ACORDO ORTOGRÁFICO? NÃO, OBRIGADO! Não pedimos, não queremos, e, sobretudo, não precisamos. 18 de Setembro de 2012 Excelentíssimo Senhor Deputado [CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECEPÇÃO ENVIADA A TODOS OS DEPUTADOS DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA] Tem esta comunicação o objectivo de mostrar a V. Exª, aquilo que, com propriedade, se pode considerar o caos ortográfico instalado em Portugal com a adopção do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (doravante AOLP90). Com efeito, sobre os deméritos e as incongruências desse documento acientífico designado AOLP90 já tudo, ou quase tudo, foi dito. E ainda antes de os seus efeitos nos caírem em cima com toda a sua brutalidade. Alguns, quais profetas, anteciparam-nos. É infelizmente apropriado referir uma simples passagem do Professor Jubilado Roger Wright da Universidade de Liverpool: «The recent well-intentioned attempts to preserve linguistic, or at least orthographic, unity throughout Portugal, Brazil and the Portuguese African territories (and Goa, Macao and East Timor) have created chaos, particularly in Portugal itself.» De facto, os decisores políticos responsáveis por este descalabro, não podendo ser deuses, também não foram sábios. E nem sequer viram o que lhes podia passar (e passou!) sob os olhos, se assim o quisessem. I.
Comecemos pelos pareceres e comentários de carácter técnico sobre o Acordo Ortográfico, elaborados por personalidades, em nome individual ou como representantes de instituições com responsabilidades em matéria de Língua Portuguesa, entre 1987 e 1991. 1.
Ivo Castro & Inês Duarte, Comentário do Acordo, in Castro, Duarte & Leiria, orgs., A Demanda da Ortografia Portuguesa: Comentário do Acordo Ortográfico de 1986 e subsídios para a compreensão da Questão que se lhe seguiu, Lisboa: Sá da Costa, 1987, 13 – 89 [comentário e parecer] ACORDO ORTOGRÁFICO? NÃO, OBRIGADO! – Pág. 1 de 5
2.
Óscar Lopes, O Acordo Ortográfico, in Castro, Duarte & Leiria, orgs., A Demanda da Ortografia Portuguesa: Comentário do Acordo Ortográfico de 1986 e subsídios para a compreensão da Questão que se lhe seguiu, Lisboa: Sá da Costa, 1987, 129 – 33 [parecer]
3.
Departamento de Linguística da Faculdade de Letras de Lisboa, Posição sobre o Acordo Ortográfico, in Castro, Duarte & Leiria, orgs., A Demanda da Ortografia Portuguesa: Comentário do Acordo Ortográfico de 1986 e subsídios para a compreensão da Questão que se lhe seguiu, Lisboa: Sá da Costa, 1987, 134 – 8 [parecer]
4.
Comissão Nacional da Língua Portuguesa (CNALP), Parecer sobre o Anteprojecto de Bases da Ortografia Unificada da Língua Portuguesa (1988) elaborado pela Academia das Ciências de Lisboa, 1989 [parecer]
5.
Direcção Geral do Ensino Básico e Secundário, Apreciação do «Parecer sobre o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa» (1990) elaborado pelo Coordenador da CNALP, Prof. Doutor Vítor Manuel Aguiar e Silva, 1991 [parecer]. Pelas datas acima referidas, é fácil concluir que tais pareceres foram elaborados ANTES, ou imediatamente após, a assinatura do nefando AOLP90, a 16 de Dezembro de 1990. PARA QUE SERVIRAM OS PARECERES, SR. DEPUTADO?
II
Acrescentemos aos pareceres técnicos as muitas dezenas de artigos de opinião qualificada produzidos, a partir de 1986, por personalidades destacadas de diversos sectores da sociedade portuguesa. Sobejamente conhecidos por quem considera a Língua Portuguesa um PATRIMÓNIO VALIOSO, IDENTITÁRIO E CULTURAL, aliás consagrado como tal na Constituição da República Portuguesa – art.º 9.º, e) e f) e 78.º, c) e d). PARA QUE SERVEM, NESTE PAÍS, AS OPINIÕES QUALIFICADAS, SR. DEPUTADO?
III
POSTERIORMENTE à assinatura do 2.º Protocolo Modificativo (doravante 2.º PM), realizada em S. Tomé, em 26/27 de Julho de 2004, o Governo consultou, através do Instituto Camões, em 2005, diversas entidades relevantes, conforme consta da Proposta
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de Resolução 71/X/3, entrada na Assembleia de República a 18/03/2008. Ora o Governo terá consultado entidades relevantes. Porém, nem quando essa proposta de resolução do Governo baixou à Comissão, a 19/03/2008 para discussão inicial na generalidade, nem quando a mesma foi votada, em reunião plenária de 16 de Maio de 2008, estavam os pareceres à disposição dos deputados para consulta e análise. Tal conclusão é legítima, dado que deles só se teve conhecimento pela resposta, datada de 19 de Maio de 2008, a um requerimento da Deputada Zita Seabra, de 10 de Abril (n.º 334/X – 3.ª), 3 DIAS DEPOIS da aprovação do Acordo do 2.º PM. PARA QUE SERVIRAM OS PARECERES, SR. DEPUTADO? IV
A “Petição Manifesto em Defesa da Língua Portuguesa Contra o Acordo Ortográfico” com 113 206 assinaturas válidas, e devidamente respaldada por numerosos pareceres favoráveis, foi mandada arquivar pelo presidente da Assembleia da República, após discussão em plenário, a 20 de Maio de 2009, apesar de o relatório elaborado pelo Deputado Feliciano Barreiras Duarte, presidente da Comissão Parlamentar de Ética, Educação e Sociedade da A.R. dar razão ao conteúdo e ao significado da petição, praticamente em todos os pontos de fundo suscitados pelos peticionários […] e onde se lê que «o Governo deveria promover e valorizar, ao longo de todo o processo de aplicação do acordo ortográfico, a colaboração e parecer da comunidade científica e demais sectores cujo conhecimento ou actividade são de inegável utilidade.» PARA QUE SERVIRAM OS PARECERES E A EXPRESSÃO DE REPÚDIO CONTRA O AOLP90, POR PARTE DE MAIS DE 130 000 PORTUGUESES, SR. DEPUTADO?
O caos e o desastre estão aí! Basta querer vê-los: No sítio da Presidência da República, Governo, Diário da República, Ministérios, Tribunais, partidos políticos, governos regionais dos Açores e da Madeira, Autarquias, Organismos Públicos, Universidades (públicas e privadas), escolas (públicas e privadas), Plano Nacional de Leitura, teses de mestrado e doutoramento, sítios que, dizem os autores, ensinam a “nova” ortografia, jornais e televisões, empresas públicas e privadas (desde os “pesos pesados” cotados em Bolsa às mais humildes),
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assistimos – POR FORÇA DA APLICAÇÃO DO ACORDO ORTOGRÁFICO – a um verdadeiro massacre da ortografia portuguesa: patos (por pactos) impatos (por impactos) compatos e compatação (por compactos e compactação) adetos (por adeptos) fatos (por factos) factos (por fatos) contatos (por contactos) corrução (por corrupção) adatações (por adaptações) conveções (por convecções) convições (por convicções) inteletual (por intelectual) retos (por reptos) interrução (por interrupção) fição (por ficção) fitício (por fictício) seção (por secção) atidão (SIM, “atidão”, por aptidão) oção (SIM, “oção”, por opção) janeiro com Agosto e Janeiro com agosto caraterizar, tátil, espetativa e contracetivos nuns organismos e caracterizar, táctil, expectativa e contraceptivos noutros... e ainda a mais despudorada mistura desorganizada e sem nexo de diversas ortografias : ora portuguesa, ora portuguesa-acordizada, ora simplesmente brasileira, ora coisa nenhuma... Por exemplo, na RTP, que só escreve ”espetadores” e “telespetadores”, temos o Provedor do Telespectador... Afinal, se o acordo ortográfico era tão necessário para facilitar e “expandir” a escrita da Língua Portuguesa, como se explica uma tão grande desordem – uma verdadeira Choldra Ortográfica – perpetrada por pessoas e instituições, cuja qualificação para o bom uso do português deveria ser absolutamente inquestionável? Convido-a, Sr. Deputado, a ver esta triste compilação da Choldra Ortográfica em Portugal: http://issuu.com/roquedias/docs/jrd_ao_estado_choldra/1 Ficará, tenho a certeza, tão estarrecido quanto eu!
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Venho pois por este meio dirigir-me a V. Exa., como deputado com responsabilidades na liderança na Nação, e como representante dos cidadãos, no sentido de lhe solicitar que reflicta sobre a questão do AOLP90 e encete as diligências que considerar pertinentes para, no âmbito das suas funções, suscitar a desvinculação da nossa Nação do AO90. Tal desvinculação em assuntos/convenções desta natureza não é inédita e tem antecedentes claros: Em 1915, o Brasil, após ter adoptado integralmente a Reforma Ortográfica Portuguesa de 1911, renegou, em 1919, tal decisão; Mais tarde, também o Brasil, que tinha assinado com Portugal a Convenção Ortográfica Luso-Brasileira em 1945 (adoptada no Brasil pelo Decreto-lei 8.286, de 05.12.1945) veio em 1955 (dez anos mais tarde...) a revogar tal decisão (Decreto-lei 2.623, de 21.10.1955). O AOLP90 não é, necessariamente, um facto consumado; os interesses da Nação podem determinar essa desvinculação, ou mesmo revogação, e é isso que importa, corajosa e tempestivamente, assumir e realizar. Subscrevo-me respeitosamente,
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