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Referências bibliográficas ............................................................................................ 68
A terceira parte deste relatório é relativa ao acervo de filmes e vídeos de artistas da Pinacoteca de São Paulo. Neste caso foi apurada qual a metodologia de indexação e preservação das obras da coleção do museu. O intuito aqui foi o de se apontar qual a prática deste museu no que concerne ao protocolo de cadastramento e conservação de obras desta natureza.
No Brasil, genericamente, não existem protocolos definidos por museus e instituições culturais voltado para a conservação de obras audiovisuais2. Este é um tema fundamental para ser discutido, porque se estamos trabalhando com obras realizadas a partir de mídias ou suportes baseados em tecnologias ou em modos de produção que se tornam obsoletos muito rapidamente, é muito grave não termos uma cultura arquivista dedicada para isso. Da mesma forma, não existem departamentos especializados nesta matéria ou em obras de arte produzidas em formatos audiovisuais, tarefa museológica realizada geralmente pela equipe dos setores de artes visuais.
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A quarta parte trata da questão da preservação de obras em time based media. A produção artística em novas mídias (filme, vídeo, computador etc) e em formatos como instalações e performances, que se intensificou a partir da década de 1960, implicou na necessidade das instituições museológicas criarem departamentos de preservação e conservação especializados. Produzidas em suportes instáveis, não convencionais e cuja obsolescência tecnológica é um fator intrínseco, no que concerne às novas mídias, o desafio que se apresenta trata da permanência destas produções como patrimônio cultural, sua atualização técnico-formal e a viabilidade de serem exibidas em épocas em que certamente o dispositivo tecnológico que as originou não existirá mais.
São introduzidas, a título de referência, as experiências do Museum of Modern Art de Nova Iorque (MoMA), do Metropolitan Museum, da Solomon Guggenheim Foundation e do projeto Matters in Media Art, uma plataforma sobre conservação de obras em time based media, desenvolvida em parceria com a New Art Trust, San Francisco Museum of Modern Art (SFMOMA), Tate Modern e com o próprio Museum of Modern Art de Nova
2 Aqui não me refiro à Cinemateca Brasileira, que apesar de ter este protocolo muito bem definido, não abriga em seu acervo obras desta natureza.
Iorque (MoMA). Estas instituições são consideras pioneiras na elaboração de protocolos que define procedimentos relativos à constituição, preservação e difusão de acervos de obras nestes formatos.
A quinta parte trata do projeto curatorial que orienta a exposição a ser realizada no MACUSP no segundo semestre de 2019, tendo como conjunto expositivo os vídeos, documentos, fotografias e objetos pertencentes ao acervo do museu, ordenados a partir das informações apurados nesta pesquisa. Como parte deste evento será realizado um seminário internacional sobre as estratégias de constituição de acervos de obras em time based art e protocolos de preservação e difusão.
O relatório também inclui tabelas com a descrição detalhada de todos os vídeos produzidos no Setor de Vídeo do MAC-USP, como também observações que auxiliam na compreensão das obras. No caso específico dos 17 vídeos que compõem a série Videopost, realizada por Jonier Marin em parecria com outros artistas, foram incluídas imagens dos documentos que serviram de argumento para a realização dos trabalhos. O objetivo foi o de se estabelecer uma comparação entre as ideias fornecidas pelos artistas e o resultado final realizado por Joneir Marin.
Outros anexos com ensaios e informações complementares à pesquisa também estão incluídos.
Como parte das atividades correlatas a esta pesquisa, foram realizadas:
- Pesquisa no acervo do MAC-USP com foco no conteúdo audiovisual originalmente produzido na instituição no período do Setor de Vídeo criado por Walter Zanini em 1977. Foram assistidos e decupados os vídeos produzidos naquela ocasião no formato portapak e que estão atualmente digitalizados em formato quicktime (vídeos listados no Anexo 1).
- Pesquisa no arquivo do MAC-USP em torno dos documentos relativos ao Setor de Vídeo, mais especificamente sobre o material relativo ao projeto Videopost, de Jonier Marin.
- Visita à Pinacoteca de São Paulo, com o intuito de conhecer as práticas relativas à catalogação de obras audiovisuais e esclarecer sobre os protocolos de constituição de um acervo especializado nesta categoria estilística.
- Aula ministrada na disciplina Teoria e Crítica da Arte Contemporânea do curso de mestrado e doutorado do Programa de Pós-Graduação em Estética e História da Arte. Foi apresentada alguns dos temas preliminares da pesquisa e uma introdução à produção de filmes e vídeos de artistas no Brasil. Foi apresentado como exemplo de pesquisa curatorial a exposição “Expoprojeção 1973-2013”, realizada em co-autoria com Aracy Amaral. (maio de 2017)
- Curso livre oferecido pelo MAC-USP, no período entre 14 de setembro e 5 de outubro, sobre o tema Filmes e Vídeos de Artista no Brasil. Uma reflexão histórica e analítica sobre
a produção de filmes e vídeos de artistas no Brasil, introduzindo o tema do cinema expandido e a relação destas formas de expressão com as artes visuais no Brasil. Ênfase nas questões curatoriais e nas formas contemporâneas de conservação e preservação de time-based art. No curso já foram compartilhadas as primeiras informações levantadas na pesquisa de pós-doutoramenteo. Informações em: https://uspdigital.usp.br/apolo/apoObterCurso?cod_curso=320400093&cod_edicao=17001 &numseqofeedi=1
- Redação dos verbetes relativos aos vídeos dos artistas Carmela Gross, Julio Plaza e Regina Silveira, para publicação no livro Arte Brasileira no Acervo Conceitual do MACUSP - Balanco Parcial de uma pesquisa em curso e organizado por Cristina Freire, ainda a ser lançado.
- Visita ao Arquivo de Multimeios do Centro Cultural São Paulo. Verificou-se os títulos que fazem parte do acervo, produzidos em película (16 mm e super-8) e as condições de conservação e difusão deste material (maio de 2018).
- Aprovação pelo conselho deliberativo do MAC-USP para realização da exposição Video_Mac, no segundo semestre de 2019, como parte integrante deste projeto de pesquisa.
- Entrevista com Regina Silveira realizada no dia 22 de agosto no estúdio da artista.
- Consulta ao Arquivo do MAC-USP para análise dos documentos digitalizados relativos ao projeto Videopost (julho de 2016).
- Consulta à Biblioteca Walter Zanini, com o intuito de localizar nas fitas de vídeo VHS e DVDs do pesquisador, cópias de algum trabalho considerado desaparecido (setembro de 2018).
- Esboço para o projeto Video_MAC - exposição e seminário a serem realizados no segundo semestre de 2019 (anexo 10).
- Publicação do ensaio: CRUZ, Roberto Moreira S., Cinema expandido: questões sobre uma curadoria e os desafios da preservação e difusão de obras em time-based media, IN: MENOTTI,
Gabriel (org.), Curadoria, Cinema e outros modos de dar a ver, Editora da
Universidade Federal do Espírio Santo, Vitória, 2019, pp. 41-54.
- Encontro com a pesquisadora Christine Mello, com o intuito de apurar informações sobre a produção de vídeo na década de 1970 e cotejar informações sobre estratégicas adotas pela pesquisadora (abril de 2019).
1 O AUDIOVISUAL EXPERIMENTAL NO BRASIL – CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Em termos históricos talvez seja mais prudente pensarmos em uma categorização por período de produção. O primeiro deles, que vai do final dos anos 1960 até o início da década de 1980, é relativo aos pioneiros. É o momento em que se manifestam as primeiras formas de experimentação com o filme e vídeo no contexto da arte brasileira.
O segundo momento é o da ascensão da produção do audiovisual em imagem eletrônica: a vídeo arte e a chamada produção independente, que propunha uma outra forma de pensar e fazer televisão. Este período vai do início da década de 1980 até meados de 1990. No Brasil, esta época tem uma relevância particular pois é o momento em que há uma efervescência na produção experimental no país.
Posteriormente, já na segunda metade da década de 1990 até os dias atuais, ocorre uma ebulição global desta produção audiovisual, em função do processo de digitalização da imagem. É o momento em que a expressão “filme de artista ”ou “cinema de exposição” passa a ser recorrente devido à presença constante e inequívoca da imagem em movimento nas exposições de arte.
Naquele primeiro momento da produção audiovisual experimental, motivados pela potencialidade que as tecnologias ofereciam como formas de expressão de linguagem, os artistas passaram a experimentar com estes novos meios. Foi quando se destacaram os trabalhos produzidos utilizando o dispositivo da fotografia em slide – produção denominada de audiovisual-arte por Frederico Morais –, os que criavam filmes experimentais em super-8 e as primeiras gerações de videoartistas brasileiros. Estes trabalhos ocorreram de maneira discreta, resultante de uma produção que se restringiu a poucos grupos e que raramente encontrou respaldo das instituições artísticas. Circulando por mostras ou festivais alternativos, presentes em uma ou outra exposição de maior repercussão, esta produção ficou praticamente esquecida pela crítica de arte e, de certa forma, ainda carece de uma pesquisa mais aprofundada. As referências históricas e bibliográficas se restringem aos poucos catálogos publicados na época e ao reconhecimento que estas manifestações tiveram em publicações assinadas por curadores e
pesquisadores como Aracy Amaral (2013), Walter Zanini (2018) e, posteriormente, Arlindo Machado (1988, 2007).
No campo da comunicação e da cultura audiovisual daquela época, o país assistia à expansão da televisão como mídia dominante e à consolidação da Embrafilme, que organizava a produção e distribuição do cinema em relação ao seu mercado consumidor. O super-8 tornava-se então o formato alternativo que possibilitava a pesquisa e viabilizava o surgimento de um reduto artístico de resistência à institucionalização da linguagem dos meios de expressão.
A preferência pelo super-8, por exemplo, tem uma causa evidente: era o formato mais acessível em termos econômicos e operacionais para a maioria dos realizadores. A portabilidade da câmera, a facilidade do processo de revelação e do aspecto artesanal que implicava a montagem do filme, cortado e colado manualmente, favorecia o uso deste suporte, por permitir a prática do exercício do processo criativo de maneira individual ou em pequenos grupos. Filmar performances de curta duração no qual o corpo é utilizado como um dos instrumentos de proposição e interferência estética é recorrente em alguns trabalhos desta época.
Características semelhantes se observam na produção dos artistas do vídeo no Brasil, em sua fase pioneira. Nomes emergentes das artes visuais da década de 1970, como Ivens Machado, Letícia Parente, Anna Bella Geiger, Sônia Andrade, Paulo Herkenhoff, entre outros, passaram a se interessar pelo vídeo e pela praticidade em registrar o ato artístico. Em trabalhos como “Estômago embrulhado” (1976) de Herckenhoff e “Marca Registrada” (1974) de Parente, o portapak era utilizado para documentar bizarros atos comportamentais destes artistas, que literalmente mastigava e engolia notícias recortadas de um jornal, no primeiro caso, ou bordava com agulha e linha na própria pele da sola do pé a frase título do vídeo.
Quando os artistas brasileiros começaram a trabalhar com o filme super-8 e o vídeo portapak, isso no contexto do primeiro período, havia mais uma intenção de apropriação do meio do que propriamente uma pesquisa de linguagem que seria específica para aquelas novas mídias. O que se percebe é uma tentativa de trazer o suporte, aquela mídia, para as formas de experimentação que os artistas já trabalhavam no contexto da arte
contemporânea. Daí uma nítida relação entre os aspectos formais e temáticos destes vídeos com a performance, a body art e a arte conceitual, por exemplo.
Neste sentido tanto as experimentações em filme, assim como as em vídeo, apresentam semelhanças. Muitos destes trabalhos são, por exemplo, performances nas quais os artistas utilizam a mídia como uma forma de integrar a possibilidade do registro da imagem, da ação performática propriamente dita com a produção da imagem em si. Uma concepção que integra o corpo, a câmera e a imagem de maneira intrínseca e que estabelece códigos próprios de criação.
Um número significativo de trabalhos produzidos por essa primeira geração do audiovisual experimental no país explorava o gesto performático do corpo. O dispositivo básico consistia quase que exclusivamente no confronto da câmera com o artista . Mesmo não apresentando uma proposta narrativa mais definida, que se apoiasse nas possibilidades discursivas da imagem e do som, estas obras já evidenciavam uma intertextualidade entre a ação performática do artista e estes aparatos técnicos de produção de imagens. É o que se nota, por exemplo, em “Versus” (1974) de Ivens Machado, no qual o movimento de panorâmica da câmera, provoca uma imagem vertiginosa, alternando-se da esquerda para a direita, entre os dois personagens em cena.3
A produção de filmes e vídeos no Brasil em seu período pioneiro (décadas de 1960 e 1970), realizada por artistas e com proposta experimental, trilhou um caminho tortuoso e marginal, pela inexistência de um mercado que pudesse dar visibilidade a esta produção e foi ocultada pelo cenário cultural brasileiro, submetido à censura da liberdade de expressão, imposta pelo regime militar.
A medida que a tecnologia evoluiu, com os artistas se apropriando destes dispositivos através de uma pesquisa de linguagem mais direcionada, passa-se a ter uma especificidade da produção experimental buscando uma linguagem própria e apropriada para aqueles dispositivos. Tem-se então a formulação de um modelo narrativo próprio para esta linguagem. É quando surge o conceito de videoarte propriamente dito, onde se percebe nos trabalhos um modo específico de uso da tecnologia e da produção da imagem, com uma
3 Mais informações sobre este vídeo no item 2.2.5 deste relatório.
temporalidade e uma espacialidade próprias, que os diferencia da prática cinematográfica. Esta busca por uma linguagem intrínseca ao vídeo foi um fator que determinou um modo próprio e característico de grande parte da produção artística realizada nestes meios ao final da década de 1970 e no decorrer da década de 1980.
Naquela época, esta pesquisa por uma especificidade também ocorreu no meio da crítica e da teoria da imagem em movimento. Se observarmos a história da crítica da imagem neste período, grande parte do pensamento crítico estava debruçado sobre uma epistemologia da imagem eletrônica e em que aspectos, comparativamente, o desenvolvimento desta linguagem a distinguiria do código cinematográfico4 .
Foi no decorrer da segunda metade da década de 1990 que as relações entre vídeo, cinema e artes visuais se evidenciaram no Brasil. As exposições de arte, mostras e festivais passaram a apresentar com mais frequência trabalhos que conjugavam estas variadas formas de exibição de obras audiovisuais. Esta convergência, tardiamente percebida no país em relação ao contexto internacional, se deveu essencialmente a uma miscigenação das práticas criativas, que permitiu aos artistas transitarem por meios e suportes menos ortodoxos, como a fotografia digital, as instalações e o próprio vídeo, que se transformou numa ferramenta cada vez mais acessível em função de seu desenvolvimento tecnológico acelerado. Como observa Aracy Amaral:
(...) inteligência e manuseio familiar da tecnologia de última geração surge hoje como um atributo inalienável do artista jovem. (...) As ferramentas e mesmo a imagética dos meios eletrônicos passam a ser o modelo, e a vídeo-imagem passa a ser trabalhada, incorporada, poetizada (2006, p.20).
As propostas passaram a ser as mais diversas possíveis e a consequência disso é que o elenco de projetos e obras apresentados no contexto mais recente da arte brasileira torna-se plural e multifacetado, evidenciando o hibridismo dos formatos e estilos.
Esta gama plural e multifacetada de formas e códigos artísticos, integrando novas tecnologias e dispositivos de produção de imagens em movimento, caracteriza um nicho
4 Conferir autores como Bellour (1997) e Fargier (1986).
específico da arte brasileira contemporânea. Representa uma parcela importante dos modos como os artistas interpretam o mundo e buscam referências intrínsecas à sua realidade e à sua subjetividade.
Hoje é bastante frequente o visitante de uma exposição se deparar com obras produzidas nestas técnicas ou formatos. É uma tendência mundial que surge com o a acessibilidade aos meios de produção e difusão da imagem. É cada vez mais fácil e prosaico produzir uma imagem em movimento. O indivíduo se transformou em um pequeno produtor. Opera-se estes equipamentos de forma muito prática no seu cotidiano. Isso faz com que as pessoas percebam e se disponham cada vez mais para a presença da imagem no seu dia a dia. E os artistas, naturalmente, não ficaram alheios a isso. Pelo contrário. Talvez seja a produção de filmes de artistas nestas últimas duas décadas o melhor exemplo do que é possível realizar em termos de cinema experimental.
Esta produção foi respaldada, em certa medida, pela própria absorção de obras audiovisuais pelo sistema da arte, representado pelas galerias, museus, instituições culturais, feiras, imprensa especializada, colecionadores e também por ser objeto de pesquisa acadêmica. Artistas como Cao Guimarães, Eder Santos, Leandro Lima e Gisella Mota, Letícia Ramos, Marcellvs L., Cinthia Marcelle, entre tantos outros, tem uma trajetória reconhecida internacionalmente, cujos trabalhos estão identificados com a experimentação audiovisual no campo das artes visuais. Muitas destas obras são apresentadas como vídeo em single-channel (uma única projeção em tela grande), utilizando equipamentos de alta definição (full HD e 2 K), permitindo ao artista obter excelente qualidade de imagem e resultados sonoros e acústicos satisfatórios. Outras obras se caracterizam por mesclar recursos do vídeo, objetos e espaço cenográfico como instalações.
Até meados da década de 1990, estas projeções em vídeo eram restritivas devido a baixa qualidade da imagem e às limitações técnicas dos equipamentos que não permitiam exibições em looping, durante períodos longos de dez horas por dia e dois ou três meses de duração – prática comum adotada nas exposições de arte atualmente. Restrições ou limitações que foram superadas devido ao processo de digitalização da imagem, alta definição dos dispositivos de projeção e facilitações em termos logísticos museológicos que atendem às necessidades institucionais para a exibição destas obras.
2 FILMES E VÍDEOS DE ARTISTAS NO MUSEU
2.1 - O ACERVO DO MAC
A partir de informações fornecidas por Fernando Piola, documentalista da Divisão técnicocientífica do MAC-USP, o acervo de obras audiovisuais da instituição registra em seu cadastro 94 títulos, nos formatos de filme, vídeo e diapositivos (slides). Além de obras audiovisuais propriamente ditas, constam no acervo o inventário Rafael França com toda a midiateca que pertencia ao artista e um conjunto de obras que ainda estão sendo digitalizadas e cadastradas. Neste levantamento temos:
1) Filmes e vídeos catalogados e digitalizados (anexo 1). Os diapositivos estão incluídos em um projeto de digitalização em andamento. Ao todo são: - 19 obras em diapositivos; - 7 obras em super-8; - 2 obras em 16 mm; - 26 obras em portapak; - 40 obras em vídeo (single channel) ou instalações audiovisuais.
As 94 obras são datadas de 1970 a 2013 e ingressaram no museu a partir de 1973. Destas 94 obras: 45 ingressaram de 1973 a 1978; 4 vídeos catalogados da doação do artista Rafael França em 1991; 2 videoinstalações ingressaram em 1993 e as demais 43 obras a partir de 2007.
2) Inventário Videoteca Rafael França doada ao MAC em 1991. Consta de forma sucinta a relação de todos os itens da videoteca, incluindo vídeos de autoria de Rafael França, áudios e vídeos de outros autores. Desta relação apenas uma fita open reel de 1 polegada com vídeos de autoria de Rafael França, identificado como Edited Máster, foi digitalizado e portanto seu conteúdo pode ser catalogado na base de dados do Acervo Artístico. Foram verificados o conteúdo das fitas em formato VHS e High 8. Os dados de alguns campos da lista identificados na Videoteca foram obtidos das etiquetas de identificação e inscrições presentes nas fitas e embalagens.
De acordo com Fernando Piola, o banco de dados atualmente utilizados pela instituição é o software Access da Microsoft. A catalogação de obras audiovisuais é feita num modelo genérico de campos de cadastramento para todo tipo de obra, pois este apresenta campos pré-definidos. Um sub-formulário genérico denominado "montagem" serve para descrever como as obras devem ser apresentadas e nele também é possível inserir imagens ou esquemas especícifos sobre as obras se for o caso. Nestas imagens abaixo segue um exemplo de como este cadastramento é efetuado, tomando como referencia a obra “Sensibilização Estética – Sensibilização Política” (1977) de Clemente Padín e Jonier Marin, da série Videopost:
No campo “artistas modo instalação: formulário”, é possível observar como é feita a descrição relativa à montagem da obra, incluindo a informação complementar do local onde o arquivo de vídeo está gravado - no caso específico é citado o servidor SERPA.
Na sequência, duas imagens que exemplificam o modelo de ficha catalográfica, frente e verso, gerada a partir do cadastramento:
data da catalogação: 12/11/2014 estado de conservação nesta data: Bom
nº de registro MAC USP: 1978.29.1.8 nº de peças: 1
1572.c
artista: MARIN, Jonier (Produtor) e PADÍN, Clemente Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo
título: Sensibilização Estética - Sensibilização Política
Videopost
procedência: Doação Jonier Marin
histórico:
tipo: vídeo técnica: vídeo 1/2 pol., som, pb, 2'00"
dimensões: x x cm obs. técnicas: moldura/base: x x cm
assinatura e data: outras inscrições:
sinais: data: 1977
formato de apresentação: projeção
gravura: x cm tiragem
valor para efeito de seguro US$ Data da avaliação:
data de chegada: data da reunião do Conselho Deliberativo: IPD assinado:
obs.: 1) Nº de registro anterior 1978.25.1.8; 2) A fita de vídeo portapack em formato 1/2", tombada em 1978 como 1978.25.1, permaneceu em depósito no Museu da Imagem e do Som de 1978 a 2013. Esta fita, compondo um lote de 9 fitas no mesmo formato, foi emprestada ao MIS por ocasião do I Encontro Internacional de Vídeo-Arte de São Paulo promovido com a participação do MAC USP entre 13 a 20 de dezembro de 1978. Em 2013, as 9 fitas foram retiradas do MIS e digitalizadas em formato MOV pela empresa Videolab em Barcelona com o acompanhamento da artista Regina Silveira; 3) O vídeo consta gravado na fita MAC USP 3
26/09/2018 - 11:57
nº de registro MAC USP: 1978.29.1.8 Pág. 1 de 1
EXPOSIÇÕES:
autor do registro: 2013.12.01ex F.P. Por um Museu Público - TRIBUTO A WALTER ZANINI MAC USP Nova Sede Ibirapuera - 2º andar - Sala A - São Paulo, SP, de 03/12/13 a 01/02/15 obs.: Apresentação em aparelho televisor de cópia digital de exibição feita a partir da digitalização do vídeo
2015.09.01em Jonier Marin - ACTIVE WORK
obs.: Henrique Faria Fine Art - Nova York, NY, E.U.A., de 11/09/15 a 31/10/15 Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo
parede painel ou parede chão base teto vitrine outro Área total:
Descrição:
A cópia de exibição digital em formato MOV pode ser apresentada em aparelho televisor, monitor ou projetada na parede: o arquivo digital 1978.29.1.8 está armazenado no servidor SERPA.
Este arquivo pode ser convertido para outros formatos em função dos equipamentos disponíveis/escolhidos para sua apresentação.
Para identificação do formato original da obra e de sua cópia de exibição, deve constar em sua etiqueta, abaixo do campo técnica: "cópia de exibição digital"
Um novo banco de dados já está sendo disponibilizado e em novembro de 2018 iniciou-se as migrações de dados. Este novo software é o Collective Access, no qual já estão previstos campos mais específicos autor do registro: F.P. para descrever a obra e os relacionamentos com os autores, além de uma melhor elaboração dos procedimentos de montagem das obras. 2.2 - SETOR DE VÍDEO DO MAC No período em que foi diretor do MAC, de 1963 a 1978, Walter Zanini sempre demonstrou interesse pela utilização da tecnologia como forma de expressão artística. Era recorrente em suas curadorias, a presença de propostas nas quais os artistas utilizavam modos pouco ortodoxos de criação e traziam para o campo da experimentação estética meios e
linguagens próprios da comunicação, como a fotografia em slide, o cinema em seus formatos não-profissionais (super-8 e 16 mm), o vídeo, a arte postal e o videotexto.
A primeira grande mostra internacional de videoarte realizada nos Estados Unidos da América apresentou o trabalho de quatro artistas brasileiros. A convite de Suzanne Delehanty participaram de Video Art no Institute of Contemporary Art na University of Pennsylvania, Sonia Andrade, Antonio Dias, Fernando Cocchiarale, Anna Bela Geiger e Ivens Machado. Da seleção preliminar indicada por Zanini, não fez parte desta exibição o vídeo “Exercises about myself”, realizado por Angelo Aquino e exibido na exposição 8a Jovem Arte Contemporânea do MAC-USP.
Foi através do diálogo entre Suzanne Delehanty e Walter Zanini que a representação brasileira para participar desta mostra se constituiu. Em carta de 25 de abril de 1974 (Arquivo MAC-USP, pasta n. 007/004), a curadora perguntava sobre o interesse em enviar trabalhos de vídeos produzidos por artistas brasileiros para o evento. Zanini respondeu em 14 de maio (Arquivo MAC-USP, pasta n. 007/004) do mesmo ano dizendo que se comprometia a ajudar e selecionar estes trabalhos.
Zanini propôs a um grupo de artistas paulistanos, formado por Regina Silveira, Donato Ferrari, Gabriel Borba e Julio Plaza que produzissem vídeos com o intuito de participarem da mostra na Pensilvânia, aproveitando a oportunidade do convite feito por Delehanty. Em entrevista concedida em vídeo5 à Cacilda Teixeira da Costa e Roberto Sandoval, em 1982, Regina Silveira conta sobre a iniciativa que tiveram, com o objetivo de atender ao pedido de Zanini:
Quando tentávamos fazer aquele vídeo para a exposição na Filadélfia, quando subíamos e descíamos as escadas da Fundação Alvares Penteado, para encontrar pessoas, para saber dos equipamentos de vídeo que estavam quebrados, enfim, uma verdadeira novela da qual os protagonistas eram Donato Ferrari, Julio Plaza, eu e o Gabriel Borba, houve um momento em que pensamos que o vídeo que deveríamos fazer era este. Um grupo, em conjunto, todos subindo e descendo aquelas escadas e mostrando as dificuldades que tínhamos para poder produzir um vídeo.
5 DVD localizado na Biblioteca Walter Zanini em setembro de 2018, época em que o acervo ainda não estava indexado.
A tentativa, porém, foi em vão. Não havia equipamentos facilmente disponíveis em São Paulo. Nesta mesma entrevista Regina Silveira se refere a um equipamento de vídeo portapak da Polícia Militar. Havia também na Universidade de São Paulo, onde Gabriel Borba lecionava e unidades pertencentes ao cineasta Andrea Tonacci6 e ao artista José Roberto Aguilar.
Aguilar não participou diretamente desta iniciativa. Ele havia retornado dos EUA trazendo consigo também um equipamento. É deste período um de seus trabalhos mais importantes, e uma das primeiras obras de vídeo realizadas no Brasil. “Where is South America” (1975), em parceria com Sonia Miranda. Ele já vinha produzindo imagens em vídeo e a prova mais contundente disso está depositada no acervo do MAC , sob o tombo # 1976.62.1. Trata-se de uma fita portapak com aproximadamente 25 min. de duração. Nesta fita é possível assistir a três episódios, realizados por Aguillar de forma prosaica, compostos a partir de gravações em seu apartamento, entre amigos e com a intenção de desenvolver uma linguagem própria, baseada essencialmente no procedimento de gravação com a câmera na mão e o desvendar de cenas ou situações improvisadas e construídas naquele instante. Esta gravação é dividida em 3 partes intituladas por ele de “The Trip”, “Water” (gravado por Sonia Miranda) e “The Milkman” (gravado por Aguilar e Sonia Miranda).
Estes três vídeos participaram da mostra “Modern Art in Brazil - 15 brasileiros em Michigan” em 18 de janeiro de 1976, que teve a curadoria de Walter Zanini. É provável que seja este o motivo pelo qual a fita tenha ficado registrada no acervo do MAC-USP desde então. Destes trabalhos, o único exibido publicamente com mais frequência é o vídeo “The Trip” (1975), um dos trabalhos de Aguillar mais conhecidos. Neste vídeo, o artista grava em tempo real, sem cortes, o plano detalhe de sua própria mão, que ao se movimentar diante da câmera, vai desvendando cenas no interior de um apartamento. O áudio é composto de um ruído estridente e agudo, com efeitos de microfonia, produzido também em tempo real durante a gravação.
6 Andrea Tonacci realizou com seu equipamento o documentário “Jouez Encore, Payez Encore” (Interpréte Mais, Pague Mais) (1974-1995), no qual registra a preparação da montagem teatral de mesmo nome, produzida por Ruth Escobar. O vídeo originalmente com 120 min. de duração não teve sua exibição autorizada por Ruth Escobar e foi reeditado em 1995, numa versão de 70 min.
Os vídeos “Water” e “ The Milkman” são obras que permaneceram desconhecidas, não tendo sido exibidas em nenhuma mostra ou festival, assim como não é citada em pesquisas sobre a produção audiovisual brasileira7. O próprio José Roberto Aguilar, considerava este material desaparecido, não tendo-o incluído em seu portifólio de trabalhos audiovisuais da década de 19708 .
Em 17 de setembro de 1974, Zanini confirma a participação de vídeos brasileiros na mostra organizada por Delehanty. Ele se compromete a enviar os trabalhos realizados por artistas residentes no Rio de Janeiro, que com o estímulo de Anna Bella Geiger, estavam produzindo vídeos experimentais, utilizando o equipamento portapak de Jon Tob Azulay, que havia em 1974 trazido o equipamento dos EUA. Atuando como operador de câmera de vários dos vídeos realizados neste período, ele colaborou de forma definitiva para a produção deste conjunto de obras fundamentais naquele contexto. Participaram destas produções artistas como Ivens Machado, Sonia Andrade, Anna Bella Geiger, Miriam Danowski, Paulo Herkenhoff, Fernando Cocchiarale e Letícia Parente. Foi esta, a propósito, que colaborou com Zanini, dando sugestões para a compra do equipamento portapak para o Setor de Vídeo do MAC-USP, que viria a se constituir em 1977. Em carta escrita para Zanini ela indicava modelos e incluía em suas sugestões um orçamento com o preço dos equipamentos. (Arquivo MAC-USP, pasta n. 047/02.)
Aproveitando a oportunidade de reunir estes vídeos, pouco vistos e ausentes das exposições da época, Zanini incluiu na curadoria da 8a. JAC, de 1974, a exibição dos trabalhos de Anna Bella Geiger, Ivens Machado, Sônia Andrade, Fernando Cocchiarale e Angelo de Aquino, antes de serem enviados para a mostra na Filadélfia.
O Museu de Arte Contemporânea de São Paulo (MAC-USP) foi pioneiro no país em formular, ainda que de forma embrionário, um projeto de fomento e difusão de obras audiovisuais, mais precisamente de vídeo, na segunda metade da década de 1970. Em 1977, Zanini colocou em prática no museu um laboratório de experimentação ao constituir
7 Um dos levantamentos mais completos realizados sobre a produção audiovisual de José Roberto Aguilar foi realizado por Christine Mello, durante a pesquisa de doutorado publicada em “Extremidades do Vídeo”, Editora Sesc, 2009, São Paulo. Na ficha de catalogação relativa ao artista, os videos “Water”e “The Milkman” não são citados (conferir em http://site.videobrasil.org.br/downloads/823817, consultado em setembro de 2018). 8 Conferir levantamento realizado por Christine Mello em http://site.videobrasil.org.br/downloads/823817
o Setor de Vídeo. A aquisição de um equipamento portapak , o modelo AV3400 da Sony, de 1⁄2 polegada, em preto-e-branco, inaugurou as atividades da instituição e contou com a coordenação de Cacilda Teixeira da Costa, Marília Saboya, Fátima Berch e com o apoio técnico de Hironie Ciafreis9 .
Após trinta e cinco anos de desaparecimento, o conteúdo audiovisual produzido pelos artistas naquele período de experiências do Setor de Vídeo foi novamente depositado no acervo do MAC-USP. As dez fitas remanescentes foram encontradas em 2013 por Regina Silveira e Cristina Freire no acervo do Museu da Imagem e do Som – SP (MIS-SP). Esta localização se deu após insistência da artista, pois o material não estava catalogado corretamente no acervo do museu.
Havia uma suspeita de que Walter Zanini havia levado as fitas para o MIS-SP em 1978 por ocasião da realização do 1o Encontro Internacional de Vídeo Arte e que desde então estariam depositadas lá. Em uma das tentativas de localizar o material, uma das conservadoras do MIS-SP entregou uma caixa para Regina Silveira dizendo que havia algumas fitas, mas que se tratavam de áudio e não de vídeo. Ao verificar, constatou-se serem as fitas produzidas em 1977-1978 e que por um equívoco foram confundidas com material sonoro, devido à semelhança que o suporte de ½ polegada em portapak guarda em relação às fitas de áudio de rolo aberto (open reel).
As fitas foram digitalizadas em formato .mov pela própria Regina Silveira com a contribuição de Antonio Muntadas, que conseguiram efetuar a remasterizarão em um laboratório na Espanha - atualmente no Brasil não existem equipamentos portapak em funcionamento (anexo 2). O aparelho original que pertencia ao Departamento de Vídeo do MAC-USP está depositado no museu, mas está inoperante.
9 Conferir COSTA, Cacilda Teixeira da. Videoarte no MAC, IN: MACHADO, Arlindo. Made in Brasil – três décadas do video brasileiro, Iluminuras, São Paulo, 2007.
Esta imagem mostra o detalhe de uma das fitas portapak pertencentes ao acervo do MAC-USP e utilizada pelos artistas no período de atividade do Setor de Vídeo, com o código de identificação usado pelo Museu da Imagem e do Som na indexação de seu acervo. As letras AD indicam que se trata de material de áudio. Este erro de cadastramento, realizado em momento desconhecido, fez com que as fitas portapack ficassem “esquecidas” no arquivo do museu por 35 anos, só sendo identificadas e recuperadas em 2013.
O conteúdo destas dez fitas é, em grande parte, composto pelos trabalhos produzidos pelos artistas que participaram das atividades do Setor de Vídeo e quase todos estavam registrados no protocolo de tombo do acervo desde a sua origem entre os anos de 1976 e 1978. Além dos vídeos identificados como obras, alguns deles antecedidos por cartelas com o título da obra e de seu autor ou autora, constam também deste inventário os exercícios realizados pelos artistas durante o processo de criação. Trata-se portanto de um conjunto de fitas que guardam trabalhos comprovados historicamente como obras, como também sequências de imagens “brutas” e em alguns casos, cópias de exibição feitas a partir dos originais.
Deve-se salientar que quatro destas fitas não foram produzidas no contexto do Setor de Vídeo do MAC-USP. Elas se referem ao registro de uma reunião da Comissão P’ro Indio Parakana, realizada por Gastão de Magalhães. Uma outra com o registro da abertura de uma exposição de José Roberto Aguilar. Uma terceira ainda não digitalizada identificada com o nome da artista Cybèle Varella. E uma quarta com as imagens produzidas por José
Roberto Aguilar com os trabalhos “The Trip”, “The Milkman” e “Water”, estes dois últimos em parecria com Sonia Miranda.
Durante o período de atuação do Setor de Vídeo, foram realizados 20 vídeos e a série Videopost composta de 17 trabalhos, produzida pelo colombiano Jonier Marin em coautoria com artistas internacionais. Os artistas que participaram efetivamente do laboratório de criação, realizando seus vídeos com o equipamento portapak do MAC-USP, foram Carmela Gross, Donato Ferrari, Gabriel Borba, Gastão de Magalhães, Jonier Marin, Julio Plaza, Marcelo Nitsche, Regina Silveira e Roberto Sandoval. Estes trabalhos foram realizados com o intuito de experimentar formas de linguagem, através de um dispositivo de produção de imagens nunca antes utilizado por estes artistas. Além deles, participaram das mostras realizadas no Espaço B10, outros artistas que também estavam produzindo obras em vídeo. Foram eles: Anna Bella Geiger , Fernando Cocchiarale, a dupla Flávio Pons e Claudio Goulart, Ivens Machado, José Roberto Aguilar, Letícia Parente, Liliane Sofer, Milton Lana, Miriam Danowsky, Paulo Herkenhoff, Sonia Andrade e a dupla Rita Moreira e Norma Bahia Pontes.
Assistir a estes trabalhos, em sua versões originais, permite aos olhos do historiador de hoje, investigar mais precisamente as aventuras da produção de vídeo destes pioneiros, muitos deles esquecidos ou pouco investigados pela própria impossibilidade de acesso às matrizes dos trabalhos produzidos no Setor de Vídeo do MAC-USP.
2.2.1 APONTAMENTOS DA PESQUISA
A partir do visionamento destes originais, apurando informações nos documentos depositados no arquivo do MAC-USP e revisando a bibliografia de referência, é possível deduzir algumas considerações relevantes a cerca destes trabalhos.
A produção no Setor de Vídeo do MAC-USP ocorria de maneira informal, como exercícios de criação que eram experimentados diante da câmera, descobrindo sua potencialidade plástica e estética. Os artistas desenvolviam, a partir de algumas
10 O Espaço B era o local onde se realizavam as mostras e exibições de vÍdeo, tanto daqueles produzidos no Setor de Vídeo do MAC-USP, quanto dos artistas convidados. Localizava-se na então sede do museu no terceiro andar do pavilhão da Fundação Bienal de São Paulo no Parque Ibirapuera. Mais informações no item 2.2.3 deste relatório.
proposições pré-estabelecidas, modos próprios e singulares de operar o equipamento e obter uma imagem em movimento que registrasse uma ação ou gestualidade específica. Muitos utilizavam o recurso da palavra escrita ou do desenho, produzidos em tempo real e captados através da câmera de vídeo, como um elemento de composição de uma dada informação. Outros utilizavam o próprio corpo (o rosto, as mãos etc) como recurso cênico de elaboração de uma gestualidadde expressada diretamente para a câmera. O próprio conteúdo da televisão, comerciais ou programas de variedades, era recorrente em alguns destes trabalhos. É o caso dos vídeos realizados por Carmela Gross, Regina Silveira e alguns trabalhos da série Videopost.
Uma característica é comum a quase todos: a utilização de uma cartela escrita a mão, em um papel ou quadro negro, com o título da obra e nome do autor. Em alguns casos esta cartela era feita com letras de composição (letraset). A maioria dos trabalhos são de curta duração (até 5 minutos). Alguns utilizam recursos sonoros, seja através de uma trilha sonora, de uma fala ou de alguma sonoplastia. Outros registram os diálogos em voice over entre os envolvidos na gravação, revelando as conversas entre eles, inclusive com falas relativas à produção das imagens, como por exemplo: “Você me avisa quando vai chegar ao fim?”; “Só a mão dela que aparece né?”; “Termina em fade out?” (conferir descrição detalhada referente aos vídeos em um dos anexos a este relatório).
Alguns destes diálogos, especificamente nos trabalhos de Regina Silveira, foram retirados das versões finais autorizadas para exibição e comercialização pela artista. Por se tratar de uma artista consagrada e com grande repercussão no cenário artístico contemporâneo, Regina Silveira se preocupou em resgatar os quatro vídeos realizados por ela no contexto do Setor de Vídeo do MAC-USP em 1977, remasterizando-os e disponibilizando-os no mercado de arte através da Galeria Luciana Brito. Certamente são os vídeos mais
conhecidos de toda a produção daquela época.
Nestas fitas, além das obras propriamente ditas, existem também, em alguns casos, versões dos vídeos sendo executados mais de uma vez pelo artista, constituindo-se portanto num documento histórico precioso e revelando como se deu o próprio processo de elaboração das imagens. É o caso, para citar um exemplo, do trabalho sem título de Carmela Gross no qual a artista desenha linhas sobre a tela de televisão, que exibe um programa da época, formando uma espécie de padrão geométrico sobre esta imagem. Este procedimento,
aparece em outro momento que o antecede na fita de vídeo, no qual a artista realiza o mesmo gesto só que sobre uma folha de papel glassine. O diálogo que é possível ouvir em off revela a voz da própria Carmela Gross em conversa com outras pessoas, comentando como ela deveria fazer o desenho para que este ficasse ajustado ao campo da tela. Nitidamente é uma espécie de teste, um exercício de preparação para a execução do trabalho que se dá logo na sequência.
Em junho de 1977 o MAC-USP promoveu uma oficina com o objetivo de orientar os artistas interessados na utilização do portapak. Esta atividade teve como orientador João Clodomiro do Carmo, técnico indicado pela Sony. De acordo com o Boletim Informativo do Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, n. 337, publicado pelo museu a título de divulgação do evento em 08 de junho de 1977, as aulas aconteceram nos dias 14, 16, 21 e 23 de junho. Sobre o curso, Cacilda Teixeira da Costa afirmou que:
(...) para enfrentar a falta de familiaridade com o equipamento, em 1977 foi organizado um curso técnico de iniciação ao VT, coordenado por João Clodomiro do Carmo, que atraiu ao MAC-USP diversos interessados. Entre eles, Jonier Marin e Roberto Sandoval (COSTA, 2007, p. 73).
Analisando o conteúdo das fitas portapak, os cadastros (tombo) no acervo e comparando com o período em que os trabalhos eram posteriormente exibidos na programação do Espaço B, é possível afirmar que, cronologicamente, os dois vídeos de Gabriel Borba, “Me” e “Nós” foram os primeiros a serem realizados no Setor de Vídeo do MAC-USP, em junho de 1977. As matrizes destes trabalhos estão gravadas na fita número 7, de acordo com o inventário do museu fornecido por Fernando Piola (anexo 2), tombos 1977.39.1.1 e 1977.39.1.2. A cartela de introdução da obra registra o mês de sua realização:
Estes dois trabalhos e o vídeo “Lucila, filme policial” (1977), realizado por José Roberto Aguilar utilizando seu próprio equipamento, fizeram parte da segunda iniciativa de programação do Vídeo no MAC no Espaço B, no dia 25 de junho. Esta mostra especificamente exibia pela primeira vez obras produzidas no museu.
Nos meses de agosto e setembro de 1977, os artistas brasileiros convidados a utilizar o equipamento de vídeo do Setor de Vídeo, realizaram um conjunto de trabalhos que compõem o conteúdo de uma das fitas registradas no acervo do MAC-USP (anexo 1 e 2), de acordo com o inventário do museu (ver descrição detalhada no item 2.2.4). A intenção era possibilitar uma prática em torno da criação de obras videográficas, experimentando com os recursos audiovisuais disponibilizados pelo equipamento. O modelo era o AV3400 da Sony, ½ polegada, composto por um deck de gravação e reprodução, uma câmera de vídeo e um monitor de TV. Era possível realizar fade in e fade out em tempo real; sobrepor através de audio dub uma trilha sonora específica ou retirar o som da gravação; visualizar em um monitor de TV, em tempo real a imagem que estava sendo gravada ou reproduzida.
As fitas de ½ polegada (for helical scan vídeo tape recorder) utilizadas nas gravações, tinham um tempo aproximado de 25 minutos de duração. Para estes exercícios de criação no Setor de Vídeo, cada um dos artistas poderia utilizar até 5 minutos de gravação. Uma limitação determinada pelo número escasso de fitas.
Os vídeos realizados por artistas brasileiros, no Setor de Vídeo neste período foram: -
“O gato acorrentado a um só traço”, 1977, 1:32 min., Gabriel Borba (Tombo 1977.38.3). - “Campo” (versão 1), 1977, de Regina Silveira, sem tombo. - “Campo” (versão 2), 1977, 2:33 min., de Regna Silveira (Tombo 1977.39.1.3). - “Artifício” (versão 1), 1977, 1:13 min de Regina Silveira, sem tombo. - “Artifício” (versão 2), 1977, 1:21 min., de Regina Silveira (Tombo 1977.39.1.4). - “Objetoculto” (versão 1), 1977, 1:15 min., de Regina Silveira (Tombo 1977.39.1.5). - “Objetoculto” (versão 2), 1977, 0:54 min., de Regina Silveira, sem Tombo. -
“Câmera obscura ”, 1977, 3:55 min., Julio Plaza (Tombo 1977.38.7). - “Sem título” (teste), 1977, de Carmela Gross, sem tombo. - “Sem título” (versão final), 1977, 2:58 min., de Carmela Gross (Tombo 1977.38.1). -
“Typology of my body”, 1977, 4:58 min., Gastão de Magalhães (Tombo 1977.38.4).
Estes trabalhos, em suas versões consideradas oficiais pelos artistas, aquelas indicadas no acervo com o cadastro de tombamento, compuseram parte da programação de vídeos exibidos na mostra Video MAC ocorrida no Espaço B em 10 de dezembro de 1977. Cacilda Teixeira da Costa relata no boletim informativo de divulgação da mostra, algumas características de como estes artistas trabalhavam no laboratório, descobrindo e experimentando com o equipamento:
Muitos tapes foram feitos e refeitos, outros não puderam ser realizados por falta de recursos técnicos. Várias vezes foi preciso “inventar” o jeito de se conseguir o desejado. Como resultado final, dentro dessa série de trabalhos, nota-se que alguns são ainda estudos, enquanto outros já possuem expressão própria. Quase todos, no entanto, refletem sensibilidade no uso do VT, sua luz e imagem peculiares.11
Somados a estes trabalhos, comprovadamente produzidos no Setor de Vídeo do MACUSP, foram acrescentados na programaçãoo da mostra, outros títulos de artistas brasileiros que também estavam realizando experimentações com o vídeo, mas que não foram realizados internamente do Setor de Vídeo. Integraram também a mostra os seguintes trabalhos:
“As Ilusões, 1977, 4:39 min., de Flavio Pons e Claudio Goulart (Tombo 1977.38.2) -
“Versus” (Obstáculos e medidas), 1977, 2:05 min, Ivens Machado (conferir observações sobre o título deste trabalho na tabela referente aos vídeos – Tombo 1977.38.5). -
“O circo”, 1977, 5:06 min, José Roberto Aguillar (Tombo 1977.38.6) -
“Quem piscou primeiro”, 1977, 1:07., Letícia Parente (Tombo 1977.38.8) -
“Especular”, 1977, 1:30 min., Letícia Parente (Tombo 1977.38.9) -
“Liliane a sós – solitude” , 1977, 3:52 min, Liliane Soffer (Tombo 1977.38.10)
Este vídeos que participaram da mostra Video MAC estão gravados numa versão “cópia de exibição” na fita cadastrada com o número 2, de acordo com o inventário do museu, fornecido pro Fernando Piola (anexo 2).
11 Boletim Informativo do Museu de Arte Contemporânea, São Paulo, n. 377, 7 dez. 1977
Os seguintes vídeos são citados como integrantes da programação, mas não foram localizados em nenhuma das fitas portapak do acervo do museu: -
“Lourival de Freitas” , 1977, Milon Lanna, sem tombo. -
“S/ título, 1977”, Sônia Andrade, sem tombo. -
“Gente”, 1977, Marcelo Nitsche, sem tombo.
Hipoteticamente podemos considerar que houve uma segunda fita com cópias de exibição das obras que participaram da mostra. Porém até o momento da conclusão desta pesquisa, isto não pode ser comprovado12. O fato destes três trabalhos acima citados não estarem gravados na fita referente ao Video MAC e esta ser identificada como Video MAC 1, leva a crer na existência de uma segunda fita. Mas trata-se de uma suposição sem nenhuma comprovação efetiva.
O modelo adquirido pelo Setor de Vídeo, o portapak AV3400 da Sony, de 1⁄2 polegada, tinha uma limitação técnica que não permitia fazer cópias diretamente de um aparelho de vídeo para outro. A forma encontrada para poder incluir na programação de exibição do Espaço B, obras em vídeo realizadas por outros artistas que efetivamente não atuaram no contexto do Setor de Vídeo, era gravando as imagens geradas por um portapak em um monitor de TV e com um outro aparelho de portapak, registrar estas imagens através de uma câmera.
O resultado prático de tal operação é que estas “cópias” eram de qualidade inferior em termos de definição (contraste e brilho) da imagem e revelavam o contorno do aparelho de TV do qual elas eram gravadas. Todos os vídeos que integram a fita número 2, que se refere aos trabalhos exibidos na mostra Video MAC, de acordo com o inventário do museu fornecido pro Fernando Piola (anexo 2), apresentam estas características.
Tais características permitem diagnosticar com segurança, quais os vídeos gravados nas fitas portapak do acervo do MAC-USP estão registrados em sua versão original e quais são cópias. Em alguns casos os originais e as cópias estão presentes, o que ratifica esta conclusão. Nelas é possível comparar matriz versus cópia, notando claramente a diferença de qualidade da imagem (definição e nitidez dos contrates em preto e branco) entre ambas.
12 No decorrer deste relatório são feitas considerações sobre alguns destes vídeos, especificamente sobre o trabalho de Marcelo Nietsche.
É o caso por exemplo nos vídeos de Regina Silveira. Nas fitas identificadas no inventário com a numaração 6 e 7 (anexo 2), estão os originais de “Videologia”, “Objetoculto”, “Artifício” e “Campo”. E nas fitas identificadas com a numeração 2 e 5, suas respectivas cópias.
Nestes dois exemplos acima ilustrados, “Circo”(1977) de José Roberto Aguilar e “Ilusões” (1977) de Flávio Pons e Claudio Goulart, temos vídeos gravados na fita inventariada com a numeração 2 e exibidos na programação do Espaço B, mas que não foram produzidos no Setor de Vídeo. A cópia era realizada com o intuito de deixar os vídeos a serem exibidos, gravados na mesma fita, em sequência, como é possível observar no rótulo que consta na capa da fita da mostra Vídeo MAC, apresentada em dezembro de 1977. A borda do aparelho de TV deixado acidentalmente a vista durante a captação da imagem, é a prova de que esta estava sendo gerada de um outro portapak e captada através de uma câmera conectada a outro portapak.
Estes aspectos nos possibilitou apontar na catalogação do inventário de vídeos do Acervo MAC-USP aquelas fitas onde estão registrados os vídeos originais e suas respectivas cópias. Isso permitiu corrigir a indexação destas obras anteriormente catalogadas incorretamente, tendo sido identificadas no tombamento as cópias como matrizes originais e vice-versa. O anexo 2 deste relatório apresenta a planilha deste inventário fornecida por Fernando Piola em 2017, na qual esta indexação ainda está incorreta.
2.2.2. VIDEOPOST
O artista colombiano Jonier Marin realizou no segundo semestre de 1977, em parceria com o MAC-USP, em plena atividade do Setor de Vídeo do museu, um projeto de arte coletiva, aglutinando vários artistas internacionais em torno da ideia de produção de obras videográficas. Tendo como ponto de partida a prática da arte postal13, em voga naquele contexto, Marin estabelece correspondência com 19 artistas de países diversos14 , recebendo orientações de como realizar um vídeo experimental. Estes argumentos enviados pelo correio serviram como uma espécie de roteiro descritivo, a partir do qual Jonier Marin, com a colaboração da equipe do Setor de Vídeo e utilizando o equipamento portapak do museu, realizava os trabalhos sugeridos, compondo a série Videopost com 17 vídeos de curta duração, apresentando temas e propostas estéticas distintas (conferir anexo 4).
Em documento datado de 26 de setembro de 1976 (Fundo MAC USP 0047/009), Marin já elaborava o teor da carta, que posteriormente encaminharia para os artistas, com o intuito de estabelecer esta rede colaborativa. Um documento semelhante intitulado “Para los
artistas brasileiros que quieran participar em Videopost”, já em 1977 (Fundo MAC USP 0047/009), foi escrito com o intuito de convidar os artistas brasileiros. Curiosamente, no projeto não foi incluído nenhum trabalho co-realizado por eles. Tampouco consta nos arquivos do MAC-USP qualquer documento que possa indicar que esta correspondência tenha sido efetivamente enviada ou respondida por algum interlocutor no país.
A propósito desta ausência de artistas brasileiros no projeto, em uma tabela preliminar elaborada por Jonier Marin, na qual estão listados 16 trabalhos que comporiam a série Videopost (Fundo MAC USP 0047/009), está relacionado o vídeo “Trylogy of my body” (1977) de Gastão de Magalhães, realizado no Setor de Vídeo e exibido na mostra Video
13 A arte postal é uma prática conceitual que utiliza o correio como veículo de trânsito de trabalhos artísticos criados em envelopes de cartas e cartões postais. Na década de 1970 foram realizadas no Brasil várias ações neste sentido, criando entre os artistas uma rede recíproca de troca de correspondências destes trabalhos. 14 Participaram do projeto: Itamar Martinez (Venezuela), Jean Khul (França), Hervé Fischer (França), Alain Snyers (França), Oscar Jorge Caraballo (Uruguai), Fred Forest (França), Antonio Ferro (Itália), Clemente Padin (Uruguai), Mukata Takamura (Japão), Edgardo-Antonio Vigo (Argentina), Romano Peli (Itália), Rachid Koraichi (Argélia/França), Grupo Untel – Jean-Paul Albinet, Philippe Cazal e Alain Snyers (França), Klaus Groh (Polônia) Eduard Bal (Bélgica), Pawel Patasz (Polônia) e o próprio Jonier Marin.
MAC em dezembro de 1977 no Espaço B. No campo da planilha destinado a este vídeo, o mesmo está riscado com um X, sugerindo a não inclusão por razão desconhecida.
No arquivo do MAC-USP foi possível localizar os seguintes documentos originais, relativos às correspondências enviadas em atendimento à convocatória de Marin e que serviria de base para a realização da série Videopost, todos eles indexados no Fundo MAC USP 0047/009:
- “Homenaje a la angustia” de Itamar Martinez (28 de Julho de 1977, uma página, espanhol, datilografada, manuscrita e desenhada). - “Pornografia” de Jean Kuhl (18 de dezembro de 1976, duas páginas, francês, manuscritas) - “TV Critical Video Work” de Hervé Fischer (1977, uma página, francês, manuscrito e impressão de carimbo). - “Pão Desfeito” de Alain Snyers (1977, três páginas, francês, datilografadas e com desenho). - “Proibido Pensar” de Oscar Jorge Caraballo (1977, uma página, inglês, impresso). - “Blablabla”de Fred Forest (1977, uma página, francês, foto, manuscrito, impressão em carimbo). - “Sensibilização Político-Estética”de Clemente Padin (15 de setembro de 1976, duas páginas, espanhol, manuscrito, datilografado). - “5 minutos de vídeo” de Edgardo-Antonio Vigo (maio de 1977, uma página, inglês e francês, datilografado). - “Histórias italianas” de Romano Peli (março de 1977, cinco pranchas, desenhos gráficos e texto, italiano). - “Das crianças da Palestina para todas as crianças do mundo” de Rachid Koraich (1977, três páginas, cópia repográfica de desenhos e fotos, impressão em carimbo, francês, árabe). - “6 poemas de amor” de Jonier Marin (26 de março de 1977, uma página, datilografado, espanhol, assinado). - “Vida cotidiana em meio urbano” do Grupo Untel – Alain Snyers, Albinet e Cazal (8 de janeiro de 1977, uma página, datilografado, desenho, impressão de carimbo, francês). - “Para a liberdade” de Pawel Petasz ( 1977, uma página frente e verso, foto, manuscrito, impressão de carimbo, inglês).
Não foram localizados nesta pasta relativa ao projeto Videopost (Fundo MAC USP 0047/009) as correspondências referentes aos vídeos: - “Nossos comerciais por favor” de Mukata Takamura. - “300” de Klaus Groh.
- “Mail Art Work de Antonio Ferro.
- “5 quadrados” de Eduard Bal
É possível que estes documentos não encontrados existam efetivamente, mas isso não pode ser constatado, pois no período em que esta pesquisa se desenvolveu, de janeiro de 2017 a dezembro de 2018, o arquivo do MAC-USP estava encaixotado, aguardando a definição sobre o local definitivo de instalação na sede do museu. Isso impossibilitou a consulta diretamente aos documentos, sendo possível visualizar somente aqueles que estavam digitalizados. Segundo a coordenadora do acervo, Silvana Karpinscki, estes arquivos digitalizados não corresponderiam integralmente à totalidade de documentos que constam no departamento.
O processo de criação dos 17 vídeos da série Videopost se deu a partir dos argumentos enviados pelos artistas e contou com a participação no Brasil, além do próprio Jonier Marin, que atuou como um diretor/supervisor do projeto, da equipe de apoio do Setor de Vídeo, creditada informalmente em uma das cartelas de encerramento da série, mencionando os nomes de Cacilda, Marília, Fátima, Dea, Ana, Vânia, Marilu, Hirone e Roberto.
Comparando os vídeos produzidos na série Videopost com os documentos enviados pelos artistas, que serviram de guia ou roteiro para a produção por parte de Marin e pela equipe do Setor de Vídeo, observa-se que em alguns deles estas orientações foram seguidas da forma o mais fidedigna possível. Já em outros, houve uma liberdade maior por parte de Jonier Marin, que, a partir das orientações recebidas, procurou elaborar soluções videográficas próprias (conferir a descrição dos vídeos no Anexo 4).
2.2.3. O ESPAÇO B
O ESPAÇO B era um sala destinada às exibições de vídeos e de exposições temporárias em linguagens não convencionais como instalações e performances, localizada no próprio MAC-USP. A programação era divulgada em releases (Boletim Informativo) com o logotipo da programação desenhado por Júlio Plaza.
A agenda de eventos era programda periodicamente com o intuito de trazer para a circulação pública trabalhos experimentais em vídeo e as produções realizadas no Setor de Vídeo. No período de atividade foram realizadas sete mostras nas seguintes datas:
- 21 de maio de 1977 : 7 Artistas do Vídeo – com obras dos artistas cariocas que já vinham produzindo obras videográficas desde 1975. Participaram Letícia Parente, Anna Bella Geiger, Fernando Cocchiarale, Ivens Machado, Miriam Danowski, Paulo Herkenhoff e Sonia Andrade.
- 25 de junho de 1977: Vídeo no MAC – Vídeos de José Roberto Aguillar e Gabriel Borba, seguida de debate com os realizadores.
- 17 de setembro de 1977: 8 vídeos de Sonia Andrade. Exibição de trabalhos da artista produzidos no Rio de Janeiro.
- Setembro de 1977: Videodocumentários de Norma Bahia e Rita Moreira.
- 14 de outubro: Instalação de Flavio Pons e Claudio Goulart a partir da qual foi realizado o vídeo Ilusões que é exibido posteriormente na mostra “VideoMAC”.
- 5 de outubro de 1977: Exibição de vídeos canadenses, com curadoria de Peggy Dale. Com trabalhos de Robert Hamon, Colin Campbel, Don Druik, Lisa Steele, Al Razuts e Noel Harding.
- 8 de outubro: Videopost de Jonier Marin em co-realização com 17 artistas estrangeiros.
- 10 de dezembro de 1977: Vídeo MAC, com obras de Carmela Gross, Gabriel Borba, Ivens Machado, José Roberto Aguillar, Julio Plaza, Letícia Parente, Regina Silveira, Sonia Andrade e Marcelo Nitsche, alguns deles produzidos no Setor de Vídeo do MAC.
Sobre as exibições no Espaço B, Cacilda Teixeira da Costa escreveu em artigo para a Folha de S. Paulo, Caderno de Domingo, página 61, de 11 de setembro de 1977:
Quanto à forma de apresentação, por enquanto ela permanece quase teatral: no Espaço B do museu, em dia e hora determinados, um grupo de vídeos é veiculado através de aparelhos de TV, colocados sobre um pedestal, à pequena distância do público de no máximo 60 pessoas. As reações diante dos trabalhos tem sido mais ou menos as mesmas: “interesse, desconfiança e enfado...” (...) Para nossa surpresa, a grande maioria das pessoas não reluta em passar duas ou mais horas diante de um aparelho de TV, sem que haja nisso qualquer sintoma de passividade, ,uito pelo contrário, é um público bastante vivo até no aborrecimento que assume um acráter agressivo.
O Espaço B aparece registrado nas fotos da exposição realizada por Julio Plaza em setembro de 1977, no próprio espaço, no vídeo Câmera Obscura do mesmo artista e em fotos realizadas por autor desconhecido no dia da exibição da mostra Video MAC, em dezembro de 1977 ( conferir imagens publicadas em Walter Zanini – escrituras críticas, organizado por Cristina Freire, Editora Anna Blume, São Paulo, 2013, p. 146 e 147).
2.2.4 - AS FITAS PORTAPAK DO ACERVO DO MAC – DESCRIÇÃO DO CONTEÚDO
Fita MAC USP 1 - 1976 – 25:57 min.
Tombo 1976.62.1
Contém gravações realizadas por José Roberto Aguillar e Sônia Miranda, utilizando um equipamento de portapak de propriedade do artista, no interior de um apartamento, aparentemente a sua residência em São Paulo. Não se trata portanto de uma gravação realizada dentro do contexto do Setor de Vídeo do MAC – foi produzida aproximadamente um ano antes da criação do setor.
O vídeo apresenta cortes determinados pelo liga/desliga da câmera e é composto por 3 partes.
A primeira parte contém as imagens do vídeo “The Trip” (1976 – 5:45 min – tombo 1976.62.1), obra que o artista inclui em seu portifólio. Está identificada por uma cartela branca escrita a mão. A sequência gravada pelo próprio Aguillar, mostra as mão do artistas em uma câmera subjetiva tocando e desvendado os objetos do apartamento. O áudio é o próprio som do ambiente, no qual se escuta ruídos, a narração do apresentador Sergio Chapelin sobre a história do dirigível Zeppelin (possivelmente no programa Globo Repórter da Rede Globo), uma música (bossa nova de João Gilberto) e microfonia gerada pelo próprio equipamento de portapak. Esta sequência está identificada no time code do vídeo entre 00:03 seg. até 5:48 min. A segunda parte é se inicia com um cartela com a palavra Water escrita a mão. Na cartela da fita de vídeo, a autoria deste trabalho é de José Roberto Aguillar e Sônia Miranda. As imagens também foram realizadas em seu apartamento, desta vez com a presença de duas pessoas: Jorge Mautner e um segundo não identificado . Aguillar comenta que está gravando e diz para Mautner: Isto é histórico... o primeiro vídeo que você... Aparece também uma mulher e um garoto, a quem Aguillar se dirige e pede “Fala alguma coisa!... Esta sequência de Water está identificada no time code do vídeo entre 05:49 min seg até 18:38 min. A terceira parte, sem uma cartela inicial de apresentação, tem como personagem o próprio Aguillar que está nu deitado em uma cama. A gravação das imagens é feita por Sônia Miranda. Esta sequência está identificada no time code do vídeo entre 18:39 min. até 22:28 min.
Fita MAC USP 2 – 1976 – 32:27 min
Tombos 1977.38.1; 1977.38.2; 1977.38.3; 1977.38.4; 1977.38.5; 1977.38.6; 1977.38.7; 1977.38.8; 1977.38.9; 1977.38.10.
Esta fita contém alguns dos vídeos que fizeram parte da mostra VIDEOMAC, ocorrida no Espaço B do Museu de Arte Contemporânea. Ela está identificada na lombada da fita com o título de VIDEOMAC I. Trata-se de uma cópia de exibição organizando os vídeos por ordem de exibição, tendo sido estes trabalhos oriundos de outras matrizes. Nem todos os vídeos que estão indexados no encarte que acompanha a fita e no documento de divulgação da programação da mostra distribuído na ocasião (ver anexo com a tabela referente às publicações do Espaço B) se encontram gravados nesta fita. De acordo com estas informações fizeram parte desta exibição os seguintes vídeos: - S/ Título, 1977, 2:58 min., de Carmela Gross – Tombo 1977.38.1 -
“As Ilusões”, 1977, 4:39 min., de Flavio Pons e Claudio Goulart – Tombo 1977.38.2 -
“O gato acorrentado a um só traço”, 1077, 1:32 min., Gabriel Borba – Tombo 1077.38.3 -
“Typology of my body”, 1977, 4:58 min., Gastão de Magalhães – Tombo 1977.38.4 - “Versus” (Obstáculos e medidas), 1977, 2:05 min, Ivens Machado – Tombo 1977.38.5 (conferir observações sobre o título deste trabalho na tabela referente aos vídeos). -
“O circo”, 1977, 5:06 min, José Roberto Aguillar, Tombo 1977.38.6 -
“Câmera obscura”, 1977, 3:55 min., Julio Plaza, Tombo 1977.38.7 -
“Quem piscou primeiro”, 1977, 1:07., Letícia Parente, Tombo 1977.38.8 -
“Especular”, 1977, 1:30 min., Letícia Parente, Tombo 1977.38.9 -
“Liliane a sós – solitude”, 1977, 3:52 min, Liliane Soffer, Tombo 1977.38.10
Os seguintes títulos são citados tanto no encarte da fita quanto no material de divulgação da
mostra, mas não se encontram gravados nesta fita e nem em nenhuma das outras que fazem parte do acervo do MAC: -
“Lourival de Freitas” , 1977, Milon Lanna, sem tombo. - S/ título, 1977, Sônia Andrade, sem tombo. -
“Gente”, 1977, Marcelo Nitsche, sem tombo.
Na mostra também foram exibidos 3 trabalhos de Regina Silveira que não constam nessa fita, mas que foram realizados no Setor de Vídeo do MAC e cujos originais foram localizados na fita # 7 do acervo. São eles:
“Campo” , 1977, Regina Silveira, Tombo -
“Artifício”, 1977, Regina Silveira, Tombo -
“Objetoculto” , 1977 Regina Silveita, Tombo
O fato da fita estar identificada como VIDEOMAC I e os vídeos que não estão gravados nela serem exatamente os últimos da sequência de exibição, sugere hipoteticamente a existência de uma segunda fita. Porém, até a data de encerramento desta pesquisa, esta não foi localizada.
Fita MAC-USP 3
Tombos 1978.29.1.1; 1978.29.1.2; 1978.29.1.3; 1978.29.1.4; 1978.29.1.5; 1978.29.1.6; 1978.29.1.7; 1978.29.1.8; 1978.29.1.9; 1978.29.1.10
Videopost 1 Primeira de duas fitas com os vídeos da série Videopost realizada por Jonier Marin em colaboração com artistas internacionais. Nessa estão gravados os 10 primeiros trabalhos.
No início, cartelas iniciais com o título Videopost, uma sinopse sobre o que é a série e o nome dos artistas participantes. Em seguida estão os vídeos que compõe esta primeira parte da série. São eles: - “Homenaje a la angustia” de Itamar Martinez ; - “Pornografia” de Jean Kuhl ; - “TV Critical Video Work” de Hervé Fischer; - “Pão Desfeito” de Alain Snyer; “Proibido Pensar” de Oscar Jorge Caraballo; - “Blablabla”de Fred Forest; - “Mail art work” de Antono Ferro; - “Sensibilização Político-Estética” de
Clemente Padin; - “Nossos comerciais, por favor” de Mukata Takamura; - “5 minutos de vídeo” de Edgardo-Antonio Vigo
Entre um vídeo e outro Jonier Marin introduz um sinal sonoro, uma espécie de vinheta que demarca o fim e o início dos vídeos. Esta vinheta geralmente ocorre na inserção de uma cartela branca, imagem gerada a partir da gravação de uma parede branca, com duração aproximada de 5 segundos.
No intervalo entre os vídeos “Blablabla” de Fred Forest e “Mail art work” de Antonio
Ferro, antes da cartela branca e da vinheta sonora, Jonier Marin introduz uma sequência de imagens que se inicia com uma cartela escrita “Materiais”. Após este título segue uma sequência de aproximadamente 50 segundos, composta por cinco imagens, gravadas a partir de cartelas com textos e elementos gráficos. Uma cartela “Videopost – Fita 1 - Fim” indica o final da gravação.
Fita MAC-USP 4
Tombos 1978.29.2.1; 1978.29.2.2; 1978.29.2.3; 1978.29.2.4; 1978.29.2.5; 1978.29.2.6; 1978.29.2.7
Videopost 2 Segunda de duas fitas com os vídeos da série Videopost realizada por Jonier Marin em colaboração com artistas internacionais. Nesta estão gravados os 7 trabalhos restantes. Inicia com uma cartela escrita “Videopost 2” e segue com os vídeos: - “Histórias italianas” de Romano Peli; - “Das crianças da Palestina para todas as crianças do mundo” de Rachid Koraich; - “Vida cotidiana em meio urbano” do Grupo Untel – Alain Snyers, Albinet e Cazal; - “6 poemas de amor” de Jonier Marin; - “300” de Klaus Groh; - “Para a liberdade” de Pawel Petasz.
Nesta segunda fita Jonier Marin mantém o dispositivo de incluir um sinal sonoro, uma espécie de vinheta que demarca o fim e o início dos vídeos.
Entre os vídeos “6 poemas” de Joner Marin e “300” de Klaus Groh, segue novamente uma sequência de imagens que se inicia com uma cartela escrita “Materiais”. Após este título segue uma sequência de aproximadamente 50 segundos, composta por cinco imagens, gravadas a partir de cartelas com textos e elementos gráficos.
Esta inserção ocorre novamente após o vídeo “300” de Klaus Groh, apresentando novamente uma cartela escrita “Materiais” e uma sequência de 13 imagens gravadas a partir de cartelas com textos e elementos gráficos, com cerca de 1:16 min.
Fita MAC-USP 5
Tombo 1978.30.1.1; 1978.30.1.2; 1978.30.1.3; 1978.30.1.4
3a. Fita
Esta fita apresenta os vídeos realizados por Roberto Sandoval, Carmela Gross, Julio Plaza, Donato Ferrari, Regina Silveira e Gastão de Magalhães. São as matrizes, isto é, a obra original, de Roberto Sandoval e Julio Plaza, no caso do vídeo “Descanso 3‘” e cópias dos vídeos dos demais artistas realizados em sua versão original nas fitas 6 e 7. Os dois vídeos de Roberto Sandoval, “Imitação para Fitas Magnéticas” e “Impulso”, descritos detalhadamente no anexo 3, são seus primeiros trabalhos no Setor de Video do MAC, realizados em 1978. São obras desconhecidas, jamais tendo sido citadas na bibliografia especializada. Foram exibidas no 1o. Encontro Internacional de Videoarte organizado por Walter Zanini e Marília Saboya, no Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo, para onde o equipamento de portapak e as fitas de vídeo foram enviadas após o fechamento do Setor de Vídeo do MAC.
Nesta fita também está gravada uma das duas versões do vídeo “Descanso 3’ “, que aparece também na Fita 6 com o mesmo título mas como uma cartela de introdução diferente. O conteúdo do vídeo, além da cartela, é a própria ausência de imagem, registrada em preto, durante três minutos. Durante a gravação desta imagem é possível ouvir o diálogo entre Julio Plaza e Hironie Ciafreis se referindo à realização do vídeo (conferir anexo 3).
Fita MAC-USP 6
Tombo 1978.31.1
2a. fita
Esta fita reúne vídeos de Regina Silveida, Julio Plaza e Donato Ferrari. “Videologia” de
Regina Silveira, que também aparece na fita 5, é aqui apresentada em sua versão considerada oficial, ou adotada pela artista como a obra acabada. “Reviver” de Donato Ferrari, também gravada na fita 5, aqui em sua versão matriz, original, com a qualidade da imagem superior a outra.
De Julio Plaza a fita contém dois de seus trabalhos. “Descanso 3” apresentado com duas cartelas distintas e um outro trabalho sem título, no qual o próprio Julio Plaza aparece escrevendo em um quadro negro. O conteúdo está particularmente muito afetado pelo desgaste da fita, fazendo com que seja entendido parcialemente. É possível identificar que o vídeo é composto por uma sequência de frases escritas por Julio Plaza. A primeira delas afirma: - “O artista verdadeiramente revolucionário não se enquadra em nenhuma ideologia”. A segunda está parcialemnte prejudicada e afirma: - “O artista socialemnte útil é ... A terceira só é possível ler: - “O sistema ...” e é interrompida por ruídos e drop out na fita. A quarta afirma: - “Empreendimentos artisticos e culturais S/A.
Fita MAC-USP 7
Tombo 1977.39.1.1; 1977.39.1.2; 1977.41.1.4 1a. Fita
Esta fita contém os dois primeiros vídeos realziados no Setor de Vídeo. São as obras “Me” e “Nós” de Gabriel Borba. Na cartela de apresentação dos vídeos o artista data o mês de realização como junho de 1977. Este foi o mesmo período em que foi realizado o laboratório de utilização do equpamento portapak oferecido aos artistas. Na sequência está um outro vídeo de Gabriel Borba, “O gato acorrentado a um só traçado”, no qual aparece a cartela datada de agosto de 1977. Logo depois estão os três vídeos de Regina Silveira: “ “Campo”, “Artifício” e “Objetoculto”, estes em duas versões pois a artista produziu a experiência de realização de cada um deles mais de uma vez.A cerca de 20 minutos do
início da fita está registrado o trabalho de Julio Plaza “Câmera Obscura”e logo em seguid o vídeo de Carmela Gross. Este em uma versão teste e outra considerada a versão original de seu único trabalho no Setor de Vídeo.
Fita MAC-USP 8
Esta fita não apresenta um conjunto de trabalhos realizados no Setor de Vídeo do MAC. Seu conteúdo trata de um encontro, um debate, entre um grupo de pessoas que discutem questões sobre os índios Parakanã. Foi gravada por Gastão Magalhães. Certamente lhe foi cedido o equipamento e uma fita portapak para o registro do encontro. No rótulo da fita, adesivado na lateral da caixa de vídeo, está escrito “CPI / Paracanã. Autoria G. Magalhães.” Com a data, não muito clara, de 13 de dezembro, sem o ano de realização.
Fita MAC-USP 9
Registro da abertura da exposição individual de José Roberto Aguilar, realizada na Petite Galerie em São Paulo, em 1974, conforme descrito na própria embalagem da fita. As sequências gravadas na noite de abertura registra a presença de artistas, críticos de arte e amigos do artista. É possivel identificar Paulo Cesar Pereio, Mario Schemberg, Nelson
Aguillar e o cineasta Andrea Tonacci que também em um certo momento esta por trás da câmera capturando as imagens. É sabido que Andrea Tonacci, assim como Aguillar, também possuia um aparelho portapak e estava familiarizado com o equipamento.
Fita MAC-USP 10 Esta é a única fita ainda não digitalizada. Esta identificada como IMAGE – CYBÈLE VARELA.
Cybèle Varela é uma artista brasileira nascida em 1943, Petrópolis no Rio de Janeiro, residindo atualmente em Paris. Existe a possibilidade de ser a matriz do vídeo cujo título é “Images” (1976), obra da artista pertencente ao acervo do Centre George Pompidou15 , mas trata-se somente de uma hipótese, pois o conteúdo desta fita portapak permanece desconhecido. Neste trabalho a artista elabora um jogo de luz e sombra, criando no campo da imagem faixas em diagonais, oscilando em sua expessura. O movimento é aleatório mas sugere um ritmo contínuo, acompanhado por uma trilha sonora que enfatiza esta continuidade, repetindo a mesma nota musical. As imagens foram gravadas a partir da luz do sol e da sobra da venesiana da janela do apartamento da artista. Esta fita é do modelo High Density da Sony e tem uma limitação técnica pois só é possível utilizá-la nos gravadores de video portapak modelos AVCE.
Frame em baixa definição do vídeo "Images"(1976) de Cybèle Varela.
15 Conferir http://www.newmedia-art.org/cgi-bin/show-oeu.asp?ID=150000000034577&lg=GBR
2.2.5 - COTEJANDO COM OUTROS AUTORES
A recuperação destes originais produzidos entre os anos de 1977 e 1978, no período embrionário da história do vídeo no Brasil, permite agora, quatro décadas depois, assistir às obras remasterizadas integralmente no formato original em que foram produzidas e entender mais fidedignamente os processos de criação pelo qual foram realizadas. Na escassa bibliografia que faz referência a estas obras, autores como Arlindo Machado (2007), Carolina Amaral de Aguiar (2007) e Christine Mello (2008) tiveram acesso às cópias em formatos diversos (VHS, U-Matic, Betacam), que circularam informalmente entre os artistas e pesquisadores, muitas delas de origem desconhecida e de má qualidade. Estas análises se pautaram exclusivamente sobre algumas das obras até então acessíveis, em cópias incompletas e nos relatos dos artistas e pesquisadores remanescentes daquele período. Não foram análises realizadas a partir dos originais e limitadas portanto pela parcialidade do conteúdo das cópias. Não é por acaso que nestes textos, por exemplo, os vídeos de artistas Donato Ferrari, Gastão de Magalhães, Carmela Gross, Roberto Sandoval e toda a série Videopost, nunca foram citados.
Neste sentido os autores não consideraram as peculiaridades do processo de criação, nem tampouco as condições técnicas intrínsecas à sua produção, aspectos que acrescentam informações pertinentes à compreensão destes trabalhos, passíveis de serem percebidos e comprovados a partir do conteúdo integral de áudio e vídeo registrados nas fitas portapak. Vale ressaltar que Arlindo Machado e Christine Mello não fizeram menção em suas pesquisas ao desaparecimento das fitas e não fizeram ressalvas de que suas análises foram realizadas somente a partir do material disponível nas cópias incompletas. Estas duas pesquisas também não indicam uma consulta sistematizada aos documentos arquivados no MAC-USP. Por sua vez Carolina Aguiar fez um levantamento completo desta documentação, contribuindo de forma mais objetiva para a historiografia desta produção, mesmo não tendo tido acesso aos vídeos em sua pesquisa de doutorado defendida em 2007.
As obras que foram mais citadas ou referenciadas nestas análises foram aquelas que, coincidentemente, estavam arquivadas no Museu da Imagem e do Som de São Paulo em formato U-MATIC. Localizei em meu arquivo pessoal cópias das fichas catalográficas do museu referentes à produção audiovisual experimental brasileira, datadas de 1992. Estas fichas se referem a trabalhos de artistas como Tadeu Jungle, Letícia Parente, Regina Vater,
Rita Moreira e Norma Bahia, entre outros. Nomes conhecidos pelo pioneirismo de sua produção nos anos iniciais da produção de vídeo no Brasil. Entre estes estão as fichas referentes às cópias em U-MATIC dos trabalhos de Regina Silveira, Gabriel Borba e Julio Plaza produzidos originalmente em portapak em 1977 no contexto do Setor de Vídeo do MAC.
São exatamente as obras destes três artistas as mais citadas pelos pesquisadores que escreveram sobre aquela produção e incluídas em retrospectivas históricas sobre o vídeo no Brasil, como no projeto “Made in Brasil – três décadas do vídeo brasileiro (Itaú Cultural, 2003). O que parcialmente justifica o conhecimento destas obras por parte dos pesquisadores em detrimento da ausência de maiores informações sobre todo o restante da produção do Setor de Vídeo.
Em consulta recente (maio de 2018) ao banco de dados do Museu da Imagem e do Som, a maior parte destes vídeos não foi localizada. Eles não constam no cadastro on line do acervo. Exceção feita aos vídeos de Gabriel Borba e José Roberto Aguilar que estão cadastrados em cópias DVD.
Em 1985 foi apresentada na 3a. Edição do Festival Fotóptica Videobrasil uma retrospectiva com uma antologia de vídeos realizados na década de 1970 e início de 1980. Organizada por João Clodomiro do Carmo, Lucila Meirelles, Tadeu Jungle, Tatiana Calvo Barbosa e Walter Silveira, com o apoio da Sony e Museu da Imagem e do Som, os vídeos foram transferidos para o formato U-Matic, sendo possivelmente a origem do material que durante alguns anos pode ser consultado no acervo do Museu da Imagem e do Som de São
Dois exemplos de fichas catalográficas de 1992 do Museu da
Paulo. Nesta mostra foram exibidos vídeos de Adelino dos Santos Abreu, Andrea Tonacci, Ângelo de Aquino, Anna Bella Geiger, Artur Matuck, Bill Martinez, Carmela Gross, Donato Ferrari, Fernando Cocchiarale, Flávio Pons, Gastão de Magalhães, Geraldo Anhaia Mello, Helena BuenoIvens Machado, José Roberto Aguilar, Julio Plaza, Leticia Parente, Liliane Sofer, Luís Gleiser, Marcelo Nietsche, Marco Vale, Mario Espinosa, Milon Lana, Miriam Danowski, Norma Bahia Pontes, Otávio Donasci, Paulo Bruscky, Paulo Herkenhoff, Regina Silveira, Regina Vater, Rita Moreira, Roberto Sandoval, Sonia Andrade, Sonia Fontanezi, Sonia Miranda, Tadeu Jungle, Walter Silveira e Wesley Duke Lee.16
A midiateca do Videobrasil guarda em seu arquivo somente três trabalhos que foram apresentados nesta mostra, inclusive uma cópia de “Exercises about myself” de Ângelo Aquino, vídeo realizado em 1974 no Rio de janeiro com o equipamento de Jon Tob Azulay, e que não fez parte da programação da mostra Video Art no museu da Filadélfia, organizada por Suzanne Delehanty. Esta cópia foi incorporada ao arquivo do Videobrasil em 2013 por cortesia da filha de Angêlo de Aquino, Eduarda Aragão – informação obtida com Ruy Luduvice17, coordenador do Videobrasil. Trata-se de um vídeo muito pouco exibido e nunca citado detalhadamente na bibliografia de vídeo no Brasil. Conforme informações fornecidas por Ruy Luduvice, atualmente no arquivo da midiateca do Videobrasil estão cadastrados os vídeos “A Situação” de Geraldo Anhaia Mello, “Where is South America?” de José Roberto Aguilar e Sonia Andrade e “Exercises about myself no. 1” de Angelo de Aquino.
Em “Linhas de Força do Vídeo Brasileiro”18, considerado o mais completo ensaio de Arlindo Machado (2007) sobre a história da produção de vídeo experimental no Brasil, o autor se refere à experiência do Setor de Vídeo em um único parágrafo:
Em São Paulo, os primeiros trabalhos começam a aparecer em 1976, quando o Museu de Arte Contemporânea (MAC), dirigido por um entusiasta da videoarte
16 Conferir informações em http://site.videobrasil.org.br/festival/arquivo/festival/programa/1402035). 17 Informações fornecidas por Ruy Luduvice, através de email enviado no dia 22 de maio de 2018, 18 Uma versão condensada deste ensaio foi publicada em espanhol sob o título El arte del vídeo en Brasil, no livro Vídeo en Latinoamérica – una historia crítica, organizado po Laura Baigorri, Ed. Rumaria, Madrid, 2008, pag. 53-60.
(Walter Zanini) adquire um equipamento portapak e o disponibiliza aos artistas da cidade. Regina Silveira, Julio Plaza, Carmela Gross, Donato Ferrari, Gabriel Borba, Marcelo Nitsche, Gastão de Magalhães e Geraldo Anhaia Mello são os primeiros a experimentar essa nova tecnologia em São Paulo, mas é preciso considerar também, os casos isolados de José Roberto Aguilar, que trouxe do Japão o seu próprio equipamento, e de Andrea Tonacci, que trabalhou com meios obtidos na França (MACHADO, 2007, p17).
Aqui já é possível observar algumas informações imprecisas. O ano de criação do Setor de Vídeo do MAC é 1976, mas os primeiros trabalhos só foram efetivamente realizados a partir de junho de 1977.
Não é possível afirmar seguramente que os artista Marcello Nitsche e Geraldo Anhaia Mello efetivamente realizaram seus trabalhos com o equipamento do MAC-USP. Nitsche participou da mostra VIDEOMAC em 1977 com o vídeo ”Gente”, conforme referência a este trabalho citado por Cacilda Teixeira da Costa no material de divulgação do evento, assim como no encarte encontrado dentro da caixa da fita portapak original com os vídeos da programação. Da mesma forma Zanini faz referência a este trabalho afirmando: “Em Marcello Nitsche o vídeo também foi um recurso para seu trabalho de spots com personagens anônimos fixados em fotografias 3 x 4.” (ZANINI, 1978, p.169). Apesar destas informações a obra propriamente dita não está gravada na fita que contém os vídeos da mostra VIDEOMAC e nem foi localizada em nenhuma das outras fitas portapak do acervo do MAC. Trata-se de uma obra desconhecida por parte dos historiadores, não tendo sido localizada no acervo do artista, organizado pela documentalista Sandra Pandelo, após a morte de Marcello Nietsche em 2016. Em 1985 este vídeo fez parte da retrospectiva “Pioneiros”, apresentada na 3a. Edição do Festival Videobrasil Fotóptica, porém não consta no acervo da instituição cópia deste material. A obra permanece desaparecida.
Com relação a Geraldo Anhaia Mello, este não é citado em nenhum dos documentos relativos à produção do Setor de Vídeo e sequer teve algum de seus trabalhos exibidos na programação do Espaço B. O vídeo “A situação” realizado por Anhaia Mello em 1978 utilizando um equipamento portapak não teria sido efetivamente produzido no contexto do Setor de Vídeo.
Em um outro momento do texto, Arlindo Machado se refere a Roberto Sandoval, um outro artista que participou das atividades do MAC-USP. Ele afirma:
Um pouco depois das primeiras experiências cariocas e da experiência paulistana do MAC, mais exatamente a partir de 1977, Roberto Sandoval, retomando o elo com a videoarte internacional, despontaria como o primeiro videoartista brasileiro a explorar imagens inteiramente abstratas (...), ao mesmo tempo em que sua escola de arte em São Paulo (a Aster) e logo depois a sua produtora de vídeo (Cockpit) se converteriam nos principais pólos de aglutinação e de suporte instrumental para toda uma geração de videoartistas paulistanos (MACHADO, 2007, p. 27).
No texto, Machado trata somente das produções de Sandoval a partir da década de 1980. Anterior a isso, Sandoval realizou com o equipamento portapak do MAC-USP dois trabalhos seminais e de apurado senso estético: “Imitação: para fitas magnéticas” (1978) e “Impulsos da esquerda para a direita”(1978) – ver anexo 3. O autor nunca se referiu a estas obras em seus textos,19 o que sugere um desconhecimento de sua existência.
Vale ressaltar que no ensaio em “Video Art: The Brazilian Adventure” publicado na Revista Leonardo (Vol. 29, No. 3, 1996, pp. 225-231), o autor não cita a experiência do Setor de Vídeo do MAC, não incluindo neste texto, que é uma importante fonte bibliográfica internacional, nenhuma referência às obras produzidas naquele contexto. Ele faz considerações aos vídeos produzidos no Rio de Janeiro e que participaram a da mostra de videoarte na Filadélfia, curada por Suzanne Delehanty. No entanto, não se refere em nenhum momento aos trabalhos realizados em São Paulo.
Christine Mello publicou em 2008 o livro “Extremidades do Vídeo”, resultado de sua tese de doutorado, defendida no Programa de Comunicação e Semiótica da PUC_SP, sob a orientação de Arlindo Machado. Esta é uma publicação de referência que aborda aspectos intrínsecos aos vídeo como forma de experimentação estética. Sua pesquisa apresenta dados mais específicos em relação ao Setor de Vídeo do MAC-USP, porém a autora não avança sistematicamente, comparativamente à contribuição de Arlindo Machado, com referências e análises mais aprofundadas sobre as obras produzidas ali. No que se refere
19 Conferir na bibliografia MACHADO (1988), (1993), (2007).
aos artistas que participaram da experiência de 1977 no MAC, ela praticamente repete os dados já conhecidos a partir da pesquisa de seu orientado, inclusive incorrendo em imprecisões semelhantes.
No capítulo 4 referente ao vídeo no Brasil a autora afirma:
Entre 1975 e 1978, em São Paulo, também impulsionados por Walter Zanini, ocorrem importantes e pioneiras produções em torno de artistas de base conceitual como Regina Silveira, Julio Plaza, Carmela Gross, Donato Ferrari, Marcelo Nitsche e Geraldo de Magalhães, que se reuniam no MAC-USP. Cacilda Teixeira da Costa ressalta a importância que teve na produçãoo brasileira a compra para o MAC-USP, em 1977, de um equipamento de vídeo por meio de seu então diretor Walter Zanini. (MELLO, 2008, p. 90)
Não vai além disso e não aprofunda nenhuma reflexão de maior consistência em relação especificamente ao Setor de Vídeo do MAC-USP e seus protagonistas. Os artistas são citados como referência onomástica, mas em momento algum suas obras e atividades no período são detalhadas.
Em entrevista realizada com a pesaquisadora em abril de 2019, ela afirma que seu contato com os vídeos produzidos no Setor de Vídeo do MAC-USP foi a partir de algumas cópias em U-MATIC existentes no arquivo do Museu da Imagem do Som. Entre 1996 e 1999 a pesquisadora coordenou o Departamento de Audiovisual do museu e não teve conhecimento das fitas portapak que estavam depositadas lá. Perguntada sobre quais os trabalhos que ela conhecia daquele período, ela afirmou que havia assistido aos trabalhos de Regina Silveira, Gabriel Borba e Julio Plaza. Isso confirma que ela também, assim como Arlindo Machado, não tiveram acesso ao conteúdo original das fitas portapak produzidas no Setor de Vídeo do MAC-USP.
A pesquisa mais completa sobre o Setor de Vídeo foi realizada na tese de doutorado “Videoarte no MAC-USP: o suporte de ideias nos anos 1970”, defendida por Carolina Amaral de Aguiar, em 2007, pelo Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte – Museu de Arte Contemporânea de São Paulo (MAC-USP). A pesquisadora se refere em seu texto ao desaparecimento dos vídeos realizados naquele
período. Ela inclusive considera hipoteticamente algumas razões possíveis para este desaparecimento e, obviamente, em nenhum momento se refere à possibilidade de localização deste material, como só veio a ocorrer em 2013:
Embora os trabalhos em vídeo realizados no período não existam hoje no acervo do museu, essa era também uma das preocupações do Setor de VT. Como os suportes da época eram diferentes dos atuais, a não-transferência para fitas VHS pode ser um dos motivos para que esse material tenha se perdido. Outros fatores que podem explicar essa ausência é a própria natureza da mídia eletrônica em que se produzia, que apresentava durabilidade relativa, sendo danificada com a passagem do tempo. As políticas museológicas posteriores à saída de Zanini do cargo de diretor –especialmente sua substituição imediata por Wolfgang Pfeiffer, que voltou às atenções do MAC-USP para técnicas mais consagradas – certamente colaboraram para que a videoarte, deixada em segundo plano, perdesse seu espaço na instituição, não recebendo os devidos cuidados necessários à preservação (AGUIAR, 2007: 96) .
As indagações colocadas pela autora, procurando entender algumas ambuiguidades que sua pesquisa suscitava, são agora esclarecidas a medida que os vídeos originais estão acessíveis e passíveis de visionamento. Uma delas está colocada pela autora na página 113, nota de pé de página na qual ela escreve:
Os documentos encontrados sobre a exposição nos arquivos do MAC-USP apresentam algumas informações “contraditórias”. No Boletim Informativo n. 377, de 7 de dezembro de 1977, consta que nove artistas participaram do projeto, enquanto o texto de divulgação do “Espaço B”, escrito por Cacilda Teixeira da Costa, relaciona treze nomes. Alguns dos vídeos exibidos, como é o caso de “Versus”, de Ivens Olinto Machado, data de 1974 e foi exibido na Video Art, portanto, não pode ter sido produzido com o equipamento do MAC-USP. Pressupõe-se, sem uma confirmação, porém, que nove foram os artistas que realizaram suas produções no interior da instituição, mas que a Vídeo MAC contou com a presença de outros trabalhos produzidos fora desse contexto (como demonstra o caso do vídeo de Machado).
O vídeo ao qual a autora se refere é na verdade “Obstáculos e Medidas” (1975), realizado como registro da performance apesentada por Ivens Machado no Museu de Arte Moderna
do Rio de Janeiro. Este vídeo foi exibido na mostra VÍDEO MAC em dezembro de 1977.
Está citado no material de divulgação como “Versus”, assim como aparece na cartela inicial de exibição do trabalho e na contra-capa da caixa da fita portapak (ver descrição do conteúdo da Fita MAC USP 2 – 1976 – 32:27 min, na página 37 deste relatório). Como salientou Carolina Aguiar, este é o nome de um outro trabalho realizado por Ivens Machado na mesma época e que participou da mostra de vídeo curada por Suzanne Delehanty na Filadélfia em 1975. Por algum motivo desconhecido, acabou sendo incorretamente apresentado tanto na cópia de exibição quanto na referência textual do material de divulgação da mostra (ver anexo relativo ao material de divulgação do Espaço B). Mesmo na fita original a imprecisão é reforçada pois a cartela de abertura do vídeo está identificada como a obra “Versus” de Ivens Machado. Comparando então as duas obras é possível desatar este nó.
Frame do vídeo “Obstáculos e medidas” (1975) de Ivens Machado Frame do vídeo “Versus” (1975) de Ivens Machado
Portanto, o que está gravado na fita portapak do MAC-USP é uma cópia de exibição da obra original, criada por Ivens Machado em outro contexto. Esta cópia de exibição foi realizada utilizando um outro equipamento portapak, gravando com a câmera a imagem exibida em um aparelho de TV. É possível verificar que a borda deste aparelho de TV ficou aparente no vídeo por um descuido durante a própria gravação.
Como já foi descrito aqui, este recurso de duplicação do material de vídeo foi utilizado em outras circunstâncias. Era a única maneira possível de gerar cópias dos vídeo e suas matrizes, pois o modelo portapak utilizado no Setor de Vídeo não permitia gerá-las a partir de um cabo que conectasse dois equipamentos. Por se tratar de um procedimento improvisado, o resultado destas cópias eram geralmente imagens não tão bem enquadradas,
nas quais se percebe a borda do aparelho de TV do qual eram registradas e, obviamente, a qualidade da imagem não tinha o mesmo contraste em comparação com a original.
Carolina Aguiar estava correta em sua suposição, ao afirmar que alguns dos vídeos de artistas brasileiros exibidos nas mostras do Espaço B, não foram realizados no Setor de Vídeo do MAC-USP. Além do trabalho de Ivens Machado, certamente os dois vídeos de Letícia Parente foram realizados em outro contexto. Da artista, participaram da mostra VIDEO MAC em dezembro de 1977 os trabalhos “Quem piscou primeiro” e “Especular”. Estes só constam na fita portapak produzida na época para a exibição, apresentando inclusive nesta versão a borda do monitor de TV da qual as imagens foram gravadas. Em resposta via e-mail (23 de março de 2017) de André Parente, filho da artista e responsável pela preservação de sua obra, ele confirmou que os dois vídeos foram realizados no Rio de Janeiro e ressaltou que em ambos ele participa da gravação, fornecendo inclusive algumas informações sobre como as imagens foram produzidas. Nos dois trabalhos foi utilizado o portapak de Tob Azulay, equipamento que viabilizou a produção de todos os vídeos realizados no Rio de janeiro na segunda metade da década de 1970. André escreve em seu e-mail:
Estes vídeos foram realizados no Rio, no apartamento em que eu morava com minha irmã, com apenas um portapak, o do grupo do Rio. Eu mesmo posicionei tudo. A mamãe nos dirigiu, a mim e minha irmã. Ela apenas apertava o botão, quando tudo estava posicionado. No “Quem piscou primeiro” a câmera está atrás de uma cartolina preta atrás de mim e de minha irmã. Estamos olhando para o nosso reflexo na televisão desligada. Eu tenho os originais em portapak. Não me recordo qual a mídia do MAC, U-matic? Se restar alguma dúvida me diga. Vai ser um prazer lhe ajudar. MAC só tem cópia porque o Zanini programou os vídeos aí. Abraços, André
2.2.6. RECOMENDAÇÕES SOBRE PROTOCOLOS DE CADASTRAMENTO DAS
OBRAS
Uma das contribuições desta pesquisa para os procedimentos de cadastramento das obras em vídeo produzidas no contexto do Setor de Vídeo do MAC-USP, é relativa a identificação em seu acervo de irregularidade no tombamento de algumas delas relacionadas na tabela Acervo MAC- USP: Vídeos gravados em fita magnética portapak (anexo 2). Observou-se a partir do visionamento e análise dos vídeos disponibilizados em formato digital, produzidos a partir das fitas portapak originais, que algumas das matrizes estavam cadastradas como cópias e vice-versa.
Como foi descrito neste relatório mais especificamente no item 2.2.4, o conteúdo registrado na FITA 2 (ver anexo 2 e anexo 3) apresenta um conjunto de obras copiadas a partir das FITAS 6 e 7 (ver anexo 2 e anexo 3). Estas cópias foram feitas com o intuito de organizar a seleção de trabalhos audiovisuais que foram exibidos na ocasião da mostra VIDEO MAC, em dezembro de 1977. As informações encontradas na planilha consolidada com informações do tombamento das obras no acervo do museu, fornecida pelo Seção de Catalogação e Documentação do museu, indicam que foram cadastradas como matrizes as obras gravadas na FITA 2. O correto seria indicar as obras gravadas nas FITAS 6 e 7 como aquelas definidas como matrizes, em conformação com as justificativas apontadas detalhadamente no item 2.2.4 deste relatório. A necessidade de efetuar essas alterações já foram sugeridas à Divisão Técnico-científica de Acervo do MAC-USP.
Em relação ao protocolo de cadastramento, recomenda-se um aprimoramento nas ferramentas que definem e caracterizam a natureza de obras audiovisuais no acervo da instituição. Estas necessidades já vinham sendo observadas no relatório de pesquisa desenvolvida por Andreia Magalhães Correia em 2014, que aponta também aponta uma série de procedimentos ideais a serem adotados no cadastramento de acervos audiovisuais. Como foi citado no item 2.1, o MAC-USP está atualizando o sitema de banco de dados e estão previstos campos de cadastramento mais detalhados. Aqui é importante observar que obras audiovisuais – filmes, vídeos e instalações – requerem dados complementares específicos relativos aos aspectos tecnológicos que as originaram. Deve-se considerar neste cadastramento uma descrição pormenorizada do formato das matrizes destas obras, os recursos técnicos necessários para a sua exibição, as particularidades relativas à montagem
dos dispositivos de exibição e da concepção cenográfica no caso de instalações e afins (ver uma reflexão específica sobre estes aspectos no item 3).
Outro aspecto primordial relativo aos procedimentos protocolares de constituição do acervo diz respeito à certificação da obras. Verificou-se que os vídeos produzidos no Setor de Vídeo não possuem um documento que ateste a procedência de sua origem e que estes pertençam efetivamente à coleção da instituição. Esta certificação é a garantia jurídica que respalda o vínculo patrimonial e garante a autenticidade das obras tanto para o museu quanto para o artista. No caso de obras videográficas cuja reprodutibilidade é passível tecnicamente de ser realizada e disseminada publicamente de maneira relativamente corriqueira, a certificação é o contrato ideal que determina a sua origem e regra as suas formas de difusão e exibição. Neste sentido é fundamental que seja formalizada entre o museu, o artista ou o detentor dos direitos autorais destas obras, esta certificação através de um documento que garanta a sua natureza patrimonial.
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QUESTÕES SOBRE A PRESERVAÇÃO DE OBRAS EM TIME-BASED MEDIA
A produção artística em novas mídias (filme, vídeo, computador etc), que se intensificou a partir da década de 1960, implicou na necessidade das instituições museológicas criarem departamentos de preservação e conservação especializados. Produzidas em suportes instáveis e cuja obsolescência tecnológica é um fator intrínseco a estas nova mídias, o desafio que se apresenta trata da permanência destas produções como patrimônio cultural, sua atualização técnica e a viabilidade de serem exibidas em épocas em que certamente o dispositivo tecnológico que as originou não existirá mais.
Os pressupostos de gerenciamento da documentação relativa à indexação de obras requer aspectos protocolares distintos. É sabido que estes registros são essenciais para a sua preservação. Basicamente os conservadores documentam a composição física das obras de arte, identificam materiais e técnicas dos artistas e descrevem vulnerabilidades, condições e danos, além de detalhar seus próprios procedimentos de conservação. Mas a documentação de obras de arte em time-based media - e outras formas de arte contemporânea, como instalações e performances - desafia os métodos e padrões de documentação estabelecidos. A identidade de uma obra de arte cujo suporte é uma mídia (filme, vídeo, computador etc), no entanto, não é necessariamente comprometida pelo dano e substituição de seu equipamento físico. Na verdade, sua integridade pode ser mais ameaçada por apresentar o trabalho de forma insatisfatória - por exemplo, escolhendo uma compressão de vídeo abaixo do ideal, aceitando condições de luz e som comprometedoras ou migrando a peça para uma tecnologia que não proporcione adequadamente a mesma solução estética proposta pelo artista.
O Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA) foi um dos museus pioneiros nesta disciplina, realizando, ainda na década de 1960, eventos que abordassem os ramos curatoriais das artes tecnológicas. Desta época destaca-se a exposição The Machine as Seen at the End of the Mechanical Age (1968), com curadoria de Pontus Hultén, que apresentou obras, entre outros, de Nam June Paik, Edward Kienholz, Jean Tinguely e um núcleo dedicado aos experimentos realizados através do concurso organizado pela Experiments in Art and Technology (EAT), que premiou projetos nesta área.
A partir de meados da década de 1970, iniciou a constituição de um acervo de videoarte e uma programação dedicada a esta forma de expressão artística. A frente deste projeto pioneiro, Barbara London atuou durante quatro décadas, realizando uma extensa pesquisa sobre a produção internacional de vídeo e curando exposições temáticas sobre estas linguagens. Em 2006 o museu criou um departamento curatorial especializado em Media and Performance Art, que passou a cuidar das obras do acervo da instituição produzidas em vídeo, computador, filmeinstalações, performance e arte sonora. Este departamento cuida de obras nas quais a constituição estética se baseia na temporalidade das formas de expressão, a chamada time-based art20 .
Atentos às necessidades intrínsecas à conservação e preservação de obras em novas mídias, o MoMA, o New Art Trust, San Francisco Museum of Modern Art (SFMOMA) e a Tate, criaram um projeto permanente chamado Matters in Media Art, com o objetivo de intercambiar informações sobre as melhores práticas para a administração de obras desta natureza. Esta práticas advém da necessidade de adequar os modos tradicionais da museologia às particularidades que estas obras exigem em termos de preservação, restauração e difusão, exigindo novas competências dentro dos museus. O texto de apresentação do projeto no site ressalta:
Embora existam normas internacionalmente acordadas para o manuseio, instalação e manutenção de obras de arte tradicionais, atualmente não existem normas semelhantes para time-based art. Este projeto visa sensibilizar as instituições para os requisitos técnicos destas obras e dar uma resposta prática à necessidade de um acordo entre os museus21 .
Após 13 anos de atividades, a iniciativa Matters in Media Art organizou em um website [http://mattersinmediaart.org/] um guia que orienta instituições e colecionadores em todas as etapas relativas à constituição de um acervo de novas mídias. Dividido em Aquisição, Documentação, Empréstimo e Preservação Digital, o site apresenta um série de
20 Time-based art é um conjunto de especialidades que lidam com uma multiplicidade de formas artísticas que se baseiam na temporalidade como elemento essencial da linguagem. Um conceito-chave na arte produzida especificamente no campo do filme experimental, vídeo, instalações, som, computação, multimídia, performance e cibernética. 21 Conferir em https://www.moma.org/collection/about/conservation/matters-in-media-art
ferramentas e orientações práticas, estabelecendo um protocolo de gestão de acervos em novas mídias.
A urgência a respeito da constituição de acervos específicos de obras em time-based media e a consequente ativação de departamentos e equipe especializados no tema, pode ser claramente constatada pelo desafio recentemente enfrentado pelo Metropolitan Museum de Nova Iorque. A coleção de obras desta natureza multiplicou de um patamar em 2000 de pouco mais de 20 obras, para um acervo de cerca de 270 obras em 2018.
A implementação de uma estratégia de atualização do acervo, acompanhando a tendência cada vez mais presente no campo da arte em utilizar tecnologias audiovisuais e informáticas na elaboração de obras de arte, implicou na criação em 2010 do Time-Based Media Working Group. Participam deste grupo de trabalho colaboradores de departamentos distintos, incluindo especialistas da área de conservação, curadoria, exposições e sistemas de informação e tecnologia, bem como da consultoria jurídica. O grupo se reúne regularmente para discutir questões relacionadas à aquisição, exibição e preservação de obras em time-based media.
Nesta perspectiva, como está bem explicitado em uma das funções deste grupo de trabalho, é atenção e o cuidado que uma coleção de obras em time-based media exige. A natureza complexa e evolutiva das tecnologias de armazenamento de dados e a necessidade de se manter uma infraestrutura de equipamentos (projetores, players, hardwares etc) a serem adquiridos, preservados, reparados e armazenados para uso futuro, já que muitos componentes técnicos dessas obras se tornam obsoletos, implicam numa prática museológica muito específico e particularizada.
Outro museu que adotou uma política bem definida para a conservação de seu acervo de obras em time-based media foi o Solomon Guggenheim, em Nova Iorque. O Media Conservation Lab, integra o Departamento de Conservação do museu e foi constituído para permitir um adequado monitoramento, conservação e restauro de centenas de obras de artistas como Vito Acconci, Tacita Dean, Bruce Nauman, Nam June Paik, Pipilotti Rist, e Bill Viola, produzidas em filme, vídeo e instalações multimídia.
Com este propósito o Departamento de Conservação implementou uma infraestrutura técnica que fornece as condições de reprodução e exibição apropriadas para os vários formatos disponibilizados para essas obras. Assim, os conservadores podem visualizar e analisar vários formatos analógicos e digitais, incluindo U-matic, VHS, Betacam SP, LaserDisc, DVD, DV, Digital Beta e os variados formatos da imagem digital. Uma mesa de inspeção de filme permite manipular obras cuja matriz está em filme de 16 mm e 35 mm para fins de exibição e arquivamento.
Em consonância com outras instituições atentas às necessidades de formular um protocolo de melhores práticas para a conservação de obras em time-based media, o museu estabeleceu uma metodologia de procedimentos a saber22 :
1- Orientação no processo de aquisição das obras > Quando o museu recebe uma nova obra em sua coleção, o departamento procura reunir informações sobre o processo de produção técnica e formato da matriz do trabalho, seus parâmetros de instalação, e seu histórico de montagens em exposições, bem como os dados dos dispositivos e tecnologias utilizados no trabalho.
2- Categorizar e gerenciar o equipamento > Refere-se aos critérios de aquisição e utilização de equipamentos. O equipamento de reprodução e exibição que é comprado, armazenado e utilizado no contexto de uma coleção de arte da instituição, pode ser categorizado de acordo com a sua importância, tendo em conta o grau de relevância e obsolescência. Por exemplo, um projetor de 16 mm por exemplo, pode ser utilizado como um dispositivo de projeção para mais de uma obra. Em alguns casos, como por exemplo em uma videoescultura de Nam June
Paik, um monitor de TV deverá ser exclusivo para aquela obra.
3- Exposição: Preparação, Documentação e Manutenção > A exibição programada de uma obra de arte nestes formatos é um apelo para a ação do conservador. Como estas obras existem somente em seu estado instalado e sua montagem normalmente depende de uma seleção curatorial para a sua exibição, os conservadores contam com essa oportunidade para adquirir um conhecimento mais profundo sobre um
22 Informações publicadas em [https://www.guggenheim.org/conservation/time-based-media] consultada em 09 de maio de 2018.
determinado trabalho e suas vulnerabilidades no contexto de uma paisagem tecnológica em evolução.
4- Facilitação e Supervisão de Empréstimos > Para o conservador é uma oportunidade para compilar todas as informações disponíveis sobre o trabalho, revisar seus dispositivos e reavaliar sua relação com ao desenvolvimento da tecnologia. O solicitante deve receber cópias de exibição de alta qualidade compatíveis com o sistema de reprodução selecionado. Se o equipamento não estiver incluído no empréstimo, o solicitante deverá receber uma lista de equipamentos predeterminada ou, se o trabalho permitir a negociação, uma variedade de propriedades que definem o trabalho ou modelos de equipamento que sejam aceitáveis.
4 E AS INSTITUIÇÕES NO BRASIL?
Com intuito de estabelecer uma comparação com as práticas museológicas de outras instituições no Brasil, escolhi a Pinacoteca do Estado de São Paulo para apresentar de maneira introdutória as formas como está trabalhando com a catalogação e preservação de obras audiovisuais em seus acervos.
A Pinacoteca do Estado de São Paulo apresenta em suas coleção um número pequeno de obras audiovisuais. A comparação em termos quantitativos, com outras linguagens de caráter moderno e contemporâneo, como a fotografia por exemplo, torna esta análise, ainda mais surpreendente. Enquanto a instituição guarda em seu acervo cerca de 650 obras que perpassam todos os períodos da história da fotografia brasileira, em relação ao audiovisual, este acervo é muito pequeno. O mesmo acontece no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), para citar um exemplo congênere. Em consulta ao acervo on line do MAMSP, foram encontrados cerce de 1130 registros de obras fotográficas. Utilizando o mesmo critério de busca a partir da categoria vídeo e filme, não são listadas mais do que 32 obras.
A partir desta premissa de que a produção de obras audiovisuais tem se tornado frequente e quantitativamente significativa nas últimas décadas, é de se estranhar este despreparo das instituições museológicas em estabelecer uma política de aquisição de obras de arte desta natureza e implantar em seus departamentos de acervos uma metodologia de conservação destas obras.
É urgente que se pense a respeito disso. A produção está cada vez maior. O acervo cultural que os artistas contemporâneos estão produzindo é cada vez mais presente. Esta defasagem ou mesmo inexistência de um patrimônio constituído desta produção nos leva a indagar com o que um pesquisador desta área, daqui a 30, 40 anos vai poder contar?... Aonde ele vai pesquisar? Ele vai buscar quem, quais instituições? Quais os arquivos? Quais os acervos? Se continuar assim, ele não vai encontrar e este patrimônio estará impreterivelmente perdido, como já é possível constatar nos dias de hoje. Parte dos filmes e vídeos experimentais produzidos a cerca 4 ou 5 décadas atrás já desapareceram.
O super-8, por exemplo, difundido pela indústria para consumo não profissional nos anos 1960-1970, é um formato que apresenta um agravante em termos de sua preservação. Neste formato, o filme em que a película é sensibilizada é o próprio positivo. Não existe uma matriz em negativo da qual são reproduzidas as cópias. Assim, um dos desafios por parte destes departamentos de conservação é criar metodologias de trabalho que considere a preservação e integridade da obra, mas que ao mesmo tempo a torne passível de ser exibida. Qual é o sentido de uma obra ficar exclusivamente guardada, conservada em uma sala refrigerada, sem poder ser vista? Elas são patrimônios culturais e precisam ser conhecidas e pesquisadas. Como criar mecanismos de exposição, de museografia, que permitam que obras produzidas em novas mídias possa ser exibidas numa concepção contemporânea museográfica, em longos períodos de exposição, em turnos diários contínuos de 8 a 10 horas durante 60, 70 dias?
Nas instituições brasilerias, não existe um protocolo definido pelos museus e instituições voltado para a conservação de obras audiovisuais23. Este é um tema fundamental para ser discutido, porque se estamos trabalhando com uma mídia baseada numa tecnologia ou em um modo de produção que se torna obsoleto muito rapidamente, é muito grave não termos uma cultura arquivista dedicada para isso. Nos museus brasileiros não existe um departamento especializado nesta matéria. Esta precariedade ocorre inclusive naquelas instituições que a priori deveriam estar atentas a estas questões, como é o caso dos Museus da Imagem e do Som.
Basta citar o exemplo de um dos mais bem estruturados Museus da Imagem e do Som do país, que é o de São Paulo. O acervo que lá está constituído está preservado precariamente e não existe investimentos no sentido de mantê-lo atualizado. A política que foi adotada para este museu na última gestão24 foi a mais perversa possível, se baseando exclusivamente em realizar exposições com apelo de público, esquecendo-se que a função essencial e primeira de um museu é a constituição e preservação de seu acervo.
Segundo informações fornecidas por Fernanda D’Agostino, coordenadora do Acervo Museológico da Pinacoteca, o museu possui atualmente (informações obtidas em março de
23 Aqui não me refiro à Cinemateca Brasileira, que apesar de ter este protocolo muito bem definido, não abriga em seu acervo obras desta natureza. 24 O periodo se refere aos anos de 2014 a 2018.
2018), 26 obras (lista completa no anexo 8) nas categorias de instalações, filmes e vídeos de artistas, sendo que, em termos de catalogação, não se faz uma distinção entre filmes e vídeos para designações e classificações. Instalações que possuem recursos audiovisuais recebem também a classificação “Imagem em movimento”, além de “Instalação”, por exemplo. A base de dados para catalogação é feita utilizando o software InPatrimonium25. O campo adotado para o preenchimento de obras com recursos audiovisuais chama-se “Características técnicas”, com as seguintes opções de preenchimento: • Aspecto da Imagem (4:3 / 16:9 / etc) • Áudio
• Duração • Formato e tamanho
• Legendagem • Mídia
• No. de Canais (uma ou mais projeções) • Requisito Tecnológico
Com relação às informações sobre as especificidades de montagem das obras, esta são detalhadas em campos textuais da base que permitem descrições extensas e pormenorizadas.
Para exemplificar como esta catalogação é feita na instituição, cito aqui uma das obras que faz parte do acervo da Pinacoteca. É a instalação “Yano-o” (2005) de Gisela Motta e Leandro Lima, em co-autoria com Claudia Andujar. Trata-se de uma obra composta por materiais diversos, tendo como base da imagem uma fotografia e um vídeo. Sobre este trabalho, os artistas descrevem:
Yana-o” foi desenvolvida a partir da apropriação de uma fotografia em preto-ebranco de uma maloca Yanomâmi incendiada, realizada em 1976 por Claudia
25 O In Patrimonium é um sistema de gestão do património cultural desenvolvido pela empresa Sistemas do Futuro. É uma aplicação que pode ser acessada e utilizada através de qualquer browser, dado que é alojada em servidores na “cloud”, o que facilita os processos de atualizações e manutenção. Esta aplicação é desenvolvida tendo em conta as normas internacionais definidas por instituições como o CIDOC (Comité Internacional para a Documentação do ICOM), a Collections Trust, o Getty Research Institute ou a Canadian Heritage Information Network. Conferir em http://inpatrimonium.net.
Andujar. Para atualizar o instante fixado pela fotografia analógica, a imagem original foi projetada através de um filtro vermelho e uma camada de água em movimento, responsável por gerar refrações. A distorção e o movimento da instalação são resultantes da interferência da água e de um micro-ventilador, e contrastam com o crepitar do fogo congelado na fotografia ao emular as refrações na tela, tal como as geradas pelo calor que sobe do solo. Em outra composição, um projetor de vídeo adiciona, sobre a maloca, uma animação apenas das labaredas extraídas de todos os fotogramas realizados durante a queima da casa por Andujar26 .
Na catalogação do museu, além das informações contidas nos campos definidos como características técnicas, foram incluídas as demais infornações sobre a obra e as observações sobre suas especificidades, em um campo textual, descritas assim:
- Observamos que foram catalogados como partes da obra, e incluídos como Material/ Técnica, apenas os materiais entregues pelos autores, necessários à integridade do trabalho. Os demais materiais que compõe a instalação devem ser fornecidos pela própria instituição na ocasião de montagem da obra. São eles: água, dvd player, projetor de vídeo, retroprojetor, tela de projeção em tecido de 300 x 186 cm, ventilador e mesa de ferro. A mesa deverá ser construída segundo as instruções de montagem localizadas no laudo do Núcleo de Conservação e Restauro. Nas instruções existem também especificações para os materiais do vídeo, projeção e retroprojeção. As especificações das partes incluídas na catalogação encontram-se a seguir: 2/6, o suporte em plástico para a impressão a laser trata-se de um acetato, mais resistente à luz do retroprojetor; 3/6, filtro vermelho modelo Supergel Rosco # 27 medium Red; 4/6, o DVD encontra-se armazenado em caixa de plástico original dos autores e contém arquivo de vídeo com instruções de montagem de 3 minutos e 21 segundos, formato UDF, 140 MB; 5/6, o armazenamento em caixa de plástico original dos autores e contém arquivo em vídeo de 42 minutos e 26 segundos, formato UDF, 2,45 GB. Existem cópias dos DVDs das partes 4/6 e 6/6 na Reserva Técnica junto à obra.
26 Conferir em http://www.aagua.net/Yano-a
Este modelo de catalogação prioriza os aspectos mais gerais da informação sobre a obra, mas não notifica sobre dados mais específicas de obras desta natureza. Não está claro por exemplo quais os formatos de vídeo estão arquivados digitalmente, nem tão pouco a definição de suas propriedades (se é um arquivo MOV, AVI ou MPEG, para citar aqui somente os formatos mais convencionais). Não há também dados anexados que especifiquem sugestões de expografia (se é necessário uma sala escura, algum isolamento acústico etc), esquemas ilustrados que auxiliem na montagem da obra e cuidados de manutenção da obra em funcionamento.
Recomendações como estas podem auxiliar na exibição da obra e evitar descuidos que podem prejudicar seu adequado funcionamento. Exemplo disso pode ser citado quando em 2015 a Estação Pinacoteca apresentou na exposição “‘Situações: a instalação no acervo da Pinacoteca de São Paulo”, um recorte de seu acervo de obras em time-based media, na qual foi incluída a instalação “Yano-o” (2005) de Gisela Motta e Leandro Lima, em co-autoria com Claudia Andujar. O artista Leandro Lima relatou em conversa informal, em fevereiro de 2017, que quando a instalação estava exposta, em visita que ele mesmo fez ao museu para ver seu trabalho, observou que uma das peças do mecanismo na estava funcionando. Uma ventoinha deveria estar permanentemente ligada para gerar um efeito ótico na imagem, criando a impressão que a oca da tribo Yanomami retratada por Claudia Andujar estaria pegando fogo. Ao falar com um dos monitores que cuidava do antendimento ao público no espaço expositivo, este relatou que havia sido orientado a ligar o dispositivo somente quando fosse necessário ventilar o equipamento, caso este começasse a esquentar.
Com relação aos aspectos mais específicos relativos à preservação de obras audiovisuais do acervo da Pinacoteca, Teodora Carneiro, coordenadora do Núcleo de Conservação e Restauro informou em e-mail datado de 20 de outubro de 2017:
Na Pinacoteca não existe um departamento ou equipe especializada, pois temos um número pequeno de obras, que não justifica a contratação de um profissional exclusivo para esse acervo. O Núcleo de Conservação e Restauro busca informações e referências em coleções nacionais e internacionais das práticas adotadas na conservação das mídias e salvaguarda em repositórios seguros. Além disso, conta com o apoio do Núcleo de Acervo Museológico na coleta de informação sobre essas
obras e do Núcleo de Projetos Especiais, que tem técnicos que dão suporte na forma correta e equipamento necessário para a exibição dos audiovisuais do acervo.
Além disso, outros Núcleos que tem acervos digitais, como a Biblioteca Walter Wey e CEDOC, também tem a questão de repositórios seguros como prioridade e a instituição como um todo procura se preparar e se manter atualizada para gerir os três acervos com segurança.
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PROJETO CURATORIAL (ver anexos 9 e 10)
Esta é uma proposta para a realização de uma exposição retrospectiva a partir do acervo de vídeos de artistas pertencentes ao Museu de Arte Contemporânea de São Paulo. Como parte integrante desta programação será realizado um seminário sobre as questões em torno da conservação de obras de arte em time-based media.
A curadoria apresenta uma seleção específica das obras produzidas no contexto do Setor de Vídeo do MAC-USP, criado por Walter Zanini em 1977 e extinto no ano seguinte com a saída do diretor da instituição.
Este departamento, que funcionava como um laboratório de criação e difusão de trabalhos em vídeo, produziu no curto período de aproximadamente um ano , um conjunto de obras audiovisuais consideradas pioneiras no contexto da arte contemporânea brasileira.
Estes vídeos, de artistas como Regina Silveira, Julio Plaza, Carmela Gross, Gabriel Borba, Roberto Sandoval, Gastão de Magalhães, entre outros e a série Videopost organizada por Jonier Marin, são praticamente inéditos para o grande público e muito pouco conhecidos pelos pesqusiadores e especialistas da área. Ficaram desaparecidos por mais de 35 anos, tendo sido localizados em 2013, depositados equivocadamente no Museu da Imagem do Som como fitas de audio.
Esta exposição é uma oportunidade de lançar luz sobre estes trabalhos e reescrever as informações sobre a história da videoarte no Brasil. Reúne um conjunto de 35 obras em vídeo, documentos, cartas e fotografias e objetos, a maior parte pertencente ao acervo do MAC-USP, relativos ao período de produção do Setor de Vídeo do museu. Apresenta as obras em vídeo, assim como registros do processo de criação dos artistas, gravados nas fitas portapack produzidas nos anos 1970 e que fazem parte do acervo.
O seminário será realizado em paralelo à exposição e terá convidados brasileiros e extrangeiros, além de um rol de textos e papers sobre o tema da conservação de obras em time-based media, apontando para o status da pesquisa sobre este tema no Brasil.
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ANEXOS