RAFA KALIMANN

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\IDEALIZADORES

MARCELO FEITOSA DIRETOR CRIATIVO

BRUNNO RANGEL FOTÓGRAFO

+ realização

CARTA DO EDITOR Marcelo Feitosa

Fé , esse lugar tão pessoal, que pelo meu olhar vejo que se tornou algo tão intimo, acima do bem e do mal, acima de todas as religiões que fui refém um dia e que me permiti conhecer até aqui, acima até mesmo da minha cultura familiar e até cultura do meu país.

Aprendi ter fé em mim, mesmo as vezes falhando, fé na vida, fé no meu existir como ser humano, como marido, como profissional, como mensageiro, e não ser constante porque assim como tudo, a fé também muda.

Sinto latente hoje a fé no meu propósito e na minha missão, fé em tudo porque ela pra mim esta ligada ao meu lado mais intimo. E se minha fé hoje está ligada a um Deus, o Deus que eu creio está dentro de mim, com essa voz calma, sem julgamento, as vezes ansioso, as vezes compreensivo, as vezes bravo, as vezes acolhedor mas sempre presente em mim, porque nós somos "Deus em ação", é a confiança absoluta em você mesmo.

A vida tem sido um aprendizado constante sobre fé, religião e Deus pra mim. Antes o que eu tinha certeza que eram todas elas juntas muitas vezes, hoje sinto e reflito completamente diferente, elas não correm juntas, e entender isso me fez enxergar a vida de forma diferente e até mesmo me enxerga de forma mais leve.

Muitas vezes me julguei por sentir Deus de forma muito minha, sem seguir nenhum roteiro, e isso me afastou muitas vezes até de mim mesmo. Senti e sinto que criar nossa própria verdade dentro do que acreditamos em nós mesmos, fala mais sobre fé do que tudo que possamos viver e continuamos vivendo no piloto automático que muitas doutrinas nos levam. Mesmo entendendo que isso varia de pessoa pra pessoa, até porque o que se aplica a mim, não se aplica ao outro, e isso também é uma forma de viver a fé.

Como nós estamos lidando com a força e confiança em nós mesmos? Será que pós tudo que passamos fizemos de forma intensiva o exercício da fé?

Essa edição é um convite a você mesmo, a se visitar, se explorar, se sentir, e trocarmos juntos com várias formas de sentir fé, pra que vc habilite sua existência a ser. Essa edição é um tributo a nossa missão de alma, será que estamos exercendo nossa missão através do nosso propósito?

A WOW entra nesse novo momento com o WOWcast, mas do jeito que ela sempre foi e nasceu pra ser. Meu propósito assim como o dela é nossa comunicação, e a nossa missão (minha, dela e do Brunno) é levar temas, assuntos, imagens e conteúdos que edifiquem o outro e que possam impactar positivamente a existência do outro. Penso e sinto que nada nessa vida vale a pena sem um propósito e uma missão. E acho que legado não é somente aquele que estudamos em livros, que víamos pessoas da nossa história deixando, mas qualquer tipo de atitude, ação e reação que você deixa hoje no micro, como em casa, no seu trabalho, para os seus filhos, maridos, esposas e também colegas.

De certa forma, desde a hora que você acorda está impactando a vida de outras pessoas de alguma forma, então que seja com um sorriso, com leveza, com sinceridade, verdade e coragem, porque o dia que você não acordar assim, você irá receber isso de volta de alguma forma. Lembrando que estamos o tempo todo nos estruturando, ajustando e nos experimentando, isso é a vida, e isso faz parte aceitar, acolher e ressignificar.

Que essa edição, assim como o WOWCAST te transforme como me transformou e transforma sempre que divido meu pensamento sobre fé, espiritualidade, religião, Deus e sobre mim mesmo. Porque se espelhar no outro, enxergando e aceitando o outro como peça única entendendo que aprender vivendo, faz parte da fé.

Fé em você, como tenho fé em mim e nesse tema.

Muito obrigado por continuar tendo fé em nós esses 8 anos, e nessa nova temporada que só está começando.

Marcelo Feitosa @ma.feitosa
Arte Paula Costa @paulacosta.art

EDIÇÃO DE MODA RODRIGO POLACK

ASS. MODA ANA LUIZA BALLESTEROS

PRODUÇÃO DE MODA JR MENDES

CAMAREIRA LAURENTINA ROSA JESUS

BEAUTY WALTER LOBATO

ASS. FOTOGRAFIA IGOR KALINOUSKI

SPECIAL THANKS UNIQUE GARDEN

GREGORY / ACCESS MÍDIA

Edição FÉ

RAFA KALIMANN

FOTO BRUNNO RANGEL

DIREÇÃO CRIATIVA MARCELO FEITOSA

Vestido ANSELMI (@anselmi) Top REINALDO LOURENÇO (@reinaldolourenco) Anéis CARLOS PENNA (@carlospenna.design)

Em que momento você descobriu que realmente o que você estava fazendo tinha se tornado um trabalho?

Eu acho que quando eu vi que eu tinha um sustento financeiro, entendi. Porque a gente veio de família muito pobre, e faltava muito, várias vezes, faltou ao ponto de não saber o que iriamos comer no dia seguinte, faltou não saber como pagar o aluguel, faltou não conseguir estudar como eu gostaria, e do jeito que eu achava que eu precisava estudar. E quando eu comecei a ganhar dinheiro com o meu trabalho mesmo, ganhar de descansar no final de semana eu entendi que aqui eu estou num lugar que está caminhando para um lugar seguro para mim. Mas de realização profissional, de me sentir realizada, cara, eu acho que foi quando eu fui para o Big Brother, ali foi uma coisa que eu senti que foi o alto desses baixos.

Você acha que a exposição do Big Brother potencializou sua vulnerabilidade?

Potencializou bizarramente mil vezes, hoje eu me sinto vulnerável. Quando eu tô num voo, por exemplo, e a hora que o avião pausa e tem o acesso ao Wi-Fi, acesso à rede de novo, eu tenho medo de tirar do modo avião, porque eu tenho medo do que pode estar acontecendo. Hoje eu cheguei aqui, a hora que eu peguei meu telefone tinha saído na imprensa uma mentira. É que eu não tenho, nem quero e não preciso provar nada pra ninguém, como justificar que é uma mentira, então eu me sinto vulnerável nesse lugar, de não ter controle. De como criar o controle da sua narrativa, da sua imagem, acho que cada vez mais o meu desejo é tomar posse da minha própria narrativa. É o que eu quero contar em relação à minha vida, porque eu fui pro ápice da exposição, eu deixei as pessoas desenharem o meu jogo, porque me manter dentro da casa, me dar um voto de confiança num paredão, a votação na final é o público que decide, só que quando você sai, você tem que ter o controle de volta, é o mais difícil, é quando você não quer suprir as expectativas dessas pessoas, a gente quer agradar, é do ser humano ser assim, a gente quer ser aceito.

Top VIVIANE FURRIER (@vivianefurrier)

Saia JW ANDERSON (@jw_anderson) na NK (@nkstore)

Anéis CARLOS PENNA (@carlospenna.design)

Sandália AQUAZZURA (@aquazzura)

no Cidade Jardim Shopping (@cidadejardimshopping)

Eu tenho uma coisa da minha terapia que a minha psicóloga sempre fala: “Você precisa buscar a sua criança interna.”

O que que a gente faz pra trazer ela? Vai dançar? Vai fazer uma aula de uma coisa que você nunca fez? Vai ler uma coisa boba e juvenil? O que a gente vai fazer?

Eu precisava resgatar essa Rafa, essa criança, essa adolescente, entender o que me levou pra São Paulo. Eu não desisti, mesmo na loucura que foi a minha vida, na minha adolescência, que não foi uma adolescência, a minha festa tão sonhada de 15 anos, eu estava em São Paulo trabalhando, fazendo castings. Eu fazia 18 castings em um dia, com 15 anos, sozinha.

Sobre Deus

Eu sempre tive comigo que ele era muito próximo, sabe? Então, quando eu falava de Deus na minha infância, adolescência eu me emocionava, me arrepiava, até que eu entendi que aquilo é sentir a presença dele. Só que eu não aprendi aquilo na minha vida, eu aprendi que a gente tinha que respeitar, temer. Eu não creio nesse lugar, eu não acho que a gente tem que temer o ser que mais nos ama na vida. Eu não vejo Deus nesse lugar de julgamento, eu não acho que Deus julga as nossas decisões. Eu não acho que ele julga os nossos atos, eu não acho que ele julga as nossas roupas, que ele tá lá com binóculo, olhando o que você tá fazendo. Ele não julga o que você está postando no Instagram, ele não julga o seu biquíni, ele não julga se você tem tatuagens, ele não julga as músicas que você escuta. Ele está preocupado com a sua intenção,ele está preocupado com o seu coração.

Essa é a visão que eu tenho de Deus. Então, eu descanso das minhas escolhas quando eu sinto que estou perto dele, eu pergunto pra ele. Eu sempre falei isso, porque eu já recebi muito julgamento, como vocês podem imaginar. Tipo, fala de Deus, mas posta isso?!

Eu tenho tanta intimidade com ele, que se eu estiver fazendo alguma coisa que o desagrade, eu sei que ele vai me mostrar porque vai me incomodar. Porque o seu canal é direto com Ele. Não é externo.

Calça SKAZI (@skazi) Anéis CARLOS PENNA (@carlospenna.design) Calça GIVENCHY (@givenchy) na NK (@nkstore) Anéis e colar CARLOS PENNA (@carlospenna.design)

O Big Brother foi a minha maior conexão espiritual, a maior da minha vida, eu via desse jeito. E às vezes eu sinto saudade de ir lá, só pra conseguir voltar até essa conexão. E é louco, porque eu não preciso ir lá, eu posso ir em qualquer lugar da minha vida. Só que ali é quase se tornar refém do melhor lugar do mundo, de Deus, lá dentro eu só tinha ele, eu perguntava e recebia respostas. Por isso tinha uma leitura tão clara. Eu acho que dentro das nossas crenças e espiritualidade, eu tenho uma maneira de lidar e conduzir, e cada um tem a sua que é muito individual, apesar de ser algo coletivo, é sentido individualmente. A minha intuição está muito ligada à minha fé. A minha visão de pessoas e energia está muito ligada à minha fé, e lá dentro foi isso. Eu fui pela fé, entrei pela fé e saí pela fé.

Principalmente nesse meio que a gente vive, que é um lugar vaidoso, de muito ego, que a gente escancara a nossa imagem, o que a gente é, a gente não se blinda, então espiritualmente falando, é muito vulnerável. E a gente tenta se encaixar muito pra agradar o outro.

Eu vi o Karnal falando, há uns seis anos atrás, talvez em uma aula que ele tava dando: “A nossa felicidade hoje só existe, quando o que as redes sociais carimbam.”

A gente só prova que é feliz postando. Se eu não posto, eu não estou feliz. Só que mais do que isso, ela passou a validar a nossa felicidade. Eu amo esse lugar e essa paisagem, ela me causa uma sensação de bem-estar, aí eu posto e as pessoas não deram like. É como se não fosse aprovado isso aqui. E eu contesto o meu próprio gosto pessoal. Será que isso é realmente bonito? Então as pessoas não gostaram. Isso há seis anos atrás. Hoje é muito mais. Muitas vezes a gente se pega fazendo uma escolha mais preocupado com as pessoas vão gostar mais disso aqui do que eu gosto mais.

Foto Afroafeto por Gabriella Maria

Alves

Há quem pense que Fé e Psicologia funcionam como água e vinho, mais que isso, como dois polos que se repelem. Algo como: ‘se tenho fé não preciso da Psicologia’ ou ‘apenas recorro à fé se a terapia não resolver o meu problema’. Talvez não haja maior falácia quando falamos de Psicologia (e de fé!). Em grego ‘Psico’ significa mente ou alma, “Logia” significa estudo, portanto a Psicologia tem como objetivo principal compreender, explicar, diagnosticar e orientar mudanças de comportamentos humanos através do estudo da sua mente.

A Psicologia parte do mesmo princípio de quase todas as religiões: o de que não somos apenas corpo, mas também almas. Caso esse princípio caia por terra tanto a Psicologia quanto as religiões terão de reinventar-se e criarem uma nova forma de atuação.

O Conselho Federal de Psicologia em 2012 emitiu uma nota: “a Psicologia é uma ciência que reconhece que a religiosidade e a fé estão presentes na cultura e participam na construção da dimensão subjetiva de cada um de nós.” Ou seja, as duas podem (e talvez até devam) caminhar lado a lado de forma a tornar a alma mais forte para enfrentar os desafios da vida. Enquanto a fé ajuda a compreender melhor o amor e formas de divindade, a Psicologia tem como foco a compreensão das emoções, seus movimentos e como isso é externalizado para os outros. Quanto maior o equilíbrio entre elas, melhores seres humanos nos tornamos.

Nossa base de estudo está nas influências externas (a convivência com outras pessoas e as experiências de vida de cada indivíduo) e até mesmo nas internas (tais como crenças, valores e visões de mundo). A fé em algo e/ou em uma religião influencia sua existência, a forma como você vê o mundo, como se comporta com os outros e como sua estrutura cerebral é formada mediante as suas crenças.

No consultório sempre atuo de forma a potencializar a ideia de que a sua fé e a sua religiosidade devem atuar na sua vida como catalisadores de sua evolução. Sua fé e sua saúde mental são dois mundos que se complementam, trabalhando juntos para dar equilíbrio a sua vida. Para isso é necessário lapidar sua individualidade e seu discernimento a ponto de, sem abandonar a sua fé, você possa tomar suas próprias decisões por si. Ou seja, vai com fé, mas vai consciente.

CRP

Psicólogo Clinico, Neuropsicólogo, Psicólogo Perito e Pós graduando em Neurociências e Comportamento humano.

@psicoloaslan FÉ NA PSICOLOGIA Aslan

FÉ & VIDA Juliana Luna

Baixada Fluminense RJ, 1985. Eu tinha seis meses dentro da barriga da minha mãe quando meu avô, pai do meu pai, sofreu um acidente de carro que tirou a sua vida. Otaviano nasceu em Cachoeira, na Bahia. Filho de Martin e Catarina. Meus Bisavós. De profissão, mecânico de locomotiva. Muito amado e respeitado pelas pessoas de toda sua comunidade. Vovô me amava muito. Minha mãe conta que ele colocava a mão na barriga dela e ficava horas falando comigo, que viria a ser a primeira neta. Uma honra, na visão dele. Quando ele fez sua passagem, a caminho do velório, minha mãe quase não aguentou a dor da perda e desmaiou de tristeza.

Na tradição Yorubá, as crianças que nascem são muito mais próximas dos seus avós do que dos pais. Contam os mais velhos que, quando uma criança nasce, faz um pacto com os ancestrais que designa uma missão quando ela sai do Orum (céu) e vem habitar no Aiyê (terra), enquanto as pessoas avançadas na idade já tiveram tempo de desenvolver sua missão e estão fazendo o caminho de volta ao Orum, de onde o bebê acaba de sair. Por isso a relação de proximidade.

Os avós são parte fundamental da criação de um bebê. Ensinam respeito, fluidez, encorajam a criança a ser quem ela é e exercitar seus dons naturais, necessários para o desenvolvimento da missão que ela recebeu para chegar aqui, no Aiyê. Vovô Otaviano não teve a chance de estar comigo e me ensinar coisas em vida, mas as conversas que a gente tinha ainda estão vivas no meu coração. Só o amor dele por mim já valeu. Eu me lembro de quando tinha dois ou três anos e era muito falante. Perguntava tudo. Amava um cavalo recheado de bolinhas de isopor, maior do que eu umas três vezes, que minha avó Valdice, mãe de meu pai, me deu. Também amava dançar. Quando dançava, sentia algo muito forte dentro de mim. Algo elétrico. Faíscas de luz.

Vó Valdice era Sergipana. Mulher guerreira que ficou viúva de Otaviano em 1985, criou cinco filhos e era de um coração enorme. Cuidou de todas as pessoas doentes da família, até adoecer ela mesma e vir a falecer com Parkinson em 1998. Antes tudo era uma grande incógnita. As perguntas aumentaram na adolescência. Tinha dias que eu só pensava que queria ser alguém.

Alguém quem? O que é afinal ser alguém? Não se nasce sendo essa pessoa? Fiquei um tempão com muitas perguntas no meu coração e sem muita direção. Até que um dia senti que precisava pedir ajuda. Falei com Vovô Otaviano para me ajudar a entender quem eu sou nesta terra.

Muitas coisas aconteceram até eu encontrar os fragmentos de história que hoje me ancoram em uma perspectiva identitária mais própria. Dessas coisas, as que me marcaram foram pedaços de mim que nunca conheci em vida. Mas estão mais presentes do que nunca e me sustentam com cada vez mais força. Ter conhecimento de minhas raízes me fez entender por que os meus antepassados consideram que as árvores são seres sagrados.

Tive a oportunidade de fazer um teste de DNA que determinou minhas raízes ancestrais na tribo Yorubá da Nigéria. Visitei a Nigéria algumas vezes após essa descoberta. 2015 foi quando fui pela primeira vez. Filmei o documentário Brasil DNA África e tive minha vida totalmente transformada por essa experiência. Entendi que minhas raízes são muito mais profundas do que eu imaginava. E que minha existência aqui não é uma mera passagem. Aprendi que a árvore é o reflexo de quem sou. Preciso da terra para me estabelecer com firmeza, assim como do céu pra me ajudar a expandir, alcançar novas alturas e ser refúgio. Na cosmogonia Yorubá, as árvores são entidades que simbolizam a conexão entre a terra e o céu. Seres ancestrais com vida longa. Refúgio espiritual. Através dessa ótica, as raízes são, portanto, aquilo que não só sustenta como também expande. O tronco representa a ponte entre dois mundos.

Entendi que todas as pessoas que vieram antes de mim contribuíram pra que eu seja quem eu sou hoje. Entender minhas origens me deu mais chão. Mais terra para pisar com firmeza. Faço uma oração hoje para que essa terra me permita caminhar e honrar todo o amor, morte e vida que me faz existir.

Espíritos dos meus ancestrais, me acolham, me sustentem, respirem em mim. Sejam meus guias e me mostrem o caminho que me expande na missão que vim cumprir aqui no Aiyê. Deixo ir todo conhecimento que eu penso ter para aprender a me mover como vocês. Que a fluidez das águas, a fertilidade da terra e a expansão do ar sejam minha inspiração.

Juliana Luna @julianaluna

FOTOGRAFIA DA FÉ Marcelo Santos Braga

FOTOGRAFIA ETNOGRÁFICA CULTURAL E DOS POVOS TRADICIONAIS.

Por morar no Rio de Janeiro, quase que por toda a vida, especialmente na vida adulta, percebi que queria entender mais sobre as culturas tradicionais do Brasil. Foi através do meu trabalho autoral e autônomo com a fotografia que encontrei o sentido dessa busca.

Até hoje, por iniciativa própria, busco contar a diversidade que nos cerca, tentando entender cada vez a diferença e a importância de respeitar e dialogar com as crenças e costumes. Esse trabalho me faz refletir e questionar sobre o que nos chega como “modo ideal” de se viver.

Tenho observado, nos momentos singulares nos quais me envolvo, que cada um, cada pessoa, em sua particularidade, é rica em conhecimento e história. Com a fotografia, tento transpassar a minha relação naquele instante. Sei da responsabilidade que tenho ao fazer aquele registro. O momento será observado a partir da ocasião em que “revelo” a fotografia para o mundo. Nesses registros que busco fazer, me importo e faço questão de me sentir presente no ambiente, assim acabo criando uma relação mais próxima com as pessoas fotografadas, e a fotografia passa a ser um detalhe nessa relação.

Os registros que seguem são da festa de Yemanjá, no Rio Vermelho, em Salvador, Romaria de Nossa Senhora D`Abadia, em Vão de Almas, Goiás, que é o maior território Quilombola do Brasil, e da Aldeia Multi-étinica, em Alto Paraíso, Goiás, na qual trabalhei como voluntário.

A maior dificuldade que sinto com meu trabalho fotográfico é fazer com que as pessoas reflitam, de fato, sobre as diferenças que nos envolve. Por ser de uma metrópole como o Rio de Janeiro, percebo que a sociedade, em sua maioria, ignora os povos tradicionais e costumes ancestrais.

Muitas vezes fui questionado, e ainda sou, por retratar as diferenças culturais. Acho legal quando surge essa questão porque me mostra que despertei curiosidade em alguém que pode, a partir da reflexão, expandir mais a mente e observar com maior atenção algo que até então era ignorado.

Infelizmente, ser “diferente” é rotulado como algo negativo, em uma sociedade cada vez mais homogênea, a meu ver. Vejo uma corrente e tentativa de padronizar uma maneira correta de se viver e, toda vez que volto de uma pesquisa em campo, tenho admiração e respeito cada vez maior pelo “diferente”. Vejo ali um orgulho, uma felicidade e uma conexão do ser com seus valores mais íntimos.

Acredito que o exercício de reflexão seja fundamental para o aprendizado humano, de saber conviver com o que não faz parte do seu mundo particular.

Marcelo Santos Braga /marcelosantosbraga

FÉ NA ESPIRITUALIDADE Giridhari Das

Nasci em uma família de pessoas materialmente cultas e bem situadas, mas completamente desprovidas de interesse na vida espiritual. Não somente pai e mãe, mas praticamente todos os membros da família – primos, tios, tias, irmão e avôs – eram todos ateus. Uma exceção era a minha avó materna que me parecia era firme em suas visitas à igreja católica. Filho de diplomata brasileiro no exterior, nasci em Praga (da antiga Tchecoslováquia) e, após morar dos 3 aos 9 anos no Brasil, vivi com minha família por oito anos em Londres na Inglaterra, com direito a acesso a requintadas experiências culturais. Fui educado nos detalhes básicos da cultura clássica, incluindo inúmeras visitas aos principais museus e galerias de arte do mundo, apreciando obras dos grandes artistas dos últimos séculos. Conheci várias cidades históricas e visitei inúmeras catedrais européias, interessado somente na arquitetura. Também tive acesso a grandes obras literárias, música clássica, etc. Mas sobre vida espiritual e Deus... nada de positivo me foi transmitido. No campo do desfrute material, fui treinado desde cedo a apreciar comidas finas e, mais tarde, bebidas requintadas. Já adulto, fiquei sabendo que, aos três meses de idade, eu já experimentara caviar da melhor qualidade. Antes de me tornar devoto, eu era conhecedor e apreciador de maltes finos da Escócia, conhaques envelhecidos e caros, cervejas europeias especiais e os melhores champanhes e vinhos. Este foi o programa de vida que me foi incutido: sucesso material, bom comportamento e desfrute sofisticado.

O CAMINHO ANTES DOS PRIMEIROS RAIOS DE LUZ

Devo ter acumulado algum crédito em vidas anteriores, ajudado algum sadhu, banhado em algum rio sagrado ou pronunciado de alguma forma um nome de Deus, pois, mesmo que muito sutilmente, eu buscava entender a realidade e tentava enxergar qual a melhor forma de viver. Em minha adolescência, esta busca se manifestou pelo processo comum entre os jovens

de avaliar qual a melhor carreira profissional. Imaginava algo do tipo “vou ser engenheiro”, aí observava, pensava, refletia e concluía que aquilo não me satisfaria de forma completa. Então pensava em outra coisa: médico, por exemplo, e após correr o processo todo novamente, eu concluía que isso também não era suficientemente satisfatório. E assim ficava pensando, analisando, projetando o futuro, mas nada parecia me satisfazer. Cheguei a cogitar uma carreira de engenharia química, mas, logo no primeiro ano na Brown University (uma prestigiosa universidade nos E.U.A., a mesma que Jayapataka Maharaja cursou), descobri que as disciplinas que mais detestei foram justamente as de química!

Já na faculdade, sem muito mais tempo para optar por novas carreiras e sem me animar com nenhuma em especial, decidi que o melhor jeito seria simplesmente ganhar dinheiro, tornando-me um executivo ou empresário. Voltei ao Brasil com 18 anos, falando com sotaque de gringo e com pouquíssima prática no português escrito. Sair de umas das melhores universidades do mundo para encarar a UnB (Universidade de Brasília) foi um choque cultural desanimador, ainda mais com o desafio de ter que fazer trabalhos para a faculdade sem conseguir escrever direito em português!

Neste período, minhas amizades eram com outros filhos de diplomatas brasileiros e, por estarmos em Brasília, filhos de embaixadores estrangeiros. Curiosamente, entre meus amigos estavam os filhos do embaixador do Afeganistão e da Iugoslávia, países que poucos anos depois foram assolados por guerras. Perdi contato com estas pessoas e volta e meia imagino o que pode ter acontecido com eles e suas famílias. No meio desta turma eclética, conheci duas pessoas especialmente fascinantes: a filha do embaixador da Argélia e a filha do embaixador do Egito.

Esta última era dotada da habilidade de ver o futuro lendo grãos de café. Funciona assim: toma-se uma xícara de café no estilo egípcio, que contém o café finamente moído, desemborca-se a xícara e, com base no desenho do pó de café no fundo da xícara, elaboram-se as previsões para o futuro. Logo de cara, ela afirmou que eu não faria carreira na área em que estava estudando, mas que o que eu faria na vida estaria ligado a algo que eu tinha visto e experimentado no meu primeiro ano de faculdade.

Anos mais tarde, quando me tornei Hare, lembrei-me destas previsões e me veio à memória que, de fato, estive em algum tipo de programa védico no meu primeiro ano de faculdade. Não me lembro exatamente qual a vinculação com a cultura védica, mas recordo-me de um templo, canto de mantras e incenso. Penso que na época isto não deva ter me atraído muito, pois não voltei. Mas esta, e outras previsões que ela fez, mostraram-se corretas no futuro.

A filha do embaixador da Argélia era uma mulher piedosa e inteligente, sendo a primeira pessoa com quem pude ter “papos filosóficos” abertamente. Antes de sair do Brasil, ela me presenteou com o que seria meu primeiro “livro de autorrealização”: o “The Tao of Pooh”. Apesar do título curioso, o livro descreve o caminho do taoísmo de maneira simples e agradável. Sua leitura não chegou a provocar nenhuma mudança significativa em minha vida, mas certamente contribuiu para elevar, ao menos um pouquinho, minha consciência.

VEM A MISERICÓRDIA

Ainda na faculdade, consegui um trabalho no setor que lidava com embaixadas de uma concessionária da Chevrolet. Por ser filho de diplomata e fluente em inglês, tinha as qualificações necessárias para o trabalho. Era tudo de bom para um rapaz de 20 anos: um escritório próprio, secretária e um carro da empresa (tudo bem que era um Chevettinho) com combustível pago! Esforço zero – esperava uma ligação desta ou daquela embaixada, via qual carro que queriam e fazia a venda! Moleza!

Um belo dia, recebi um pedido incomum: ir à oficina para dar assistência ao pessoal da Embaixada da Índia. Nunca antes, ou depois, recebi um pedido semelhante. Ao chegar à oficina, encontrei a pessoa que iria mudar minha vida: Sriman Mahavira Prabhu. Lá estava ele, trocando o pneu de uma Mercedes do embaixador. Não havia qualquer razão útil para minha presença lá, pois Mahavira falava português fluentemente e trocar um pneu não é algo exatamente complexo. Mas foi assim que Krishna organizou uma forma de derramar sobre mim Sua misericórdia. Sob este pretexto da troca do pneu, Mahavira e eu estabelecemos uma profunda amizade logo no primeiro contato.

Quem conhece Mahavira Prabhu sabe que ele tem um coração gigante. É uma pessoa muito doce, carismática, humilde e amorosa. Em suma, é impossível não gostar dele. Discípulo de Srila Prabhupada, ingressou no movimento no início dos anos 70. Mahavira teve bastante contato com Srila Prabhupada, sendo inclusive presidente do Templo de Vrindávana, na época em que Prabhupada esteve por lá.

Mesmo nunca tendo viajado antes ao Brasil, Mahavira recebeu de Prabhupada a ordem de vir pregar no Brasil, auxiliando Srila Hridayananda Dasa Goswami Acharyadeva. Casou-se com Jaya Gouri Devi Dasi, uma brasileira também discípula de Srila Prabhupada. Em sua missão, Mahavira foi uma potência: como braço direito de Acharyadeva, rodou o Brasil abrindo templos em várias regiões. Foi Mahavira Prabhu foi uma pessoa chave na abertura do primeiro templo de São Paulo, a BBT do Brasil e a impressão da primeira versão da revista de Volta ao Supremo em português. Ele também foi um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento de Nova Gokula. Acho que não seria exagero dizer que milhares de pessoas se tornaram devotos de Krishna diretamente como resultado de seus esforços missionários.

Krishna sabia que meu caso era grave, por isso enviou-me nada menos que um “grande herói” – tradução do nome Mahavira – para me salvar de minha vida mundana e ateísta. O caso era tão sério que Mahavira nem sequer pregou para mim. Em nossas conversas não falávamos sobre Krishna: ele apenas tornou-se meu amigo. Uma importante lição para todos aqueles que tentam ser missionários.

Krishna traçou-me um caminho fora dos padrões usuais. Quando foi-me oferecido um trabalho com um empresário enigmático conhecido de meu pai, não mais aguentando a chatice do curso de economia na UnB, aproveitei para largar a faculdade. Como meu único interesse material naquela época era tentar ganhar um bom dinheiro, ao ter a oportunidade de tornar-me executivo sem terminar a faculdade, não hesitei.

O trabalho envolvia contatos com multinacionais interessadas em vender seus bens e serviços para o Governo Federal, logo o inglês e a bagagem cultural que eu tinha foram valorizados. Apesar de ter que passar longas horas no escritório, eu tinha bastante tempo livre em minha sala particular (eram somente o empresário, uma secretária, um motorista e eu).

KRISHNA ME SOCORRE

Pouco depois tive a oportunidade de indicar Mahavira para um posto em uma empresa de táxi aéreo recém-adquirida pelo empresário para quem eu trabalhava. Com isto, podíamos passar horas e mais horas juntos, conversando. Falávamos sobre tudo, mas ainda sim, Mahavira não pregava para mim abertamente.

Um belo dia, ele me disse que estava vindo a Brasília uma pessoa incrível, a qual eu tinha de conhecer. Um gênio de inteligência fora do comum, uma pessoa brilhante e maravilhosa – Srila Acharyadeva! Krishna lançava a jogada estratégica para dar um “xeque-mate” na minha ignorância e acabar com minha vida material. Lá fui eu então não somente para um darshan, mas para um almoço particular – Acharyadeva, Mahavira e eu – no templo de Brasília. Isto ocorreu no início da década de 90.

Algum tempo depois, Jaya Gouri presenteou minha então esposa com um exemplar do Bhagavad-gita Como Ele É. Desnecessário dizer que não dei bola alguma para o livro, pois para mim tudo ligado a Deus, escrituras e tal ainda eram tolices. Pouco depois, Mahavira voltou para os E.U.A., indo morar em Alachua, Flórida, mas a semente de bhakti já havia sido plantada, necessitando apenas de tempo para, regada pela misericórdia de Krishna, dar frutos. Como meu emprego continuava me proporcionando boas horas sozinho, eu passava meu tempo filosofando internamente, pensando na vida e seu significado. Ainda ateu, buscava entender a vida analisando-a por todos os ângulos (mais tarde aprendi que isso se chama “especulação mental”). Como Prabhupada alerta em seus livros, nada de concreto resultou disso, mas creio que a crescente sede pela verdade e a fracassada tentativa de encontrá-la na matéria me serviram bem. Um belo dia, o Paramatma finalmente convenceu-me a pegar o Bhagavad-gita que jazia ignorado há um ou dois anos lá em casa. Li uma vez e deixei de lado, mas sem dúvida este foi o início do fim da minha vida como eu a conhecia. Algum tempo depois, um desejo ardente surgiu em meu coração, na forma de um chamado muito intenso para ler o Gita novamente. Algo difícil de explicar, mas é assim que me lembro da sensação. Eu resisti, esperando por um momento adequado, como se eu previsse que algo momentoso aconteceria. Foi quando uma das empresas com quem trabalhava convidou-me para trabalhar diretamente com eles, representando-os no Brasil. Era um emprego em que eu podia trabalhar em casa, o que me deu o tempo suficiente para devorar o Gita. Nesta segunda leitura, tudo explodiu em meu coração. Foi como uma supernova de realização espiritual. Foi como ter as vendas dos meus olhos arrancadas em pleno sol a pique. Foi o equivalente cognitivo de ser atropelado por um trem. Minha vida virou de cabeça para baixo. Percebi então o quanto eu estava na direção errada por ter ignorado Deus por toda a minha vida. Logo entendi que eu tinha de mudar meu estilo de vida, meu propósito, meus objetivos.

Meu lado cético não morreria tão cedo, mas a sede pela Verdade era profunda em mim. Com muito tempo livre graças a meu novo trabalho, eu passava de cinco a seis horas por dia lendo. Li todos os livros de Srila Prabhupada. Em seis meses, li o Srimad-Bhagavatam completo, de capa a capa e em seguida li o Caitanya-caritamrta completo. Depois, comecei a ler tudo novamente! Na quarta leitura do Bhagavad-gita Como Ele É, finalmente estava compreendo melhor o texto.

MAPA EM MÃOS, AGORA AO CAMINHO

Com uma visão clara sobre o que era a vida, quem eu era, onde estava e aonde tinha que chegar, enfim comecei a trilhar o caminho da consciência de Krishna.

Gradualmente mudei minha dieta, tornando-me vegetariano aos poucos. Famoso pela minha “picanha ao maçarico”, fui diminuindo o tamanho do animal: cortei a carne vermelha, depois o porco, depois o frango, depois o peixe e, por último, o ovo. Eu, que tinha meu barzinho de casa repleto de bebidas finas e caras, deixei tudo de lado e gradualmente parei de beber. E, mais importante, finalmente comecei a praticar a meditação mântrica, japa. Resisti longamente à ideia de meditar e cantar os santos nomes de Deus, mas após ler os livros de Srila Prabhupada, não mais pude evitar esta exigência constante dos gurus e me rendi à prática.

Tive a oportunidade de receber devotos em casa, incluindo o próprio Srila Acharyadeva, em uma visita subsequente a Brasília. Lembro-me também de ter recebido Purushatraya Maharaja e músico espanhol Atmarama, dentre outros.

E para solidificar de vez minha devoção, Acharyadeva convidou-me para passar algumas semanas com ele nos EUA. Hesitei, mas Advaita Candra Prabhu, que me apoiou neste início de vida espiritual, convenceu-me de que eu não podia recusar um convite desses.

Pouco depois, em 1996, foi iniciado por Srila Acharyadeva. Após isso, nunca mais parei. Logo Krishna fez arranjos para me dar ainda mais liberdade, de forma que eu pudesse me engajar nos trabalhos missionários em tempo integral, o que faço até hoje.

Recebi a graça de Krishna e Srila Prabhupada e adquiri o gosto superior da consciência de Krishna. Hoje sigo firme, como um entusiástico peregrino, na estrada de volta ao Lar, de volta ao Supremo.

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A WOW É ESSE ESPAÇO CRIATIVO E COLETIVO QUE ACREDITA NO PODER E NA CAPACIDADE DE TRANSFORMAÇÃO INDIVIDUAL DO SER HUMANO ATRAVÉS DA IDENTIFICAÇÃO. AQUI TODO MUNDO CRIA, AQUI TODO MUNDO É. PESSOAS SENDO PESSOAS EM UMA FERRAMENTA QUE VIVE PELA REFLEXÃO ATRAVÉS DA ARTE, DA BELEZA, DO DESIGN, DO COMPORTAMENTO, DO AMOR E DA ARQUITETURA DO SER.

UM PROJETO 100% AUTORAL QUE CAMINHA COM COLABORADORES QUE AMAM O QUE FAZEM E DIVIDEM A SUA ARTE CONOSCO.

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