O Teimoso

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Israel Batista de Almeida

O Teimoso

Uma visão bíblica da dureza do coração

Niterói, RJ 2013



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Os caminhos do coração Há certos caminhos que parecem perfeitos ao homem, mas quem os segue acabará encontrando a morte.2 Ainda me lembro das férias de minha infância. Quase todos os anos durante o período de férias eu viajava com minha família basicamente para dois itinerários: ou para Petrópolis – para casa dos meus avós; ou para Barroso, onde me hospedava na casa de minha tia. Em Petrópolis, o que me atraia era o clima frio e a oportunidade de tomar banho na piscina natural que vinha das nascentes da mata. Embora com uma temperatura ambiente muito baixa e a água muito gelada, era uma aventura tomar banho ali. Hoje, por causa de um empreendimento imobiliário, essa corrente de água já não existe mais – só em minha lembrança.

2  Provérbios 14.12 (NBV)


Já em Barroso eu ficava fascinado por descobrir as coisas da fazenda; mundo tão distante do meu cotidiano. Tudo era novidade: ver o gado no pasto, o galinheiro nos fundas da casa, a ordenha das vacas etc. Porém, nada me alegrava mais do que poder me lambuzar dos quitutes deliciosos feios por tia Alice. Tia Alice é uma mulher franzina fisicamente, mas muito forte de temperamento. Lembro-me de seus doces, biscoitos e comidas típicas, que me levavam a comer exageradamente a ponto de se tornar comum passar mal. Mas, em especial, recordo de uma aventura na fazenda, quando, certa vez, tentei montar em uma mula. Essa mula era responsável por transportar diariamente o leite da fazenda para a cooperativa. Diante da minha falta de total domínio do animal e, de seu hábito diário de seguir o mesmo caminho, eu simplesmente não consegui guiá-lo. Embora tivesse batido nele e tentado manter as rédeas nas mãos, acabei sendo conduzido por ele. Essas saudosas lembranças foram reavivadas em mim enquanto meditava na história bíblica de Balaão e sua jumenta, que está registrada assim: Balaão levantou-se de manhã, selou sua jumenta e partiu com os líderes de Moabe. Mas, enquanto estavam a caminho, a ira de Deus se acendeu, e o anjo do Eterno se pôs no caminho para impedir a passagem. Balaão estava montado em sua jumenta, acompanhado de dois escravos. Quando a jumenta viu o anjo bloqueando o caminho e brandindo sua espada, ela saiu da estrada e foi

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pelo campo. Balaão surrou a jumenta e a obrigou a retornar à estrada. Mas, quando estavam passando por uma vinha, com muros de ambos os lados, a jumenta viu outra vez o anjo do Eterno bloqueando a passagem e se apertou contra o muro, prendendo o pé de Balaão, que bateu nela de novo. O anjo do Eterno bloqueou o caminho mais uma vez, agora numa passagem bem estreita. Não havia como passar, nem pela esquerda nem pela direita. Ao ver o anjo, a jumenta de Balaão deitou-se debaixo dele. Balaão perdeu a paciência e surrou a jumenta com uma vara. Então, o Eterno deu a capacidade de fala à jumenta. Ela disse a Balaão: O que foi que eu fiz a você, para que me batesse três vezes? Balaão disse: Você está brincando comigo e me fazendo de bobo! Se eu tivesse uma espada, a esta altura eu já teria matado você. A jumenta disse a Balaão: Não sou sua jumenta de confiança, que você cavalgou todos esses anos, até hoje? Alguma vez fiz algo parecido? Fiz? Ele disse: Não. Então, o Eterno fez Balaão enxergar o que estava acontecendo: ele viu o anjo do Eterno impedindo o caminho e brandindo uma espada. Balaão caiu ai chão, com o rosto em terra. O anjo do Eterno disse: Por que você bateu na pobre jumenta três vezes? Vim aqui para bloquear o seu caminho, porque você está se adiantando demais! A jumenta me viu e desviou de mim nas três ocasiões. Se ela não tivesse agido assim, a esta altura, eu já teria matado você, mas poupado a jumenta.

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Balaão disse ao anjo do Eterno: Eu pequei. Não imaginava que você estava parado no caminho, impedindo a minha passagem. Se você não se agrada do que estou fazendo, voltarei para casa.3

O contexto que antecede esse registro, nos mostra que Balaão foi procurado duas vezes pelos enviados de Balaque, a fim de ser contratado para amaldiçoar o povo de Israel. Na primeira vez, Balaão consultou o Senhor que lhe disse para não ir com a comitiva de Balaque e nem amaldiçoar o povo de Israel. A recusa primária, porém, não fez Balaque desistir de seu intento. Pois, acreditando que a mandiga de Balaão fosse poderosa para pegar, enviou pela segunda vez, homens com muito mais honrarias a Balaão, a fim de convencê-lo a amaldiçoar o povo de Israel. Embora Balaão já tivesse ouvido a resposta do Senhor, ele se dispôs a consultá-lo novamente, insistindo na sondagem, na esperança de que Deus tivesse mudado de opinião. Quantas vezes nós agimos de igual forma em nossas orações? Embora já saibamos a vontade de Deus, insistimos na esperança de convencê-lo que a nossa vontade é “boa, agradável e perfeita”. Orar insistentemente é algo recomendado pela Palavra de Deus,4 porém, isso não deve ser praticado com o intuito de persuadir Deus a mudar 3  Números 22.21-34 (//AM) 4  Lucas 18.1: Um dia Jesus contou aos seus discípulos uma parábola para mostrar a necessidade que eles tinham de orar sempre, e que deviam continuar orando sem desanimar. (NBV)

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de posição, mas sim, de derramar nossos anseios e causas diante dele. Não obstante, expor o desejo, a necessidade e a vontade pessoal, acima de tudo, é sujeitar-se a Deus e dizer-lhe: venha o teu reino; faça-se a tua vontade, assim na terra (em minha vida, família, negócios etc.) como no céu.5 Surpreendentemente, nesta segunda consulta, a resposta de Deus a Balaão foi permissiva: Já que esses homens fizeram todo esse caminho para ver você, vá com eles. Mas não faça absolutamente nada além do que eu disser.6 Será que o Senhor tinha mudado de ideia, ou estava apenas permitindo Balaão seguir a inclinação do seu coração? Será que toda oração atendida está em acordo com a vontade singular de Deus? Baseado na palavra inspirada de Deus através do salmista Asafe, parece-me que, muitas vezes, Deus, ao perceber a inclinação do coração insensato, que se obscurece pela desobediência obstinada, entrega o homem aos desejos do seu próprio coração: Portanto, eu deixei que eles andassem nos seus caminhos de teimosia e que fizessem o que queriam.7 Diante disso, concluímos que, nem toda permissão concedida está em harmonia com a vontade plena de Deus. O simples fato de colocar nossos pedidos em oração, não significa que Deus esteja abonando nossa petição. 5  Mateus 6.10 (ARA) 6  Números 22.20 (//AM) 7  Salmos 81.12 (NTLH)

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Duas passagens bíblicas parecem trazer um entendimento maior acerca dessas questões. O primeiro registro é o da caminhada do povo de Israel pelo deserto, onde percebemos que Deus atendeu o desejo do povo de comer carne.8 O fez, contudo com desagrado. 8  Números 11.4-23: Alguns estrangeiros que viajavam com eles estavam com vontade de comer carne e logo induziram todo o povo de Israel a reclamar e murmurar: Por que não temos carne? No Egito, comíamos peixe — e era de graça! —, sem falar dos pepinos, das melancias, dos alhos-porós, das cebolas e dos alhos. Mas aqui, nada tem gosto. Tudo que comemos é maná, maná, maná. O maná era uma substância parecida com sementes e brilhante como resina. O povo o ajuntava e usava pedras para moê-lo ou o socava no pilão. Ele era cozido na panela, e também faziam bolos com ele. O gosto era de bolo amassado com azeite de oliva. Quando o orvalho caía sobre o acampamento à noite, o maná caía com o orvalho. Moisés ouviu a queixa, todas aquelas famílias reclamando à porta das tendas, e a ira do Eterno se acendeu. Moisés percebeu que as coisas iam muito mal. Moisés perguntou ao Eterno: Por que me tratas dessa maneira? O que eu fiz para merecer isso? Acaso fui eu que os concebi? Fui eu a mãe deles? Portanto, por que lanças a responsabilidade por esse povo sobre mim? Por que tenho de carregar esse povo por aí, como uma mãe carrega um bebê, até a terra que prometeste aos antepassados deles? Onde vou achar carne para todo esse povo que está se queixando a mim: Queremos carne! Você tem de nos dar carne? Não posso fazer isso sozinho. Conduzir esse povo é pesado demais para mim. Se é assim que vais me tratar, por favor, me mata! Já vivi o suficiente. Para mim, chega! Tira-me daqui! O Eterno disse a Moisés: Escolha e reúna setenta homens entre os líderes de Israel que sejam respeitados e responsáveis. Leve-os à Tenda do Encontro. Eu os encontrarei lá. Descerei ali e falarei com você. Tirarei um pouco do Espírito que está sobre você e porei sobre eles. Dessa forma, receberão capacidade para assumir parte do fardo desse povo. Você não terá de carregar tudo sozinho. Diga ao povo: Consagrem-se. Preparem-se, pois amanhã vocês comerão carne. Vocês têm choramingado ao Eterno: Queremos carne! Você tem de nos dar carne! Nossa vida no Egito era muito melhor! Pois o Eterno ouviu suas queixas e dará carne a vocês. Vocês comerão carne, com certeza. E não apenas um dia, nem mesmo dois, cinco, dez ou vinte, mas um mês inteiro. Vocês comerão carne até que ela saia pelas suas narinas. Ficarão tão cheios e enojados de carne que vomitarão diante da simples menção dela. E sabem por quê? Porque vocês rejeitaram o Eterno, que está aqui entre vocês e se queixaram a ele dizendo: Por que tivemos de sair do Egito? Moisés retrucou: Estou aqui, cercado por seiscentos mil homens, e dizes: Eu darei carne para eles, carne todos os dias durante um mês’. De onde sairá toda essa carne? Mesmo que todo o gado e todos os rebanhos sejam abatidos, será o suficiente? Mesmo que todos os peixes do mar fossem pegos, seria o bastante? O Eterno respondeu a Moisés: Então, você acha que não consigo tomar conta de vocês? Você logo verá se o que digo acontecerá ou não! (//AM)

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