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Nam June Paik

Anexo 7

Estudo de caso - Desafios da Preservação: As Videoesculturas de Nam June Paik

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As obras intituladas Video Flag X, Video Flag Y, Video Flag Z são as três variações da antológica videoescultura que representa a bandeira americana. Foram criadas por Paik entre os anos de 1984-85 com o apoio de Carl Solway, galerista americano, com quem o artista desenvolveu centenas de videoesculturas ao longo de duas décadas. A Video Flag e suas variações consistem de dispositivos formados por 84 monitores de 10 polegadas, exibindo sincronicamente um mosaico psicodélico de imagens. Este aparato estava configurado de forma a criar uma representação da bandeira e de signos diversos da cultura americana. Na época em que foram criadas, em que o mercado da arte ainda via com certa desconfiança a produção artística em vídeo, para a surpresa de Paik e do próprio galerista, as três versões da Video Flag foram adquiridas por colecionadores e instituições culturais35 por cerca de US$ 65.000,00. Era a primeira vez que Paik efetivamente obtinha lucros com o seu trabalho. A possibilidade de aproximar suas criações do mercado de arte contemporânea significou uma nova perspectiva para o artista.

A partir daí, Paik realiza uma série de videoesculturas que posteriormente serão definidas como os robôs. As primeiras delas foram apresentadas na exposição individual que o artista realizou em 1986 na Carl Solway Gallery. Algumas obras da antológica série Family of Robots representavam a figura humana por meio da combinação harmoniosa de carcaças de antigos televisores e dispositivos de vídeo (tubos de raio catódico de aparelhos de TV e vídeo em formato U-Matic). Estas estruturas sugeriam uma antropometria a partir da composição de formas e de signos dos personagens que representavam. Em sua carreira, Paik criou dezenas destes robôs em homenagem a personalidades como Edgar Allan Pole, Van Gogh, Gertrude Stein, Charles Chaplin, John Cage, Merce Cunnighan e muitos outros. Cada um deles era elaborado a partir do mesmo princípio de assemblage daquela primeira série de 1986, sendo composto a partir da combinação de carcaças de televisores antigos. Paik construía uma configuração original para cada personagem, acoplando a estas estruturas objetos específicos que de alguma forma se relacionavam com o tema de cada nova obra.

35 Esta obras fazem parte respectivamente dos acervos do Detroit Institute of Art, Los Angeles Count Museum of Art e da JPMorgan Chase Art Collection.

Estas videoesculturas não eram exclusivamente representações de personalidades. Elas também originavam formas tridimensionais que representavam temas variados, como por exemplo o sistema solar, a Arca de Noé, conceitos universais como os da série My Faust (stations), de 1991, composta por esculturas em forma de altares góticos sobre temas como educação, agricultura, religião, medicina etc. Em todas elas, a imagem em movimento do vídeo estava inserida, criando um efeito cinético por meio da luz produzida pela exibição das imagens, associadas à plasticidade da estrutura formada pelos módulos das TVS e demais objetos.

Paik faleceu em 2006 e desde então seu legado artístico tem sido exaustivamente debatido pelas instituições culturais que preservam sua obra, com o intuito de buscar as melhores práticas de conservação, restauro e difusão destes trabalhos. Os desafios são muitos, haja visto que grande parte daqueles suportes e dispositivos eletrônicos utilizados por ele não são mais fabricados pela indústria. Os formatos de vídeo sofreram uma acelerada transformação com o advento da digitalização da imagem. Os televisores de tubo de raio catódico foram substituídos pelas TVS de LED de alta definição.

Com o passar dos anos, é cada vez mais evidente o risco destas obras não “funcionarem” mais. Alterações em seus dispositivos com o intuito de mantê-las atualizadas podem causar uma espécie de adulteração de sua integridade estética, decorrente deste processo de “restauro tecnológico”. Algumas iniciativas estão sendo adotadas na procura de um equilíbrio entre a viabilidade operacional e funcional dos equipamentos e a fruição da obras.

A versão Z da Video Flag foi adquirida para o acervo do Los Angeles County Museum of Art (LACMA) em 1986, onde foi permanentemente exibida até 2000 quando teve que ser desativada por apresentar problemas técnicos insolúveis. Os técnicos responsáveis pela manutenção da obra não encontravam mais peças de reposição para os monitores que compõem a videoescultura, produzidos pela empresa Quasar ainda na década de 1980 e que já há alguns anos não eram mais fabricados. Em 2006, a instituição decidiu restaurá-la. John Hirx, conservador chefe da instituição, esteve à frente desta iniciativa.

Primeiramente, ele conseguiu uma autorização do próprio Nam June Paik para que fossem efetuadas as alterações necessárias para que a obra voltasse a funcionar. Para Paik, o

importante era manter a composição plástica da escultura, viabilizando novamente a exibição da imagem, mesmo que todo o equipamento precisasse ser trocado. Preocupado em não afetar a integridade da obra e remontá-la de modo a ter um bom rendimento operacional, com uma durabilidade satisfatória, Hirx propôs a troca de todos os 84 monitores por um modelo mais atual que correspondesse às dimensões do original, além da substituição da mídia utilizada, trocando o videolaser por mediaplayers digitais. O restauro teve a preocupação de recuperar e adaptar a carcaça original do monitor Quasar, que tinha a particularidade de ser de plástico branco, à estrutura modular do novo aparelho. Com isso, a aparência dos 84 monitores pode ser mantida, ao mesmo tempo em que uma nova estrutura de sustentação pode ser construída para eles, respeitando a mesma configuração do suporte original concebido por Paik.

Cada vez mais se torna um desafio a preservação e difusão destas obras que utilizam dispositivos praticamente inexistentes no mercado audiovisual. A película como formato de produção e reprodução de imagens saiu de uso definitivamente e consequentemente toda a cadeia produtiva migrou para o digital. Raramente se encontram disponíveis câmeras, projetores e películas. Produzir e exibir nestes formatos (8 mm, 16 mm e até mesmo em 35 mm, o formato que era mais utilizado pela indústria audiovisual) se tornou uma idiossincrasia. Equipamentos de vídeo frequentemente usados pelos artistas na composição de instalações e esculturas, principalmente nas décadas de 1970 e 1980, quando ocorreu efetivamente um interesse por estas formas de expressão em arte eletrônica, estão obsoletos. Permitir que obras históricas, produzidas a cerca de quatro ou cinco décadas atrás, possam ser conservadas e exibidas publicamente tornou-se um desafio e uma missão predestinada para as instituições museológicas e culturais que preservam estes acervos.

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