Cambucá

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flora brasileira

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cambucá

TERR A DA GENTE

Fruta boa de chupar, memória saborosa de infância no interior e nos jardins imperiais. Assim o cambucá é saudado em canções e mencionado em livros. Mas é preciso muito mais do que isso para não relegar a espécie apenas a doces lembranças... texto

AmAndA Pimentel

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luz do entardecer e o cheiro de café coado anunciam uma boa conversa prestes a começar. Entre um beliscar de queijo e um gole da bebida passada na hora, ouço muitas histórias, como a de um tal cambucá (Plinia edulis). Quem conta é Maria Eneida Pupo Pimentel, minha avó. “Lembro que sua cor era entre o amarelo e o laranja quando estava boa para chupar. Seu sabor era delicioso, muito docinho. Cortávamos uma beirada e espremíamos à espera do caldo cremoso”, diz, buscando detalhes em suas memórias de infância passada na fazenda de seu pai. Na fazenda Santo Aleixo, localizada no bairro do Pantaleão, na cidade de Am-

paro, interior de São Paulo, meu bisavô recebia muitas pessoas e dentre eles havia um homem – de nome Henrique De La Roque – que, sob a sombra de um cambucazeiro, falava de negócios e de seu gosto pelo fruto. “Este doutor voltou uma porção de vezes”, conta minha avó, após mais um gole de café, “para provar mais uma daquela saborosa fruta e falar sobre outras coisas”. Os cambucás já foram coadjuvantes não somente da história de minha avó, Maria Eneida, mas de pessoas próximas do imperador Dom Pedro I, além de constar nas páginas do livro Sonhos d’Ouro, de José de Alencar e da canção Olhos Verdes, do compositor e


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silvestre silva


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40 direto do caule O cambucá maduro mede de 3 a 5 centímetros e tem casca grossa no tom amarelo alaranjado (acima). A floração ocorre entre outubro e novembro e os frutos nascem no caule, como a jabuticaba (à dir.)

arranjador Vicente Paiva, interpretada nos anos 1950 por Dalva de Oliveira, e, nos anos 1970, por Gal Costa. O nome da fruta se eternizou, mas a planta não teve a mesma sorte. “Embora ainda sejam predominantes em diversas regiões da Mata Atlântica, diversas mirtáceas estão ameaçadas de extinção”, diz Tati Ishikawa, mestre e doutora pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora dos cambucazeiros. “Nós estamos, literalmente, destruindo uma biblioteca enorme de

possibilidades, de conhecimento. São espécies endêmicas, de ocorrência exclusiva no território nacional, que nunca chegaremos a conhecer”. Segundo Silvestre Silva, jornalista e fotógrafo viajante, autor de 5 livros sobre frutas brasileiras, “é uma raridade encontrar uma árvore de cambucá. Quer seja no seu hábitat natural da Mata Atlântica ou cultivada. Os motivos? Por ser de difícil germinação e regeneração natural nas matas e pelo descaso do brasileiro com as espécies nativas importantes do seu País”. Já Tati acredita na possibilidade de as pesquisas despertarem o interesse da comunidade científica e da população acerca do cambucá, culminando no incentivo ao reflorestamento: “A geração de conhecimento, especialmente no que se refere à flora e fauna brasileiras

e sua divulgação, é sempre importante para alertar sobre o desaparecimento de espécies – sobretudo as nativas e as endêmicas em ecossistemas ameaçados, como é o caso da Mata Atlântica. Acredito que fomentando o interesse e valorizando espécies nativas, estamos contribuindo para o uso sustentável e, por consequência, para a necessidade do reflorestamento”. Os poucos privilegiados que ainda podem contemplar as floradas dos cambucazeiros – entre outubro e novembro – mal podem esperar a nova carga de cambucás por elas anunciadas, que só amadurecem em meados de dezembro. Algumas árvores do interior mais sombreado e úmido das matas frutificam em pleno outono, apresentando frutos maduros em maio. Como as jabuticabas, os frutos do


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41 OlhOs verdes (Vicente Paiva, 1908-1964)

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vem, de uma remota batucada uma cadência bem marcada que uma baiana tem no andar e nos seus requebros e maneiras na graça toda das palmeiras esguias, altaneiras a balançar são da cor do mar, da cor da mata os olhos verdes da mulata são cismadores e fatais, fatais e no beijo ardente perfumado conserva o cravo do pecado de sabores cambucás

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cambucá nascem direto do caule da árvore e, em geral, têm apenas uma semente arredondada e grande. “A casca é grossa e de coloração inicial esverdeada até chegar ao tom amarelo alaranjado, no momento ideal para a colheita, quando os frutos medem entre 3 e 5 centímetros de diâmetro”, descreve a pesquisadora Tati. A polpa carnosa e suculenta, de sabor agridoce, atrai muitas aves e pequenos mamíferos. E devia ser muito apreciada pelos índios de língua tupi-guarani para receber um nome cujo significado é ‘fruta de chupar’ (camb = mamar ou chupar e iká = fruta). Também do nome científico consta o sabor, de acordo com Helton Josué Teodoro Muniz, idealizador do site Frutas Raras: “o nome Plinia homenageia o naturalista Caio Plínio Cecílio e edulis quer dizer édulo, ou seja, saboroso e comestível”.


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A babá imperial e o cambucá Maria Graham, autora do livro Diário de uma viagem ao Brasil (1824), nasceu em 19 de julho de 1785, na Inglaterra. Filha do almirante George Dundas, cedo despertou interesse por escrever diários sobre os lugares que visitava ao lado de seu pai. E em suas descrições demonstrava carinho especial pela fauna e pela flora. Em março de 1823, já viúva, Maria Graham vem ao Rio de Janeiro oferecer seus serviços como governanta e professora da filha de Dom Pedro I, a princesa D. Maria da Glória, que anos mais tarde assumiu o trono real português. Entre as páginas de seu diário, ela menciona um passeio pelo Rio de Janeiro, onde descobre o cambucá: “Juntei-me a um alegre grupo num passeio a cavalo a Copacabana,

pequena fortaleza que defende uma das pequenas baías atrás da praia Vermelha e de onde se podem ver algumas das mais belas vistas daqui. As matas da vizinhança são belíssimas e produzem grande quantidade de excelente fruta chamada cambucá.” (8 de agosto de 1823, pág. 321) Em outro trecho compara diversos frutos brasileiros com os europeus: “Fiquei contente por ver (no Jardim Botânico do Rio de Janeiro) muitas das plantas indígenas que haviam sido plantadas aqui: tais como a andraguoa, a noz de que se tira o mais forte purgativo que existe; o cambucá, cujo fruto é tão grande como uma maçã russet e tem o gosto subácido de groselha, com a qual sua polpa tem forte semelhança; a japetee-caba, cujo fruto é pouco inferior ao damasco, e a grumachama donde se extrai um licor, tão bom como o de cerejas” (9 de setembro de 1823, pág. 353).

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“o povo que chupa o caju, a manga,

o cambucá e a jabuticaba pode falar uma língua com igual pronúncia e espírito do povo que sorve o figo, a pera, o damasco e a nêspera?” (sonhos d’ouro, José de alencar, 1872) A espécie ocorria na Mata Atlântica, do Rio de Janeiro até o Rio Grande do Sul. A árvore é considerada de pequeno porte, por atingir até 10 metros de altura. Seu tronco possui casca lisa, mas descama uma vez por ano, como o das goiabeiras e das jabuticabeiras. As folhas são escuras e brilhantes, formando uma copa densa, de boa sombra. Uma característica promissora para uso em paisagismo e reflorestamento, segundo

a especialista da USP. “Embora seu crescimento seja lento, a espécie pode ser empregada em reflorestamentos mistos destinados à recomposição de áreas degradadas”, defende. O cambucá cresce em vários tipos de solo, “desde que sejam profundos, de textura média e conservem a umidade”, observa Helton. “Mas é preciso ter paciência, pois a planta demora em média 10 anos para frutificar. Mesmo as

mudas enxertadas levam no mínimo 4 anos para começar a frutificar”. Os benefícios à saúde promovidos pelos cambucazeiros são popularmente conhecidos por caiçaras dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. E algumas pesquisas já investigam o potencial medicinal da espécie na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), na Universidade de São Paulo (USP) e na Universidade Estadual de


fotos: silvestre silva

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que jamais esqueci, daquele pé de cambucá. Será que ainda vou provar novamente o fruto da minha infância?”

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Campinas (Unicamp). Os primeiros resultados apontam baixa toxicidade e eficiência na proteção do estômago contra úlceras não crônicas, quando se usa o extrato obtido das folhas do cambucá. Também estão sendo avaliadas a ação contra tumores (câncer) e a atividade antioxidante (combate a radicais livres e ao envelhecimento). “Esses resultados são preliminares”, alerta Tati Ishikawa. “Como educadora e profissional de saúde, é importante recomendar cuidado com o uso indiscriminado de extratos

vegetais, tendo em vista que muitas vezes os efeitos tóxicos são percebidos apenas após muitos anos de exposição”. Ao me oferecer mais uma xícara de café, minha avó se diz muito feliz em saber que existem pessoas plantando cambucá. “Enquanto conto essa história para você, me vem à boca o sabor

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árVore Útil O cambucazeiro é árvore de pequeno porte - até 10 metros -, a copa é densa e garante boa sombra, características próprias para paisagismo e reflorestamento. Os galhos têm casca lisa e descamam (dir.)

PArA sAber mAis Visite o site frutas raras (http://frutasraras.sites.uol.com.br/)


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