Rita, a doida.

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Rita, a doida

JosĂŠ Henrique da Cruz

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Rita, a doida

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JosĂŠ Henrique da Cruz

Rita, a doida



José Henrique da Cruz, o “Mutum”, nasceu em 11 de dezembro de 1957 em Carangola, Minas Gerais. Durante parte da sua infância e adolescência, viveu em Mutum, Minas Gerais, cidade que lhe empresta o apelido. Jornalista e poeta, escreveu Pequenos Poemas (1978) e O Alfabeto do Poeta (1982). Participou de várias publicações e movimentos literários. Morreu em 2003 num acidente automobilístico. Deixou guardado muitos contos e poemas.Em 2005, foi lançado o livro infantil A Nuvenzinha. Em 2011, foi lançada Manuscritos Azuis, uma coletânea de poemas, dos quais muitos inéditos. No mesmo ano, O Alfabeto do Poeta foi reeditado.

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Era uma família normal. O pai, filho de um dos fundadores do lugarejo; a mãe, sua prima. Coisa bastante comum por aquelas bandas. O filho mais velho já estava casado, e sua mulher em breve ganharia o primeiro filho. Os outros dois rapazes menores logo logo assumiriam esse compromisso. Eram extremamente parecidos; confundiam-se aos olhos de estranhos. Puxaram para o pai, desde a tez morena até o gênio: sentimentais, pacatos. Uns anjos segundo a mãe. Os dois menores sempre estavam juntos, faziam tudo juntos. Era uma família normal, mesmo com Rita; “Rita, a doida”, como a chamavam. Diferente dos irmãos, era menina. Igualzinha à mãe, da pele mais clara e dos cabelos lisos.

Cresceu na roça, foi criada da mesma maneira que se criam os animais do campo: livre de preconceitos e de tudo. Vivia brincando sozinha, no mundo da desatenção. Não chegava a ser bonita, mas também não podia ser taxada de feia. Uma beleza regular, bastante regular. Quando novinha, caiu do carro-de-boi; não morreu graças à Santa Rita, daí o seu nome. Depois, à medida que foi crescendo, parece que uma doideira gradativa ia entrando nela, aos poucos, como se fosse doses de uma injeção. Quando ficou moça dos seus dezenove anos, deu para ficar sozinha e, às vezes, era agressiva. Mas muitas outras adquiria a mansidão de um porquinho-da-índia, colhia flores para a mãe, para o pai, para os irmãos. Já a cunhada, detestava. Via nela uma con-

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corrente diante do irmão mais velho. Uma vez topou-a sozinha em casa e quase a matou. Espancava-a, gritando coisas sem sentido e, se não fosse a intervenção de Geraldo, conseguia seu intento. Mas a pessoa que Rita mais detestava era Gumercindo, ex-empregado de seus pais. Vivia implicando com ela, dizendo-lhe coisas que não devem ser ditas a uma moça anormal. Um dia, o safado vendo-a desacompanhada e longe de casa, agarrou-a e quis possuí-la. Rasgou seu vestido e atrapalhou-lhe o cabelo. Quando menos esperava, ganhou uma dentada na língua, quase perdendo um pedaço dela. Por pouco e não falaria mais. Saiu correndo, segurando os gritos para não chamar a atenção de ninguém. A moça chegou nervosa em casa, e com dificuldades contou, tal qual uma criança inocente, o ocorrido. Seu pai quis matar o safado do negro e ele teve de fugir. Dizem que ele chegou a jurar que mais cedo ou mais tarde desforraria aquilo. Depois sumiu por aí. Devia estar comendo o pão amassado pelo capeta. E era protegido da família... Falam que ele também não é completamente bom de cabeça. Augusto, o irmão poucos anos mais velho que ela, estava para se casar no meio do ano. De sua noiva, Rita já gostava, talvez por terem sido “amigas de infância”. Augusto achava isso bom. Abaixo dele vinha Robério: pela aparência confundiam-se. Passavam por gêmeos. A maior doideira de Rita era querer achar


Quando alguma coisa apocalíptica lhe sacudia a cabeça, fugia de casa, andava longe e só voltava trazida por algum conhecido. Teve vez que veio amarrada. Doutra feita, ficou quase duas semanas sumida, sem que seus pais recebessem uma notícia; deram-na por morta. Mais uma vez as orações à Santa Rita a trouxeram de volta salva e sã. Dizia ter achado o fim do mundo, que ele estava nas águas clara dos rios, onde os peixes não brigavam com ninguém. Depois disso, ficava mansa por muito tempo, sem quase dizer nada e comendo pouco. Emagrecia incrivelmente. Ia melhorando devagarinho. Na sua casa, ninguém podia tocar no tal assunto, senão tudo piorava. Recebendo um tratamento cauteloso, aos poucos ia voltando ao seu normal. Assumia sua feição peculiar, depois adquiria maior agressividade; esta evoluía, várias etapas se sucediam num processo demorado, até que se completasse o círculo vicioso. Então ela ia buscar o fim do mundo, quando menos se esperasse. Mas isso demorava muito. A casa onde moravam era grande, bonita. Um casarão; na verdade muito mais maior que bonita. Bem situada, o vento não deixava de circular por ela durante um só minuto. Vivia de janelas abertas, como uma boca em constante sorriso. Não chegava a ter o luxo das grandes casas da cidade, mas também não era desconfortável. Era o ideal para a vida no campo. Rodeada de árvores, algumas frutíferas, o que proporcionava sombra nos dias quentes. Tinha um terreirão de terra batida, sempre limpo, onde todos brincavam quando pequenos. Ao lado ficava uma tulha rústica, onde se guardavam uns raros produtos agrícolas. Não muito longe dali passava o

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rio, ora estreito, ora largo, ora fundo, ora raso. Nele havia uns bons locais para pesca. Nesses lugares, seu Armando Lucas, o pai de Rita, matava um tempo morto,

Além de grande, a casa ficava num local bonito... A pedido de Seu Armando Lucas é que seria realizada ali a festa de casamento de seu filho Augusto. Senão jamais haveria uma festa assim na sua casa. Sua filha mulher era a Rita... Até que ali era um excelente local para a festa. Tudo propiciava: tinha, inclusive, luz elétrica. Ainda bem que o pai de sua nora concordara. E se nada piorasse, seria uma linda festa. Comida farta, bebida também. E mais farta seria a alegria das famílias. Tudo havia de correr bem. Talvez houvesse um baile: isso ficaria por conta de Augusto e Robério. Mais do Robério, pois a partir daquele dia, o outro estaria comprometido. Só faltava ele... Augusto foi visitar a noiva, sozinho. Galopou a cavalo por algum tempo. Ao chegar, cumprimentou os sogros e os cunhados. A moça estava no quarto, arrumando desajeitada a sua beleza. Treinou um sorriso defronte o espelho do guarda-roupa. Depois foi ter-se com o futuro marido. Ficou a sós com ele, muda, mostrando no rosto o sorriso treinado. Arriscou-se a segurar-lhe as mãos; arriscou-se a olhá-lo mais de perto. Ele a beijou, apertando-lhe a mão quente. Ficou com ela o máximo que pode. Mais tarde, Luzia foi com Augusto até onde estavam os pais. Mais uma vez, eles acertaram os detalhes da festa. Um festão.


Luzia acompanhou-o até perto da estrada. Despediu-se dele e voltou para casa, radiante como a maior das estrelas. Sua mãe a esperava, deveriam ajeitar uns outros detalhes do enxoval. O casamento era alegria também para ela. Um dia esperado, único. Na parede amarela de tempo estava pendurado o retrato dos pais de Luzia, logo depois de terem casado: duas caras de felicidade penduradas na parede. Nesta época, foram morar perto das terras de Lucas. Bem depois se mudaram, não para muito longe. Sempre visitavam os amigos, sempre eram visitados pelos amigos. Assim que nasceu o namoro; este foi tomando formas maiores e virou noivado. Agora crescia mais e logo seria casamento. Etapas perfeitas da evolução. A moça chegou na janela e olhou para a estrada. Augusto ia sumindo devagarinho devagarinho, perto de uma porteira.

ainda mais lento. As estrelas surgiam no céu, radiantes como a alegria da moça. Seu noivo havia desaparecido na estrada, não no seu coração. A noite caiu sobre aquela parte do mundo. Adentrando nela, Luzia e a mãe preparavam ainda mais o enxoval, sob uma luzinha fraca, tal qual um sol distante. Mesmo assim ela era muito feliz; pelo menos estaria por se colocar diante de uma nova situação, e se isso fosse ser feliz, ela seguiria o caminho. Àquela hora, Augusto deveria estar deitado, pensando nela, com certeza. Pensando na festa e numa vida nova, a ser iniciada em breve. Augusto e Robério foram a uma cidade perto, fazer

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casamento e combinar a cerimônia religiosa com o padre. Por pouco tempo ficaram na Casa Paroquial, recém construída. Acertaram tudo. O padre era até bem novo e bastante simpático, tratou-os com delicadeza, ajeitou tudo com a mais pura atenção. Como não havia igreja pelas bandas da fazenda do pai, o religioso seria feito naquela cidade, que não era muito longe da casa deles. Agora já estava tudo certo, o padre fora gentil com eles. O padre era novo, não parecia padre. E foi por isso que Robério perguntou onde é que ficava a casa de “mulheres da vida”, sem o irmão perceber. Quase estragou tudo. Para evitar complicações, retirou-se depressa, rindo do padre que parecia homem normal. As compras também foram feitas depressa, num instante. Lembraram de levar uma caixa de doces para a irmã, embrulhada como um importante presente. Robério ainda lembrava-se do padre... Resolveu chamar o irmão para irem à casa das mulheres da vida. Era um barzinho sumido, perdido no fim de uma ruazinha. Foram logo pedindo uma bebida, rodearam o ambiente com os olhos: tudo vazio. Duas prostitutas foram chegando para o lado deles, oferecendo-se, vendendo-se. Robério segurou uma delas, nervoso, suado de vontade, desejo. Foi com ela a um quarto. Augusto pensou mais um pouco no que estava fazendo. A mulher o acariciava, convidava-o falando em sussurros, bem no ouvido. Resolveu ir com ela. Antes, resolveu beber mais um trago. Pagou um para ela. Instantes depois, os irmãos encontraram-se mais adiante na rua. Seguiram contando casos, bem longe é que Robério lembrou-se que havia esquecido o embrulho no bar. Voltou a fim de buscá-lo;


lá encontrou a prostituta abrindo-o. Achou ruim e quis bater nela. Ficou mais calmo, desculpou-a, talvez com medo. Correu rápido ao encontro do irmão, tentando refazer o embrulho. Dali foram embora. Depois olhou para aquele rosto que há segundos antes roçava no seu, que deixou um cheiro em partes do seu corpo. Já era de tarde quando chegaram em casa. Entregaram as compras à mãe. Augusto ficou conversando com ela, o outro foi levar o presente para a irmã. Rita estava na beira do rio, atirando pedras na água, como se quisesse agredi-la com gestos mansos. Não sentiu a presença do irmão; assustou-se quando sentiu a mão dele no seu ombro. Quase gritou, talvez pensando no negro Gumercindo. Mas era o irmão. Ela sorriu quando pegou no presente. Nem ligou para o embrulho amarrotado. Tirou o papel, jogou-o no rio, como se ele fosse a última pedra. Agradeceu sem palavras, apenas olhando fixamente para o rosto do irmão, com um olhar alegre, de uma criança. Este era o melhor agradecimento. Os dois subiram juntos para a casa; quase juntos, pois Rita estava apressada de felicidade e queria chegar primeiro. Robério parou por uns instantes, resolveu voltar ao rio. Despiu-se e banhou-se nas águas límpidas, que tiraram de seu corpo o cheiro da mulher do bar. Juntou ela ao padre e à sua irmã e fez deles uma só pessoa, um mistério da santíssima trindade, com pólos completamente opostos.

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Robério subiu para a casa, ainda com os cabelos molhados. Sentia um friozinho bom, quando o vento batia em seu corpo fresco. Pegou uma goiaba no pé e seguiu comendo-a, com dentadas curtas, de gente sem fome. À noite, Robério não dormiu. Era só fechar os olhos e um monte de idéias queimavam na sua cabeça, povoando-a de dúvidas dolorosas. Espantava-as. Então veio a prostituta com quem dormira, bem vestida, limpa, cheirando a perfume. Não se oferecia a ele, negava-lhe o corpo, fugia esquiva. O rapaz ficava pensando nela, como se fosse uma mulher sem erro; mesmo querendo roubar os doces da irmã, mesmo querendo dormir com todos os homens, à exceção dele. Durante toda a noite, Robério não dormiu, o sono não vinha. Levantou-se, deu umas voltas pela casa, saiu. Estava uma lua fraca, o céu cheio de estrelas, com poucas nuvens: uma beleza de noite. Muito melhor ficar a vê-la do que estirar-se inutilmente na cama, pensando em tudo que desse na cabeça. O tempo passou. De madrugada, quase com o dia amanhecendo, o rapaz acordou assustado, dormindo na escada da tulha. Ali fora o sono se apossou dele e o deitou sem que ele soubesse ou percebesse. Pensar naquelas coisas e olhar o céu ao mesmo tempo o ninou. Robério decidiu não dormir mais. Vestiu uma outra roupa e foi ajudar o vaqueiro, que já começava sua tarefa diária. Espalhou o sono lavando o rosto na água gelada da bica. Esquentou um café, bebeu-o e saiu, sem pensar em nada. O dia ia amanhecendo com a lentidão de um carro-de-boi. Só que não fazia barulho, era silencioso. Logo


o sol apareceu, atrás das mesmas montanhas de todos os dias, gerando o mesmo calor. A vida renascia naquela hora, de todas as espécies. As tarefas iam sendo feitas, como se há muito tivessem sido premeditadas. Nenhum pensamento bobo continuava a afligir Robério. Tal qual a vida estivesse começando, nova, fresca de cor. Ainda eram feitas preparações para o casamento, a ser realizado na semana próxima. O tempo realmente passava depressa. Na casa da noiva, ao que tudo indicava, tudo havia sido acertado. Só ali é que ajeitavam-se ainda umas coisas e, mesmo assim, sem pressa. O prazo era grande, dava para caprichar nas coisas. Rita ajudava nas arrumações, mansa que nem um gatinho novo. Obedecia às ordens, queria fazer tudo. Até não parecia doida. Tinha pena dos animais que iam ser mortos, ficava algum tempo com eles, querendo consolá-los. Rita ia gostar da festa do casamento. Rápido os dias sucederam uns aos outros. A contagem regressiva chegava ao fim; a ânsia de cada um aumentava. Os detalhes estavam prontos.

Faltava a hora chegar e quando estava próxima, parecia demorar mais. Estas coisas são sempre assim: a gente espera, espera, o nervosismo fica lotando nossa vontade e a paciência. Aí parece que o tempo estaciona, agarra; os minutos ficam agigantados. Um castigo para a ansiedade. Mesmo sabendo que logo logo chega o momento, a gente desespera. Foi isso que aconteceu.

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Começou um corre corre, como se somente naqueles dias é que estavam sendo feitos os preparativos. Besteira, mas o que se pode fazer? Nenhum calmante encheria de paz os espíritos exaltados. Mesmo devagarinho, ia chegando o momento; a data já se mostrava cada vez mais próxima. O calendário dizia isso. Só para comprovar que afobação é algo desnecessário, chegou a hora, no dia marcado. O último cabrito foi morto ainda cedo. Seus berros agonizantes lembravam o início do teatro, mas nenhum daqueles homens sabia disso. Rapidamente fizeram o serviço, tiraram o couro, uns meninos ajeitaram paus para curti-lo. A carne foi assada pelos caprichos ágeis das cozinheiras. Ia ser uma festa farta, com muita comida e bebida. Alguém lembrou-se de Rita. Procuraram-na e ela não foi encontrada. Mesmo assim fizeram o almoço. Rita devia estar por ali mesmo, com sua doideira, brincando com os restos dos animais. Depois quiseram saber da moça novamente. Ninguém informava, ninguém sabia dela. Augusto estava feliz e sorridente ao lado da noiva. Não trocavam nenhuma palavra, ambos limitavam-se a rir. Riam por dentro e por fora, uma alegria incontida. Todos estavam fartos de comida. Na hora de irem para o casamento religioso, que seria na cidade, lembraram-se novamente da moça. Procuraram-na, mais uma vez em vão. Sua mãe desesperada pôs-se a chorar, não emocionada, e sim porque havia percebido uma coisa: a filha havia enlouquecido novamente, logo no dia do casamento do filho.


Rita estava a procurar o fim do mundo. Tudo ia rolando mansamente por água abaixo. Antonio Lucas mandou que empregados fossem atrás da filha; os irmãos também se empenharam na busca. Enquanto aguardavam resultados, tratou de adiar o casório; para aquele dia já não dava mais. Não importava perdas, se a filha aparecesse logo. Era uma pena ter acontecido logo em tal ocasião. Nem bebida exaltou os ânimos, nem lembrar que de outras vezes ela votou sã e salva, mesmo demorando. Acontece que aquela era uma data especial, de uma certa forma, a festa era de Rita. Todos se compadeciam da dor do velho Lucas. Diziam haver males que vêm para bem... Disseram isso mas de nada adiantou.

Nem mesmo os noivos riam mais, mesmo sendo para eles se sentirem menos tristes que os outros. Nas outras vezes que a loucura se apossava de Rita, até que não se importavam muito. Mas desta era uma tristeza, um azar dos maiores. As pessoas se retiraram furtivamente, como espertos ladrões. A noite estava alta quando deitaram, cheios de esperança. Não dormiram, pensaram em Rita, como nunca haviam pensado antes. Para eles, aquela foi a maior noite do mundo, pareceu interminável. Por dois dias inúteis procuraram por Rita. Três dias inúteis, quatro dias inúteis. Augusto, Robério e Geraldo intensificaram a busca. Já se sentiam desanimados.

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Desta feita, de nada adiantavam as orações à Santa Rita, nem novenas ou terços, ou nada. Tentavam engolir a comida quando um molequinho chegou exausto, correndo, gritando: - Eu achei, eu achei ela... Eu achei ela Seu Armando... - Achou o quê, menino? - Pergunta Augusto, como se fosse o pai. - A moça, a Rita, a doi... - Onde moleque... Onde? - No rio, perto daquele poço fundo, onde tem piau. Eu estava lá pescando, acho que é ela sim. - Morta? Ninguém esperou a resposta. Seguiram o menino até o rio, mastigando ainda um resto da comida. Atravessaram o pasto para cortar caminho. Chegaram. Um galho de árvore segurava o corpo da moça, que boiava inchado, não deixava que a água o levasse. A dor foi tanta que ficou retida na garganta, como um espinho de peixe, ferindo, arranhando. Entre choro resgataram-na, desfigurada, sem pedaços dos lábios, das orelhas, do nariz. Horrível a cena. Mas Rita não trazia no rosto a expressão de pavor dos afogados. Estava morta, assassinada pelas águas do rio. Um crime perfeito. A pobre Rita encontrara o fim do seu mundo, no lugar onde os peixes não brigavam com ninguém.


Este livro foi impresso na Grรกfica X, R. Tal, nยบ 25. A tipografia utilizada foi Schneidler BT, corpo 9.





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