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Anexo 5
Experiência Curatorial: Filmes de Artistas - Pioneiros do Cinema Expandido
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Este texto apresenta algumas considerações sobre atividade curatorial de pesquisa e organização de uma exposição que teve como tema o cinema expandido e a produção pioneira neste campo experimental.
A exposição ILUMINADOS – Experiências pioneiras em Cinema Expandido, da qual fui curador e realizada em 2017 no Sesc Belenzinho em São Paulo, apresentou obras de filmeinstalações e multiprojeções dos artistas Andy Warhol, Annabel Nicolson, Antonio Dias, Gill Eatherley, Lis Rhodes, Paul Sharits, Roy Lichtenstein, Stan VanDerBeek, Tunga, Valie Export e os filmes experimentais da FluxFilm Anthology. Uma seleção de trabalhos que utilizam o cinema como forma de expressão artística, relacionando as possibilidade de explorar os recursos da imagem em movimento, da linguagem audiovisual e os diversos dispositivos de projeção elaborados pelos artistas naquele contexto embrionário da arte contemporânea (entre as décadas de 1960 e 1980).
São obras de fundamental importância histórica por ampliarem a concepção sobre o cinema experimental e suas formas expandidas de criação, explorando aspectos formais e estruturais da linguagem audiovisual e utilizando dispositivos pouco usuais de exibição, como por exemplo projeções simultâneas em mais de uma tela.
Nestes primeiros anos do século XXI, novamente pesquisadores e historiadores se atentam para o uso da imagem em movimento por parte dos artistas no contexto das artes visuais. É cada vez mais frequente a presença de trabalhos que utilizam o cinema como forma de experimentação, propondo modos de criação que vão muito além do código tradicional do cinema comercial. O filme se instala nos museus e galerias, estimulando formas originais de exibição e fruição das imagens.
A expressão cinema expandido, termo mais comumente empregado para definir a produção audiovisual com tais características, é atribuída a Stan VanDerBeek em seu manifesto escrito em 1965. Culture: intercom and expanded cinema, a proposal and manifesto, publicado em
vários catálogos e antologias27, traduz as ideias deste artista a respeito de um novo conceito de cinema, que subvertia as limitações de uma única tela de projeção e solicitava uma recepção diferenciada por parte do espectador.
Em seu projeto mais arrojado, o Movie Drome, uma das obras emblemáticas que fazem parte desta exposição, VanDerBeek exibe multiprojeções no interior de uma grande cúpula de 180 graus, tendo um campo de visão horizontal circular de toda a extensão sobre a qual as imagens eram projetadas. O artista se interessava essencialmente em propor formas experimentais e, como ele mesmo afirmava, pesquisar novas técnicas e meios para o cinema expandido se constituir como uma ferramenta mundial para a arte e educação.28
Ao lado de VanDerBeek, Gene Youngblood foi pioneiro em elaborar uma reflexão a partir da perspectiva do cinema e suas correlações com as mídias contemporâneas. Seu mais célebre livro, Expanded Cinema29 (1970), publicado numa época em que parte da revolução tecnológica das novas mídias ainda estava por se fazer, apresenta um vasto panorama das muitas formas como a cultura e os meios de produção audiovisual expressaram uma mutação da subjetividade humana, no contexto que ele denominou de era paleocibernética. No prefácio desta obra, o autor já anunciava que as tecnologias de produção de imagens aumentariam a capacidade de comunicação e que um novo cinema, como forma de linguagem, emergiria da fusão entre a sensibilidade estética e o desenvolvimento tecnológico.
Essas experiências de cinema expandido apresentam características e situações particulares ao proporem arranjos audiovisuais a partir da conjugação plural de imagens. Ao serem exibidos em telas de proporções ampliadas, justapostos um ao lado do outro ou posicionados assimetricamente, e até mesmo projetados sobre outras superfícies, os filmes passam a associar os campos de combinação da imagem e do som com a disposição de sua projeção. São aspectos que determinam formas particulares de compor e exibir as imagens. Rompe-se com a obrigatoriedade de uma tela única e frontal, de um discurso audiovisual linear e sequencial.
Na história do cinema, as questões relativas à narrativa audiovisual tiveram como referência o modelo instituído pela tradição do cinema clássico, operando a imagem através da sucessão contínua de um conjunto de planos e sequências, que determinam as noções de espacialidade e
27 Conferir em BATTCOCK, Gregory (ed.). New american cinema: a critical anthology, Dutton, New York, 1967, p.173179. 28 Citado em Movie-drome, Stony Point, NY, 1963–1965 (arquivo para download) sem a fonte em http://projectstanvanderbeek.com/where/1.2/index.html. Acesso em 05 de março de 2010. 29 YOUNGBLOOD, Gene. Expanded Cinema, E.P. Dutton; New York, 1970.
temporalidade no filme. Esta norma foi transgredida por movimentos e estilos que, no decorrer do século XX, propuseram outros modelos de elaboração para o discurso audiovisual. Na pluralidade de modos de se trabalhar a imagem no contexto do cinema expandido, inserido no âmbito das tendências estilísticas que buscaram a inovação e outras formas originais de expressão, a narratividade experimental é um dos elementos da linguagem cinematográfica que mais tem sido explorada pelos realizadores.
Nestas condições, abrem-se possibilidades para se romper com a linearidade temporal da narrativa mais comumente realizada nos filmes para projeção em salas de cinema tradicionais. Na galeria ou no museu, o tempo de duração da exibição não segue a convenção do mercado institucionalizado do cinema. Contando com um espectador que transita livremente por este espaço, sem uma previsão de quanto tempo durará a sua audiência, o cinema expandido implica em filmes que podem não ter um tempo de duração padronizado, por sua ação dramática ou por uma história que transcorre com princípio, meio e fim. O filme pode, assim, ser elaborado para projeção em looping ou até mesmo para que seja assistido em parte, sem que isso comprometa a sua compreensão.
A concepção curatorial de uma exposição como ILUMINADOS coloca desafios diante deste conjunto de manifestações artísticas próprias do cinema expandido, cuja especificidade está inserida em uma categoria bem delimitada, porém pouco pesquisada, no conjunto que intersecciona dados históricos do cinema e das artes visuais. Uma seara da produção artística audiovisual que dialoga com o próprio contexto histórico e estético do cinema moderno e contemporâneo e se relaciona intrinsecamente com o desenrolar das formas de expressão no campo da time based art. Este termo tem sido utilizado para definir o conjunto de especialidades que lidam com uma multiplicidade de formas artísticas que se baseiam na temporalidade como elemento essencial da linguagem. Um conceito-chave na arte produzida especificamente no campo do filme experimental, vídeo, instalações, som, multimídia, performance e da cibernética.
Além propriamente desta proposição sobre a qual se assenta a curadoria, esta exposição apresenta também um desafio relativo à gestão de projetos culturais, pois exige um rigor metodológico na apresentação das obras e na sua inserção na prática museológica contemporânea. Há de se salientar, que estes trabalhos de cinema expandido foram concebidos num período de ebulição cultural, em que as formas de expressão e manifestação passavam por transformações e se valiam de meios experimentais pouco usuais de elaboração e apresentação
de seus resultados. Muitas destas obras foram concebidas e apresentadas de maneira efêmera, em happenings ou performances. Algumas delas foram exibidas uma única vez e ficaram, de certa forma, “esquecidas” ou “subestimadas” pela própria história da arte, só sendo redescobertas e restauradas recentemente. Trazê-las à luz de uma prática curatorial nos dias de hoje e compreendê-las no contexto próprio das expografias contemporâneas, foi um dos desafios deste projeto.
Portanto, nesta exposição, o visitante terá a oportunidade de apreciar em suas configurações originais, obras que foram produzidas em formatos pouco usuais no campo do cinema experimental. Muitas delas restauradas recentemente, apresentadas em raríssimas oportunidades e certamente exibidas nesta ocasião pela primeira vez no Brasil. Em alguns casos, os filmes foram transferidos de seu formato em película para mídias digitais, opção sugerida pelos próprios museus e instituições detentoras dos direitos autorais, como forma de adequação aos modos de exibição ininterrupta durante vários dias.
Para viabilizar tecnicamente esta exposição contamos com o apoio logístico da KS Objectiv, empresa sediada em Londres, Inglaterra, que atende especificamente a demanda de artistas, galerias e museus no fornecimento de equipamentos e infraestrutura de montagem de filmeinstalações. Eles auxiliam, por exemplo, na preparação dos trabalhos de Tacita Dean, artista contemporânea que se interessa especialmente pela criação de filmes experimentais produzidos em formatos alternativos. Para a execução de ILUMINADOS, além dos projetores de video, foram necessários 10 projetores 16 mm, com um sistema de projeção em lopping e uma diversidade de lentes que não existem mais disponíveis no mercado brasileiro. Esta logística necessária para a execução adequada das instalações destes trabalhos, ressalta a necessidade de se refletir sobre a preservação de obras de arte criadas sobre plataformas que estão se tornando obsoletas e que necessitam de cuidados muito específicos de conservação e de infraestrutura de difusão, para que possam ser mostradas em sua integridade num futuro próximo. Cada vez mais se torna um desafio a preservação e exibição destas obras que utilizam dispositivos praticamente inexistentes no mercado audiovisual atual. A película como formato de produção e reprodução de imagens saiu de uso definitivamente e consequentemente toda a cadeia produtiva migrou para o digital. Raramente se encontram disponíveis câmeras, projetores e películas. Permitir que obras históricas, produzidas a cerca de quatro ou cinco décadas atrás, possam ser conservadas e difundidas publicamente, tornou-se uma missão imperativa para as instituições museológicas e culturais que preservam estes acervos.