Revista VIAS

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VIAS VEICULO ITINERANTE DE ARTE SUBVERSIVA

Arte de Onde? – Toda arte precisa ser legitimada? Pg. 4

perfis: dona dalva e rodrigo wanderley Pg. 6

(capa)

Opinião: olhares sobre as artes do CAHL Pg. 16


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VEICULO ITINERANTE DE ARTE SUBVERSIVA

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somos?

Artistas e estudantes do curso de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Nossa produção foi orientada pelo Prof. Ms. Juliano Macarenhas.

Nossa arte também caminha pela rua. Arte de Onde? – Toda arte precisa ser legitimada? Pg. 4

perfis: dona dalva e rodrigo wanderley Pg. 6

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Opinião: olhares sobre as artes do CAHL Pg. 16


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4 VEICULO ITINERANTE DE ARTE SUBVERSIVA

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Arte de onde? NICOLLE CAJADO

Aos que insistem em achar que arte se divide entre inferior e superior, que artista tem que ser autenticado, que arte resume-se a uma ideia formada de habilidade, um poeta grita em meio ao silêncio da sofisticação artística: “Traduzir uma parte noutra parte/ Que é uma questão de vida ou morte/ Será arte?/ Será arte?”. Está escrito que tem que ter emoção, mas fala-se também em beleza estética. Em padrões e formas específicas. Será que só isso é arte?

A arte de rua é uma prova que padrões e técnicas não definem o que é arte, apesar de tanta discriminação. A arte de rua é a voz da cidade. Os saltimbancos são as palavras que a cidade quer falar. A cultura e o lazer saem dos museus, teatros, salas de cinema e tantos outros centros culturais e invadem o asfalto. A música, o circo, a dança, a literatura, qualquer performance invade os espaços públicos. É informação chegando aos desavisados ou despercebidos. O dia-a-dia apressado fica mais bonito e ameno quando qualquer artista decide compartilhar seu trabalho com quem passa na rua.


De forma singela e quase inconsciente, as manifestações artísticas nas ruas preservam o espaço público. Ao apreciar qualquer performance num determinado espaço, uma pessoa repudia a depredação desse espaço. Arte de rua executa democracia. Seu combustível não é o dinheiro. É uma forma real e próxima de consumir arte. A reflexão cerca os dias e noites de uma rua que vive com arte. As intervenções de um grafite são canções de protesto nos muros. Arte de rua é, antes de tudo, liberdade de expressão. Nesse mundo o importante está escrito, a Constituição Federal afirma: ”Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Numa interpretação rápida da ordem federal, garantimos a liberdade do ser humano. Qualquer um pode expressar sua preferência, inclusive na rua de sua cidade. Nenhum regulamento pode ferir esse sopro de liberdade. E, sim, somos todos artistas. FOTO FABIO RODRIGUES


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heranças de uma mulher guerreira Um misto de simplicidade e genialidade. Dona Dalva conta sobre a vastidão do conhecimento e a importância da sabedoria na vida das pessoas. próximas páginas

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per fil heranças de uma mulher guerreira NATALIA DOURADO

Por honra, reconhecimento e virtudes, Damiana de Freitas, popular Dona Dalva, adquiriu título de Dra. Honoris Causa pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Sua contribuição artística no Samba de Roda rememora o movimento de resistência de um povo, remete-nos a dança da sua luta. Aos 86 anos, Dona Dalva é compositora, cantora, líder do Grupo de Samba de Roda Suerdieck, integrante da Irmandade da Boa Morte e costureira. Filha de uma operária da fábrica de charutos Dannemann e de um sapateiro, trabalhou desde muito cedo para ajudar a criar seus irmãos e não teve oportunidade de estudo. Conta que nas horas das tristezas, devido à difícil passagem pela vida, trabalhava e cantava baixinho pra que Deus a ouvisse, e seu coração recebesse aquilo como calmante. Quando questionada sobre a importância do conhecimento popular para a natureza social, Dona Dalva diz: “Cada quem de acordo com sua vivên

cia tem seu conhecimento. Eu já passei por tudo – sou mulher, pobre, negra, humilde, mãe de cinco filhos, operária – e sou apenas primária; a vida me fez forte, sou mulher honrada, e também tenho um conhecimento só meu. O saber morre com o dono, o que a pessoa aprende, ela não esquece nunca mais; cada um procura seu universo e tudo contribui para a formação individual e de todos”. Para ela, quem procura algo é porque precisa e quer crescer, e todos querem crescer, uma vez que a sabedoria faz parte da vida e o crescimento é a vida, sem buscar isso, a pessoa não encontra felicidade. Orgulhosamente fala: “Eu me sinto feliz”. Ao falar sobre o seu reconhecimento perante a comunidade e a universidade, Dona Dalva reflete: “O orgulho não é só meu em receber o título de Doutora Honoris Causa pela universidade, é de toda a Cachoeira, pelo destaque na área cultural”. Considero-me uma alta milionária pelo título que recebi. Eu sou o meu futuro, sou o futuro da minha família. Não tenho nada material, mas pobreza não desfaz ninguém, e eu me considero valiosa e posso contribuir com minha história”.


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“Nas horas das minhas aflições eu chamo por Deus, e digo: Deus me segure, me dá mais uns anos aí pela frente, pra ver se vem qualquer coisa na minha mente, e quando me procurarem, eu ter palavras pra dizer, não ofensas, pois não desejo ofender pessoa nenhuma, mas para aconselhar. Tive uma vida difícil, sofrida, pobre, uma passagem muito temerosa, mas, em sequer um momento, eu pensei em desistir. Nunca pensei em desistir de mim” Dona Dalva.

FOTO ANY MANUELLA

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POR TRÁS DA OBJETIVA: O SUBJETIVO RODRIGO WANDERLEY ALINE PORTELA

Arteiro. Essa foi a resposta de Rodrigo Fiusa Wanderley quando o perguntei como ele se definia. É jornalista formado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), porém, apesar do diploma, vive da fotografia. Seu gosto pela rua, principalmente no que se refere à vida pacata do interior baiano, vem da criação: nasceu em Santo Antônio de Jesus e viveu quase toda sua infância por lá. Experimenta, vive e constrói seus próprios mundos inventados. Tem fascínio pelo mistério e através da fotografia o explora, conta e inventa estórias.


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12vias Ainda na UFBA, iniciou-se como fotógrafo no LabFoto, onde passou dois anos e meio trabalhando e estudando. Em 2011, participou da fundação Olhos de Rua, projeto que leva projeções de imagens para espaços públicos de Salvador, e foi assim que começou a tomar gosto pelas exibições ao ar livre. Quando fala sobre seu trabalho, qualquer um sente o gosto que ele tem pelo que faz e a magia que consegue sentir e transmitir através da poesia que sempre (ou quase sempre) acompanha suas fotos. Essa característica vem de quem ele sempre cita:o poeta brasileiro Manoel de Barros. Sem dar muita atenção à poesia rebuscada, Rodrigo gosta de versos acessíveis, da poesia que reflete

o mundo de forma simples, delicada e sensível. Adora inventar palavras. Dessa forma, são feitos os seus Causos Fotográficos, trabalho exposto através do seu “Varal Itinerante” e suas caixinhas de madeira recheadas de fotografia e poesia. Ao sair para acompanhá-lo fotografando na feira livre da cidade de Cachoeira, no Recôncavo baiano, é fácil notar o quanto ele leva jeito para ouvir e lidar com as pessoas, para depois retratá-las do seu melhor jeito: através de poesias fotografadas. Conta que através da fotografia, encontrou a melhor maneira de conhecer e agregar pessoas. Posiciona-se, enquadra e fotografa coisas que passam despercebidas no dia-a-dia de cada um.


É criador do projeto “Varal Itinerante”, porém, ele reforça quando comenta sobre isso: “Esse é um trabalho coletivo, sem as pessoas que colam na corda, nada aconteceria. Eu só planto a semente”. Através da criação desse projeto, conta com entusiasmo que o “Varal das Artes SAJ”, que ajudou a criar, segue firme. Seu projeto já passou por cidades baianas como Salvador, Cachoeira, Santo Antônio de Jesus, e as vilas de Garapuá, Igatu e do Capão. Na cidade de Cachoeira, expôs seu varal durante Bienal do Recôncavo em 2012 – na qual participou com seus Retratos Imaginados – e durante a Feira Literária Internacional de Cachoeira (Flica), em 2013. Além disso, seu projeto foi parar em São Paulo, nas ruas da USP e nos jardins do Parque Ibirapuera.

Além de Manoel de Barros, Rodrigo tem como inspiração o trabalho de Mario Quintana, Mia Couto e Guimarães Rosa. Todos artistas que tratam o simples e o cotidiano, assuntos preferidos dele. Ele conta que redescobriu a poesia tarde: “A literatura clássica e cheia de métricas, apresentada no tempo da escola, nunca me chamou atenção. Descobrir artistas como esses me despertou o gosto pela poesia que até então eu não conhecia”. Através da influência desses artistas, começou a escrever o que alguns amigos intitularam de “neo-cordel”: assuntos profundos em linguagem simples. Trata de questões filosóficas, poéticas e políticas, muitas vezes com humor. “Como não sou palhaço, a minha necessidade de fazer humor e ir para a rua se expressa dessa forma”. Sendo artista de rua, tem contato direto com as pessoas e adora sentir a espontaneidade delas.


Além disso, vê a arte de rua e a arte pedestre como uma questão política, no que se refere à falta de atenção de políticas públicas que atendam a necessidade da cultura acessível para todos. “Esquina que tem músico não tem assaltante”. Perguntei se a frase era dele, mas ele disse que leu por aí. Através do varal itinerante, a ocupação da praça de Santo Antônio de Jesus teve início pela arte. Além de ser uma ação que atrai o interesse das pessoas para a cultura, ela também questiona e exige a necessidade da arte e poesia no dia-a-dia da população. Espontaneamente, ele e mais alguns amigos ocuparam a praça da sua cidade natal com um cinema e fotografias. E o que começou com cerca de 15 pessoas, logo se transformou em dias de praça lotada de gente. Destaca o quanto o desenvolvimento cultural traz o desenvolvimento da cidade.

AS FOTOS DESSA REPORTAGEM SAO DE RODRIGO FIUSA WANDERLEY


Atualmente, além de fotografar, Rodrigo estuda, ensina e realiza projetos coletivos. No Labfoto, dá aulas de Iluminação Criativa e faz parte do Grupo de Pesquisa em Fotografia Contemporânea (GRIP). Em oficinas como “Introdução ao Universo Fotográfico” e “Caixa Mágica”, leciona em Salvador e no interior baiano de forma independente. Com esse trabalho educativo, visa despertar o amor pela fotografia através dos seus mistérios, utilizando em paralelo o cinema, a pintura e a poesia. Já no final da conversa, perguntei se ele considera-se uma pessoa carismática. Ele me respondeu: “A fotografia na rua foi um instrumento para mudanças profundas. Fotografar nada mais é do que uma boa justificativa pra chegar mais perto das pessoas”. Não ganhei a resposta exata para minha pergunta, mas a conversa me rendeu uma boa conclusão: Rodrigo se esconde atrás da câmera, mas se mostra antes disso. É um jornalista que, por trás da objetiva, encanta através do subjetivo.

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O grafite e a pichação são formas de expressão incluídas no âmbito da arte urbana, em que o artista aproveita os espaços públicos criando uma linguagem intencional e, geralmente, de caráter contestatório, poético-político. Além disso, podem estar em diferentes contextos, tipos e estilos, ou associados à movimentos. Sua interferência no ambiente urbano é um fator que os destaca.

As artes do cahl pelos estudantes

“Essas intervenções são muit uma forma de mostrar o grafi então, existe um preconceito de arte pelo fato de não estar n te é algo que impacta, que mo Como existe um preconceito diferente na área de artes. É tam tar contra essa discriminação

No Centro de Artes Humanidades e Letras (CAHL) essas marcas da arte estão inseridas no contexto cotidiano, revelando a expressão de cada artista e suscitando reações diversas. TARCILA SANTANA

Marly Nery, Museolo

“As artes do CAHL são muito contemporânea, muito diversa...ela transmite pra gente muita coisa. Todo artista que faz aqui alguma pintura ou grafismo, ele quer transmitir algo em relação ao cotidiano ou militância de cada um... é isso que torna tudo interessante.” Renário Sant’anna, Museologia


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Thainá Dayube, Comunicação Social

FOTOS ALINE PORTELA

to interessantes, porque são fite e a ideia do pessoal. Até muito grande com esse tipo numa galeria...normalmenostra a realidade nua e crua. o em todas as áreas, não seria mbém uma forma de proteso e marginalização da arte.”

Museologia

“Tudo isso é bacana, só que eu acredito que são intervenções execessivas. Aqui dentro do CAHL, essas coisas representam momentos e movimentos de resistência e as pessoas aqui dentro sabem. Eu acredito que isso se torna um acúmulo de informação, de comunicação. Deveria ter uma estrutura, um lugar já organizado e delimitado pra essas pinturas, para que não se espalhem ou tornem-se disconexas. São bonitas, mas estamos em uma instituição pública, onde várias pessoas estão tendo acesso, e o que é bonito pra mim, pode não ser para o outro” Rafael Rauedys, Cinema e Audiovisual

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“Acho a cara do CAHL, porque é um ambiente onde a arte está presente e são os estudantes que a fazem... e ninguém faz com a inteção de depredar o patrimônio, as pessoas só querem expor a sua arte (...). Na época que tinha o muro e apagaram eu não gostei porque era o melhor muro da cidade. Então eu adoro a arte daqui, é a cara do campus e a melhor forma das pessoas se expresarem.”


a ic n ú o a tal ã n iç uit ime d t r e a e gr exp e

VIAS VEICULO ITINERANTE DE ARTE SUBVERSIVA

VIAS aqui é um caminho de entendimento que pretende o desbravar outros tantos caminhos, como veias, por ruas e por descobertas, pela arte e por partes que pulsam no cinza do asfalto e das paredes, ou até mesmo o cinza do chão de terra batida. vias são caminhos a ser seguidos ou destruídos. É o passado do ver, vários passos ligando-se num presente. Um pé no passado e outro no futuro, uma dança no presente. Olhos atrás de um panorama do fato e da sua circunstância. visões das vias dos fatos. Viés, veias, vi as, contraponto ao imperativo veja, vias é contextualização. Essa revista é o ponto de partida do projeto VIAS, mas que muito antes já caminhava e partia nos caminhos de todas da equipe, partilhados aqui. Eis nossas VIAS pulsando!

FOTO FABIO RODRIGUES


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