O IMPOSSÍVEL ACORDO

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IDEIAS & DEBATES

O IMPOSSÍVEL ACORDO Na discussão do Acordo Ortográfico, além dos termos de uma estéril querela que se fica por questões de princípio, é possível perceber que por mais críticas que tenha suscitado, por mais que tenha sido desautorizado cientificamente, ele resistiu pela sua condição de projeto político

Texto António Guerreiro

34 | ATUAL | 25 de fevereiro de 2012 | Expresso

A

discussão pública do Acordo Ortográfico (AO) tem surgido muitas vezes como uma espécie de querela dos Antigos e dos Modernos: os primeiros, por fé e princípio, contra o Acordo, chegando a anunciar, em linguagem apocalíptica, que ele significa a “destruição” da língua portuguesa; os segundos, por princípio e fé, a favor do Acordo, em nome de uma mirífica unidade da língua como fator de internacionalização e da ideia de que a ortografia pode ser mudada e simplificada como qualquer convenção. No primeiro caso, a ortografia é entendida como um facto linguístico imutável, fixado como uma natureza; no segundo caso, exacerba-se a convencionalidade para lhe negar um estatuto propriamente linguístico e de sistema autónomo em relação à oralidade. Para perceber o alcance, os efeitos, as contradições e até alguns absurdos do AO é preciso abandonar a discussão que se desenrola nos termos de uma querela caricata e prescinde tanto da argumentação técnico-linguística como dos aspetos pragmáticos e formais da implantação do Acordo. Mas, se a discussão não ocorreu nos moldes desejáveis, isso deve-se em grande parte ao facto de o Acordo ter sido elaborado e negociado sem se cumprir a exigência de ouvir os linguistas e outras entidades que têm


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