entre corpos

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TRAVESSIA -

ENTRE CORPOS

INTERVIR NA CIDADE, OBSERVAR COM OS SENTIDOS, ENCONTRAR O (IN)ESPERADO Anastácia Bueno Marcella Dalsenter


"Me senti ocupando um espaço que não era meu, como se lá fosse o lugar de quem tem pressa. " - M

Iniciamos o planejamento da intervenção individualmente, mas com inquietações muito parecidas. O que movia cada uma era, de formas diferentes, o mesmo sentimento de pressa e de falta de afeto que encontramos no centro. Tudo é muito objetivo e o resultado é sempre o foco. Durante uma das aulas de projeto conversamos sobre as nossas ideias e notamos esse motivo comum e a partir dai iniciamos um debate sobre as abordagens que seriam possíveis naquele ambiente. Sinto que permanecemos com as inquietações individuais, mas conseguimos encontrar um meio de observá-las através de uma mesma abordagem, a in(ter)venção. Utilizamos uma das aulas para fazer exercícios corporais e entrarmos em sintonia, cada uma propôs três dinâmicas diferentes onde experimentamos movimentações corporais, desenvolvemos confiança e buscamos conexão. Discutimos sobre o que foi criado nesse momento e construímos a intervenção de fato.


No dia em que fomos para o centro nos encontramos um pouco antes e tentamos combinar descombinando, nada no centro é muito programado quando se olha para o processo e foi o que fizemos. Iniciamos duas dinâmicas diferentes com uma forma de acontecer determinada, mas ao mesmo tempo suscetível ao que acontecesse ao nosso redor. A primeira foi pautada no afeto, nos posicionamos em lados opostos da via (R. Felipe Schimidt) e ali permanecemos com contato visual entre nós, nos aproximamos lentamente tentando não interferir no caminhar das pessoas que passavam, mas ao mesmo tempo servindo de barreira para quem ali sentisse que era. Terminamos muito próximas e praticamente no meio da via, culminou em um abraço que se afastou lentamente e seguiu rumos diferentes. “Te olhei até quando pude e te abracei de olhos fechados” - A


"Algumas pessoas que entraram no meu campo de visão foram mais marcantes, acho que por demonstrarem seus sentimentos de forma mais intensa. Curiosidade e indiferença foram os que mais notei." - M

Combinamos de não conversar sobre logo em seguida e assim fomos para a segunda parte. Nesta intervenção iniciamos na Rua Trajano, próximo à Livraria Catarinense e seguimos até a Escadaria do Rosário, foi um percurso destinado a explorar, ocupar espaços e usar a rua, os cantos, os objetos, a arquitetura e visualizar a cidades com outros olhos e sentidos. “Começamos sem definir o começo e demos continuidade sem parecer que existia uma sequência” - A


Nisso utilizamos desses artifícios e do corpo uma da outra para gerar espaços (e talvez segurança), sabendo que havia outros corpos estranhando ou não, interagindo ou não, vendo ou não e a partir disso nos abrimos para as infinitas possibilidades que existem na cidade. “Vi o que nunca tinha visto,..., as permanências e impermanências foram notadas e corporificadas” - A “Mais do que viver a cidade, me aproximei de viver com a cidade” - A

"Observar é, há tempos, parte de quem sou. perceber olhares. os curiosos, os debochados, os fugazes, os perdidos, os anestesiados. corpos que falam mais do que o próprio olhar. as vezes tenho a sensação que de tanto observar me torno invisível. e nesse espaço-tempo de invisibilidade me perco. e me encontro observada." - Joice


Terminamos esse exercício novamente com um abraço, acredito que aconteceu na tentativa de transmitir que está tudo bem, mas também sinto que aconteceu espontaneamente na necessidade de informar que era isso que desejávamos na intervenção, que estávamos compartilhando nossas informações e experiências. Optamos por não conversar sobre para não influenciarmos uma a outra e sim escrevermos cartas relatando o que vivenciamos lá, as frases entre aspas são referencias às cartas que trocamos, e só depois assistimos aos registros feitos pela Joice e pela Camila (gratidão a elas pela disposição e cuidado em fazer o que pedimos) juntas. Acredito que conseguimos determinar alguns espaços com o nosso estudo, onde somos barreiras, que espaço ocupa o afeto, que lugares são invisíveis, que texturas são desconhecidas, que trajetos já são automatizados,... e criamos assim novas percepções corpograficas do espaço que estudamos.


Cidade Corpo A possibilidades de afetar e ser afetado. O lugar das afetações. Mesmo que para negá-las, já estará sendo afetado. E à cidade, retornarás desafetando-a.

A cidade requer encontros. Requer conflitos. Requer desvios.

Na rua, você necessariamente diz sim, ou diz não. Dizer esse, expelido pelo próprio corpo que informa. Que conforma, forma. Que viabiliza espacialidades. Corpo que se ausenta, corpo que se arma. Ou o corpo que se abre às possibilidades.

A cidade se torna o próprio corpo. Pode ser que te convide, pode ser que te rejeite. Mas a ti, jamais será indiferente. - Anastácia


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