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ENTREVISTA

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LÉS A LÉS

LÉS A LÉS

TIAGO BRAGA “FICAVA MAIS PREOCUPADO SE NÃO HOUVESSE DISCUSSÃO”

Àfrente da Metro do Porto desde 2019, Tiago Braga não tem dúvidas de que este é um projeto vencedor. E acredita que, daqui a 20 anos, o metro registe 150 milhões de validações anuais.

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Onde é que estava a 7 de dezembro de 2002?

Provavelmente estava em Matosinhos, na Exponor, porque nessa altura trabalhava na Associação Empresarial de Portugal, no departamento de assistência técnica às empresas.

E daqui a 20 anos, onde é que perspetiva que o metro estará?

Desde logo, chegará às linhas que hoje temos em execução: a linha Rosa e a extensão da linha Amarela a Vila d’Este. Com a linha Rubi, a nossa intenção é, no início do próximo ano, lançarmos o concurso público e, até setembro, começarmos a obra. O próprio BRT [metrobus] da Boavista será uma realidade. E serão uma realidade as linhas que estão planeadas e que foram, pelo menos, identificadas no protocolo celebrado em fevereiro de 2020. Estou a falar da linha de Gondomar, da linha da Trofa, de S. Mamede de Infesta, da segunda linha da Maia, da continuação da linha circular. Daqui a 20 anos, acredito que tenhamos a capacidade de ter desenvolvido a rede pelo menos para esta fase de expansão que hoje temos. Não é um exercício que fazemos a curto prazo, é um exercício de planeamento que visa uma estrutura diferente da rede do metro do Porto, uma estrutura mais em anel, mais circular e menos radial, a que corresponde o desenvolvimento inicial. Daqui a 20 anos, seguramente, seremos ainda mais essa espinha dorsal com características diferentes daquilo que temos hoje.

Referiu que o sistema é muito radial.

Deveu-se muito à disputa entre os autarcas. Agora já não é assim?

Há um exercício que não faço, que é muito fácil, mas que considero absolutamente demagógico: fazer uma avaliação do passado com base naquilo que é o conhecimento de hoje. Isso não é sério. Quando digo que a estrutura é radial não estou a criticar a tomada de decisão que foi feita.

Não lhe parece estranho que o concelho mais populoso, Gaia, tenha só um bocadinho de metro, e Gondomar, um dos municípios com maior número de movimentos pendulares com o Porto, só tenha surgido numa fase posterior?

As circunstâncias ditaram aquilo que foi o desenvolvimento inicial do metro do Porto.

“O metrobus da Boavista será uma realidade, bem como as linhas identificadas no protocolo celebrado em 2002”

FOTOS: ANDRÉ ROLO / GLOBAL IMAGENS

Entrevista

O que nos compete hoje é, perante aquilo que são as características do serviço e as exigências dos cidadãos, conseguirmos ter um serviço que vá mais ao encontro daquilo que as pessoas ambicionam. Para isso, é preciso olhar para os dados. Sei que há uma tentação muito grande da “achologia”. Aqui procuramos não fazer isso. Tomamos decisões baseadas em factos. E quais são os factos? Em 2017, a AMP desenvolveu um inquérito de mobilidade junto dos cidadãos e, nos três primeiros fatores que justificam o uso do transporte individual, temos a rapidez (quase 70%), o conforto e a inexistência de um modo que leva as pessoas desde sua casa ao destino final. Isso obriga-nos a refletir e a pensar sempre além daquilo que são as nossas fronteiras naturais. Temos de pensar do ponto de vista de sistema.

Dentro desse sistema, quais são as linhas que fazem mais falta?

As linhas que fazem mais falta são aquelas que estamos a construir, porque acreditamos mesmo que a tomada de decisão foi baseada em factos. A linha Rubi, por exemplo, tem um valor económico de cerca de 900 milhões de euros, mais de um terço do acumulado de benefícios sociais e ambientais decorrentes dos 20 anos de operação do metro: qualquer coisa como 2.300 milhões de euros. Em 2019, quando batemos o recorde de passageiros, tivemos 72 milhões de validações. Só o potencial da linha Rubi é de 12 milhões de validações. Daqui a 20 anos, a Metro do Porto estará a registar, por ano, cerca de 150 milhões de validações.

As composições já andam cheias hoje.

É impossível garantir mais oferta e frequência?

Em 2019, fizemos uma alteração no layout dos veículos que passou despercebida à maioria das pessoas, e ainda bem. Tendo diminuído ligeiramente o número de lugares sentados, aumentou muito a área disponível. Isso permitiu-nos ter mais capacidade de oferta. Olhamos muito para aquilo que é mais visível, para as empreitadas, mas há todo um conjunto de ações que estamos a tomar. Por exemplo, a linha Amarela, hoje, tem um constrangimento: tivemos de ocupar metade do cais em Santo Ovídio, o que não permite fazermos os 11 veículos por hora que fazíamos. Estamos a fazer 10 veículos na hora de ponta, que é o limite da capacidade operacional que temos neste momento. Acreditamos que, a partir de abril/maio do próximo ano, com a conclusão do viaduto em Santo Ovídio, vamos poder repor o fim de linha, o fim de curso pré-existente. No Hospital de S. João fizemos uma alteração numa agulha que nos permite utilizar os dois cais de uma forma mais eficiente do que a que utilizávamos anteriormente. E estamos, neste momento, a desenvolver, porque fizemos um concurso público internacional, um aumento de potência de tração em General Torres.

E os novos veículos? Quando chegar o primeiro, vai para que linha?

Não temos veículos destinados a uma linha. O veículo chega, entra numa fase de testes e depois entra para a rede. Os novos veículos [18] vão chegar todos até ao final do próximo ano, ainda antes do arranque da operação comercial da linha Amarela até Vila d’Este (1º trimestre de 2024) e da linha Rosa (1º trimestre de 2025). Temos apenas um Parque de Material e Oficina [PMO], e isso é, atrevo-me a dizer, uma das principais ameaças, porque significa que estamos dependentes de uma única instalação industrial para fazer a manutenção. Por isso é que, com a extensão da linha Amarela, decidimos que esta era a oportunidade para termos um segundo PMO. Vai ficar em Vilar de Andorinho, num terreno com cerca de 80 mil metros quadrados. Isso permitirá, pela primeira vez na vida da empresa, fazer uma reflexão importante: equacionar uma rede com sistemas diferentes. Ou seja, nas linhas marcadamente urbanas, que exigem uma frequência muito grande, fazermos uma evolução dos sistemas de sinalização.

Estamos a falar de uma série de investimentos que, ao contrário do que acon-

“Sei que há uma tentação muito grande para a ‘achologia’. Mas aqui tomamos decisões baseadas em factos”

TIAGO BRAGA PRES. CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA METRO DO PORTO

Nomeado em 2019 pelo Governo para assumir a presidência da Metro do Porto, Tiago Braga vai manter-se à frente da empresa pelo menos até 2024. Foi reconduzido no cargo este ano. Licenciado em Engenharia do Ambiente pela Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa, o portuense de 48 anos começou o seu percurso profissional na Associação Empresarial de Portugal, tendo já passado pela administração de várias empresas, incluindo a STCP. O engenheiro fez também percurso na Câmara de Gaia, grande parte dele na empresa municipal Águas de Gaia e no Parque Biológico de Gaia.

Entrevista

teceu na primeira fase, não será feita através de endividamento bancário. Há garantia do Governo que não será necessário voltar a essa alternativa?

A garantia que posso deixar é a que o Estado deixa em todas as assembleias gerais: assegurar a manutenção e o funcionamento da empresa. Vamos voltar a fechar o ano de 2022 com uma taxa de cobertura global acima dos 100%, significando isso que, de facto, temos as condições de sustentabilidade, também financeiras, para fazer face àquilo que são os custos da exploração.

Como é o diálogo com o Governo?

Concentrando nesta fase, de 2019 até 2022, o diálogo tem sido muito próximo. Com o ex-ministro João Pedro Matos Fernandes, com o ministro Duarte Cordeiro, com os secretários de Estado José Mendes e Eduardo Pinheiro, e agora com o secretário de Estado Jorge Delgado, é um diálogo muito próximo. É sabido que o professor Jorge Delgado foi administrador da Metro do Porto, é uma pessoa muito conhecedora da realidade da empresa, o que significa que conhece os sistemas, portanto consegue ser muito exigente. Mas, por outro lado, percebe as especificidades da nossa operação, sendo claramente alguém com quem a Metro do Porto se relaciona de uma forma muito simples, muito fácil, no sentido de, no dia-a-dia, e apesar de todas as dificuldades, conseguirmos concretizar aquilo que são os nossos objetivos e a nossa missão.

Várias obras têm suscitado muita discussão. No Porto não há uma obra que não suscite polémica?

Dizer isso é redutor. Nós, lá em casa, se fizermos uma obra, vamos discutir com o cônjuge, porque não é assim, é assado... Estamos a falar de uma situação que nos motiva a todos. Ficava mais preocupado se não houvesse discussão nenhuma, significava que não havia interesse. O desinteresse é que me preocuparia. Quando as pessoas discutem é porque estão mobilizadas para um assunto que deve interessar-nos a todos.

Tem por hábito andar de metro?

Procuro andar de metro muito frequentemente. As minhas deslocações à Baixa do Porto para jantar, porque até nós temos direito, de vez em quando, a divertirmo-nos um bocadinho, são de metro, de facto, pelo conforto. No dia-a dia é mais difícil, mas procuro frequentemente andar na linha para perceber as dificuldades.

E qual foi o principal problema que encontrou no sistema?

Perfeito não é. Os principais problemas são aqueles que enunciei há pouco. A questão do PMO é um problema, mas temos mais. Frequentemente, aborda-se a questão das reclamações na linha Vermelha, até à Póvoa de Varzim. É um problema de muito difícil resolução, porque o nosso material circulante é de características urbanas. Ou seja, tem uma velocidade de ponta baixa e uma aceleração muito rápida. Isso que significa que não conseguimos vencer estes 30 quilómetros de distância de outra forma. As quase 40 estações que existem entre a Póvoa e a Trindade obrigam a um constante pára-arranca. E há dificuldades pontuais. Os rebatimentos, em alguns pontos da rede, não são aqueles que gostaríamos que fossem, na ótica do cliente. Por isso é que, por exemplo, fizemos um investimento grande no Pólo Universitário e no Hospital de S. João, em colaboração com a Câmara do Porto, no sentido de dar mais conforto aos clientes. Eu, quando utilizo a rede do metro, procuro ser cliente. Procuro olhar sobre o prisma do cliente. Porque tudo isto é muito interessante. A descarbonização, de facto, é fundamental, o descongestionamento é fundamental,

“Temos as condições de sustentabilidade, também financeiras, para fazer face aos custos de exploração”

mas isto só faz sentido, verdadeiramente, se servir os cidadãos.

Que marca é que gostaria de deixar na

Metro do Porto?

Não sou presidente, estou presidente. Já fui administrador e estava administrador. Neste momento, compete-me levar adiante os processos de expansão. Enquanto estiver nestas funções, é esse o meu objetivo, criar condições para que quem vier a seguir encontre uma empresa melhor, mais preparada, um sistema melhor, mais capaz do que aquele que encontrei e que o meu antecessor encontrou. Temos que olhar para isto como uma fase, um processo em cadeia, em que cada um tenta fazer um bocadinho melhor do que o que se fez anteriormente, no sentido de deixar uma empresa e um sistema melhores para os cidadãos. Aqui, e este é um lado mais pessoal, que é aquilo que nos motiva no dia-a-dia, com a consciência de podermos ajudar a transformar a nossa terra. E a minha terra é esta. Não é que os treinadores tenham de ser sempre do clube, mas acho que ajuda o facto de sermos daqui e de a nossa vida ter sido feita sempre aqui. Mesmo quando encontramos dificuldades, e as dificuldades estão sempre ao virar da esquina, é aquilo que nos energiza, aquilo que procuramos alinhar com a própria estrutura da empresa, sabendo que estamos mesmo a mexer com a vida das pessoas, a melhorar a vida das pessoas. Esse é, verdadeiramente, o legado dos últimos 20 anos da Metro do Porto. E será, seguramente, nos próximos 20, ainda com mais intensidade. Esta não foi uma obra de papel, não é um metro de papel, não é uma obra faraónica nem um elefante branco, este foi um projeto verdadeiramente vencedor. Sendo que, aqui, todos os dias ganhamos qualquer coisa. Ontem [21 de novembro] fizemos 250 mil validações, portanto, ajudamos seguramente a melhorar a vida das pessoas que utilizam o metro.

ADRIANA CASTRO E HUGO SILVA

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