Textos de António Fernando Nabais publicados no blog Aventar
1. O que não interessa A discussão sobre o Acordo Ortográfico (AO90) não está esgotada. Hoje, e ao longo de mais sete textos, procurarei dar o meu contributo para o debate, sabendo que será praticamente impossível ser original, tal a quantidade de contendores que tem versado o assunto. Procurarei, ainda assim, sintetizar, divulgar e organizar muita da argumentação entretanto produzida. No debate sobre o AO90, tem havido demasiado ruído para que esse mesmo debate seja efectivo e, portanto, consequente. Entre a confusão de declarações importa definir, antes de tudo, de que é que não falamos, quando falamos sobre o AO90. Há, por exemplo, quem afirme que não devemos adoptá-lo porque somos os donos da língua e que, portanto, a haver sujeição, deveriam ser os outros países a acatar o que lhes quiséssemos impor. Tudo indica que tais afirmações terão origem num complexo resultante de um desejo de regressar aos tempos colonialistas. Entre os que defendem que devemos aceitar o AO90, muitos afirmam que o devemos fazer porque não somos os donos da língua. O Português pertencerá, com certeza, aos falantes de todos os países lusófonos, mas fica por explicar em que é a recusa do AO90 corresponde a um sentimento proprietário. Este argumento faria sentido se Portugal resolvesse impor aos outros, por exemplo, a ortografia europeia. Alguns críticos do AO90 baseiam as suas críticas no facto de ser imposto pelos brasileiros ou por ser uma ideia dos brasileiros. Não vejo qual seja o problema de adoptar uma boa ideia, independentemente da sua origem. Que sentido faria recusarmos a cura de uma doença só porque tinha sido encontrada por cientistas brasileiros? Entre os defensores do AO90 temos aqueles que declaram que Portugal deve sujeitar-se aos ditames brasileiros por causa da dimensão do país, o que faz tanto sentido como decidir que devemos passar a produzir queijo mineiro e deixar de fabricar queijo da Serra ou, para usar uma escala mais global, erradicar o cozido à portuguesa em favor do hambúrguer, alimento decerto mais consumido pela maioria dos habitantes do planeta. O AO90 é, ainda, visto como um instrumento fundamental para a internacionalização da língua, fenómeno que, pelos vistos, acontecerá devido à uniformização ortográfica pretensamente alcançada. Tendo em conta o número de falantes a nível mundial, a internacionalização da língua portuguesa é, afinal, um facto. A divulgação da língua e da cultura portuguesa ou mesmo lusófona dependerá da qualidade das suas produções.