OPINIÃO
um contributo 111111
PARA A REVISAO DO NOVO ACORDO ORTOGRAFICO ;
A aplicação do acordo assinado há 22 anos continua envolta em p olémica. Ana Salgado, lexicógrafa do D epartamento de D icionários da Porto Editora, avança com sugestões de uniformização da ortografia. Por ANA SALGADO Acordo O rtográfico, assinado em 1990, não estabelece uma ortografia única e inequívoca, deixando várias possibilidades de interpretação em muitos casos, o que tem provocado alguma instabilidade ortográfica. As declarações do secretário de Estado da Cultura português, Francisco José Viegas, sobre a necessidade de aperfeiçoamento e de revisão do novo Acordo Ortográfico levaram- nos a elaborar este contributo, avançando algumas sugestões de uniformização da ortografia da língua portuguesa. O Acordo Ortográfico apresenta muitas regras com exceções. Se, só por si, as mudanças ortográficas desencadeiam naturalmente reações de resistência, por vezes arrebatadas, os casos que fogem às regras gerais desanimam imenso quem escreve em português, pelo que se propõe uma redução das exceções. Seguindo uma das novas disposições do Acordo Ortográfico, as locuções de qualquer tipo devem ser escritas sem hífen (Base XV, 6.0 ), salvo as exceções ditas consagradas pelo uso, como é o caso de água-de-colónia, arco-da-'Uelha, cor-de-rosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia, ao deus-dará, à queima-roupa. Como aferir o que está ou não consagrado pelo uso e como responder a algumas outras questões, nomeadamente: como explicar que pé-de-meia deve ser escrito com hífenes, em virtude da consagração pelo uso, mas pé de atleta não? Ou por que razão cor-de-rosa mantém os hifenes, mas cor de laranja se escreve sem os mesmos? O u então por que motivo arco-da-'IJI!Iha mantém os hífenes, mas o mesmo não acontece em arco da aliança, arco da chu·va ou arco de Deus, quando todas estas locuções significam o mesmo? ão seria desejável que as palavras que apresentam o mesmo tipo de constituintes seguissem a mesma norma? O critério da consagração pelo uso, ainda mais num acordo assinado em 1990, não parece constituir um principio rigoroso para justificar as exceções às regras gerais. Acrescente-se ainda que a dificuldade que a disponibilização de uma listagem de «todas» as exceções podia ter oferecido aquando da redação do texto oficial, hoje é facilmente superada pelos novos meios informáticos ao dispor dos lexicógrafos e uma tal listagem, ainda por publicar, poderia ser a solução para estes
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casos. Sendo este um ponto controverso da reforma ortográfica, os vocabulários oficializados até ao momento apresentam um diferente entendimento da matéria: a eqtüpa brasileira conserva os hífenes nas exceções consagradas pelo uso referidas no Acordo, enquanto a equipa portuguesa opta pela facultatividade, assumindo também como aceitáveis variantes sem hífen. Esta eliminação geral do hifen em locuções pode ser encarada como um fator vantajoso, no sentido de uma mais rápida assimilação e memorização da regra, pelo que se poderá propor a eliminação das e:xceções acima referidas {salvo em deliS-dará, queima-roupa por serem estruturas obviamente diferentes das restantes). Uma outra possibilidade poderia ser seguir o critério semãntico, mais ao gosto dos linguistas, mas não tão prático, dada a dificuldade muitas vezes sentida em avaliar o grau de transparência de estruturas: umas, em que o emprego do hífen pode ser justificado quando o sentido do conjunto se altera relativamente ao significado dos componentes {sentido figurado), como em pé-de-meia, e outras que dispensam o hífen, uma vez que a leitura é literal {sentido real), como em fim de semana ou sala dejantar. Ainda no quadro das exceções, podemos referir os compostos nos quais o primeiro elemento é uma forma verbal e cm que a tradição gráfica dita o uso do hífen, como em conta-gotas ou guarda-chttva {Base XV, 1.0 ) . Nalguns compostos deste género, os respetivos constituintes foram-se agluti nando ao longo do tempo: é o caso de, por exemplo, girassol, madressilva e pontapé. Segundo as novas normas, mandachuva, paraquedas e paraquedista também passaram a comportar-se desta forma, devendo ser escritos aglutinadamente. Contudo, o texto oficial não dita a eliminação do hífen noutros compostos com os antepositivos manda- e para(a grafia nova não acentua pára), como manda-tudo, para-brisas, para-choques, para-mios, o que é incoerente com as grafias novas mandachuva, paraquedas, paraquedista, paraquedismo. Como explicar que guarda-chuva tem hifen e mandachuva não, quando ambas as formas são unidades compostas por um verbo e um nome? Surge a dúvida sobre se as palavras cujos constituintes são idênticos deverão também ser aglutinadas. Propõe-se repor o lúfen em todos estes vocábulos (manda-chuva, para-quedas,
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para-quedista, para-quedismo), o que garantiria um tratamento uniformizado a todos os compostos com manda- c para-. Relativamente a topónimos compostos, as novas regras determinam o uso do hífen quando iniciados pelos adjetivos gnl, grão ou por forma verbal ou quando os seus elementos estão ligados por artigo, como em Grã-Bretanha,Abre-Campo, 'l/rir-os-Montes. os outros casos, os topónimos compostos escrevem-se com os elementos separados, sem hífen,Amérira do Sul, Cabo Verde, Castelo Branco, sendo Guiné-Bissau uma exccção consagrada pelo uso (Base XV, 2.0 ) . Por que razão se mantém o lúfcn em Guiné-Bissau e Guiné Equatorial ou Timor Leste, por exemplo, são grafados sem hífen? Seria desejável a publicação de uma Lista extensiva de topónimos em que se justifica a manutenção do hífen pela sua frequência ou consagração de uso.
Apesm· de o objetivo da reforma ser a unificação das duéL'> ortot,mlfias oficiais da língua portuguesa, as instituições, c concretamente as equipas responsáveis pelos vocabulários oficializados, têm vindo pontualmente, e sem maiores explicações, a tomar decisões que não são convergentes no que respeita às opções gráficas de diversas palavras c cm que poderia ser útil acordarem uma uniform ização.
m dos pontos do Acordo Ortográfico referidos como mais problemático é o facto de um mesmo vocábulo apresentar mais de wna grafia correta (grafias duplas) e a proliferação da noção de facultatividade na ortografia. A facultatividade não é uma novidade na língua, mas este principio vai contra o próprio conceito de unificação da ortografia. As grafias duplas são a repi'esentação gráfica de pronúncias diferentes, quer entre diferentes países, quer dentro do próprio território nacional. ão há dúvidas de que um português diz amnistia e tónico e um brasileiro anistia e tónico e que qualquer um dos dois irá grafar estas palavras de acordo com a sua pronúncia. Qyando na ora Explicativa se lê: <<Os dicionários da língua portuguesa, que passarão a registar as duas formas em todos os casos de dupla grafia, esclarecerão, tanto quanto possível, sobre o alcance geográfico e social desta oscilação de pronúncia>> deixa-se a resolução do problema para outros decisores, nomeadamente os lexicógrafos de Portugal e do Brasil. Ora, no <<Plano de Ação de Brasília para a Promoção, a Difusão e a Projeção da Língua Portuguesa>> lê-se o seguinte: «Nos pontos em que o Acordo admite grafias facultativas, é recomendável que a opção por uma delas, a ser feita pelos órgãos nacionais competentes, siga a tradição ortográfica vigente em cada Estado Membro, a qual deve ser reconhecida e considerada válida em todos os contextos de utilização da língua, em particular nos sistemas educativoS.>> Esta declaração do Conselho de Ministros da CPLP vem confirmar a e:<.istência de várias grafias nos diferentes países e atribtür essa responsabilidade às entidades oficiais. A facultatividade também está presente nos casos de dupla acentuação em palavras esdrúxulas (Base XI, 3.0 ) e algumas graves, geralmente terminadas em n, r, sou x com e e o tónicos, seguidos das consoantes nasais m ou n, com as quais não formam sílaba (Base IX, 2.0 , Obs.), servindo de exemplo os vocábulos gémeo ou gêmeo, tónico ou tónico, ténis ou ténis, pónei ou pônei. Em Portugal e nos países africanos, escrevem-se com acento agudo porque o seu timbre é aberto, mas no Brasil escrevem-se com acento circunflexo porque o timbre é fechado. Como o timbre da vogal também é fecl1ado em alguns casos na norma europeia, sente-se a necessidade de explicitar palavras como estômago, fêmea ou sêmola. H á ainda muitos outros vocábulos que apresentavam grafias diferentes nas duas normas oficiais assumidas até agora, como cupão ou cupom, edredão ou edredom, ião ou íon, mação ou maçom, protão ou protón, entre outros, e que seria útil estudar e tratar de maneira uniforme.
critério norteador das novas normas orwgr:ífka~ na demanda de um padrão ortognílleo único é designado pelos redatores do Acordo Ortográfico como <<Critério l(>nético (ou da pronúncia)» na Nota Explicativa, 3.0 . Este principio 1(>nético, muitas vezes criticado como um critério de fraco valor cientifico, pode simplificar a ortografia e reduzir o número de divergências eno·e as práticas ortográficas portuguesa c brasileira. o entanto, o mesmo principio é sustentado pela <<pronúncia culta» que, além de ser dificil de definir, levanta outro tipo de problemas, uma vez que um mesmo vocábulo pode ser pronunciado de modo diferente, dependendo do contexto sociolinguistico, e não cabe à ortografia representar pronúncias regionais, socioletais ou individuais. Surgem imensas dificuldades no que concerne ao léxico técnico e cientifico por se tratar, na maioria dos casos, de palavras pouco correntes, cuja informação leJàcal (transcrição fonética ou ortoépica) é muito escassa, como, por exemplo,floctaftnina, laparonifrectomia. Não se poderia manter a forma conservadora (com as consoantes etimológicas) como a grafia de uso universal, dado tratar-se de vocabulário pouco corrente e raramente usado pela maior parte das pessoas? E que dizer dos casos em que este critério fonético gera f01mas gráficas diferentes nas duas normas, quando anteriormente só havia uma grafia, como em ,·ecepção, agora receção na norma europeia e recepção na brasileira? Há também mudanças que conduzem ao aumento de situações de homografia, palavras com grafias iguais, pronúncias iguais ou diferentes, mas significados diferentes, e que interferem com a velocidade do processamento da infonnação no ato de leitura. É o caso da eliminação do acento diferencial em paroxítonos que possuem uma homógrafa sem acentuação próplia:para (anteriormentepára), flexão de parar, e para, preposição; pela (anteriormente péla), nome e flexão de pelar, e pela, combinação de per e la; pelo (anteriormente pélo), flexão de pelar, e pelo, nome ou combinação de per e lo; polo (anteriormentepólo), nome, e polo, combinação antiga e popular de pore lo (Base IX, 9.0 ) . A eliminação do acento agudo na 3.a pessoa do singular do verbo parar (para) cria um par homógrafo no português (homónimo no português do Brasil), dificultando o reconhecimento e a leitura. Esta opção acaba por se revelar inconsistente quando confrontada com a nova regra {Base VII,3.0 ) em que se mantém a distinção entrepõr {verbo) e por (preposição), um par semelhante ao anterior, e também entre pôde (pretérito perfeito) e pode (presente).
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de pretensiosismo -uma atitude de militante sanidade, mas sempre no limite do filistinismo ou da misantropia. Ao túvel mais elementar, A Sorte dejim é um típico primeiro romance, cuja trajetória é definida por um protagonista que aprende a denunciar, combater e finalmente transcender as imposturas e hipocrisias que o limitam, até encontrar a sua voz e a rapariga certa. Nl as a outro nível é um romance muito mais invulgar, na medida em que tenta resolver os di.lemas de um certo tipo de romance e protagonista moderno (ou mesmo modernista), com meios ferozmente idiossincráticos. Em vez de uma deriva interior ou de uma epifania ambígua, a narrativa oferece a Dixon um sucessão de prendinhas. A sua alienação é transcendida quando ele aprende a aceitar essas prendinhas sem a bagagem da culpa ou da piedade. Algumas circunstâncias são melhores do que outras, algumas raparigas são mais giras do que outras e <<todas as deduções q ue pudessem ser feitas a partir desse f.'lcto deveriam sê-lo: eram inúmeras as maneiras de as coisas agradáveis serem mais agradáveis do que as desagradáveiS>>. Creio que não se diminui o prazer de nenhum leitor vi rgem ao revelar que as coisas agradáveis, quando chegam, chegam em força. O clímax do romance é como uma versão colorida d'O Processo de Kafka, em que Josef K. consegue não apenas ser liminarmente ilibado de quaisquer acusações, como ainda esbofetear os polícias, seduzir a filha do juiz e ganhar a lotaria de Praga. Não é preciso efetuar grandes piruetas exegéticas para categorizar A Sorte dejim: trata-se de um supremo conto de fadas, em que vivem felizes para sempre, e sem q ualquer sugestão de ressaca.
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O ÚLTIMO IMPERADOR Depois do esperado retrocesso medieval (quando as soluções mais populares eram sangue de sapo, excremento de cabra e água benta), a opção pela remoção cirúrgica voltou em força no século XIX, g raças aos esforços de William Halsted, o cocainómano pioneiro da mastectomia radical, e fervoroso adepto da doutrina se-
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gundo a qual se a remoção é a CW'a, então mais remoção é uma cura ainda melhor: além da C-'l.tração da mama, Halsted decidiu aplicar a técnica da retroescavadora, retirando clavículas, músculos peitorais, nódulos linfáticos, ombros, qualquer coisa que estivesse no caminho e representasse uma potencial ameaça. (Embora o termo <<mastectomia radical» fosse usado no sentido etimológico clássico de ir à <<raiz» do problema, ao ler as tenebrosas descrições desse Granel Guig no l clínico, é mais fácil pensar nos outros sentidos coloquiais da palavra: extremismo- e fimdamentalismo.) As sucessivas revoluções científicas pós-1945 (a descoberta dos antibióticos, as consideráveis melhorias na higiene pública, o desenvolvimento de novas técnicas cirúrgicas) aumentaram drasticamente as esperanças de longevidade das populações em países desenvolvidos, mas o cancro permaneceu uma incómoda e'<ceção- recusando-se a <<acertar o passo com a marcha do progresso>>. O número de casos crescera exponencialmente desde os seus raros e misteriosos primórdios, enquanto as possibilidades de cura permaneciam no mesmo patamar. Parte do problema é que o cancro é a doença civilizacional por excelência: <<torna-secomum depois de termos erradicado todas as outras doenças>>. O aumento da esperança média de vida dos seres humanos não causou o cancro, mas permitiu que ele se tornasse mais comum. E ste facto trouxe consigo problemas culturais. Ao contrário de outras doenças, o cancro não teve tempo para se tornar banal. Mukherjee recupera com inteligência o célebre argumento de Susan Sontag (expostO em 11/ness as j'vfetaphor) sobre os m odos específicos como as doenças paradigmáticas das suas épocas são personificadas e metaforizadas. Se a tuberculose- a doença-padrão do século XIX- alcançou uma aura ele romantismo, o cancro era a praga secreta, a doença obscena, impossível de esteticizar. Mais do que a morte, era definida pela longa c desvitalizante agonia que a precede, uma agonia que as pressões sociais empurravam para a privacidade. J á na década de 50, quando uma sobrevivente do cancro da mama tentou publicar no New York Times um anúncio pago a um g rupo de apoio a mulheres com o mesmo problema, o editor explicou-U1e educada mente
que o venerável livro de estilo não permitia os vocábulos <<Cancro>> nem <<mama>>. Os primeiros esforços políticos para instintcionalizar as respostas à doença foram comicamente grotescos: um senador de W est Virgínia exigiu durante uma sessão do Congresso que se oferecesse uma recompensa em dinheiro a qualquer pessoa possuidora de informação <<que pudesse conduzir à prisão do cancro» (esse delinquente do faroeste). Culturalmente, as coisas só se alteraram com o encontro fo rtuito entre Sidney Farber (o invento r da quimioterapia) e Mary L asker, uma socialite de Chicago à procura de uma causa ftlantrópica, um encontro que Mukherjee descreve como o de dois viajantes, <<cada um com uma metade do mapa>>. Foram os seus esforços combinados -legitimidade cientifica e a arte para a manobra política e angariação de fundos- que levaram à célebre declaração <<Guerra contra o Cancro» feita por ixon, um vago mas gigantesco projeto instintcional que basicamente significou um dilúvio de fundos governamentais no ataque à doença. Tal como muitas das guerras abstratas que os E stados U nidos declararam (às drogas, ao terrorismo), os resultados práticos fo ram desiguais, mas os efeitos culturais, pelo menos desta vez, foram mais positivos do que negativos. Embora os últimos capítulos do livro deixem uma nota de esperança, revelando os notáveis resultados conseguidos por <<drogas milagrosas» como o Gleevec ou o Herceptin, sugerindo uma nova geração de medicamentos «inteligentes» que ataquem a mutação genética na sua origem pré-celular, Mukherjee permanece cético sobre a possibilidade de uma cura total, no sentido em que habitualmente entendemos a expressão. Tranformar vários tipos de cancro em doenças crónicas, co mo a diabetes, é a máxima utopia que Mukhetjee se permite sugerir. Numa doença desvendada pela longevidade, e cujos processos são réplicas dos nossos processos vitais- de reprodução, de regeneração - talvez o cancro represente «O limite intrínseco da nossa sobrevivência». Se o cancro é, para todos os efeitos, um derradeiro despotism o clínico por derrotar, talvez a melhoresperança seja essa: uma espécie de lenta transição democrática, transformando o último imperador num soberano vitalício, m as privado do seu poder absoluto.
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ACORDO ORTOGRÁFICO O texto oficial estabelece ainda como o pcio nal o acento em formas verbais como amámos, passámos (pretérito petfeito do indicativo), em dêmos (l.• pessoa do plural do presente do conjuntivo) e em forma (nome)- Base IX, 4. 0 c 6. 0 , b). Tendo em conta o exposto, propõe-se, em primeiro lugar, a reposição do acento diferencial em pára, pé/a, pêlo c pólo. Em segundo lugar, propõe-se uma nova redação que recomende explicitamente as formas acentuadas do passado terminadas em -ámos na variedade europeia da língua, para as distinguir das correspondentes formas não accnntadas do presente do indicativo, bem como a fo rma dêmos para se distinguir de demos, correspondente forma do pretérito perfeito do indicativo, e forma, que enquanto nome será graf.1da sem acento na norma de variedade europeia c com acento circunfl exo na norma brasileira. No que d iz respeito à hifcnização, uma das novas reg ras estabelece o e mprego do lúfen nas palavras compostas que desig nam espécies botânicas c zoológicas (Base XV, 3.0 ). E ste critério de uso obrigató rio do hífen em compostos pertencentes à botânica e à zoologia, nomeadamente a espécies, poderia ser alargado a outras áreas de especialidade, como a química, citando como exemplos os vocábulos azul-da-pníssia, azul-de-cobalto ou azul-de-metileno, que se manteriam hifenizados, po r serem termos técnicos. Ai nda dentro deste tópico, vale a pena f.'lzer referência a um aditamento da responsabilidade da Comissão de L exicolog ia e L exicografia da Academia Brasileira de Letras, seguido pela equipa pormguesa responsável pelo vocabulário oficializado, que esclarece o não emprego do hífen quando palavras que designam espécies botânicas e zoológicas têm outros sentidos que não são técnicos. Assim, há compostos que surgem desdobrados como, por exemplo, pé-de-galinha (planta) e pé de galinha (ruga). Apesar ele ser um critério coeso, surgem algumas dúvidas: será que devemos hifenizar vocábulos como griio-de-bico? Enquanto espécie, não há dúvidas, mas
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enquanto semente leva hílc:n? E f>inhn ro-de-riga? Sendo uma espérit', 1<' 111 l11 fenes. E a madeira designada de f>inho -de-riga terá hífcncs? Propomos qur o lúfen seja alargado, por isso, a todas a' áreas de especialidade, c não apenas a espécies da botânica e da zoologia. I l:í o utro problema que se pode levantar relativamente a este tipo de compostos. No caso de esse vocábulo ser uma designação po pular de uma espécie botânica ou zoológica, o hífen será obrigatório, como em bicho-da-madeim? Não parece com preensível hifen izar as designações populares, pelo que as equipas dos vários países subscritores poderiam tentar chegar a um entendimento sobre estes casos. Apesar de o objetivo da reforma ser a unificação das duas o rtografias oficiais da líng ua portuguesa, as instituições, e concretamente as equipas responsáveis pelos vocabulários o ficializados, têm vindo ponn1almente, c sem maiores explicações, a tomar decisões que não são convergentes no que respeita às opções g ráficas de diversas palavras c cm que poderia ser útil acordarem uma uniformização. No caso de locuções de uso geral, ovocabulário ofi cial em Portugal , além de aceitar variantes ortográficas para as exceções consagradas pelo uso, indicia que a nova norma apenas se aplica às sequências constintídas por um nome seguido por preposição e por outro nome (por exemplo, dia a dia,fim de semana, sem lúfen, mas azul-e-branco, leva-e-traz, com hífen). Refira-se ainda que o facto de este vocabulário apenas atestar as locuções registadas no Vocabulário da Língua Portuguesa ele Rebelo Gonçalves é algo redutor, po is embora ainda seja uma g rande obra de referência em língua portuguesa, é um vocabulário datado de 1966 e q ue não regista, por isso, mLútas outras estrunlfas usadas anta! e correntemente como, por exemplo, sobe-e-desce e todo-o-terreno. É também o caso de e-xpressões com valor de substantivo: seráfaz de conta, sem hífcnes, o u faz-de-conta, com hífencs?
( )u ll :1, dúvidas surgem se nos referirmos h lo1111as onom:ísticas que entram na
, <>IIIJ'I " i'.u ' <k palavras do vocabulário <OIIHIIII: III'''''' ca ~os,os nomes próprios g1.tfa111 ' r rom inirialmaiúscula ou mi1\la-tul.. ~ s\'1.1 l'akanhur dt•uquilt•s ou calfllnhm t/,·;/r;ui/,·,, 11/tl ftl de / Ir/ao ou maçii t!t· atino, tiniu tlu l'hina ou tiniu da China? Por l'tltimo, o~ rompo~ lOs com elementos repetidos sao hi l\:niz ados, s q~;undo critério ditado pela Comissao de l .cxico logia e Lexicografia da Academia lhas i !eira de L etras, enquanto cm Portu~al se segue a tradição gráfica c esse tipo de vocábulos se escreve como uma só palavra. Teremos, assim, tique-taque a par ele tiquetaque ou zum-zum a par de zunzmn. Uma ve-.t mais, diferentes leituras do texto oficial f.12em proliferar grafias duplas. Uma ortografia simplificada tem sido a linha seguida desde a primeira grande refo rma o rtográfica portuguesa (1911) e é seguindo essa mesma linha que se pretende reduzir ao máximo as divergências entre as duas normas ortográficas existentes, garantindo assim uma maio r uniformização de critérios, sem esquecer de descrever linguisticamentc as variedades africanas, asiáticas e galega do português. É conveniente e vantajoso defmir uma política linguística que seja um instrumento de conservação do vasto património que representa a líng ua portuguesa, reconhecendo a pluralidade e diversidade do nosso idioma. D evemos prosseguir na <<demanda>• de um sistema ortog ráfico que se adeque a todos os territórios em que se fala e escreve em português. O tema não se esgota aqui e muito mais haveria a acrescentar. Este contributo deve ser encarado tão-somente como ponto de partida para uma refle.'<ão conjunta de estudiosos e investigadores, numa perspetiva de lusofonia que o Acordo exige. Sirva o presente artigo para animar todos os interessados na elaboração de uma proposta de revisão que vise apeifeiçoar o novo A cordo Ortográfico e estabelecer novos critérios orientadores mais uniformes, quanto antes.
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