OS 20 ANOS QUE HENRIQUE MONTEIRO NÃO VIU

Page 1

Os 20 anos que Henrique Monteiro não viu João Roque Dias, CT

Foto © Expresso, Jorge Simão Num artigo de opinião publicado no Expresso (o tal que começou a escrever acordês para “poupar letras”, quando Henrique Monteiro era seu Director) – O Acordo 20 anos depois –, tece Monteiro várias considerações explicativas sobre a razão da sua “adesão pessoal” ao acordo ortográfico. E dedica-o Monteiro “a Vasco Graça Moura e a todos os opositores do Acordo Ortográfico”. Monteiro diz até que, como “faz da escrita a sua profissão [de jornalista, note-se] há mais de 30 anos pensa ter algo a dizer”. De entre o que Monteiro disse, concentremo-nos nesta frase extraordinária, quando e porque escrita por um jornalista: «não aceito que uma lei discutida durante mais de 20 anos seja constantemente colocada em causa.» Sobre a oposição ao AO, diz haver muita “teimosia” e “ignorância”... Fonte: http://aeiou.expresso.pt/o-acordo-20-anos-depois=f706306

Como opositor do acordo ortográfico começo por lhe perguntar: quem é você, Henrique Monteiro, para aceitar ou deixar de aceitar que uma lei – qualquer lei – seja discutida ou colocada em causa por quem quer que seja? O AO é alguma religião e você, Henrique Monteiro, é algum papa da “nova” ortografia?

Sobre a “discussão da lei” – ou do acordo ortográfico – durante 20 anos, não o choca, Henrique Monteiro, como cidadão, mas também como jornalista, que o AO afirme no preâmbulo que «...resulta de um aprofundado debate nos países signatários:» quando, à data da sua redacção, você e todos os cidadãos sabiam que tal não passava de uma monumental mistificação e mentira? Em 20 anos de profissão de jornalista, nunca lhe deu para questionar essa enormidade? Foi por teimosia? Ou por ignorância? Ou não aceita que as leis possam ser discutidas e colocadas em causa, mas aceita que possam conter as mais mirabolantes mentiras para as justificar? Que jornalismo é o seu, Henrique Monteiro?

E sabe você, Henrique Monteiro, que o Estado português publicou no D.R., a 17 de Setembro de 2010, o aviso de ratificação do AO por parte de Portugal 1 ANO E 4 MESES DEPOIS de o ter feito (13 de Maio de 2009)? E que o Governo disse ainda, nesse mesmo aviso, que o AO tinha entrado em vigor a 13 de Maio de 2009, i.e., 1 ANO E 4 MESES ANTES? A um jornalista com 30 anos de profissão, isto não cheirou a esturro? Ou foi por teimosia ou por ignorância que Henrique Monteiro constantemente nunca discutiu ou colocou em causa este facto nos jornais onde escreveu?

E sabe você, Henrique Monteiro, que a Constituição obriga à publicação em D.R. dos avisos de ratificação de tratados internacionais, sob pena da respectiva "ineficácia jurídica"? Foi por teimosia ou por ignorância que constantemente nunca discutiu ou colocou em causa esta tortuosa, senão ilegal, aplicação da lei?


E sabe também você, Henrique Monteiro, que o "período de transição" do AO (6 anos) é agora referido pelo secretário de Estado da Cultura como uma espécie de período "experimental" para depois se ver se se fazem alterações ao AO? E você, Henrique Monteiro, não se insurge? Afinal, o AO é um tratado internacional (uma lei) que um governante diz agora que pode ser discutido e até (pasme-se...) colocado em causa... Foi por teimosia ou por ignorância que constantemente nunca discutiu ou colocou em causa esta afronta a uma lei, por si declarada como sacrossanta?

E porque não se insurgiu, Henrique Monteiro, quando os órgãos do Estado apregoam agora que o período de transição para aplicação do AO em Portugal decorre até 2014, quando 6 anos após 2009 (mesmo admitindo esta data como correcta...) nos leva, pelo menos, até 2015 e não até 2014... Que raio de aplicação deturpada da lei é esta, contra a qual não se insurge, Henrique Monteiro? É por teimosia ou por ignorância que constantemente se recusa a discutir ou a colocar em causa esta deturpação de uma lei?

E sabe Henrique Monteiro que o principal autor português do AO, Malaca Casteleiro, defende que as “incongruências”, as “falhas”, os “lapsos” e as “lacunas” do AO (as palavras são dele) podem ser sanadas pelos “vocabulários ortográficos”? Como pode o texto de um tratado internacional ser alterado pela publicação de um livro (caso do Brasil) ou por uma lista de palavras na Internet (caso de Portugal)? Você, Henrique Monteiro, devia saber que a Convenção de Viena do Direito dos Tratados impede que o texto dos tratados seja alterado por meios espúrios. E não se insurgiu, Henrique Monteiro? Foi por teimosia ou por ignorância que constantemente nunca discutiu ou colocou em causa esta mirabolante maneira de colocar em causa (afinal, discutindo, mas à socapa...) a sua sacrossanta lei?

E como pode Malaca Casteleiro (o autor da lei que Henrique Monteiro não aceita ver colocada em causa) referir “vocabulários ortográficos”, se o art.º 2.º do AO (um tratado, uma lei, internacional) estipula UM “vocabulário ortográfico comum”. Você, Henrique Monteiro, não se insurgiu contra esta defesa de tão miserável violação de um tratado (uma lei) internacional? Foi por teimosia ou por ignorância que constantemente nunca discutiu ou colocou em causa esta aldrabice?

E quando o Estado português ratificou o (1.º) Protocolo Modificativo do AO, eliminando misteriosamente a obrigatoriedade de haver um vocabulário ortográfico comum UM ano ANTES de o AO entrar em vigor e que, até HOJE, nunca foi feito, também se insurgiu, Henrique Monteiro, clamando (com o artigo 2.º da lei do AO na mão) não aceitar que a lei fosse colocada em causa? Foi por teimosia ou por ignorância que constantemente nunca discutiu ou colocou em causa este facto?

E quando o Brasil publicou unilateralmente o VOLP (deve saber o que é, Henrique Monteiro...), em violação do AO, Henrique Monteiro também se insurgiu? Ou o Brasil pode colocar em causa a lei que assinou com Portugal, mas você, Henrique Monteiro, não aceita que a mesma lei seja discutida ou colocada em causa pelos seus concidadãos?

Lembra-se, Henrique Monteiro, quando Gabriela Canavilhas disse a 7 de Junho de 2010, perante as publicações abusivas e ilegais do VOLP brasileiro, do VOLP da Porto Editora e da disponibilidade da Academia das Ciências para fazer também um VOP/VOLP (quando o art.º 2.º do AO exigia a publicação de UM vocabulário ortográfico comum), que «os vários vocabulários ortográficos não são antagónicos, são complementares e que, se calhar, não vai ser preciso um vocabulário ortográfico oficial porque o uso quotidiano fará a selecção das formas ortográficas»? Então, você, Henrique Monteiro, não se insurgiu contra estas claras e diversas violações – fora e dentro de portas – do tratado que Portugal assinou? Foi por teimosia ou por ignorância que constantemente nunca discutiu ou colocou em


causa este facto? Porque não clamou (com o artigo 2.º da lei do AO na mão) não aceitar que a lei estivesse a ser colocada em causa?

E quando o ILTEC (português) publicou o VLP (também deve saber o que é, Henrique Monteiro...) com alterações e excepções ao definido no AO (afinal, colocando-o irremediavelmente em causa...) em violação do disposto na Convenção de Viena de Direito dos Tratados (uma lei internacional), também se insurgiu, Henrique Monteiro? Foi por teimosia ou por ignorância que constantemente nunca discutiu ou colocou em causa esta maneira ilegal de colocar em causa a sua sacrossanta lei?

E porque não aceita Henrique Monteiro que uma lei possa ser discutida, colocada em causa e até (sacrilégio, clamará Monteiro...) revogada? Como diz José Teixeira no seu blog ma-schamba, «imagino a sua angústia existencial, diante da constante produção e renovação legislativa sobre tantas e tão variadas matérias.» Se a sua resposta for afirmativa, Henrique Monteiro, mande prender rapidamente todos os governantes, todos os deputados e até alguns colegas de profissão, já que, uns e outros, se batem todos os dias pela discussão, colocação em causa e até (heresia suprema...) revogação de leis existentes, algumas há bem mais de 20 anos...

E, já agora, Henrique Monteiro, já leu a Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008? Não sabe o que é, Henrique Monteiro? Eu dou-lhe uma ajuda, Henrique Monteiro: é o acordo ortográfico, a sua amada lei que não aceita, agora, ver discutida ou colocada em causa! E depois de o ler, com as “incongruências”, as “falhas”, os “lapsos” e as “lacunas” apontadas por Malaca Casteleiro (um dos seus autores), não se insurgiu, Henrique Monteiro? Como jornalista, nunca questionou, durante 20 anos, a aprovação de uma lei por ampla maioria no Parlamento a quem os seus autores apontam “incongruências”, “falhas”, “lapsos” e “lacunas”? Terá sido por teimosia ou por ignorância?

E, quando você, Henrique Monteiro, afirma que o AO implicou milhões de euros de investimentos, que informações fidedignas tem sobre tal montante, que, como jornalista, nunca as divulgou? Porque tal não interessava, apenas devido à sua adesão pessoal ao AO? Ou foi por teimosia que nunca obrigou, como jornalista, o Governo português a discutir os verdadeiros custos do AO? Ao dispêndio de dinheiros públicos na eliminação dos antilusofónicos “Cs”, “Ps” e acentos na sinalética e documentos públicos (por exemplo, todos os “Pólos” universitários – e até o pólo aquático – estariam agora ortograficamente ilegais...) chama Henrique Monteiro “investimento”. Em quê? Na aproximação ao Brasil, como diz Henrique Monteiro?

Afinal, que raio de jornalista é você, Henrique Monteiro que, em 20 anos desde a assinatura do AO, nunca dedicou você próprio algum tempo a estes assuntos? Apenas porque aderiu pessoalmente ao AO, proclamando-o numa lei que não aceita que continue a ser discutida ou colocada em causa? Mas o AO é alguma religião e você, Henrique Monteiro, é algum papa da chamada “nova” ortografia?

Publicado na Biblioteca do Desacordo Ortográfico a 24 de Fevereiro de 2012 Subscreva a Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.