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Correio da Feira 12.JAN.2015

Concelho // Rede de Restaurantes Solidários

Um prato quente num momento mais frágil da vida

Um complemento às respostas sociais da Câmara Municipal, a Rede de Restaurantes Solidários do Concelho dá de comer a muita gente que ficou sem recursos. É a nova pobreza envergonhada que se quer combater, mas também o desperdício de comida, ao mesmo tempo que se promove a responsabilidade social nas empresas. Uma resposta de proximidade porque “hoje são eles, amanhã somos nós”. Daniela Castro Soares

daniela.soares@correiodafeira. pt

ementa normal” do espaço. Um cliente que, muitas vezes, não come no restaurante, pelo que se chama de “pobreza envergonhada”. Mas sem recursos não quer dizer que sejam obrigatoriamente beneficiários do RSI. “Até porque os beneficiários do RSI têm um conjunto de outras respostas” – diz Roberto Carlos Reis. Os casos incluídos na rede são “situações sem enquadramento”. “Mas o Município não pode permitir que a pessoa fique sem comer” – declara.

A Rede de Restaurantes Solidários nasce em 2009 por proposta de um empresário da restauração. Na sequência do encerramento da Rohde, e do desemprego que afectou muitos feirenses, era necessário dar de comer às pessoas, e por isso o comerciante, que prefere manter o anonimato, sugeriu oferecer algumas refeições. O conceito foi alargado e a 16 de Outubro do mesmo ano já 12 110 refeições por dia restaurantes integravam a nova Actualmente são 22 restauranrede promovida pela Câmara tes integrados na rede, numa Municipal. “Queríamos melho- “grande articulação com as rar a qualidade de vida das empresas”. Só no ano passado, famílias” – diz o responsável foram disponibilizadas diariapelo projecto, Roberto Carlos mente 110 refeições, num total Reis. Baseando-se no princípio de 40 mil refeições por ano. da proximidade, as abordagens “A bolsa colmata à procura” aos restaurantes tiveram um – afirma Roberto Carlos Reis, resultado muito positivo. “Os explicando: “A responsabilidaempresários, desde a primeira de social das empresas é fruto hora, disseram que sim” – da nova consciencialização revela. A rede surgiu dos empresários”. Uma como complemendistribuição gratuita to à actividade das refeições após “Queríado mercado da uma análise e sesolidariedade, mos melhorar a lecção cuidada uma espécie qualidade de vida da Câmara Mude banco alinicipal, num promentar. “Para das famílias” cesso partilhado termos uma com instituições resposta de concelhias de apoio alimentar carácter social, mais abrangente para que se possa e para colmatar prestar um verdadeia necessidade das ro “apoio às camadas famílias, além do combate desfavorecidas”. “Um apoio e ao desperdício e da promoção inclusão social agregados em da responsabilidade social das situação de vulnerabilidade empresas” – explica Roberto social” – descreve. Os restauCarlos Reis. rantes aderentes recebem um Um exemplo de boas práticas, selo e “todo o cidadão sabe que a nível nacional, conseguido ao ir àquele restaurante está a através de um “trabalho em colaborar” com a rede. grande articulação com a rede O consumo/recolha de refeisocial concelhia”, que identi- ções pelas populações mais fica as famílias carenciadas. vulneráveis é feito onde há mais “Um trabalho das instituições procura. “É esse o trabalho da e grupos informais, de forma rede, ver onde há mais necesflexível, segura e directa, para sidade” – elucida. De momento, que as famílias rapidamente só há restaurantes de Lamas, possam beneficiar deste apoio Escapães, Arrifana, Canedo que é fundamental” – descreve. e Fornos integrados na rede, A resposta “normalmente não assim como da Feira, que lidera ultrapassa os três meses” e com 15 restaurantes. “Mas se destina-se a pessoas que fica- sentirmos que numa zona há ram “sem recursos no imediato”: necessidade, encetamos esfordesemprego momentâneo, situ- ços para termos lá resposta” – ação familiar de litígio, etc. “O assegura Roberto Carlos Reis, beneficiário é um cliente como esclarecendo que as restantes outro qualquer, a diferença é freguesias têm outras resposque não paga” – esclarece Ro- tas, como o apoio domiciliário berto Carlos Reis, acrescentan- ou os centros sociais. Uma do que a refeição é “dentro da Rede de Restaurantes Solidá-

rios que tem dado que falar, no bom sentido. “Outros municípios já procuraram interacções junto da Câmara para perceber a metodologia de implementação do projecto” – adianta Roberto Carlos Reis, revelando: “A interligação entre as entidades é o segredo, a alavanca que permite que o projecto dure”. E o sucesso do projecto está não só no seu reconhecimento – ganhou o “Prémio Concelho Solidário” – mas também nos “belos testemunhos” que arrecada. “Os empresários sentem alegria por proporcionarem as refeições e até há beneficiários que chegaram a arranjar trabalho nos restaurantes onde iam

comer” – refere Roberto Carlos Reis. Beneficiários a quem a rede ajudou a “qualificar e a mudar de vida”.

“São pessoas como nós”

Dos 22 restaurantes integrados na rede, há muitos que preferem manter o anonimato. Mas o Correio da Feira conseguiu encontrar alguns dispostos a dar o seu testemunho. É o caso do Praceta, na Feira, gerido por Miguel Bernandes. Aderiu à rede logo no seu início porque a pobreza estava mesmo “à sua porta”. “O filho de um vizinho veio a minha casa e eu disse-

Ricardo Matos e Miguel Bernardes - Praceta

lhe “se quiseres, come qualquer coisa”. Ele comeu tudo o que eu tinha no frigorífico. Achei estranho, mas não disse nada. No outro dia, a mesma coisa. O miúdo tinha fome” – lembra Miguel Bernardes. Os pais do menino estavam desempregados e a passar dificuldades. “Um caso à minha porta… Foi por isto que aderi à rede” – conta. Agora recebe as pessoas, indicadas pelos serviços sociais, no seu restaurante, num período definido pela Câmara, deixando-as escolher a ementa. “O menu é à carta e por norma não escolhem os pratos mais caros. Almoçam cá ou levam, enquanto não estabilizam a vida” – diz Miguel


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