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ENTREVISTA COM GUS VAN SANT

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Entrevista com Gus Van Sant

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concedida a Pedro Butcher

em 23 de abril de 2011

Pedro ButCHer: A ideia é conversarmos um pouco sobre Hitchcock, o trabalho dele e sua própria experiência ao recriar Psicose (Psycho, 1960).

Gus Van sant: Bem, a experiência de fazer Psicose [a obra foi refilmada plano a plano por Gus Van Sant e lançada com o mesmo nome em 1998] não foi tanto pelo fato por ter sido um fã de Hitchcock, mas apenas porque era um filme bastante conhecido da Universal. Já sabia que a Universal detinha os direitos. Era o tipo de filme que provavelmente não seria considerado para um remake por ser tão famoso. Na época eu me perguntava por que os estúdios costumavam fazer remakes de filmes desconhecidos. Então pensei que seria interessante fazer o remake de um filme bastante conhecido. Eles sugeriram que teriam muitos filmes na prateleira que poderiam me interessar para um remake. Então aventei Psicose, porque sabia que era um filme da Universal e sabia que haveria, talvez, algum tipo de reação negativa para esta ideia. Continuei falado disso pra eles, até que por fim eles me permitiram fazer o filme após Gênio indomável (Good Will Hunting, 1997), porque Gênio indomável fez muito dinheiro (risos). Não teve nada a ver com meu conhecimento sobre Hitchcock, que era bastante limitado.

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P: Você estava colocando as mãos em material sagrado para cinéfilos e críticos, e mesmo cineastas, e a ideia de fazer um remake cena por cena deve ter chocado muita gente. Mas acredito que isso tudo tenha sido parte da sua experiência. Gostaria de saber se você queria provar algum ponto ou defender alguma tese, questionando se haveria a possibilidade de se fazer um remake exatamente igual ao original. Quando o filme ficou pronto, o que você pensou? Você tinha conseguido provar sua afirmação?

G: Acredito que a questão tenha sido o contrário. A hostilidade em torno do filme aconteceu por uma razão interessante, e acho que foi pelo pressuposto de que, pelo fato de eu estar refilmando o filme cena por cena, eu estaria de alguma forma desafiando Hitchcock. Não sei exatamente o porquê dessa reação. Se eu quisesse realmente desafiá-lo, eu teria mudado o filme. De alguma forma eu era contra o hábito de se fazer um remake que simplesmente pegava emprestado o roteiro, e também contra a ideia de se mudar o final como faziam os remakes, característica da época nos anos 1990. Houve aquele filme chamado Morto ao chegar (D.O.A., de Annabel Jankel e Rocky Morton, 1988; a refilmagem de Com as horas contadas/ D.O.A., de Rudolph Maté, 1950) e também o projeto Seconds [projeto de refilmagem de O segundo rosto/ Seconds, de John Frankenheimer, 1966, que não chegou a ser produzido], que seria refilmado na Paramount. E o tempero típico naquela época para remakes era basicamente “pegar emprestada a história”. E pelo fato de os finais terem sido frequentemente tão sombrios, não tão estimulantes, eles geralmente queriam mudar o final de forma que ficasse mais edificante. Por que fazer um remake que apenas pega emprestado o roteiro? Por que não se pegar emprestado também do trabalho do próprio diretor? Sendo assim, por eu querer refazer cena por cena, ficou em alguns momentos como se fosse um desafio, eu desafiando o Hitchcock, quando na verdade eu estava tentando homenagear o Hitchcock.

P: Bem, você afirmou que não era exatamente um grande conhecedor da obra de Hitchcock. Qual era sua relação antes do filme e como o filme transformou sua relação com a obra dele? Ou ainda com este filme especificamente, tendo tido que estudá-lo de forma minuciosa?

G: Bom, eu estudei numa escola de arte, e lá aprendíamos o que era chamado de ready made, ou seja, algo que se absorve do mundo e se transforma em obra de arte, de uma forma à la Marcel Duchamps, eu diria. Então acho que pra mim foi como este tipo de processo, onde se pega uma obra e a reproduz como sua própria obra. Quero dizer que antes de tudo aquilo, nos anos 1970, li Hitchcock/ Truffaut: entrevistas, que foi de verdade um ótimo livro, e vi também alguns filmes de Hitchcock. Ele era o melhor diretor americano1, ou um deles. Eu sabia alguma coisa sobre Hitchcock, mas não acho que na época estivesse sob influência dele ou coisa parecida. Era mais como um gesto artístico e também uma experimentação. Outra coisa que acontecia na época, e que na verdade continua acontecendo até hoje, é que o que os estúdios realmente buscavam era fazer uma continuação sem precisar fazer o

1Nota do Editor: Hitchcock era inglês, mas os seus filmes a partir dos anos 1940 são americanos, pois ele passou a atuar nos EUA desde Rebecca, a mulher inesquecível até o final de sua carreira.

original. Eles gostam dessa ideia. O filme que eles mais gostariam de fazer é o filme que seria a continuação de um filme já feito, que se torna como uma situação sem saída, porque você precisa, na verdade, primeiro fazer o original antes de partir para a continuação. Então eles estavam animados em fazer coisas do tipo “O jovem Butch Cassidy e o garoto de Sundance” [numa referência ao filme de 1969, Butch Cassidy/ Butch Cassidy and the Sundance Kid de George Roy Hill], ou O poderoso chefão 2 [citando a trilogia O poderoso chefão/ The Godfather, de Francis Ford Coppola), ou Guerra nas estrelas 2, ou Guerra nas estrelas 3 [citando o original e as continuações dos filmes de George Lucas, Star Wars]; sempre fazer uma continuação era a ideia deles de responsabilidade empresarial. Era a forma que eles encontraram de fazer mais dinheiro. Então tive a impressão de que se aquilo funcionasse, e se pudessem usar dentro do seu modelo de negócios, eles poderiam começar a fazer remakes de todos os seus filmes, se desse dinheiro. Poderia ter funcionado. Mas eu não tinha certeza se iria funcionar, e não gerou o dinheiro que eles esperavam.

P: Há uma grande mitologia a respeito do processo de criação de Hitchcock, sobre como ele era controlador, obcecado por storyboards, etc. Em Hitchcock at Work, Bill Krohn, crítico americano que escreve para os Cahiers de Cinéma, desconstrói essa ideia e indica que o acaso tinha lugar na elaboração dos filmes de Hitchcock. Acredito que a afirmação de Hitchcock de que ele tinha o filme na cabeça e que fazer o filme em si era maçante, de certa forma, me faz pensar que Hitchcock estava sempre fazendo remakes, ou seja, o remake de um filme que já existia na sua cabeça. Mas o livro de Bill Krohn mostra que o acaso tinha seu lugar no processo de criação de Hitchcock, e que ele era forçado a aceitar coisas como circunstâncias de produção e questões com os atores, que eventualmente mudavam suas ideias originais. Como esse processo se deu com você – qual o filme que você tinha em mente (a ideia de reproduzir cena a cena) e quais foram os elementos que o obrigaram a mudar seu plano original?

G: Houve, sim, pequeninas mudanças, mas na essência tentamos manter o mesmo filme. Mas ficou claro, à medida que editávamos, que nós não podíamos literalmente copiar o filme, porque o filme tinha sua energia própria. Não era que não pudéssemos, por exemplo, cortar nos mesmos quadros, o que na verdade começamos fazendo, e o filme parecia não ter muita vida. Então percebemos que precisávamos ter nossa própria energia quando cortássemos um fotograma, por exemplo. Usaríamos o mesmo ângulo, mas com durações diferentes. Caso você rodasse os dois filmes lado a lado, teriam durações diferentes. Acredito que o Psicose de Hitchcock deve ser mais longo que o nosso, não me lembro qual dos dois é mais longo. Uma das coisas sobre Psicose é que, quando ele o fez, existia um novo gênero de filmes de horror que estava fazendo dinheiro no mercado de filmes da madrugada, para plateias adolescentes, os filmes da Hammer2. Estavam no mercado dos filmes de horror bizarros, como A bolha (The Blob, de Irvin S. Yeaworth Jr. e Russell S. Doughten Jr., 1958),

2A Hammer Film Productions foi uma companhia cinematográfica inglesa célebre por realizar filmes de terror, com seu auge na década de 1960, quando realizou uma série de filmes sobre Drácula, Frankenstein e múmias. Parte do seu êxito deve-se à participação da Warner Brothers, que atuou na distribuição mundial de alguns de seus sucessos.

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ou The Tingler (de William Castle, 1959), e havia também os filmes de Vincent Price. Eram na época algo meio novo, e acho que Hitchcock, que era o mestre do suspense, não era ainda o mestre daquilo que se chamava horror. Acredito que ele realmente se divertia com este novo gênero, e acho que ele queria fazer sua própria versão daquilo, de forma a jogar o jogo que todos jogavam: precisava fazer algo de baixo orçamento. Ele já estava acostumado a fazer episódios para seu programa de televisão Alfred Hitchcock apresenta (Alfred Hitchcock Presents), e então usaram esse tipo de equipe técnica e cronograma para tornar Psicose mais barato. Era a intenção dele que fosse um filme com classificação “R” [R-rated é uma classificação americana para indicação de filmes com conteúdo de sexo e violência explícitos e restritos para menores de 17 anos], um filme de horror para aquele público jovem. Ou talvez, não “R”, mas de alguma forma adulta para o público que não estava indo ver filmes de horror naquele tempo. E funcionou. Seu Psicose foi um grande sucesso. Então o desejo dele de fazer e competir com outros filmes de horror se realizou.

P: A maior parte dos cineastas reagiu ao surgimento da televisão de forma bastante defensiva, e Hitchcock foi um dos poucos que abraçou o novo formato. Você acredita que Psicose também tenha sido uma resposta de Hitchcock diante da importância que a TV estava ganhando frente ao cinema? E a tentativa de trazer algo de novo ao cinema que viesse da TV, como filmar rápido, de forma barata? Psicose é pra muita gente seu filme mais experimental, talvez junto com Os pássaros (The Birds, 1963). Acredito que o aparecimento da TV no cenário, frente ao cinema que era até então a diversão mais popular, surtiu um efeito em Hitchcock, e talvez Psicose tenha sido também sua resposta a esse novo fenômeno. Não sei se você concorda.

G: Não. Não acredito. Acho que ele apenas usava o aparato de TV para fazer algo mais barato. Psicose era a resposta para filmes do tipo Godzilla (de Ishirô Honda e Terry O. Morse, 1956). Era a resposta dele para esta nova forma de entretenimento em cinema que se tornava bastante popular e da qual ele estava ficando de fora. Porque ele havia feito muitos filmes grandiosos com Cary Grant e outras grandes estrelas; havia há muito que ele não fazia um filme do tipo kitsch. Se é que ele um dia o fez... Talvez nos anos 1920 podia-se dizer isso de filmes como O inquilino (The Lodger: A Story of the London Fog, 1926). E esse era um gênero que o atraía fora da televisão. Acho que a TV entra apenas por ser uma forma de se usar uma equipe televisiva e criar algo com baixo orçamento, porque fazia parte das regras para se fazer um filme como aquele, barato como Godzilla ou Demência 13 (Dementia 13, de Francis Ford Coppola,1963), ou ainda Com a maldade na alma (Hush Hush, Sweet Charlotte, de Robert Aldrich,1964) – que acredito tenham sido posteriores a Psicose. A Hammer Films na Inglaterra estava produzindo filmes bem baratos e ganhando muito dinheiro, e ele quis brincar esse jogo. Então ele se preparou para fazer um filme de terror de baixo orçamento.

P: Poderia falar um pouco sobre seu processo de seleção de atores? Essa foi uma questão importante para Hitchcock no processo de produção de Psicose. Ele queria uma estrela para interpretar Marion, até para depois fazer todo aquele barulho – a campanha do filme era: “Não

é permitida a entrada na sala de cinema após o filme começado” (porque a grande surpresa era a morte da “estrela”). Quando você fez o casting do seu filme, você tentou seguir a linha de pensamento ou você desenvolveu um método independente?

G: Nós meio que tentamos isso, mas no começo foi bem difícil. Comecei a seleção por minha conta, sem considerar a seleção dele como modelo. De início pensei que se quisesse fazer algo parecido com Psicose teria que ter Sharon Stone para o papel que foi de Janet Leigh, e Robert Sean Leonard para o papel de Anthony Perkins. Também me interessava ter Leonardo DiCaprio naquele papel. Mas quando percebemos que aquelas pessoas não estariam disponíveis, começamos a selecionar aleatoriamente. Então Vince Vaughn faz o papel de Anthony Perkins – e eles são bem diferentes... Muitas coisas que fizemos e que eu acho que não são muito parecidas com o filme original, agora eu faria diferente, caso tivesse a oportunidade de refazer tudo. Uma das coisas é que gastamos muito dinheiro. Nosso filme custou US$ 25 milhões e, eu acho que assim como a maneira que Hitchcock fez o dele, nós deveríamos ter considerado usar uma equipe de televisão e também fazer o cronograma mais parecido com o do filme original. E também quanto ao lançamento do nosso filme. Ele foi lançado pela Imagine e pela Universal quase como se fosse um filme como Pânico (Scream, de Wes Craven, 1996), e nós queríamos ter tido um lançamento mais próximo daquele do de Hitchcock, no sentido de que ele estava se divertindo com aquilo. Seus comerciais para Psicose eram bastante divertidos, e, é claro, o fato de não deixar ninguém entrar na sessão algum tempo depois do início do filme era uma estratégia de venda. Mas acabou que não o vendemos da forma que Hitchcock vendeu Psicose, o que eu acho muito ruim. Existe também coisas que nós fizemos estilisticamente que sinto não termos feito de forma mais próxima ao original. Acho que o filme inteiro é bastante diferente. Hitchcock refez, acredito, dois dos seus próprios filmes, e quando ele refilmava seus próprios filmes, eles costumavam ficar bem diferentes. E refazer Psicose ficaria bem diferente também porque somos, além de tudo, cineastas distintos. Existem algumas coisas que ele faz que estão enraizadas na sua arte, e que se tornam impossíveis para alguém como eu reproduzir. Porque todas as formas de intuição artística que já estão inseridas na alma dele – acredito que a repressão sexual esteja entre elas – são apenas uma das muitas coisas que fazem Alfred Hitchcock ser Alfred Hitchcock, e que são coisas que não se referem a mim como cineasta ou formador de imagens. Então a matéria de que é feito ou a marca do cineasta, eu trago de coisas diferentes em meu trabalho. É um filme totalmente diferente, e não exatamente o tipo de filme que eu faria, onde a história e a execução de Psicose são definitivamente algo que Alfred Hitchcock faria. Então o fato de eu estar tentando fazer isso era um conceito enganoso. Parte da ideia inicial era ver o que aconteceria, e uma das coisas que acredito que realmente aconteceu é que não se consegue, de fato, refazer o que quer que seja.

P: Essa foi uma das coisas que pensamos, quando ouvimos falar que você refilmaria Psicose, que não poderia haver um cineasta mais diferente que você. E isso foi a parte interessante, “Bem, vejamos o que vai sair desta contradição”.

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Nestes últimos treze anos, desde que você fez o filme, houve uma grande revolução, a revolução digital, que já estava em curso naquela época, mas que é muito mais profunda agora. Acho que a questão do filme “faça você mesmo” – com o YouTube e pessoas fazendo paródias e mesmo remakes, videoclipes, vídeos de música, etc –, que você tentava discutir naquela época, está muito mais presente agora. Você concorda com isso e acredita que talvez a sua experiência estivesse um tanto à frente do seu tempo?

G: Não estou certo. Por que você acha que as pessoas tem refeito filmes?

P: Acredito que a revolução digital nos últimos dez anos é algo que realmente aumentou muito, e com a tecnologia qualquer um pode fazer seu próprio filme, e muitos estão fazendo cópias e remakes. A questão dos direitos autorais, as paródias na internet, estudantes copiando... Com a internet, a questão da cópia é uma questão muito mais presente na vida cotidiana.

G: Entendo o que você quer dizer. Acho que é verdade. Existe um filme prestes a ser lançado que se chama Super 8, de J. J. Abrams (2011), produzido por Steven Spielberg, que é uma espécie de cópia. Não uma cópia direta. Quanto a J. J. Abrams, não sei ao certo se ele contribuiu com o roteiro, se ele escreveu sozinho ou se em conjunto com o Steven Spielberg. Trata-se basicamente de J. J. Abrams tentando ser Spielberg, e ele tenta fazer um filme que o Spielberg teria feito nos anos 1980. Se assemelha a E.T. (1982) e a Tubarão (Jaws, 1975), se assemelha a todos essses filmes, como se fosse um “filme perdido”. Ao menos o trailer faz parecer desta forma. Não sei se o filme na verdade é assim, mas é quase como se fosse, não um remake, mas em termos de estilo é como se fosse uma imitação de um filme de Spielberg. As tomadas são também muito parecidas com Contatos imediatos do terceiro grau (Close Encounters of the Third Kind, de Steven Spielberg, 1977). São muito dentro do vocabulário de Spielberg, de propósito. Jurassic Park, o parque dos dinossauros (Jurassic Park, 1993), Contatos imediatos, todos esses filmes que ele fez e que são fantásticos, fantasias orientadas pela ciência e pelo extraterreno. É bastante similar na sua forma e tenho certeza de que vai funcionar muito bem. E é uma semelhança interessante, exceto pela negação quase que para mascarar exatamente algo que Spielberg poderia teria feito. Tenho certeza de que seria mais bem-sucedido que Psicose.

P: Outra coisa da qual senti falta e que acho também importante mencionar é a questão da cor. Fazer o filme com cor e ter Chris Doyle (diretor de fotografia) fazendo isso. Poderia falar um pouco sobre isso? Você chegou a pensar em fazer o filme em preto e branco?

G: Sim, pensamos nisso, mas uma das ideias era a de tornar um filme antigo mais popular; então um dos muitos conceitos era fazê-lo com um elenco moderno e em cores. Esse era um dos pressupostos “geradores de renda”. Quero dizer, a parte do experimento foi ver se conseguíriamos, ou não, meio que renovar, como uma regeneração tipo Frankenstein de um filme que já tivesse sido feito, que tivesse sido bem-sucedido. Parte da experimentação foi a faceta totalmente comercial. Então, uma das regras deste conceito era que se fizesse algu-

ma coisa com referências modernas, tais como um certo elenco e o que mais fosse popular, como o uso da cor em vez de preto e branco. Preto e branco não era mais entendido pelo público. As pessoas simplesmente pensavam que preto e branco não era arrojado. E havia algo no preto e branco que por algum motivo o público não iria aceitar, da mesma forma que não aceitam som em mono ou algo assim, para ser mais claro. Como por exemplo o filme que Tim Burton fez em preto e branco, Ed Wood (1994), que ele fez sabendo que o público não iria aceitar. Tenho amigos que não são cineastas mas que vão querer ver um filme de Jim Jarmusch, mas assim que o filme começa, se for em preto e branco, eles pensam: “Ah, é um filme antigo”. Filme em preto e branco para o frequentador de cinema é igual a filme antigo ou filme mudo. E este foi um dos motivos para não ter feito meu filme em preto e branco. Por outro lado, acho que estilisticamente adoraria tê-lo feito em preto e branco, mas não era a ideia por trás do projeto.

P: O que nos leva ao 3D. Hitchcock realizou uma experiência com 3D em Disque M para matar (Dial M for Murder, 1954), apesar de o filme não ter sido lançado nesse formato. Agora com a tecnologia digital, o 3D voltou e tem quem diga que o 3D será como a cor, ou seja, vão pensar que qualquer filme que não tenha sido feito e lançado em 3D é um filme antigo. Você concorda com isso? Você gostaria de fazer uma experiência com o 3D, talvez refilmando Disque M para matar?

G: (risos). Não sei. Acho que gostaria de fazer um filme em 3D se fosse um processo que me parecesse mais fácil do que o dos filmes em 3D que vi até agora. Geralmente é muito difícil, ao menos naqueles que já vi. Somente assisti a dois ou três filmes em 3D e Avatar (de James Cameron, 2009) é o único que eu acho que de alguma forma dominou a técnica. Todos os demais me pareceram bastante escuros e não acredito que o 3D já tenha sido desvendado estilisticamente por conta de coisas como profundidade de campo. Em um universo 3D, tudo está mais ou menos em foco, porque o olhar pode focar onde quer que deseje, mas em um 3D como Avatar, por exemplo, eles necessariamente usaram duas lentes de foco direcional, de forma que o plano ficava fora de foco e o fundo ficava fora de foco. Então isso de alguma forma desafia o universo do 3D. Eu provavelmente tentaria trabalhar nisso caso fosse fazer um filme em 3D, mas até agora o sistema não está particularmente resolvido.

P: Para terminar, gostaria de saber como foi usada a tecnologia digital em Psicose. Acredito, por exemplo, que a primeira sequência era algo que Hitchcock queria fazer daquela maneira e que você conseguiu fazer por conta do digital. Poderia mencionar outro exemplo em que você tenha usado o digital no remake de Psicose e por quê?

G: Sim. Houve algumas vezes em que Hitchcock usou tomadas de câmera flutuante realmente longas. Uma delas foi em Frenesi (Frenzy, 1972), quando a câmera se afasta de um prédio de apartamentos e ele usa, acredito, uma Louma crane (um tipo de guindaste telescópico da marca Louma) que tinha acabado de ser inventada, uma versão da Louma crane. E ele também usou alguma edição na hora que ele chega na parte de fora, ele cortou

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após um pedestre passar pela câmera. E quando ele fez Psicose havia um tipo de ajuste de câmera que eu acho que ele havia visto ou alguém teria mostrado, e ele quis usar este método específico para fazer uma cena. Então era para essa cena ser bastante longa, ia da amplidão da cidade até dentro de um apartamento, e houve um jeito em que eles conseguiriam fazer isso, mas alguma coisa deu errado, não me lembro exatamente o quê, e eles acabaram abortando o processo e usando simplesmente o corte. Então pensamos: “Já que Hitchcock gostaria que fosse feito em uma única tomada e nós conseguimos isso, então façamos dessa forma.”

P: Então, muito obrigado.

G: Obrigado.

tradução Marcos Silva

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