Azuela Magazine #00

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00. 2018

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junho


azuela magazine™

___ isbn 978-85-66760-03-3

editor rodrigo rosm

projeto gráfico rodrigo rosm

coordenação editorial isabel cristina mendes

conselho editorial andré lisboa bernardo martins natália mansur ian raposo rodrigo rosm

orientação luiz ludwig

+

fábio lopez

direção de arte renata mota

tratamento de imagem rodrigo rosm

revisão natália natalino

departamento comercial argeu rés da mota

tiragem

1.ooo ___

exemplares

adeazuela@gmail.com caixa postal

35018


visual content rj is paradise

mariana bernardes

lado a lado b

fernando santos

noite ensolarada babylon by rosa

2 — 25 26 — 35

guilherme vasconcelos

36 — 41 42 — 63

caio rosa

campestre

ricardo godot

64 — 69

a rua fala

larissa souza

70 — 75 —

branded content prática ativista e o jornal de borda organização é a palavra chave

fernanda grigolin

rodrigo rosm

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ágora eletrônica

ricardo vianna veloso

corpo como mídia

simone formiga

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the ingenious spectacular colaboradores

raoni azevedo

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RJ IS PARADISE MARIANA BERNARDES _ @RESULTADOSDESASTROSOS | #RIODEJANEIROYOUTH

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diĂĄlogos

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| mariana bernardes fernanda grigolin


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LADO A LADO B lado a lado b FERNANDO SANTOS _

@CARECA_FERNANDO

| #STREETPHOTOGRAPHER

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GUILHERME VASCONCELOS _ @SNKD | #FILMISNOTDEAD

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BABYLON BY ROSA CAIO ROSA _ @CAIOXROSA | #STREETPHOTOGRAPHER

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Campestre ricardo godot _@ queroummaisfixo | #fashionphotography

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modelo _ naja canet

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styling _ allan machado e lucas wollker

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A RUA FALA ... LARISSA SOUZA _ @LOLLYNDONA | #STREETRULES

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Moda é construção. Em essência, um abrigo para o corpo. Ponto de contato entre pele e pensamento. LONA é uma marca agênero, atemporal que cultiva a linguagem do necessário. Peças geométricas, duras, secas, preenchidas por corpos quentes, maleáveis, vivos. LONA atende a nichos diversos, recorrendo ao mínimo. Na oposição entre a geometria e o corpo, as possibilidades são infinitas. Peças práticas e versáteis que permitem diferentes combinações para cotidianos abrangentes. Guiadas pela ocasião, as coleções são respostas ao meio em que vivemos, independente da estação. Cada nova coleção é desenvolvida em continuidade à anterior, somando-se às peças existentes. LONA tem o compromisso de valorizar cada etapa de produção, da confecção ao vestir, aliando qualidade ao desenho fino e preciso das peças.

@lonaestudio


lona


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www.maxwell-alexandre.com


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www.homegrowngaleria.com.br



Encontro Prático de Introdução à Pintura O encontro é uma experiência imersiva e uma oportunidade para praticar a pintura. A intenção é capacitar os participantes para começarem a pintar e para aprofundarem seu envolvimento com a pintura, assim como experimentarem a prática durante 1 dia no ateliê. Durante as 8 horas do encontro vamos dividir conhecimento acerca dos materiais necessários para construção de uma pintura e experimentá-los. O objetivo é expor e facilitar a técnica para que os participantes possam se familiarizar com diferentes materiais e com a dinâmica da pintura. Ao final do encontro o participante estará capacitado para pintar e aprofundar a prática. mais informações em www.mariantoniasouza.land


Brechรณ Replay


@brechoreplay


@deustemple


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entrevista por rodrigo rosm

prĂĄtica ativista e o jornal de borda

foto_@ihateflash

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prática ativista e o jornal de borda

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fernanda grigolin

pelo feminismo, depois participei de coletivos e organizações feministas por dez anos. Ao sair do ativismo diário eu me reconheci artista, percebi que o que eu fazia em vídeo, livro e fotografia se relaciona muito com a arte. Não me graduei em artes, me formei em comunicação. Como feminista, nunca quis ir pra academia, eu me sentia contemplada com a prática ativista e com as discussões

Eu sou ativista feminista bem antes de me reconhecer como artista. Iniciei na adolescência uma busca

Fernanda, você possui uma formação e atividades múltiplas. Em que momento questões referente ao universo feminino tocaram sua produção em arte?

Eu me sentia totalmente fora do lugar onde eu estudava, foi devido ao estranhamento e à ausência de lugar que eu busquei o ativismo e

Sempre fui questionadora e diferente na escola, fui bolsista em uma escola de classe média. Minha família de origem operária, achou que era o melhor para mim.

O que motivou sua inserção no movimento social e quais foram experiências mais importantes ?

teóricas em encontros feministas, diálogos horizontais e nos projetos e ações que eu atuava. Fui fazer mestrado e doutorado tardiamente, com 32 anos. Agora, no doutorado, começo a compreender a relação de tudo isso…

A Tenda de Livros nasceu depois de processo de quatro anos editando publicações na minha antiga microeditora: Publicações Iara. Quando a editora decidiu não existir mais, eu resolvi seguir um caminho autônomo e nasceu

Conte um pouco sobre a criação do seu projeto “Tenda de Livros” e os seus objetivos?

fui percebendo o quanto o pessoal é político.


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série pretexto nasce como uma vontade de discutir a pesquisa em arte na lida das feiras de publicações e na relação com os publicadores."

"a

Sobre o Jornal de Borda, especificamente o número 3 que trata do espaço da mulher no atual sistema de arte, foi possui identificar pelos dados, textos e relatos coletados que há uma lacuna. Quais estratégias você consegue visualizar para progressiva resolução dessa problemática?

a Tenda. Ela é uma feliz ideia, é a primeira vez na minha prática editorial que consegui unir minha prática artística e ativista. A Tenda nasce como uma prática semanal de circulação de livros na rua, numa feira de artesanato. Por um ano, todo domingo, dez horas por dia. Percebi na prática da Tenda duas coisas: (1) que o projeto tinha tudo a ver com o meu mestrado e (2) o que eu fazia era uma dos pilares que mais acredito nas publicações: a circulação de livros para além de um grupo. A Tenda agora não existe mais na rua, ela faz um trabalho de circulação de livros e os leva para bibliotecas e espaços. Pretendo voltar pra rua, mas em outro formato.


prática ativista e o jornal de borda

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fernanda grigolin

Há muito o que se construir social e coletivamente para que as desigualdades históricas no Brasil se transformem. Acho também que os privilégios dos homens, dos brancos e das pessoas com maior possibilidade financeira e de mobilidade devem ser olhados como privilégios (e não como bênçãos) e devem ser transmutados! Não dá mais pra gente achar que é tudo bem o que acontece dia a dia

O Jornal de Borda 03 é muito vinculado a minha história. Eu olhei para o que vivi, vi e senti e fui dialogando com a Lila Botter, minha super parceira no Jornal, e também com os convidados sobre o tema. Não consigo responder sua pergunta de uma maneira macro, o Jornal é uma ação menor, pequena e localizada. Não tem nenhuma intenção além do que ele se propõe a ser. Acho que as estratégias de dissolução das desigualdades sociais devem ser construídas socialmente e coletivamente e o Jornal não é uma resposta pra isso, jamais seria, seria arrogante achar isso de um jornal.

a primeira vez na minha prática editorial que consegui unir minha prática artística e ativista.”

“é

Obrigada, não sei se ele cumpre um papel brilhante, acho que é um papel necessário, mas que muitas

O jornal de Borda cumpri um papel brilhante trazendo essas questões para pauta, publicar sempre foi um ato político. qual é a importante de publicações dessa natureza para o debate público ?

Não sei se todos devem conhecer, eu, novamente, falo por mim, sempre por mim. Gosto muito do trabalho da Fabiana Faleiros. Recentemente conheci o trabalho da Michelle Mattiuzzi e amei, é alguém que quero acompanhar o trabalho. Regina Melim também é uma grande referência, que está há um bom tempo fazendo um trabalho incrível em publicações.

Fale sobre três artistas mulheres que todos deveriam conhecer?

com relação às violências diárias que sofremos. Temos que ter outros pactos sociais na vida, na lida, no dia a dia.


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Fernanda, conte-nos um pouco da sua pesquisa sobre fotolivros e a série pretexto de publicações fotográficas ?

Onde você viu isso? Rs. A Oficina vai ser ano que vem, vou propor reuniões entre artistas, pesquisadoras, curadoras aqui em Campinas e vamos fazer um panfleto. Isso ainda é embrionário.

Fale um pouco sobre os planos para “oficina de escritas feministas“.

outras publicações também cumprem. A recibo do Traplev está na estrada há mais tempo e tem uma pegada incrível. Essas publicações sempre estiveram na arte, acho que a vocação pública das publicações vinculadas ao uso, ao cotidiano, está em muitas plataformas e publicações. A revista Hexágono na Argentina fazia isso, por exemplo. A Artéria do Omar Khouri é incrível. E também existem plataformas de circulação, com as realizadas pela Regina Melim e também pela Valeria Mata, no México, do Mueve. A Minha pesquisa inicial era sobre publicações e a relação delas com a fotografia. Boa parte dos Meus livros é fotográfico, e por isso comecei a pesquisar para entender o universo dos livros de fotografia. A palavra fotolivro é uma palavra bem recente, como eu atuo num contexto das artes visuais eu uso mais publicações de artista, mas obviamente, na minha pesquisa e também na primeira Série Pretexto trago participação daqueles que se utilizam do termo fotolivro. A Série Pretexto nasce como uma vontade de discutir a pesquisa em arte na lida das feiras de publicações e na relação com os publicadores. Apenas o primeiro número foi sobre publicações fotográficas. O segundo número será sobre curadoria, por exemplo. Estou me despedindo da pesquisa sobre a relação do livro e da fotografia, tenho apenas mais dois ou três textos na manga para publicar, vou focar mais no tema Montagem e Publicações agora.


prática ativista e o jornal de borda

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fernanda grigolin

www.tendadelivros.org/jornaldeborda

Jornal de Borda é uma publicação de arte, idealizada e editada por Fernanda Grigolin. O projeto gráfico é de Lila Botter. Borda conta com a colaboração de artistas, editores, curadores e pesquisadores.

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É resistência é contra-mercado.

Para finalizar, o que é autopublicação para você ?


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entrevista por natália mansur

organização é palavra-chave episódio de carga afetiva e atua como um gatilho narrativo.”

“um


organização é a palavra - chave

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rodrigo rosm

As histórias são sempre o ponto de partida para o meu trabalho, cada pessoa é um conjunto de episódios que constituem as particularidades de sua biografia, sempre gostei de ler biografias. Já li inúmeras vezes títulos da coleção grandes mestres da pintura, adoro saber detalhes da vida dessas pessoas, o que faziam e como faziam, como viviam e elaboravam suas investigações artísticas. Quanto mais atribulações maior é minha curiosidade, mas também me encanto pelas histórias de pessoas comuns, meus amigos, familiares, pessoas que eu convivio com certa regularidade e que me contam histórias de diversas naturezas. Tem uma frase que sempre falo que é “toda história merece um ouvinte desde que seja bem contada”, esse aforismo coloca o narrador na posição central da vida útil de uma história. E nesse sentido, já tive a oportunidade

a. sua poética tangencia as diversas possibilidades da narrativa. dentro disso, qual a importância das histórias das pessoas pra você?

c. como um observador muito atento - um flâneur em meio à cidade e todas as figuras que ela te oferece (seja no detalhe das pessoas ou da paisagem). a câmera fotográfica não por acaso está no meio. o

@espaco_saracura + @rodrigorosm

Entrevista realizada durante a exposição “Organização é Palavra-chave” no espaço saracura entre dezembro de 2017 e fevereiro de 2018 com curadoria de paula borghi. ___

A câmera fotográfica é o objeto da captura de memórias, eu tenho uma boa memória visual, acumulo uma série de imagens aqui na minha cabeça, mas como escreveu barthes “a fotografia reproduz mecanicamente algo que não se repetirá existencialmente”; A imagem impressa ou arquivo jpeg faz com que os momentos vividos possam ser minimamente revisitados, é algo mágico. E com isso, tenho a câmera como um objeto de registro e documentação da realidade, posso dizer que é a ferramenta de trabalho que melhor exemplifica minha cosmovisão. ___

b. ainda pensando nas narrativas, o que cada um dos objetos escolhidos para integrar o trabalho representam na hora de contar essa história? Cada objeto disposto ali funciona como uma espécie de hiperlink, carregam uma unidade de um enredo maior: minha prática de observação da realidade é a tradução disso por meio de exercícios sistemáticos de desenho, fotografia e escrita. O caderno de anotação recebe os primeiros rascunhos de ideias e o desenho à mão livre; ali reside o ponto germinal de todas as ideias, as melhores e piores. E como se cada objeto fosse capaz de remontar uma situação, um episódio de carga afetiva e atua como um gatilho narrativo.

que isso diz sobre você e sua produção?

de ouvir e ler grandes contadores de histórias.


o cyberespaço como ágora eletrônica na sociedade contemporânea Texto por Ricardo Viana Velloso

palavras - chave

ciberespaço.contemporaneidade.movimentos sociais.cibercultura

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resumo As interações humanas no ciberespaço revelam-no como ambiente constitutivo de uma ágora contemporânea, em que os grandes debates públicos, ou as trocas simbólicas, processam-se, na era da informação, de forma significativamente transformada. As múltiplas realizações no ambiente virtual dão-se sob a égide de valores (e afinidades) culturais, com outras interfaces, compondo redes de mobilização e troca que se sustentam pela sua diversidade intrínseca e por seu dinamismo. Resultam, assim, as realizações humanas em movimentos sociais tão antigos, na sua essência, quanto a própria humanidade, mas inovadores na forma e na dinâmica que assumem, na instauração da cibercultura como marca da contemporaneidade.

Este artigo tem por objetivo examinar o ciberespaço como ambiente que compõe a ágora eletrônica na cena contemporânea, sob a égide de novas interfaces e da cibercultura, comprometidas por outras temporalidades e territorialidades. Perceber o ciberespaço como ágora virtual enseja e demanda revisitar conceitos atinentes às esferas pública e privada, com lastro nos estudos de Arendt (2008), que resgata tais categorias nas suas origens na Grécia, bem como sua ressignificação na modernidade, quando sua distinção secular se torna tênue, favorecendo a emergência da esfera social. Requer ainda, à guisa de contextualização da cena contemporânea, a apropriação das considerações de Hobsbawm (2006) acerca do “Breve século XX” e das incertezas que advêm da insuficiência da ciência e da técnica para fazer frente aos desafios hodiernos, dentre os quais se destacam o demográfico e o ambiental. Para subsidiar o presente estudo, é também relevante retomar com Lévy (1993) categorias como espaço virtual, cibercultura, tecnologias da inteligência e ecologias cognitivas, que emergem no ambiente descentrado, atópico e desterritorializado da rede mundial de inter(ações) instaurada pelas tecnologias da informação e da comunicação. Vale igualmente revisitar as considerações de Johnson (2001) sobre a cultura da interface, que conferem mais amplas conotações às tecnologias na atualidade, em um contexto de interação entre tecnologia, cultura e arte, assim como os estudos de Castells (2003) e Moraes (2001) acerca da Internet na sociedade hodierna. Há de se ressaltar que o presente artigo cuidará de abordar o ciberespaço como ambiente das ações e interações dos sujeitos sociais organizados, sob a percepção de que as redes que se compõem na sociedade não reinventam, na sua essência, os movimentos sociais, mas certamente lhes conferem outras dimensões culturais, sustentadas pela diversidade e amplitude das conexões ensejadas pelas tecnologias da informação e da comunicação, determinantes para a instauração da (ciber)cultura contemporânea.

cyberespaço como ágora eletrônica

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ricardo

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DIMENSÕES PÚBLICA E PRIVADA DAS INTERAÇÕES HUMANAS: ORIGENS E RESSIGNIFICAÇÃO Retomando as origens da vida humana em sociedade, é imperativo reconhecer, inicialmente, duas esferas de interações: a esfera privada, em cujo âmbito as realizações se identificam com o atendimento a necessidades biológicas, quais sejam a sobrevivência e a perpetuação da vida; e a esfera pública, lugar de interações que extrapolam essa condição natural mais imediata em busca da liberdade no próprio mundo, comum aos homens que buscam, nessa seara, efetiva visibilidade. Tais instâncias, marcadas por flagrante antinomia, remetem à consideração das categorias labor, trabalho e ação, tratadas por Arendt em A condição humana 1. A autora situa o labor como atividade inerente à natureza humana identificada com a necessidade de preservação da vida. Assim é que, na divisão clássica da atividade humana, ao homem é reservado o mister de prover o alimento e a segurança, enquanto à mulher se reserva a reprodução. O trabalho, por sua vez, extrapolando a circunscrição do natural, coloca o homem no exercício da criação de coisas artificiais, revelando o homo faber. Por fim, tem-se a ação, que é apresentada pela autora como outra atividade humana, cuja realização demanda (e enseja) um ambiente de interações com outros homens, de forma contínua. Por seu caráter eminentemente interacional, a ação pode então ser distinguida das categorias labor e trabalho em virtude de a primeira se comprometer com a esfera pública, enquanto as demais se situam originariamente, conforme esposado por Arendt (2008), na esfera privada. Contrapondo características e funções, em virtude das interações perpetradas em seu âmbito e dos seus diferentes componentes motivadores, as esferas pública e privada definem ambientes dicotômicos das realizações humanas. Assim é que a esfera da casa (oikos) corresponde ao lugar da vida privada, comprometida com as demandas naturais da existência humana. E, como observa Arendt (2008, p.40), O fato de que a manutenção individual fosse a tarefa do homem e a sobrevivência da espécie fosse a tarefa da mulher era tido como óbvio; e ambas estas funções naturais, o labor do homem no suprimento de alimentos e o labor da mulher no parto, eram sujeitas à mesma premência de vida.

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Já a esfera pública, reconhecida como o lugar do comum, revela-se como o palco das interações e possível âmbito do exercício da liberdade, levada a efeito na ágora grega, a praça dos debates e das manifestações públicas; liberdade que, na esfera privada, não se dá em virtude das relações desiguais e do reino da necessidade e das carências biológicas, já referidas. Nesse diapasão, a esfera pública constitui o lugar dos cidadãos livres e iguais, no exercício da ação, para além do labor e do trabalho. Destaca Arendt (2008) que, na esfera do público, diferentemente do que se dá na esfera privada com o recurso à força, o que se tem é a hegemonia do discurso, da persuasão. A busca pela visibilidade (e pela liberdade) na cena pública, que redimensiona a existência humana, balizada na ação, faz emergir, no curso da história, outra dimensão das interações, qual seja, a esfera social. Esse fenômeno se processa em um movimento de complexidade, trazendo a público temas até então adstritos ao ambiente privado. O divisor de águas entre o público e o privado, instâncias até então circunscritas à antinomia de suas relações, vai se fazendo tênue, o que promove o recrudescimento dessa esfera emergente, de cunho social. Trata-se de uma instância que, surgida no início da era moderna, não equivale ao público nem ao privado. O cenário que se desenha com a emergência da esfera social reflete-se concomitantemente ao surgimento do estado nacional, revelando o setor público-estatal, o setor privado e, de forma cada vez mais pronunciada, o terceiro setor 2, com caráter também público, mas não-estatal, envolvendo a participação de voluntários em busca de processos e resultados identificados com o bem-estar social. CONTEMPORANEIDADE E INCERTEZAS A par da instauração das instâncias de realizaçõe humanas, movidas ora pela necessidade, ora pelo desejo de liberdade, sob a égide do labor, do trabalho e ou da ação, a sociedade se conduz e se redesenha historicamente, compondo, na modernidade, um cenário de encantamento com a razão. A aventura humana, contudo, revela-se marcada por conquistas que se alternam com percalços, traduzindo-se em um flagrante paradoxo, cujo exercício de compreensão remete aos estudos de Hobsbawm (2006) acerca do “Breve século XX”, ou a Era dos Extremos um lapso de tempo entre 1914 e 1991, intervalo histórico que abriga concomitantemente avanços científicos e tecnológicos e guerras, destruição e desigualdade.


Hobsbawm (2006) identifica como “Era da Catástrofe” o período de 1914 até depois da Segunda Guerra Mundial. Essa fase é sucedida por “cerca de 25 ou 30 anos de extraordinário crescimento econômico e transformação social, anos que provavelmente mudaram de maneira mais profunda a sociedade humana que qualquer outro período de brevidade comparável” (HOBSBAWM, 2006, p.15), constituindo-se na “Era do Ouro”. Sucedendo esse recorte temporal, a humanidade experimenta, segundo o autor, uma era de incertezas e crises. O século XX, além de seus paradoxos, revela uma nova temporalidade, traduzida na ausência de nexos articuladores com o passado e na falta de um sentido prospectivo, instaurando-se, então, uma espécie de “presente contínuo”, que traz no bojo desse fenômeno a mudança (ou perda) de paradigmas de relacionamento social e humano. A hipertrofia do sentido da razão encontra, com relevo cada vez mais expressivo, uma insuficiência como resposta às angústias e às indagações de seu tempo, em grande parte porque divorciadas da percepção sensorial e do senso comum, com os quais estabelece relação eminentemente dicotômica.

1. ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense universitária, 2008. Publicada em 1958, a obra suscita muitas questões acerca das realizações humanas ao longo da história, sendo relevantes na presente abordagem as considerações da autora sobre o público e o privado, bem como sua ressignificação na modernidade, esferas cuja apreciação demanda a apreensão das categorias labor, trabalho e ação, constitutivas da existência humana. 2. Por decorrer da associação do caráter público (não estatal) aliado à iniciativa privada (sem fins lucrativos), esse setor ganha projeção e relevo progressivo por se inserir nos espaços ou lacunas gerados pela ineficiência ou ausência do Estado. 3. O termo é cunhado por Marshall Mc Luhan, sociólogo canadense, para se referir às novas configurações assumidas pelas interações entre os diversos países (e culturas), superando a linearidade e os limites territoriais e temporais clássicos, situação que, na tese do autor, colocaria o mundo no patamar de uma aldeia, no âmbito da qual perseveram as desigualdades.

Pronuncia-se aí um novo desencantamento, a exemplo do que se deu com relação à fé, quando da transcendência para a modernidade. O Breve Século XX acabou em problemas para os quais ninguém tinha, nem dizia ter, soluções. Enquanto tateavam o caminho para o terceiro milênio em meio ao nevoeiro global que os cercava, os cidadãos do fin-de-siècle só sabiam ao certo que acabara uma era da história. E muito pouco mais (HOBSBAWM, 2006, p. 537). O século XX deixa, então, nessa perspectiva, o legado da incerteza. Ademais, é o momento histórico que experimenta em mais larga escala, no bojo do progresso tecnológico atinente aos transportes e às telecomunicações, o processo de globalização cada vez mais acelerado e a incapacidade conjunta de as instituições públicas e de o comportamento coletivo dos seres humanos se acomodarem a ele (HOBSBAWM, 2006, p. 24). A aldeia global 3 que se configura no contexto da modernidade não constitui, como se poderia supor, a quebra de fronteiras seguida de progressiva conquista da igualdade. Diferentemente disso, o que se tem, com a acentuação das desigualdades, é,

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num mundo cada vez mais globalizado, o fato mesmo de as ciências naturais falarem uma única língua universal e operarem sob uma única metodologia (HOBSBAWM, 2006, p.506). Sobre o presente cenário, em que se dão movimentos de mudialização sobretudo de cunho econômico, é Antônio (2002, p.100) quem observa que a globalização não tem sentido verdadeiramente cosmopolita nem universalista: um vasto e poderoso domínio de capitais e mercados e de tecnologias de informação e comunicação faz com que se beba o mesmo refrigerante e se coma o mesmo sanduíche e se assista aos mesmos filmes e aos mesmos programas televisivos e aos mesmos esquemas de marketing nos quatro cantos do mundo. O fato é que os paradoxos e as incertezas presentes na cena contemporânea marcam-na com outras temporalidades e territorialidades, potencializadas pelo advento das tecnologias da informação e da comunicação, alavancadas pelo desenvolvimento da informática, que enseja (e impõe) novas concepções e referências à dinâmica do tempo e do espaço. Relativamente ao redesenho do espaço das interações humanas, emergem teses identificadas com o fim dos territórios, que, diferentemente de se confirmarem, revelam, antes, outras territorializações, as quais,

4. Os hipertextos invocam uma concepção textual aberta, não-linear, que reclama novos comportamentos na sua produção de sentido, na relação com a autoria, portanto novos agenciamentos em rede relacional com outras configurações. Afinal, como esclarece Coscarelli, “o hipertexto é, grosso modo, um texto que traz conexões, chamadas links, com outros textos que, por sua vez, se conectam a outros, e assim por diante, formando uma grande rede de textos” (COSCARELLI, 2003, p.73).

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segundo Haesbaert (2004), traduzem-se na redefinição dos espaços, que passam a incorporar dimensões materiais e ou simbólicas. Desse movimento, resultam territórios físicos, virtuais, políticos e culturais, dentre outros, possibilitando a vivência de multiterritorialidades, em um contexto em que se permite (...) pela comunicação instantânea, contatar e mesmo agir sobre territórios completamente distintos do nosso, sem a necessidade de mobilidade física. Tratase de uma multiterritorialidade envolvida nos diferentes graus daquilo que poderíamos denominar como sendo a conectividade e/ou vulnerabilidade informacional (ou virtual) dos territórios. (HAESBAERT, 2004, p.345) As condutas e relações sociais e humanas que se dão na circunscrição desses territórios emergentes, em particular do território virtual, convidam ao exame de seu significado e do caráter que assumem, bem como das variáveis com que estão imbricadas, para sua melhor compreensão e, por extensão, para que se possa tratar a sua ressituação no ciberespaço. Essa categoria, por sua vez, reclama exame mais detido, de forma a favorecer a compreensão das interações humanas em seu âmbito, sob múltiplas configurações. CIBERESPAÇO: OUTRO AMBIENTE REALIZAÇÕES HUMANAS

DAS

O espaço virtual, imbricado com outras temporalidades e outras territorialidades, destaca-se pela celeridade das informações hipertextuais, dispostas em rede, as quais possibilitam leituras mais imediatistas pela associação da expressão verbal a imagens e sons entre outros; mas ensejam também leituras extensivas, caminhos alternativos para o leitor que, valendo-se dos nós na rede hipertextual não-linear, vê-se co-autor, em um exercício autônomo de produção de sentido da malha textual. Em muitas situações, as temporalidades são também redimensionadas por atualizações contínuas e quase simultâneas aos fatos, às notícias, aos múltiplos registros na Internet. E, como observa Marcuschi (2005, p.13), em certo sentido, pode-se dizer que, na atual sociedade da informação, a Internet é uma espécie de protótipo de novas formas de comportamento comunicativo. Embora o autor se atenha às situações comunicativas, é possível estender o olhar às situações mais amplas de relações sociais, já que a comunicação constitui ato e processo social que comporta relações de poder e

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trocas simbólicas de amplo espectro, insertas no cenário constitutivo de uma cibercultura. Nesse contexto, novas territorialidades também se revelam, na medida em que os contornos têm seu foco descolado da materialidade, trazendo como marcas preponderantes as dimensões simbólicas. Tem-se, então, outros territórios em que se processam novas experiências, imbricadas com múltiplas interfaces. Nesses territórios, as fronteiras se diluem, instaurando uma nova geografia. A ausência de marcos espaço-temporais rígidos, substituída por nós de conhecimento e de aglutinação motivacional, ensejam contínua mobilidade ou nomadismo, sobre o qual considera Lévy: O espaço do novo nomadismo não é o território geográfico nem o das instituições ou dos Estados, mas um espaço invisível dos conhecimentos, dos saberes, das forças de pensamento no seio da qual se manifestam e se alteram as qualidades do ser, os modos de fazer sociedade. Não os organismos do poder, nem as fronteiras disciplinares, nem as estatísticas dos mercados, mas sim o espaço qualitativo, dinâmico, vivo, da humanidade que se inventa ao mesmo tempo que produz o seu mundo (LÉVY, 1997, p.17). Desse movimento emergem territórios cognitivos coletivizados, em que se inserem autores e leitores investidos da condição de co-autores que produzem permanentemente sentidos na interação com as malhas textuais, compostas a partir dos hipertextos 4 , constitutivos das ecologias cognitivas. É fato que, de um lado, territórios se podem conceber com certo grau de anonimato, como se dá, por exemplo, nas diversas salas de bate-papo em que os interlocutores usam apelidos, os nicks, que ora os revelam (e as suas intenções comunicativas), ora os ocultam. De outro, todavia, concebem-se ambientes de cooperação, como as listas de discussão, os fóruns temáticos virtuais e outros, em que os interlocutores podem se inserir, em muitos dos casos, devidamente identificados, empreendendo a interação e a colaboração. Nessas territorialidades em que se sobrepõem as dimensões simbólicas às materiais, situações antagônicas tendem a se definir em territorializações que se processam sob a égide do relativo anonimato, ou da deliberada identificação dos sujeitos sociais que vivenciam a coletivização de seu pensar (e fazer) em cenários de interação e ou cooperação, constituindo outras ecologias cognitivas. Trata-se de ambientes de

relações que, para além da seara cognitiva, envolvem variáveis conceituais, axiológicas, estéticas e afetivas, dentre outras. Afinal, como observa Lévy, A informática não intervém apenas na ecologia cognitiva, mas também nos processos de subjetivação individuais e coletivos. Algumas pessoas ou grupos construíram uma parte de suas vidas ao redor de sistemas de troca de mensagens (BBS), de certos programas de ajuda à criação musical ou gráfica, da programação ou da pirataria nas redes. Mesmo sem ser pirata ou hacker, é possível que alguém se deixe seduzir pelos dispositivos de informática. Há toda uma dimensão estética ou artística na concepção das máquinas ou dos programas, aquela que suscita o envolvimento emocional, estimula o desejo de explorar novos territórios existenciais e cognitivos, conecta o computador a movimentos culturais, revoltas, sonhos (LÉVY, 1993, p. 56). Nesse contexto, pronunciam-se, no bojo de uma nova cultura, ou da cibercultura, processos de interação e de interlocução os quais compõem espaços (ou territórios) virtuais que trazem à cena conexões mais amplas e maior dinamismo, presentes nos movimentos sociais em rede, que se identificam, constituem-se e alimentam-se, dentre outros, por valores culturais, revelando-se, inclusive, como registra Castells (2003 p.115), em militâncias ambientais, feministas, pelos direitos humanos e dos ativistas ligados a um sem-número de projetos culturais e causas políticas. Nessa perspectiva, o ciberespaço tornou-se uma ágora eletrônica global em que a diversidade da divergência humana explode em uma cacofonia de sotaques. CIBERCULTURA E OUTRAS INTERFACES A relação entre o usuário e o computador implica interfaces que se dão através de softwares que medeiam as interações entre ambos. Nesse exercício interativo, segundo Johnson (2001), instauram-se novos olhares, novas percepções e novas concepções para com o mundo, o que redunda em outras posturas e condutas humanas ante os sujeitos e a sociedade propriamente dita, já que “a relação governada pela interface é uma relação semântica, caracterizada por significado e expressão, não por força física.” ( JOHNSON, 2001, p.17). Apresentam-se as interfaces tão intrigantes quanto sedutoras, possibilitando até a aproximação entre categorias aparentemente antinômicas, como tecnologia e

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arte e, ainda com Johnson (2001, p. 174), é possível asseverar que Nossas interfaces são histórias que contamos para nós mesmos para afastar a falta de sentido, palácios de memória construídos de silício e luz. Elas vão continuar a transformar o modo como imaginamos a informação, e ao fazê-lo irão nos transformar também – para melhor e para pior. Envolvidos nesse contexto de múltiplas interações comprometidas com dimensões simbólicas, marcadas pela instantaneidade e transitoriedade, pelo descentramento e pela atopia, os sujeitos sociais se vêem constituindo e vivenciando a cibercultura, cujo universo não possui nem centro nem linha diretriz. É vazio, sem conteúdo particular. Ou antes, ele os aceita todos, pois se contenta em colocar em contato um ponto qualquer com qualquer outro, seja qual for a carga semântica das entidades relacionadas. (LÉVY, 2005, p. 11). O ambiente instaurado enseja a retomada de antigas interações e mobilizações de atores e grupos sociais agora com novos contornos temporais e territoriais, à medida que as informações (e as trocas) se dão com maior volume e celeridade, além de prescindirem de contornos territoriais físicos. Desse processo, emerge, de forma alternada, a sucessão de ações locais e globais, compondo, dentre outros, o movimento contemporâneo da cibermilitância, que se dá no bojo das organizações em rede. Segundo Castells, os movimentos sociais do século XXI, ações coletivas deliberadas que visam a transformação de valores e instituições da sociedade, manifestam-se na e pela Internet. O mesmo pode ser dito do movimento ambiental, o movimento das mulheres, vários movimentos pelos direitos humanos, movimentos de identidade étnica, movimentos religiosos, movimentos nacionalistas e dos defensores/ proponentes de uma lista infindável de projetos culturais e causas políticas. (CASTELLS, 2003, p. 114). À guisa de exemplo, podem-se registrar com Moraes (2001) alguns segmentos da sociedade civil que, mobilizados por mais diversos temas e interesses, investem no ciberespaço como forma de ampliar suas articulações e interlocuções e de dar visibilidade às suas causas, dentre eles, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), a Central Única dos

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Trabalhadores (CUT), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) e o Médico Sem Fronteiras. Nesse diapasão, as interações humanas e suas realizações, inicialmente movidas pelo labor, sob a ótica de Arendt, e em seguida pelo trabalho e finalmente pela ação, ganham novos contornos e uma dinâmica diferenciada. O cenário virtual, ou o ciberespaço, passa a se constituir em importante território da esfera social, a ágora 5 eletrônica contemporânea, que possibilita dar visibilidade aos fatos da vida privada, tratar fatos e fenômenos da esfera pública e sobretudo redimensionar a esfera social. Por seu descentramento e atopia, como já referido, enseja diluir as concentrações de poder e ampliar a participação dos atores sociais e a projeção dos diversos segmentos. Todavia, como adverte Castells, na co-evolução da Internet e da sociedade, a dimensão política de nossas vidas está sendo profundamente transformada. O poder é exercido antes de tudo em torno da produção e difusão de nós culturais e conteúdos de informação. O controle sobre redes de comunicação torna-se a alavanca pela qual interesses e valores são transformados em normas condutoras de comportamento humano. Esse movimento se processa, como em contextos históricos anteriores, de maneira contraditória. A Internet não é um instrumento de liberdade, nem tampouco a arma de dominação unilateral (CASTELLS, 2003, p. 135). Em síntese, o ciberespaço não se constitui, por si mesmo, em garantia de conquista de democracia, igualdade e ou liberdade. É inconteste que, não obstantes os novos parâmetros temporais e territoriais, persistem as desiguais correlações de força; não apenas de caráter físico, como se viu na esfera privada na Grécia Antiga, nem tampouco de caráter retórico, como se assistiu na esfera pública em que a palavra assumia o papel de se pôr a serviço da persuasão; mas de caráter simbólico em uma acepção mais ampla, uma vez que as interações se dão em ambiente diverso do que historicamente se teve. Em contrapartida, as interações em outra cena, com novas interfaces e com carga simbólica redimensionada, colocam as realizações humanas diante de novos desafios e possibilidades.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

É fato que as interações humanas, que se deram historicamente nas esferas do público e do privado, ganham novos contornos temporais e territoriais possibilitados pelas tecnologias da informação e da comunicação, que interconectam atores e segmentos sociais de todos os cantos, na era da informação. Tais interações envolvem, para além das referências materiais clássicas, dimensões simbólicas, as quais são suscitadas tanto pelas interfaces entre o homem e o computador quanto pelas trocas virtuais entre as culturas geradoras de diferentes perspectivas, anseios e valores. Como lembra Johnson (2003, p.24), a interface já alterou o modo como usamos computadores e vai continuar a alterá-lo nos anos vindouros. Mas está fadada a mudar outros domínios da experiência contemporânea de maneiras mais improváveis, mais imprevisíveis. As interações multiculturais, por sua vez, compondo a cibercultura pelas trocas simbólicas no ciberespaço, resultam nos contornos da ágora eletrônica em que se processam as manifestações do público e do privado e múltiplos exercícios de expressão que dão visibilidade aos sujeitos e segmentos sociais. Em um contexto de descentramento, de atopia, flexibilidade e dinamismo, emergem múltiplas vozes, compondo a “cacofonia” referida por Castells (2003), como expressão do exercício interacionista na esfera social da contemporaneidade. O cenário das interações ciberespaciais, ou a ágora eletrônica, embora constituindo-se com novos contornos temporais e territoriais em que se processam as trocas simbólicas, não tem o condão de, por si só, instaurar uma nova correlação de forças. Afinal, o que há de definir na ágora virtual, assim como se deu na ágora grega, as interações humanas e seus rumos, é a correlação de forças, que, hodiernamente, para além do embate retórico referido por Arendt (2008), haverá de envolver as novas interfaces e as trocas simbólicas.

ANTÔNIO, Severino. Educação e transdisciplinaridade: crise e reencantamento da aprendizagem. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.

Por fim, ainda que repelindo a percepção ingênua de que a ágora eletrônica poderia reorientar as relações de poder e troca, é possível asseverar que o novo ambiente instaurado suscita novos desafios e outras possibilidades para as interações humanas e, em última análise, para os sujeitos sociais. 5. Sendo, na Antigüidade Clássica, a praça principal da polis grega, a ágora é tomada aqui como o espaço das interações (virtuais) na esfera pública, dos debates políticos, da convivência e da visibilidade, sendo, assim, o espaço da cidadania(COSCARELLI, 2003, p.73).

CASTELLS, Manuel. A galáxia da Internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. COSCARELLI, Carla Viana. Entre textos e hipertextos. In: COSCARELLI, Carla Viana (Org.). Novas tecnologias, novos textos, novas formas de pensar. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. HAESBAERT, R. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multi-territorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. HANNAH, Arendt. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense universitária, 2008. HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914 -1991. Tradução Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. JOHNSON, Steven. Cultura da interface: como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993. _______. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 3. ed. São Paulo: Loyola, 1997. _______. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 2005. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia digital. In: ______; XAVIER, Antônio Carlos (Org.). Hipertextos e gêneros digitais: novas formas de construção de sentido. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. MORAES, Denis de. O concreto e o virtual: mídia, cultura e tecnologia. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

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o corpo como mĂ­dia Texto por Simone Formiga


Não é difícil olharmos para o corpo humano como mídia, como suporte de mensagens. Não é de hoje que escutamos que o corpo fala. Fala por gestos, por exemplo. São muitos os estudiosos da linguagem gestual; já encontramos uma linha de pesquisa da semiótica dos gestos. Outros pesquisadores se atêm às mensagens emitidas pelo corpo, quando esse não se encontra bem de saúde. São sinais que nosso corpo dá como forma de nos alertar para possíveis doenças. Porém, meu propósito neste capítulo não é estudar as mensagens de nossos gestos, nem os sinais de que nossa saúde não vai bem. Minha intenção é analisar o significado cultural das mensagens inscritas nos corpos e decodificadas pela sociedade. Tais mensagens podem ser constituídas de próteses, podem virtualizar o corpo, ou mesmo criarem um código que permita classificar os indivíduos em categorias. O corpo comunica, interage, concretiza relações. “A vida nos impõe o corpo cotidianamente, pois é nele e por ele que sentimos, desejamos, agimos e criamos”. (VILLAÇA & GÓES; 1998, p.23). Porém, mesmo que nossa existência concreta só se dê através de nosso corpo, poderíamos dizer que homens e mulheres moldaram e construíram seus corpos durante toda a história da humanidade. Começaram por cobrir o corpo com peles de animais para se proteger e, aos poucos, agregaram valores e significados às roupas. Hoje, escondemos ou colocamos a mostra; apertamos, comprimimos ou soltamos; adicionamos próteses e determinamos padrões estéticos para o corpo, que muda e sofre transformações durante o tempo. As mensagens nele inscritas correspondem às culturas de suas épocas. Assistimos à multiplicação e à mutação do corpo em paradoxais metáforas identitárias que, ora levam a moda enquanto prótese corporal aos limites da desconstrução de uma imagem, ora atuam sobre o próprio corpo por meio de toda sorte de artifícios, ora produzem virtualizações por meio da tecnociência, exigindo mesmo um repensar dos padrões éticos. O corpo, que à época das narrativas legitimadoras ocupava o pólo negativo da dicotomia classificatória, agora se libera e se inventa em discussões, em produções que reconfiguram os estatutos de real e irreal, privado e público, natureza e cultura. A discussão leva a pensar os limites do corpo e suas possibilidades de significar. (Ibid.; p.28) É claro que este capítulo poderia adentrar um pouco pela história e ir buscar os diversos significados das formas corporais através dos tempos. Mas esse não é meu objetivo. Pretendo “ler” e “decodificar” alguns dos significados do corpo contemporâneo que vem sofrendo

transformações em sua configuração muito rapidamente, como pudemos verificar na análise do corpus desta pesquisa. As idéias de permanência e estabilidades naturais são fictícias. Tudo muda. A altura média do indivíduo variou com as épocas, mais em função do meio, do que de transformações genéticas, ao contrário do que uma biologia da normatização se esforça em divulgar. (Ibid.; p.176). Podemos dizer, então, que o corpo é moldável e construído. Suas formas e padrões são determinados pelo meio, não só pelo meio ambiente, mas também e, principalmente, pelo meio social. Os anos 70 são marcados por uma preocupação com o corpo muito mais branda. Várias dietas foram “inventadas”; os exercícios físicos eram leves e cadenciados, havia preocupação com a forma do corpo e com a higiene mental. O culto ao corpo, como se vivencia hoje, teve seu início nos anos 80. É nesse período que os músculos começam a ser trabalhados e desenvolvidos. As roupas passam a ser de materiais sintéticos, coladas no corpo para deixarem à mostra os resultados de tanto esforço. As academias de ginástica tornam-se lugares obrigatórios na rotina diária de milhares de pessoas. O corpo ganha uma forma e a essa forma são agregados valores. Corpos gordos, flácidos e moles refletem uma personalidade fraca, enquanto um corpo trabalhado, esbelto e longilíneo significa controle de si mesmo, determinação, força de vontade, poder de sedução. Todos necessitam e desejam este corpo ideal e na maioria das vezes não poupam esforços para isso, salvo os fracos de espírito. É a partir da construção de seu corpo que o indivíduo chega a autoconstrução. E apesar das mudanças, que podemos perceber na configuração do corpo nesses vinte e poucos anos, ainda vivemos em função da imagem que o corpo representa. A experiência prática do corpo, que se produz na aplicação, ao corpo próprio, de esquemas fundamentais nascidos da incorporação das estruturas sociais, e que é continuamente reforçada pelas reações, suscitadas segundo os mesmos esquemas, que o próprio corpo suscita nos outros, é um dos princípios da construção, em cada agente, de uma relação duradoura para com seu corpo: sua maneira particular de aprumar o corpo, de apresentá-lo aos outros, expressa, antes de mais nada, a distância entre o corpo praticamente experimentado e o corpo legítimo, e, simultaneamente, uma antecipação prática das possibilidades

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de sucesso nas interações sociais, que contribui para definir essas possibilidades (pelos traços comumente descritos como segurança, confiança em si, desenvoltura). A probabilidade de vivenciar com desagrado o próprio corpo (forma característica da experiência do “corpo alienado”), o mal-estar, a timidez ou a vergonha são tanto mais fortes quanto maior a desproporção entre o corpo socialmente exigido e a relação prática com o próprio corpo imposta pelos olhares e as reações dos outros. (BOURDIEU; 1999, p.81) Considerando o que diz Bourdieu, podemos concluir que quando um indivíduo mostra seu corpo, o apruma, significa que está satisfeito com ele e por isso é considerado como alguém seguro, confiante em si e desenvolto. Porém, quando o esconde, significa que seu corpo não o agrada e acaba sendo considerado como uma pessoa tímida e envergonhada. Corresponder aos padrões estéticos corporais pode determinar o sucesso de um indivíduo numa sociedade em que a aparência e a estetização são extremamente valorizadas. É claro que existe por trás dessa ditadura do corpo uma questão econômica. Na verdade beleza é um sistema monetário. Indústrias como a das dietas, a dos cosméticos, a da cirurgia plástica, a da moda, surgiram a partir do capital gerado pela necessidade de se igualar aos padrões estéticos vigentes. A matéria O Império da Vaidade, publicada pela revista Veja (23/08/95), explica os motivos que levam a televisão, a publicidade, o cinema e os jornais a defenderem e divulgarem os corpos musculosos, o poder das vitaminas, a beleza das modelos longilíneas e os benefícios da ginástica. Tudo isto movimenta muito dinheiro. O afeto e o respeito entre duas pessoas meio gordas, talvez um pouco feias divertindo-se, não dá dinheiro para os negociantes, só dá prazer para os participantes. Logo, corresponder ao padrão estético pode significar que o indivíduo possui uma boa condição financeira, já que custa muito caro “ficar em forma”. O corpo acaba estabelecendo a posição social a qual a pessoa parece pertencer. O PROJETO DO CORPO, O DESIGN CORPORAL Há algum tempo atrás, as misses eram mulheres abençoadas por Deus, nasciam belas e com medidas perfeitas. Hoje em dia, não são mais os dotes concebidos por Deus que determinam se vão ganhar os concursos de beleza ou não. A habilidade das mãos dos cirurgiões plásticos, na verdade, é o fator determinante. A revista Veja de 13 de dezembro de 2000 publicou uma reportagem intitulada Fábrica de misses. O bisturi vira arma para vencer concursos e há médicos que nem cobram pelas operações.

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Se antes mulheres que se submetiam a cirurgias plásticas faziam questão de não tornar esse fato público, hoje a atitude mudou. Cada incisão de um bisturi é noticiada, cada prótese de silicone é alardeada, inclusive com a quantidade em mililitros enxertada. Uma pesquisa relatada no livro O complexo de Adônis. A obsessão masculina pelo corpo, recentemente lançado no Brasil, diz: Só em 1996, homens receberam 690.361 procedimen-tos cosméticos, abrangendo 217.083 implantes de cabelo ou restaurações, 65.861 peelings químicos, 54.106 lipoaspirações e 28.289 tratamentos para re-mover varizes, para não mencionar cirurgias de pálpebras, modelagem de narizes, reduções de mama, face-lifts, injeções anti-rugas, implantes de panturrilha, implantes peitorais, implantes de nádegas e aumento de pênis. (POPE; 2000, p.53) Como vemos, o corpo foi reificado, virou objeto e como todo objeto, tornou passível de ser projetado, construído e remodelado. “No prolongamento das sabedorias do corpo e das artes antigas da alimentação, inventamos hoje cem maneiras de nos construir, de nos remodelar: dietética, body building, cirurgia plástica”. (LÉVY; 1999, p. 27) Podemos, então, dizer que esse corpo é um objeto com design. Pensando desta forma, poderíamos conceituar cirurgiões plásticos, esteticistas, endocrinologistas, nutricionistas, professores de ginástica, cosmetologistas, indústria farmacêutica, indústria cultural e mais inúmeros profissionais e instituições como responsáveis pelo desenvolvimento do projeto do corpo, ou melhor, como os verdadeiros designers do corpo. A modelo Joana Prado, a Feiticeira (Figura 2), não concorda com a idéia de ser “projetada”. “Inclusive o peito é meu, eu comprei ele (sic)”. Hoje compramos partes de corpo, enxertamos silicone, retiramos gordura, aumentamos a massa muscular. “Os implantes e as próteses confundem a fronteira entre o que é mineral e o que está vivo: óculos, lentes de contato, dentes falsos, silicone, marca-passos, próteses acústicas, implantes auditivos, filtros externos funcionando como rins sadios”. (Ibid.; p. 30) Poderíamos dizer que corpos projetados, construídos, remodelados são mais um dos simulacros de nossa época. “Simular é fingir ter o que não se tem”. (BAUDRILLARD; 1991, p. 8) Hoje, a aparência é tudo, a imagem que projetamos é o que realmente interessa, independentemente se somos, ou não, o que aparentamos ser. Projetada, ou siliconada, Joana Prado corresponde ao padrão estético corporal atual. Assim como muitas outras mulheres e homens que não medem esforços para modificar seus corpos.


A pós-modernidade tem como uma de suas características a fragmentação. E é claro que esta fragmentação também é atribuída aos corpos. Não só encontramos uma profusão enorme de imagens em que aparecem apenas pedaços de corpos, como podemos “comprar peitos”; compramos partes de corpo. As imagens publicitárias são, em grande parte, responsáveis pela determinação de padrões para cada parte específica do corpo. A VIRTUALIZAÇÃO DO CORPO Caberia aqui, especular um pouco a respeito da virtualização do corpo. Para tal, vamos considerar o que Pierre Levy estabelece como conceito de virtual. “O virtual tende a atualizar-se, sem ter passado no entanto à concretização efetiva ou formal. A árvore está virtualmente presente na semente. Em termos rigorosamente filosóficos, o virtual não se opõe ao real mas ao atual: virtualidade e atualidade são apenas duas maneiras de ser diferentes”. (LEVY; 1999, p.15) Se raciocinarmos segundo este pensamento, podemos dizer que enquanto a modelo Joana Prado planejava a compra de um peito, o corpo que imaginava que iria ter era virtual. Porém, no momento em que concretizou o implante de silicone, atualizou seu corpo. Assim, a construção do padrão estético é virtual, o conceito de partes de corpo ideais é virtual. Aos designers do corpo cabe a função de tornar o corpo virtual em atual. Outro aspecto interessante é a análise das próteses externas, utilizadas há muito tempo, mas hoje aparecem com uma diferença. Enquanto no passado as próteses externas como anquinhas ou ombreiras, por exemplo, eram aparentes, ou seja, todos sabiam que eram próteses, hoje são utilizadas com a intenção de simular, “de se fingir ter o que não se tem”. Uma reportagem no Jornal da Família do jornal O Globo de 16 de julho de 2000 intitulada “os poderes do sutiã. Modelos com microfibra e até bombinhas infláveis alteram o tamanho dos seios”, introduz o assunto da seguinte forma: Os novos sutiãs são bons motivos para as mulheres estarem com mais poder e menos pudor. Cuidadosamente desenhados, os modelos utilizam recursos ultramodernos para esculpir o colo feminino. A Du Loren, por exemplo, abusa da tecnologia lançando até o fim do mês o Air Up Bra. A peça vem com uma bombinha para inflar o bojo. Com esse modelo, a mulher poderá escolher o tamanho de seio de acordo com a ocasião. É a nova engenharia do corpo no último ano do século.

- O Air Up Bra vai permitir que a mulher aumente seu peito com o passar do dia. De manhã, ela sai com o sutiã sem inflar. À tarde, ela dá umas bombeadas e, à noite, atinge o máximo do bombeamento – diz a gerente de marketing da Du Loren, Denise Areal. (O GLOBO; 16/07/00, Jornal da Família p.6) Será que não podemos dizer que o Air Up Bra é um peito virtual na medida em que permite a atualização do tamanho dos seios? E, além de virtual não é também um simulacro? Pois o texto ainda diz que “as mulheres não estão preocupadas se seus sutiãs vão estar com enchimentos de óleo, silicone, ar ou com a tradicional espuminha. O que importa, na verdade, é o resultado”. (Idem) E este resultado está diretamente relacionado à aparência, ao que parece ser. A reportagem ainda traz uma declaração de um cirurgião plástico que diz que os sutiãs com enchimento servem para a mulher visualizar e poder decidir sobre um novo contorno corporal. (Idem) “No que denominamos de ‘estética do simulacro’, o corpo privilegiado é, ao contrário, o da aparência e o da superfície na multiplicidade de faces que o mundo contemporâneo propicia”. (VILLAÇA & GÓES; 1998, p.197) Agora, vamos analisar como se dá nos indivíduos a construção da imagem de corpo ideal, ou melhor, a virtualização do corpo. A construção desse ideal de corpo começa na infância. “Muitas das primeiras mensagens que as crianças recebem a respeito da imagem corporal vêm dos bonecos com que brincam”. (POPE, PHILLIPS & OLIVARDIA; 2000, p. 63) A Barbie, introduzida no mercado em 1959 pela Mattel, foi criada por Ruth Handler. Ao observar sua filha Bárbara brincar com bonecas de papel como se fossem adultas, resolveu criar uma boneca inspirada em jovens e não em bebês como as outras bonecas. A Barbie, hoje, é consumida por milhões de meninas das mais variadas partes do mundo. ...estudos da popular boneca Barbie mostram que ela ficou cada vez mais magrinha no decorrer dos anos. De fato, um estudo verificou que se a Barbie tivesse a altura de uma mulher de verdade, teria uma cintura de apenas 40 cm! Em conseqüência, especularam os cientistas, as meninas recebem a mensagem de que magro é bonito e essa mensagem pode ter contribuído para o surgimento dos distúrbios alimentares – anorexia nervosa e bulimia nervosa – nos dias de hoje. (Idem) Barbie é personagem de diversas histórias, todas com um final feliz. Possui família, namorado e uma infinidade de bens de consumo, além de um guarda roupa capaz

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de dar inveja em muita gente. São inúmeros os produtos que possuem sua marca. Segundo Margo Maine, ela é uma das responsáveis pelos ensinamentos que as meninas recebem desde pequenas. Aprendem a importância das roupas, dos objetos de consumo mais sofisticados e, principalmente, da aparência. Embora a Mattel tenha lançado uma Barbie negra em 1968, e outras de raças e culturas diferentes mais tarde, as bonecas possuem somente variações de cor de pele bastante superficiais. A Barbie loira é que domina as fantasias das meninas e com isso acaba diminuindo a autoestima das que possuem aparência ou etnia diferentes. (MANE; 2000, p.211). Mas não é só a Barbie que contribui para a construção dessa imagem de perfeição corporal, da virtualização do corpo. São inúmeros os elementos que atuam nessa construção. Só para citar alguns exemplos: a publicidade, a televisão, o cinema, as revistas e jornais. Desde pequenas as crianças são bombardeadas com imagens e padrões que apesar de mudarem, sempre são apresentados como um modelo a seguir. As modelos de carne e osso (e silicone) e, mais recentemente, as chamadas mulheres virtuais estabelecem de alguma forma qual a aparência que as mulheres devem ter e, conseqüentemente, a aparência que os homens querem que as mulheres tenham. Uma reportagem da revista Marie Claire de junho de 1999 fala o seguinte: A última mulher a saltar da prancheta do desenhista para cair na preferência masculina é a sexy arqueóloga Lara Croft, personagem virtual do game Tomb Rider (...) O enorme sucesso do game em todo o mundo é creditado à mistura de ação, pancadaria e curvas impecáveis, esculpidas ao gosto do atual padrão ocidental. Lara tem seios enormes, quase desproporcionais ao seu corpo longilíneo, mas em sintonia com a transformação por que vem passando o corpo feminino. No Brasil, desde 1990, as vendas de sutiã tamanho P diminuíram 43%, enquanto as dos modelos M e G aumentaram 84% e 50%, respectivamente. Mais: há cinco anos as próteses de 145 ml eram consideradas as mais proporcionais ao tamanho médio do quadril das brasileiras, mas hoje essa medida está em 180 ml e continua aumentando. (MARIE CLAIRE; junho de 1999, p.97). Lara Croft agrada tanto ao público masculino que além de ter sido “eleita uma das cinqüenta ‘personalidades da década’ no mundo da tecnologia, pela publicação

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especializada Technology Times”, já foi convidada pela Playboy, várias vezes, para sair em suas páginas. No dia 9 de fevereiro último, o caderno Rio Show do jornal O Globo divulga a abertura de uma nova casa de jogos eletrônicos no Rio de Janeiro: o Cyber Place Games. A ilustração, aqui reproduzida, é da Cybergirl. A reportagem diz que “ela é o símbolo da arena de jogos inaugurada esta semana no El Turf do Terraço Rio Sul” e foi inspirada em Lara Croft. Termina a divulgação da seguinte forma: “a galera ainda contará com a ajuda de um grupo de atendentes (pois é, a cybergirl aí do lado ganhou versões de carne e osso) para esclarecer dúvidas, seja na hora de jogar ou de usar o browser. Ponto para os meninos”. (O GLOBO; 9/2/01, caderno Rio Show p.23). A agência de modelos Elite “contratou” uma modelo virtual: Webbie Tookay. John Casablancas, dono da agência, foi quem a idealizou. Associou-se à Illusion 2K e pediu ao designer sueco Steven Stahlberg para criá-la. É morena, olhos azuis, cabelo escuro e curto, pernas longas. A pedido do próprio Casablancas possui “traços brasileiros”. Possui um site só seu (http://www.illusion2k.com/Webbie-file.htm), onde a página de abertura traz as seguintes informações: SVM Super Virtual Model; Name: Webbie Tookay Age: young (EVER) (grifo meu) Idioms: all Available: 24h by 7 No site, pode-se assistir a um vídeo, ter acesso a vários artigos publicados em jornais e revistas, inclusive muitos brasileiros. Dentre eles se encontra a matéria que saiu no Estado de São Paulo que termina da seguinte forma: “Dentro em breve, o mundo da moda estará cheio de Webbies. Enquanto Naomi Campbel, com toda a sua empáfia e arrogância, caminha, inexoravelmente, para a velhice...”. ( http://www.illusion2k.com/Webbie-file.htm) Segundo uma reportagem do Jornal O Globo, a “manequim virtual tem características de todas as raças para agradar a todos os gostos”. (O Globo; 03/09/00, 2° Caderno p.2) Mas apesar de “ter características de todas as raças”, é branca e tem olhos azuis; dentro dos padrões de beleza ocidental do primeiro mundo. Talvez a “mulher virtual” que tenha recebido mais atenção por parte da mídia seja Ananova (Figura 6). Estreou na rede como apresentadora de um telejornal virtual em


abril de 2000. Foi concebida após meses de observação das modelos de revistas de moda, segundo reportagem do jornal O Globo de 19 de abril de 2000. Não deixa de ser uma “colagem” de partes de top models, um verdadeiro patchwork virtual. Criada pela Ananova Limited, uma empresa da agência de notícias britânica Press Association, possui características de uma mulher de 28 anos, com um metro e oitenta centímetros de altura e comportamento agradável e inteligente. Segundo um dos diretores da empresa, Mike Hird, Ananova não exibe nenhum dos traços de personalidade mais desagradáveis em adultos, como arrogância, cinismo e falsidade. (O GLOBO; 19/04/00, p.33) Ela não necessita de maquiador, figurinista, não engorda e não envelhece. O mais curioso é que ao entrar em contato com a própria Ananova Limited para solicitar uma foto da apresentadora virtual, a gerente de Marketing da empresa me informou que Ananova não foi inspirada nas top models. A equipe de design, após elaborar uma pesquisa, criou a apresentadora a partir de partes de faces de diferentes pessoas. Ressalta que muitas dessas partes são de “pessoas normais” e testadas para transmitir reações positivas no público tanto feminino como masculino. Segundo ela, Ananova não possui um rosto “perfeito”, pois che-garam à conclusão de que algumas imperfeições fariam com que se tornasse mais humana. Caberia aqui a inclusão de uma questão filosófica antiga: a vida imita a arte (que poderia ser substituída por design gráfico) ou é a arte (design gráfico) que imita a vida? Encontramos modelos virtuais inspiradas nas partes de corpo ideais, que montadas como uma colagem, acabam por atualizar digitalmente o corpo virtual, aquele que faz parte do imaginário como o padrão estético e não deixa de ser o signo de corpo perfeito. “Ora, a imagem – e não somente a imagem numérica – é signo, ele-mento de escrita, componente de linguagem e modelo de mundo possível, e não atestação cega ou reprodução evanescente de uma realidade atual”. (LUZ; 1999, p.53) Inserir as imagens digitais em circuitos mais amplos de sentido – para além das características técnicas necessárias à sua obtenção – é entender seu uso como instrumento de novas maneiras de pensar o mundo e o sujeito. As mutações nas relações entre imagem e pensamento não pertencem ao regime reservado da tecnociência nem são provocados por ele. Há quem pense que as ciências exatas possuem a chave dessas mutações e podem orientar, através da aplicação técnica, sua disseminação a todo o “conjunto do corpo social”.

Colocado o problema dessa maneira, convocam-se os artistas [no caso de Ananova os designers (inserção minha)], representan-tes da intuição e da sensibilidade, para que resgatem valores “humanos” potencialmente existentes na técnica. (Idem). Os designers da apreesentadora perceberam que não deveriam criar um rosto “perfeito” para que Ananova se tornasse mais humana, apesar da existência de tecnologia suficiente para isso. Ao mesmo tempo, uma casa de lazer no Rio de Janeiro cria um símbolo, a Cybergirl, inspirada em Lara Croft, uma musa virtual, e contrata mulheres “de carne e osso” e, possívelmente, muito silicone, para esclarecer dúvidas dos jogadores. Temos aqui uma inspiração nas “pessoas normais” quando há a necessidade de se criar uma empatia com o público, uma credibilidade. E, quando não existe essa necessidade, construímos mulheres “reais” ins-piradas em musas “virtuais”. Estabelece-se um padrão estético e somente estético, pura aparência. Ananova deve ser humanizada enquanto as atendentes do Cyber Games são videogamizadas. Deixo, aqui, uma última questão. Este estabelecimento de um padrão estético que foge muito da natureza humana, da própria morfologia do corpo, não seria uma necessidade de se ultrapassar a condição humana, de se criar um ser sobrehumano, ou melhor, pós-humano? “No final do século XX somos todos quimeras, híbridos, teorizados e fabricados como máquina e organismo, somos cyborgs. O cyborg é nossa ontologia, determina nossa política, imagem condensada de imaginação e realidade material interligadas para estruturar qualquer possibilidade de transformação histórica”. (VILLAÇA & GÓES; 1998; p.98) Com todas as transformações que, hoje em dia, podemos realizar em nossos corpos, estamos construindo e nos transformando em cyborgs. Este capítulo abre inúmeras portas para outros estudos. E, na verdade, o seu objetivo é exatamente apontar para alguns caminhos que levem outros pesquisadores, e a mim inclusive, ao apro-fundamento da questão do corpo e sua construção tanto no nível do imaginário como na sua constituição morfológica. APONTAMENTOS A problemática de meu projeto era estabelecer essas transformações, considerando alguns aspectos que fossem elucidativos, sobretudo, aocriador dessa imagem.

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Queria enfocar aspectos da representação visual da mulher. A presença de determinadas formas, configurações, objetos, etc., que denotassem uma existência do gênero masculino; as caracterizações do gênero feminino; a exibição do corpo da mulher como um sinal de liberação feminina e o uso desse corpo subordinado ao ponto de vista masculino ou não. A problemática de meu projeto era estabelecer essas transformações, considerando alguns aspectos que fossem elucidativos, sobretudo, ao criador dessa imagem. Queria enfocar aspectos da representação visual da mulher. A presença de determinadas formas, configurações, objetos, etc., que denotassem uma existência do gênero masculino; as caracterizações do gênero feminino; a exibição do corpo da mulher como um sinal de liberação feminina e o uso desse corpo subordinado ao ponto de vista masculino ou não. As caracterizações do gênero feminino também são constantes durante todo o período estudado e não sofrem mudanças significativas. A mulher é representada como frágil, emotiva, romântica e em busca de um relacionamento amoroso. Continua em competição com outras mulheres pela a aparência e pela disputa por homens. Quando escolhe uma lingerie, se preocupa com o aspecto sedução da peça e não com o conforto, ou seja, a preocupação está em agradar ao outro e não a si. Seu bem-estar depende da satisfação do gênero masculino. O corpo feminino, nas representações aqui estudadas, continua subordinado ao ponto de vista masculino. É bom lembrar que o criador de publicidade ajuda na construção de um padrão estético corporal. Esse padrão muda com o passar do tempo, como pudemos observar no capítulo da análise, mas sempre está sendo imposto de alguma forma. E, apesar de muitos homens darem preferência ao padrão da mulher violão, a mulher musculosa e com próteses de silicone não deixa de ser um discurso masculino, proferido, inclusive, por muitas mulheres. Construir esse corpo e mantê-lo, exige da mulher um investimento grande de tempo e dinheiro. Fato que, na maioria das vezes, faz com que a mulher necessite de financiamento. Ao elaborar o projeto de minha pesquisa, estabeleci algumas hipóteses e, após este tempo dedicado ao assunto, acredito estar em condições de analisá-las para poder afirmá-las ou refutá-las. Minha primeira hipótese era que o design e a publicidade são elementos importantes na construção da identidade feminina. O curioso é que ao me deparar hoje com esta afirmação, ela me parece extremamente óbvia. Porém, quando a formulei,

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não tive este sentimento. Design e publicidade não só são responsáveis pela construção da identidade feminina, como também são da masculina. Estabelecem padrões estéticos, de comportamentos, de relações sociais, etc. para os indivíduos da sociedade a que se dirige. Outra afirmação hoje óbvia é que a representação da mulher nos anúncios não condiz com a realidade do universo feminino. Depois do estudo realizado, eu diria que não condiz com a realidade nem do feminino nem do masculino. A publicidade representa um mundo perfeito em que o único problema apresentado é resolvido com a compra do produto anunciado. As pessoas não envelhecem, não há miséria, não há doenças ou mortes. Tudo funciona perfeitamente. Na verdade, a publicidade não é o retrato de uma sociedade, e sim, uma sociedade inventada a partir de outra. Eu supunha que a publicidade representasse a mulher, nos anúncios dirigidos ao público feminino, de forma diferente de como a representa nos anúncios dirigidos ao público masculino. Conforme fui me apropriando das teorias e me aprofundando na análise dos anúncios, pude verificar que isto não é verdade. Podemos pegar como exemplo, o que Wolf fala da “pornografia da beleza”, assunto visto no capítulo A representação. As representações do feminino nas capas das revistas masculinas, como a Playboy e a Vip Exame, são muito parecidas com as das capas da revista Nova. Até mesmo quando vende suco de laranja, a publicidade representa a mulher como “espremível”, independentemente do público alvo. Quando pequena pode ter suas bochechas espremidas pela mãe par ir se acostumando a ter os seios espremidos pelos homens quando crescer. Quanto à publicidade refletir as mudanças de comportamentos femininos, digamos que ela reflete as mudanças de comportamento de uma sociedade, da mesma forma que ajuda a modificálos e a mantê-los, dependendo de seu interesse. Minha última hipótese era que a publicidade faz uso da “violência simbólica” e dessa forma mantém o estado de dominação masculina. Quando a publicidade desqualifica, diminui ou representa a mulher em posição de inferioridade em relação ao homem, está mantendo o estado de dominação masculina. As mensagens implícitas nos anúncios, muitas vezes são tão sutis que não são percebidas conscientemente. Porém, vão sendo armazenadas e acabam contribuindo para a construção dos sujeitos e dos significados das relações entre os gêneros. As mensagens são naturalizadas de tal forma que se tornam quase que inquestionáveis. Por que alguém questionaria um anúncio de automóvel que


representa uma família feliz saindo de férias em que o papai dirige o carro com a mamãe sentada a seu lado e as crianças no banco traseiro? Simplesmente porque esta é a ordem “natural” das coisas. Geralmente, as mulheres só dirigem quando não há um homem com elas. Os homens possuem uma paixão “natural” por carros, enquanto as mulheres utilizam o carro como meio de transporte, além de terem uma dificuldade “natural” para entender o funcionamento dos veículos automotores. Encerrar uma pesquisa, que levou dois anos sendo desenvolvida, não é uma tarefa fácil. Fica sempre a sensação de que poderíamos ter dado mais ênfase aqui ou desenvolvido melhor ali ou, ainda, de que devem estar faltando coisas importantes. Mas, como um pesquisador não pode, e não deve, esgotar um determinado assunto, eu espero poder contribruir com este trabalho, para outras pesquisas focadas na representação da mulher. Gostaria, também, que este estudo auxiliasse os indivíduos no desenvolvimento da percepção dos mecanismos de adequação social a que somos submetidos. E, mais que isso, que instrumentalizasse designers, publicitários(as) e todos(as) os(as) profissionais que façam uso da representação da mulher, incluindo artistas plásticos(as) e fotógrafos(as), para que não utilizem recursos que, de alguma forma, desqualifiquem a mulher ou a coloquem em posição inferior a do homem ou, simplesmente, a representem como um objeto a ser contemplado. O meu objetivo maior é contribuir com os estudos feministas, que se constituem na interdisciplinaridade. As pesquisas que visam a desconstrução dos mitos e da naturalização do feminino são, na maioria das vezes, bem vistas dentro da teoria crítica feminista e contribuem para a conscientização da sociedade no que diz respeito à imagem da mulher. Enquanto “sujeito falante” e “objeto falado”, não posso deixar de tentar interferir na transformação da imagem que a sociedade constrói da mulher.

REFERÊNCIAS CASTELLS, Manuel. A galáxia da Internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges; revisão Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. COSCARELLI, Carla Viana. Entre textos e hipertextos. In: COSCARELLI, Carla Viana (Org.). Novas tecnologias, novos textos, novas formas de pensar. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. HAESBAERT, R. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multi-territorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. HANNAH, Arendt. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense universitária, 2008. HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914 -1991. Tradução Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. JOHNSON, Steven. Cultura da interface: como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993. _______. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 3. ed. São Paulo: Loyola, 1997. _______. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 2005. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia digital. In: ______; XAVIER, Antônio Carlos (Org.). Hipertextos e gêneros digitais: novas formas de construção de sentido. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. MORAES, Denis de. O concreto e o virtual: mídia, cultura e tecnologia. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

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Texto por Raoni Azevedo com Tradução de Rodrigo Rosm

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Se a vida de alguém não é mostrada na mídia de massa, realmente aconteceu? O bater de asas da borboleta no Rio de Janeiro pode causar furacões em Londres? Determinado a se formar na Goldsmiths (University of London), o bolsista brasileiro Raoni Azevedo traçou um plano com tutores e colegas para prolongar a sua estadia. No entanto, ao tentar renovar seu visto ele foi confrontado com as forças obscuras de lei de imigração, que o enviou de volta ao seu país. Com tenacidade quixotesca e a orientação de seu mentor, ele está determinado a continuar seu projeto no exterior.No entanto, a vida em casa não é a mesma e ele está agora preso não pertencendo a nenhuma das duas realidades, e imaginando se ele será capaz de terminar o que ele começou. Ele luta de volta criando um espetáculo próprio: um filme de proporções épicas de Hollywood baseadas em sua própria história, retaliação contra as ficções avassaladoras do cotidiano midiático da política internacional. Com uma equipe formada por pessoas próximas, a pré-produção começa, projetando cenários, personagens de elenco, revivendo momentos-chave, escrevendo o enredo, lutando contra gigantes e moinhos de vento. Continuamente remontando sua história, seu processo se torna um dos introspecção para ajudar a lidar com os incidentes da vida e reformular sua própria narrativa.

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Quando eu comecei o terceiro ano na Goldsmiths eu queria Design para abordar amplas questões políticas, mas quando começei a investigar a turbulência que muitos países estavam enfrentando (crise dos refugiados, Trump, UK e Brexit, no Brasil tivemos nossa presidente democrático destituída ilegalmente) me deixou de coração pesado e decidi não continuar com o assunto.Em vez disso, decidi olhar para um nível mais individual, para as narrativas das pessoas si mesmos. Dos meus experimentos, dois principais foram: 1- Eu conheci um narrador de Gana que mora em Londres e fizemos um exercício onde cada um de nós iria escrever uma memória importante para que o outro pudesse escreva um conto baseado nele. Ela usa isso como um exercício auto-reflexivo / terapêutico onde as pessoas se reexaminam e seu caminho na vida através de um espectacular versão da sua história. 2- Com dois colegas da Goldsmiths e eu fomos a Bristol para enviar uma GoPro para o espaço em um balão para filmar a curvatura da Terra. Nós tivemos um monte de preparação e investimento, fazendo tudo de acordo com o plano. Mas nós perdemos nossa câmera. De alguma forma, o GPS parou de funcionar e não conseguimos encontrá-lo. Acabamos por utilizar um software de previsão de pouso que nos direcionou para Itchen Abbas no sul Inglaterra, para uma área de 90 quilômetros quadrados e nos convencemos de que encontraríamos nossa câmera. Não conseguimos e meus amigos ficaram um pouco desapontados mas eu estava realmente feliz. Eu tive a chance de fazer uma viagem de um dia nas midlands, indo a lugares que eu nunca teria a chance de ver (Bath, Nympsfield, Bristol, ...) e agora tinha uma história para contar para a vida. Esses experimentos geraram as diretrizes para o meu projeto: o design poderia ser feito através de jornadas, procurando o espetacular,

ativamente moldando as histórias que contaremos sobre nós mesmos no futuro. Algo estranho começou a acontecer, Don Quixote continuou vindo à minha mente e eu comecei a pesquisar a história, os personagens, o enredo, o livro, seu autor, seu histórico contexto. Os seguintes aspectos relacionados profundamente com os assuntos que eu estava investigando: > Don Quixote era um homem comum vivendo confortavelmente em um lugar mediano com uma vida média. Ele começa a ler romances de cavalaria e rapidamente fica tão obcecado com essas ficções, ele esquece de comer, dormir, sua vida. Isso leva ao seu cérebro definhar, fazendo-o enlouquecer. Ele decide que as ficções são reais e conjuntos para ir e viver sua vida para os mesmos padrões dessas histórias. > Ele vai em uma jornada aberta, sem direção deixando seu cavalo guiá-lo, certeza de que as aventuras o encontrariam. > É uma jornada geográfica. Ele não viaja muito, mas vai para lugares em torno de sua cidade, conhecendo pessoas que ele não tinha se preocupado em conhecer antes. > Ele honestamente tentou fazer o bem de acordo com seus princípios "idealistas", embora às vezes, essas coisas não se encaixam na realidade. > O livro é profundamente realista, a fim de desconstruir os romances que governaram a imaginação das pessoas na época. > É um pouco auto-retrato ficcionalizado de Cervantes, o autor. > Também conta a história de um determinado tempo e lugar através da descrição de personagens secundários e cenários. > É o segundo livro mais impresso depois da Bíblia, de alguma forma indicando que é um forte arquétipo da jornada humana. Então eu me tornei o Quixote, tentando torná-lo um modo de Design, uma metodologia para

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um processo criativo. ____ Foi neste momento que descobri que não conseguiria renovar o meu visto embora a Goldsmiths tivesse me oferecido uma bolsa de estudos para terminar o terceiro ano. Matt (tutor) e eu tentei de todas as maneiras possível, mas foi dito que era verdadeiramente impossível. Eu tinha então um mês e meio para embrulhar o projeto como estava, fazer todos os arranjos para eu voltar para casa e partir. Eu sabia que isso poderia acontecer e estava preparado para isso. Não foi uma completa injustiça, mas foi difícil. Eu tinha um grupo de amigos e colegas, uma namorada, um casa, tutores cujo trabalho eu admirava, uma perspectiva de carreira. Eu não posso reclamar, eu tive a minha oportunidade, mas foi difícil. No entanto, eu já havia discutido com Matt e para continuar projeto, mesmo se eu tivesse que sair e aqui estou agora: De volta ao Rio (que no começo me senti um pouco estranho), de volta ao meu antigo emprego como um professor de inglês, de volta ao campus PUC.RIO(eu deveria me formar em julho de 2018) onde eu estudo Design de produto com uma abordagem muito orientada para o mercado. Mas junto com outros amigos que voltaram de seus anos de intercâmbio no exterior, estamos afetando nosso curso para torná-lo mais flexível. Eu também misturei meu projeto final aqui com o que eu comecei na Goldsmiths tentando criar uma interface entre os dois mundos. ____ Continuei meu projeto de maneira Quixotesca. Esta situação é o meu moinho de vento, Goldsmiths é minha Dulcinea, meus amigos são todos Sancho Panzas. Mas em vez de escrever um livro Eu planejei fazer um filme de Hollywood com minha própria história durante este projeto. Pode não acontecer, nesse caso, a simples tentativa de se tornar o projeto. Eu estou produzindo screensets, adereços

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e fantasias, planejando sets para lugares onde eu tinha encontros importantes, escrevendo pedaços do roteiro, trabalhando em personagens, recebendo cotações, fazendo escutas de localização. Durante isso eu tive que reexaminar minha história, repensar meus relacionamentos, entrar em contato com pessoas que de alguma forma me afetaram, lembre-se de lugares, revisitar minhas fotos, facebook, mensagens, e-mails. A realidade pode esmagar isso como acontece com todo mundo e freqüentemente fez com Don Quixote, mas tudo bem, é realmente sobre a jornada. Eu vejo isso como um ato insurgente contra a tensão injusta entre histórias individuais e os midiaticos. Hollywood, Netflix, Política tem muita produção e dinheiro, mesmo embora ampliemos nossas auto-narrativas através de nossas mídias sociais, nunca chega ao mesmo níveis espetaculares que somos alimentados todos os dias. É também sobre resistir à encenação política sem sentido que impede as coisas básicas como a educação e formação individual se desenvolvam livremente.


"a imagem de si mesmo como se fosse cinema" _ @raoniazevedo

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colaboradores

Mariana Bernardes é jornalista residente na cidade do Rio de Janeiro. Utiliza as redes sociais para episódios da vida noturna. @resultadosdesastrosos ___ Fernando Santos é fotógrafo radicado na zona norte do Rio de Janeiro e explora a fotografia como uma ferramenta para extrair narrativas da cotidiano. @careca_fernando ___ Guilherme Vasconcelos é graduando de comunicação visual na Puc.Rio e pesquisa fotografia analógica na busca intensa pela cor e movimentos. @snkd ___ Caio Rosa é produtor cultural e graduando em História Social na Puc.Rio, desenvolve séries fotografias e coordena a websérie OF COLOR TV. @caioxrosa ___ Larissa Souza é mais conhecida como Lolly, graffiiteira integrante da PPKrew e utiliza as redes sociais para criar cenas no ambiente urbano. @lollyndona ___ Fernanda Grigolin é é artista, editora, pesquisadora doutoranda em Artes Visuais na Unicamp. Atua com publicações entre produção, edição, circulação e pesquisa. Realiza os projetos Tenda de Livros e Jornal de Borda. @tendadoslivros

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Natália Mansur é jornalista e pesquisa as dimensões de atuação da mulher no universo na História da Arte contemporânea. @unechanson ___ Ricardo Viana Veloso é Mestre em Ciência da Informação e pesquisa sobre cibercultura e movimentos sociais contemporâneos. ___ Simone Formiga é Doutoura em Design. Pesquisa sobre a imagem feminina nos aparelhos comunicacionais promovidos pelo Design e Publicidade. ___ Raoni Azevedo é Designer com inclinação para os campos da Arte e Política, também integra "A NOIVA", a igreja do reino da arte. @raoniazevedo ___ Rodrigo Rosm é programador e artista visual, estudou desenho, pintura e texto em Arte na EAV Parque Lage e atua como editor/gestor de projeto na editora + estúdio CASA 27. @rodrigorosm ___ Cian Barbosa é sociólogo e mestrando em Psicologia Social na UFF, atua como tradutor e escreve para diversos periódicos acadêmicos desde 2015. @cianzeira ___ Renata Mota é figurinista e produtora cultural, vem desenvolvendo projetos de moda, direção de arte e consultaria de moda/comportamento para marcas. @mareurbana

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