FALACIAS CONVENIENTES

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in PÚBLICO de 15 de Março de 2015

Acordo Ortográfico de 1990: o regresso das falácias convenientes Francisco Miguel Valada *

…é confundir a arca do dilúvio com uma pipa apocalíptica – GNR, O Paciente (Psicopátria, 1986)

Em debate na TVI 1 moderado por Fátima Lopes – e com António Chagas Baptista a atacar de forma muito competente o Acordo Ortográfico de 1990 (AO90) –, João Malaca Casteleiro apresentou três “razões essenciais” para justificar a pertinência do instrumento em apreço: razão histórica, razão linguística e razão política. São razões facilmente rebatidas em meia dúzia de linhas: do ponto de vista histórico, a demanda do Preste João ou andar aos gambozinos (citando J. M. Casteleiro: “conseguir chegar a uma ortografia comum”) nunca significou que o reino do Preste ou os gambozinos existissem e, do ponto de vista político, está por provar o benefício para a língua portuguesa da criação em Portugal da palavra 'perspetiva' (sic), substituta da 'perspectiva' mantida no Brasil. J. M. Casteleiro considera que agora existe uma “ortografia comum”. Em Outubro do ano passado, introduzi no conversor Lince do ILTEC os programas políticos dos três candidatos à presidência do Brasil e obtive, entre outros, os seguintes resultados: “aspecto convertido para aspeto”; “concepção convertido para conceção”; “confecções convertido para confeções”; “excepcionais convertido para excecionais”; “facções convertido para fações”; “infecciosas convertido para infeciosas”; “percepção convertido para perceção”; “perspectiva convertido para perspetiva”; “recepção convertido para receção”; “receptiva convertido para recetiva”; “receptividade convertido para recetividade"; “receptor convertido para recetor”; “respectivamente convertido para respetivamente”; “respectivas convertido para respetivas”; “ruptura convertido para rutura”. Ou seja, se quiser escrever 'aspecto', 'concepção', 'confecções', 'excepcionais', 'facções', 'infecciosas', 'percepção', 'perspectiva', 'recepção', 'receptiva', 'receptividade', 'receptor', 'respectivamente' ou 'ruptura', o AO90 não me permite tais veleidades, porque sou falante e escrevente de português europeu, mas um falante e escrevente de português do Brasil pode continuar a fazê-lo. Um dos resultados tangíveis da “ortografia comum” anunciada por J. M. Casteleiro encontra-se patente em dois textos publicados recentemente e com inegável importância política. No prefácio do livro Roteiros IX 2, Cavaco Silva escreve “perspetiva de ligação”, “aspetos essenciais” e “respetivos líderes políticos”. Contudo, na Mensagem ao

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http://ilcao.cedilha.net/?p=17151 http://www.presidencia.pt/archive/doc/RoteirosIX_Prefacio.pdf


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