A Parábola dos Cegos, 1568, Pieter Bruegel; Óleo sobre tela, Galeria Nacional, Nápoles. Alusão ao Evangelho de Mateus (15:14): “Deixem-nos lá! São cegos que fazem de guias a outros cegos. E quando um cego guia outro, acabam por cair os dois num buraco.”
Sobre finanças, electricidade e sonoplastia Por Rui Miguel Duarte* Uma das mais perniciosas consequências do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90) é que de repente a ignorância foi promovida a sabedoria e ciência. Assim como no caso do Sr. Relvas. E no futebol, em que toda a gente é treinador de bancada, embora sem creditação universitária. Até os amigos deixam de se calar para me ouvir nisto, em que sou menos ignorante do que eles. Quando amigos e conhecidos falam de finanças, electricidade ou sonoplastia, este burro baixa as orelhas. Como não sei, desconheço, como mero amador, ou simples ignorante, só me sobra o silêncio atento de aluno sentado tranquilamente a beber do seu mestre o conhecimento. Quando se trata da ortografia da língua portuguesa, e a minha contestação ao dito AO90, esses amigos e conhecidos, que saberão de finanças, electricidade ou sonoplastia mas não de linguística, ciência filológica ou literatura, espetam-me célere um dedo num olho e lançam-me, como um raio, a primeira sentença: — Se não se pronuncia, não se escreve. Se me apresso a explicar-lhes o valor diacrítico das consoantes ditas mudas no Português Europeu, a abertura da vogal átona precedente, ou as incongruências de se eliminarem os “p” de “recepção”, “decepção”, “concepção”, “conceptual”, “espectador” em Portugal, que se mantêm no Brasil, o que viola o próprio espírito unificador do AO90, além de reconhecidamente induzir à alteração da pronúncia da vogal precedente, no sentido do emudecimento, em vez de manterem a abertura da vogal precedente, donde:
Rui Miguel Duarte – Sobre finanças, electricidade ou sonoplastia / Pág. 1