aqui no Brasil, algumas empresas nacionais conseguem se destacar no exterior. Imagine então se nós, brasileiros, tivéssemos o mesmo nível de oportunidade, de equilíbrio, de juros dos concorrentes internacionais... Iríamos pra cima, passaríamos a China, brigaríamos com os Estados Unidos. Você acha que isso pode mudar com o novo governo? A minha esperança, como empresário e como pessoa física, é que o Brasil se transforme a partir dessas eleições. Se realmente fizerem o que tem de ser feito, as reformas trabalhistas, tributárias, reforma da previdência, tudo, cara, o perigo é realmente, em alguns setores, o Brasil ser o primeiro, como já é no agronegócio, por exemplo.

Nesse segmento de roupas para esportes aquáticos, a Mormaii está na ponta junto com... Outras três ou quatro no mundo. A diferença é que esses concorrentes nossos são do primeiro mundo, onde a economia é estável e eles contam com um baita apoio do governo. Nós não temos apoio de nada, né? Muito pelo contrário, quando tu precisa de algum apoio, os bancos vêm e te sugam.

O que a Mormaii produz, ela mesma? Hoje a Mormaii cabe toda neste prédio aqui, porque só trabalhamos com branding. Só manutenção da marca. Fabricar, fabricar, a gente não fabrica mais nada.

E dá pra ser competitivo, mesmo assim? Somos competitivos porque a nossa qualidade é muito boa. Esse negócio de tecnologia e conhecimento fisiológico e tudo mais nos dá um diferencial. A gente até

Nem as roupas de neoprene? Nem as cuecas, nada, entendeu? O que acontece? Eu estou envolvido no desenvolvimento diretamente, eu estou lá o dia inteiro, mas não é mais meu, tá? Já tive

fábrica de chinelo aqui, não é mais minha, está com a Grendene. Eu já tive fábrica de mochila, não é mais minha, está com um chinês lá que faz. Como é que você faz esses acordos? Recebo as propostas, analiso e ponho tudo num contrato de licenciamento, as nossas exigências, o que eles têm para nos oferecer, a capacidade de produção, o capital para tocar, o histórico de qualidade, para quem eles já fornecem, o que faz, o que não faz, o que é, o que não é. A primeira coisa que a gente vê é se o produto tem a ver com a marca. Por exemplo, se vier aqui alguém me pedir para botar a marca Mormaii numa cachaça, eu vou dizer que não dá certo, entendeu? Agora, se quiser vender água mineral, pode ser. Água tem a ver com a Mormaii, tudo bem. Mas eu vou querer saber se ele tem condições de garantir a qualidade que eu preciso, a quantidade que eu preciso, a distribuição que eu preciso etc. As roupas de neoprene estão com uma empresa só? Sim, aqui do lado. Já faz uns dez anos que eu passei essa empresa. E nesses dez anos as roupas foram evoluindo. Sempre. Evoluindo como qualquer automóvel, como qualquer escova de dente, como qualquer coisa. E eu participo 100% dessa evolução, o tempo inteiro. Faço parte do desenvolvimento de produtos e estou sempre viajando, conferindo o que há de novo em toda parte. Agora em outubro, por exemplo, vou para a China. Há 30 anos que eu vou duas vezes por ano para o Havaí. Os meus atletas também me dão feedback do

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que estão precisando, né? Tem alguns produtos lá fora que fui eu que desenvolvi no Japão. Desenvolvi máquinas, tudo.

Em ação, há quatro anos, na ilha de Oahu, no Havaí

Para fabricar as roupas? Sim, máquina para costurar neoprene não para de evoluir. No começo não havia nada, tive de adaptar máquina de costurar couro para fazer calçado. Esse processo não termina nunca. E com isso a marca continua forte no exterior também. A Mormaii é conhecida no mundo inteiro. Se tu for em qualquer lugar do mundo, seja na Indonésia, Japão, Estados Unidos, e perguntar para qualquer surfista se ele já ouviu falar da marca Mormaii, ele vai dizer que conhece. Eles têm ideia de que é do Brasil? Claro, ainda mais agora com os atletas brasileiros se destacando cada vez mais. Alguns são patrocinados por nós, outros por marcas gringas, australianas. Os brasileiros estão arregaçando, ganhando tudo mesmo. A gente já foi duas vezes campeão mundial do WQS [divisão de acesso da Liga Mundial de Surfe] com o Fábio Gouveia, duas com o Teco Padaratz, temos o Michel Rodrigues, que tá indo muito bem. Tentou patrocinar o Medina, o Mineirinho? O Medina fechou com uma concorrente australiana, que pôs muita grana na jogada. O Mineirinho estava com a HB, que é uma marca brasileira de camiseta, não sei se ainda está com eles. Você não entra nesse leilão? Não, eu prefiro começar com meus molequinhos. Eu tenho aqui uma rede de mo-

lequinhos apoiados pela Mormaii. Alguns continuam comigo, outros, quando já estão prontos, vem o Barcelona e leva, entendeu? Já viu esse filme? É a mesma coisa que acontece no futebol.

Ah, é? Tem essa também? Roqueiro, roqueiro. Tinha uma banda fantástica, chamava Saudade Instantânea. Eu era cabeludão, doidão.

Sim, claro. Vou declamar a letra. “Pobres pessoas pagando o pato pelos palhaços putrefatos/porcos poderes possuindo povos, poços petróleo podando pastos/pairam porradas peso pesadas, potências podres produzem pragas/pelo planeta pedem passagem, picham paisagens, pintam paredes/ passam poentes, permanecem presentes/ poderes parasitas prometem palácios, produzem palafitas. Parou para pensar na palavra parida em P? Poder política e partido pode ser perigoso? Pensa no poder do poderoso permitindo a permissividade. Pior ainda é o prepotente que pensa que pode. Pensa na polícia pegando pesado o pobre. Mas o pobre é a polícia, a polícia é o pobre. Pensa na panela, na pia, prostituição, porradaria. Será que um dia com o poder da palavra do povo, o P vira paz? Parando para pensar no P.”

E tocava o quê? Eu toco teclados até hoje. Espera aí! [Vai até um armário e volta com um CD cujo título é Hora Marcada com o Dr. Morongo]. Tem uma música que é muito interessante, “Palácios e Palafitas”, só com a letra P. Quer ouvir?

Bem, depois da fase de roqueiro e de surfista, veio a do médico desbravador, o empreendedor que ganhou dinheiro, cresceu e passou para um outro patamar, do empresário que vive da gestão da marca. É isso mesmo? Sim.

Quem são seus surfistas? É uma praga hoje. Tu levanta uma pedra e sai um surfista. Aqui em Garopaba tem o Roni Ronaldo, que já é máster, mas continua ganhando campeonato. Temos mais atletas ali na praia Mole e em Floripa. A sua trajetória é muito peculiar. Primeiro você teve o seu momento lá de garotão que pegava onda... Mas antes disso também era músico.

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“estou com a prancha em cima do carro. Daqui a pouco, saindo daqui, eu vou surfar”

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E agora virá o quê? [Morongo faz uma pausa de alguns segundos, pensando na resposta]. Agora vem a velhice, né? Depois dos 70, a gente tenta, 70, 70, 70... Hoje a gente passa dos 100, você sabe disso. É, eu sei. Eu estou com a prancha em cima do carro, daqui a pouco, saindo daqui eu vou surfar. Eu pratico esporte até hoje, né? Sou piloto de helicóptero também. E proposta para vender a marca Mormaii, já recebeu muitas? Já, mas não me interessaram. Uma vez, uns dez ou doze anos atrás, chegaram aqui uns engravatados com uma oferta de 100 milhões de dólares para comprar a Mormaii. Representavam um fundo de investimentos americano e me deram um prazo de dois meses para apresentar um business plan. Naquela época eu não tinha a estrutura que tenho hoje. Pensei: como é que eu vou fazer para os 100 milhões de dólares desses caras virarem 200, 300 milhões daqui quatro ou cinco anos? Então, quando eles voltaram, eu agradeci muito, mas não aceitei. Você continuaria à frente dos negócios? Sim, eles queriam 100% que eu continuasse tocando a empresa. Só que naquela época eu ainda não tinha os players que eu tenho hoje na China, não tinha um player como a Grendene, com grande capacidade de produção. Não tinha, enfim, a estrutura para ter o resultado que eles esperavam. Eles insistiram, disseram que nem sempre acertavam, que era normal correr esse risco, embora acreditassem que eu iria crescer muito. Mas eu não quis aquela pressão em cima de mim e rasguei 100 milhões de dólares. Depois recebi uma proposta também

“Desenhei todo o projeto do meu novo barco, um catamarã gigante, de 70 pés”

muito boa, mas eles queriam que eu tocasse o negócio de Nova York. Aí encerrei a questão: nem fodendo, eu quero continuar em Garopaba. Você não queria mudar sua vida, né? Claro que não. Helicóptero já tenho, barco eu já tenho, mulher bonita eu já tenho, filhos maravilhosos. Não preciso de mais dinheiro. Então se vier alguma proposta que seja um desafio legal, que me dê um certo tesão, tudo bem, eu topo. Agora, tu vender a alma para o diabo? Não quero. Mas o que você está maquinando agora? Seja em termos de lazer, de experiência pessoal ou de empreendimento. Está construindo um barco, uma casa com a Marisa, pensando em um negócio novo? Acabei de terminar um barco, o Pilgrim, um catamarã gigante, de 70 pés, maravilhoso, está na Marina da Glória, no Rio. Eu desenhei todo o projeto. Quem construiu? Foram vários estaleiros, com equipamentos vindos do mundo inteiro. Alguns dos Estados Unidos. Outros, da Alemanha. Uma parte foi feita no Rio de Janeiro, outra em Itajaí. Comecei a planejar o barco em uma viagem que fiz de Tonga a Fiji. Na volta, contratei um engenheiro náutico para fazer os cálculos estruturais. Levou cinco anos para ficar pronto. Já está na água, fazendo os últimos ajustes agora. Talvez eu fique bastante tempo nesse barco.

Viagem de volta ao mundo? Eu já fiz duas viagens grandes, uma de volta ao mundo praticamente, num outro barco que eu tinha. E um pedaço bem grande também depois. Fui fazendo em etapas, parava em algum lugar, pegava um avião até aqui, e depois retomava. Levou uns três anos. Agora você quer fazer de uma vez só? De uma vez só não dá, vai ser parecido com o que eu já fiz, em etapas, e aproveitando também para gravar programas de televisão. Na outra viagem eu fiz gravações para o canal Off, quero fazer a mesma coisa, agora quem sabe convidando celebridades para participar de alguns trechos. Eu procuro juntar a fome com a vontade de comer, sabe como é? A gente vai curtindo a viagem e ao mesmo tempo filmando aventuras, lugares bacanas, e colocando na mídia para divulgar a marca. Como é o barco? Tem quantas cabines? São três suítes bem grandes e mais duas cabines. Leva 12 passageiros com todo o conforto. Não precisa de muita tripulação, porque nesse barco é tudo automático. Os motores são elétricos, tu aperta um botãozinho e sobe a vela, aperta outro e abaixa a vela. Quando ele está velejando, o hélice gira e o motor elétrico vira um dínamo que carrega as baterias de lítio, entendeu? É um barco autossustentável, com painéis solares. Tem gerador diesel também, mas só para situações em

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O ex-tecladista da banda Saudade Instantânea adora viajar pelo mundo. Mas sempre volta para Garopaba, seu porto seguro

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que não houver sol nem vento, o que é difícil. E o mais louco de tudo é que quando ele navega a motor é mais silencioso do que quando está na vela. Não tem nada parecido no Brasil. Fiz testes com ele pegando vento de dez nós, e ele andou a nove nós e meio. Anda praticamente na velocidade do vento. Você planeja começar essa jornada quando? Ah, ainda neste ano. Qual vai ser a rota? Vai depender muito das pessoas que estiverem disponíveis. Podemos ir para o norte do Brasil, depois pro Caribe, atravessar o Canal do Panamá e tocar até as ilhas do Pacífico. Ou então fazer o Mediterrâneo, que a Marisa adora. Se for uma viagem mais pelo social, vamos para o Mediterrâneo. Se for mais pelo esporte hardcore, para o Pacífico. Para os polos você não vai? Não. Não me interessa passar mais frio do que eu já passo. Eu gosto é de surfe e de tomar água de coco. Resumindo, eu gosto do que é bom, né? Teus filhos te ajudam na administração da Mormaii? Sim, sempre me ajudam em alguma coisa. Uma filha minha é formada em moda, me ajuda bastante com opiniões. A minha mulher me ajuda muito, muito. No desenvolvimento de produtos? Também. Mas ajuda mais ainda com opiniões nos meus negócios. É muito melhor do que eu, por exemplo, para avaliar se alguém vai ser um bom parceiro ou não. A intuição feminina é muito importante.

“procuro equilibrar o esporte e a parte espiritual, que é a música”

Hoje você tem barco, helicóptero, mora numa casa bacana, deixou para trás a vida na casinha de costaneira. Tem mais algum luxo? O maior luxo que a gente pode ter na vida é o tempo. É o minuto que tu tá vivendo agora, é o tempo que tu tem. Pode acontecer qualquer merda aqui hoje ou amanhã, nada é garantido. Luxo é poder morar na beira do mar e usufruir da natureza a qualquer hora. Eu estou aqui contigo agora, mas daqui a pouco vou estar ali, surfando. O que você faz para manter a saúde e a forma física? Alimentação saudável, esporte sempre, sexo de vez em quando [risos]. Mas também não sou beberrão, fumar só fumei maconha quando era jovem. Não como demais, também não como de menos; não sou vegano, mas também não como churrasco todos os dias. Procuro ter um equilíbrio entre o esporte e a parte espiritual, que é a música. Porque se você faz só o esporte, você tende a ficar brutalizado; se só pensa em música, pode até afeminar. Yin e yang. Isso aí, tu matou a charada. Eu sigo as regrinhas do cara que decodificou o yoga: pratique a pacificidade, a verdade, a não ganância e a não promiscuidade. A verdade, aqui na empresa, é não vender gato por lebre, ter relacionamentos sinceros. A pacificidade eu pratico tentando resolver os meus problemas sem pancadaria, tanto

que essa empresa aqui tem mais de 40 anos de idade e não tem seis causas trabalhistas nesse período todo. A não ganância até me prejudicou, perdi a minha primeira mulher por falta de ganância, né? Eu tinha ambição, mas não ganância. E, por último, a não promiscuidade. Se tu deixar o troço esculhambado, contas a receber e contas a pagar sem controle, tu não vai pra frente. E a Marisa te ajuda nesse equilíbrio. Como você a conheceu? Vê que troço maluco. Um dia eu vejo uma barraca no terreno da minha casa ali na praia e fiquei puto, porque ninguém veio me pedir autorização. Fui reclamar e, quando abro a porra da barraquinha, começa a sair mulher que não acabava mais. Eram seis, uma mais bonita que a outra. Aí mudou tudo, convidei a mulherada para ficar em minha casa, e elas passaram um mês ali comigo. Calma, não comi ninguém! Quando elas estavam para ir embora, falei pra Marisa: “Li num horóscopo que a minha mulher estava pra chegar. É você?” Ela ficou surpresa, disse que não sabia, que precisava voltar pra Porto Alegre. Aí eu disse: “Então tá, mas se tu voltar, é pra ficar do meu lado o resto da vida”. Bicho, não demorou 20 dias e ela voltou. Está comigo até hoje, é uma mulher maravilhosa, parceira de vida. E é Mar-isa, né? Tem alguém te ajudando lá em cima, hein? Tem, muita gente. Por isso rezo pra eles todo dia.

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QUA SE M EM Ó R I A P o r RO B E RTO M U G G I AT I

Cony brinca com um exemplar dos Cadernos de Literatura Brasileira

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Cony,

o irreverente O monstro sagrado das letras brasileiras foi um eterno brincalhão. Não levava nada a sério, menos ainda a si mesmo

FOTO: folhapress

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Nossa imprensa, além de burocrática, anda macambúzia. Os obituários do romancista Carlos Heitor Cony, morto em janeiro deste ano aos 91, não só o sacralizaram como omitiram sua principal característica: a irreverência. Honrando uma amizade de meio século com o autor de Quase Memória, venho aqui reivindicar o lado lúdico e transgressor do Cony. Em 1969, eu estava de volta à editora Bloch, no vistoso prédio desenhado por Niemeyer diante do Pão de Açúcar, na rua do Russel, praia do Flamengo, depois de um ano e meio em São Paulo, onde participei do lançamento da Veja. Passei a dirigir a revista Fatos&Fotos, a primeira a lançar uma edição especial do Tri do Brasil no México, graças a radiofotos logo após o 4x1 sobre a Itália. Nem esse feito me manteve no cargo. A Bloch era tão esquizoide que mantinha uma semanal concorrente da própria Manchete. Toda vez que a F&F ameaçava o carro-chefe, era colocada no devido lugar, daí a alta rotatividade de seus editores. Em 1970, passei a editar “Os Homens que Fizeram o Século 20”, uma série de fascículos do Sunday Times londrino encartada na Manchete. O redator e acadêmico R. Magalhães Júnior traduzia os textos e escrevia os verbetes de uma lista seleta de brasileiros. Quando chegou a vez de Juscelino Kubitschek, Magalhães manteve a data oficial de nascimento do ex-presidente, 1900. Mas JK – que era amigo de Adolpho Bloch e tinha um suntuoso escritório no prédio da Manchete- insistia que nascera em 1902. Telefonou de manhã cedo para o capo reclamando. Furioso, Adolpho

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investiu contra os culpados: “Vou demitir esse cabeludo filho da mãe!” (Eu ostentava as longas melenas da época.) Foi quando Cony, que mal me conhecia, me socorreu: “Muggiati, arraste sua mesa para trás da coluna”. Escondido pela pilastra de mármore, escapei da ira do Adolpho e fiz uma bela carreira, tornando-me o editor da Manchete que mais durou no cargo. E também, ironicamente, chefe do Cony. Em 1965, Cony fez parte dos “Oito do Glória”, um grupo de intelectuais e artistas que exibiu faixas de protesto contra o presidente Castelo Branco num encontro da OEA no Rio. Foram todos presos. Do episódio, Cony guardou com humor a manchete de um jornal argentino: “Patearon el Mariscal!”. O político e escritor Márcio Moreira Alves, que participou do protesto, lembrou aqueles dias numa entrevista de 2001 para os Cadernos de Literatura Brasileira do Instituto Moreira Salles: “Foi na cadeia que estreitei a amizade com o Cony. Foi lá também que descobrimos ser o Cony o galante campeão de namoradas do grupo. Todos nós tínhamos duas mulheres; Casa Militar e Casa Civil, dizíamos. Mas Cony tinha diversas além da legítima, que se revezavam mandando-nos latas de sucos de frutas e fumo de cachimbo Half and Half, que tem um perfume delicioso. Colocávamos tudo em comum num canto da cela, nossa despensa coletiva. Essa pletora de amores fez com que Cony confessasse já ter sido preso antes. Foi no Parque da Cidade, por atentado ao pudor. Estava num canto protegido do bosque, fornicando com uma senhora, esposa de um capitão do Exército, apoiada no capô inclinado de um Fusca que, segundo ele, é o carro que tem o melhor desenho para esse tipo de atividade. Foram surpreendidos por um guarda florestal, que lhes deu voz de prisão. Como o Brasil já era o Brasil naquele tempo, o guarda aceitou curar os seus pruridos morais ofendidos com uma nota de 50. Ou seja: Cony e sua fogosa companheira foram presos, mas não chegaram a ser encarcerados. Antes assim. Ficou salva a moral do Exército Brasileiro, corneado pelo escriba.” Ainda em 1970 escrevi o texto de abertura da Manchete sobre a morte de Jimi Hendrix. Cony adorou e me convidou para chefiar a redação da EleEla, que ele dirigia. A mensal “masculina” da Bloch era um oásis de paz em meio às outras redações, que viviam à beira de um ataque de nervos. Não tínhamos nem a angústia de procurar moças nuas para esgotar as edições: a censura só deixava publicar mulheres em biquínis largos. Era uma equipe peque-

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BLOCH PRECISAVA DE DINHEIRO. PARA ATAZANÁ-LO, CONY DISSE TER GANHO NA LOTERIA. E SUMIU

na e amiga, metade homens, metade mulheres. Às 5 e meia Cony fechava as cortinas da redação e lotava seu carro de caronas para Copacabana, com direito a uma parada para docinhos no Chuvisco. Nos primeiros tempos do novo prédio, Adolpho ainda passava as manhãs na tesouraria da antiga sede, na rua Frei Caneca, descascando os piores abacaxis bancários. Sua filosofia financeira se resumia a “empinar papagaios”: levantar empréstimos novos para pagar empréstimos antigos. Em suma, Adolpho vivia pendurado nos bancos. O prédio da Frei Caneca, escuro e soturno, ficava ao lado da penitenciária – presos em fuga geralmente faziam das dependências da Bloch seu caminho para a liberdade. Em 1970, a Caixa Econômica Federal lançou a Loteria Esportiva, a popular Loteca. O apostador marcava o placar de 13

Cony, Adolpho Bloch (dono da Manchete) e o ex-presidente Juscelino Kubitschek, em noite black-tie

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jogos selecionados dos campeonatos estaduais. Preenchia um volante e o entregava na lotérica, que usava uma máquina manual da IBM, chamada Port a Punch, para perfurar dois cartões, um dos quais ficava como comprovante com o apostador. Ao final de todos os jogos de domingo, um computador da Caixa processava as apostas, lendo cartão por cartão até encontrar os acertadores com nove pontos (o mínimo para o prêmio ser rateado), então passava a buscar cartões com dez, 11, 12 e, eventualmente, 13 pontos. Numa manhã de segunda-feira, o Cony apareceu como acertador dos 13 pontos, exibindo o cartão perfurado que valia uma fortuna. Na verdade, ele adulterara um cartão antigo, de modo um tanto tosco, mas ninguém se deu ao trabalho de conferir. Se havia alguém na Manchete destinado a ganhar na Loteca, era o Cony, que tinha nascido com aquilo pra Lua. Quando chegou ao Russel na hora do almoço, Adolpho recebeu a notícia, já na portaria. Subiu ao escritório e começou a correr atrás do Cony, que via como sua tábua de salvação para pagar a folha daquele mês. Cony estava fora, alegadamente a serviço. Adolpho despachou motoris-

FOTOs: reprodução, arquivo pessoal

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Cony com o amigo Roberto Muggiati, de quem foi chefe

tas, contínuos, repórteres e fotógrafos à caça do Cony, que, sadicamente, sumiu. Só no fim daquela tarde ele deu as caras. Admitiu a fraude, mas alegou que era um experimento sério: como romancista, queria conhecer a sensação de ser milionário.

e, depois, subordinado

A ENTREVISTA DE MENTIRA Meu sucessor na direção de Fatos&Fotos foi Raul Giudicelli, jornalista tarimbado. Uma das críticas à minha gestão era que eu fazia uma revista “muito séria”. Raul partiu para uma inversão total de rumo, beirando a gaiatice. Uma de suas primeiras matérias foi uma entrevista exclusiva com o Fantasma feita pelo comediante Chico Anysio. Na foto de abertura de página inteira, o próprio Raul vestiu a fantasia do herói. Cony namorava à época uma advogada, Maria Inês, que representava a distribuidora dos quadrinhos do Fantasma no mundo inteiro. Em papel timbrado autêntico do King Features Syndicate, Cony enviou uma carta avisando ao Giudicelli que ele seria processado por danos morais e usurpação de imagem na quantia de US$ 200 mil. O infeliz passou os piores dias (e noites) da sua vida até que Cony, sensibilizado, revelou ser tudo brincadeira. Em 1975, Adolpho me colocou na direção da Manchete. Os papéis se inverteram e passei a ser “chefe” do Cony. Hesitei ao designar trabalhos para ele, o redator-estrela da Bloch e amigo do rei. Mas a política de resultados do maquiavélico Adolpho sempre consistiu em jogar pessoas contra pessoas. Ele me pressionava para arrancar o máximo do Cony. Foi uma década de grandes crimes e Cony brilhou nessa área, esmerou-se até em assumir papéis rocambolescos. Vestiu-se de médico (e fantasiou a repórter Suzana Tebet de enfermeira) para fazer um perfil do Monstro de Ipanema. Pulou acroba-

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Afirmava que o corpo de jk foi enterrado no lugar do motorista. E vice-versa

Com os colegas José Sarney e Tarcísio Padilha, na Academia Brasileira de Letras

ticamente muros de casas na Barra para uma entrevista exclusiva com Roberto Medina, recém-liberado de um sequestro célebre. Cobriu em Cabo Frio o histórico julgamento de Doca Street (assassino da “Pantera de Minas”, Ângela Diniz). Autossuficiente, Cony não fazia pesquisas. Tinha um método sui generis de trabalhar. Em conversa recente, Celso Arnaldo Araújo, ex-chefe da sucursal da Manchete em São Paulo, enfatizou esse lado do Cony: “Passando por sua pena, uma carteira batida na Central do Brasil se transformava em ficção real de alto nível – sem que a realidade mais chã interferisse em seu relato. Cony não anotava, não registrava nada, mal perguntava. Dizia que o que atrapalha uma boa entrevista é o entrevistado. Em São Paulo tinha sido preso, depois de anos de investigação, o mais talentoso falsário de todos os tempos: Valmir Azevedo. Usando disfarces – padre, advogado, médico –, aplicava golpes em todo o país. Fui apanhar Cony no aeroporto e acompanhá-lo ao departamento de investigações, onde os policiais o receberam solenemente. Mandaram buscar Valmir do calabouço. Ele chega, 'de cara lavada',

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cabeça baixa, algemado. Levanta por um momento a cabeça, aparentemente vislumbra o Cony, seu novo interrogador, e dispara, sem truques ou disfarces: – Pra esse, não falo. Valmir foi devolvido ao cárcere. Entrevista cancelada, a matéria caiu – pelo menos assim seria na lógica da imprensa convencional. Fui levar Cony de volta ao aeroporto – e juro ter visto nele um esgar de êxtase. Na semana seguinte, em quatro páginas suculentas, a antientrevista saía na Manchete com o título que hoje é case de estudo em faculdades de jornalismo: 'Uma entrevista de mentira com um falsário de verdade'. No seu texto, Cony roça vagamente no objeto da matéria, Valmir, e usa 90% do espaço para relembrar entrevistas desperdiçadas, não pela recusa do entrevistado, mas, ao contrário, por sua disponibilidade excessiva . Recordou uma entrevista de seis horas com um general franquista da qual aproveitara apenas duas palavras e um inexistente ponto de exclamação: – ¡Por Dios!” Outra história de Ponte Aérea entrou para o anedotário do jornalismo. O cronista Antônio Maria, tão sacana quanto o Cony, telefona para o colega e conta que, vindo de São Paulo, sentou no avião ao lado de uma bela mulher cheia de amor para dar lendo o romance do Cony Matéria de Memó-

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ria. Maria engatou um papo, fazendo-se passar pelo autor do livro, e dando uma de coitadinho, tipo ninguém-me-ama-ninguém-me-quer. Cony, do outro lado da linha, ansiava pelo desenlace. – Fica frio, Cony, fui pra cama com a gostosa. Isto é: você foi pra cama com a dona... – E aí? – perguntou Cony, curioso. Fingindo uma voz tristonha, Maria arrematou: – Lamento contar, Cony, mas você brochou!!! QUEIMA DE ETAPAS Quando morreu JK, à meia-noite de um domingo, passei as 24 horas da segunda-feira e as primeiras três horas da terça atrelado à mesa de edição em “L”, onde tive que redesenhar todo aquele número da Manchete. Só saía para ir ao banheiro. As refeições eram sanduíches frios e refrigerante. Não tive nem sequer tempo de ver o corpo de JK no saguão, oito andares abaixo da redação, abençoado pela monumental escultura arbórea de Krajcberg. Recorro, por isso, ao relato do colega José Esmeraldo Gonçalves, sobre os insólitos acontecimentos daquela noite: “Uma acirrada disputa de bastidores sobre o local do velório rolava entre Niomar Muniz Sodré Bittencourt, que queria o corpo no MAM, e Adolpho Bloch, que o desejava no hall do prédio da Manchete, na rua do Russel. Escalados para a missão de resgate, Cony e Murilo Mello Filho eram os ‘diplomatas’ que agiam junto à família e à direção do IML. Sua ‘arma secreta’, o repórter Tarlis Batista, foi naquela noite o George Patton da força-tarefa que levou para o hall da Manchete os corpos de JK e do seu motorista

FOTOs: folhapress

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Com a mulher, Beatriz, ao fundo, Cony experimenta o fardão antes da posse na Academia

Geraldo Ribeiro. Os caixões eram iguais, com os mesmos arranjos de flores, e permaneceram fechados. Não havia indicação de quem era quem. Tarlis deu a palavra final: 'JK é esse aqui'. Foi o que bastou para Cony criar sua versão: os corpos foram trocados. E, por culpa daquela tumultuada madrugada, o motorista repousaria no Memorial JK em Brasília, e JK, por obra do destino (e do Tarlis), teria voltado à sua querida Minas Gerais e descansa em um cemitério de Belo Horizonte. Ainda segundo Cony, um terceiro corpo chegou à Manchete em um rabecão – chamado por ele de ‘rabecão sem rumo’ – que deu meia-volta ao ver que o velório já estava completo e em perfeito andamento.” E o corpo a corpo do próprio Cony com a indesejada das gentes? Apesar da forte carga católica de sua formação seminarista, ele a encarava também com extrema irreverência. Não o vejo como aquele cavaleiro bergmaniano solene que joga xadrez com a Morte em O Sétimo Selo. Imagino mais o Cony tentando enganar a Morte num reles jogo de palitos em Lins de Vasconcelos, bairro carioca onde ele nasceu. Seu humor ferino se apropriava até do jargão das esquerdas para falar do inevitável: “Outra noite, fui ao velório de um amigo no cemitério de São João Batista e me deu vontade de já ficar por ali, de queimar etapas”.

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I M PR ENSA Por ALEX SOLNIK

MICHA, O terrÍVEL

O

lygia durand

Michael Koellreutter foi o último colunista social ácido e incontrolável, colecionador de processos e inimigos. Mas era um doce de pessoa

O sol iluminava a piscina do Hotel Méridien, em Salvador. Acomodado numa espreguiçadeira, o editor Claudio Schleder escondia por trás do Ray-Ban, naquela manhã de 1984, as olheiras de mais uma noite maldormida. Protegido pelo Panamá legítimo que seu amigo e sócio, Richard Raillet, trouxera de Paris, observava de esguelha o desfile de corpos bronzeados em biquínis mínimos.

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A bordo de um gim-tônica, curtia o sucesso de sua pequena, mas glamourosa e influente revista Interview, lançada em 1977. Muitos consideravam a publicação “a bíblia do chic”. Mais: imaginavam que a revista pertencia a Andy Warhol, tal e qual a Interview americana. Schleder, porém, registrara o título no Brasil antes de Warhol. A revista era sua. E Warhol ainda concordou em ceder reportagens, o que deu ainda mais veracidade de que era, de fato, uma revista gringa traduzida para o português. Nada de importante passava pela cabeça de Schleder, além do suor na testa, quando foi abordado por um rapaz pequeno e magrelo. “Era um baiano simpático, menino ainda”, relembra. O rapaz se aproximou, dizendo “oi, eu me chamo Michael, prazer. Faço uma revista aqui em Salvador inspirada na Interview”. E apresentou a Schleder a mais recente edição da Slogan. Ao longo do fim de semana os encontros na piscina se tornaram frequentes. Na despedida, Schleder propôs: “Quando você se cansar daqui e se mudar para São Paulo, me procure”. O editor não se recorda quantas semanas depois deu com aquele cara simpático tocando a campainha do seu apartamento paulistano. “Pois é, fechamos a Slogan”, disse o baiano. Schleder respondeu: “Passe no meu escritório na segunda-feira. Venha trabalhar comigo”. Terremoto na alta sociedade Michael Koellreutter não contou a Schleder – e Schleder não sabia disso até hoje –, mas o que o levou a se mudar para São Paulo não foi o fim da Slogan. Michael (pronunciase Micha-él) assinava uma coluna de gossips no diário A Tarde. Graças às relações do pai (o maestro alemão HansJoachim Koellreutter, professor de Isaac Karabtchevsky e de Tom Jobim) e da mãe (a pianista erudita Maria Angélica Bahia), ele se enturmou e sabia de tudo o que acontecia na alta sociedade soteropolitana. E publicava o que sabia.

Maria Helena Guinle deu chamada de capa. E processo na Justiça, que Interview perdeu

Depois de escrever que a filha do governador tinha sido vista numa festa aos beijos com outra moça, levou uma surra, atribuída a capangas do todo-poderoso. Eles avisaram: seria melhor sair da cidade se não quisesse apanhar de novo. Não foi essa nota, porém, o estopim do suicídio da moça, como muitos supõem. Isso teria ocorrido em virtude de outra nota em A Tarde, de outro colunista, quando Michael já morava em São Paulo. Claudio Schleder logo sacou que o garoto era dono de raro talento para arrancar declarações bombásticas de quem quer que fosse, sem fazer esforço

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e sem constranger a “vítima”. E passou a formar com ele uma dupla que se aventurava pela noite de São Paulo em busca de histórias e de fotos de celebridades. Alguns furos e declarações retumbantes depois, Michael ganhou uma coluna na revista, com o título de The Beach’s Bitch – ou A Cadela da Praia. Segredos (sobretudo pessoais) da alta socieda­de nunca mais foram segredos. Numa noite, o chargista Chico Caruso apresentou assim Michael a um conhecido, no restaurante Florentino: “Este meu amigo tem uma confecção… Uma confecção de inimigos”. O carismático dono dos perfumes Rastro, Aparício Basílio da Silva, insuportável quando passava da conta nos drinques, não gostou de ler na Interview que a sua galeria de arte “tinha micado”. Foi tomar satisfações com Schleder. Cultivou a inimizade o quanto pôde, até que o editor declarou-lhe guerra e deu carta branca a Michael: “O Aparício é todo seu”. Era um prato cheio para um guerrilheiro infiltrado no café society. Michael, ou Micha, como gostava de ser chamado, tomou as palavras do editor ao pé da letra. Não perdeu uma oportunidade de espinafrar Aparício no papel pintado ou ao vivo. O desafeto não deixava por menos. Em encontros sociais ou em casas noturnas, costumava esbarrar ou mesmo trombar em Micha pelas costas, na base do sem querer querendo, no que levava grande vantagem. Tinha o dobro do corpo. Até que, certa madrugada, Micha dançava alucinadamente na pista do Hippopotamus, do Rio de Janeiro, já bem alterado, como de costume. Quando notou Aparício passar a seu lado, fez alguma gracinha. Aparício talvez nem tenha entendido, tal o barulho do ambiente, mas, também alterado, revidou com um tapa na cara. Quem estava nas proximidades prendeu a respiração. Fuga pela porta dos fundos Micha arrancou os óculos do rosto de Aparício num lance de blitzkrieg e, depois de atirá-los ao chão, sapateou em cima, sem parar de rir. A partir daí, estourou uma briga coletiva de grã-finos. Até hoje ninguém sabe em quem bateu ou de quem apanhou e por qual motivo. De outra feita, um telefonema interrompeu as férias de Schleder na praia. Era Micha informando, com a

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O tom decididamente irreverente da revista era...

calma que lhe era peculiar, que acabava de sair de um sequestro. O mandante era o nadador Rômulo Arantes, enfurecido com o que o colunista escrevera sobre sua namorada. “Michael levou uns tapas de uns capangas e foi solto”, resume Schleder, minimizando um episódio que teve ampla cobertura em O Globo e na Veja. O ídolo da natação só não passou uma temporada atrás das grades porque Micha retirou a queixa. “Diziam que Michael inventava”, continua Schleder. “Mas ele não fazia ficção.” Chiquinho Scarpa que o diga. Fez o maior escarcéu por causa de um Rolex que a ex-namorada teria surrupiado

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Vivia entre os ricos, mas, ao se separar da segunda mulher, foi morar com a terceira dentro de um carro

Uma pose de Micha, sempre irreverente ...o reflexo do seu diretor: Micha em pessoa

dele. Apesar de ter sido ele próprio a fonte da informação, tentou negar tudo aos jornais depois de a história ter saído em A Cadela da Praia. Inconformado, movimentou uma equipe de advogados. O caso teve grande repercussão, dada a notoriedade de Chiquinho. Houve até júri popular, o que é raro em casos de acusação de injúria e difamação. O já então lendário advogado Márcio Thomaz Bastos venceu mais esse caso. Foi fácil: a revista apresentou as fitas em que Chiquinho acusou a ex-namorada. Chiquinho tinha fama de playboy, mas quem fazia sucesso com as mulheres era Micha, que se casou três

vezes – com a joalheira Lygia Durand, com a estilista Lucinha Karabtchevsky, filha do maestro Isaac, e, por fim, com a fotógrafa Elza Barroso – embora jamais tenha sido fiel. O jornalista Palmério Dória, parceiro de aventuras profissionais e boêmias, o ajudou a sair de várias encrencas. Certa vez, Palmério estava no apartamento de Clemente Neto, executivo da Globo, conversando na sala, quando ouviu gritos e batidas na porta. “Abram, eu sei que tem gente aí!” Palmério intuiu que só podia ser Lucinha, com quem Micha estava casado, e fez o alerta. A situação era complicada. Micha estava no quarto com uma apresentadora da Globo e decidiu fugir pela porta dos fundos. Lucinha entrou pela frente, fez uma vistoria geral e não encontrou o marido. A Malvada Micha separou-se de Lucinha por causa de Elza Barroso e, como não tinha apartamento, foi morar com ela em um carro, por um tempo. Estranho? Nem tanto. Estranho mesmo era o hábito de, nas casas noturnas, levar as moças para o banheiro. E chegou a marcar um encontro com uma socialite de 60 anos – ele tinha en­tão 30 – na última fileira do cine Belas Artes, em São Paulo, quando as luzes apagassem. E pediu para ela fosse sem lingerie. Não sei até que ponto o sucesso de Micha e a sua segurança com as mulheres tinha a ver com o seu grande segredo. Quando trabalhávamos na Interview, ele me mostrou uma foto dele tirada em Ibiza. Estava de pé sobre as pedras, completamente nu. O segredo era um segredo muito grande. Enorme, eu diria. Eu nunca tinha visto igual. Palmério conta que a sua fama se espalhou a tal ponto que algumas mulheres pediam para ver. A dona de uma grife cario-

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ca, e que parecia a modelo Claudia Schiffer, quis ver em pleno restaurante do Copacabana Palace, o habitat de Michael no Rio. E ele mostrou. E depois ficou louco por ela, apaixonadíssimo. Micha acreditava em tudo que essa beldade lhe contava. Um dia, ela lhe disse que uma amiga íntima estava com planos de dar cabo no marido. Só que o tal marido era um dos ex-milionários mais conhecidos do Brasil: Jorginho Guinle. Aquele que se orgulhava de não ter trabalhado um dia sequer. Micha convocou o fiel companheiro Palmério e, a quatro mãos, eles pariram a matéria “A Malvada”. O problema é que Jorginho e “a Malvada” entraram com um processo. Só então a verdadeira história veio à tona. Maria Helena Guinle fora a uma cartomante, que lhe dissera que seu marido não morreria tão cedo. A jovem mulher de Jorginho comentou com as amigas, em tom irônico, que tinha de fazer alguma coisa para ele bater as botas, já que a morte natural demoraria. A dona da grife ouviu e achou que Maria Helena queria de fato matar Jorginho e que, se denunciasse a ameaça por meio do Micha, salvaria a vida do dito-cujo. Moral da história: Jorginho ganhou 30 mil na brincadeira, talvez o último dinheiro gordo que ganhou em vida. Comigo, Micha fazia reuniões de pauta no restaurante The Place, na região dos Jardins, em São Paulo, sempre tendo em mãos seu caderno escolar espiral onde anotava tudo. Já era então diretor de redação de Interview. Com Palmério, encontrava-se na mesa do Florentino ou na piscina do Marina Palace, no Rio, onde nasceu a ideia da reportagem que foi mais traduzida que Paulo Coelho. O anfitrião do Hippopotamus, Júlio Canto, amigo do Micha, sabia – e não apenas ele – que o astro pop britânico George Michael tinha um namorado brasileiro, o estilista Anselmo Feleppa. Mas a imprensa não dizia nem que George Michael era gay, quanto mais que tinha namorado. Quando Anselmo morreu, e o cantor inglês veio ao Brasil visitar seu túmulo, Micha deu o furo mundial. A matéria “O namorado brasileiro de George Michael” humilhou até a imprensa de Londres. O sucesso só não foi completo porque a socialite Lúcia Guanabara, apontada como o cupido dos namorados, ficou uma onça e processou a dupla.

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Interview foi “a bíblia do chic”. E da indiscrição

Queda para cima Palmério elogia a performance de sua algoz no fórum: “Quando Lúcia Guanabara chegava era um espetácu­lo. Ela era muito bonita, cheirosa”. Palmério e Micha iriam perder a primariedade, condenados a três meses de cana, não fosse, de novo, Márcio Thomaz Bastos. Ele os salvou na última hora graças a uma pirueta jurídica. Uma causa que Palmério, na qualidade de fiel comparsa de Micha, gostou de perder foi a da Thereza Collor. “A matéria escrita pela jornalista Lidice Ba com a Thereza não tinha nada contra ela”, conta. “Mas a Thereza achou uma brecha para um processo contra a revista e pediu 300 mil. Ela estava no auge. Quando

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Na revista interview, deu um furo mundial ao revelar o namorado brasileiro do cantor george michael

chegou para a audiência, com aquelas pernocas lindas, eu já sabia que perderíamos. Todos pediam autógrafo. O juiz só faltava saltar da banca pra cima dela. Thereza levou 100 mil.” Foi também Palmério, sempre ele, quem testemunhou a cena em que Micha por pouco não apanhou em solo inglês. Estavam em Heathrow, o aeroporto de Londres, quando um cidadão de corpo avantajado aproximou-se com cara de poucos amigos. Havia sido focalizado na reportagem “Garoto problema”. Pelo título, se presume o conteúdo. O sujeito era um dos herdeiros dos supermercados Pão de Açúcar e tentava ser mais popular que seu irmão mais velho, Abílio. Com todas essas credenciais, o grandão Alcides dos Santos Diniz, o Cidão, agarrou Micha pela gola do paletó e resumiu: “Vou quebrar a tua cara!”. Micha, frio como uma serpente, respondeu: “Pois quebre”. Cidão achou melhor depositar o magrelo no chão. Ninguém bate em ninguém em Londres impunemente. Eu não me lembrava de como terminou a história de Micha na Interview, a não ser que o Walcyr Carrasco entrou no lugar dele, na direção da redação. Mas Palmério se lembra. “Micha entrou em um processo de piração, ficou louco pe­la ‘Claudia Schiffer’ e, por frequentar a alta sociedade, começou a achar que fosse rico. Passou a gastar demais por conta da

revista.” A produtividade caiu. “Aí, arrumaram uma queda pra cima”, emenda Palmério. “Deram a ele um bom escritório, uma boa grana. Mas na redação o novo editor-chefe era seu inimigo mortal, Walcyr Carrasco. Ele ficou deslocado.” O empresário da noite Ricardo Amaral descreve Micha, em seu livro autobiográfico Vaudeville, publicado em 2010 pela editora LeYa, como “o colunista mais mauzinho que esse Brasil já conheceu”. E resume: “Penetrou no lado podre das grandes famílias e especializou-se em promover uma espécie de Nelson Rodrigues ao vivo”. Ricardo Amaral também escreveu: “Sua presença na imprensa ficou de certa forma inviabilizada pela quantidade de processos. Não tinha limites. Agora, que era divertido, isso era”. Furando fila Para nós que trabalhamos ao lado de Micha, contudo, a imagem de colunista demolidor não combinava com o personagem. Ele era um doce de pessoa. Tão carinhoso que muita gente pensava que fosse gay. Me chamava de Alexito. Palmério era Palmerito. Foi um agregador de equipes. Gostava de consultar todos que trabalhavam com ele antes de tomar uma decisão. “Meses antes de morrer, ele ficou uns 20 dias na minha casa”, recorda-se Palmério. “Veio para cuidar de mim, pois eu estava doente. Cavava uma maneira para o doutor Paulo Niemeyer, seu amigo, me operar.” Pouco depois, Palmério soube que Micha estava internado em Ouro Preto – onde morava sua ex-mulher Lygia Duran – nas últimas, em virtude de um câncer de pâncreas que, da descoberta ao desenlace, o matou em menos de dois meses, aos 54 anos, em 5 de junho de 2016. “Ele morreu completamente fora de hora, furando fila”, lamenta Palmério. Todo dia de Micha na terra foi um dia de festa. Ainda posso ouvir o garçom do Hippopotamus entregando para o patrão, Ricardo Amaral: “Seu Ricardo, o seu Michael está de novo transando no banheiro!”.

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S U Z U K I

CROSS design agressivo, teto solar elétrico e motor de alumínio de 146 cavalos marcam a versão topo de linha 4Style-S all grip do suv

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M OTO R P or LU I Z G U E R R E RO

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O motor 1.4 recebeu o selo de eficiência energética

Nas viagens, o teto solar ajuda a trazer a natureza para o interior do carro

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Você para no sinal de trânsito e, depois de alguns segundos, o motor apaga. Não, não é defeito. É recurso – um dos vários recursos de tecnologia do novo Suzuki S-Cross, o modelo mais requintado da marca. O start-stop, que desliga automaticamente o motor em paradas prolongadas, ajuda na economia de combustível. E contribui para reduzir os índices de emissões do carro, agora apresentado na versão topo de linha 4Style-S All Grip. O motor, por falar nele, é um dos destaques deste SUV. Repare: o 1.4 de alumínio recebeu selo de eficiência energética do Conpet, o programa criado pelo governo para racionalização dos combustíveis. São 146 cavalos de potência e um torque de 23,5

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kgfm graças à tecnologia: sistema de injeção direta de alta pressão e turbocompressor de baixa inércia. Quer mais? O quatro cilindros se associa à transmissão automática de seis marchas com opção de trocas manuais por borboletas na coluna de direção. Como todo bom SUV que se preze, o Suzuki SCross exibe um design agressivo. A grade, com dez barras verticais cromadas, se sobressai. Capô, para-lamas, para-choque dianteiro, espelhos retrovisores e as rodas de alumínio de 17 polegadas foram desenhados para conviver em harmonia. Ao mesmo tempo, permitem livre fluxo do ar – solução que favorece a aerodinâmica e a consequente redução nos níveis de consumo. O formato do teto, com suave caída na traseira, também foi pensado para favorecer a aerodinâmica e compor a aparência esportiva do S-Cross. Além do rack de alumínio polido, a versão 4Style-S vem com teto solar elétrico, exclusividade que faz toda a dife-

rença nas viagens em dias ensolarados, ajudando a trazer a natureza para o interior do carro. Por dentro, diversos tipos de materiais com textura agradável ao tato e à visão formam o acabamento. A junção das molduras em black piano com o revestimento leather like do painel e os elementos acetinados sugerem requinte. No painel, a central multimídia, recurso indispensável nos carros modernos, é formada por tela de 9 polegadas e permite o uso de softwares de serviço e entretenimento e espelhamento de smartphones. Conta ainda com sistema wi-fi integrado. O volante possui regulagem de distância e profundidade e tem comandos remotos para controle do sistema de som e do piloto automático. Ar-condicionado com seletor digital dual zone, partida por botão sem chave, sensores de chuva e de luminosidade e retrovisor eletrocrômico são alguns dos itens de comodidade e segurança. O Suzuki S-Cross é equipado

No asfalto ou fora dele, o sistema All Grip modula tração, torque, frenagem e esforço ao volante

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com sistema Isofix, para fixação de cadeirinhas infantis, e dispõe de seis airbags, além dos controles eletrônicos de tração (TSC) e de estabilidade (ESP). Os faróis são bi-LED associados às luzes de rodagem diurna e com nivelamento automático do foco e lanternas traseiras de LED. A visibilidade é plena, por conta da ampla área envidraçada, e o interior, amplo e arejado. O porta-malas comporta até 1.270 litros de volume de bagagem de acordo com as várias possibilidades de combinações de rebatimento dos bancos. O compartimento é modular para permitir o transporte de diferentes tipos de carga: uma tampa removível tem a função de nivelar o assoalho com os bancos e, quando baixada, permite a acomodação de objetos altos. Dois nichos laterais servem para o transporte de pequenos itens; quando abertos, facilitam o transporte de objetos largos. O Suzuki S-Cross é equipado com tração All Grip, sistema inteligente que percebe os comandos do motorista e o tipo de terreno. Automaticamente, ele interpreta as condições de uso e atua em tempo real para garantir aderência e segurança para os ocupantes. Ao monitorar os parâmetros de aderência e aceleração, o All Grip modula tração, torque, frenagem e esforço ao volante – e atua em conjunto com os controles eletrônicos de tração e de estabilidade. O motorista elege o modo de condução por meio de tecla no console. São quatro modos: -- Em Auto, o que se terá é economia de combustível em condições normais de uso. Conforme o tipo de terreno, o sistema automaticamente muda de 2WD (ou tração nas duas rodas) para 4WD (tração nas quatro); -- No modo Sport, o objetivo é a direção mais esportiva. O All Grip transfere o torque para as rodas traseiras para permitir melhor desempenho e curvas, ao mesmo tempo que altera a curva de torque e encurta as relações de marcha. Neste modo, os controles de tração e de estabilidade se tornam um pouco mais permissivos – e voltam a atuar quando percebe que algo pode dar errado;

A visibilidade é plena, graças à ampla área envidraçada

À esquerda, as linhas modernas do carro, a tecla com os quatro modos de tração e a mobilidade do banco traseiro

-- Snow/Mud é o modo recomendado para trânsito em terrenos de baixa aderência, como a travessia de lamaçais. Nesta posição, a tendência de o carro escapar de traseira, ou de frente, é anulada; -- O Lock (4WD) é usado no off-road. Em caso de atolamento, o sistema envia torque de forma constante para todas as rodas. Concebido por meio do sistema Tecnologia de Controle Efetivo Total Suzuki (TECT), o S-Cross tem carroceria preparada para absorção de impactos com o uso em pontos vitais de aços de alta resistência. Estruturas de absorção foram aplicadas em diferentes pontos da carroceria com essa finalidade. Capô e para-choque absorvem o impacto em caso de atropelamento para atenuar a extensão dos ferimentos. Além desses recursos, o SUV conta com os sistemas eletrônicos de auxílio à frenagem, tração e à estabilidade. Os freios são formados por discos ventilados na dianteira e por discos sólidos na traseira. O conjunto de providências para reforçar a segurança garantiu ao S-Cross a classificação máxima nos testes de impacto da Euro NCAP. O Suzuki S-Cross é oferecido em quatro diferentes versões: além da 4Style-S All Grip, aqui apresentada, pode ser encontrado nas configurações de tração dianteira 4You 2WD e 4Style 2WD, e ainda na 4Style All Grip de tração integral.

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Manobra no MIG-15 Fagot: joia dos anos 1950 nos céus da República Checa

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v ento P o r a n d r é b o rg e s lo p e s

top gun de aluguel Uma lista com os mais emocionantes aviões de combate para você locar nos Estados Unidos e na Europa

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SPITFIRE

POR QUE VOAR

COMO FUNCIONA

EMBARQUE

QUANTO CUSTA

Muita gente considera o Supermarine Spitfire o caça mais bonito da Segunda Guerra Mundial. Outros dão de ombros. Seja como for, todos concordam que foi arma fundamental para decidir a Batalha da Inglaterra naquele inesquecível verão de 1941, quando os britânicos enfrentavam, na prática sozinhos, a máquina de guerra da Alemanha nazista. Projetado em 1936 por Reginald Mitchell, a partir de um aeroplano de competição, suas primeiras versões entraram em serviço em 1939 e encantaram os pilotos pela grande potência do motor V12 Rolls-Royce e pela facilidade de manobra. Novas versões aperfeiçoadas surgiram durante a guerra, e mais de 20 mil unidades foram fabricadas até 1948. boultbeeflightacademy.co.uk

Entrar como passageiro no cockpit apertado de um legítimo caça puro-sangue inglês da Segunda Guerra, e ainda fazer acrobacias sobre os cenários onde se travaram as batalhas aéreas que definiram a história do século 20, já seria o bastante para qualquer amante da aviação. Mas, se quiser, você ainda pode voar com a namorada num avião ao lado. E até pilotar o monstro.

Os voos são feitos em caças Spitfire Mark H.F.IX originais, fabricados no final dos anos 1940. Eles foram cuidadosamente restaurados e tiveram um segundo assento instalado para permitir voos com instrutor e aluno. Seu motor Rolls-Royce Merlin desenvolve até 1.720 HP e leva o avião a uma velocidade máxima de 644 km/h.

A Boultbee Flight Academy funciona no aeródromo Goodwood, uma antiga base da Royal Air Force em West Sussex, litoral sul da Inglaterra, a duas horas de carro de Londres. Ocasionalmente, são oferecidos voos em outras localidades do Reino Unido, mas esse aeródromo tem a vantagem de contar com belos cenários e um espaço aéreo liberado para acrobacias.

Um voo básico de 30 minutos sobre o Canal da Mancha custa cerca de US$ 4.000. Se você quiser sobrevoar a Ilha de Wight e as famosas White Cliffs, a conta sobe para US$ 6.800.

ATENÇÃO Para quem já é piloto, a Boultbee Flight Academy oferece programas de conversão para o Spitfire. Vez por outra, eles têm um caça disponível para venda.

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P-51 MUSTANG

POR QUE VOAR

COMO FUNCIONA

EMBARQUE

QUANTO CUSTA

No filme Império do Sol, de Steven Spielberg, há uma cena antológica em que o garoto interpretado por Christian Bale assiste a um ataque aéreo ao campo japonês onde está preso e grita em êxtase: “P-51, o Cadillac dos céus”. Este era um dos apelidos do North American P-51 “Mustang”, o caça de longo alcance que entrou em serviço em 1942 e se tornou o anjo da guarda dos bombardeiros que atacavam o coração da Alemanha e, mais tarde, as bases japonesas no Pacífico na Segunda Guerra. Mais de 15 mil foram produzidos, em 20 versões – que continuaram operando em 55 forças aéreas de diversos países, por décadas a fio, após o fim da guerra. Os últimos exemplares só saíram de serviço em 1984. vintage.flights collingsfoundation.org

Com um motor V-12 de 1.500 HP similar ao do Spitfire, tanques de gasolina ejetáveis sob as asas e um desenho de rara elegância, o P-51 foi um caça capaz de superar os melhores aviões do Eixo em dogfights sobre a Alemanha e ainda retornar em segurança às bases na Inglaterra. Charmoso, era o preferido dos pilotos para mandar fotos às garotas.

Há raríssimos Mustangs no mundo configurados para dois tripulantes – com a opção de duplo comando que permite ao segundo piloto “sentir o avião”. Nós encontramos dois, um na Europa outro nos EUA. O europeu tem a capota do cockpit característica das últimas versões, em formato de bolha, que garante uma excepcional visibilidade.

Se você quer voar sobre o norte da Europa, cenários onde os americanos enfrentaram as mais duras batalhas, seu avião está na Vintage Dream Factory, em Antuérpia, Bélgica. Caso prefira voar na terra natal dos P-51, sobre os lagos e bosques de Massachusetts, escolha o avião da Collings Foundation, que fica a uma hora de carro da cidade de Boston.

Um voo de meia hora na Bélgica custa US$ 2.700, e pode incluir acrobacias. Nos EUA, são US$ 3.200 pela hora completa. Os dois programas incluem explicações detalhadas sobre a aeronave e a possibilidade de gravar em vídeo sua experiência.

FOTOs: divulgação

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ATENÇÃO A partir de 1943, com motores Rolls-Royce Merlin, os P-51 se tornaram capazes de superar os 700 km/h.

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T-6 TEXAN

POR QUE VOAR

COMO FUNCIONA

EMBARQUE

QUANTO CUSTA

Nos anos da Segunda Guerra Mundial, o North American T-6 Texan era conhecido como “fábrica de pilotos”. Projetado em 1935 por James “Dutch” Kindelberger, é um dos aviões militares mais famosos da história, com cerca de 15 mil unidades construídas. Dizem que 70% dos caçadores dos países aliados fizeram parte da sua formação em uma das muitas versões desse treinador avançado – a última etapa antes de subir nos caças de primeira linha e ir para as missões de combate. Os “Tê-Meia” possuem os traços elegantes dos war birds da época, um motor radial muito potente em relação ao seu peso e uma grande docilidade aos comandos – o que faz dele um excelente avião para acrobacias aéreas. warbirdadventures.com

Para os brasileiros, o T-6 tem atrativos adicionais. Além de ter formado nossos pilotos de caça que lutaram na Itália, o modelo equipou a primeira “Esquadrilha da Fumaça” da Força Aérea Brasileira, que encantou duas gerações de brasileiros entre 1952 e 1974. Dezenas deles foram feitos aqui no Brasil, em Lagoa Santa (MG), com motores fabricados na FNM, antes dos caminhões.

Como toda aeronave de treinamento, o T-6 tem lugar para instrutor (atrás) e aluno (na frente), com duplo comando. O motor radial Pratt & Whitney Wasp de nove cilindros produz um ronco inigualável e libera 600 HP, suficientes para levar o avião acima dos 300 km/h, fazer subidas quase verticais, loopings, tuneaus e voos invertidos.

É simples e barato de ser mantido. Por isso, há dezenas de T-6s voando em muitos países, inclusive no Brasil. Uma das opções de voo mais profissionais é a da Warbird Adventures, que opera no Kissimmee Gateway Airport, próximo aos parques da Disney em Orlando, Flórida. Dá para deixar as crianças se divertindo com o Mickey e ir brincar de piloto de caça trainee.

Os T-6s são o entry level dos aviões clássicos, com preços bem razoáveis. O voo básico, com 15 minutos no ar, custa US$ 300. Voos acima de meia hora (US$ 500) dão direito a acrobacias.

ATENÇÃO Em Kissimmee há um pequeno museu, com aviões de diversas épocas: desde uma réplica do Demoiselle de Santos-Dumont até jatos de combate e treinamento.

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FOUGA MAGISTER

POR QUE VOAR

COMO FUNCIONA

EMBARQUE

QUANTO CUSTA

Depois da terrível experiência da ocupação nazista de 1940-45, a França do general De Gaulle dedicou-se a reconstruir o seu poderio militar – sempre que possível com tecnologia própria. Boa parte desse esforço se deu na aviação: a Armée de l'Air orgulha-se de ser uma das mais poderosas forças aéreas do mundo, operando basicamente aviões franceses – alguns dos quais se tornaram célebres em combate, como os Mirage. Projetado no início dos anos 1950, o jato Fouga CM.170 Magister foi o treinador avançado onde se formou a elite dos chevaliers du ciel – os pilotos de caça na linha de frente contra a ameaça soviética na Guerra Fria. flyajetfighter.com/ patrouillefougamagister.com

O Magister é um treinador leve e de desenho elegante – sua cauda em “V” veio de um planador – com ótimas habilidades acrobáticas. Entre 1964 e 1980, foi o avião da Patrouille de France, a esquadrilha de demonstração francesa. Usado como avião de ataque por Israel em 1967, deteve a ofensiva dos tanques da Jordânia na Guerra dos Seis Dias.

Ele leva dois tripulantes (instrutor e aluno) e simula as condições de voo dos aviões de caça dos anos 1950. Leve, seguro e muito manobrável, é movido por dois pequenos motores a jato posicionados junto à fuselagem. Ganha altura com muita rapidez e atinge com facilidade velocidades na casa dos 700 km/h.

Há diversos Magister em operação mundo afora, muitos como aviões particulares. Mas o charme é voar em um deles nos céus da França. Duas empresas oferecem essa possibilidade. A Patrouille Fouga Magister opera uma esquadrilha acrobática baseada na cidade de Rennes, na Normandia. Já a Fly a Jet Fighter oferece diversas opções de locais de voo.

Um voo de meia hora nas imediações de Paris sai por cerca US$ 2.500. O mesmo programa em Rennes custa US$ 2.200 – e lá existe a opção de voar em formação com um convidado num segundo Magister, por US$ 4.500.

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ATENÇÃO Nos anos 1970, a Esquadrilha da Fumaça chegou a usar uma versão dos Magister.

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MIG-15 FAGOT

POR QUE VOAR

COMO FUNCIONA

EMBARQUE

QUANTO CUSTA

Quando estourou a Guerra da Coreia, em junho de 1950, os norte-coreanos tinham apenas velhos aviões da Segunda Guerra, que logo foram destruídos pelas forças da ONU. O quadro mudou no final do ano, quando aviões britânicos, australianos e americanos começaram a ser derrubados por um misterioso caça a jato extremamente rápido e manobrável, que até então o Ocidente desconhecia. A surpresa obrigou os EUA a mandarem às pressas para o front seu melhor avião de combate, o recém-lançado F-86 Sabre, único caça ocidental capaz de fazer frente aos mortíferos Mig-15 soviéticos. Nos meses seguintes, os céus sobre o vale do rio Yalu presenciaram os primeiros dogfights entre aviões a jato da história. migflug.com

O Mig-15 é uma amostra da engenhosidade rústica dos aviões soviéticos dos anos 1940-50. É, na prática, um motor a jato equipado com asas, sobre o qual instalaram um piloto, um tanque de combustível e três canhões. Simples, barato e letal. Ao aparecer nos céus da Coreia do Norte, deixou claro ao Ocidente que a Guerra Fria já tinha começado, e que ela não seria um passeio.

Embora tenham sido fabricados mais de 17 mil aviões, há poucos Migs-15 em condições de voo ao redor do mundo, a maioria em museus ou coleções particulares. Mais raras ainda são as versões de dois lugares para instrução, nas quais o passageiro pode sentir toda a potência e agilidade desse caça, que chega a atingir o limiar da velocidade do som.

Nada mais adequado do que decolar um Mig de uma base aérea militar dos tempos da Guerra Fria, com hangares camuflados, ao lado da charmosa cidade medieval de Hradec Králové, na região da Boêmia, República Checa. A programação fica a cargo da agência suíça MiGFlug & Adventure, que se encarrega de buscá-lo na capital, Praga, a uma hora e meia de viagem por terra.

Um voo básico com 20 minutos no ar custa US$ 3.400. Um passeio de 45 minutos pelas paisagens da região da Boêmia sai por US$ 5.200. Por mais US$ 300 você recebe um vídeo do seu voo.

ATENÇÃO Ao lado do seu irmão mais novo (o Mig-17, que estreou em 1952) o Mig-15 ainda está em serviço ativo na força aérea norte-coreana.

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MIG-29 FULCRUM

POR QUE VOAR

COMO FUNCIONA

EMBARQUE

QUANTO CUSTA

Na década de 1970, os EUA desenvolveram uma nova geração de caças, muito mais capazes, na qual se destacavam os F-16 e F-18. A resposta soviética foi o Mig-29, o último projeto do lendário Escritório de Design Mikoyan & Gurevich nos anos da Guerra Fria. Apelidado “Fulcrum” (ponto de apoio, em latim), o caça entrou em serviço em 1982 e surpreendeu pela enorme potência dos seus motores e pela capacidade de manobra, até então inédita para um avião dessa categoria – e que superava a das aeronaves ocidentais. Quando a Alemanha foi reunificada, o Mig-29 se tornou o único avião oriental a ser mantido na nova Deutsche Luftwaffe. O modelo ainda serve na linha de frente de diversas forças aéreas. migflug.com

Para um civil que sonha em voar acima da barreira do som, o Mig-29 é hoje a única alternativa disponível. Apesar de antigo, é um avião de combate ainda ativo. E uma das opções de voo permite chegar acima dos 20 km de altura, a experiência mais próxima de um voo orbital, ao menos enquanto as espaçonaves turísticas da Virgin Galactic e da Blue Origin não ficarem prontas.

O “Fulcrum” é um caça multifunção de 4ª geração, com motores tão potentes que pode ganhar altura na vertical, fazer curvas que submetem os pilotos a forças de até 9G (nove vezes a gravidade terrestre) e voar a Mach 2,25 (2.400 km/h). Dá para se sentir um top gun por alguns minutos, sem depender da imaginação e das telas de cinema.

O voo é feito em aviões de combate ativos, a partir da base aérea militar russa de Sokol, na cidade de Níjni Novgorod, 400 km a leste de Moscou. A agência suíça MiGFlug & Adventure cuida de todos os detalhes burocráticos, providencia o transporte e um city tour em limusine a partir do seu hotel.

O voo de 25 minutos, com acrobacias mas sem quebrar a barreira do som, custa US$ 15.500. Para chegar a Mach 2 é preciso um voo de 45 min, que sai por US$ 18.000.

ATENÇÃO Inscreva-se com 60 dias de antecipação pois os militares checam seus antecedentes. Melhor apagar comentários sobre o Putin nas redes sociais.

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e sti lo P o r WALT ERSO N SARDE N BERG Sº

Hóspedes do barulho Comportados ou escandalosos, discretos ou exibicionistas, eles misturaram suas biografias à dos mais célebres hotéis do mundo

Casa do Tumulto

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á para ver no YouTube. Em parceria com o saxofonista Bobby Keys, o guitarrista Keith Richards atirou um aparelho de TV, daqueles pesadões, da varanda do quarto 1.015, no 10º andar do Hyatt West Hollywood, em Los Angeles. Corria o ano de 1972, e justificou o apelido do hotel: “Riot House”, ou Casa do Tumulto, trocadilho com o nome. Três anos depois, o Led Zeppelin e sua comitiva também botaram para quebrar no Hyatt. Motos invadiram o lobby. Das varandas, voaram garrafas de Dom Pérignon. Não faltaram groupies, aquelas fãs que não se contentam em frequentar o backstage das bandas – também querem a recíproca. A festinha teve tantos aditivos que o vocalista Robert Plant urrou de uma varanda: “Eu sou um deus dourado!”, fato que inspirou uma sequência de Quase Famosos, rodado por Cameron Crowe em 2000. Teve mais. Axl Rose, dos Guns N’ Roses, atirou comida aos fãs. O líder do Slipknot, Corey Taylor, quase bateu as botas. O Blur improvisou uma sala de vapor num banheiro, ligando a água quente ao máximo em todas as torneiras e tampando as saídas de ar. Enfim, o lugar virou o hotel dos roqueiros por aclamação. Até porque o Pai do Rock (cabem as maiúsculas), Little Richard, morou no quarto 319 por mais de uma década. Por fim, o hotel trocou as varandas, que permitiam às estrelas “causar”, por indevassáveis janelões de vidro. Trocou até de nome. Hoje é o comportado Andaz West Hollywood – embora, bem-humorado, tenha batizado o seu bar/restaurante de Riot House.

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Keith Richards aprontou um bocado no Andaz West Hollywood, hoje sem as varandas devassadas, de onde os roqueiros atiravam TVs e garrafas de champagne

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Tatu infernal

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nova-iorquino The Mark Hotel, inaugurado em 1927, é classudo. Seus funcionários usam trajes da loja londrina Turnbull & Asser e sapatos John Lobb. Em cada quarto, em vez do acanhamento do minibar e suas miniaturas, há o conforto de um bar de verdade, com garrafas em dimensões normais. Talvez por isso Johnny Depp e sua então namorada, Kate Moss, tenham se excedido ao longo da estadia, em 1994. O ator americano e a modelo britânica decerto tinham coisas melhores para fazer. No entanto, a dupla botou abaixo tudo ao redor, mesmo hospedada naquele que a Bilanz, a principal revista de negócios da Suíça, considera o melhor hotel urbano do globo. Aparentemente, Depp e Kate brigaram feio depois de entornarem além da conta. Os tiras apareceram. Quando a policial Eileen Perez abriu a porta, deparou-se com o espetáculo desolador. “E lá estava Depp sentado, fumando um cigarro com toda a tranquilidade deste mundo”, contou. O ator tinha uma explicação: ele e Kate eram inocentes; todo o estrago havia sido causado por um tatu que, após a súbita aparição, se escondera no armário. Apesar do argumento, Johnny Depp se viu levado à delegacia, onde amargou horas detido. Pagou US$ 10 mil de indenização. O tatu infernal jamais foi encontrado.

FOTOs: divulgação, wikimedia commons

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Cole Porter (acima) morou 25 anos na suíte de cinco quartos do Waldorf Astoria, que Sinatra fez questão de alugar tão logo o compositor morreu

You're the top

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Waldorf Astoria está fechado. O hotel nova-iorquino de 41 andares, inaugurado em 1931, reabrirá só daqui a dois anos, tal a extensão da reforma. Quando ela começou, no início de 2017, eram 1.413 quartos. O número deverá ser reduzido a 350. O resto do espaço será dividido em apartamentos, de modo que o Astoria se transformará num híbrido de hotel e condomínio. Espera-se que o dono – o grupo chinês Anbang – tenha o bom senso de manter intactos não só o glorioso lobby e outras áreas comuns (que nada têm de comuns), mas também certas suítes. Como aquela em que o compositor Cole Porter morou

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por 25 anos, com cinco quartos, cinco banheiros e 400 metros quadrados de área. Tão logo Porter morreu, em 1964, Frank Sinatra adiantou-se e assumiu o contrato. A estadia de “The Voice” se estendeu até 1988. Sinatra manteve boa parte da decoração deixada pelo compositor, incluindo o piano em que, entre outras pérolas, ele criou “You're the Top”. Na canção, Porter lista o melhor entre os melhores, com destaque para o Louvre, um soneto de Shakespeare e... o Mickey Mouse.

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Marilyn, Liz Taylor e as outras

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o reservar suas acomodações no Beverly Hills Hotel, de Los Angeles, escolha. Pode ser o bangalô 5. Ali, Elizabeth Taylor passou seis de suas oito luas de mel ­– três delas de cara cheia com o eterno cara-metade Richard Burton. Ou o 4, onde o recluso milionário Howard Hughes, à maneira de Pilatos, lavava as mãos – só que, obsessivo, centenas de vezes ao dia. Ou, ainda, o de número 7, hoje batizado de Norma Jean, nome verdadeiro de sua hóspede mais conhecida, Marilyn Monroe. Se bem que MM também se alojou no bangalô 20, cenário de horas furtivas com o ator e cantor francês Yves Montand. Os dois se aproximaram – e como! – quando rodaram um filme de nome insinuante: Let’s Make Love (também evocativo em sua tradução brasileira, Adorável Pecadora). Enquanto isso, Simone Signoret, mulher de Montand, descansava no bangalô 21. O adultério das estrelas de Hollywood teve o seu melhor refúgio nos 12 hectares de luxuriantes jardins do hotel, inaugurado em 1912. O Palácio Cor-de-Rosa, como até hoje

FOTOs: divulgação, reprodução

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é conhecido, deu guarida aos encontros de Vivien Leigh com Laurence Olivier. Também Spencer Tracy e Katharine Hepburn iniciaram seu romance secreto no hotel, onde, em 1960, o futuro presidente John Kennedy manteve um bangalô para arregimentar jovens estrelas entusiastas de sua candidatura.

Marilyn posou nos jardins do hotel, onde se hospedava no bangalô 7. Na outra foto, a piscina dos aposentos de Liz Taylor

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Aqui morou Chanel

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A suíte 302 do Ritz de Paris em dois momentos: hoje e nos idos em que a estilista francesa ali viveu por 37 anos

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ente se lembrar de alguém rico e elegante nos últimos 120 anos. É provável que tenha se hospedado no Ritz, instalado por César Ritz na praça Vendôme, o trecho mais valorizado de Paris – o único hotel que virou adjetivo: ritzy, ou seja, chiquérrimo. Nenhum desses hóspedes, todavia, representou tanto para a elegância quanto Coco Chanel. Nem permaneceu tanto tempo no Ritz. Foram 37 anos na suíte 302. A estilista fez o check-in em 1934. Morreu no Ritz em 1971, aos 87. A longa estada contemplou até o caso que teve com um oficial alemão durante a invasão de Paris – e lhe custaria o desprezo dos franceses no imediato pós-guerra, até que ela voltasse às passarelas com força total.

Muito antes de se tornar hóspede, a dama da alta-costura lançou, em 1923, no salão de chá do Ritz, o primeiro perfume com o nome de um estilista. Sim, o Chanel nº 5 – o pijama de Marilyn Monroe. Talvez por isso, o hotel tenha lhe aberto um precedente, permitindolhe decorar a própria suíte. O Ritz passou por várias reformas, a mais recente terminada em 2016. A suíte de Coco Chanel, ainda assim, permanece como ela deixou, com os espelhos, peças chinesas, lampadários de cristal e sofás e divãs acolchoados.

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Maldição e glória em Hollywood

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John Belushi e Helmut Newton: destinos trágicos no Chateau Marmont

FOTOs: divulgação, reprodução

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erminado em 1929, ele lembra um castelo de conto de fadas. Talvez seja por isso que Robert De Niro morou dois anos no Chateau Marmont, em Los Angeles. Escolheu a suíte 64, na cobertura, com vista panorâmica de Hollywood de seu terraço privativo de 139 metros quadrados. De Niro entende de hotel. É dono do The Greenwich, em Nova York. O inegável charme do Chateau Marmont não esconde uma ponta de maldição. Nos anos 1930, em meio à lua de mel com o terceiro marido, a atriz Jean Harlow achou tempo para escapadelas com Clark Gable. Na mesma década, o escritor F. Scott Fitzgerald sofreu um ataque cardíaco no hotel. Vinte anos depois, a atriz Natalie Wood chegava, acompanhada do diretor Nicholas Ray. Ele tinha 44 anos. Ela, 16. Pouco mais de uma década adiante, o cantor Jim Morrison se acidentou ao tentar pular do telhado para o quarto. A história mais sinistra do Marmont é a do ator John Belushi, que morreu em 1982, aos 33 anos. Overdose. Em 2004 o fotógrafo Helmut Newton saiu, acelerou e bateu num muro do outro lado da rua – também morreu. Talvez para amainar o clima tenso, naquele mesmo ano Scarlett Johansson e Benicio Del Toro, entusiasmados, ensaiaram ali uma cena de sexo quase completa. Dentro do elevador.

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A janela que encantou Claude Monet

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onet passou menos de três meses em Veneza. Chegou em 8 de setembro de 1908. Retirou-se em dezembro. A curta temporada resultou mais do que produtiva. Fascinado por aquela que é, nas palavras do romancista Thomas Mann, “a mais inverossímil das cidades”, o pintor francês realizou um tour de force. Foram 37 telas. E olhe que ele já estava com 68 anos, sofrendo de catarata. De início, Monet e sua terceira mulher, Alice, se hospedaram no Palazzo Barbaro, de frente para o Grande Canal, a convite de um rico colecionador de arte. Com o passar dos dias, achando que estava abusando da hospitalidade, o casal se transferiu para o hotel Britannia, num prédio vizinho. Em uma carta de 16 de outubro de 1908, Alice Monet escreveu: “Se tal coisa for possível, a visão é ainda mais bonita que a o Palazzo Barbaro”. A paisagem observada da janela, tendo em frente a basílica

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Santa Maria della Salute, do século 17, era tão inspiradora que Monet pintou-a várias vezes, em horários diferentes. Ele escolheu outros trechos da cidade, sim. Mas sempre voltava a pintar a partir da janela do hotel Britannia, que, ao longo das décadas, foi vendido, trocou de nome e acabou anexado a outros quatro prédios, hoje reunidos sob o nome Westin Europa & Regina Hotel. O quarto onde Monet e Alice se hospedaram equivale ao apartamento 453 de hoje. O pintor fez planos de retornar a Veneza. Não deu. A saúde de Alice se agravou e ela morreu três anos depois.

Aos 68 anos e com catarata, o artista francês pintou 37 quadros em Veneza. Em menos de três meses de estadia

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O refúgio de Churchill na África

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paxá Thami El Glaoui morava no hotel George V, em Paris, com seis belas francesas. Era um homem generoso. A cada uma presenteou com um Rolls-Royce. A frota ficava bem na entrada. Ao hospedar-se em Paris, o paxá aprendia lições a serem utilizadas em seu próprio hotel: o suntuoso La Mamounia, de Marrakesh, no Marrocos, inaugurado em 1923. A mescla de art déco com arquitetura árabe do La Mamounia é tão cinematográfica que os cineastas Von Sternberg e Hitchcock aproveitaram. O primeiro rodou ali cenas de Marrocos, em que Marlene Dietrich beija uma mulher na boca – isso em 1930! Já Hitchcock usou o lugar em O Homem Que Sabia Demais, de 1956. Também Winston Churchill exercitava pendores artísticos no La Mamounia. Amigo do paxá, desfrutou de sortidas férias no hotel, a partir dos anos 1930. Levava tintas e pincéis.

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O primeiro-ministro brilhou como militar, político, historiador, jornalista, orador, frasista e escritor – sim, Nobel de literatura. Mas era um pintor meia boca. Isso não o impediu de produzir mais de 60 telas, várias inspiradas nos jardins do Mamounia. Seu rendimento só diminuiu ao longo da Segunda Guerra Mundial, quando terminou apenas um quadro – e o fez em Marrakesh. A suíte de 120 metros quadrados em que Churchill se hospedava é mobiliada em estilo inglês e agora decorada com fotos do estadista. Lá está um quadro a óleo inacabado, da lavra do premiê.

A suíte do premiê no La Mamounia, em Marrakesh: tão britânica quanto o hóspede. E muito melhor do que os quadros dele

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Salvador Dalí e o trono do rei

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alvador Dalí adorava o rei espanhol Alfonso 13, bisavô do atual, Filipe 6º. Por isso, teve um faniquito ao descobrir que o assento do vaso sanitário, de madeira, da suíte Royal do Le Meurice em Paris, havia sido trocado por outro, de plástico. Motivo: o assento fora utilizado por Alfonso 13 quando hóspede da suíte de 110 metros quadrados, resultado da junção dos apartamentos 106 e 108. Em deferência a Dalí, o “trono real” logo retornou ao banheiro. Foi o de menos. Tudo era permitido no Le Meurice ao pintor espanhol. Essa licença especial, dizem, se originava do fato de Dalí presentear os donos do hotel com desenhos e quadros. Apesar de seus exageros, suas estadas eram lucrativas. Dalí hospedou-se na suíte Royal ao longo de três décadas, sempre em dezembro. Certa vez, encomendou um cavalo, a ser entregue na suíte. Em outra, requisitou um rebanho de ovelhas. Avistou os caprinos ainda no hall e não teve dúvida: sacou uma pistola e passou a atirar. Para

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a l ív io gera l, a s ba las era m de festim. Dalí também costu mava circular com suas duas jaguatiricas de estimação. O único problema: ambas acreditavam que os tapetes estavam inclusos no menu-degustação. Em 2007, o designer Philippe Starck remodelou o Le Meurice e refez o restaurante, batizado de Dalí. Pouco mexeu, contudo, na suíte Royal, decorada com antiguidades. Ainda assim, o “trono real” não está mais lá. Dalí comprou a relíquia e levou-a para casa, em Port Lligat, na Catalunha.

As jaguatiricas do pintor acreditavam que os tapetes estavam no menudegustação do Le Meurice

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Um pijama para John e Yoko

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ohn Lennon e Yoko Ono se casaram no dia 20 de março de 1969, em Gibraltar. Cinco dias depois, assinavam a ficha no Hilton de Amsterdã, na Holanda, para começar o bed-in – algo como uma semana de lua de mel de portas abertas. Quando os repórteres entraram no quarto, onde havia apenas uma cama, podiam imaginar que o casal estaria repetindo a nudez pública da capa do LP Two Virgins, lançado um ano antes. Mas não. Ao invés, John e Yoko, cercados por cartazes pacifistas, trajavam discretos pijamas. Era apenas uma manifestação contra a guerra – em especial, contra a intervenção americana no Vietnã –, emulada na violência-não violenta de Gandhi. John explicou na letra de "Ballad of John and Yoko": “Dirigi de Paris para o Amsterdã Hilton/ Falando em nossa cama por uma semana/ Os jornais disseram: ‘Diga o que você está fazendo na cama’/ Eu disse que estamos apenas tentando nos dar um pouco de paz”. John e Yoko tentaram repetir o bed-in em Nova York. Mas já então o casal era malvisto pelo FBI. O jeito foi viajar em maio

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para o Canadá e bisar a “semana de paz” do hotel Queen Elizabeth, em Montreal. Passados 49 anos, os quartos se transformaram em homenagens a John Lennon. O de número 902 (hoje, 702), em Amsterdã, refigurado sob a supervisão de Yoko Ono, é decorado com materiais simples e naturais, como madeira, pedras e vidro. No teto, as nuvens da capa do álbum Live Peace in Toronto, da Plastic Ono Band. A suíte 1.742 do Queen Elizabeth, em Montreal, passou por mudança mais drástica. Tem agora peças inspiradas em John e Yoko. Mas a maior mudança é o uso da realidade virtual para fazer o hóspede voltar aos idos em que o ex-beatle queria só uma chance para a paz.

O casal no hotel Queen Elizabeth em Montreal, no Canadá: lua de mel de portas abertas

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Você usa dinheiro invisível para comprar um escudo que o torne anônimo. E aí passa a navegar em um navio fantasma por um oceano cego. Assim funciona a DARK Web

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I NTER N E T P o r ro n a l d o b re ss a ne

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e você usa a internet para navegar por links como Google, YouTube, Facebook, Amazon, portais, jornais, revistas, blogs e sites culturais, de bens e serviços, saiba que essa é apenas a ponta do iceberg. Somente 4% permanecem na superfície, a chamada Surface Web, ou cerca de 4 bilhões de links. Mais para baixo entramos em domínios não indexados, ou seja, não mapeados por sites de busca como Google, Yahoo! e Bing. Estamos na Deep Web, cujo tamanho é de 500 vezes o da internet visível. Ali está tudo o que não foi indexado por um buscador. São todos os dados por trás de firewalls. Pense em gigantescas bases de dados: e-mails, fóruns, intranets para negócios, sites protegidos por senhas, serviços por streaming, conteúdos governamentais, todo tipo de arquivo guardado por uma empresa – dos dados da Nasa a previsões do tempo, passando por diretórios com informações de bancos, universidades, organizações públicas, games, aplicativos. Cerca de 90% da Deep Web é acessível. Já a Dark Web é um pequeno território da Deep Web, penetrável apenas por meio de um navegador Tor, que permite navegar anonimamente. Acrônimo de The Onion Router, criado

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por militantes pela internet anônima e livre, o Tor é capaz de entrar em sites não indexados pelo Google ou outros buscadores, os domínios .onion (aqui se usa a metáfora da cebola, porque as redes ficam escondidas por camadas e mais camadas, dificultando o rastreamento). Para baixo da superfície, voltamos à internet dos bons e velhos tempos, quando não havia portais nem blogs ou redes sociais, e o navegante precisava ficar caçando listas de links para chegar no que o interessava. Não há nada ilegal em recorrer ao Tor. Ali, o buscador mais usado é o DuckDuckGo, que também garante uma busca anônima – e jura que não vai vender suas pesquisas para outras empresas, como faz o Google. Os sites dentro do Tor utilizam a extensão .onion. Daí esse espaço ser apelidado Onionland. Cerca de 10% da Dark Web é segura. Ok, você pode querer só dar uma espiada no movimento. Mas, dependendo de como e onde você se movimentar, é possível de fato ultrapassar os limites da legalidade. Há links úteis a quem necessite manter o anonimato que mantém uma proximidade com aquela visão libertária detida pela internet em seu princípio. Como o Sci-Hub, plataforma que armazena e disponibiliza cerca de 50 mi-

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lhões de pesquisas científicas do mundo inteiro. Ou a ProPublica, agência de jornalismo investigativo já premiada pelo Pulitzer (e na mesma linha existe o site The Intercept, liderado pelo jornalista britânico Glenn Green­wald). E há enciclopédias como a HiddenWiki, com os links para conteúdos controversos que não se encontram na WikiPedia. Ziguezagueando por sobre a fronteira da Dark Web, você pode fazer coisas ilegais – mas moralmente defensáveis. Como acessar o Twitter no Irã, onde a rede de microblogs é travada pelo governo: o VPN usado para ativar o Tor torna possível a navegação em sites bloqueados. Ou se conectar ao Facebook na China – pois é, apesar de todo o verniz capitalista, a China continua sendo uma ditadura. Se você é um ativista, pode usar a Dark Web para criar redes entre whistleblowers com o objetivo de vazar documentos para provar a corrupção de empresas ou governos opressores, conforme atuou o WikiLeaks. Pode acessar redes de mensagens entre perseguidos, refugiados, militantes políticos ou religiosos, jornalistas e dissidentes cujas vidas correm risco. Você pode até, ali no limite do ilegal, baixar filmes inacessíveis em seu país, por intermédio de serviços como Netflix, Hulu ou Amazon. No hacktivismo, prega-se o livre acesso a toda e qualquer informação. Por esse viés, ver filmes piratas não deveria ser um delito que o levasse à cadeia. A Dark Web existe desde o início da internet, nos anos 1970 – quando estudantes da Universidade Stanford e do MIT (Massachusetts Institute of Technology) usavam a então chamada

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Arpanet para traficar maconha. Sempre é bom lembrar que a internet foi criada por cientistas e militares dos Estados Unidos como um meio de comunicação indestrutível depois que uma eventual Terceira Guerra impossibilitasse todos os outros meios. Portanto, a rede obscura existiu desde sempre – e provavelmente existirá para sempre. Calcula-se haver entre 10 mil e 100 mil sites ativos na Dark Web. A próxima fronteira Somente desde 2006 passaram a funcionar na Dark Web os mercados negros da pesada – tudo evidentemente turbinado a bitcoins e a outras moedas eletrônicas como litecoin, monero e ethereum. É preciso lembrar o leitor de que a Dark Web é o playground favorito dos hackers, seu

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A Dark web existe desde o início da internet, nos anos 1970. E provavelmente existirá sempre

hábitat natural. Daí que todo cuidado é pouco: apague todos os seus traços, nunca passe informações pessoais que possam deixá-lo descoberto, não confie em ninguém, e, claro, jamais forneça qualquer dado financeiro real. As negociações em bitcoins seguem protocolos próprios – como, por exemplo, transferir seus bitcoins para uma carteira segura, e não diretamente para a conta da pessoa com quem se negocia. Caso esteja interessado em take a walk on the wild side, você necessita uma navegação 100% anônima e segura. Para começar, faça como nosso amigo Mark Zuckerberg: desligue e bloqueie o microfone e a câmera de seu computador. E nem pense em navegar nesse submundo via rede wi-fi pública: o hacker mais vagabundo entra em qualquer objeto ligado a uma rede aberta. Recentemente um deles, entendiado, preso em um engarrafamento, monitorou de

seu carro um outdoor eletrônico próximo da rodovia – e passou a transmitir filmes pornôs. Os motoristas enlouqueceram. Até a rede da sua casa pode ser facilmente infiltrada. Assim, quem precisa garantir privacidade e segurança tem de adquirir uma rede VPN, virtual private network, antes mesmo de entrar no Tor. Para assegurar mais privacidade, a compra da VPN deve ser feita em bitcoins. Em outras palavras: você usa um dinheiro invisível para comprar um escudo que o torna anônimo. E daí navega em um navio fantasma por um oceano cego. Com tais proteções, o navegante pirata só será detectado por gente como Elliot Alderson, o genial hacker de Mr. Robot, série da Amazon. Partindo de um buscador específico para domínios .onion como o Torch, ou por meio de uma pesquisa em sites-espelho da HiddenWiki, em três ou quatro cliques você acha sites que vendem todo tipo de substância – e entregam onde você quiser. Plantas medicinais quase impossíveis de obter, vegetais psicoativos, fármacos criados em laboratório para toda sorte de efeito (do mais terapêutico ao mais estupefaciente), drogas legais mas de venda controlada, drogas ilegais – e mesmo aquilo que você tem até vergonha de pensar.

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Contudo, depois que a Silk Road, principal mercado negro, foi desmantelada em 2013 pelo FBI, e seu criador, Ross Ulbricht, colocado no corredor da morte por causa de uma suspeita contratação de matador de aluguel, os mercados negros mudam de endereço quase todos os dias. Como um pântano, a Dark Web está constantemente mudando, com sites surgindo e sumindo o tempo todo. Cada site tem protocolos específicos para suas transações, uma vez que há muitos policiais, espiões, hackers e bandidos prontos para cair em cima de um usuário distraído. Pode ser muito menos perigoso ir direto até a boca de fumo da favela mais próxima do que receber uma visitinha do Japonês da Federal. Não são as drogas, porém, as estrelas dos mercados negros. É possível comprar documentos, autorizações, cartões de seguridade social, vistos, passaportes, contas bancárias, números de cartões de crédito, cédulas e placas de automóvel, senhas para acessar PCs corporativos... Em um par de cliques você forja toda uma nova identidade, pagando somente um dólar. Contas reais de eBay, PayPal, Facebook, Netflix, Amazon e Uber com meses ou anos no histórico são oferecidas por US$ 300. Armas, é claro, são as mercadorias mais procuradas. E não estamos falando apenas em códigos e serviços que providenciam ciberataques, softwares maliciosos e qualquer gênero de vírus. Armas de verdade: de uma garrucha do século 18 até bazucas, passando por rifles, metralhadoras, granadas e drones somente usados pelas forças armadas de Israel, da Rússia ou dos EUA. Algumas peças são entregues em partes, separada-

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mente, e outras podem chegar às suas mãos por meio de um portador. Tudo depende de quanto bitcoin você tem para gastar. You’re under arrest Se você pode comprar armas, por que não poderia contratar um assassino? Matadores de aluguel existem desde os primórdios da humanidade – mudaram somente os métodos para a contratação. A maioria dos sites que anuncia assassinos é fake, obviamente, e o leva direto para a polícia ou para espertinhos que vão te depenar. Os hitmen são encontráveis num boca a boca eletrônico, por meio de links escondidos em fóruns ou em

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Em matéria de sexo, você encontra sites que fariam corar o marquês de sade

sites de mercado negro só acessíveis depois que você se provar um cliente cauteloso. Dois anos atrás, o site Besa Mafia, supostamente ligado à máfia albanesa, foi denunciado como fake: era uma armadilha da polícia para capturar criminosos. De homicídios comuns para o terrorismo basta um clique. Mão de obra para terroristas do Isis é facilmente cooptada, por exemplo, em fóruns de teorias de conspiração. Aliás, teoria de conspiração na Dark Web é mato. Floresceram maluquices como a crença nos Illuminati e na Terra Plana. A cada esquina de um fórum você tromba com uma religião ou seita política diferente.

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Drogas, armas, assassinato, terrorismo, religião e, por fim, sexo. Em todos os formatos possíveis e acessíveis se encontram coisas que deixariam o marquês de Sade encabulado. Nomeie uma perversão e lá estará, em cores – e, às vezes, ao vivo, transmitida por uma webcam. O que nos leva a pensar que, se a Surface Web se aproxima do mundo virtual, a Dark Web se apropria cada vez mais do mundo real. Além da venda de imagens e vídeos das mais estranhas práticas sexuais – o que inclui as não consensuais, como abuso, tortura, estupro e homicídio –, o navegante acha modos fáceis de tomar contato com experiências reais. Lá estão os parceiros no crime, por assim dizer. O que inclui acesso imediato à prostituição ilegal, tráfico de órgãos e de pessoas, e práticas extremas, como pedofilia, canibalismo e assassinato contratados em tempo real. É nos fóruns do cibersubmundo que se encontram as histórias reais e terrivelmente tristes relatadas na série Darknet, da Netflix. Quanto mais real, mais caro. Nada é impossível, porém: a Dark Web é o portal entre o mais bizarro online para o mais perigoso offline. Tudo depende dos riscos que você topar – e de quanto tempo conseguir se esconder. Até ser pego.

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ALMA Por MARION FR ANK

Mente calma, mente eficiente Está comprovado: as técnicas meditativas ajudam a produzir melhor – e sem estresse

Você se olha no espelho, depois da noite insone. Ficou horas rolando na cama, pensando como resolver problemas no trabalho. Mas não chegou a lugar algum. Sua mente atirou em todas as direções. Passou a limpo até discussões com a ex-mulher, os filhos que não vê etc. O despertador toca. Autômato, você corre ao banheiro. Frente ao próprio reflexo, uma voz em sua cabeça assopra a solução. E provoca um sorriso, cansado, é verdade, em quem se imaginava perdido. Você se acha o máximo. Mas o tempo passa. Cedo ou tarde você vai se olhar de novo no espelho e se achar... o mínimo. Pudera. Nem com remédio consegue mais dormir. Tem a mente fora de controle, desfazendo à noite o que foi construído ao longo do dia, alimentando cenários desastrosos sobre o amanhã, o que o deixa mais ansioso. Enredo surreal? Nem tanto. Trata-se de uma das leituras que se faz sobre o que teria antecedido o ataque de pânico protagonizado ao vivo, na TV, pelo jornalista americano Dan Harris, da ABC News, no noticiário Good Morning America, em 2004. Ao ler a notícia sobre

efeitos colaterais do consumo de estatina no tratamento de aterosclerose, ele travou. “A voz que sempre ouvi na minha cabeça exigia que eu sobressaísse na carreira competitiva, e foi assim que me tornei um workaholic”, ele disse, tempos depois, sobre o que estava por trás do momento mais embaraçoso de sua trajetória. Harris, ex-correspondente de guerra no Afeganistão e Iraque, até tentou diminuir o ritmo de trabalho, mas ficou tão deprimido que passou a se automedicar, acelerando o desmoronar pessoal em frente à audiência de 5 milhões de telespectadores de seu país. O que foi feito dele? Continua jornalista (âncora) de prestígio na mesma empresa, mas hoje de rosto relaxado e riso fácil, conhecido por livros que se tornaram best-sellers: 10% Happier (2014) e Meditation for Fidgety Skeptics (2017). No primeiro, Harris discorre sobre como conseguiu “domesticar” a mente ao incorporar práticas meditativas na rotina diária. E, na obra mais recente, dá instruções a quem deseja seguir o exemplo, mas não encontra tempo para começar.

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“No trabalho, meditar aumentou o foco e a produtividade, além de me tornar menos reativo emocionalmente”, admitiu à revista Forbes americana, no início deste ano. “Também ando calmo, fácil de lidar – e a gentileza é uma das habilidades mais subestimadas do mundo profissional.” A propósito, 10% Happier também é nome de aplicativo que ensina como meditar por celular, um dos modos que Harris encontrou de “usar a tecnologia”, que tanto distrai, “a serviço da mindfulness”. GERENCIAMENTO DO ESTRESSE Mindfulness é a nova cara de um conhecimento milenar, a meditação. E para entender a (aparente) transformação nada melhor do que recuperar o curso da história. Desde tempos longínquos, hinduístas, budistas e taoístas usaram técnicas meditativas para alterar o estado de consciência e assim acalmar os sentidos (mente incluída). O passar dos séculos fez com que essas técnicas fossem adaptadas segundo as necessidades de uma cultura. Entre os anos 1400 e 1500, por exemplo, na Espanha, o frade franciscano Francisco de Osuna recomendava aos fiéis a prática da “fixação do olhar” para torná-los imunes (“cegos, surdos e mudos”) ao que acontecia ao redor. Meio milênio depois, o termo meditação ganhou um conteúdo “duvidoso”, atrelado à imagem de quem olhava o vazio entre drogas e incenso (hippies e afins). Foi só a partir do final dos anos 1970 que a neurociência deu cobro ao preconceito, provando em diferentes estudos que as práticas meditativas eram (e continuam a ser) o que há de mais recomendável para o nosso bem-estar – e a elas deu o nome genérico de mindfulness. Isso se deve,

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em particular, a Jon Kabat-Zinn, da Escola Médica da Universidade de Massachusetts. Ele preparou um bem bolado programa de exercícios de ioga, meditação e relaxamento para ajudar pacientes com dores crônicas: MBSR (Mindfulness-Based Stress Reduction), terapia hoje aplicada em centenas de espaços de saúde dos EUA. “Quem medita logo percebe o quanto esse método reduz o estresse, foca a atenção no agora, relaxa o corpo, aumenta a concentração e nos faz aceitar melhor o que antes facilmente irritava”, sintetiza Roberto Cardoso, um dos nomes de prestígio sobre o tema no Brasil. Médico obstetra formado em Brasília há 34 anos, praticante da meditação há 40, ele é criador de uma forma de

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O Brasil é o campeão mundial de ansiedade: 9,3% da população sofre do transtorno

relaxamento mental baseada na técnica de nome “âncora” (que ora se ocupa da contagem da respiração ora da observação sem julgamento dos pensamentos), de eficiência reconhecida pelo americano National Institute of Health (NIH), um dos mais importantes centros de pesquisa médica do mundo. Cardoso, que passa o tempo dando palestras a profissionais de saúde e grupos empresariais em todo o país, faz menção ligeira a termos como meditação e mindfulness, pois o alvo de seu trabalho é o gerenciamento do estresse, que envolve planejamento, hábitos de vida e educação de pensamento, além de exercícios respiratórios e meditativos, entre outros. TRABALHO VS. EFICIÊNCIA Determinação, contudo, é essencial. Dica do âncora Dan Harris, que retrata a experiência meditativa de modo singular: “Se você se flagrar divagando e trouxer de volta a atenção à respiração, estará exercitando o ‘bíceps’ do cérebro ao enfrentar um padrão enraizado em sua vida, o de se perder em projeções”. Discurso, aliás, também adotado pela psicóloga Karina Haddad, da Clínica do Sono (ligada ao Instituto de Sono, em São Paulo): “Exercícios de meditação e mindfulness servem de ginástica mental”, ela diz. “Baixam o fluxo de pensamentos e tonificam o músculo da atenção, essencial para o bom funcionamento da mente.” Karina, aliás, é fã do método de traba-

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lho do doutor Cardoso. “Eu era ansiosa demais e ele conseguiu mudar esse modo de ser”, conta. “Hoje medito 15 minutos por dia e não me deixo mais ser controlada pelos pensamentos.” Karina atende adultos (“O perfeccionista é o maior ansioso entre os meus pacientes”) e jovens (“Andam com o sono atrapalhado, ansiosos, uma tristeza”). O Brasil pode não ganhar mais título importante em futebol, mas alcança a primeira colocação, quando o assunto é ansiedade: somos o país de maior taxa de pessoas com algum tipo desse transtorno no mundo, cerca de 9,3% da população, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (fevereiro de 2017). Isso remete a outra estatística de arrepiar, anunciada no final de 2010, por psicólogos da Universidade Harvard (que estudaram reações de 2 mil pessoas – o que faziam, o que sentiam e o que pensavam, de modo a determinar o que as deixava felizes). Ficou provado que a mente dos pesquisados passava 47% do tempo distraída. E mente que divaga não é mente satisfeita. “Houve a tendência de se sentir mais feliz entre quem se mantinha focado no que fazia do que aquele que tinha se perdido, pensando em algo além”, revelou Daniel Gilbert, à frente do estudo. Pior: com a ajuda da ciência, sabe-se hoje que produzimos de 12 mil a 50 mil pensamentos por dia – dos quais 95% são o mesmo. Buda chamava

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de “macaco da mente” esse pular de galho em galho na floresta de pensamentos. Para combatê-lo, técnicas de mindfulness vêm sendo incorporadas, de uns dez anos para cá, nos EUA. Já integram o dia a dia do Google (um dos pioneiros, aliás, com a adoção do programa de mindfulness corporativo “Search Inside Yourself”); do Corpo de Fuzileiros Navais e de equipes de ponta do basquete, como o Los Angeles Lakers, da NBA. O fato é que não adianta tentar tapar o sol com a peneira, tocando em frente uma rotina massacrante de trabalho. “Há profissionais ocupados até 20 horas por dia que entendem essa dedicação como eficiência, quando é rigorosamente o contrário”, opina Fábio Rebouças, diretor de projetos estratégicos da Microsoft da América Latina. A empresa, a propósito, tem disseminado as ferramentas de mindfulness, a partir do escritório paulistano, entre os milhares de colaboradores (5 mil só no Brasil). NO AMBIENTE CORPORATIVO Na verdade, ele apenas segue a orientação da matriz americana, onde Satya Nadella, desde a posse como CEO em 2014, mudou a filosofia de trabalho dentro da Microsoft, hoje presente em centenas de países. “Sem fazer referência a religião alguma, ele disseminou o conceito de que alta produção não está vinculada a alto estresse”, conta Rebouças. Assim, na filial de São Paulo, há um programa de mindfulness, de caráter voluntário. Dura quatro semanas e ensina não apenas a focar no que acontece aqui e agora como também reforça cuidados com a alimentação, a hidratação e a qualidade do sono. “O nosso cérebro

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A QUEM RECORRER Como mindfulness está em alta no mundo corporativo, todo cuidado é pouco na hora de optar por qual técnica/curso adotar. Porque há quem se passe por entendido em área ainda pouco conhecida no Brasil, tornando inócua a ideia de mudar o modo de conduta em vigor na empresa (ou na própria vida). Por isso, apresentamos nossa seleção de especialistas em área tão estratégica. não é multitarefa, você não pode nem deve funcionar no piloto automático”, alerta Rebouças. “Afinal, como é que vai ouvir o cliente, se estiver distraído?” No Brasil, a mindfullness vem se alastrando no universo corporativo de poucos anos para cá. Tanto que já induz empresas de diversas naturezas – caso da gigante IBM, da média Orizon (tecnologia a serviço da saúde) e da enxuta Plongê (consultoria de liderança e seleção), todas em São Paulo – a estimularem os funcionários ao seu exercício regular. De “spa de um minuto”, na Orizon, que explora técnicas de respiração, à sala reservada para praticar a atenção plena (na nova sede da IBM, no bairro do Itaim Bibi) e ao ritual de mentalização de 10 minutos, na Plongê. “Serve para se conectar consigo mesmo e com a agenda de trabalho da semana em ambiente de silêncio e respiração calma”, explica a diretora Ana Luiza Loureiro, da Plongê. Que, desde a adoção diária de práticas meditativas, mudou o modo de viver. “Antes eu era capaz de passar pela garagem de casa sem perceber, absorta com o celular”, lembra. “Agora, consigo apreciar o que me rodeia, andando pelo bairro ou abrindo os olhos de verdade para quem está em minha frente.”

Roberto Cardoso (robertocardoso.net): um dos mais requisitados especialistas em gerenciamento de estresse do Brasil, com método de trabalho reconhecido internacionalmente. Marcelo Csermak (eumedito@hotmail. com): um dos precursores de mindfulness no Brasil, mestre e doutor em psicobiologia, acaba de lançar um treinamento, “Mindfulness para a Odontologia”, focado em diminuir a carga de estresse e ansiedade entre dentistas. Karina Haddad (karinahaddadm@gmail. com): especialista em Terapia Cognitiva Comportamental para o Tratamento de Insônia, usa técnicas de mindfulness/meditação no dia a dia do consultório para aliviar a ansiedade ao controlar o funcionamento da mente. Casa Maitrî (casamaitri@gmail.com): nome influente no universo empresarial de São Paulo, com professores especializados em mindfulness na Inglaterra e nos Estados Unidos

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Uma colherinha de caviar Por que o modo de vida minimalista estรก crescendo entre os que buscam ser mais felizes ganhando menos e consumindo menos

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CO M PO RTA M ENTO P or Ro s an g e l a P etta

— Um maiô, duas calcinhas e uma garrafa de prosecco. E aí minha filha riu quando falei que não precisava de mais nada para me desintoxicar do trabalho, embarcar num ônibus e passar dois ou três dias sozinha no luminoso litoral norte de São Paulo. Achou que era chiste retórico da mamãe. Afinal, como eu faria para “levar tudo” e ainda caminhar um quilômetro desde a beira da estrada até a pousada? Mochila nas costas, ué! Pequena, mas (ok, vá lá) suficiente para incluir o cartão do banco, dinheiro, RG, protetor solar, um par de Havaianas e um livro. Nada de notebook, nem celular: eu ligaria da pousada para dar notícias. Roupa, só a do corpo, um agasalho amarrado na cintura. Deu tão certo, e a sensação de liberdade foi tanta, que repeti a experiência algumas vezes, inclusive com minha filha. Isso aconteceu há uns dez anos. Eu não sabia, mas já estava com sintomas do que, hoje, é nomeado minimalismo. Sim, tem o mesmo nome do movimento estético de meados do século 20, quando brotou a máxima do “menos é mais” na arquitetura, nas artes plásticas, no design, na música, na literatura. E, sim, uma coisa tem muito a ver com a outra, embora o minimalismo a que me refiro aqui seja comportamental: trata-se de uma onda de transformação pessoal que vem crescendo na porção Ocidente do planeta. A ideia é a pessoa simplificar a vida, desfazendo-se de tudo que toma tempo demais, espaço demais, preocupação demais e dinheiro literalmente além da conta.

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Millburn e Nicodemus, os pais da ideia

Se bandeiras como as da reciclagem e do consumo consciente têm inspiração socioambiental na mudança de hábitos (um estímulo de fora para dentro da pessoa), o minimalismo afeta quem olha o volume das coisas, tarefas e até relacionamentos que juntou para si mesmo e vê que nem por isso ficou tão feliz como planejara (um estímulo de dentro para fora). É cada qual livrar-se daquilo que já perdeu a importância. Daí o critério do descarte ser subjetivo e não haver lista de pode/não pode. Também combina perfeitamente com a onda slow do começo dos anos 2000, lembrase? Slow food , para saborear as refeições em vez de engoli-las. Slow reading, pois desfrutar da leitura sem pressa recompensa mais do que ler muito sem prestar atenção. Uma amiga minha diz já está mais do que na hora de se lançar também o slow fucking porque... bom, você sabe por quê. Como em toda tendência, já existem dezenas de formuladores e coachs do minimalismo como estilo de vida, em diversos idiomas. Mas, para conhecer melhor o conceito e a prática, nada como ir direto aos que tomaram a dianteira do movimento, sintomaticamente nascidos e criados na sociedade mais acumuladora que se conhece. Os americanos Ryan Nicodemus e Joshua Millburn, amigos da mesma idade (hoje, 37 anos), se deram conta de que viviam uma inexplicável frus-

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Lembra-se da onda da slow food e da Slow reading? Pois tem tudo a ver

tração, apesar de seus respectivos ganhos anuais de seis dígitos. Algumas happy hours depois, resolveram cada qual pedir demissão de seus cargos executivos e partir para uma vida mais satisfatória. Como? Fizeram algo parecido com o que acontece no filme ET, o Extraterrestre (de Steven Spielberg, 1982), naquela cena em que, de uma garagem entulhada de cacarecos, o alienígenamenino tira meia dúzia de gadgets para dar uma solução à própria história. Em 2009, Joshua e Ryan organizaram um programa de bate-papos Estados Unidos adentro. Juntaram as pesquisas in loco com a vontade de inovar, anotando tudo o que parecia excessivo e desnecessário. Como, por exemplo, aquele pacote de TV paga, com mais de 300 canais, mas dos quais

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Robinson Crusoé, destinado ao minimalismo

Você precisa mesmo dos mais de 300 canais da TV Paga, se só zapeia meia dúzia?

na real zapeamos apenas meia dúzia. Três anos depois lançaram o primeiro livro em parceria, Minimalism: Live a Meaningful Life (algo como Minimalismo: Viva uma Vida com Mais Significado), com tour internacional. Em pouco tempo os dois já viviam do minimalismo: gravaram um documentário, duas webséries (uma de animação, outra que está bombando na Netflix e no YouTube), um conjunto de podcasts, dicas, crônicas, entrevistas e ensaios. Tudo disponibilizado no site theminimalists.com — que, minimalisticamente, se mantém com doações. A dupla calcula que já se comunicou com cerca de 20 milhões de pessoas, via internet, rádio e televisão, além das palestras presenciais. Complementam a renda com cursos de escrita. Garantem que estão mais felizes morando cada qual em

FOTOs: reprodução, divulgação, istock

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casas menores, com suas respectivas famílias e equipados apenas com aquilo de que precisam e gostam. Dentre as ponderações mais do que razoáveis da dupla está a de que “o preço das coisas nunca é só o que está na etiqueta”. Eles identificaram 14 – sim, catorze – custos extras que uma aquisição pode acarretar, desde os mais concretos (impostos, taxas de manutenção, seguro, conserto, combustível, energia elétrica ou reposição de bateria, limpeza, espaço físico) até os imateriais (como tempo e a santa paciência na loja, ao telefone ou na internet para fazer com que o lado concreto funcione). No entanto, Joshua e Ryan não são anticonsumo e enfatizam que cada um é cada um: se, mesmo consciente de tudo o mais que está envolvido, você ainda quiser ter ou comprar algo, tenha ou compre. Pois significa que aquilo realmente é importante pra você. E porque ser minimalista é fazer escolhas, entender a diferença entre preço e valor. Convicto ou desavisado, cada minimalista tem razões que só ele mesmo conhece. Às vezes, a motivação é circunstancial: vem a crise nos negócios ou o desemprego, a pessoa é obrigada a reduzir despesas... e se surpreende ao descobrir que “mudar o padrão de vida” é uma libertação; vira uma espécie de Robinson Crusoé (do clássico homônimo de Daniel Defoe, 1719), obrigado a reinventar um novo mundo

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Sapatinhos do Mickey: muito bem guardados

numa ilha deserta com o que sobrou do naufrágio. Noutras vezes, a motivação é existencial e se dá pelo mais prosaico saco cheio de ter tanta coisa pra cuidar, tantos compromissos, tantas obrigações, tanta chatice no dia a dia; feito Kevin Spacey em Beleza Americana (filme de Sam Mendes, 2000), cujo personagem é demitido, mas negocia uma bela indenização, se dá por satisfeito por trabalhar no drive-thru de uma lanchonete e fumar um baseado de vez em quando. “Meu bem, eu agora quero o mínimo de responsabilidade possível”, diz o protagonista, a certa altura. Também tem o bloco dos fundamentalistas, que adotam o minimalismo como seita, patrulhando quem não adota – o que, no mínimo, revela a tolice de trocar uma escravidão por outra. De minha parte, reconheço que os sintomas minimalistas foram se acentuando com o tempo, sem eu mesma perceber (sou do bloco desavisado). Passei a cortar meus próprios cabelos. Desmamei do carro: vou de táxi ou transporte público. Só compro roupa e sapatos quando preciso. Conserto o que for possível. Organizo jantares bacanas em casa em vez de ir aos restaurantes da moda. Até que, há poucos meses, resolvi me soltar também do Brasil e dar um tempo na Espanha, onde conseguiria manter minha atividade literária e seguir com o coaching para o domínio da escrita, agora via Skype.

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Coragem? Desapego? Nada disso. pode ser uma sensação libertadora de leveza

Antes de viajar, aluguei o apartamento onde vivia e, para esvaziá-lo, fiz, digamos, um “minimalista vende tudo”. Quer dizer, nem tudo: guardei apenas o que é íntimo e espiritual. Obras de arte, fotos antigas e 36 caixas com CDs, DVDs e livros foram parar nas estantes da família. Doei para pessoas que amo alguns objetos que comprei em viagens inesquecíveis. A maioria dos amigos se espantou com a “coragem”, o “desapego”. Que nada! Com uma libertadora sensação de leveza, eu parecia o urso Baloo de Mogli, o Menino Lobo (Estúdios Disney, 1967, da canção “Necessário / Somente o necessário”) enquanto reduzia minha bagagem a quatro malas. Na bolsa de mão, trouxe para Barcelona um par de sapatinhos amarelos do Mickey, que andam quando a gente dá corda, porque invocam em mim

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“Que não nos falte o pão com manteiga”

minimalismo é valorizar determinadas coisas. e descartar o resto

a felicidade de brincar com minha filha há tanto, tanto tempo... Minimalismo é assim, cada qual valoriza determinada(s) coisa(s) e dispensa o resto. O antropólogo Michel Alcoforado, da consultoria Consumoteca, entende perfeitamente o espanto da minha turma. “A sociedade brasileira ainda pensa que precisa ter para ser”, diz ele, salientando que, em alguns círculos, e o que está variando é o que ter. Um tanto alheio à estética de materiais simples, linhas retas e cores neutras que virou moda nos anos 1990, com a Suécia à frente, o brasileiro parece mais afeito à “narrativa das coisas” que, segundo Michel, acentua-se com o instrumental tecnológico de comunicação dos nossos dias – e não vamos esquecer que, no ano passado, o próprio WhatsApp informou que somos 120 mi-

lhões de usuários, ou 10% de todos que utilizam o aplicativo ao redor do mundo. Numa dessas, ganha importância e destaque tudo o que tiver um enredo. Michel dá um exemplo vivido: “Fui à casa de uma amiga que tinha na parede da sala um vestido emoldurado. Mas não era um vestido qualquer. Ela contou que a roupa foi da mãe dela, usada num Carnaval. Na estratégia da diferenciação, o valor das coisas sai da lógica monetária: é preciso contar uma história. Uma mesa da Ikea (empresa sueca) não tem história pra ser contada”. Mesmo assim, o marketing já percebeu a nova onda e está ajustando a rota. Uma recente campanha publicitária brasileira, de cosméticos, tem como slogan “eu não preciso, mas quero”. Sim, pois nem no sonho mais utópico o minimalismo poderia abalar o mundo produtivo ou eliminar o demasiadamente humano desejo. Aliás, nem pretende. Lembro-me da estilista britânica Viviane Westwood, que teve a ousadia de declarar “gaste menos, reutilize mais” logo depois de um desfile daquelas roupas carésimas que ela faz, e admiro a extraordinária capacidade que o capitalismo tem para acomodar suas próprias contradições. Mas lembro-me também do saudoso jornalista e bon vivant Alessandro Porro, que, em 2002, enviou uma mensagem de Ano-Novo saborosíssima: “Saúde, amor, que não nos falte o pão com manteiga e uma colherinha de caviar”.

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V I AG EM T e x to e fotos Wa lte r C r avei ro

Um outro

Porto Ele tem apenas 237 mil habitantes. Mas oferece o melhor de uma metrรณpole

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Se a medida for o homem, o porto não só é metrópole como espelha o melhor do gênero humano

V Reinaugurado em 2015, o Museu do Carro Eléctrico tem 16 bondes no acervo

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ocê começa aterrissando em um dos mais modernos aeroportos do Velho Mundo – considerado o melhor da Europa, na categoria de até 5 milhões de passageiros/ano. Dali, a “viagem” continua no metrô, que parte em direção ao Centro. Com pequenos e poucos vagões, mais parece um trem ou um bonde. Primeiro ele passa ao largo das minúsculas quintas (propriedades rurais). Só então cruza as ruas da cidade, margeando as fachadas de azulejos das casinhas de subúrbio. Bem-vindo. Chegamos à cidade do Porto. Uma metrópole na medida do homem – como dizem por lá. Metrópole? Nem tanto se a medida for não o homem, mas os números. O Porto acolhe só 237 mil moradores. Ocupa uma área equivalente ao centro da cidade de São Paulo, onde guarda em suas ruas a diversidade arquitetônica e cultural adquirida pelo povo que inventou a globalização. Sim. Foi ali, à beira do rio Douro, que se iniciaram as Grandes Navegações. Ali também nasceram uma especialidade da cozinha portuense, as tripas à moda do Porto, e o apelido de tripeiro para os que vivem na região. Reza a lenda que, para abastecer os navios que saíam rumo ao incerto, o comércio de carne da cidade priorizava as tripulações, restando aos de terra firme as tripas e os miúdos dos animais. Na foz do Douro, o mar continua a marcar presença, e o farol das Felgueiras é porto seguro. O Douro recebeu este nome não pelo dourado que reflete nas tardes de outono. Mas por ser duro, caudaloso, difícil de transpor. Quem hoje atravessa calmamente uma das seis pontes que ligam Vila Nova de Gaia ao Porto não imagina que as duas cidades milenares permaneceram apartadas por quase 800 anos pelas águas – hoje amansadas pelas

obras de engenharia. A separação deu identidade própria a ambas. Sede das caves do vinho do Porto, Gaia guarda para si a melhor vista da cidade vizinha. Se a medida for o homem, o Porto não só é metrópole como espelha o melhor do gênero humano. Talvez a sua melhor síntese da vida local esteja na casa de chá da Boa Nova, em Leça da Palmeira. Referência de arquitetura de paisagem, foi projetada por Álvaro Siza Vieira, prêmio Pritzker de arquitetura, ainda em plena ativa aos 85 anos. Ali funciona o restaurante chefiado por Rui Paula e estrelado pelo Guia Michelin. Uma composição que mescla a paisagem marinha com audácia arquitetônica e alta gastronomia. É bem verdade que o turismo não para de crescer em Portugal. Só de brasileiros foram 625 mil em 2016; e 869 mil no ano seguinte. Ainda assim, o Porto, fora das áreas mais turísticas – a Baixa e a Ribeira –, ainda é um lugar tranquilo, com uma vida local muito rica e cheia de pequenas surpresas. Para quem se propõe a se perder pelas ruas sempre há recompensas. A sede do Guindalense Futebol Clube é um desses lugares. Fincado na escada dos Guindais, que liga a beira do Douro à zona da praça da Batalha, o clube tem um diminuto bar no terraço, com uma vista espetacular do rio Douro. O destaque é a ponte D. Luís em primeiro plano. Outra dica fora dos roteiros óbvios é a Gazela, na praça da Batalha. Recomenda-se acotovelar-se com os “locais” em um pequeno balcão, para tomar um fino e comer um cachorrinho. Por fino, entenda-se o nosso chope. Já o cachorrinho é um hot dog com queijo, crocante e picante, cortado com precisão de sushiman em fatias finas. Atrai de comilões a chefs de cozinha. Anthony Bourdain, o cozinheiro confidencial, gravou na Gazela parte de um de seus últimos programas ao passar pelo Porto em 2017. Mostrou ao mundo um delicioso segredo desta pequena grande metrópole.

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Comer e chorar por mais No Centro, na zona da Baixa, o Mercado do Bolhão é o lugar tradicional para comprar produtos frescos, secos e molhados. Nas venerandas mercearias, caso da Comer e Chorar por Mais, se encontram delícias locais, como alheiras e chouriços transmontanos e o macio e intenso queijo de ovelha da serra da Estrela. Para ajoelhar, comer e chorar por mais. Próximo ao Bolhão, fica o café Majestic, no melhor estilo belle époque do início do século 20, quando foi inaugurado. Abolete-se, peça um café e aprecie o lugar sem pressa.

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Ondas sonoras Em 2001, quando foi Capital Cultural Europeia, o Porto ganhou a Casa da Música, projeto do holandês Rem Koolhaas. Sua acústica excepcional fez com que a cidade entrasse no circuito das principais turnês de música erudita, do jazz e do pop da Europa.

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Alma de ferro Erguida em 1881, a ponte Luís 1º, toda de ferro, tem a engenhosa construção em dois tabuleiros, que ligam as partes de cima e de baixo das cidades do Porto e de Vila Nova de Gaia. Desde 2005, a parte superior serve como linha do metrô e passarela de pedestres.

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Very British, ó pá Graham’s, Croft, Churchill’s, Taylor’s, Offley, Cockburn’s. Os nomes das melhores caves do vinho do Porto não deixam dúvida sobre a influência dos ingleses. Um bom lugar para beber o vinho aveludado com brandy é o bar da antiga ponte pênsil, na Ribeira. A presença britânica também é marcante na arquitetura, com direito até à very British fonte dos Leões, totalmente inspirada naquela da cidade de Leicester, Inglaterra.

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O PI N I ÃO P O R L AW R E N C E P I H

Um quadro sombrio O Brasil e o mundo podem se deparar com uma crise financeira sem precedentes. Estamos preparados?

Uma década após a Grande Recessão desencadeada em setembro de 2008, temos hoje um panorama curioso, para dizer o mínimo. O Fed (Federal Reserve Bank, Banco Central americano) apresentava um balanço de US$ 850 bilhões em dezembro de 2008. Em dezembro de 2017, chegou a US$ 4,45 trilhões. Isso aconteceu por meio de aquisições de ativos, como títulos do Tesouro americano e mortgage backed securities. Ou seja: houve uma injeção de liquidez de US$ 3,6 trilhões. O ECB (Banco Central Europeu), por sua vez, aumentou o seu balanço de € 1,9 trilhão em 2009 para € 4,5 trilhões no final de 2017. Enquanto isso, o BOJ (Banco Central do Japão) inflou o seu balanço de ¥ 433,78 trilhões para ¥ 546,3 trilhões e o PBoC (Banco Central da China) injetou US$ 2,8 trilhões nesta última década. Resumindo: o aumento da liquidez total dos quatro principais bancos centrais na última década somou US$ 13,1 trilhões. Hoje, o balanço conjunto de Fed, ECB, BOJ e PBoC se situa na casa dos US$ 21,1 trilhões.

A

economia internacional é uma pintura com tintas fortes e escuras. O principal componente dessa obra é a dívida global, que passa da casa dos US$ 247 trilhões, de acordo com os últimos dados do IIF (Instituto de Finanças Internacionais). Só no primeiro trimestre de 2018, ela cresceu US$ 8 trilhões. Desde 2008, a dívida global subiu mais de US$ 75 trilhões. E os mercados emergentes, que são os elos mais frágeis na corrente de sustentabilidade da dívida, acumulavam um débito de US$ 58,5 trilhões no primeiro trimestre deste ano. Ora, o Fed, que já aumentou o fed funds rate (juros primários do Banco Central Americano) em 1,75%, sinaliza mais 1,25% até o fim deste ciclo, no final de 2019. Se a disseminação da provável alta de 300 pontos básicos nos juros do Fed neste ciclo ocorrer, isso trará um custo adicional de

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US$ 7,5 trilhões por ano nos juros globais. E aí um evento de crédito decerto não pode ser descartado – como foi o caso Lehman Brothers em 2008. O resultado dessas políticas monetária e fiscal foi o crescimento médio do PIB global da ordem de apenas 2,46% nos últimos nove anos – isto aceitando os números oficiais da China. Nesse contexto, os freios e contrapesos vão ter de atuar no mercado. É o caso do Fed, que já iniciou um ciclo de aperto monetário. O próximo a tomar medidas semelhantes será o ECB. Ainda neste ano, os europeus vão sentir o cinto apertar.

O

BOJ está em compasso de espera, porém com tendência para uma política menos acomodada. E o PBoC, que vinha num ritmo acelerado de desalavancagem e restrição monetária, mudou de direção com a guerra comercial com os Estados Unidos. A economia americana apresentou um crescimento de 4,1% do PIB no segundo trimestre, um resultado aparentemente robusto, porém inflado pela antecipação das exportações, para contornar a alta das taxas tarifárias. Um dos indicadores de recessão mais precisos é a curva de juros, e atualmente a de dois anos e a de dez anos dos Treasuries está no patamar mais nivelado desde o fim de 2007, com apenas 26 pontos básicos. Muitos economistas preveem uma recessão na economia americana já em 2019. Os dados aparentemente encorajadores do mercado de trabalho americano também merecem uma análise mais aprofundada. O nível de desemprego se situou em 3,9% no mês de julho de 2018. Se acrescentarmos o contingente de trabalhadores marginally attached temos mais do que o dobro da cifra oficial – sem mencionar o nível de participação no mercado de trabalho, que foi de 66,1% em 2008 e hoje está estagnado em 62,9%. Outro dado importante é o encolhimento da força de trabalho. No ano 2000, a força de

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A crise bate à porta e fará parecer suave o derretimento dos subprimes de 2008

trabalho era de 157,22 milhões de trabalhadores. Hoje, ela está em 155,8 milhões – uma queda de 1,42 milhão, apesar do crescimento populacional de 46,05 milhões no período. Cumpre destacar que a população fora da força de trabalho aumentou de 80,25 milhões em 2000 para 96,01 milhões hoje. Não é por acaso que os salários reais não aumentam como deveriam, com um nível de desemprego de apenas 3,9%. O mercado de trabalho está muito menos robusto do que os dados oficiais apontam. E por essa mesma razão não há pressão inflacionária de salários. O que muitos se recusam a ver é o quadro mais abrangente do mercado de trabalho americano e focam apenas no índice de desemprego distorcido. E para piorar esse quadro, o aumento de produtividade tem estacionado em 0,6% na média anual há uma década

É

possível concluir que o processo recessivo chegará mais cedo e com maior intensidade, especialmente por conta do novo ciclo de contração na política monetária e da guerra comercial do presidente Donald Trump. A expansão econômica dos EUA, apesar de medíocre, já dura quase uma década e está em estado de exaustão, sinalizando que o ponto de inflexão está perto. Enquanto isso, a Europa já vem apresentando um crescimento menor e o Japão continua com crescimento dormente. A China optou por políticas monetária e fiscal mais agressivas para se contrapor à guerra comercial com os EUA. Mesmo assim o crescimento da economia tem desacelerado nos últimos meses, o que aumenta os riscos sistêmicos do setor financeiro. Outra questão que torna o panorama insustentável são os preços das classes de ativos. Essa precificação está no nível dos períodos das bolhas dos segmentos. O que o mercado enxerga como liquidez é na realidade dívida, e esta liquidez artificial tem inflado os ativos que certamente sofrerão dramática cor-

reção no futuro próximo. Desde a crise de 2008, o índice S&P 500, da Standard & Poor's, subiu 326%. No mesmo período, a Nasdaq Composite teve elevação de 517% e o Wilshire 5000 aumentou 332%. Semelhante quadro se apresenta nas outras principais economias do mundo.

A

visão que temos desta janela de observação é que uma tempestade financeira é iminente. Sem clichês à base de ondas, marolas e tsunamis, a crise bate à porta e fará parecer suave o derretimento dos subprimes de 2008. Isso porque desta vez tanto os governos (agora altamente endividados) e os bancos centrais (sem munição) terão opções limitadas para enfrentá-la. Neste quadro global sombrio, temos uma economia em crise no Brasil e um governo infestado de figuras decrépitas. Não é novidade que o país é carente nas áreas de saúde, educação, segurança, habitação e infraestrutura. Aliado a isso, temos uma insustentável e crescente dívida do setor público, déficit monstruoso na previdência e altíssimo nível de desemprego. Nosso governo faz evaporar 34% do PIB da carga tributária e mais 8% do déficit nominal. A soma significa 42% de toda a riqueza gerada pelo país. É evidente que boa parte desses recursos são desperdiçados pela incompetência e pela ineficiência do setor público. O pior, no entanto, é que a outra parte é surrupiada pelos agentes públicos que deveriam servir ao público, mas se servem dele. A população, entretanto, deposita alguma esperança na eleição presidencial em outubro. Resta esperar o resultado do pleito para determinarmos se há verdadeiramente motivos para tanto otimismo. Uma coisa é certa. É preciso muito mais do que discurso e boa vontade para preparar o país para a próxima década. Seja qual for o eleito, terá de segurar o manche com muita firmeza para que o Brasil resista à tormenta que se avizinha.

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Crô n i c a Por marina mor aes

Uma noite no copa

Sigo para a árdua tarefa de autorrestauração que invariavelmente impacta o porteiro do meu prédio: “Opa! Se reproduziu toda, hein, dona Marina?”. Meia hora tentando descobrir o segredo do chuveiro. Me encaixo debaixo do chuveirinho, para a minha estatura é até melhor. O cabelo precisa de secador e gel. A maquiagem, emprestada da filha, Show de Elza Soares Fui convidada para uma festa esparramada pelo espetacular e quarto com vista elegante no Copacabana Palace. Show mármore branco. Dá vontade de de Elza Soares, o toque cool para condeitar na pia. Peço uma caipiripara a piscina mais vidados que, de outra forma, jamais a nha com cachaça para entrar no famosa do país ouviriam. Levei meu vestido longo, o tom da Elza. Preço de uma refeiúnico, mandei passar no hotel, penção. Comento com o funcionário durei o cabide na porta do armário. O que trouxe e ele diz que para o quarto com vista para a piscina mais dólar está barato. Yes. famosa do país, a que foi testemunha de célebres Encho a banheira para um banho de espuma. Não é porque encontr os e desencontros, porres, discursos e perestou sozinha que não vou sensualizar. Antes, tiro um uísque formances escandalosas, hóspedes ricos de verdado frigobar, não encontro o gelo, depois encontro, mas já é tarde, falsos ricos, roqueiros e misses, o chique, o de. Agora eu sou caubói e o meu cavalo só falava inglês. Ou era chique despojado e o novo chique. a noiva do caubói? Escorrego na espuma. Sem querer, molhei de Ao lado da cama, sobre o tapete iraniano, o salnovo o cabelo. Ligo para uma amiga que também vai à festa e to 12 tinha antecedentes desagradáveis. Escorreela me aconselha a pedir champanhe com aquela conversa do gou comigo no palco encerado de um teatro em São “eu mereço” que já faliu muita gente que merecia mesmo ficar Paulo durante a entrega de um prêmio de jornalispendurada no cartão para largar mão de ser besta. mo. Fui salva por um movimento ágil de bailarino Vem outro rapaz. Coloca o balde na mesinha. Dou uma do Zeca Camargo, meu par no evento, que me segorjeta no valor da caipirinha. Volto para a maquiagem e levo gurou com elegância no momento do voo e a quem um beliscão do curvador de cílios. Sinto vontade de chorar. serei eternamente grata. Olhei para o bico fino do Ligo a televisão e está passando As Pontes de Madison, que com sapato, ele olhou para mim. Não fizemos as pazes. champanhe fica ainda mais triste. Vou borrando a maquiagem Fugi para Ipanema e passei o dia de dieta para caber até o fim da garrafa. O vestido justo pendurado, mole, cheio no vestido, só na água de coco e biscoito. Fim de tarde, de preguiça. O salto doendo nos pés ainda descalços. Sinto um pôr do sol carioca perfumado de maconha, atravesso a desânimo enorme e me lembro da minha avó deitada, camirua para um gim-tônica escondido no Fasano, concorsola bordada, tercinho na mão, com pena da gente indo para rente do Copa, imagina se ficam sabendo. O barman, o baile em Guaxupé. Agora eu sou ela na sua cama confortável. com sotaque baiano matador, me convence a tomar Peço um sanduíche que vem com batata frita e picles debaixo outro. Tiro um cochilo de biquíni sobre o edredom de da tampa de prata. Coca-Cola. Me esparramo no sofá embrupena de faisão dos Alpes Suíços, e, quando acordo, dou lhada no robe macio assistindo Seinfeld. de cara com uma triste figura refletida no espelho. Ai, o Copacabana Palace!

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reprodução

Cadeiras vazias A foto que ilustra a capa de Veja sobre o AI-5, assinado numa sexta-feira, 13, em dezembro de 1968, é curiosa. Mostra o general Costa e Silva, então presidente da República, sentado diante de uma fileira de cadeiras vazias no Congresso Nacional, fechado naquele dia pelo decreto. Na verdade, a foto foi tirada um ano antes, quando Costa e Silva era ministro da Guerra, durante uma visita à casa. No dia do A1-5, no entanto, Almyr Gajardoni, chefe de Veja em Bra-

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sília, lembrou-se dela – e comprou uma ampliação. O repórter José Carlos Bardawil foi escolhido para levá-la a São Paulo, colada ao peito, entre a camisa e uma camiseta. A maratona envolveu viagens de avião e ônibus e duas revistas policiais. Publicada com a aprovação do censor em São Paulo – depois que o editor Roberto Civita garantiu que a capa não traria nenhuma chamada –, a edição de Veja foi pela primeira vez apreendida nas bancas.

Arquivo/Museu Nacional

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