Impressões sobre o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa Alberto Mesquita
Deparei-me há uns dias com uma página no Facebook de contestação ao tão falado Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (AOLP) e, quando me preparava para aderir, vi um link para o documento propriamente dito. Até hoje, devo ter assinado uma meia dúzia de petições contra o referido acordo mas a verdade é que nunca o tinha lido e convenhamos que é sempre melhor termos um conhecimento concreto sobre os assuntos relativamente aos quais emitimos uma opinião. E foi assim, que dei por mim a navegar, com alguma atenção, pelas 31 páginas do documento. A princípio preocupava-me o facto de não estar familiarizado com termos como ênclise, tmese e palavras paroxítonas mas a verdade é que o texto se deixa ler relativamente bem. As pessoas que sabem que, há uns anos atrás, me dei ao trabalho de ler a Constituição da República Portuguesa quase toda, poderão desconfiar deste juízo de valor mas a verdade é que o AOLP pode chegar a ser interessante. Reconheço também que as palavras em geral me fascinam, abrir um dicionário corresponde a uma viagem no tempo e na história em que cada palavra tem uma personalidade própria, uma textura, uma cara, uma cor, até um cheiro e que só quando é dita se dá a conhecer inteiramente 1 ; sozinhas ou acompanhadas por outras, geram imagens e sensações únicas. Assim sendo, talvez nem todas as pessoas tenham o mesmo interesse em folhear o Acordo e por este motivo, aqui partilho as minhas impressões, sem quaisquer ambições de erudição, destinadas portanto apenas a pequenos e médios intelectuais 2 . A primeira, e sem querer antecipar conclusões, é que o AOLP foi assinado em 1990 por pessoas com nomes tais como Chiarelli, Hopffer, Honwana e, surpresa… Pedro Santana Lopes, enquanto Secretário de Estado da Cultura; é portanto, uma espécie de preparação para o que se segue. Muito apropriadamente, à semelhança do que se faz na Matemática em que se definem os valores de um domínio ou num programa informático em que se declaram as variáveis à cabeça, o Acordo começa por definir as 26 letras do alfabeto e, logo aqui, temos umas pequenas surpresas: a letra “k” (capa) pode também ser lida como “cá”, é bom saber, e a letra “w” está descrita como “dáblio”; a princípio pareceu-me que poderia ser resultado de uma concessão a pressões do Sr. Pinto da Costa para legalizar a sua pronúncia do Norte mas depois lembrei-me que no Brasil gostam de abrir as vogais. Fiquei mais descansado por logo abaixo ser informado que “os nomes das letras acima sugeridos não excluem outras formas de as designar”. Inicia-se portanto o acordo num contexto de liberalidade. 1 Ideia expressa em “L Antruido de las Palabras” de Francisco Niebro em Cebadeiros, ed. por Campo das Letras, 2002, link disponível em http://www.albertomesquita.net/am/moleskine/LAntruidodasPalabras.html 2 Expressão extraída de http://bitaites.org/