Texto e Ilustrações : Roberto Tostes
Edição do autor - 2016 copyrigt by roberto tostes - direitos reservados
Para TetĂŞ, que sempre gostou muito de dormir.
Desde pequena, Dô gostava de dormir, e muito. Lá no fundo, a escuridão e o cheiro da terra molhada que ela sentia em volta do corpo eram irresistíveis. .
Bastava esticar o corpo um pouco de lado e ela logo estava dormindo. Esticada, enrolada de cabeça para cima, cabeça para baixo. De qualquer jeito Dô embalava um sono que ia até o dia seguinte.
Mas a comunidade das minhocas era bem agitada. NinguĂŠm gostava de ficar parado e cada uma tinha sua tarefa, sempre ocupadas em cavar buracos e tĂşneis interminĂĄveis.
As minhocas tinham uma fome enorme, devorando tudo que viam pela frente: pedaços de folhas, frutas, sementes e restos de coisas misturadas à terra.
Elas parecem pequenas e frágeis, mas trabalham sem parar. Todos aqueles buraquinhos que elas fazem ajudam a passar a água e ar, renovando a terra. Isso sempre fez muito bem ao solo e às plantas que, com a terra fofa e enriquecida, crescem mais fortes e saudáveis, gerando mais vida em todo o planeta.
Para as minhocas este mundo em cima da terra sempre foi algo desconhecido e muito grande. Por ser muito curiosa, DĂ´ minhoca sempre quis muito conhecer as coisas lĂĄ de cima.
Mas todos diziam para se afastar, era perigoso e grande demais. Ela nĂŁo deixava de sonhar. Quem sabe, talvez um dia, pudesse passear e brincar nesse lugar tĂŁo diferente?
Mas o que Dô mais gostava é de ficar com seus amigos. Espiral vivia enrolado e falava as coisas ao contrário ou contava piadas começando pelo final. Ângulo só andava em linha reta, sempre com pressa. O melhor amigo de Dô era Pincel, que tinha jeito de artista e vivia desenhando.
Ela tinha uma paixão secreta por Pincel . Mas ele, que era meio distraído, nem percebia. Dô adorava sonhar que Pincel pintava seu retrato.
Certa manhĂŁ, quente e longa, ouviu-se de repente um barulhĂŁo. Uma pĂĄ abriu um buraco jogando um monte de minhocas sobre a terra.
Um homem recolheu muitas delas num balde, levando-as como isca para uma pescaria.
Dô estava muito assustada e demorou a perceber o que estava acontecendo. Sem saber o que fazer, ela ficou paralisada. As minhocas tentavam fugir, mas o balde era grande e as paredes, escorregadias. TambÊm não viu nenhum de seus amigos por perto e sentiu um grande medo. Tudo balançava, elas estavam sendo carregadas para algum lugar.
Na beira do rio, as minhocas foram colocadas no anzol e lançadas na água. Na vez de Dô, ela se remexeu toda por causa da água gelada. Quando tentou fugir, já estava na boca de um peixe, que foi pescado assim que puxou o anzol.
Dentro da barriga estava tudo escuro. DĂ´ estava nervosa e achou melhor tirar uma soneca para depois ver o que podia fazer. Dormiu pesado e nĂŁo viu mais nada
Na casa do pescador, a panela já estava fervendo quando chegou a vez do peixe que a tinha engolido. Um gato miou lá fora e chamou a atenção da cozinheira. Ela ficou com pena daquele felino com cara de esfomeado e acabou dando de presente o peixe. ue ganhou.
DĂ´ acordou com o calor da panela e quando rastejou atĂŠ a boca do peixe viu que ele estava na boca de um bicho peludo maior ainda. O gato saiu andando feliz da vida com a comida que ganhou.
Um cachorro que estava passando resolveu perseguir o bichano e foi aquela correria toda em volta da casa. Depois de perceber que estava sendo alcançado, o gato reuniu suas últimas forças e conseguiu pular para uma janela mais alta.
De cima, ele respirou aliviado e miou para seu perseguidor.
O cão ficou embaixo sem poder alcançá-lo e resolveu não sair dali, latindo e rosnando muito para o gato fujão.
Com todo aquele barulho e confusão, alguém da casa apareceu e deu uma bronca espantando o cachorro. Também gritou com o gato que apenas abanou o rabo, pensando onde ia poder comer o seu peixe. Antes de o gato sumir, Dô Minhoca ainda teve tempo de fugir da boca do peixe. Ela acabou ficando sozinha na janela e parou para olhar com calma um céu que nunca tinha visto direito.
Dô olhou o sol redondo e vermelho que começava se por no horizonte. Achou aquilo a coisa mais linda do mundo. Continuou a observar o cÊu, pensando como era grande o universo.
Viu as primeiras estrelas, a lua cheia brilhando e achou tudo ainda mais bonito. Passou a noite acordada, pensando em entrar por um daqueles pontinhos de luz e descobrir o que havia do outro lado.
De manhã o sol esquentou e Dô sentiu sua pele ressecar com o calor. Um pássaro pousou e a pegou-a pelo bico. Ele voou então em direção ao seu ninho. Queria levar a minhoca como alimento para seus filhotes.
Cansada de ser comida, Dô se debateu tanto no bico do pássaro que acabou atingindo seu olho. Ele a soltou e ela despencou lá de cima.
Dô caiu sobre um gramado fofo e ficou meio tonta no chão, procurando o caminho de casa. Deu de cara com um caracol, e ficou curiosa com aquele bicho. Descobriu que ele levava nas costas a sua própria casa.
Ela gostou tanto da ideia que procurou tambĂŠm uma concha para carregar, morar e dormir dentro! ApĂłs carregar aquele peso todo nas costas, viu como aquilo era cansativo e que andava muito devagar. EntĂŁo, desistiu de ser caracol e seguiu em frente.
É, este mundo parecia diferente demais para ela... Ao mesmo tempo que estava conhecendo muitas coisas novas, sentia tambÊm um grande vazio. Lembrou de sua vida tranquila no minhocårio e bateu uma saudade enorme de seu cantinho e de seus amigos.
Passou um bom tempo cavando e revirando a terra sem achar um caminho. Sentiu-se entĂŁo cansada, triste e perdida.
Mas de repente alguém conhecido surgiu do nada. Era seu amigo, Ângulo. Estava procurando novos caminhos e deu sorte de encontrá-la. Ele também ficou aliviado e feliz. Dô nem soube como agradecer. Apesar de estar muito cansada, Dô reuniu suas últimas forças e seguiu o caminho de volta ajudada por seu amigo.
Quando Dô chegou em casa, todas as minhocas estavam numa exposição em que Pincel mostrava seus quadros. O que mais chamava atenção era um retrato dela, muito bonito e real.
Todas estavam apreciando a pintura e nem perceberam a sua chegada. Seus cinco coraçþes de minhoca bateram descontroladamente e ela quase desmaiou de felicidade e cansaço.
Depois de tantas aventuras e emoçþes, só teve tempo de procurar sua caminha. Tudo que queria agora era voltar a dormir e sonhar bastante, para depois poder acordar de verdade.
O Autor Carioca, casado, tenho um filho, um cachorro e muitas ideias na cabeça. Trabalho com design, comunicação e criação de jogos. As palavras sempre me fascinaram, lidas, faladas, ouvidas, mas nada supera o prazer de escrever histórias. Entre outras criações, Dô minhoca é uma personagem por quem desenvolvi um grande carinho. Apesar de viver no fundo da terra, além de gostar de dormir e sonhar ela sempre quis descobrir coisas novas. Além de escrever, me aventurei também a desenhar esta figura, dando vida a esta personagem, que quis sair de uma vida limitada para se aventurar em um novo mundo.
Roberto Tostes robertotostes@gmail.com twitter: @robertotostes medium.com/@robertotostes