Velô #5

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EDIÇÃO #5 | DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

CYCLE CHIC Como o movimento vem desmistificando o pedal urbano em vários países DIÁRIO Um cicloviajante e seus companheiros de quatro patas no Uruguai PIONEIRA Um perfil de Renata Falzoni, uma das figuras mais ativas da ciclomobilidade no Brasil

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UM ANO DE GRATIDÃO Há um ano fizemos o que a maioria de nós fez na infância. Demos as primeiras pedaladas. As primeiras pedaladas em um projeto que nos envolveu de coração. A Velô surgiu para divulgar e ajudar a fazer crescer uma cultura que tem como proposta tornar a vida mais agradável, feliz, harmoniosa e prazerosa. É bom demais olhar para trás e ver quantas pessoas conhecemos, quantas amizades construímos e quantas histórias incríveis conseguimos descobrir e compartilhar em um ano de vida. Em vez de falar no que vamos mostrar neste número, como fazemos de costume aqui, queremos agradecer a todos os colaboradores, leitores, amigos e apoiadores que nos ajudam, a cada dia, a fazer crescer e fortalecer a cultura da bicicleta. Que seja o primeiro de muitos aniversários. Seguimos acreditando que as cidades são as pessoas, que elas ditam o ritmo e escolhem os rumos. Pedalando a gente vai longe. Obrigada, bicicleta. Lina Colnaghi e Sabrina Silveira, as editoras.

CAPA Ilustração Júlia Corrêa

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CONTATO redacao@revistavelo.com.br

JORNALISTAS RESPONSÁVEIS Lina Colnaghi MTB: 15204 Sabrina Silveira MTB: 13629

DISTRIBUIÇÃO Gratuita

PRODUÇÃO CS PRESS

PERIODICIDADE Trimestral

IMPRESSÃO Impressos Portão

Edição #5 Porto Alegre | 2014

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Todos os artigos assinados e as fotografias são de responsabilidade única de seus autores e não refletem necessariamente a opinião da revista.


MEU CORPO VEM EM PRIMEIRO LUGAR.

NA LINHA DE CHEGADA. Xan Figueiredo

Foto: Wladimir Togumi

Embaixadora Soul Cycles, professora de geografia e triatleta bicampeã. fb.com/xan.figueiredo.3

Liberte sua Alma. Pedale uma Soul.

www.soulcycles.com.br facebook.com/soulcycles

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NESTA VELÔ

18 38 pioneira da bike

São Francisco

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cicloviagem canina

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invasão de ciclovias

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08 pedal cycle chic


colaboradores

ALINE CAVALCANTE É jornalista e pedala como meio de transporte desde 2008. Escreve para o Vá de Bike e Bike é Legal e é uma das idealizadoras do oGangorra, em São Paulo.

FERNANDA ROZADOS Idealista e sonhadora que trabalha e se diverte de bici, acredita que a verdadeira liberdade é lutar pelo que se acredita.

DEB DORNELES Você a encontra fotografando enquanto pedala pelas ruas da capital gaúcha.

MARIA RITA HORN Jornalista de Porto Alegre, tem procurado experimentar os passeios de bike em viagens por aí.

TÁSSIA KASTNER É jornalista. Há um ano e meio mudou de mala, cuia e Panda (uma gata) para São Paulo. Com as ciclovias, espera trocar caminhadas por pedaladas.

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lifestyle

Dodo, Helsinki (Finl창ndia) | Creative Commons

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Inspiração através do estilo Por Sabrina Silveira O termo Cycle Chic ficou conhecido no mundo todo pelos blogs que destacam ciclistas que pedalam com roupas estilosas, no lugar das malhas esportivas. Mas muito mais do que uma questão de estilo, o movimento busca incentivar e desmistificar o pedal urbano.

Muito mais do que um termo que define um estilo dos ciclistas urbanos, o Cycle Chic, criado por Mikael Colville-Andersen, é um movimento pró-bike que ficou famoso no mundo todo a partir de 2007. A cultura de pedalar de terno, sapatos femininos, vestido, calça jeans, incentiva milhares de pessoas a usar a bicicleta como um meio de transporte natural, para qual não é preciso roupa especial, e que pode ser usado no dia a dia. Hoje especialista em Design Urbano e CEO da dinamarquesa Copenhagenize Design Company, Mikael Colville-Andersen cunhou o termo quase que por acaso. Em 14 de novembro de 2006, ele fotografou e publicou em seu Flickr três ciclistas em Copenhague. em primeiro plano uma jovem de casaco, saia xadrez e botas. A foto, hoje conhecida como The Photo That Launched a Million Bicycles (A Foto que Lançou Milhões de Bicicletas), fascinou membros de outros países que

perguntavam como ela conseguia pedalar com aquela roupa. Acostumado a ver as pessoas pedalando com qualquer tipo de roupa, Colville-Andersen iniciou um diálogo sobre ciclismo urbano e criou o primeiro blog sob o título. “Cycle Chic é apenas um termo moderno para algo que foi normal por décadas e décadas”, defende ele. Após o primeiro blog, vários licenciados surgiram ao redor do mundo, sempre registrando pessoas comuns, vestidas para ir ao trabalho ou a lazer, estilosas ou apenas casuais. No Brasil, cidades como Vitória, Rio de Janeiro e Porto Alegre têm blogs mantidos por fotógrafos voluntários. “Os brasileiros parecem ter entendido que a bicicleta é uma forma de transporte legal e que não é preciso ser um nerd da bicicleta nem um esportista para pedalar na cidade”. Quando o assunto é bicicleta, Copenhague é uma das cidades referência. Ela é 9


Federation European Cyclists, Creatrive Commons

Ciclista de terno em Copenhague

Foto de Dora Moreira para o blog Vitória Cycle Chic

largamente utilizada pela maioria da população na cidade a as políticas públicas são pensadas para quem pedala. Daí suge outro termo, copenhagenize, que virou um sinônimo de transformar uma cidade em um local ciclável, como Copenhague. Com a empresa de consultoria em mobilidade Copenhagenize Design Company, Colville-Andersen atua em vários países com projetos voltados à bicicleta. “Se você quer uma cidade Cycle Chic, primeiro você copenhagenize sua cidade”, brinca ele. “Criando infraestrutra separada, destinada à bicicleta - não apenas pintando linhas -, você faz as pessoas se sentirem seguras. Muitas cidades ao redor do mundo estão se transformando e seguindo o exemplo de Copenhague”. Segundo ele, não se via mais bicicletas nas ruas em muitas cidades, como Paris, Barcelona, Sevilha, Dublin e Buenos Aires há sete anos. Hoje, essas cidades estão construindo

estruturas seguras para ciclistas, e as pessoas estão pedalando mais do que já foi visto em 50 anos. “Em Sevilha (Espanha) e Dublin (Irlanda) passaram de 0.2% de ciclistas em 2006 para 7% em poucos anos. Eles estão se modernizando de forma rápida e eficiente”. “O Cycle Chic fala para 99% da população - os cidadãos comuns - e fez mais para promover o ciclismo nas cidades do que qualquer outra coisa”, afirma ColvilleAndersen. Atualmente existem cerca de 250 blogs em todo o mundo. Destes, 50 fazem parte da Cycle Chic República, grupo mais engajado no movimento.

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NÃO É SÓ QUESTÃO DE ESTILO Para o movimento Cycle Chic, não é o meio de transporte que define a sua roupa, mas sim o destino. Portanto, para pedalar, basta abrir seu guarda roupas e vestir-se de acordo com a ocasião. Mas não se trata apenas de estilo.


CONFIRA O MANIFESTO PUBLICADO PELO MOVIMENTO EM SEU SITE, COM UMA PITADA DE BOM HUMOR. • Escolho pedalar chique e, sempre que possível, vou preferir o estilo ao invés da velocidade. • Assumo minha responsabilidade em contribuir visualmente para uma paisagem urbana esteticamente mais agradável. • Estou ciente de que minha mera presença na paisagem urbana irá inspirar outras pessoas sem que eu seja rotulado como “cicloativista”. The Photo That Launched a Million Bicycles, por Mikael Colville-Andersen

• Pedalarei com graça, elegância e dignidade. • Escolherei uma bicicleta que reflita minha personalidade e estilo.

“Ser um ciclista Cycle Chic é ser um ciclista consciente”, lembra a blogueira responsável pelo Vitória Cycle Chic, do Espírito Santo, Dora Moreira. Desde 2011 ela fotografa para o blog e ajuda a divulgar a cultura de bicicleta na cidade, também promovendo passeios. “Somos formadores de opinião, não é só colocar uma roupa bonita e sair pedalando. Você também tem deveres, precisa se comprometer com as leis de trânsito”, alerta Dora, que também trabalha com estilização de bicicletas. A blogueira se preocupa em mostrar que as condições dos ciclistas no Brasil são diferentes das dos ciclistas na Europa, por exemplo, e leva em consideração que aqui é preciso estar atento (sem fones de ouvido) e bem sinalizado no trânsito. “Ver alguém pedalando bem vestido ajuda a fazer com que as pessoas não sejam taxadas como ciclistas. São pessoas pedalando suas bicicletas. O movimento não trata de bicicleta, trata de pessoas”.

• Irei, contudo, considerar minha bicicleta como meio de transporte e como um mero complemento do meu estilo pessoal. Permitir que minha bike chame mais a atenção do que eu é inaceitável. • Eu irei garantir que o valor total de minhas roupas sempre seja superior ao valor total de minha bicicleta. • Usarei acessórios de acordo com os padrões da cultura da bicicleta e comprarei, quando possível, um protetor de corrente, pedestal, guarda-saia, paralamas, campainha e cesta. • Respeitarei as leis de trânsito. • Recusarei utilizar qualquer roupa de ciclismo. A única exceção sendo um capacete - caso eu escolha exercitar minha liberdade pessoal e decida usar um.

*Tradução livre

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cicloturismo

Rastros e pegadas Por Lina Colnaghi

Leandro Franco encarou 1,2 mil quilômetros de estrada no Uruguai em sua bike, na companhia de Odara, uma cadela da raça border collie. Pelo caminho, um companheiro se somou à dupla, mudando o sentido da viagem.

Leandro Franco decidiu cair na estrada no Uruguai em função do seu projeto Nos Tire da Copa. “Para mim é um direito de todos que não concordam com a realização do evento no seu país, seja pela supervalorização de serviços voltados ao turismo, por questões políticas ou qualquer outra de ordem pessoal ou canina. Afinal, com os jogos vêm os fogos de artifício, e Odara se apavora com eles”, conta. Odara fez quatro anos em julho e está com Leandro desde filhote. Cabendo na palma de sua mão, a border collie chegou um pouco depois de ele ter perdido uma cadelinha que acabara de adotar em uma estação de trem na Grande São Paulo. 12

O trabalho de Franco, como freelancer na área de audiovisual, fotografia e cinema, deu a ele a liberdade de escolha para se envolver no projeto. “Não houve muito planejamento por ter sido algo meio que em cima da hora. Já havia viajado de bike com Odara antes, então tinha a experiência do que era necessário para a pedalada”, explica. Ele pré-estipulou 1.200 quilômetros, necessários para cruzar duas vezes o Uruguai, durante o mês da Copa, e conseguiu os recursos mínimos necessários através de financiamento coletivo. A ideia de destino surgiu em função do interesse dele pela figura do presidente Mujica e seu estilo de governo.


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Fotos: Arquivo Pessoal

Além disso, ele sabia que no Uruguai o futebol é cultuado, mas que a baixa densidade demográfica é um ponto a favor para quem busca lugares tranquilos em épocas assim. Foram 31 dias de pedal, cada um com suas peculiaridades. “Pernoitei em casas por convite espontâneo, por indicação, por invasão, por ‘auto-pedido’, acampei em lugares públicos, praias, dunas, locais abandonados e até em estádio de futebol. Mesmo não pagando qualquer centavo por uma cama, sempre fui muito bem recebido por todos os uruguaios’” conta Franco. O ENCONTRO COM EL LOCO No dia 17 de junho, Leandro e Odara não tinham percorrido nem 250 quilômetros desde Montevidéu e chegaram a Jose Ignacio, um povoado litorâneo habitado por “ninguém além de corretores de imóveis e uma 14

senhora que vendia artesanatos em uma lojinha na beira da praia”, nas palavras de Leandro. Sem encontrar qualquer comércio aberto para comprar comida, Leandro foi até o posto de gasolina, na entrada da cidade. “Logo chegou um cachorro todo animadão se engraçando com a Odara. Eu não dei muita bola e ela não estava aberta a novas amizades”, lembra. Durante os dez minutos que passou na loja de conveniência, o cachorro continuava lá, com Odara. Quando pegou a bike, colocou Odara na caixinha e começou a pedalar o cão os acompanhou. Pegaram velocidade e ele seguia acompanhando. “Comecei a tentar mandá-lo de volta. Creio que ele não compreendeu meu péssimo espanhol e continuou forte como um touro. Eu só pensava: que cachorro louco. E fomos assim até a balsa de Laguna Garzón, a oito quilômetros do posto”.


Saiba mais sobre a viagem: facebook.com/rastrosepegadas

Em um armazém, perto da balsa, Leandro parou para comer e comprar algumas coisas. Ali ele conheceu um lenhador, chamado Washington, que o convidou para assistir Brasil x México em sua casa, do outro lado da balsa. “Pensei: ali já resolvo a questão do cachorro. Ele fica e nós vamos”, conta Franco. Mas não foi bem assim. Leandro assistiu a partida e Washington disse que o cachorro tinha muita energia e que seria um problema por ter uma neta de dois anos que sempre o visitava. Leandro achou um velho casebre para dormir, acomodou Odara e suas coisas lá dentro e o cachorro pulava nele sem parar. E não teve jeito de deixá-lo do lado de fora. “No dia seguinte acordei com o cachorro e seu olhar vidrado em mim”, lembra. “Algo movia ele a estar ao nosso lado aceitando nosso destino. Foram mais de 900 quilômetros hon-

rando em cada passo sua escolha, vivendo a cada dia o prazer da liberdade e somando nos momentos o valor de sua história”, diz Leandro. O RETORNO Leandro voltou a São Paulo com Odara e a bike, passou cinco dias ali, e voltou a Montevidéu para resgatar El Loco. “Ele está se adaptando bem ao conforto de um lar. Eu é que não estou conseguindo me conectar direito comigo mesmo aqui. É difícil experimentar a vida da estrada e ter que voltar às amarras impostas desse outro extremo”, diz. Leandro está dedicado à edição do documentário sobre sua viagem e a organizar ideias para um livro. “Talvez passe um tempo na minha Ubatuba, terra onde cresci, em um retiro junto com os cães para melhor concluir o projeto”, conta. 15


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Quem é? Anderson Bisparo Araujo, 36 anos.

Desde quando pedala? Pedalo há mais de 30 anos, há 23 anos na rua, como meio de transporte.

Porque escolheu a bicicleta? Primeiramente era uma diversão, depois foi por prazer e por praticidade de locomoção. Também para aliar uma prática esportiva. A bicicleta é um tipo de prolongamento meu. Tenho bici desde uns 8 ou 9 meses de idade, meu pai era um apaixonado, e passou essa paixão pelo DNA. Fotos: Deb Dorneles 17


Conhe莽a Renata Falzoni, uma das figuras mais importantes e ativas na hist贸ria da ciclomobilidade do Brasil.

Pioneira no pedal Por Aline Cavalcante 18


Foto: Divulgação

Aos 61 anos de idade, completados no último dia 02 de setembro, essa virginiana de cabelo vermelho imponente já fez muita coisa na vida para chamar atenção para a ideia da bicicleta, seja como instrumento de lazer, esporte ou transporte. Renata Falzoni é arquiteta de formação e comunicadora por talento. Começou a trabalhar com o jornalismo no final da década de 70 em publicações

de contrarevolução que surgiram por conta de um fortíssima censura da mídia na época da ditadura militar. “Nessa época a bicicleta já era o meu meio de transporte, mas por conta da força descomunal do futebol era muito difícil emplacar qualquer matéria sobre ciclismo nos veículos de comunicação. Só na década de 80 foi que comecei a falar sobre os passeios noturnos e ir pautando aos poucos a bicicleta como uma atitude”, revela Falzoni. Ainda nessa época, mais precisamente em 1988, o “comportamento bicicleta” ganhou um importante elemento, que fortaleceu ainda mais a cultura urbana das duas rodas. Associados à badalada vida noturna paulistana nascia o Night Bikers Club do Brasil. “O grupo surgiu muito por causa da minha vida boêmia. Eu costumava pedalar à noite para ir a bares e baladas, me divertia demais com os amigos. De repente um foi chamando o outro, e mais outro e quando percebi tinha surgido o Night Bikers Club, que chegou a reunir mais de 60 pessoas pedalando à noite pelas ruas de São Paulo” conta emocionada. Com a consolidação do grupo, Renata criou o jornal impresso Night Bikers News e passou a organizar eventos ciclísticos. “Isso deu uma existência profissional à bicicleta em um momento muito delicado para o país. O Plano Collor, no começo dos anos 90, ferrou com todo mundo que era freelancer ou autônomo, mas de certa forma o caos nos ajudou, porque quem não tinha o que fazer, ia pedalar ou produzir materiais com a gente. Foi um momento muito importante e criativo da bicicleta”. 19


“Foi quando percebi que estava vivendo muito em função da bicicleta. Com o advento dos canais à cabo consegui emplacar, em 1998, o programa ‘Aventuras com Renata Falzoni’ no Canal 21 e logo na sequencia na ESPN Brasil. Dei um tempo com o Night Bikers e fui me dedicar à videorreportagem, um estilo que simplesmente não existia no Brasil por causa, principalmente, de limitações técnicas” Com o Aventuras, teve suas principais experiências e assenção profissional. Pedalou por mais de 27 países e perdeu as contas da quantidade de cidades que visitou. Questionada sobre qual lugar mais gostou de pedalar, ela foi enfática: todos! Mas sua descendência alemã não deixa esconder o brilho nos olhos ao falar dos mais de 70mil km de infraestrutura cicloviária e cicloestradas que corta a Alemanha. Outro trabalho muito importante para a carreira de Falzoni veio através das frequencias de rádio, falando de trânsito para o motorista paulistano como “bikerreporter” para a rede Eldorado. Ela começou em 1999 ao lado de Arturo Alcorta e Patricia Palumbo, “gostava muito de fazer rádio ao vivo. Era o tempo inteiro falando diretamente com pessoas que não estavam no meio da bicicleta, sabia que ali, parado no congestionamento, eu ganhava o motorista”, revelou. “Era engraçado porque eu me recusava a falar os melhores caminhos para eles que, geralmente, era por dentro dos bairros. Preferia que ficassem pacientemente no 20

trânsito das grandes avenidas enquanto sugeria outros olhares sobre a cidade ao motorista, como falar de alguma árvore, cheiros, monumentos e também, claro, a situação do trânsito, acidentes e cuidados”

BIKE É LEGAL Há pouco mais de um ano Renata Falzoni lançou o site Bike é Legal (www.bikeelegal. com.br) que, segundo ela, é seu principal projeto de vida. “O que mais me orgulho de ver acontecer no Bike é Legal é que ele tem mais vozes e não depende só de mim, tem vida própria e isso é um legado que quero deixar para essa nova geração, dando instrumentos, tecnologia e conteúdo para que o universo da bicicleta seja cada dia mais amplo e diversificado. Bem diferente da minha época, em que éramos em poucos e com pouco espaço” Hoje o portal conta com cerca de 20 colaboradores. “Meu plano nesse momento é fazer com que o site se solidifique e consiga conversar com outras partes do Brasil, ampliando a rede de colaboradores nacional e internacionalmente” “Bicicleta pra mim é tudo! É a máquina mais bonita inventada pelo homem, sou apaixonada por ela e ela por mim. Hoje ela é a extensão do meu corpo, eu pedalo mais do que caminho. É meu meio de transporte, estilo de vida e ferramenta de transformação social. Ela humanizou de maneira irreparável a cidade de SP e é o que me dá forças todos os dias para continuar vivendo aqui”, concluiu.


Foto: Divulgação 21


entrevista

Cidades Para Pessoas | Creative Commons

CIDADES HUMANAS Criadora do Cidades para Pessoas (www.cidadesparapessoas.com), a jornalista Natália Garcia conta como o projeto surgiu, mostra bons exemplos conhecidos mundo afora e fala sobre a sua nova percepção de cidade depois de ter trocado o carro pela bicicleta.

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Velô: Como surgiu o projeto? Natália Garcia: Surgiu porque comecei a pedalar em São Paulo (SP) quando tinha 24 anos. Não foi uma escolha que eu tenha feito por querer melhorar a cidade de forma consciente, mas porque queria gastar menos tempo me deslocando ao trabalho. Andar de bicicleta transformou meu olhar sobre a cidade e as histórias que eu queria contar como jornalista. Passei as férias na cidade de Bogotá, na Colômbia, e quando voltei percebi que tinha feito uma apuração grande sobre a cidade, sobre tudo o que tinha acontecido depois das gestões do Antanas Mockus e do Enrique Penãrosa. Quando eu voltei ao Brasil, tinha um monte de conteúdo rele-


vante que comecei a vender como freelancer e percebi que podia trabalhar escrevendo e apurando reportagens sobre as cidades. Em 2009 eu pedi demissão da editora onde trabalhava, passei o ano seguinte como freelancer até que em 2011 tive a ideia de lançar o Cidade para Pessoas.

Velô: Qual a proposta dele? NG: Ele nasceu com o intuito de ser um projeto jornalístico que precorreria 12 cidades no mundo. Eu passaria um mês morando em cada uma, para entender o que melhora uma cidade para as pessoas. Viabilizei o projeto por financiamento coletivo, no começo de 2011, e parti para as viagens. Foram duas viagens. A primeira, para a Europa, que durou seis meses, e a segunda, para Estados Unidos e México, que aconteceu entre setembro e dezembro de 2012. O total foi de 12 cidades, com uma média de permanência de 20 dias em cada lugar. O Cidades para Pessoas é um projeto de jornalismo e arte, que pesquisa e prototipa ideias para cidades mais humanas. Temos um braço de pesquisa, que continua acontecendo mesmo que as viagens tenham acabado, e um braço de protótipo de projetos reais, práticos, palpáveis.

Velô: Quais são os próximos passos do Cidades para Pessoas? NG: O projeto está dando um passo novo. Fizemos a primeira oficina prática, na Escola São Paulo, de 8 a 12 de setembro. A ideia foi tentar colocar o repertório de soluções e ideias, apuradas em quatro anos de projeto, a serviço de problemas reais na cidade. Fizemos uma seleção de 21 jovens talentosos do Brasil para participar e passamos por um processo de imersão de uma semana. Escolhemos um lugar, um problema nesse lugar e prototipamos uma ideia para resolvê-lo. O projeto se chama Passanela, e a proposta é reativar passarelas para pedestres, transformando-as em lugares mais sombreados e coloridos. Velô: Na sua opinião, no Brasil, o que falta para as cidades serem mais convidativas para as pessoas? NG: Essa é a pergunta que estou tentando responder há cinco anos. A melhor resposta que já ouvi é que uma cidade para pessoas é a que oferece escolhas, para que elas consigam ter vidas cotidianas decentes e realizadas. Talvez o que falte é ter menos um projeto de país e mais um projeto de cidade para esse 23


país. A cidade extrai todos os recursos da natureza, mas não produz nenhum. Devia ser o contrário. Essa inversão do olhar local, e não uma ideia de projeto de país unificado, talvez seja o ponto mais importante para ter a cidade ideal, em que as pessoas conseguem escolher caminhos para realizar seus talentos.

don (TFL) faz a gestão metropolitana de todos os modais da cidade. A integração dos modais é algo mais consolidado em Londres do que em qualquer outra cidade pela qual eu passei.

Velô: Em que fase o projeto se encontra agora? Velô: Que bons exemplos de mobilidade NG: Existia um plano de fazer mais uma vistos pelo mundo você destacaria? viagem pela África e pela Ásia. Estamos adiNG: A prefeitura de Copenando ele porque tem muihague, na Dinamarca, tem tas coisa acontecendo no “A cidade extrai um Departamento de Vida Brasil nesse momento. todos os recursos Urbana, em que eles medem Não imagino que a gente da natureza, a qualidade da vida cotidiana tenha uma viagem de mas não produz nos espaços públicos na ciapuração nos próximos dade. A qualidade passa pela nenhum. Devia ser o dois anos. Esse momento experiência de se locomover, do Cidade para Pessoas contrário.” não no sentido de otimizar é aquele em que a gente percursos, mas de melhorar está querendo ligar toda a experiência de atravessar a cidade. Outra a pesquisa feita aos problemas reais das cimedida legal da prefeitura, é a criação de dades aqui. Estamos mais dedicados em esum indicador que mede o custo econômico palhar as oficinas por outras cidades do que do uso da bicicleta e do uso de carros. A con- continuar fazendo uma pesquisa de fôlego clusão é que a cada quilômetro percorrido atrás de bons exemplos. A gente acha que de bicicleta a cidade ganha o equivalente já tem uma rede relevante de contatos pelo a 70 centavos, enquanto de carro a cidade mundo e está na hora de colocar essa rede perde 30 centavos. A forma como a mobili- a serviço de problemas reais. Também estou dade é gerida em Londres também é um bom escrevendo um livro que resume os quatro exemplo. O departamento Transit for Lon- primeiros anos do projeto. 24


pedal seguro Na hora de deixar a bike estacionada na rua é preciso ter alguns cuidados de segurança. Confira algumas dicas para prender sua bike e dificultar a ação de ladrões.

Crédito: Sarah |CreativeCommons

O ideal é usar trancas de tipos diferentes, rígidas e flexíveis. Cada uma tem uma forma distinta de ruptura e isso dificulta a ação de ladrões. As mais utilizadas são as U-lock, os cabos de aço e as correntes com cadeado.

- Certifique-se de que o local onde você vai amarrar a bicicleta esteja bem firme. No caso de um paraciclo ou de um poste, por exemplo, confira se eles estão bem presos ao chão. - Prenda a roda traseira e o quadro juntos, com uma trava U-Lock, ao local desejado.

- Prenda a roda dianteira ao selim, com um cabo de aço, passando por dentro do quadro. - Rodas que possuem sistema de desengate rápido (quick release) precisam estar presas. Deixando-as livres é só soltar e levar a roda. Da mesma forma acontece com o selim. Ele pode ser retirado e ser levado com você, ou deve ficar preso com o cabo de aço, como na dica anterior. - Retire da bike garrafinhas de água, alforjes, luzes e outros acessórios que podem ser facilmente levados. - Procure bons equipamentos. Especialistas dizem que você pode investir até 20% do valor da sua bike em segurança. 25


Olho em frente e vejo um futuro dourado. Um amanhã onde as cidades não serão mais dominadas pelos carros, onde todos terão o seu espaço e serão respeitados. Vejo pessoas mais preocupadas com sua saúde, com a maneira que gastam seu tempo, e cada vez mais interessadas em preservar nosso mundo para as gerações futuras. Vejo que as cidades serão lugares agradáveis de se viver, com espaços públicos seguros, verdes e cheios de vida, com cada vez mais pessoas nas ruas, convivendo umas com as outras. Olho para o futuro e imagino cidades muito mais igualitárias, humanas e acessíveis, onde todos tenham os mesmos direitos ao espaço urbano, para que possam usufruir de sua cidade. Você pode dizer que sou um sonhador. Mas eu não estou sozinho.

A série Mobilidade em 1 Instante é inspirada na fotografia. Trazemos imagens que nos inspiram e que permitem uma reflexão sobre a mobilidade e a vida nas cidades. Série completa: thecityfixbrasil.com

PRESCRIBE-A-BIKE Massachusetts Office of Travel & Tourism - Creative Commons

“Usar a bicicleta duas vezes ao dia durante um ano”. Parece receita médica... e é! Em Boston, um programa social está garantindo o acesso dos residentes de baixa renda ao sistema bike -sharing, o Hubway, e combatendo o sedentarismo ao mesmo tempo. O programa “Prescribe-a-bike”, uma parceria entre a Prefeitura e o Centro Médico Municipal, possibilita que os médicos prescrevam a bicicleta como tratamento, pois 1 a cada 4 moradores de baixa renda é obeso na cidade. Munidos da receita, os pacientes têm o direito de adquirir o passe anual por apenas cinco dólares, e o melhor: de forma ilimitada por dia, desde que respeitado o intervalo de 30 minutos entre as viagens. 26

Crédito: Mariana Gil

Mobilidade em 1 Instante: sonho de um futuro melhor


uma colaboração

Crédito: Luis Antonio Lindau

Calçadão no Farol da Barra

EUROPA DE PONTA A PONTA Pedalar pela Europa vai ficar mais fácil com a Eurovelo, uma gigantesca rede cicloviária de 70 mil quilômetros de extensão. A estrutura vai conectar 43 países, facilitando a viagem dos “cicloturistas” e de residentes locais que curtem o pedal como forma de deslocamento e diversão. Ao todo, 14 rotas constituem a rede. A maior delas, a rota 13, terá 10,4 mil

Mais espaço para as pessoas em Salvador! A área do Farol da Barra, um dos maiores pontos turísticos da capital baiana, foi totalmente revitalizada e proibida a circulação de carros. Grande parte da Nova Barra, como é chamada, foi convertida em um enorme calçadão, incentivando o lazer, a prática de atividade física e a convivência. O local costuma ficar repleto de pessoas até mesmo a noite, que aproveitam os inúmeros bares e restaurantes próximos.

quilômetros e vai da Noruega à Turquia, passando pela Rússia, Alemanha, Polônia, entre outros países. O projeto, elaborado pela Federação Europeia de Ciclistas (ECF), deverá ser entregue até 2020, mas já é possível pedalar nos trechos prontos. Basta entrar no site www.eurovelo.com pra conferir. Curtiu? Trace suas rotas, prepare e mochila, e pés no pedal!

#sardinhafeelings Quem nunca se sentiu uma sardinha no transporte coletivo? Os europeus! A primeira foto demonstra o índice de ocupação do Velho Continente. A segunda, o padrão projetado no Brasil, que é de 6 a 8 passageiros por m². Mas às vezes aperta mesmo, como no metrô de São Paulo, onde a ocupação, em horário de pico, pode chegar a 11 pessoas/m²

APLICATIVO CATRACA LIVRE Quem não gosta de sair com os amigos para curtir um show ou uma exposição sem gastar muito? Para ajudar a colocar o povo na rua e se apropriar da sua cidade, o Catraca Livre lançou seu aplicativo, que mapeia mais de 18 mil atrações culturais em 12 capitais do país. São shows, peças teatrais, sessões de cinema, exposições, festas, saraus, cursos, palestras - tudo a um preço acessível. O melhor de tudo é que o aplicativo também indica os pontos de ônibus mais próximos e as linhas que chegam até o seu destino cultural. 27


eu pedalo

Foto Deb Dorneles

Minhas amigas bicicletas *Por Fernanda Rozados Eu só havia pedalado quando criança e adolescente, principalmente durante as férias. Sempre fui fofinha e, com o uso de alguns medicamentos que alteraram meu metabolismo e apetite, engordei mais e cheguei a 104kg. Resolvi, no fim de 2010, comprar uma bicicleta. Com a proximidade do Natal, minha mãe decidiu me presentar com uma bike, que se chamava Violeta. A primeira experiência foi uma tragédia: cansei em uma quadra e voltei empurrando a bicicleta, que ficou parada no bicicletário até o ano 28

seguinte. Em maio de 2011 realizei a cirurgia bariátrica e um mês depois comecei a me exercitar de forma supervisionada. Comecei a correr na rua, incentivada por uma amiga. A mesma amiga começou a pedalar para praticar duatlon e me convidou. Declinei: eu não tinha resistencia para pedalar. Viajei para o Peru com um amigo, no ano seguinte e ele se propôs a fazer um pedal comigo na volta. Pedalamos pelo bairro onde moro, demos outras voltas e acabamos no bairro


Cidade Baixa, brindando meu feito com um chope. Liguei para minhas amigas e marquei o meu primeiro pedal em grupo, que frequentei quase que sagradamente duas vezes por semana semana durante quase um ano. Eu havia definitivamente ganhado o mundo em cima da minha bike. Pedalei muito na Violeta até decidir que eu deveria comprar uma nova. Adquiri a Alemoa, minha primeira MTB de boa qualidade. Com ela fui à praia, fiz um Audax 200, fui para Itapuã, Guaíba, Barra do Ribeiro e outros lugares. Entre os amigos, conheci alguns que usavam a bike como meio de transporte. Rapidamente percebi que chão batido, trilhas e barro não eram para mim. Um dia o portão automático do meu prédio enguiçou e os carros não entravam nem saiam. Decidi ir de bike e, assim comecei a ir para o trabalho pelo menos duas vezes semana. Me dei conta que levava os mesmos 15 minutos para ir de carro ou de bici, mas os mesmos 15 no final do dia contrastavam muito com os 45 que levava na volta, de carro. Como a maioria dos meus amigos usava fixas e eu tinha muita curiosidade, comprei minha primeira bike single speed. Em menos de um mês me encantei pela interação ciclista e bicicleta que a fixa proporciona e me tornei inseparável da minha Nina. Enxergo as bicicletas como amigas e sempre meninas. Tive a Violeta, a Alemoa, a Nina, a Cicciolina e a agora tenho a Eva e a Penélope. Posso enumerar milhares de motivos que me fazem optar pela bike, mas o que realmente eu gosto é a sensação de liberdade. A vida, para mim, é feita de escolhas e de custo benefício. Optei por um trabalho mais prazeroso, por me locomover de bike e por levar uma vida muito mais autêntica e saudável.

* Idealista e sonhadora que trabalha e se diverte de bici, acredita que a verdadeira liberdade é lutar pelo que se acredita.

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mobilidade

SÃO PAULO DAS CICLOVIAS Por Tássia Kastner

São Paulo quer deixar a fama de cidade do caos no trânsito para trás e pinta 400 quilômetros de vias exclusivas para estimular a adoção da bicicleta como meio de transporte.

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Com 11 milhões de habitantes, uma frota de mais de 7 milhões de carros e congestionamentos que podem ultrapassar os 300 quilômetros aos finais de tarde, São Paulo é conhecida por ser cinza, pelo caos no trânsito e por ser pouco amigável com pedestres e ciclistas. Mas o projeto de criação de mais de 400 quilômetros de ciclovias na cidade até 2015 – 200 deles até o final desse ano – pode melhorar a qualidade de vida do paulistano e, de quebra, servir de inspiração para as demais cidade brasileiras, tão dependentes do transporte individual quanto a capital paulista. A bicicleta não vai acabar com o trânsito nas grandes cidades, mas pode dar agilidade para quem acredita que o mais simples é andar sobre duas rodas. Promessa de campanha do prefeito


Fernando Haddad, as ciclovias de São Paulo, até aqui, não trazem grandes novidades sobre projetos que tramitavam na prefeitura nas gestões anteriores, exceto por que estão saindo do papel. A velocidade de inauguração é motivo de comemoração entre ciclistas: cerca de 40 quilômetros devem ser entregues por mês. “Tem sido um choque positivo a decisão de implementar as ciclovias de forma tão ágil”, afirmou João Paulo Amaral, o JP, do Bike Anjo em São Paulo. Entre as diretrizes da prefeitura estão a conexão com os demais modais de transporte, como metrô e terminais de ônibus, e a capilaridade, que fará a estrutura chegar a bairros afastados. “A rede de 400 quilômetros vai, inevitavelmente, ligar alguns bairros (fora do centro expandido da cidade). A capilaridade maior ajuda a atrair o ciclista que não está habituado a andar com segurança”, afirmou Ricardo Correa, sóciofundador do escritório de planejamento urbano TC Urbes – Transformação Cultural Urbana. Daniel Guth, da Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade), afirma que à medida em que os novos trechos da ciclovia são entregues, as rotas ficam mais claras. “O desafio é mostrar isso para as pessoas, para que elas possam optar pela bicicleta”, disse. Os três são otimistas quando o assunto é o crescimento no número de pessoas que

se deslocam pela cidade sobre duas rodas. Correa estima que cerca de 400 mil pessoas usem bicicleta diariamente, número que poderá dobrar em dois anos. A pesquisa Ibope encomendada pela Nossa São Paulo e divulgada no último mês de setembro estima que 261 mil pessoas se locomovam diariamente de bicicleta. Segundo o secretário Municipal de Transportes, Jilmar Tatto, a prefeitura deverá realizar uma pesquisa sobre o uso desse meio de transporte em São Paulo, mas afirma que os primeiros trechos inaugurados na região central já registram bom fluxo de usuários. “Já aumentou o número de compras no comércio e o ciclofrete vai crescer muito. A ciclovia é um novo modal, não é para lazer”, comemorou.

DESAFIOS DA CIDADE CICLÁVEL Apesar de ressaltar pontos positivos do projeto paulistano, Ricardo Correa afirma que o sistema cicloviário é formado principalmente pela sinalização, diferente das existentes para carros e ônibus. Entre os problemas apontados, está a colocação de vias segregadas na faixa da esquerda, destinada, conforme o Código Brasileiro de Trânsito, aos veículos mais rápidos. “Dessa forma, a ciclovia não respeita a forma como o ciclista se porta no trânsito. Quando toda a rua é ciclável, a ciclovia é instalada apenas nas ruas nas quais é preciso maior proteção”, diz. Outro desafio para São Paulo é a traves31


sia sobre os rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí, que separam o centro das regiões de periferia e são ladeados por vias expressas. A prefeitura tem propostas de vias segregadas em 12 pontes, 10 sobre o rio Tietê, duas para cruzar o Pinheiros, mas apenas a sinalização de que o Tamanduateí será incluído futuramente. A conclusão das primeiras obras é prometida para 2015. Hoje as pontes mal têm espaço para pedestres e, além disso, o fluxo intenso de veículos assusta mesmo os mais experientes usuários de bicicletas. Mais simples deve ser a implantação dos demais serviços, como bicicletários, paraciclos (em fase de licitação), oficinas para reparos e maior oferta de bicicletas públicas. Em alguns casos, serão necessárias melhorias nas estruturas já existentes. “Os bicicletários de hoje são muito pequenos para estações de metrô. E o sistema precisa ser integrado ao bilhete único, a paraciclo e a bicicletarias”, disse o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) Alexandre Delijaicov. CONFLITOS SÃO TEMPORÁRIOS A instalação dos primeiros trechos de ciclovia na região central, com a retirada de vagas de estacionamento junto ao meio-fio, causou gritaria entre alguns comerciantes e associações de moradores. As queixas, no 32

entanto, não são exclusivas da cidade. JP Amaral lembra que tanto a ciclovia da orla do Rio de Janeiro quanto a construção da malha cicloviária de Nova York causaram igual repercussão negativa no primeiro momento. “Não vejo (os protestos contra as ciclovias) tão negativamente porque, na verdade, não estamos acostumados com mudança. É uma revolução, nesse sentido”, disse. Para Daniel Guth, ainda será preciso ações de panfletagem, para comunicar a chegada das ciclovias em cada região, reportagens positivas na imprensa tradicional e também conversa com as associações que reúnem os comerciantes.“A falha foi não ter chamado os comerciantes (de bairro) para conversar. O ciclista compra mais por impulso porque ele para em qualquer lugar. O comércio de rua é para o pedestre e o ciclista. O motorista vai ao shopping”, complementou Ricardo Correra, do TC Urbes. O secretário municipal de transportes, Jilmar Tatto, minimiza a repercussão negativa. “É a mesma relação do filho único, que está acostumado a morar sozinho e, de repente, aparece um irmãozinho. Ele fica incomodado porque percebe que tem um intruso. Depois, em uma questão de dias, começa a adorar. É uma questão de tempo, as pessoas vão se acostumando e se adaptando a essa coisa nova que está tendo na cidade”, ilustrou.


“Não vejo (os protestos contra as ciclovias) tão negativamente porque, na verdade, não estamos acostumados com mudança. É uma revolução, nesse sentido” JP Amaral

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Foto Divulgação

À PROVA DE ROUBO Três estudantes de engenharia, da Universidade Adolfo Ibáñez (UAI), de Santiago do Chile, desenvolveram o projeto Yerka. Vítimas de roubo de bicicletas, decidiram desenvolver uma bike que seja seu próprio cadeado. Para roubar, os ladrões precisam danificar a magrela, o que desestimularia o crime. Prender a bike com esta tecnologia não leva mais de 20 segundos. O projeto está em fase de busca de investimento. Saiba mais em: www.nadiemelaroba.cl

SÃO PAULO Além da atuais laranjinhas do BikeSampa, patrocinadas pelo banco Itaú, e das bicicletas bancadas pelo banco Bradesco, a prefeitura de São Paulo estuda fazer uma concessão de serviço público, a exemplo do que ocorre com o serviço de ônibus, segundo o secretário Municipal de Transportes, Jilmar Tatto. “Estamos preparando um projeto de lei para este segundo semestre. À medida em que começa a ter estrutura cicloviária, facilita para atrair interessados na disputa. Mais do que potencializar o uso (da ciclovia), a cidade tem necessidade de um serviço público”, disse.

PARACICLOS

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Foto Ricardo Jaeger

O Movimento Cicloatividade, iniciativa do Sindicato do Comércio Atacadista do Estado do Rio Grande do Sul (Sindiatacadistas), lançou o Projeto Paraciclos, uma plataforma virtual de financiamento coletivo que busca viabilizar a produção e instalação do mobiliário urbano em vários locais de Porto Alegre. No endereço www.cicloatividade.org.br é possível conhecer todos os detalhes da iniciativa e participar doando cotas (a partir de R$ 10) e sugerindo locais para a instalação de paraciclos.


Foto Mônica Schoenacker

SERICLETA A Sericleta é uma bicicleta adaptada para impressão serigráfica, idealizada pela artista Mônica Schoenacker e projetada em conjunto com Angelo Schoenacker. Foi desenvolvida inicialmente para o projeto Impressões Periódicas, que foi contemplado em edital de ação educativa do Centro Cultural São Paulo, em agosto de 2013. A ação foi estendida para outros centros culturais e tem como objetivo trazer ao público a experiência de um processo de impressão artesanal - a serigrafia

Fotos Divulgação

FIXEIROS

-, associada à livre distribuição das peças gráficas geradas. “A proposta é ampliar um discurso poético visual através de cartões postais impressos distribuídos livremente”, explica Mônica. A Sericleta tem feito ações semanalmente no Centro Cultural São Paulo e em algumas unidades da rede SESC. Em maio de 2014, participou do Circuito SESC de Artes e viajou pelo interior paulista, passando por seis cidades. Saiba mais em www. facebook.com/sericleta.

Vem aí a quinta edição das FixOlimpíadas. Nos dias 15 e 16 de novembro Porto Alegre receberá adoradores e usuários das bicicletas estilo fixed gear, as fixas, para uma programação de provas diversas pela cidade. Interessados em participar ou em apoiar o evento devem entrar em contato através do email: fixolimpiadas@gmail.com 35


BIKE SHOP

Elétrica

Divulgação

A Vela Bikes foi criada por Victor Hugo Cruz, um jovem recém formado em engenharia, que largou terno, gravata e horário comercial para se dedicar 100% à criação de um meio de transporte simples e eficaz. A bateria removível fica dentro do quadro e uma entrada USB permite ao ciclista carregar seus gadgets enquanto pedala, ou mesmo com a bike estacionada. Ela também conta com um sistema de rastreamento em GPS e um alarme com senha sequencial. Entra no mercado a partir de fevereiro de 2015. Pré-vendas e reservas: www.catarse.me/pt/velabikes e www.velabikes.com.br.

GUIA DE BIKE O guia divide Berlim em cinco áreas - Mitte, Prenzlauer Berg, Kreuzberg e Kreuzkölln, Charlottenburg e Wedding -, reunindo seus melhores programas culturais, gastronômicos e de entretenimento, para fazer de bike. Escrito por Andrew Edwards e Max Leonard, está disponível nas principais livrarias do país. Completam a série os guia de Londres, Paris, Amsterdã e Barcelona.

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PICNIC Em uma cesta, tudo para um picnic de verão. A Springtime possui mesa para dois, cadeiras e espaço para armazenar comidinhas, pratos, copos e talheres. Fácil de transportar na bike para qualquer lugar. Saiba mais em www.bloondesign.com. 36


Corta-vento Ideal para dias de chuva fraca e vento, o modelo da Curtlo é confeccionado com tecido Rip Stop, com repelência à água. Detalhes refletivos em áreas estratégicas oferecem melhor visibilidade para o uso em atividades noturnas. Possui elástico na barra e nos punhos, lingueta elástica para fixação na mão, ventilação nas costas e capuz anatômico, com aba de borracha flexível, e ajuste em cordão. Compre em: www.curtlo.com.br

MOCHILA D’ÁGUA Para matar a sede durante o pedal. Feita em poliéster impermeável, tem reservatório de água em silicone, com capacidade de 2 litros, registro em silicone com trava antivazamento, interior 100% térmico, 3 bolsos extras porta objeto, porta Ipod e saída para fone de ouvido. Saiba onde comprar em: www.moovibrasil.com.br

EQUILÍBRIO Desenvolvida para ajudar crianças a desenvolver equilíbrio, coordenação motora e autoconfiança antes de pedalar. Tem buzina, cestinha em tecido, banco ajustável, assento almofadado, alça transportadora e rodas pneumáticas aro 12”. Disponível nas cores rosa, preta, azul e verde. Compre em: www.runnabike.com.br Fotos Divulgação

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CONEXÃO NAS LADEIRAS DE SÃO FRANCISCO Por Maria Rita Horn

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Foi com olhar de deboche que o menino da agência de aluguel de bikes me mirou quando eu perguntei: “mas eu posso andar carregando a bicicleta do lado do corpo, né?”, assustada com a possibilidade de me aventurar com uma delas no trânsito de San Francisco, nos Estados Unidos. Ele tinha acabado de me explicar que, na cidade, é proibido pedalar nas calçadas. Também tinha

me perguntado se eu costumava andar muito de bike onde eu morava. “Não muito” foi meu eufemismo para “não faço isso há pelo menos uma década”. Quando estive em SF, em junho de 2012, lojas de aluguel de bikes existiam aos montes, principalmente na área das docas, para atender a turistas que, como eu, queriam se aventurar na travessia de bike da ponte Golden Gate. Leis como a de não andar em cima da magrela nas calçadas e uma ampla rede cicloviária são demonstrações de como a cidade é adepta da bicicleta como meio de transporte. Apreensiva em dividir espaço com carros e ônibus - já que em Porto Alegre, há dois anos, ciclistas eram menos respeitados ainda do que são hoje -, carreguei a bike ao meu lado até o ponto onde eu sabia que havia ciclofaixa. Lembrei da observação que ele me deu para


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Fotos: Carol Corso


CONEXÃO 40

tomar cuidado com as paradas de ônibus em uma das maiores avenidas do caminho. Nesses locais, esses veículos encostam no espaço reservado. Também me assustava a velocidade com que muitos ciclistas andavam. Imagino que minha falta de destreza com a bike tenha irritado os mais experientes. Por vezes fui xingada por alguns. Ao fim da travessia da Golden Gate, um deles até me assustou e quase caí da bicicleta em uma descida acelerada – momento em que por frações de segundo quase me arrependi de não ter adquirido o seguro. Descobri que a cidade se tornou berço do evento Massa Crítica ao abrigar a primeira edição dele, em 1992, e por isso tem um movimento tão forte de ciclistas. O contraditório é que até agosto de 2013 não havia nenhum sistema público de compartilhamento de bicicletas em SF, já comum em grandes cidades como Paris e Barcelona, por exemplo. O Bay Area Bike Share recém completou um ano por lá. Atualmente, são 700 veículos distribuídos em 70 estações.

GOLDEN GATE Mas voltemos à crônica da viajante que vos fala em um dos passeios mais famosos da cidade. A travessia da Golden Gate de bike estava na minha lista de atrações imperdíveis indicada por uma amiga de adolescência. A viagem dura praticamente um dia. Basta alugar uma bike no início da manhã, por um dia, para ir até o outro lado de uma das mais famosas pontes dos Estados Unidos, curtir um pouco de Sausalito e, na volta, retornar a San Francisco em um ferry boat. A loja que minha amiga tinha indicado tinha uma filial no centro da cidade, perto do hostel onde eu estava, e outra próximo à região das docas. Por azar das minhas pernas, escolhi locar a bicicleta justamente no ponto que tornava o percurso mais longe. Por sorte da memória, o caminho era mais bonito. Passaram-se umas seis horas entre pedalar pela cidade, achar o local certo onde começar a travessia (a ponte tem um lado para pedestres e outro para ciclistas), cruzar


a ponte vermelha, chegar a Sausalito e voltar no ferry. Então começava a última parte da viagem: devolver a bike na mesma loja, lá no centro da cidade. Puxei o mapa e escolhi o caminho que parecia mais fácil, por ser mais curto. Mas esqueci que mais curto não significa livre de ladeiras. E em San Francisco elas se multiplicam e são três vezes piores que a Lucas de Oliveira. Para quem quer vida fácil, há opções de bicicletas elétricas para locação nas lojas. Já o projeto da Bay Area Bike Share tem

um tumblr onde publica perfil de usuários e prestadores de serviço, promoções de passes, missões de instagram e novidades no programa. Em junho, próximo ao dia 28, quando é comemorado o dia do orgulho gay, foi colocada no sistema uma bicicleta colorida chamada #pridebike. Como era apenas uma, quem registrasse a viagem com ela em fotos concorria a brindes variados. Confere essa e outras histórias lá em bayareabikeshare.tumblr.com. 41


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