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A verdadeira

Há aqui uma defesa premente de Petronilha: um diálogo entre diferentes culturas deve ser colocado, para que se questione a invisibilidade com que ne‐gros têm sido tratados ao longo da his‐tória. A resistência às políticas curriculares e a nãoaceitaçãode profes‐sores às suas propostas, são fruto da construção de uma sociedade que cor‐robora com desigualdades, a m de fa‐vorecer alguns, em detrimento de outros. A discriminação das relações, que desquali cam pessoas e grupos rea‐rmandoprivilégios.

“O Movimento Negro, com suas proposições e realizações, tem construí‐

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RevistaXCOPENE-2018-Uberlândia-MG-dezembrode2018 do princípios para orientar as nossas ações de luta. O primeiro desses princí‐pios, diz respeito ao enfrentamento e superação de racismos, discriminações e intolerâncias” argumenta Petronilha, após advertir quanto ao grave momento de crise que vive o país e o mundo. En‐tretanto, ela nos lembra que para quem vive numa permanente crise e pressão, “cabe dar o exemplo de resistência, a partir de nós mesmos, da nossa história e das nossas lutas”. Quando se convive e combate diariamente o racismo, compreende-se que os tempos sempre foram de incertezas. E diante de cada uma das incertezas vividas, certezas são lapidadas e se fazem vivas. É neces‐sário a tomada de consciência, a a r‐mação e a construção de uma solidariedade para possibilitar uma re‐ação antirracista. A pesquisadora acre‐dita que estudar o racismos é um desa o por causa da “tensão entre a supremacia que exibe a fragilidade brancaearesistênciaenegra”.

Petronilha coloca como segundo princípio, o reconhecimento de diferen‐tes grupos étnicos-raciais, que constitu‐em a nossa sociedade. E sustenta a importância do COPENE, que permite “o convívio com pessoas de diferentes regiões,falas,sotaqueseexperiênciasem áreas do conhecimento”. Não existe um único pensamento, não existe valores superiores e sim saberes, comportamen‐tos e pensamentos distintos que preci‐sam ganhar diálogo. “Igual valorização possibilitaodiálogo”,a rma.

O processo de colonização se pautou pela hegemonia europeia, tida comouni‐versal e que acaba por inferiorizar as cul‐turas e histórias dos africanos. Este é justamenteoterceiroprincípio: orompi‐mento com o conhecimento preestabele‐cido. Por décadas, quando se estuda o negro, fala-se mais da escravidão e das mazelas sofridas, que da África, seus po‐vos e suas riquezas étnicas e culturais. A pesquisadora intercede pelo rompimento do conhecimento que se tem consenso emfavordeumaproduçãoprópria.

Apopulaçãoafricana,escravizadanas Américas, embora explorada, subjugada eoprimida,serviu-sedoscon itos,dissi‐dências, revoltas e insurreições. A histó‐riadocotidianonostrazmuitossaberes, vivênciasderesistênciaere-existência.A música, a literatura, a poesia, a religião e a culinária, são algumas das produções de conhecimento. Reconstruindo iden‐tidades, trazendo indagações, ressigni ‐cando e politizando conceitos sobre a realidadesocial.

Em2018,oBrasiltemcomodataco‐memorativa os 130 anos da Lei Áurea, o cialmenteLeiImperialn.º3.353,san‐cionadaem13demaiode1888,abolin‐do a escravidão no país. Mas como lembra Petronilha, “a verdadeira liberta‐ relevância, a nal, não se deve repetir, justamente, oquesecritica. “Anossare‐ferênciaévaliosaenosajudaaexplicaras nossas experiências, nossos pensamentos

RevistaXCOPENE-2018-Uberlândia-MG-dezembrode2018 povos. A professora acredita que “en‐quanto cientistas enraizados na experiên‐cia, devemos esforçar para que, com a nossa produção, possamos acabar com a dominação europeia e os genocídios físi‐cosesimbólicosdospovosnegros”.

Petronilha explica que não é uma li‐bertação para se tornar dominador. Pelo contrário, é importante pensar as lutas antirracistas enquanto momento de li‐bertação mas também de reconstrução, repensar a história em todas as suas di‐mensões. “Na construção dos povos, na construção política, no jeito de pensar a vidaeasociedade. Somoslivreseanos‐sa história, nosso jeito de ser e a nossa cultura é tão importante quanto a euro‐peia”. Conhecer para dialogar e para cri‐ticar,nãoparasesubmeter.

O diálogo com outras produções e referências de igual pra igual, só é possí‐vel enquanto comunidade, enquanto grupo.Nãocomopessoasisoladas.“Nós negros,seacadadia zermosnossomai‐or esforço, nesse momento seremos, mais do que nunca, cientistas em movi‐mento” e rea rma a importância do COPENE, precisando que este é “um território negro, um lugar de fortaleci‐mento”, onde centenas de estudantes, professores e pesquisadores debatem e trocamsaberes.

E sobretudo, produzem ciência a partir das particularidades, das experiên‐cias africanas e de descendentes de afri‐canos, dialogando com outras referências, como as europeias. Há de se ressaltaroesforçodestescientistasenrai‐zados no conhecimento, nas histórias das matrizes africanas, mas acima de tu‐do com bagagem, sabedoria e compre‐ ensão histórica para lutar para que a produção cientí ca negra acabe com as justi cativas para tratamentos desiguais quevemdesdeaescravidão.

Referências:

BRASIL. CNE/CP. Parecer nº 3, de 10 de Março de 2004a. Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-BrasileiraeAfricana.

BRASIL. CNE/CP. Resolução nº 1, de17deMarçode2004b.InstituiasDi‐retrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-BrasileiraeAfricana.

SILVA, Petronilha B. G. Diálogos so‐bre a Lei nº 10.639/2003. In: Ministério da Cultura. Fundação Cultural Palmares. CiclodePalestrassobreCulturaAfro-Bra‐sileira:nossopatrimônio.Brasília,2012.

SILVA, Petronilha B. G. Lei nº 10.639/2003–10anos.2013.

Severino

ELIAS NGOENHA NASCEU EM MAPUTO, NO ANO DE 1962.POSSUIGRADUAÇÃOEMTEOLOGIAEDOUTORADOEMFI‐LOSOFIA PELA UNIVERSIDADE GREGORIANA EM ROMA. NO ANO DE 2010, INTEGROU-SE AO DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA DA UNI‐VERSIDADE PEDAGÓGICA DE MOÇAMBIQUE. É PROFESSOR ASSOCI‐ADO DO DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE LAUSANNE, SUÍÇA. SUAS PESQUISAS SITUAM-SE NA ÁREA DE ANTROPOLOGIA, PENSAMENTO AFRICANO, FILOSO‐FIADAEDUCAÇÃOEINTERCULTURALIDADE.

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