Acordo Ortográfico: é a hora da recusa Cecília Enes Morais
Acho difícil não me ocupar do Acordo Ortográfico, um dos assuntos mais sérios e preocupantes da actualidade. O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (doravante AO90), que se nos apresenta como o “projecto de texto de ortografia unificada de língua portuguesa (...) para a defesa da unidade essencial da língua portuguesa e para o seu prestígio internacional”, e se diz o resultado “de um aprofundado debate nos países signatários”: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné‐Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. Ortografia unificada, unidade essencial, prestígio internacional e aprofundado debate são alguns dos pontos deste trabalho, que pretende questionar a autoridade e responsabilidade de todos os intervenientes no sistema educativo português. A ortografia da língua portuguesa tem sido alvo de sucessivas reformas ao longo do último século (enunciá‐las‐ei em momento oportuno), o que tem impossibilitado a sua estabilização, factor necessário à sua afirmação e à transmissão do conhecimento entre gerações. Destas reformas, as unanimemente adoptadas pelos dois principais actores (Portugal e Brasil), foram, todas elas, posteriormente rejeitadas pelo Brasil, que nunca escondeu que adotar é dever dos portugueses (ideia deixada por Lindley Cintra, na década de 80 em entrevista ao «Expresso»). O ‘P’ da teimosia portuguesa – assim anuncia o texto oficial do AO90, Anexo II, 4.2, d) assinado pelos governantes portugueses – foi então declarado obstáculo eliminado do português euro‐afro‐asiático‐oceânico por meio do AO90 que determina a adoção dos falantes e escreventes de Portugal, Angola, Cabo Verde, Guiné‐Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. (É impossível não observar que, depois de quase um século de acordos assumidos e rejeitados pelo Brasil, o espírito unificador se entranhou pouco depois da entrada de Portugal para a Comunidade Europeia, que promoveu o português ao estatuto de língua oficial da mesma.) A 16 de Dezembro de 1990, Pedro Santana Lopes, então secretário de Estado da Cultura, assinou o AO90 por incumbência de Aníbal Cavaco Silva. Santana Lopes, mais de duas décadas depois, afirma, confiante, na sua coluna no Sol, que “Agora ‘facto’ é igual a fato (de roupa)” – do que se conclui que, ou Pedro Santana Lopes se esqueceu do que leu, ou Pedro Santana Lopes se esqueceu de ler o que assinou.⁽¹⁾ Também mais de duas décadas depois de assinado 1