Aspectos & aspetos

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in PÚBLICO, 2 de Agosto de 2011

Aspectos & aspetos: a simultaneidade da discrepância Por Francisco Miguel Valada * Sed cum legebat, oculi ducebantur per paginas et cor intellectum rimabatur, vox autem et lingua quiescebant. Santo Agostinho, Confissões, 6.3 No PÚBLICO de 7.1.2010, referi que o debate em redor do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90) regressara à estaca zero. Com o artigo de Jorge Miranda Brevíssimas notas sobre três questões sérias (PÚBLICO, 13.7.2011), comprova-se quer o poder magnético dessa estaca zero, quer o facto de a polaridade induzida por todos os artigos, livros, estudos e pareceres o não conseguir anular. Vogar nesta corrente viciosa é experiência a evitar a todo o custo e atitude a suspender urgentemente. Não creio numa sociedade que, em simultâneo, seja avançada e ignore a academia, derrubando doutrinas, uma após outra, navegando ao sabor da espuma atlântica, ocultando estudos e pareceres científicos imparciais. Não me reflicto numa sociedade que adopte acriticamente o AO90. Não entendo como, detectados e estudados os seus defeitos, a sua aplicação continue a ser olimpicamente anunciada. Não percebo como é possível que comentários laterais tenham precedência sobre o estudo e a análise, substituindo-os definitivamente. O título desta crónica remete para elementos aparentemente ignorados por Jorge Miranda. Os erros do AO90 não se limitam nem a gralhas nem a falhas de pormenor, antes o impossibilitam enquanto instrumento adequado para a ortografia do português europeu. Esses erros não foram corrigidos. A impossibilidade não pode nem deve ser ignorada. Os parâmetros que se envolvem no conhecimento da ortografia são seis, neles não se inclui a distribuição da população no hemisfério ocidental, e já os mencionei aqui no PÚBLICO (20.12.2010): fonologia, morfologia, sintaxe, semântica, pragmática e ortografia propriamente dita. Jorge Miranda, das duas, uma: ou não leu os textos que nestas e noutras páginas se têm escrito, ou não os percebeu. Se não leu, é pena, pois estes foram escritos para serem lidos e compreendidos. Se leu e não percebeu, nestas páginas têm-se feito remissões para obras de referência e quem tem estudado o AO90 encontra-se disponível para elucidar os pontos eventualmente menos claros do raciocínio. Por falar em explicações, gostaria que o professor Jorge Miranda percebesse que esta sua menção não tem qualquer fundamento: "O que está em causa é a afirmação da língua portuguesa como grande língua [...] e, para esse efeito, uma ortografia com um mínimo de diferenças revela-se indispensável". Trata-se de uma opinião da qual discordo, mas que obviamente respeito. Contudo, neste momento, com o ano lectivo na soleira da porta, tratase de opinião que induz em erro quem a lê. Jorge Miranda refere-se com toda a certeza a outro acordo ortográfico, a um acordo imaginário. Ao de 1990 não se pode estar a referir. De certeza.


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Aspectos & aspetos by João Roque Dias - Issuu