arquivo de obras em acabamento (encarte)

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4. Há um certo conforto na paisagem de trânsito. Nada prospera, na mesma medida que a eminência do novo se torna instrínseco ao projeto do porvir. A instabilidade que contorna a construção lança uma ideia de futuro, erguida sobre uma arqueologia já imantada de pregresso. Dá-se a ver uma ruína em construção; o que ainda é começo anuncia o enterro da memória. Porém não é preciso se ater aquilo que não mais existe. A renúncia da memória abriga o lançar-se em uma nova perspectiva. Daquilo que não é mais, e que ao mesmo tempo é o que ainda deverá ser, posso investir todos e quaisquer desejos. A edificação vem se constituir enfim daquilo que me concerne - só cabem ali gestos otimistas, desejosos, de algo que uma vez levantado, já terá deflagrado toda nostálgica esperança de progresso.

3. Dizem que a dificuldade em expor para o outro nossos desejos está relacionada com a matéria própria do desejo, que assim como o sonho, não é feito de palavras, mas imagens. Mas de que matéria seriam feitas? Imagens de esquecimento e de remanescências, imagens que se repetem compulsivamente, imagens do passado pulsando no presente, e por que não, imagens de nossos desejos mais íntimos, nossas fantasias secretas, nossas utopias, imagens de esperança, que, assim como os fantasmas, ou melhor, com os fantasmas, sobrevivem.

1. O que fazer com as tecnologias obsoletas, os objetos em desuso, fragmentados, quase incompreensíveis? “O que fazer” sempre foi um questionamento demasiado pernicioso, talvez fosse mais interessante trocar o agente da ação, sendo assim: o que eles provocam em nós? Que potência revolucionária, talvez até perversa, transparecem nesses objetos antiquados que ora nos repele e ora nos excita? Excitação essa que nos faz sentir, algumas vezes que postamos diante desses objetos particulares, como a criança que não distingue bem o ser animado de um objeto inanimado. Mas não que essa excitação seja uma mera crença infantil (assim como também não o é o desejo da criança de que seu boneco seja um ser animado, mas sim a simples necessidade da magia, e como necessitamos dela hoje...).

arquivo de obras em acabamento

Se esses objetos, aparelhos e parafernalhas se tornaram inúteis para o sistema neoliberal de produção e de consumo; se são descartáveis para o nosso atual modo de vida, para os tipos de relações estabelecidas, algo de especial eles carregam. As imagens produzidas por filmadoras de tecnologia “ultrapassada” sempre vão remeter a algo que já existiu, ou que poderia ter existido, e a mera constatação disso permite sua sobrevivência. O choque provocado pelo contraste entre o presente sendo exibido a partir de uma tecnologia de produção de imagem do passado diz respeito as tantas contradições que permeiam a nossa inserção no mundo. A imagem produzida pode ser entendida como uma prestação de contas com o passado, o qual sempre estamos em dívida. Sobressaem acima de tudo, os dispositivos de construção de uma sociedade que tem uma compulsão a repetição, buscando o novo sempre a partir das mesmas velhas formas.

2.

Luisa Horta

No lugar de sua não materialidade, a história oferece um vasto campo ao imaginário. Entendida como uma tecitura de elementos factuais eleitos a serviço de uma representação, faz daquilo que emerge, ficção. A apresentação fragmentada dos acontecimentos amplia a construção de possíveis narrativas, trazendo à superfície vestígios de apagamentos incompletos, rastros de utopias e barbáries escondidas. Pela aglutinação de termos simbólicos podemos deslocar personagens e espaços reais no território da invenção, desmedindo impossíveis verdades. A autonomia das imagens conformam um belo traço de ilusão, salvando a informação de sua banalidade. Deixar protagonizar os ruídos, iluminar a incerteza com uma pequena dose de conduta. A organização serve ao jogo de uma escrita quase lúdica, inscrevendo no ordinário a suspensão de sua atualidade, que se renova a cada vez que as encontro.

agradecimentos Bruno Safadi | Flávio Gatti | Marcelo XY | Arquivo Público Mineiro | Hortencia Abreu | Museu Abílio Barreto | Leíner Hoki | Marcos Hill | Jairo dos Santos Pereira | Maíra Fonte Boa | Clarice Panadés | Bruno Rios | Maria do Carmo Veneroso | Douglas Pego | Roberto Buzzini | Manuel Horta | Gabriel Caram | Mariana Maioline | Harrison Morais | Equipe do Centro Cultural da UFMG | André Mintz | Janaína Rodrigues | Karla Miranda | Patricia Franca-Huchet | Afrânio Prado | Gilson Burgarelli | Marcio Aurélio Soares | Antonio Mauricio | Angela Schiavon | Zé Ricardo | Rodrigo Burgarelli | Alberto Camisassa | Matheus Fleming | Gonzalez Borel

belo horizonte agosto de 2012

Ricardo Burgarelli


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