AO UNIDADES DE MEDIDA

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O acordo ortográfico manda escrever 'açunto' e o VOLP brasileiro fala de uma multidão de 1000 Júlios

James Watt

Em que se demonstra que os autores do Acordo Ortográfico não sabem escrever (e os autores dos VOLP/VOP também não) e que um megafone não é igual a um milhão de milhões de microfones...

João Roque Dias, CT Publicação original: Nota 32 no Facebook do autor (28 de Fevereiro de 2011)

Esqueçamos por um momento o objectivo fundamental do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (AOLP): dar cabo, por via administrativa, das consoantes mudas da ortografia portuguesa, esse formidável entrave à estuporada "unificação" da ortografia do português (leiase a Nota Explicativa que o acompanha), à "expansão da língua portuguesa" (para onde?) e, até, à adopção do português como "língua oficial" da ONU... Retenhamos por um momento a nossa atenção numa das suas atoardas, apesar de pouco divulgada e tratada nos textos onde o Monstro é analisado. Na Base I, 2.º c) pode ler-se «(...) Em siglas, símbolos e mesmo em palavras adotadas (sic) como unidades de medida de curso internacional: TWA, KLM; K-potássio (de kalium) Woeste (West); kg-quilograma, km-quilómetro, kW-kilowatt, yd-jarda (yard); Watt». Esta redacção obriga aos seguintes comentários: (1) Palavras “adotadas (sic) como unidades de medida”? Não sabem os acordistas que as palavras não podem ser “adoptadas” como unidades de medida? São símbolos (*), como kg, J ou W ou nomes (**), quando escritos por extenso, como quilograma, joule ou watt, conforme a designação oficial definida pela Conferência Geral de Pesos e Medidas (CGPM), de que Portugal é membro fundador (desde 1876...) e a que o Brasil aderiu em 1921! (2) “Watt”, escrito assim, para representar a unidade de potência? Os iluminados que pariram o Acordo deviam saber que, quando escritos por extenso, os nomes (em rigor, designados “nomes especiais”) das unidades de medida que derivem de nomes de pessoas são escritos com minúscula inicial, como J (joule), W (watt), F (farad), A (ampere), Pa (pascal), etc., “excepto quando no início de uma frase, ou integrado em texto em maiúsculas, como num título”. Está tudo nos papelinhos da CGPM (***) e, no que refere a Portugal, no Decreto-Lei n.º 427/83, de 7 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 320/84, de 1 de Outubro (i.e., diplomas legais anteriores à data da assinatura do acordo, em 1991). Viva o “rigor científico” do Acordo! (3) Qual é, afinal, o critério dos autores do AOLP para mandar escrever quilograma (kg) e quilómetro (km) mas kilowatt (kW) e não quilowatt? Será por kilowatt conter o "estrangeirismo" "watt", como lhe chama a entidade responsável pelo Vocabulário Ortográfico oficial pós-AO?


(*) symboles, no original da Brochure SI (versão francesa) e (unit) symbols, no original do mesmo documento (versão inglesa). (**) noms, no original da Brochure SI (versão francesa) e (unit) names, no original do mesmo documento (versão inglesa). (***) cf. www.bipm.fr Terão os autores do acordo consultado alguém sobre a redacção deste parágrafo do AOLP, nomeadamente a Faculdade de Ciências ou a entidade responsável pela utilização do Sistema Internacional em Portugal ou, até, no Brasil? Evidentemente que não! Por exemplo, na MorDebe (ILTEC), a palavra "watt", nome especial da unidade de potência do Sistema Internacional (Portugal é membro fundador da Convenção do Metro [1875] e da Conferência Geral de Pesos e Medidas desde, pelo menos, 1895), é apenas um "nome masculino" e um "estrangeirismo do inglês"! “Estrangeirismo do inglês” para designar o nome especial de uma unidade de medida de curso legal em Portugal? É a indigência intelectual em acção! No AO, como vimos no início desta Nota, esta palavra (como símbolo de uma unidade do Sistema Internacional) está escrita incorrectamente: "Watt", em vez de "watt". O Sistema Internacional, que define também a grafia das unidades de medida ("watt", e não "Watt", por exemplo), foi adoptado em Portugal pelo Decreto-Lei n.º 427/83 de 7 de Dezembro. Apesar de os nomes especiais das unidades serem incorrectamente grafados (por exemplo, "Joule", em vez de "joule") neste diploma (anterior à assinatura do AO), a consulta à extensa bibliografia da época (incluindo o Decreto 81.621 de 3 de Maio, brasileiro) e a especialistas relevantes teria impedido o registo errado de "Watt" no AO quando se refere o nome da unidade "watt". O Decreto-Lei n.º 238/94 de 19 de Setembro, português, veio, finalmente, corrigir estes erros. Outros disparates grossos no VOP português: "quilovátio" e "quilovátio-hora", em violação à NP-172 (1986) (a par das formas correctas "kilowatt" e "kilowatt-hora", para o freguês escolher). Alguém se preocupou em rever e corrigir o disparate registado no AOLP? Não! A ignorância, a incúria e a soberba não podem desculpar disparates deste calibre numa lei sobre ortografia! Mais recentemente, e já depois de o Governo ter declarado o AOLP em vigor, o Decreto-Lei 128/2010 de 3 de Dezembro que «altera o sistema de unidades de medida legais, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 238/94, de 19 de Setembro, alterado pelo Decreto -Lei n.º 254/2002, de 22 de Novembro, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2009/3/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março, que altera a Directiva n.º 80/181/CEE, do Conselho, de 20 de Dezembro de 1979, relativa à aproximação das legislações dos Estados membros respeitantes às unidades de medida» vem, mais uma vez, definir a grafia das unidades de medida em Portugal. E, tertium non datur, ou o autor desta lei não leu o AOLP (escreveu "watt" no Decreto-Lei e o AOLP manda escrever "Watt"), ou o AOLP viola as regras da escrita das unidades de medida definidas pelas organizações internacionais de que Portugal faz parte (desde o séc. XIX...) e a sua própria legislação interna...


Um conselho (gratuito) para os autores do VOP português: contactem o Instituto Português da Qualidade (IPQ) e peçam-lhe os muitos necessários esclarecimentos. E deixem de propalar asneiras vergonhosas numa publicação que pretendem normalizadora da ortografia portuguesa. No VOLP brasileiro, os erros são ainda mais assustadores. No Brasil, o Decreto 81.621 de 3 de Maio de 1978 (portanto, em vigor à data da assinatura do AO), com o respectivo anexo "Quadro Geral das Unidades de Medida", é o diploma de referência sobre as unidades de medida e a respectiva grafia. No entanto, a confusão e a ignorância dos autores do VOLP brasileiro entre "quilo" (forma incorrecta de designar a unidade de massa do Sistema Internacional, "quilograma", ou, também incorrectamente, para designar o prefixo SI para o factor multiplicador de 1000) e "kilo" (prefixo do Sistema Internacional, equivalente a 1000 vezes) merece umas boas e tristes gargalhadas: no VOLP original (5.ª edição) ficaram grafadas as formas (INCORRECTAS, desde logo) "quilohenry" e "quilohertz" (a forma correcta devia ser "kilohenry", i.e., 1000 henry e "kilohertz", i.e., 1000 hertz). Desastrada e desgraçadamente, no "Encarte de Correções e Aditamentos à 5a [5.ª] do Edição Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP)", os disparates "quilohenry" e "quilohertz" foram "corrigidos" para "quilohenry" e "quilo-hertz"!!! Vejam-se ainda outros erros hilariantes, falando apenas de unidades de medida, registados no VOLP brasileiro, ficando ao critério do leitor escolher o que mais lhe agradar: "quiloampère", "quiloampério", "quilojúlio" (será uma multidão de 1000 Júlios?), "quilovátio", "quilovóltio", "quilowats-hora" (agora, até um 't' foi roubado a "watts"), "quilowáttmetro" (o que raio será o 'quilowáttmetro'?). Um alegre arraial de asneiras... Um conselho gratuito para os autores do VOLP brasileiro: contactem o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) e peçam-lhe os muito necessários esclarecimentos. E deixem de propalar asneiras vergonhosas numa publicação que pretendem normalizadora da ortografia brasileira. O VOLP privado e não oficial da Porto Editora/Malaca Casteleiro contém também disparates do mesmo calibre: "quilohertz" (a par das formas correctas "ohm", "kilovolt", "kilowatt", "megahertz, "megawatt" e "megaohm"): "quilohertz", mas "kilovolt", porquê? Malaca regista também, correctamente, "milifarad", mas deixa de fora "picofarad" e diz que "pico" (prefixo SI) deve ser utilizado com hífen antes de "h" ou "o". Ou seja, Malaca acha que "picoohm" deve ser escrito "pico-ohm" e que "picohenry" deve ser escrito "pico-henry": "megahohm" e "pico-ohm", porquê? E que as palavras com "quilo" (mais uma vez, a confusão ignorante com o prefixo "kilo" do Sistema Internacional) devem levar hífen antes de "o" ou "h", Logo, Malaca dixit, devemos escrever "quilo-ohm", "quilo-henry" e "quilo-hertz" (então, afinal, não era “quilohertz”?). Dixit mal, Malaca! Ou dito de outra forma, mais um alegre arraial de asneiras! Contudo, para a história da ortografia e do AOLP, fica o erro ortográfico grosseiro e ignorante, nunca emendado. Escrever "açunto" no Facebook, ou num texto sem responsabilidades de maior, é (pode ser...) apenas um infeliz erro de ortografia ou uma simples gralha. Escrever "açunto" numa publicação normalizadora de uma ortografia seria um erro inadmissível! Malaca, Bechara et al. não sabem (nem procuram saber...), mas escrever "quilo-henry" é um erro do mesmo calibre de "açunto"...

Publicado na Biblioteca do (Des)Acordo Ortográfico a 18 de Janeiro de 2012 Subscreva a Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico


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