EDIÇÃO #7 | DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
CAPACETE A opinião de quem usa e de quem dispensa o equipamento de segurança NA REDE Projeto colaborativo mostra que lugar de bicicleta também é na via
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SOMANDO FORÇAS “Juntos vamos longe”. Frase clichê, de comercial de televisão ou de quadrinhos com palavras motivacionais. Até pode ser, mas é vivendo o cotidiano que o clichê faz todo sentido: sozinhos até podemos ir mais rápido, mas juntos é que chegamos mais longe, além do que podemos imaginar. Esse é um aprendizado que vem da soma de cada dia de Velô, de cada dia de bicicleta, de cada dia de vivências que nos mostram o caminho para o futuro que queremos. A cada edição, além de novos conteúdos e histórias, compartilhamos com você, leitor, um pouco de nossa trajetória, de nosso crescimento, de nossa evolução. E a cada conquista, a cada novidade, reafirmamos nossa crença de que vivemos para criar conexões e trocas, e contribuir para construir as nossas e outras histórias. Nesta edição, trazemos mais histórias apaixonadas sobre o universo da bike, mostramos bons exemplos de mobilidade no Brasil e pelo mundo e viajamos a Pequim com uma de nossas colaboradoras. Boa leitura.
redação
CAPA Valdinei Calvento
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CONTATO redacao@revistavelo.com.br
JORNALISTAS RESPONSÁVEIS Lina Colnaghi MTB: 15204 Sabrina Silveira MTB: 13629
DISTRIBUIÇÃO Gratuita
PRODUÇÃO CS PRESS
PERIODICIDADE Trimestral
IMPRESSÃO Impressos Portão
Edição #7 Porto Alegre | 2015
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Todos os artigos assinados e as fotografias são de responsabilidade única de seus autores e não refletem necessariamente a opinião da revista.
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Pedalando e acelerando 5 com você
NESTA VELÔ
10 capacete não é lei
18 Manaus e as bikes
08 Ciclovias invisíveis
30 Mulheres no pedal
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40 Conexão Pequim
colaboradores
FERNANDA MORENA
DEB DORNELES
Jornalista, morou em Pequim por seis anos. Foi correspondente do portal Terra e stringer da BBC por lá, além de ciclista.
Você a encontra fotografando enquanto pedala pelas ruas da capital gaúcha.
KEYCE JHONES Designer e estudioso de urbanismo e arquitetura, atua como mobilizador para mostrar que a ciclomobilidade é um meio de transformação urbana e social.
ISABEL MUNIZ Professora de Português e ciclista em Fortaleza. Nas horas vagas, é fotógrafa amadora e viajante apaixonada.
MARINA HARKOT Estudante de ciências sociais, anda de bicicleta pela cidade enquanto pensa questões de política urbana, de mobilidade e de gênero.
YURI VASQUEZ Educador físico e mestrando em História Social, usa a bike como instrumento e a rua como laboratório de pesquisa. Fotógrafo nas horas vagas.
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na rede
Ciclovias invisíveis Por Lina Colnaghi Projeto fotográfico colaborativo lembra que pedalar na via é um direito. Ideia que começou com um trabalho acadêmico, hoje conta com vários colaboradores e está presente em diversas plataformas.
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Não só dar visibilidade ao direito de pedalar na via, como também à possibilidade real de usar a bicicleta como meio de transporte. Esse é o objetivo do projeto Ciclovias Invisíveis, idealizado e levado a cabo pela jornalista, fotógrafa e cicloativista Michelle Castilho. A ideia, que começou em 2011 como um trabalho de conclusão de curso para a faculdade de jornalismo, hoje é um projeto fotográfico colaborativo. “A proposta é mostrar que as pessoas estão ali, pedalando, mesmo não havendo ciclovia”, explica Michelle, que passou a usar a bike como meio
de transporte quando iniciou um estágio no laboratório de fotografia da faculdade, na cidade do Rio de Janeiro. “A sede do laboratório era em um lugar e a faculdade, onde cobríamos eventos, era noutro. Era muito longe para ir a pé e perto demais pra pegar um ônibus. Comecei a experimentar e me envolvi tanto que hoje a bicicleta é meu meio de transporte principal”, explica. Foi usando a bike nos deslocamentos que ela começou a perceber o quanto as pessoas pedalavam, mesmo sem uma infraestrutura específica. “Claro que é muito bom e importante existir ciclovias, mas de acordo com o Código Brasileiro de Trânsito é um direito da bicicleta dividir a via com os veículos. Pesquisei e tive a ideia de fazer um projeto fotográfico que mostrasse essas pessoas”, conta. Quando apresentou o ensaio, que foi reconhecido com uma nota 10
pela faculdade, o Ciclovias Invisíveis tinha uma página no Facebook, um blog e uma conta no Twitter. As fotos eram feitas por Michelle, descarregadas, tratadas e postadas em cada uma das mídias, o que tornou difícil a manutenção da atualização do projeto posteriormente, em função da demanda de seu trabalho como fotógrafa. Foi com a popularização do uso do aplicativo de fotos Instagram que a liberdade de que Michelle precisava chegou para fazer o projeto crescer. “Comecei a postar umas fotos no meu perfil e fiz o perfil do projeto, que hoje já tem quase 3 mil seguidores. Quando posto, automaticamente vai para a página no Facebook e para o Twitter”, explica. Além disso, qualquer usuário que utilizar a hashtag #cicloviasinvisiveis no instagram tem sua foto exibida no álbum colaborativo do site do projeto. Saiba mais: www.cicloviasinvisiveis.com
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segurança
Benson Kua, Creative Commons
CAPACETE:
QUESTÃO DE ESCOLHA Por Sabrina Silveira Falar de capacete ainda é tabu. Mas a verdade é que, na maioria dos países, usar ou não é uma decisão do ciclista, pois o acessório não é obrigatório. Confira a experiência de quem opta por usar ou por dispensar o capacete na cidade.
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Usar ou não capacete nos trajetos de bike na cidade é uma polêmica que gera infindáveis discussões mundo afora. Apesar de ser um item comum entre os ciclistas, o acessório não é obrigatório segundo o Código Brasileiro de Trânsito, assim como não é exigido em muitos países, principalmente na Europa, onde a bicicleta é amplamente usada como meio de transporte. Apesar disso, quem não usa capacete muitas vezes é criticado ou até mesmo culpabilizado em casos de acidentes. Até hoje, as pesquisas realizadas sobre uso do capacete são inconclusivas. Segundo estudo do Institute of Transport Economics de Oslo, na Noruega, de 2011, quando o risco de lesões na cabeça, rosto ou pescoço é avaliado como um todo, o equipamento fornece um efeito protetor muito pequeno. Este é um dos argumentos
utilizados pela Federação Europeia de Ciclismo (European Cyclists’ Federation) para explicar o posicionamento contrário à obrigatoriedade do item de seguraça. A organização cita, ainda, outra pesquisa que comprova que é mais provavel que alguém sofra ferimentos na cabeça como passageiro de um carro, ou como pedestre, do que como ciclista. Um dos argumentos que mais pesam é o de que obrigar as pessoas a usar capacete reforça uma imagem de periculosidade, que desencoraja novos ciclistas. A Austrália, país onde o uso tornou-se obrigatório, é citada como exemplo por ter reduzido o número de ciclistas nas ruas após 1990. A redução de ciclistas na rua implica em outro fator importante, comprovado em 2003 pelo engenheiro Peter Lyndon Jacobsen: onde há mais deslocamentos de bicicleta, maior é a segurança e menores são os números de fatalidades. Neste estudo foram analisadas 68 cidades da Califórnia, 47 cidades dinamarquesas, 8 países europeus e o Reino Unido. RESPEITO AO CICLISTA Apesar de não ser obrigatório, há uma cobrança social no Brasil para que se use o capacete. De acordo com o ciclista e membro da Associação dos Ciclistas de Porto Alegre (ACPA), Pablo Weiss, essa cobrança se dá por desconhecimento da leis, e acrescenta: “Se a legislação de trânsito fosse realmente respeitada por parte dos condutores de veículos automotores, a grande maioria das ocorrências de trânsito envolvendo ciclistas não aconteceria”. Segundo ele, o código de trân-
sito apresenta uma série de regulamentações que visam garantir a segurança do ciclista, como a distância mínima de um metro e meio. “Ocorre que nossa realidade é diferente daquela que existe na legislação. Vivemos em uma situação de total desrespeito e falta de cuidado para com o ciclista, e, diante disso, considero, sim, o capacete como um item essencial também para o ciclista urbano,” justifica Weiss. “Não que este capacete seja capaz de evitar lesões mais graves, como as que ocorrem quando um ciclista é atropelado por um veículo automotor, mas não podemos esquecer que outras situações de desrespeito podem ocasionar frenagens bruscas, tombos, colisões e ocorrências do tipo, e nesses casos o capacete pode evitar lesões e até salvar a vida do ciclista”. A Associação Transporte Ativo, que atua na promoção da bicicleta no Rio de Janeiro desde 2003, é taxativa com relação ao vínculo entre bicicleta e capacete, até mesmo em campanhas publicitárias. Segundo eles, a imagem reforça ao público não-ciclista que a bicicleta é perigosa, e por isso precisa de equipamentos de proteção, e ajuda a culpabilizar os ciclistas que não usam. “O capacete não tem nada de essencial para o ciclista urbano, é um acessório que quem gosta deve usar. Ele não ajuda em nada em uma colisão e sua promoção exacerbada ainda atrapalha a promoção do uso de bicicletas”, afirma Zé Lobo, um dos diretores da organização. E completa: “É apenas uma forma de manter a lógica dos automóveis viva, e, é claro, a famosa indústria do medo em ação”. 11
CONFIRA O DEPOIMENTO DE QUATRO CICLISTAS SOBRE O HÁBITO DE USAR O CAPACETE:
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Por sorte eu moro num país onde o capacete não é obrigatório, o nosso código de trânsito apenas recomenda o uso, de modo que isso fica como uma escolha pessoal de cada indivíduo. Eu não vou dizer para ninguém que não use o capacete, mas também não quero ninguém me dizendo que eu devo usar. Se a preocupação for o risco de acidentes e os potenciais choques à cabeça, então devemos usar capacete numa série de outras atividades, que não apenas a bicicleta, incluindo andar de carro. Eu não pretendo ridicularizar o uso do capacete, pois acredito que isso é uma escolha pessoal, cada um deve decidir se usa ou não. Se você fica mais confiante ou se sente confortável usando um capacete, isso é uma escolha sua. Mas cuidado, não caia na armadilha da compensação do risco. Não vá achar que só porque está de capacete você é invencível, pois na hora que um ônibus te atropela, o capacete dificilmente vai te salvar. As vezes é mais seguro não usar capacete mas pedalar com mais cuidado, mais devagar. TIAGO MORAES LEITMAN, 37 ANOS
Foto Arquivo Pessoal
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Eu não uso capacete. Mas essa decisão não é uma máxima na minha vida. Minha opção nada tem a ver com ativismo sobre a discussão da obrigatoriedade. Não uso porque é desconfortável, coça, esquenta e, principalmente, atrapalha a minha visão. Não uso capacete porque pedalo devagar, sempre à direta, sem fones de ouvido e de forma muito cautelosa. Uso a bike como meio de transporte e lazer há quatro anos e nunca sofri um acidente ou fui atropelada - não que eu tenha esperança de que isso jamais vá acontecer. Justamente porque sou prudente. E também porque acredito que se um acidente sério acontecer, ele não vai fazer tanta diferença. Não existem pesquisas e testes suficientes para comprovar sua eficiência no caso de um atropelamento por um ônibus, por exemplo. Tenho a percepção de que o acessório é, sim, eficiente nos casos de acidentes leves. MARINA SARTORI, 28 ANOS
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Foto Arquivo Pessoal
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O meu capacete está sempre pendurado na bicicleta ou na porta de casa. Tenho cabelo curto e ele ajuda a segurá-lo e a me fazer chegar menos descabelada nos lugares. Ah! Aquela viseira na frente protege do sol e no inverno ele esquenta a cabeça. Sei que um boné teria essas mesma funções mas, em caso de queda, o capacete serve pra proteger - como serviu na vez em que caí e bati a cabeça no asfalto. Em resumo: uso por for força do hábito e porque é cômodo para mim, e não porque alguns motoristas acham que seria ‘menos ciclista’ se não usasse. MARCELLA OLINTO, 26 ANOS
Foto Caminhos do Sertão
Foto Deb Dorneles
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O uso do capacete como equipamento é essencial para a segurança porque já tivemos inúmeros casos de acidentes em que ele foi o responsável por salvar a vida do ciclista ou evitar alguma lesão grave. Certa vez eu saí para me locomover até o bairro vizinho e sofri um acidente. Caí e bati a cabeça. Se não fosse o capacete eu teria sofrido uma lesão muito grave. O equipamento ficou destruído, cheio de rachaduras na parte interna e externa. Muitos não buscam os diversos tipos de capacete conforme sua preferência e estilo, ou não sabem utilizar de forma correta. Existem diversos modelos, cores, tamanhos, masculino e feminino, uso urbano, competitivo, entusiasta, personalizados entre outros. Uma das vantagens que percebo é que os motoristas nos enxergam com outros olhos e acabam nos respeitando mais, isso também é notável quando vestimos roupas de ciclismo. Na minha opinião o capacete deve ser usado sempre, tanto para uma pedalada longa quanto para uma simples pedalada no parque.” MATEUS DALLA LANA, 24 ANOS
Foto: Carlos Felipe Pardo| CreativeCommons
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entrevista
QUEM QUER MUDANÇA? Sócio-fundador e coordenador geral da TC Urbes, Ricardo Corrêa já atuou na criação e implantação de projetos de mobilidade urbana em diversas cidades brasileiras. Para ele, a dificuldade de se aplicar mudanças também é culpa da sociedade e não só dos políticos. Corrêa é coautor do livro A Bicicleta e as Cidades e criador da bicicleta Urbana, desenvolvida especialmente para as cidades brasileiras.
Velô: Como se dá o processo de desenvolvimento de um plano cicloviário em uma região ou cidade? O que é mais importante avaliar? Ricardo Corrêa: Na TC Urbes desenvolvemos e aperfeiçoamos uma metodologia, ela é técnica e subjetiva simultaneamente, pois avaliamos o aspecto físico da cidade e a relação das pessoas com o uso desse espaço, assim temos um diagnóstico que é fruto também de diversas metodologias participativas. Isso é o principal: entender como a população se relaciona com o espaço, como é esse espaço e o que a população quer, para assim definir o que é possível fazer dentro das limitações politicas, sejam elas orçamentárias ou de vontade de mudar. Velô: Qual a principal dificuldade de se levar adiante projetos cicloviários nas esferas públicas de acordo com a sua experiência com a TC Urbes? RC: Em cada cidade ela aparece de uma maneira, temos que enfrentar todos os dogmas,. Mesmo havendo sido contratados por licitação, isso não significa que o poder público 14
tem real intenção de implantar o projeto. Temos elaborados projetos lindos, que sabemos que ficaram engavetados, embora outros aos poucos estejam em implantação. Vivemos em uma sociedade muito tradicional. Adoro uma charge que mostra um político e uma plateia, O Politico diz: “Quem quer mudança?!”, todos levantam a mão. Depois diz: “Quem quer mudar?!”, a plateia se silencia. É isso, a culpa é nossa mesmo, da sociedade que se silencia, não dos políticos. Velô: O que você achou da decisão do MP de barrar as obras de ciclovias em SP? RC: Bons argumentos, péssimos fundamentos. Entendo que é muito complexo um magistrado ter uma opinião formada sobre tudo. As pessoas que tomaram essa decisão não pensaram em como poderiam ajudar as pessoas que já dependem da bicicleta para se deslocar ou que são potencial usuários. Tomaram as decisões com base na sua cidade, intocável, tradicional e burguesa, uma cidade que não dá a opção para qualquer um ser livre como queira.
Velô: Desde quando você começou a pedalar o que evoluiu mais, o respeito ao ciclista ou a estrutura das cidades? Pedalo a vida inteira, estou com 37 anos. Com 10 eu passei a pedalar como meio de transporte, são vinte e sete anos pedalando pelas cidades. Há mais de dez que pedalar faz parte do meu trabalho. Essa resposta depende da cidade e da convivência. São Paulo, por exemplo, mesmo sem as ciclovias desse ano, já é uma cidade (no Centro Expandido), muito mais agradável de pedalar que o Rio de Janeiro, com as suas ciclovias, ou Salvador, sem elas. Já Belo Horizonte é semelhante a São Paulo e Porto Alegre fica no meio termo.
Foto: Divulgação
Foto Divulgação
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QUEM SÃO? Munir Klamt e Laura Cattani, ambos artistas. DESDE QUANDO PEDALAM? Munir começou em 1997, porém passou a usar como meio principal de transporte em 2008. Laura começou a andar de bicicleta em 2009. POR QUE ESCOLHERAM A BICICLETA? Escolhemos por sua agilidade, praticidade, economia, e por questão de consciência. Consideramos a opção mais correta em âmbito urbano. Fotos: Deb Dorneles Agradecimentos para Anderson Astor 16
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mobilidade
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Foto Keyce Jhones
mobilidade
MANAUS SOBRE DUAS RODAS Por Keyce Jhones A capital do Amazonas ainda está longe de alcançar a infraestrutura cicloviária de que necessita para atender seus ciclistas, mas o número de bicicletas pelo cidade só aumenta, assim como crescem as iniciativas para fomentar o uso das magrelas.
Desde a criação da associação Pedala Manaus, em 2010, a cidade amazonense ganhou mais força na batalha por espaço destinado aos ciclistas. Em 2013, a associação desenvolveu uma pesquisa de origem e destino na área urbana da cidade, para identificar o perfil exato daqueles que utilizam a bicicleta como meio de transporte. Nessa amostragem foi identificado que 45% dos deslocamentos de bicicleta são feitos por pessoas que vão ao trabalho, 30% são para lazer, 14% utilizam para ir a universidades, 4% para escola ou cursos, outros 4% são para compras, 2% são para esporte e 1% restante são para outras atividades. “É perceptível o aumento do número de bicicletas nas ruas de Manaus para os mais diferentes fins. Mas, na contramão desse crescimento, Manaus teve pouquíssimo avanço do ponto de vista estrutural. Há um projeto contemplando uma ciclovia com 14 km em andamento, mas apenas um trecho de 2 km foi entregue à população, estando o restante da obra paralizado”, aponta Simone Russo, uma das
coordenadoras do Pedala Manaus. Mesmo assim, segundo estimativa da prefeitura, só em 2011 foram feitas 27 mil viagens de bicicletas por dia, o equivalente a 0,88% do total de viagens de transportes realizados. Os principais locais estão concentrados em regiões de atrativos culturais, de lazer e de comércio como, por exemplo, o Centro Histórico da cidade. As ciclovias e ciclofaixas em Manaus ainda estão fragmentadas e em poucos quiilômetros, como a da Avenida Nathan Xavier, na região Centro Sul, e algumas projetadas dentro de espaços como o Parque dos Bilhares, muito tradicional para encontro de ciclistas que pedalam à noite durante a semana, e o Parque Mestre Chico, no Centro Histórico. O Pedala Manaus é uma das principais associações sem fins lucrativos da cidade. Surgiu a partir de um grupo de amigos biólogos que trabalhavam no Inpa – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia -, e organizavam um passeio de bike, em grupo, por semana. Com o tempo, o número de participantes aumentou e os dias de pedaladas também. A partir do Pedala Manaus surgiram muitos outros grupos de pedal pela cidade, hoje somando mais de dez. Além dos grupos, hoje a associação promove a escola de bicicleta para adultos, palestras e atividades práticas para motoristas de ônibus, participações em 19
Crédito: Ione Moreno
Pesquisa realizada em 2013 mostra que 45% dos deslocamentos de bicicleta são feitos por pessoas que vão ao trabalho em Manaus. blitz de sensibilização e uma contínua campanha educativa por meio das redes sociais. “Também buscamos diálogo com o poder público e oferecemos nossos estudos e pesquisas, a fim de contribuir com o necessário planejamento cicloviário e mudanças estruturais para Manaus”, completa Simone. O Pedala Manaus também é responsável pela organização do Fórum de Bicicletas Manaus, que já está na quarta edição. Segundo Simone, uma das maiores conquistas dos últimos anos é o expressivo número de ciclistas nas ruas, em especial do público feminino. “Notadamente é um sintoma da mudança de cultura em relação ao uso da bicicleta”, explica ela. De acordo com o mesmo estudo realizado pela entidade, 68,5% dos deslocamentos são feitos por ho20
mens e 31,5% são feitos por mulheres. Dentre outras iniciativas que estão ajudando a divulgar o ciclismo urbano está o blog Cycle Chic Manaus, inspirado no termo “cycle chic” de Michael Mikael Colville-Andersen em 2007. Criado em 2011, o blog registra os ciclistas que pedalam na cidade com roupas casuais, do dia a dia, inspirando mais pessoas a usar a bicicleta como meio de transporte e não só como forma de esporte. “Já é possível ver senhores e senhoras muito estilosos pedalando pela cidade. Você os encontra em qualquer lugar, principalmente no Centro Histórico e nas periferias”, afirma um dos criadores do blog, Rodrigo Seixa. Como o movimento vem crescendo, Seixa pretende iniciar encontros mensais, pedaladas de turismo e trazer para Manaus o já famoso Tweed Ride, que reúne ciclistas vestidos em trajes vintage.
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life style
NA GARUPA Por Lina Colnaghi Lugar de criança é em cima da bike, com seguraça. Confira relatos de pais que utilizam as cadeirinhas e dicas de como escolher a mais adequada. Em deslocamentos diários ou em passeios de lazer, levar os pequenos na bicicleta é uma ótima maneira de introduzí-los ao mundo da magrela. Que o diga o técnico em informática Jonsue Trapp Martins, pai do João Vicente, hoje com 5 anos. Desde o primeiro ano de idade do filho eles passeavam juntos de bicicleta - o pequeno na cadeirinha. “Sempre gostei muito de pedalar e acho importante incentivar os filhos, além de ser um lazer muito interessante”, diz Martins, que usa a bicicleta todos os dias para ir ao trabalho e faz alguns treinos para participar de campeonatos. O incentivo ao filho vingou tanto que agora João Vicente já pedala a própria bike, sem rodinhas. “Durante o ano passado buscava meu filho na escola de bicicleta, mas notei que a cadeirinha traseira já estava ficando pequena e adquiri um extensor de bike. A partir dos dois anos ele utilizou, também, uma bike de equilíbrio e com cinco anos comprei uma bike aro 20 para ele”, conta Martins. O analista de TI Yuri Damasceno Schultz tem duas filhas - Letícia, 8 anos, e Bianca, 3 anos - que também conheceram a bike bem pequenas. “Desde que a Letícia deu seus
primeiros passos comecei a levar ela na cadeirinha nos passeios. Assim que ela cresceu deu espaço para a Bianca na cadeirinha. Hoje a Lê pedala a própria bike e encara nossos passeios - trajetos que já chegaram a 15 km”, conta Schultz. Ele prefere a cadeirinha traseira, por entender que é a posição mais segura para transportar os pequenos. “Usando a cadeirinha dianteira, apesar da maior interação com a criança, em caso de uma queda ou acidente a inércia projetaria toda a carga do seu corpo sobre o assento, causando um acidente feio. Acredito que o assento dianteiro possa ser usado em parques, em baixa velocidade, mas como transporte fica perigoso”, argumenta. Schultz acredita que o melhor ensinamento que os pais podem dar é o exemplo. “O resultado que mais vejo nas pequenas, especialmente na Letícia, é o desenvolvimento da autoconfiança, tão comum na infância de quem brincou na rua, subiu em árvore e brincou de esconder no mato, mas cada vez mais raro nas crianças de hoje. A bike te dá esta oportunidade desde o momento em que se supera o medo de pedalar sem rodinhas”, conta. Já Bianca, na cadeirinha, vai com suas bonecas cantando, contando as coisas que aconteceram na escola e comentando sobre o que vê na rua “Tem o momento único de escalar e desescalar a bike. Ela quase chora se eu insinuo que vou ajudar”, diz. 23
Crédito: Arquivo Pessoal
Na hora de escolher Confira dicas técnicas para ajudar a escolher o equipamento correto e manter a segurança da criança na carona. DIANTEIRAS X TRASEIRAS • Geralmente as cadeirinhas dianteiras são indicadas para crianças pequenas, que precisam ficar mais à vista dos pais, entre 9 meses e 2 anos de idade. • As cadeiras traseiras são indicadas para crianças até 5 anos. NÃO PODE FALTAR: • Cinto de segurança com mínimo de três pontos ajustável; • A criança deve ficar totalmente protegida dentro da cadeira, incluindo corpo e pernas; • A fixação da cadeira deve ser confiável e robusta; • É importante um assento com espuma adequada para aumentar o conforto da criança.
Martins carrega o João Vicente na bike desde o primeiro ano de idade, hoje o menino tem cinco anos.
Crédito: Arquivo Pessoal
MATERIAL DO PRODUTO • Deve ser fabricada com plástico apropriado para a fabricação de mesas e cadeiras - é o ideal para evitar trinca e quebras - nunca com material reciclado. Como é difícil o consumidor identificar essa característica na hora da compra, indica-se procurar uma marca de empresa confiável, que dê garantia no produto. INSTALAÇÃO • Cada modelo tem suas particularidades de instalação, mas é importante, sempre, antes de cada passeio, verificar toda a fixação, pois alguns parafusos podem afrouxar com o uso Fonte: Tércio Paiva, diretor da Kalf.
Schultz prefere a cadeirinha traseira, por entender que é a posição mais segura para transportar os pequenos. 24
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eu pedalo
Sobre amar duas rodas... Por Isabel Muniz Ganhei minha primeira bicicleta, rosa com rodinhas de apoio brancas, por volta dos sete ou oito anos. Tenho lembranças do meu pai me levando para a praça do bairro e me ajudando a criar coragem para andar sozinha. Depois de tirar as rodinhas foi sucesso: ia para a praça, passava pela calçada de concreto e esperava ansiosamente os trechos lisinhos, sem buracos ou fendas. O campo da praça entrou em reforma e uma montanha de areia vermelha ficou esquecida por lá. Eu
Por Helga Bevilacqua*
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já tinha minha segunda bike, roxa, minha cor predileta, e resolvi ganhar as ruas do bairro. Foi quando meu pai resolveu voltar a andar de bike e comprou uma laranja de alumínio, uma modernidade praquela época. Já adolescente lembro de ter ganhado uma nova, barra fixa, vermelha, com cestinha e tudo, mas não me sentia tão empolgada para pedalar. Era hora de fazer amigos na escola, conhecer novos lugares e sabores. Deixei a amiga de lado, mas voltei a utilizá-la, com cadeirinha,
Crédito: Arquivo Pessoal
quando meu primeiro sobrinho, Patrick, nasceu. Ele cresceu rápido e eu logo já não podia mais transportá-lo. Deixei, de novo, minha amiga de lado e a doei para uma instituição religiosa no Interior. Morada nova, faculdade de Letras, viagens pela Europa, e resolvi me mudar para um bairro mais jovem, para ter independência, me virar, trabalhar e viver sozinha. Morando perto do centro era prático e seguro andar de bike, então chamei meu pai para ir a uma feira popular e comprar uma bem baratinha. Ela tinha uma cor legal (verde), bagageiro e barra central inclinada, como eu precisava. Voltei a andar de bike com gosto e gás! Faculdade, natação, compras no shopping e no centro, tudo só com ela. Mal sabia eu que aquela cor era a preferida do meu futuro companheiro de vida e de amor por duas rodas. Meu, na época, namorado, Pierre, um francês romântico e delicado, sem ter como voltar pra casa de madrugada pegava minha bicicleta e pedalava alguns quilômetros. De manhã cedo, ele me levava na garupa até o ponto do ônibus e esperava que meu ônibus chegasse. Na minha primeira viagem para a França eu implorei: “vamos fazer um passeio de bicicleta pelo centro de Lyon”! Limpamos as bicicletas dos pais dele, que estavam esquecidas no porão, e descemos a ladeira rumo às ruas com ciclovias, semáforos para ciclistas e outra infinidade de privilégios que é o sonho de quem pedala na minha cidade natal. Nos casamos duas vezes: em 23 de fevereiro e 13 de julho de 2012. O presente de casamento de minha mãe: duas bicicletas. No dia 13, na França, chegamos à prefeitura montados numa Peugeot 102 verdinha, que embora fosse uma mobilete de pedal, me lembrou demais nossos passeios matinais
sobre as duas rodas da bike verde, na época de namoro. As bicicletas passaram a ser nosso meio de transporte principal. Fomos redescobrindo nossa cidade durante passeios aos sábados, domingos e feriados. Eu descobri o prazer de pedalar segurando a mão de quem se ama descendo uma ladeira, aprendi a ler os movimentos de quem anda à frente e a enfrentar o medo de ruas movimentadas. O planeta e meu coração agradeciam por isso. Mas eu queria mais, trabalhava longe e não podia usufruir como eu queria da bicicleta. Consegui mudar de escola e trabalhar em outra a três quilômetros de casa. Ir e voltar de bicicleta para o trabalho está sendo a nova descoberta e o imenso prazer de todos os dias da semana. Quando voltei de uma viagem a Amsterdã fui a uma feira agroecológica e vi bicicletas que lembraram a cidade e suas magrelas coloridas, com pessoas elegantes. Não hesitei e troquei a minha, um charme. Todo mundo no trabalho elogiou, as crianças me apontam na rua, eu me sinto segura e feliz sobre ela. Tenho aprendido a ver o mundo com outros olhos, a respeitar os pedestres, a descobrir novas rotas e a entender a importância de ajudar o planeta a ser mais agradável. Ocupar menos espaço tem sido meu objetivo no trânsito. Conscientizar os colegas, amigos e familiares é o grande desafio. Há um preconceito quando o assunto é pedalar: “ah, mas eu moro longe”, “as ruas são muito movimentadas”, “o carro é mais seguro”... e, escutando, eu sigo tranquila pelas ruas de Fortaleza. * Isabel Muniz é professora de Português e ciclista em Fortaleza. Nas horas vagas, é fotógrafa amadora e viajante apaixonada. 27
ciclista girassol Morador de São Paulo, o artista Valdinei Calvento (foto) consegue captar a sensibilidade de uma bicicleta de forma única. É dele a arte da capa desta edição da revista. As ilustrações ao lado são só algumas do portfólio dele, que você pode conferir em bicicletagirassol.com. HÁ QUANTO TEMPO VOCÊ É ILUSTRADOR? Trabalho há uns 15 anos com arte e ilustração. Tive passagens por algumas marcas de moda e há quatro anos tenho meu próprio estúdio. COMO SURGIU A TUA RELAÇÃO COM A BIKE? Comecei a usá-la para trabalhar há uns oito anos, e pouco tempo depois conheci o movimento que acontecia em São Paulo. Em 2009 comecei a frequentar a Massa Crítica e, desde então, a bicicleta faz parte de meu trabalho e cotidiano. NO QUE VOCÊ SE INSPIRA DIARIAMENTE? Busco com meu trabalho sensibilizar as pessoas, por isso estou sempre prestando atenção aos códigos de relacionamento e às histórias que as pessoas contam. O QUE É BICICLETA PARA VOCÊ? Acho que a bicicleta hoje é um elo entre pessoas, um portal que depois de atravessado nos torna mais parecidos.
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artigo
As mulheres e as bicicletas Por Marina Harkot e Yuri Vasquez, Ciclocidade*
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O caráter de transformação social e empoderamento que o simples “andar de bicicleta” carrega consigo é irrefutável e precisa estar ao alcance de todos. A invenção das bicicletas como conhecemos hoje se deu em meados dos anos 1870 e, desde muito cedo, elas foram apropriadas pelas camadas populares e movimentos sociais. O movimento feminista logo percebeu o potencial que o ciclismo carregava - é célebre a frase de Susan Anthony, uma maiores sufragistas norte-americanas, que não sem motivos nos lembra que “A bicicleta fez mais pela emancipação da mulher do que qualquer outra coisa
Crédito: Sylvia Sanchez
no mundo.” Na luta pelos direitos políticos e trabalhistas das mulheres, a bicicleta se mostrou como o meio que as libertou da dependência dos maridos para os deslocamentos e exerceu até mesmo impacto no vestuário — frequentemente atribui-se ao ciclismo a adoção e popularização das calças no guarda-roupa feminino. As magrelas foram aliadas importantes do gênero feminino na conquista e ocupação do espaço público e da liberdade de movimento nas cidades, além de se mostrarem como uma opção de lazer e para a prática de esportes. O uso da bicicleta em São Paulo não é recente e nem decorrência de políticas específicas de uma ou outra gestão. Apesar de se mostrar bastante em evidência nos dias de hoje e voltar a ocupar espaço significativo nos bairros centrais, há relatos de bicicletas circulando pela cidade desde a virada do século XX. Naquela época, andar de bicicleta na cidade já estava relacionado à locomoção, assim como a fins esportivos e recreativos — nas periferias e fora dos centros urbanos o ciclismo nunca foi novidade e tampouco questionado, graças a seu baixo custo e praticidade. Já naqueles tempos existem indícios de mulheres pedalando pelas ruas paulistanas. O caráter político do ciclismo urbano chega ao Brasil com o processo de redemocratização. A popularização da bici-
cleta e uso nos bairros mais nobres da cidade (e, consequentemente, seu ganho de visibilidade pelos atores da máquina pública) acompanha a trajetória já conhecida em outros países. Assim, se o boom do cicloativismo na cidade está atrelado à Massa Crítica, o primeiro grupo de ciclistas de São Paulo tem início com a conhecida ciclista Renata Falzoni. Na década de 1980, Falzoni liderou a fundação do “Night Biker’s Club” na tentativa de extrapolar seu uso como meio de locomoção. O grupo liderado por Falzoni assumiu um papel importante na inclusão do texto relacionado a bicicleta no Código de Trânsito Brasileiro já na década 1990. Outra figura importante em São Paulo é Teresa D’Aprile, que fundou em 1992 o “Saia na Noite”, atualmente o maior e mais antigo grupo de pedal exclusivamente feminino da cidade.
CONTEXTO ATUAL As mulheres foram algumas das primeiras protagonistas a levantarem ativamente a bandeira da bicicleta como meio de locomoção viável e mostrar à população que outras maneiras de se locomover para além dos carros e do transporte público são possíveis. Entretanto, a presença do gênero feminino nas contagens de ciclistas realizadas por diversas organizações que lutam por visibilidade e pela adoção de políticas de ciclomobilidade atualmente é tímida. Não podemos esquecer que foi o atropelamento de Márcia Prado e Juliana Dias — duas figuras importantes no movimento cicloativista paulistano — a orientar as lutas dos últimos anos que culminaram na construção da ciclovia na Avenida Paulista, a via mais simbólica da maior cidade da América do Sul. Em levantamento realizado com dados de 39 contagens de ciclistas nas cidades de São 31
Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Aracaju, Recife e Niterói entre 2008 e 2015, constatouse que a média histórica da presença de ciclistas mulheres não ultrapassa 6,9% — ao passo que o gênero feminino corresponde a 51% da população brasileira. A fim de investigar tais números e pensar em como fomentar o aumento do uso da bicicleta pelas mulheres, a Ciclocidade — Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo — criou o GT Gênero. Enxergamos a bicicleta como um elemento central na apropriação do espaço público pelas pessoas e, para tal, é preciso que os diferentes gêneros também estejam representados. Precisamos entender, por exemplo, os motivos pelos quais é tão expressiva a pouca participação de mulheres dentre ciclistas e como promover uma mudança nesse cenário. Os papéis sociais feminino e masculino historicamente construídos exercem grande influência nesses dados, mas como revertê-los a nosso favor? Os desafios são grandes, mas o trabalho em busca de cidades realmente equânimes, nas quais as políticas sejam pensadas de forma inclusiva precisa ser encarado. O caráter de transformação social e empoderamento que o simples “andar de bicicleta” carrega consigo é irrefutável e precisa estar ao alcance de todos. Para além de buscar reinterpretar a divisão entre os gêneros feminino e masculino dentro do universo da bicicleta, também é um objetivo futuro do GT abarcar a questão LGBT. Se queremos que a discussão sobre gênero na agenda da ciclomobilidade seja verdadeiramente includente, esse público também tem que ser considerado. * Membros da Ciclocidade, associação sem fins lucrativos, que tem como missão contribuir para a construção de uma cidade mais sustentável, baseada na igualdade de acesso a direitos, promovendo a mobilidade e o uso da bicicleta como instrumento de transformação. 32
pedal seguro Com a chegada do outono anoitece cada dia mais cedo e é comum terminar ou começar um pedal já no escuro. Confira algumas dicas para aumentar sua segurança ao pedalar quando o sol já se foi. ATENÇÃO:
SINALIZAÇÃO:
• Sinal verde: se nem sempre os semáforos são respeitados, à noite isso é ainda mais frequente. Observe bem e certifique-se de que pode cruzar uma via. •Procure não parar em lugares mal iluminados ou com pouco movimento para evitar assaltos. •Mesmo que a rua esteja sem movimento, nunca pedale na contramão. •Cuide as saídas de garagens e portas de carros estacionados para não ser atingido. •Se possível pedale em grupo, assim a visibilidade dos motoristas aumenta, além de ser mais seguro.
• Procure usar roupas claras e\ou com detalhes refletivos. • O Código Brasileiro de Trânsito lista como equipamentos obrigatórios sinalização noturna dianteira, traseira, lateral e nos pedais. • O ideal é manter uma luz intermitente (que pisque rápido) na cor vermelha na traseira da bicicleta, e uma luz na cor branca piscante na dianteira. • Óculos com lentes amarelas aumentam a visibilidade à noite. • Você pode complementar a sinalização com tiras refletivas no capacete.
Foto: Sascha Kohlmann, Creative Commons
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Mobilidade em 1 Instante: escolha diária
Todos os dias, ao sair de casa, ela faz uma escolha: velocidade ou qualidade? Todos os dias a resposta é a mesma: ela quer vivenciar as ruas por onde passa, quer exercitar seu corpo, quer encontrar seus amigos, parar para conversar e se atualizar das novidades. Quer poder sentir a brisa no rosto, o perfume dos produtos no mercado, o sol em sua pele. Quer interagir com aqueles que passam, sorrir para a criança na calçada e parar ao ver uma flor. A velocidade não a interessa. Passar direto pela vida de sua cidade só para chegar ao seu destino e voltar para casa parece vazio e um desperdício de tempo. Estar fechada atrás do vidro sem poder interagir com nada a faz se sentir oprimida.
Crédito: Mark Fischer
A série Mobilidade em 1 Instante é movida pela fotografia. Trazemos imagens que nos inspiram e que permitem uma reflexão sobre a mobilidade e a vida nas cidades. Série completa: thecityfixbrasil.com
Claudio Olivares Medina, Creative Commons
6 IDEIAS PARA CONSTRUIR A CULTURA DA BIKE O Fórum Mundial da Bicicleta reuniu 4 mil pessoas em Medellín, na Colômbia, e dele nasceram seis ideias para tornar as cidades mais saudáveis, seguras e bikefriendly: Convidar os amigos: experimentar é o primeiro passo, e nada como o incentivo de um amigo ciclista para começar a pedalar. Mais ciclovias, mais dias sem carro: investir em infraestrutura e criar condições para seu uso é fundamental. Aumentar o orçamento: mais verba para infraestrutura em transporte ativo é um sinal de que os líderes municipais vão além da retórica. Políticas nacionais para a bicicleta: representam um avanço da agenda em todos os níveis, 34
expandindo as boas práticas em escala nacional. Mais facilidades para as bikes: expandir a infraestrutura do ciclismo ajuda a tornar o modal mais seguro e viável. Levar a bicicleta a sério: afinal, não é só lazer, é um meio de transporte.
uma colaboração
TELHADOS VERDES EM COPENHAGUE Uma das cidades mais desenvolvidas do mundo no quesito sustentabilidade, Copenhague, na Dinamarca, tornou obrigatória a instalação de telhados verdes no topo de seus prédios. A lei é parte dos esforços para que a cidade alcance a meta de ter zero emissão de carbono até 2025. Atualmente, possui 20 mil m² de superfícies verdes e a previsão é que 5 mil m² sejam implantados por ano. Quem ganha são os moradores, que terão mais eficiência no uso de recursos, qualidade de vida e ar limpo para respirar! Chesapeake Bay Program, Creative Commons
Jens Schott Knudsen, Creative Commons
70 mil livros no metrô
E se em vez do WhatsApp de cada dia, você usasse o inseparável smartphone para ler um livro durante a viagem no transporte coletivo? O metrô em Beijing, na China, deu esta opção aos seus usuários através de uma biblioteca digital com nada menos que 70 mil títulos disponíveis para download gratuito. Para acessá-la, basta posicionar o celular em frente ao QR Code encontrado dentro do próprio vagão. Será que a China vai ‘exportar’ essa ótima ideia também?
CURITIBA SANCIONA LEI DA BICICLETA Em janeiro, Curitiba se tornou a primeira capital brasileira a ter uma norma que destina 5% das vias urbanas para a construção de ciclovias e ciclofaixas. Inédita no país, a Lei n.º 14.594, ou Lei da Bicicleta, institui a bike como modal de transporte regular de interesse social. Todas as ciclovias e ciclofaixas deverão ser interconectadas ao centro da cidade e integradas ao transporte coletivo. Além disso, terminais de ônibus e estabelecimentos de ensino e serviços deverão dispor de alguma forma de estacionamentos ou bicicletários. Curitiba deu um passo significativo rumo à mobilidade sustentável. VÁ DE BIKE E GANHE FOLGA Embora seja a capital mais congestionada do país, segundo uma pesquisa da TomTom, Recife também dá um bom exemplo para incentivar o deslocamento de bicicleta. Desde o início de março, os 160 servidores que trabalham no Ministério Público Federal de Pernambuco podem ganhar uma folga por pedalarem ao trabalho. A conta é simples: 15 dias úteis de bike valem um dia livre. Para facilitar o deslocamento de bicicleta na cidade, conhecida pelas altas temperaturas, vestiários também foram instalados no prédio do MPF-PE. Não tem mais desculpa para não pedalar! 35
Crédito: FábioArantes/SECOM
SÃO PAULO: VAI TER CICLOVIA O impasse recente envolvendo as ciclovias da cidade de São Paulo teve um final feliz para os ciclistas. Uma ação civil pública, movida pelo Ministério Público Estadual (MPE), em 18 de março, continha um pedido de liminar, exigindo a paralisação imediata de todas as obras cicloviárias em andamento na cidade, com multa diária de R$ 100 mil em caso de descumprimento. Durante a bicicletada em protesto, que reuniu uma multidão na avenida Paulista no dia 27 de março, chegou a notícia de que o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), desembargador José Renato Nalini, acabara de suspender os efeitos da liminar que proibia a continuidade das obras. O pedido
da suspensão da liminar foi feito pela prefeitura da cidade. No despacho, o juiz alegou que “o fundamento da decisão — falta de prévio estudo de impacto viário — não é o bastante, pelo menos, sem prévia oitiva do Município, para se determinar a suspensão das obras” e que “a paralisação parcial reduz a capacidade do Município de interferir no tráfego urbano, causa pesado impacto na comunicação entre as vias e potencializa o risco de acidentes”. Depois da decisão, o MPE abriu novo inquérito civil para investigar “eventuais gastos excessivos” com a construção da malha cicloviária na cidade. Até o fechamento desta edição não houve desdobramentos. Crédito: Maurilio Cheli
CICLORROTAS EM CURITIBA A capital paranaense inaugurou, em março, a primeira ciclorrota sinalizada da cidade, que liga o bairro Portão à Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), no bairro Prado Velho, e à Avenida Comendador Franco. A ciclorrota Portão-PUC tem um trecho de 6,2 quilômetros de vias compartilhadas por carros e bicicletas, com velocidade máxima permitida de 30 quilômetros por hora. 36
Crédito: Gensler/Divulgação
BIKE REGISTRADA Dificultar a comercialização de bikes roubadas e auxiliar na recuperação de bicicletas pelo Brasil é o objetivo da iniciativa Bike Registrada. Para fazer o registro, é só entrar no site, informar o número de série (com todos os números e letras constantes na bike). Outras informações podem ser acrescentadas ao registro, como marca, tipo de freio, cor, tamanho da roda, entre outras. Saiba mais em www.bikeregistrada.com.br
CICLOVIAS SUBTERRÂNEAS Um projeto ousado da empresa Gensler propõe aproveitar linhas desativadas de metrô e criar espaços para ciclovias e para pedestres em Londres. O projeto London Underline recebeu o prêmio London Planning Award de Melhor Projeto Conceitual e incorpora tecnologias de energia cinética - o próprio movimento de pessoas na pavimentação gera a energia que o funcionamento da rede subterrânea precisa. O projeto ainda inclui espaços comerciais e culturais na estrutura.
Divulgado recentemente, o estudo “Cicloinclusão na América Latina e no Caribe” compilou dados sobre o uso da bicicleta na região. Entre as cinco capitais brasileiras avaliadas com relação ao percentual de trajetos feitos com bicicleta, o Rio de Janeiro aparece em primeiro lugar, com 3,2%, seguido por Florianópolis com 2,8% e por Belo Horizonte, São Paulo e Curitiba, com 1% cada. No ranking geral das cidades avaliadas, Rosário, na Argentina, de destaca com 5,3%, e Bogotá, na Colômbia, com 5%. O trabalho foi realizado pela BiciUDADES, uma comunidade
do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) que promove a bicicleta como meio de transporte urbano sustentável. Além da partipação dos cidadãos, também foram avaliadas as condições de infraestrutura, demonstrando a necessidade de investimentos, aspectos normativos — que regulam o uso da bicicleta em cada cidade — e, também, detalhes de operação, analisando os serviços que tornam possível seu uso público. Foram levados em conta dados como a participação feminina nos deslocamentos de bike, a realização de campanhas de incentivo ao uso da magrela, a intermodalidade e políticas de promoção da bicicleta nas cidades. A pesquisa na íntegra pode ser lida em www.iadb.org, na seção publicações.
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BIKE SHOP
Brilhante LATA D’ÁGUA Em caso de sede, a bem-humorada garrafa com mosquetão da Imaginarium ajuda você a se manter hidratado durante o pedal. Compre em: www.loja.imaginarium. com.br
Uma bike pintada com tinta solar que brilha no escuro e traz mais segurança para os ciclistas à noite. O modelo Glow, da PureFix, precisa apenas de uma hora de exposição ao sol para cada hora de pedal iluminado. Mais informações em: www.purefixcycles.com
ESTILO Feito em lã com fios refletivos, o cachecol da Alforjaria pode ser feito em tricô, crochê ou tear, em lã natural ou de algodão. Disponível em diversas cores ele reflete a luz dos faróis. Mais detalhes em: www.alforjaria.com.br
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FASE DE CRESCIMENTO Ideia do designer Andreas Bhend, a Miilo é uma bici indicada para crianças a partir de dois anos de idade e pode ser usada até os sete. Ela pode ter o tamanho ajustado à medida que as crianças crescem. Mais informações em: www.coroflot.com/ Andreas_Bhend/Miilo
Desenvolvido no Reino Unido, o Cycle Alert é um sistema de segurança que alerta os motoristas quando há ciclistas por perto. Um sensor vai na bike e outro no veículo automotor. Saiba mais em: www.cyclealert.com
SUPORTE Foi-se o tempo em que a bike precisava ficar no quintal, escondida na lavanderia ou no “quarto de bagunça”. Os suportes para bicicleta podem ser presos diretamente à parede ou apoiados no chão, com uma base tripé. Informações em: www.topeak.com Fotos Divulgação
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CHINA: O REINO DAS BICICLETAS Por Fernanda Morena
Depois que o Max me derrubou da minha Ceci cor-de-rosa, prometi a mim mesma que jamais subiria numa bicicleta. Max, nosso fila brasileiro, usou seus 70kg pra me arremessar da bici. Eu tinha 5 anos, e o trauma ficou. Foi apenas 20 anos depois que eu tentaria mais uma vez. Estava em Pequim, na China, o “reino das bicicletas”. Havia dois anos que eu morava no país asiático e meu par de amigos constantes já estava resignado com a necessidade de empurrar suas bikes enquanto eu caminhava ao seu lado. Foi numa tarde de outono, quando decidimos fazer um torneio de ping-pong, que decidi fechar o dia de experiência chinesa (ping-pong, nihao!) com uma aventura sobre duas rodas. Meu colega Alan, um holandês descendente de tailan-
deses, prontificou-se a me ensinar. Eu tinha 25 anos quando aprendi (de novo, porque havia esquecido) a superar o medo da morte e a andar de bicicleta. A bicicleta não era um meio de transporte essencial pra mim na China. O Império do Meio mudou muito; há metrôs, ônibus e táxis que nos levam a virtualmente qualquer lugar. Basta ter paciência com o trânsito que toma conta da capital Pequim, pra percorrer qualquer distância por poucos yuans. Mas a paisagem chinesa mudou. A imagem daqueles cruzamentos tomados por magrelas deu espaço a um skyline de prédios suntuosos. Nas ruas, os Bentleys e Mercedez. A zixingche (carro movido por você mesmo) foi trocada pela classe “menos pobre” pela zidongche (carro que você mesmo move o motor, ou as bicicletas elétricas). Depois, veio a motuoche (ou a moto). Mas hoje o país segue a lei do mais rico. Ou do maior. Ter carro é status. Companhias de ônibus instruem seus motoristas a dar espaço para os carros de luxo, porque a franquia a ser paga em algum eventual acidente é caríssima. Pela lei dos maiores, o ônibus tem a preferência. É um tal de “sai da frente que o ônibus está passando” gritado nos alto-falantes pelo cobrador, ou de uma gravação semelhante acionada como buzina, que chega a deixar tonto. Nas ciclovias que costeiam as grandes avenidas, a disputa se dá entre duas rodas e pedestres. É claro que este último não tem
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preferência à frente de ninguém. Nem mesmo na calçada. Se você está caminhando e uma bicicleta range o sino atrás de você, é bom pular da frente, porque ela vai passar. Essa experiência, por mais irritante que fosse, pelo menos dava uma ideia de como era morar no país das bicicletas. Mas, como disse, a China mudou. A bicicleta é usada como meio de transporte por milhões de teimosos da classe média que, ou querem evitar os quilométricos engarrafamentos, ou aposentados em suas viagens curtas dentro do bairro, pra levar o neto à escola, ou os que ainda não “chegaram lá” – ou seja, não ganharam o suficiente para investir num carro. Uma publicação do Earth Policy Institute de 2010 contabilizava, na época, 430 milhões de usuários de bikes na China, o maior aumento de mobilidade individual praticado na história. Ou seja, os carros se reproduzem feito coelhos, como a classe média, porém há ainda muita gente dependendo da bicicleta por lá. Minha primeira bicicleta na China, doada por um amigo, foi roubada. Comprei minha segunda e terceira bicicletas chinesas no Ano Novo; uma pra devolver ao meu amigo, outra pra me servir de transporte. Nessa época eu já morava em um bairro cheio de coisas o suficiente para fazer tudo – tudo
mesmo – por ali e em duas rodas. E no DongCheng, o que não falta é bicicleta. A região histórica é marcada pelos hutongs, as pequenas vielas onde há muitas casas de construção Maoísta. A maior parte dos hutongs são tão estreitos que só permitem a passagem da bici. Outros são largos o suficiente para espremer um carro. E aí sempre tem um desses espertos vindo na contramão e trancando a ruela pra todo mundo. Então é um tal de grito de pedestres e buzinas de sininho de bikes reclamando dos carros ali que é uma loucura. Tá tudo explicado: dentro da capital, a linha vertical que separa as grandes atrações turísticas corta DongCheng com ciclovias “de luxo”. Extensas, largas, imponentes, acompanham a Chang’An Jie, a maior avenida do mundo. E permitem ver a cidade da melhor forma: acima do solo, fora do congestionamento. Bicicleta é uma boa opção em Pequim. Na capital e no resto do país, quando se pode evitar o trânsito, melhor. Um estudo recente feito pela Bain &Co nas três grandes cidades (Pequim, Xangai e Shenzhen) mostrou que até 30% dos motoristas estavam considerando abandonar duas das rodas e voltar para um único par. Se o império das bicicletas se tornou um dos carros, ele hoje começa a pensar mais uma vez sobre locomoção, com um impulso de um governo louco para ver a poluição (com larga contribuição dos automóveis) diminuir. Cerca de 6 mil zixing e zidong ches são vendidos ao mês no país, conforme a China Association of Automobile Manufacturers. O carinho continua. Quando resolvi deixar minha querida e congestionada Pequim, em 2007, decidi fazer um amigo feliz e doei minha Flying Pidgeon (a marca mais clássica de bikes) pra ele. Nunca pensei que, de um trauma, viria um amor pela bicicleta. Hoje imagino como seria voltar à Ásia para realizar um outro sonho: percorrer o Vietnã sobre duas rodas.
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