in PÚBLICO de 7 de Junho de 2014
Proíbam o Inglês! Octávio dos Santos
Faço um apelo a todos os serviçais de Malaca Casteleiro: sejam coerentes e proíbam o Inglês! Não há como – nem porque – negá-lo: o Acordo Ortográfico de 1990 está a generalizarse em Portugal a uma velocidade assustadora(ment)e surpreendente. Ainda é cedo para se (tentar) avaliar quantas instituições e quantos indivíduos estão, de facto a utilizar uma “ortografia” inútil, prejudicial, ridícula, ilegítima, imposta de forma ilegal, de uma forma não democrática… mas são mais, muitos mais do que seria de esperar. Esta (aparente) apatia para com algo concebido por pervertidos e obedecido por iludidos é ainda mais espantosa em grupos profissionais que têm na língua a sua ferramenta principal de trabalho e que não se “poupam”, habitualmente, nos protestos quando sentem as suas prerrogativas ameaçadas: efectivamente, professores, jornalistas e juristas (advogados, procuradores, juízes) surgem, apesar de várias excepções honrosas, como classes… sem classe, sem carácter, traindo a população que deveriam defender intransigentemente e não só a espaços, intermitentemente. Este contágio de cobardia, esta epidemia de estupidez, esta infecção de imbecilidade alastra-se não só no Estado mas também na sociedade civil; no primeiro compreende-se que a prepotência burocrática, apesar de ilegítima, force as pessoas a comportamentos desviantes… do bom Português; mas na segunda não se compreende o fenómeno a não ser por mania de imitar, por uma bacoca crença de que mudar… apenas por mudar é bom, é sinal, prova, de “modernidade”. Em plena histeria de aplicação do AO90, à revelia da lógica e da lei, da identidade cultural e da dignidade nacional, a paralela e crescente (mas que já vem de longe) “anglicização” da comunicação, da cultura, da sociedade e da economia em Portugal ilustra bem, por contraposição, as contradições, as hipocrisias, enfim, a idiotice deste processo de suposta “evolução” da língua. Veja-se, por exemplo, mais uma vez, o que se passa nas três principais estações de televisão nacionais. Cada uma delas criou em 2013 um programa com um título… em Inglês: a RTP o Chef’s Academy (culinária); a SIC o Off-Side (desporto); e a TVI o I Love It (telenovela). Todas, evidentemente, continuam a aplicar obedientemente o AO90, e por vezes com um entusiasmo… desnecessário: em legendas de serviços noticiosos a SIC já retirou o “c” de Octávio Teixeira e a TVI o “c” dos One Direction… sim, puseram “Diretion”! Entretanto, e mais inacreditável ainda, em filiais nacionais de multinacionais estrangeiras, e concretamente anglófonas, também se verifica o assalto ao bom senso ortográfico; como na Johnson & Johnson, que informa nos rótulos do Listerine que este produto é uma “proteção” com flúor contra as “afeções” das gengivas. E até – aqui já se está no campo do puro e simples delírio – no British Council de Portugal se decidiu, segundo mensagem que recebi, “adotar o novo acordo ortográfico, daí termos escrito 'respetivo' e não 'respectivo'.” Eu respondi que, nesse caso, deveriam ser “coerentes” e comunicar para a sede da instituição, em Londres, que a língua que têm por missão promover é “ultrapassada”, “decadente”, “arcaica” (tal como a francesa)… dada a profusão de palavras com vogais e consoantes repetidas e “mudas”, e até – que “horror”! – com “ph”.