ANSELMO SOARES

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TRANSCRIÇÃO DA PARTE DO PROF. ANSELMO SOARES, DA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA, NA AUDIÊNCIA PELO GRUPO DE TRABALHO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA PARA ACOMPANHAMENTO DA APLICAÇÃO DO ACORDO ORTOGRÁFICO (28 de Março de 2013)

[ANSELMO SOARES] Bom! Em nome da Academia das Ciências muito obrigado por este convite.

A O

A questão do Acordo Ortográfico arrasta-se e a Academia das Ciências entende que ela tem solução. É claro que os problemas relacionados com a língua, a língua é um corpo vivo e como corpo vivo está em evolução permanente. Portanto as soluções nunca podem ser soluções para a eternidade. São soluções adaptadas à realidade própria dum determinado momento histórico. Sucede que o Acordo Ortográfico foi aprovado em 1990 com a participação de quatro académicos de alta responsabilidade, então, no domínio da língua, entre os quais M.ª Helena da Rocha Pereira, Américo da Costa Ramalho, Fernando Cristóvão, Aníbal Pinto de Castro. E a Academia das Ciências ficou à espera de que o Acordo entrasse finalmente em, em… fosse aprovado e entrasse em vigor. Acontece que os trabalhos preparatórios da entrada em vigor do Acordo demoraram, ou melhor dizendo, não se fizeram. Houve tentativas para que eles se fizessem mas não se fez nada. E durante vinte anos, nós estivemos a olhar uns para os outros.

IL

C

A Academia sempre entendeu que o Acordo é basicamente um acordo científico. – Aliás, faz jus ao nome; a Academia mal lhe parecia que não defendesse o ponto de vista científico. – E justamente ao fim de vinte anos, um membro do governo de então, que antecedeu a professora Gabriela Canavilhas na [pasta] da Cultura, decidiu, com argumento político, pôr em vigor imediatamente o Acordo. Sem ouvir ninguém. Pelo menos que eu saiba. Podem depois talvez esclarecer-me se alguém foi ouvido. A Academia não foi ouvida. E nós vivemos num mundo em constante mutação; vinte anos é muito tempo. Vinte anos de hoje correspondem a duzentos anos do séc. XVI ou do séc. XVII. Em vinte anos, há transformações no domínio da entrada de novas palavras, portanto os neologismos, no próprio domínio ortofónico – porque a ortografia está intimamente ligada à ortofonia, à ortoépia. – Como diz Gonçalves Viana, o grande mestre da reforma de 1911, tudo o que se diferencia na fala, deve diferenciar-se na escrita; a ortografia deve ajudar a pronúncia e não complicar desnecessariamente a pronúncia. E daquilo que eu tenho lido, e tem sido muito, acerca das críticas; umas eivadas de alguma má-fé; outras muito pertinentes; eu acho que chegou o momento de em boa paz, à volta da mesa, os cientistas terem oportunidade de corrigir… Porque isto não é a Bíblia! O Acordo não é a Bíblia! Uh! [Interjeição de repúdio.] Eu costumo dizer, pode vir a ser o Corão; porque a Bíblia… enquanto a Bíblia… – Nós ainda nos regemos pela «vulgata» de S. Jerónimo; o Corão recebeu modificações no séc. XVII. – Portanto podemos corrigir, podemos melhorar. Estamos aqui todos cheios de boa vontade para isso. Mas não sentimos que haja da parte do poder político essa consciência de que aquilo que nos une é muito mais forte do que aquilo que nos separa e portanto temos de dar as mãos, temos de falar, temos comungar. Aliás o verbo «comungar» vem do latim e na etimologia tem o sentido de partilha. Comunicar é partilhar ideias. Não tem havido comunicação. E como dizia o Chacrinha lá no Brasil – «Quem não comunica si trombica».


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