Equipe Editorial Editores Científicos Alberto Souza Schmidt (UFSM) Neri dos Santos (UFSC) Editores de Seção Daniel de Moraes Joao (UFSM) José Augusto Arnuti Aita (UFSM) Maurício Nunes Macedo de Carvalho (UFSM) Comissão Científica Ademar Galelli (UCS) Adriano Rogério Bruno Tech (AFA/USP) Alcimar Chagas Ribeiro (UENF) Antonio José C. Pithon (CEFET-RJ) Antonio Carlos de Francisco (UTFPR) Carlos Eduardo Sanches da Silva (UNIFEI) Celso Rodrigues (UFPB) Elóide Teresa Pavoni (UCS) Everton Hillig (UNICENTRO) Fabiana Cunha Viana Leonelli (Embrapa) Fernando Gonçalves Amaral (UFRGS) Gisele Cristina Sena da Silva (UFPE) Guilherme Luís Roehe Vaccaro (UNISINOS) Ieda Kanashiro Makiya (UNIP) Janis Elisa Ruppenthal (UFSM) José Paulo Alves Fusco (UNESP) Junico Valle Antunes (UNISINOS) Leoni Pentiado Godoy (UFSM) Luiza Maria Bessa Rebelo (UFAM) Marcos Ricardo Rosa Georges (PUC) Nelson Casarotto Filho (UFSC) Paulo Mauricio Selig (UFSC) Rudimar Antunes da Rocha (UFSC)
Prezados leitores, A Revista INGEPRO é uma publicação eletrônica mensal, de caráter nacional, sediada na Incubadora Tecnológica de Santa Maria (Universidade Federal de Santa Maria UFSM). O foco da revista é trabalhos científicos inéditos na área de Engenharia de Produção e áreas correlatas, que contribuam para o avanço efetivo dos sistemas produtivos. Como forma de estimular e aumentar a visibilidade de trabalhos realizados nos Programas de Pós-Graduação, também serão publicadas dissertações e Teses, desde que defendidas e aprovadas nos seus cursos de origem. É o primeiro periódico científico eletrônico mensal da área indexado ao Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas, customizado pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciências e Tecnologia, do Ministério da Ciência e Tecnologia, baseado no software OJS, da Universidade British Columbia. Como forma de seguir sua índole de inovação, a Revista INGEPRO também desenvolveu uma versão flip, de sua revista original do SEER. A revista destina-se tanto à comunidade científica (pesquisadores, professores, pós-graduandos e graduandos) como empresarial (diretores, gerentes e profissionais). A língua oficial deste periódico é a portuguesa. Com isso, a Revista INGEPRO vem a ser um veículo para a divulgação de pesquisas, cuja finalidade é contribuir para o avanço da ciência e, desta forma, promover o desenvolvimento sócio-econômico nacional.
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INGEPRO – Inovação, Gestão e Produção Fevereiro de 2011, vol. 03, no. 02 ISSN 1984-6193 www.ingepro.com.br equipe@ingepro.com.br
Sumário A competitividade tecnológica na agroindústria: uma visão a partir dos setores de alimentos, couro e madeira
001-009
Paulo Augusto P. de Britto, Luiz Guilherme de Oliveira
Abordagem ergológica da organização e das condições de trabalho em uma unidade 010-022 de alimentação e nutrição Elenice Maria Gonçalves Araújo, Hilda Maria Rodrigues Alevato
Implantação da Gestão Ambiental em curtumes para a percepção do mercado externo.
023-032
Roberto Naime, Giana Karine Birck, Fabiano André Trein
Análise das características intraempreendedoras no perfil do líder Randon
033-045
Elisangela Ferrazza, Vanessa Roveda, Eliana Andrea Severo, Cristine Hermann Nodari, Marcia Rohr da Cruz
Produção mais limpa: conceitos e definições metodológicas
046-058
Eveline de Magalhães Werner, Alencar Garcia Bacarji, Rosemar José Hall
Análise do processo logístico através das ferramentas da qualidade: um estudo de caso na DDEX- direct to door express.
059-071
Natália Veloso Caldas Vasconcelos, Fernanda Cristina Barbosa Pereira
Aplicação da produção mais limpa na etapa de calagem em um curtume da baixada cuiabana
072-084
Muryllo Xavier Silva de Menezes Galvão, Fabrício Schwanz da Silva, Alexandre Gonçalves Porto, Willian Leonardo Vieira Coelho
Novos procedimentos em Gestão Ambiental e busca de sustentabilidade em empresas do Vale do Rio dos Sinos
085-096
Roberto Naime, Abel Bemvenuti, Karin Luise dos Santos, Jaqueline Michaelsen
A Influência dos fatores sociais no Comportamento de Compra dos Consumidores de Móveis da Feira Livre de Arapiraca.
097-108
Jonathan Santos Silva, Milka Alves Correia Barbosa
O método RAPPAM como referencial de manejo em unidades de conservação federais de uso sustentável no Brasil Jeronimo Jose Silva Junior
109-116
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A competitividade tecnológica na agroindústria: uma visão a partir dos setores de alimentos, couro e madeira Paulo Augusto P. de Britto <pbritto@unb.br> Luiz Guilherme de Oliveira <lgoliveira@unb.br> Resumo: Desde a última década, o agronegócio tem se apresentado como um segmento de elevado ganho de competitividade. Parte desta eficiência competitiva pode ser associada a forte incorporação de modificações tecnológicas vinculadas à qualidade e ao design. A crescente agregação de valor, através da tecnologia, permite que cadeias produtivas alcancem uma inserção competitiva mais forte em mercados globais. Este trabalho procura observar a importância relativa atribuída à questão da inovação – nos setores alimentos, couro e madeira – a partir de seus níveis de investimento em desenvolvimento e aquisição de tecnologia. A análise usa dados disponibilizados em uma recente pesquisa de competitividade realizada pela CNI e Sebrae em 2005. Palavras-chave: Dinâmica da inovação; Tecnologia; Competitividade; Agroindústria. 1. Introdução A agroindústria tem ganho destaque entre os diversos segmentos da economia brasileira, principalmente a partir do início dos anos 90. Neste sentido, passa a ser interessante a observação do nível investimento, deste segmento, em upgrades tecnológicos. Este trabalho procura observar a agroindústria a partir de três setores (alimentos, couro e madeira). Aqui, temos claro que a incorporação de tecnologias, inicialmente nas empresas e em um segundo momento em diversas cadeias de produção, são fatores indutores de inovação – tanto de processo como de produto – que possibilita uma maior inserção competitiva das empresas em mercados concorrênciais. A primeira seção deste trabalho procura descrever a dinâmica da inovação, a partir de um enfoque conceitual neo-schumpeteriano. Em seguida, são apresentados os conceitos de agronegócio e cadeias de produção, com foco centrado em cadeias produtivas agroindustriais. Na seção seguinte, é descrita a inovação no agronegócio. A quarta seção apresenta a análise empírica da pesquisa a partir de dados de investimento, bem como a percepção do empresário quanto aos seus efeitos. Finalmente, na última seção são discorridas as conclusões do trabalho. 1.1 A dinâmica da inovação A aplicação da metáfora da seleção natural na economia deve ser baseada em um princípio de que as unidades econômicas evoluem individualmente, através de ganhos de capacidade e conhecimentos (formais e tácitos) que se manifestam via rotinas e adaptações às instituições e sistemas (Nelson e Winter, 2005; Dosi, 2005, Oliveira, 2005). A idéia de seleção natural nos remete diretamente à abordagem evolucionista, onde a evolução é constante e construída passo a passo. Segundo essa abordagem, cada mudança sucessiva no processo evolutivo deve ser simples o bastante, relativamente à mudança anterior, para acontecer por acaso. A seqüência integral dos passos cumulativos não constitui absolutamente um processo aleatório, considerando a complexidade do produto final em comparação com o ponto de partida. Deve-se ter em mente que as modificações incorporadas pela firma se dão 1
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de maneira incremental, normalmente vinculadas a inovações de processo e inovações organizacionais que se desenvolvem em função do tempo e das condições ambientais. Tem-se claro que a evolução da firma individual é rapidamente absorvida pelo grupo ao qual a firma pertence; a mudança de comportamento organizacional ou gerencial, em função da rapidez de difusão, se dá de forma sistêmica e dentro de uma dinâmica contínua. Quando observado o movimento evolutivo é possível verificar a incidência de inovações radicais que, através de elevado poder de “transbordamento”, são capazes de impulsionar todo o sistema econômico, criando assim condições de expansão sistêmica no mercado. Este movimento é factível quando focado no produto; entretanto, quando verificada a estrutura evolutiva da firma, este procedimento não é padrão. Observa-se sim, uma seqüência de modificações incrementais e contínuas (tanto no processo quanto no produto), sendo que estas modificações são rapidamente absorvidas pelo grupo. A inovação e modificação de processo possui um efeito multiplicador e disseminador elevado. O sistema sócio-econômico se adapta rapidamente à mutação, possibilitando assim uma evolução do sistema. Alguns mecanismos são de vital importância para esse movimento; a busca e utilização contínua de tecnologia incorporada tanto ao produto quanto ao processo acaba por ter um peso significativo na evolução tecno organizacional da firma. Desta maneira tem-se em conta que a evolução da firma, assim como no mundo natural, não se dá de maneira pontual, mas sim ocorre e é absorvida pelo grupo (no caso da firma, pelo setor em que a firma atua). A partir do momento em que uma firma introduz a modificação no seu padrão de comportamento, a ponto de se destacar no segmento que atua, cria-se uma ruptura na estrutura de mercado. A firma que não acompanhar o processo evolutivo da firma “inovadora” estará fadada à extinção, pois a modificação desestabiliza toda a estrutura de mercado ocorrida anteriormente, criando assim um novo padrão concorrencial e uma nova dinâmica de equilíbrio. Alguns autores tendem a relacionar a evolução da firma, sob a ótica neodarwinista, como uma incorporação de um modelo onde a trajetória evolutiva da firma se dá de maneira espontânea, contínua e individualizada, considerando aspectos mais centrados no amadurecimento de questões morais e comportamentais (Loasby, 2002; Fagerberg e Verspagen, 2002). Deve-se ter em conta que a evolução se dá em função de uma série de fatores, de um sistema, de um conjunto socialmente construído. A evolução não surge de maneira espontânea, ao menos a evolução que cria um novo padrão de comportamento. Ela pode sim ser reproduzida de forma espontânea. No entanto, é fundamental compreender a dinâmica que possibilitou a evolução inicial. A firma, como visto anteriormente, não atua sozinha no mercado, ela está sujeita a uma série de fatores e condicionantes que se modificam no decorrer da história, em função do padrão de concorrência, da institucionalidade existente e de sua eficiência, do acesso e capacidade tecnológica, além das condições de um ambiente de desenvolvimento. O fator de cumulatividade não deve ser menosprezado. Somente é possível compreender a trajetória evolutiva através da cumulatividade. No ambiente da firma isto também é factível; deve-se pensar nesta cumulatividade de maneira sistêmica e complexa. Na verdade, é a evolução sistêmica, complexa e acumulativa que viabiliza a trajetória da firma. Quanto mais complexos forem os comportamentos, mais manifestarão flexibilidades adaptativas em relação ao ambiente; os comportamentos serão aptos a se modificar em função das mudanças externas, sobretudo das aleatoriedades, das perturbações e dos acontecimentos, e serão aptos igualmente a modificar o ambiente imediato, em resumo, adaptar o ambiente ao
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sistema. A abordagem evolucionista condiciona o processo inovativo como uma etapa natural da evolução da firma e, conseqüentemente, uma evolução do setor em que a firma atua. Embora não despreze a inovação de processo, o enfoque neo-schumpeteriano destaca a importância da inovação de produto, em especial as inovações radicais. Deve-se observar que, historicamente, as inovações de produtos (radicais ou incrementais) são passíveis de serem constatadas nos países centrais; a incidência destas inovações, de produto, nos países periféricos é marginal. Assim, quando verificado um processo inovativo de produto nas economias periféricas, normalmente estas inovações estão vinculadas às estratégias de empresas multinacionais; cabendo às firmas de origem de capital nacional exercer um papel mais ativo na elaboração e desenvolvimento de inovações de processo. Chama a atenção o fato das características peculiares e distintas das dinâmicas de inovação de produto e processo. Utterback (1994) demonstra estas especificidades de maneira clara; seus argumentos caminham na direção de que após o desenvolvimento de uma inovação de produto, a firma necessariamente foca os processos que possibilitam uma melhor e mais eficiente manufatura. Ao mesmo tempo, à medida que são incorporadas, atualizadas e aperfeiçoadas as modificações de processo, estas podem inibir a capacidade inovativa da empresa no tocante à inovação de produto, “à medida que um produto torna-se mais padronizado e é produzido por um processo mais sistemático, a interdependência entre as subunidades organizacionais aumenta lentamente, dificultando e tornando mais onerosa a incorporação de inovações radicais de produto” (Utterback, 1994, p. 91). O argumento apresentado aqui busca sugerir que a inovação de processo é mais presente e “rotineira” do que a inovação de produto; além de possuírem complexidades distintas. Não existe uma convergência nos ciclos de inovações entre processo e produto; existe sim um ciclo inovativo de processo mais longo, complexo e abrangente. Embora a inovação de produto não ocorra mais de maneira única e exclusiva no interior da firma, ela tem uma capacidade de encadeamento menor do que todo o processo produtivo, considerando a diversidade dos atores envolvidos e de suas dinâmicas peculiares. 1.2 Agronegócio e cadeias produtivas O conceito usual de agronegócio surgiu nos Estados Unidos, na década de 50, a partir dos trabalhos de Davis e Goldberg (1957), como a “soma das operações de produção e distribuição de suprimentos agrícolas, das operações de produção nas unidades agrícolas, do armazenamento, processamento e distribuição dos produtos agrícolas e itens produzidos a partir deles”. A abordagem de cadeias produtivas, por sua vez, surge de forma complementar ao conceito de agronegócio. Temos que a cadeia de produção é uma forma de organização que permite a criação de escalas produtivas apropriáveis, que são repassadas entre os elos que compõem a própria estrutura da cadeia. Desta forma, o ganho de eficiência de um elo, ou etapa, da cadeia é absorvido por toda organização produtiva. Outra perspectiva importante sobre a cadeia de produção é a presença de outros fatores apropriáveis como, por exemplo, fatores vinculados a comercialização, industrialização e produção de matéria-prima. Assim, ao se observar ganhos de eficiência e competitividade de uma empresa que compõem a cadeia estamos observando um ganho de competitividade sistêmico, ao longo da cadeia. Enfim, devemos ter em mente que os fatores são apropriáveis, e compartilhados, entre todos os
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INGEPRO – Inovação, Gestão e Produção o Fevereiro de 2011, vol. 03, n . 02 ISSN 1984-6193 www.ingepro.com.br equipe@ingepro.com.br
integrantes. Um outro ponto importante, relacionado ao funcionamento das cadeias de produção, consiste da estrutura de governança e hierarquia presente na organização da cadeia produtiva. Em um processo de governança explícito, a hierarquia permite uma indução de formas de produção que podem remeter a incorporação de melhores práticas por parte de elos mais frágeis da organização. Conforme a estrutura hierárquica se modifica a capacidade de indução acompanha esta modificação. 1.3 A inovação no agronegócio Temos, neste artigo, que a eficiência competitiva permite uma maior inserção das cadeias produtivas, dos setores selecionados, em diversos mercados. Um elemento indutor desta competitividade é a inovação tecnológica. Assim, a inovação passa a ser vista de maneira que ultrapassa a questão de incorporação de novas práticas, produtos ou organização produtiva de forma frívola. Para nós, a inovação é um elemento chave para a maior competitividade de cadeia, tendo como conseqüência a maior inserção e ganhos de mercado para as empresas que compõem este tipo de organização. Ao mesmo tempo, temos que salientar que a incorporação de tecnologias pode ocorrer de formas distintas, em função das especificidades produtivas de cada setor. A complexidade e as distintas características tecnológicas dos diversos setores industriais exige uma classificação dos setores a partir da intensidade de P&D na suas atividades. Esta preocupação induziu um desenvolvimento metodológico (OECD, 1994), que permite constatar as características da atividade de P&D nas empresas em seus mais variados segmentos. Essa metodologia classifica as empresas a partir da intensidade tecnológica, tendo como variável determinante o volume de investimento alocado para inovação. Esta tipologia permite a agregação de empresas em 4 tipos de classificação: i) alta intensidade tecnológica (AIT), ii) média alta intensidade tecnológica (MAIT), iii) média baixa intensidade tecnológica (MBIT), iv) baixa intensidade tecnológica (BIT) (Oliveira, 2005). Devemos ressaltar que o nível de intensidade tecnológica, aqui explorado, não busca uma relação a incorporações de inovações nos produtos ou nas cadeias, assim como não busca, ao menos em um primeiro momento, vincular a questão com a agregação de valor. 2. Análise empírica 2.1 Metodologia A análise empírica busca verificar, através de dados agregados, como os estabelecimentos industriais dos setores de alimentos, couros e madeira tratam os investimentos em design, tecnologia e gestão. Além disso, buscamos verificar o desempenho relativo desses setores, em relação ao agregado da indústria nacional, nesses quesitos. A análise está limitada aos dados agregados apurados pela pesquisa Indicadores de Competitividade na Indústria Brasileira (2005), elaborada pela CNI e Sebrae. 2.2 Investimento em aspectos da qualidade O investimento em design é entendido, na pesquisa, como o dispêndio de recursos em atividades relacionadas ao redesenho de um produto existente ou à elaboração de protótipo de um novo produto. No contexto de um estabelecimento industrial específico, o investimento em design extrapola seus limites, envolvendo a cadeia de fornecedores. Nesse sentido, decisões de investimento em design possuem alta prioridade no rol de decisões empresariais, pois não só influenciam o grau de competitividade da empresa, como sua própria 4
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sobrevivência no mercado. Dessa forma, a pesquisa considerou como investimento em design os gastos em atividades responsáveis pelas características estruturais, estéticas, formais e funcionais do produto. O levantamento do número de estabelecimentos que realizaram investimento em design nos permite verificar se o empresariado nacional possui, ou não, a dimensão da necessidade dessas atividades. Além disso, a identificação do percentual investimento em design sobre o faturamento bruto do estabelecimento permite medir o esforço empresarial para conduzir essas atividades. Por fim, a pesquisa fornece números sobre a percepção dos resultados do esforço realizado. A pesquisa aponta que, em 2003, 58,5% dos estabelecimentos industriais nacionais investiram em design. Como era de se esperar, a dimensão da importância dessa atividade é mais significativa nas empresas de maior porte – cerca de 65% das grandes e médias investiram em design, contra cerca de 54% das micro e pequenas. Dos três setores destacadas aqui, apenas alimentos registrou maior freqüência de investimento em design do que a média da indústria nacional: 71,7% dos estabelecimentos. O percentual de estabelecimentos que investiram nessa atividade, em couro e madeira foi, respectivamente, de 45% e 46,2%. Com respeito ao esforço nessa atividade, a pesquisa aponta que 40% dos estabelecimentos que de fato investiram em design, investiram montantes inferior a 1% de seu faturamento bruto. Esses números mostram que, em que pese haver um reconhecimento da importância do investimento em design para a competitividade, o esforço dispendido nessa atividade ainda é pequeno em muitas empresas. Essa conclusão geral também se aplica nos setores selecionados. No setor alimentos, metade dos estabelecimentos que investiram em design apontaram ter investido montante inferior a 1% de seu faturamento bruto. Nos setores couro e madeira, um terço dos estabelecimentos que realizaram o esforço investiu menos de 1%, enquanto que outro terço investiu entre 1 e 2% de seu faturamento bruto naquela atividade. TABELA 1 – Investimentos em design como percentual do faturamento bruto do estabelecimento, % de estabelecimentos, indústria total e setores selecionados, 2003
Fonte: CNI/Sebrae (2005).
A pesquisa busca, ainda, identificar a percepção das empresas quanto aos resultados do investimento em design. Para o agregado da indústria, verifica-se que em mais da metade dos casos (54,1%) o investimento contribuiu para o aumento das vendas ou do faturamento bruto. No caso do setor alimentos, essa boa perspectiva é ainda maior: 75% dos estabelecimentos indicaram impacto positivo sobre vendas ou faturamento. Em madeira, a percepção positiva ficou um pouco acima do agregado nacional (57,9%); já no setor couro, a percepção ficou abaixo (50%).
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Com respeito ao impacto de investimento em design sobre a lucratividade, novamente o setor alimentos apresentou resultado melhor que o agregado. Pouco mais da metade dos estabelecimentos pesquisados (52,5%) indicaram que o investimento em design elevou sua lucratividade – o total ficou em 35,3%. Nos setores couro e madeira houve a percepção de que o investimento em design elevou a lucratividade em, respectivamente, 28,6% e 29,4%. Total
Alimentos
Couros
Madeira
0%
20%
40% 60% % de estabelecimentos
Vendas/Faturamento Bruto
80%
100%
Lucratividade
FIGURA 1 - Percentual de estabelecimentos que perceberam aumento nas vendas/faturamento bruto e lucratividade como resultado do investimento em design, indústria total e setores selecionados, 2003. Fonte: CNI/Sebrae (2005).
2.3 Investimento em tecnologia Como discutido anteriormente, o acesso e cruciais para a inovação e, conseqüentemente, para tecnologia pode ocorrer ou através da aquisição equipamentos, ou através do próprio esforço da desenvolvimento.
o desenvolvimento de tecnologias são o ganho de competitividade. O acesso à direta de know-how e de máquinas e empresa via atividades de pesquisa e
A pesquisa de competitividade apontou que 81,2% das empresas adquiriram equipamentos nacionais novos em 2003. Em termos do esforço realizado, a pesquisa revelou que 42,2% dos estabelecimentos que adquiriram máquinas e equipamentos nacionais dispenderem montantes superiores a 5% de seu faturamento bruto. Nos setores selecionados, 83,3% das empresas de alimentos realizaram aquisições de máquinas nacionais, sendo que 48,1% dessas realizaram investimentos superiores a 5% de seu faturamento. O couro se destacou com maior freqüência de estabelecimento que investiram na aquisição de máquinas e equipamentos nacionais novos em 2003 – 85,7% dos estabelecimentos. Todavia, o montante investido em relação ao faturamento bruto do estabelecimento foi baixo: cerca de 30% dos estabelecimentos que dispenderam montantes superiores a 5% de seu faturamento bruto. No caso do setor madeira, podemos verificar que o percentual de estabelecimentos que adquiriram máquinas e equipamentos foi o mais baixo (65,5%). A pesquisa aponta, ainda, que cerca de metade dos estabelecimentos adquiriram equipamentos novos importados. O setor couro se destacou pelo elevado percentual de empresas que investiram na aquisição de máquinas e equipamento importados: 73,3%. Os demais, notadamente alimentos e madeira, registraram resultados bem abaixo do agregado.
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FIGURA 2 - Percentual de estabelecimentos adquiriram máquinas e equipamentos novos, nacionais, indústria total e setores selecionados, 2003. Fonte: CNI/Sebrae (2005).
Conforme mencionado, as empresas podem ainda adquirir know-how diretamente no mercado. Esse quesito pode ser medido através do investimento em transferência tecnológica. A pesquisa revelou que apenas 10% dos estabelecimentos investiram em transferência tecnológica. Como era de se esperar, os setores de baixa intensidade tecnológica – incluindo alimentos, madeira e couros – registraram resultados bastante próximos ao agregado nacional. TABELA 2 – Investimentos em pesquisa e desenvolvimento como percentual do faturamento bruto do estabelecimento, % de estabelecimentos, indústria total e setores selecionados, 2003
Fonte: CNI/Sebrae (2005).
2.4 Investimento em gestão e comercialização Além dos investimentos em qualidade e tecnologia, as empresas podem alcançar melhora índices de competitividade via melhorias nas áreas de gestão e comercialização. Em particular, devemos destacar que os investimentos em qualidade e tecnologia tendem ser mais produtivos em empresas com maior capacidade gerencial e conhecimento mercadológico. Dentre os resultados obtidos cabe destaque ao fato de que cerca de metade dos estabelecimentos investiram em capacitação de recursos humanos; 44,3% em sistemas de qualidade; e 43,7% em serviços de consultoria técnica. O setor alimentos apresentou resultados similares ao agregado da indústria nacional. Couro, por seu turno, registrou resultados superiores quanto ao investimento em capacitação (62,5% dos estabelecimentos) e à utilização de consultoria técnica (54,2%). Ainda em couros, deve-se destacar que 54,2% dos estabelecimentos investiram na colocação de produtos inovadores no mercado.
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INGEPRO – Inovação, Gestão e Produção o Fevereiro de 2011, vol. 03, n . 02 ISSN 1984-6193 www.ingepro.com.br equipe@ingepro.com.br TABELA 3 – Percentual dos estabelecimentos que investiu na atividade, indústria total e setores selecionados, 2003
Fonte: CNI/Sebrae (2005).
3. Considerações finais A análise empírica nos dá um indicativo positivo quanto à percepção da importância da inovação tecnológica entre os empresários industriais. Mais do que isso, é natural considerar que esta percepção positiva da inovação, bem como o efetivo esforço na aquisição ou desenvolvimento tecnológico, eventualmente será incorporado pelos diversos segmentos das cadeias de produção dos diferentes setores industriais. Em especial, a significativa aquisição de máquinas e equipamentos (83,3% dos estabelecimentos nos setores selecionados) indica que mesmo através de aquisição de “tecnologia de prateleira”, as empresas buscam internalizar práticas que viabilizem ganhos de produtividade. Também é interessante, verificar a preocupação e o volume, significativo, de investimentos em design, com destaque para alimentos, assim como o aumento das vendas proporcionado por este investimento (75% para as empresas de alimentos, 57,9% para madeira e 50% couro). Todos os setores sinalizaram que não só o faturamento aumentou, mas, também, a lucratividade apresentou ganhos significativos. Outro destaque foi o aumento dos investimentos na implantação de sistemas de qualidade. Devemos ressaltar que este tipo de atividade possui um papel indutor de inovação e melhores práticas, que se multiplicam ao longo das cadeias de produção. Assim, o esforço na implantação deste tipo de ação acaba por viabilizar ganhos não só nas empresas que coordenam a produção, mas também naquelas que são subordinadas a sua governança. O que explica, em parte, o maior investimento das empresas no que diz respeito ao processo de capacitação. Os números apresentados indicam que existe um esforço de inovação tecnológica por parte das empresas, em especial inovações de processos. O que converge com alguns números fornecidos pelo IBGE, através da PINTEC, onde verificamos que as empresas de baixa intensidade tecnológica buscam a inovação principalmente em processos de produção. Todo este cenário sinaliza um ganho de agilidade por parte empresas, e organizações produtivas, relacionadas ao agronegócio. A constante preocupação na melhora de fatores (acima da média nacional) como: design, aquisição de máquinas, implantação de sistemas de qualidade e capacitação de mão de obra, demonstram a existência de um setor, agroindustrial, ágil e em busca de constantes melhorias. O que, em parte, pode auxiliar na explicação do ganho de relevância deste setor no conjunto da economia brasileira. Referências Confederação Nacional da Indústria & Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequena Empresas. Indicadores de Competitividade na Indústria Brasileira. Ed. CNI/Sebrae. 2005
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INGEPRO – Inovação, Gestão e Produção o Fevereiro de 2011, vol. 03, n . 02 ISSN 1984-6193 www.ingepro.com.br equipe@ingepro.com.br DAVIS, J.H e GOLDBERG, R.A A Concept of Agribusiness. Division of Research. Graduate School of Business Administration. Cambridge, MA: Harvard University, Boston. 1957 DOSI, G. Technical Change and Industrial Transformation – The Theory and an Application to the Semiconductor Industry. Londres: MacMillan, 1984. FAGERBERG, J., VERSPAGEN, B. Technology-gaps, innovation-diffusion and transformation: an evolutionary interpretation. Research Policy, v. 31, n. 8, p. 1291-1304, 2002. LOASBY, B. J. The evolution of knowledge: beyond the biological model. Research Policy, v. 31, n. 8, p. 12271239, 2002. NELSON, R. e WINTER, S. An evolutionary theory of economic change. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1982. OLIVEIRA, L. G. A Cadeia de Produção Aeronáutica no Brasil: uma análise sobre os fornecedores da Embraer. 326 f. Tese (Doutorado em Politica Cientifica e Tecnologia) – Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Campinas, 2005. UTTERBACK, J. Dominando a Dinâmica da Inovação. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1994. SANTOS, F. C. A. Integration of human resource management and competitive priorities of manufacturing strategy. International Journalof Operations & Production Management, n.5, p.612-628, 2000.
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Abordagem ergológica da organização e das condições de trabalho em uma unidade de alimentação e nutrição Elenice Maria Gonçalves Araújo <elenicemariagoncalves@gmail.com> Hilda Maria Rodrigues Alevato <hilda.alevato@uol.com.br> Resumo: O artigo apresenta um recorte dos resultados de uma pesquisa de campo com o objetivo de analisar a organização do trabalho de uma unidade de alimentação de um hospital de médio porte. Trata-se de uma pesquisa descritiva, do tipo estudo de caso, com abordagem de caráter etnográfico, utilizando, como técnicas de coleta de dados, a observação direta e a entrevista semiestruturada. Com referência em Schwartz, o artigo identifica e problematiza os saberes práticos, oriundos da experiência de trabalho, elaborados e renormalizados pelos trabalhadores no processo de trabalho. Percebeu-se a complexidade que envolve os serviços de uma UAN, exigindo, desses profissionais, constantes usos de si e muitas vezes renormalizando o trabalho prescrito, mobilizando diferentes valores, saberes e experiências, pois cada um traz uma bagagem histórica única, que se vai revelando no diálogo com outras atividades. Constatou-se que a gestão do trabalho tem forte influência na dinâmica vivida, com consequências significativas no campo da saúde e da segurança no trabalho. Palavras chave: Ergologia, Atividade Humana, Unidade de Alimentação e Nutrição
Ergologic approach of the organization and working conditions in a unit of food and nutrition Abstract: The paper presents a summary of the results of a field work which analyzed the work organization of a medium-sized hospital’s feeding unity. This is a descriptive research , developed as a study case with an ethnographic approach, using as data research method the documentary inventories, observation, validating meetings, data analysis and individual semistructured interviews. With reference to Schwartz, the article identifies and discusses the practical knowledge from this work experience, which is elaborated and rescaled by its employees in the working process.It has been realized the complexity evolving a Feeding Unity service, which requires from its employees efforts to make their best and often renormalizing the prescribed work, thus, mobilizing different values, knowledge and experiences, since each individual brings an unique baggage, which is revealed in the dialogue with other activities.It was found that working management has a strong influence on the dynamics experienced with significant Health and Safety at work consequences. Keywords: Ergology, Human Activity, Feeding Unit and Nutrition. 1. Introdução Diante das mudanças que vêm ocorrendo no mundo do trabalho nas últimas décadas, suas novas formas de organização e gestão, surgem questões, desafios, incertezas e contradições sobre a situação do trabalhador nesse novo contexto.
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Uma organização, independente do seu tamanho ou de sua área de atuação, estruturase sempre sobre um elemento básico: seus colaboradores. Não é diferente em uma Unidade de Alimentação Coletiva (UAN). Apesar da presença de profissional de nível superior, capacitado, coordenando as atividades, muitas vezes ocorrem insatisfações entre os funcionários, especialmente no que tange à pressão sofrida quanto às funções, carga de trabalho e horários. Além disso, como demonstram estudos realizados por Juyaux (1988), Michotey (1992) e Jardim (2005), essas condições de trabalho se refletem no índice de pequenos acidentes e no absenteísmo 1, também favorecidos pelos imprevistos provocados por alta rotatividade nas tarefas desenvolvidas. Para garantir a elaboração do cardápio a ser distribuído em horários preestabelecidos, os trabalhadores muitas vezes se vêem diante de situações que acrescem inúmeras atividades às suas tarefas rotineiras. Diante desse cenário, este artigo 2 abordará os saberes práticos elaborados e renormalizados pelos trabalhadores de uma Unidade de Alimentação e Nutrição e a relação de tais saberes com a satisfação no trabalho, objetivando destacar aspectos dessa relação, expressos na dimensão real do trabalho. O foco, portanto, será o processo de trabalho, ou seja, o trabalho concreto: o trabalho como atividade humana. A pesquisa que serve de apoio para as considerações aqui destacadas configura-se como um estudo de caso, de caráter qualitativo. As observações locais incluíram também registros de
caráter genérico sobre as rotinas e as excepcionalidades, conforme recomenda a abordagem etnográfica. Interessava, especialmente, focalizar a experiência do trabalho real, mais do que o desenvolvimento do prescrito. Durante as visitas à Unidade e ao longo do trabalho de campo, foram entrevistados todos os funcionários que se mostraram disponíveis e concordaram em participar do estudo, considerando que todos têm contribuições significativas para a realidade da unidade de alimentação. As entrevistas ocorreram durante o horário de trabalho, no intuito de uma maior familiaridade com o ambiente e sua diversidade, a dinâmica das atividades desenvolvidas, os aspectos específicos do trabalho e o grupo em seus diferentes momentos. Desenvolveram-se sob a forma de conversa semiestruturada individual, com oportunidades de manifestação livre e opinativa dos entrevistados acerca de sua relação com o trabalho. Visando a conhecer melhor a UAN, foram reunidas informações sobre seu funcionamento e sobre as últimas modificações ocorridas na organização do trabalho, o partir de pesquisa documental e contatos com a nutricionista chefe. A partir daí, o contato com os trabalhadores se deu através de visitas periódicas ao hospital, perfazendo um total de 35 dias. A alternância dos horários destinados à pesquisa de campo objetivou conhecer melhor as características da organização do trabalho em diferentes situações e diante de diferentes demandas, a fim de responder às questões do estudo. A valorização da interação com todos os 1
Por absenteísmo, entende-se a ausência não justificada ao trabalho, cuja medida é a relação entre o total de dias ausentes num período e o número de empregados neste período. 2 Este texto se baseia na Dissertação de Mestrado “Análise da organização e das condições de trabalho em uma Unidade de Alimentação e Nutrição em relação ao desempenho e à satisfação no trabalho: um estudo de caso”, de Elenice M. G. de Araújo, no Mestrado Profissional em Sistemas de Gestão do Centro Tecnológico da Universidade Federal Fluminense, 2010.
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funcionários – divididos em turnos de trabalho – foi peça fundamental para os registros obtidos. 2. O Trabalho humano na perspectiva ergológica Em situações reais, raramente o trabalho vivido corresponde ao trabalho esperado, planejado e fixado por regras e objetivos determinados, seja por quem for. Isso acontece porque ao realizar suas atividades, o homem mobiliza não apenas sua formação e/ou treinamento, mas também sua história de vida, suas experiências, seus afetos, sua visão de mundo e muito mais. A abordagem ergológica propõe um novo tratamento ao estudo da situação de trabalho. Implica mudança no modo de encarar o trabalho como objeto de pesquisa, reconhecendo-o, segundo Souza e Silva (2002, p. 64): “[...] não somente enquanto atividade, mas como atividade pertencente à história, o que pressupõe a aceitação de que toda mudança para ser eficaz implica uma reinvenção local, a partir do patrimônio antecedente”. Permite compreender a presença da dimensão de escolhas e de valores na atividade de trabalho. Busca entender, ao analisar a lacuna entre as normas antecedentes e o trabalho real, como o sujeito recombina seus saberes, suas experiências, posiciona-se no fluxo das comunicações, executa arbitragens e julgamentos baseados em valores, para proceder às chamadas renormalizações, que guardam, em si, toda a riqueza da categoria trabalho (SCHWARTZ & DURRIVE, 2007). Daniellou (2004 apud SCHWARTZ & DURRIVE, 2007, p.105), faz uma analogia com o tear e afirma que "na sua atividade de trabalho, homens e mulheres tecem". Para Schwartz (2007, p.105-106), “a „trama‟ (para ele, registro1) é o que o humano converte em memória (objetos, técnicas, tradições, o cotidiano) para tentar governar a atividade. [...] A „urdidura‟ (registro2) é tudo aquilo que faz viver as técnicas, o codificado, num dado momento”. A “trama” é fria e racional porque é elaborada por especialistas e não pelos que vivenciam a atividade de trabalho. É no registro 2 que acontece o momento da confrontação dos caminhos disponibilizados pelo Registro 1, com o inédito que a situação singular coloca. É nesse momento que o trabalhador entra em movimento e, com isso, faz arbitragens, procura soluções mais cabíveis para dar conta do trabalho. Ou seja, é no movimento da atividade que o trabalhador lança mão de sua inventividade e “quebra os galhos” ou “dá um jeitinho”, conforme expressam os sujeitos da pesquisa, para completar sua jornada. O interesse da abordagem ergológica, portanto, está no sujeito que realiza a tarefa, na perspectiva de dar à atividade de trabalho a importância que de fato tem. São os trabalhadores que, no cotidiano, vão criando novas formas para enfrentar a variabilidade do trabalho, procurando dar conta daquilo que o trabalho prescrito não contempla. Conforme Schwartz (2007), o trabalho efetuado não corresponde apenas ao trabalho esperado, fixado por regras, orientado por objetivos determinados. Ao realizar a tarefa, a pessoa se encontra diante de inúmeras fontes de variabilidade: panes, dificuldades de previsão, fadiga, diferenças de ritmo, efeitos da idade, experiência etc. O real do trabalho, que Schwartz (2007) chama de atividade industriosa (a experiência de trabalho dos homens), só cada um dos trabalhadores conhece, por isso a importância de sua participação no desvendamento do enigma, que é o trabalho. Então, para entender o trabalho humano, é fundamental ouvir o trabalhador.
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Não há atividade humana desenvolvida mecanicamente, como postulava a organização científica do trabalho. Clot (2007, p.14), lendo Wallon, afirma que o sistema taylorista tira do trabalhador a sua iniciativa, requerendo apenas gestos artificiais, um sacrifício que: “[...] o amputa de grande parte de suas disponibilidades, que silencia toda uma série de atividades necessárias [...] condena-se o homem a uma imobilidade, que é uma tensão contínua”. Nesse sentido, ao ver-se obrigado a uma rotina sem nela interferir, o pensamento voa e o homem tende a desligar-se de seus movimentos, abrindo as portas para os acidentes, o adoecimento e a infelicidade. O trabalho é, então, a capacidade de estabelecer engajamentos e pode perder o sentido quando não permite a realização das metas vitais, dos valores e dos sentidos que o sujeito extrai dos diferentes domínios da vida em que está envolvido. Dessa forma, a atividade humana não pode ser considerada uma sequência de atos rigorosamente determinada. Ela “[...] está sempre, em um dado meio, em negociação de normas” (SCHWARTZ & DURRIVE, 2007, p.31). Quaisquer que sejam as circunstâncias, há sempre a negociar uma eficácia para as operações que devem gerar dimensões de historicidade nas situações de trabalho. Conforme está sendo apontado, toda situação de trabalho é lugar de uma "dramática" subjetiva, onde se negociam circunstâncias pessoais, históricas. São “usos de si” pelos outros e “usos de si” por si mesmo que se cruzam, constituindo uma "dramática" – movimento atritado entre norma prescrita, infidelidade do meio, renormalização e atividade singular –, um destino a ser vivido. Isto evidencia que o trabalho efetivamente realizado nunca é só prescrição, pois envolve sempre atividade humana. Na maioria das vezes algo foge, escapa ao controle e isso implica em escolhas (que se apóiam no conhecimento, nos valores, nas experiências anteriores etc.), ou seja, o uso de si por si, isto é, uma espécie de destino a viver que leva sempre, mesmo nas menores situações, a fazer escolhas em relação a si mesmo, aos outros e à vida social, fazendo com que cada trabalhador lance mão da sua inventividade. O uso de si pelos outros se deve ao fato de que ao entrar em um meio de trabalho já dado, já existem normas antecedentes, regras muito fortes de todos os tipos: cientificas, técnicas, organizacionais, interpessoais, grupais etc., tudo isso ocorrendo conjuntamente. Isto mostra como o homem intervém em seu meio, renormalizando normas antecedentes ao mobilizar sua subjetividade, seus mecanismos de defesa, seu imaginário, sua inventividade, dentre outros muitos aspectos. Para Schwartz (2007), uma das bases do que se pode chamar de perspectiva ergológica é a constatação de que, em qualquer que seja a situação de trabalho, há sempre uma negociação que se instaura. E cada ser humano – particularmente cada ser humano no trabalho – tenta, mais ou menos (e suas tentativas nem sempre são bem-sucedidas), recompor seu meio de trabalho, em função do que ele é, do que ele desejaria que fosse o universo que o circunda. 3. Unidades de alimentação e nutrição As UAN são restaurantes que, ao produzirem refeições em grande quantidade, desempenham atividades relacionadas à alimentação e à nutrição. Assim, elas podem ser comparadas a uma indústria que, a cada ciclo produtivo e a cada dia, produz um novo produto, que necessita seguir padrões de higiene e segurança alimentar. O bom funcionamento de uma UAN, seja com serviço próprio ou terceirizado, depende dos princípios da totalidade – todas as partes, mão de obra, métodos de trabalho, material e maquinário, operam de forma interdependente e voltadas para um mesmo objetivo – e da variabilidade – cada parte tem a possibilidade de variar e, assim, afetar todo o sistema. 13
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Portanto, uma UAN pode ser vista como um sistema de alimentação que mantém relações com o ambiente, de diferentes formas (LANZILLOTTI, 1996). A estrutura organizacional nessas unidades é simples, porém a complexidade de seu funcionamento depende de alguns fatores como o porte (quantidade e tipo de refeições produzidas) e a forma de inserção no mercado (tipo de gerenciamento, tipo de contrato etc.). Em um hospital, uma UAN funciona como “[...] serviço de apoio destinado ao fornecimento de refeições aos pacientes e funcionários” (MEZOMO, 2002, p.83), para proporcionar, aos comensais/pacientes, uma adequada assistência e educação alimentar, embasada em fundamentos técnico-administrativos. Segundo o mesmo autor, o serviço de alimentação hospitalar tem como metas, dentre outras, preparar e distribuir a alimentação destinada aos pacientes, funcionários e acompanhantes do hospital, obedecendo às dietas e cardápios preestabelecidos pelo próprio serviço; elaborar e atualizar o manual de dietas e elaborar programas de educação alimentar, para os pacientes internados e para funcionários, mostrando-lhes a necessidade de uma alimentação equilibrada e sadia. 3.1 Organização e Condições de Trabalho na Unidade de Alimentação Em uma UAN, como em outros espaços profissionais, a organização do trabalho se desenvolve em torno da harmonização entre trabalhadores, recursos financeiros e materiais, tanto no planejamento como na produção de refeições com padrão de qualidade adequado, visando aos aspectos sensoriais, nutricionais e microbiológicos (ANSALONI, 1999). Muito dos trabalhos executados nas UAN dependem de funções manuais, as quais exigem grande precisão de movimentos e são realizadas em curtos períodos de tempo, com alta repetitividade e rígidos padrões de produtividade (SANTANA, 1996). Para garantir que a refeição produzida seja distribuída no horário preestabelecido pelas necessidades da instituição/empresa, o funcionamento do serviço obedece a fluxogramas, rotinas de trabalho, controles, roteiros, normas, manuais, custos, legislação etc., direta ou indiretamente relacionados com o processo de produção de refeições. É, em grande parte, o chamado “trabalho prescrito”, comentado anteriormente. O planejamento de refeições é estudado com base no estabelecimento dos padrões de cardápios, os quais, por sua vez, se baseiam nos recursos disponíveis, aí incluídos os financeiros, materiais, humanos etc. (VIANA, 1996). No caso das UAN hospitalares, acrescese a questão dos cardápios individualizados, voltados a dietas específicas, prescritas de acordo com as exigências médicas e orientações gerais para cada paciente. A divisão do trabalho ocorre geralmente através de uma hierarquia. A nutricionista determina as técnicas e métodos operacionais adequados para a produção das refeições, bem como o perfil do trabalhador a ser selecionado para desenvolver determinadas tarefas na unidade. Todos realizam tarefas previamente estabelecidas pelo planejamento, não lhes sendo dadas, de um modo geral, possibilidades de interferir no processo. Desse modo, a organização do trabalho nas UAN geralmente nega ao trabalhador a possibilidade de se adaptar livremente à atividade. Isto representa um fator de tensão, porque o profissional deverá cumprir sua parte no que está determinado, sendo exigida a constante atenção aos limites do que lhe foi prescrito. Esta parcialização da tarefa faz com que o trabalhador geralmente desenvolva apenas atividades repetitivas e monótonas. O resultado é uma tarefa pobre em conteúdo, o que representa desgaste físico e psíquico para o trabalhador. Este desgaste é expresso através da fadiga pelo ritmo de trabalho intenso, uma vez que o
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tempo de execução de suas atividades está diretamente relacionado aos horários de distribuição das refeições, que podem ocorrer em intervalos de 2 horas até o máximo de 6 horas, compreendidos entre o inicio das atividades até a distribuição da alimentação (SOUSA, 1990). Em Unidades de Alimentação e Nutrição, portanto, a organização do trabalho é geralmente norteada por princípios taylorista-fordistas, estruturada com bases em rotinas, roteiros, normas técnicas e organogramas para a produção de refeições. O trabalho obedece a uma espécie de linha de montagem: a matéria-prima segue um fluxo continuo, em tempo predeterminado, sendo transformada em alimentação. Como no modelo fordista, existe a divisão do trabalho com o intuito de uma maior produtividade em tempo limitado, muitas vezes em condições inadequadas em termos de ambiente (temperatura, ventilação etc.), equipamentos (conservação, adequação etc.) e processos (carga, ritmo, interações etc.). Tais condições acabam levando à insatisfação, cansaço excessivo, queda de produtividade, problemas de saúde e acidentes de trabalho (SANTANNA, 2002). No caso que serve de base para o presente artigo, apesar de a UAN ter passado por reforma há menos de seis meses, esta não seguiu os parâmetros exigidos pela legislação. A área construída, por exemplo, é subdividida em setores apenas por bancadas: recepção/controle/armazenamento (almoxarifado), pré-preparo (carnes, vegetais, sobremesas), preparo (caldeirões, forno e fogão), e higienização (panelas e utensílios), não existindo um local isolado para a cozinha dietética. Tais falhas, dentre outras, não passam despercebidas aos funcionários entrevistados na pesquisa, conforme mostram os registros do trabalho de campo (ARAÚJO, 2010, p. 70): [...] Para nós do quarto posto é muito ruim. Somos do quarto posto, mas trabalhamos dentro da cozinha, já que não temos um lugar só nosso. Viu como ficou a reforma, parece mais uma colcha de retalhos. E o nosso vestiário? Não temos. Só um banheiro dentro da cozinha, que atende todo mundo3 (ENTREVISTADO 1)
Outro ponto manifestado com frequência pelos entrevistados é a relação entre ritmo de trabalho intenso e as condições da UAN. O fato de a alimentação dos pacientes precisar estar pronta às 10 horas e acondicionada em bandejas, com antecedência, já que é uma alimentação diferenciada para cada paciente e demanda certa cautela, para que não ocorram trocas de dietas, é foco de preocupação constante, especialmente porque as condições de trabalho não favorecem o desenvolvimento das atividades. Algumas das falas registradas pela pesquisa exemplificam bem o que está sendo dito (ARAÚJO, 2010, p. 71): [...] é muito complicado trabalhar só com um fogão, às vezes ocorre tumulto com as dietas, às vezes a gente se perde, é preciso estar atenta, Nós já pedimos um fogão só para fazer as dietas. (ENTREVISTADO 2) [...] este negócio de ter só um fogão complica, era preciso mais um para as dietas, isso embola o meio de campo e atrasa o serviço. Como são as copeiras que fazem o porcionamento das dietas, tenho que ficar de olho para não haver troca de comida. (ENTREVISTADO 3)
Estas falas revelam a constante interligação dos problemas, uma vez que cada detalhe interfere nas outras tarefas a serem realizadas. A preocupação com o horário, a exigência de atenção, o receio de não confundir as dietas, dentre outros pontos, aumentam a tensão à 3
Nota das autoras: “todo mundo”, no caso, quer dizer tanto os homens quanto as mulheres.
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medida que em que diminuem as alternativas perante as variáveis da situação de trabalho – falhas nos equipamentos, por exemplo – que atrasam o serviço. A observação dos postos de trabalhos mostra que essas dificuldades destacadas nas entrevistas poderiam ser resolvidas de modo relativamente simples, como o conserto de certos equipamentos e a troca de alguns utensílios, evitando o “estresse da equipe” destacado pelo trecho anterior. De acordo com pesquisadores como Alevato (2005), Jex (1998) e muitos outros, o estresse excessivo (distresse) é potencialmente nocivo para a saúde, a segurança no trabalho e, consequentemente, para o desempenho dos profissionais. A exigência física acontece com frequência, como na retirada de alimentos dos caldeirões (grande esforço e excesso de vapor), retirada das bandejas dos carros, lavagem dos caldeirões, dentre outras tarefas. Nestes casos, a parceria entre os funcionários e a qualidade das relações e interações sociais nem sempre funcionam como deveriam, ou seja, como “suporte social”, importante moderador da carga psíquica do estresse laboral (ALEVATO, 2005). Em relação à cooperação entre os colegas – também importante para o suporte social – vale ressaltar a fala de um trabalhador para o enfrentamento das dificuldades cotidianas nas situações de trabalho (ARAÚJO, 2010, p. 73): [...] Imagina um lugar que não existe bom relacionamento e ajuda dos colegas, às vezes a gente se estressa com um ou outro, mas depois passa, se não for assim, o serviço não funciona, todo mundo precisa do outro colega. Minha mãe sempre dizia lá em casa, pros filhos que uma andorinha não faz verão, e é verdade, pro serviço acontecer, a gente precisa de todo mundo colaborando. (ENTREVISTADO 5).
Esse trecho da entrevista denota uma mescla de sentimentos e valores da vida profissional e da vida pessoal, associados às mais diversas responsabilidades no processo de trabalho. É o trabalhador mobilizando seu universo de referências no enfrentamento das intempéries e adversidades laborais. Entende-se que os conflitos fazem parte da vida pessoal e profissional e, dentro do contexto organizacional, o conflito pode ser extremamente enriquecedor, quando voltado para a busca pelo melhor caminho para atingir os objetivos comuns. No entanto, quando o conflito se confunde com disputas e divergências pessoais, muitas vezes pode se tornar um problema grave em uma organização, gerando situações que impossibilitam o bom funcionamento do trabalho em grupo. Num segmento onde as tarefas se entrelaçam de modo tão peculiar, as dificuldades de relacionamento são bastante nocivas, podendo interferir na dinâmica do trabalho e na satisfação do trabalhador. Nas entrevistas realizadas, a referência a tais dificuldades é bastante frequente, algumas vezes apontando para situações individuais, outras para subgrupos, para marcas do tempo ETC.(ARAÚJO, 2010, p. 80): O pessoal da cozinha se dá bem, o da copa a gente pouco se fala, não dá tempo, mas todo mundo se entende né? (ENTREVISTADO 1) Já foi melhor, hoje em dia não se tem amigo no setor e isto faz muita falta no setor. (ENTREVISTADO 5)
A qualidade do ambiente social do trabalho reflete-se nas idéias, na criatividade, no desempenho, na capacidade de propor novas formas de resolver os problemas e na consecução de um projeto profissional que satisfaça o indivíduo e o grupo. Além disso, em situações como a estudada, na qual o ritmo e as atividades realizadas revelam a correria do dia
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a dia em um ambiente social permeado por pressões e com baixo suporte social, há maior risco de distresse e de ameaças à saúde e à segurança no trabalho. Em determinados momentos durante o trabalho de campo que está servindo de apoio às considerações aqui destacadas, foi observado um clima que pode ser descrito como “frenético”, com deslocamentos frequentes (do fogão para pia, da pia para a bancada e assim por diante), sob níveis altos de ruído, calor e odores variados. No caso, a presença de estressores como os citados acima aumenta muito o potencial de ameaça dos riscos inerentes à atividade. Apesar de todo o aparato prescritivo que caracteriza o trabalho em unidades de alimentação, como foi comentado anteriormente, a dinâmica cotidiana experimentada pelas cozinheiras (seu trabalho real, a “urdidura”), de acordo com o que foi observado, depende de uma série de condições, tais como: pessoal disponível 4, quantidade de pacientes no dia, cardápio (o tipo de produto a ser preparado) etc. É possível dizer que a organização do trabalho na UAN analisada tem caráter precário, em grande parte das situações. Em alguns momentos de trabalho, as cozinheiras vão alternando ações e/ou realizando-as simultaneamente como refogar o feijão e cortar a carne e/ou legumes, por exemplo. Além disso, há situações em que é necessário "dobrar" o plantão, ou seja, ao invés de trabalhar doze horas e folgar no dia seguinte, é preciso abrir mão da folga para cobrir a falta de algum funcionário, trabalhando até três dias seguidos. Tal situação torna o trabalho exaustivo, prejudicando a saúde e o desempenho, inclusive devido à fadiga. “A fadiga é uma testemunha não específica da sobrecarga que pesa sobre um ou outro dos setores do organismo psíquico e somático” (DEJOURS, 1994). Isto se torna claro em depoimentos coletados nas entrevistas, como o exemplo a seguir (ARAÚJO, 2010, p. 75): Quando falta alguém é uma correria, e olha que tem faltado bastante, e são sempre os mesmos. (ENTREVISTADO 7)
Mais do que a vivência do tempo na UAN, com suas correrias, horários rígidos e plantões de trabalho, o que mais se destaca como elemento de insatisfação do grupo, nas falas registradas na pesquisa de campo, são os problemas típicos da organização do trabalho. É possível dizer que a organização do trabalho, no caso estudado, é uma das áreas mais críticas em relação ao desempenho e à satisfação dos sujeitos deste estudo, influindo e sofrendo influência, também, das condições de trabalho vividas. A falta de manutenção dos equipamentos, a problemática distribuição das tarefas, a tensão nas relações interpessoais, dentre outros aspectos, influenciam – dentre outros aspectos – o desejo de sair e as ausências ao trabalho. Ao mesmo tempo, tais ausências realimentam as situações que as justificam, apontadas como problemáticas – como os plantões dobrados e as tarefas desenvolvidas simultaneamente, por exemplo – nas entrevistas e registros do diário de campo. Conforme já foi dito, a organização do trabalho em uma UAN geralmente é baseada no modelo taylorista, seguindo certo número de normas reguladoras, rotinas e procedimentos. A realidade do trabalho no caso estudado, no entanto, parece obedecer a outra dinâmica: São muitas normas, mas a gente faz do jeitinho que dá, ainda mais no 4º posto, não tem como. (ENTREVISTADO 7, ARAÚJO, 2010, p. 77).
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O absenteísmo é elevado e freqüentemente os funcionários faltam ao trabalho na Unidade.
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Ou seja, a vivência do trabalho no caso estudado se encontra conflitada entre um modelo rígido de prescrições, que não admite a participação do trabalhador, e uma realidade vivida entre “jeitinhos”, dependente dos humores destes mesmos trabalhadores e das eventualidades que se apresentem. É possível identificar um sujeito duplamente desvalorizado: ora por prescrições que parecem ignorar sua inteligência laboral, ora por situações que demandam que esta mesma inteligência supere condições adversas e até indignas, sob as quais o trabalho precisa ser realizado. No que diz respeito à improvisação no ambiente de trabalho, muitos relataram situações em que as normas foram desobedecidas visando ao bom andamento do serviço (ARAÚJO, 2010, p. 78): [...] quando não há quantidade suficiente de material no estoque e não dá para atender todo mundo, então a gente improvisa. (ENTREVISTADO 8) [...] quando falta o ajudante temos que fazer o trabalho dele e o nosso e aí não dá para fazer como manda o figurino, fazemos o que leva menos tempo e quase sempre sai melhor do que a nutricionista diz. (ENTREVISTADO 3)
Portanto, o bom senso exigido desses trabalhadores consiste na capacidade de adequação das normas vigentes às necessidades, limitações e condições existentes em determinado momento, para que o serviço possa ser executado. As observações desenvolvidas durante o trabalho de campo e as entrevistas realizadas com os profissionais mostraram que, no caso estudado, as falhas na organização do trabalho e em suas condições (falta de material no estoque, equipamentos danificados etc.) estão mais presentes nas improvisações do que “adequações”, típicas da atividade humana. Desse modo, no universo da UAN analisada, assim como descrevem Schwartz e Durrive (2007) e Clot (2006), evidencia-se que os funcionários se deparam não somente com as inevitáveis adequações àquilo que está presente no trabalho prescrito, mas também com uma diversidade de demandas imprevistas e perigosas, que se interpõem no momento da realização do trabalho. Por isso, a atividade precisa ser observada levando-se em conta não apenas aquilo que é prescrito, mas também os conflitos vividos pelo trabalhador na realização de seu trabalho e os recursos objetivos e subjetivos de que lança mão para dar conta de sua tarefa. Mais que simples obediência e/ou passividade diante das normas estabelecidas, o trabalho é o desempenho da atividade com significado próprio, de quem o realiza. Pode-se verificar, em determinadas falas, a dimensão pessoal do trabalho presente inclusive na responsabilidade assumida, afinada ao pleno significado de sua atividade (ARAÚJO, 2010, p. 78): Se a gente não dá conta, como é que ficam os pacientes? Eles não têm culpa se falta alguém ou se falta mercadoria, temos que fazer o melhor. (ENTREVISTADO 9)
Conforme está sendo apontado em relação às dimensões prescrita e real do trabalho, nos registros feitos no diário de campo foi observado que as prescrições num contexto real de impossibilidade de atendê-las têm efeitos tão danosos para aqueles que trabalham quanto seu excesso. Entende-se que a participação das pessoas na elaboração das normas e procedimentos, esta co-construção, é fundamental e pode evitar um descompasso na execução das tarefas, não ignorando a experiência de quem está trabalhando. Outro ponto relevante, destacado da pesquisa, foi a questão da satisfação no trabalho. Nas entrevistas, os temas mais frequentemente destacados com relação à satisfação foram as
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relações interpessoais, as amizades, a relação com a chefia e a liderança, sua comunicação e o reconhecimento simbólico. A marca temporal, presente em muitas respostas à entrevista, apontou para a chegada da nova Nutricionista, como a ruptura entre dois momentos. Mais que isso, a liderança e a comunicação com o grupo foram apontadas como fatores diferenciadores, quando o tema da entrevista era a satisfação com o trabalho. As questões relativas à liderança do grupo são extremamente relevantes para a dinâmica laboral (ALEVATO, 2005). Ainda que o estudo que está servindo de apoio para este texto não tenha se dedicado a aprofundar o papel da liderança, a referência a dificuldades desta, especialmente na comunicação com os empregados, é bastante ressaltada. Veja o trecho abaixo (ARAÚJO, 2010, p.81): [...] nem todo mundo se dá bem, a nutricionista faz com que todo mundo fique um contra o outro. Por causa disso, nós começamos a fazer um livro onde nos comunicamos para não ter problema. (ENTREVISTADO 10)
A questão da liderança aparece também relacionada ao reconhecimento. Mais do que as recompensas materiais, o reconhecimento simbólico afeta diretamente a construção de sentido no trabalho. Ainda que o entrevistado citado a seguir não tenha se referido explicitamente à Nutricionista, o “ninguém” de sua frase traz implícita a marca de uma liderança com dificuldades no desempenho de um de seus mais importantes papéis: contribuir para que o reconhecimento do trabalho fortaleça a construção de seu sentido no grupo (ALEVATO, 2005). Veja o desabafo do entrevistado (ARAÚJO, 2010, p. 81): [...] a gente rala, rala e pra quê? Ninguém reconhece” (ENTREVISTADO 2)
De certa forma, neste caso, a falta de sentido do trabalho contribui para que alguns trabalhadores vejam sua atividade como um meio de sobrevivência temporário, não atrelado à satisfação profissional e pessoal: é apenas uma ocupação até “achar coisa melhor”, segundo relatos de alguns entrevistados (ARAÚJO, 2010, p.81). É difícil dizer, porém, até onde “achar coisa melhor” é apenas a tradução de uma insatisfação com os resultados de seus esforços. No decorrer das atividades, pode-se dizer que aqueles que trabalham são ao mesmo tempo sujeitos e objetos desse trabalhar, sem que seja possível desembaraçar esses dois pólos. É neste sentido que se torna mais difícil dimensionar in abstrato um ser que trabalha, sem considerá-lo inserido em situações de trabalho real. A história de cada um é uma dimensão inevitável nas situações de trabalho: é o encontro entre homens, portadores de experiências, de saberes, de competências, de singularidades de trabalho marcadas por suas múltiplas dimensões, típicas de um produto engendrado historicamente. Nesse processo, o homem se qualifica, consolida e/ou recria. 4. Considerações Finais. A organização e as condições de trabalho, no serviço estudado, mostraram-se permeadas pela influência do modelo taylorista, ou seja, a Unidade de Alimentação e Nutrição analisada se estrutura com base em fluxogramas, roteiros, normas, técnicas, organogramas etc., na intenção de garantir que a refeição produzida seja distribuída com qualidade, no horário preestabelecido pela chefia da empresa. Apesar disso, o que se encontra é ritmo de trabalho intensificado, medo, pressão constante para a execução das tarefas e um
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grande esforço dos trabalhadores, divididos entre aqueles que apenas toleram as situações adversas no trabalho, encarando-o como atividade temporária, e outros, que se dedicam com empenho, comprometendo-se com os resultados de sua atividade. Nesse sentido, partindo do pensamento de Schwartz (2007), é importante compreender que o essencial de todo trabalho pode estar na dialética entre trama e urdidura, que contribui para reconsiderar os conceitos de rotina, inovação e resistência às mudanças, que devem ser apropriados pelos trabalhadores a partir de seu patrimônio de conhecimentos, de saberes práticos e de valores. É muito mais fácil, ao abordar o trabalho, se restringir ao lado da trama, a esse registro mecânico; no entanto, a urdidura é maior expressão de que existe um sujeito pensante por trás do trabalho, além daqueles que o prescrevem. Ao falarem do seu trabalho, os trabalhadores deixam clara a existência de um vácuo entre o trabalho prescrito (a “trama”) e o real (a “urdidura”). Em certas ocasiões, inclusive, parece haver incômodo quando parte do prescrito capaz de orientar e ajudar no desempenho da atividade real não pode ser minimamente cumprida. Existe uma espécie de “renormalização” permanente, não ostensiva, na qual cada trabalhador imprime o seu jeito em sua atividade de trabalho, procedendo a execução de uma forma pessoal e nem sempre favorável ao desempenho coletivo. É nos espaços não preenchidos pelas normas antecedentes que existem as possibilidades para a “renormalização” e as escolhas, onde o trabalhador se colocará numa dramática do “uso de si”, como foi dito. Como principais situações/fatores de insatisfação identificados, podem também ser apontados: o acúmulo de tarefas, a sobrecarga no trabalho, a improvisação, os equipamentos e utensílios danificados e o relacionamento com superiores. Um aspecto importante, que se pode depreender dos depoimentos, é a constatação do ritmo de trabalho intenso, sendo que, muitas vezes, conforme foi apontado, é necessário “dobrar” o plantão, tornando o trabalho exaustivo, prejudicando a saúde e o desempenho, inclusive devido à fadiga. Conforme a literatura mostra, a cooperação entre os pares, o chamado suporte social, poderia ser um dos recursos para o enfrentamento das dificuldades cotidianas. Neste sentido, a necessidade e a importância de trabalhar em equipe são reconhecidas por muitos dos entrevistados. Eles afirmam valorizar o trabalho do colega e reconhecem que a satisfação no trabalho pode aumentar à medida que todos contribuam de forma mais cooperativa e amigável. Na UAN estudada, no entanto, há impedimentos à cooperação, conflitos e aborrecimentos, muitos deles alimentados por falhas na comunicação com a chefe do setor. Pode-se observar que o trabalhador, em geral, busca uma contrapartida pelo seu esforço, um reconhecimento simbólico que nem sempre acontece, resultando em insatisfação e descontentamento com seu trabalho. A situação de trabalho do grupo pesquisado, apesar de crítica e geradora de insatisfação, possibilita também identificar o valor da vivência de momentos de camaradagem entre os pares. Parecem necessárias transformações para que essa vivência seja maximizada, visando oportunizar a valorização e o reconhecimento no trabalho. Os resultados permitem afirmar, portanto, que a gestão do trabalho tem forte influência na dinâmica vivida, com consequências significativas no campo da saúde e da segurança no trabalho. Em linhas gerais, pode-se dizer que o desgaste físico e mental, causado tanto pelas condições de trabalho como por sua organização, se reflete de modo significativo na vida, na satisfação e no desempenho dos indivíduos estudados.
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Os resultados obtidos com a pesquisa desenvolvida sinalizaram para a necessidade de uma importante reestruturação na Unidade, especialmente no que diz respeito à organização e às condições de trabalho. Ao lado dos ajustes na gestão da UAN, a recuperação de equipamentos, utensílios, distribuição de carga de trabalho, espaço físico e outras iniciativas muito poderiam contribuir para a satisfação dos funcionários e para o melhor desempenho de um grupo cujo trabalho precisa ser desenvolvido em equipe. Pode-se também observar que muitos trabalhadores, apesar de forças contrárias, conseguem estabelecer estratégias para garantir alguma satisfação no trabalho e uma melhor relação com seu ambiente. No entanto, para que a maior parte dos trabalhadores encontre satisfação e atribua sentido ao seu trabalho há meios que podem ser implementados, nos quais o trabalhador é o principal ator, à medida que participa, efetivamente, no planejamento, implantação e transformação do trabalho. Constatou-se que, mesmo diante de um cotidiano bastante atarefado, os trabalhadores não deixam de imprimir suas marcas no trabalho, tendo em vista que fazem usos de si por si mesmos diante de diferentes dramáticas, antecipam problemas e seguem seus estilos individuais de ação diante de situações emergenciais surgidas na atividade. Isso permite concluir que a competência desses trabalhadores está muito baseada no saber adquirido com a prática da atividade, o qual está atrelado à herança histórica do seu trabalho. A compreensão da experiência de cada trabalhador, de sua história, de seu saber acumulado e a questão da afetividade, na construção do sentido do trabalho são fundamentais para melhorar a consonância entre o prescrito e o real, especialmente através de reavaliações permanentes e do retratamento de normas e de valores que estão enraizados na gestão da atividade. Para isso, é necessário compreender a complexidade das relações do homem com seu trabalho e dar visibilidade às dramáticas do uso de si e às estratégias individuais e coletivas, através das quais os trabalhadores vivem a relação com o seu fazer. 5. Referências bibliográficas: ALEVATO, H. Gestão de pessoas, grupalidade e saúde no trabalho. Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro: Senac/DN, vol. 31, n.3. set/dez, 2005. ANSALONI. J. A. Situação de Trabalho dos Nutricionistas em Empresas de Refeições Coletivas e Minas Gerais: um trabalho técnico, supervisão ou gerencia? Revista de Nutrição, Campinas, v.12, n.3., p.241-260, set/dez, 1999. ARAÚJO, E. M. G. Análise da organização e das condições de trabalho em uma Unidade de Alimentação e Nutrição em relação ao desempenho e à satisfação no trabalho: um estudo de caso. (Dissertação). Centro Tecnológico. Niteroi: UFF, 2010. BORGES, L. O.; YAMAMOTO, O. H. O mundo do trabalho. In ZANELLI, José Carlos Borges; ANDRADE, Eduardo; BASTOS, Antonio V.B (Orgs) Psicologia, organizações e trabalho no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2004. CLOT, Yves. A função psicológica do trabalho. 2 ed, Ed. Vozes, 2007 DANIELLOU, F. A ergonomia em busca de seus princípios - debates epistemológicos. Trad. de MIS Betiol. São Paulo: Edgard Blücher; 2004. DURRIVE, L. Trabalho e uso de si. In: SCHWARTZ, Y; DURRIVE, L. Trabalho e ergologia: conversas sobre atividade humana. Niterói, Ed. UFF, 2007. Capítulo 4, p.191. JUYAUX. C. Quelles competences du personnel pous lês nouvelles technologies em cuisine? Paris: CNAM. Mémoire de séquences S2. Niveau III. 1988
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Implantação da Gestão Ambiental em Curtumes para a percepção do Mercado Externo Dr. Roberto Naime <rnaime@feevale.br> Giana Karine Birk <gianabirk@yahoo.com.br> Fabiano André Trein <fabianotrein@feevale.br> Resumo: Este artigo discute a importância da implantação de sistemas de gestão ambiental, certificados ou não, para a otimização da percepção do mercado externo quanto à responsabilidade ambiental e até mesmo social. Diante da crescente repercussão mundial que os temas ambientais tem gerado, é feita uma contextualização histórica do setor coureiro na região, e discutidas as crescentes restrições que tem sido propostas, principalmente no mercado europeu com o intuito de auxiliar na preservação ambiental, ao mesmo tempo que as restrições podem funcionar também como barreiras ambientais aos mercados externos. A discussão de toda esta temática é feita através da aplicação de um questionário a profissionais e personalidades da área coureira, buscando auscultar e consensuar as opiniões sobe a questão. Ao final são feitas considerações sobre a importância da implantação de sistemas de gestão ambiental para facilitar a percepção, principalmente dos mercados externos, sobre as práticas responsáveis que o mundo exige que a indústria coureira tenha atualmente. Palavras-chave: couros, percepção, ambiental
Implementation of Environmental Management in Tanning for the perception of Extern Market. Abstract: This article discusses the importance of implementation of environmental management systems, certified or not, to optimize the perception of foreign markets for environmental responsibility and even social responsability. With the increasing impact that global environmental issues has generated, there is a historical background of the leather sector in the region and discussed the growing restrictions have been proposed, mainly on the European market in order to help preserve the environment, while restrictions may also function as environmental barriers to foreign markets. The whole discussion of this issue is made by applying a questionnaire to professionals and personalities from the leather, seeking a consensus on and hear the views up the issue. At the end we discuss the importance of implementation of environmental management systems to facilitate the perception, especially foreign markets, on responsible practices that the world requires that the leather industry has today. Keywords: leather, perception, environmental
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1. INTRODUÇÃO Há uma crescente preocupação mundial com as questões ambientais e o crescimento de barreiras ao comércio internacional de diversos produtos, principalmente oriundos de empresas de setores tradicionais, localizadas, em sua maioria, em países em desenvolvimento, os quais afetam consideravelmente o meio ambiente. Neste contexto se inserem as indústrias do setor coureiro, por utilizarem diversos produtos químicos para a conservação e transformação das peles em couros acabados. Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) (2008), no Brasil as exportações de couro somaram à balança comercial, em 2003, 1,03 US$ bilhão; em 2005, 1,46 US$ bilhão; e em 2008, de acordo com o Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB) (2009), as exportações de couro atingiram 1,88 bilhões de dólares, valor 14,16% menor que as exportações de 2007, que foram 2,19 bilhões de dólares. O Brasil, como um dos maiores produtores e exportadores de couro do mundo deve se adequar às necessidades e exigências do mercado internacional. Muitas substâncias estão sendo restringidas para o uso na indústria e em produtos de consumo. Seus usos são limitados por uma série de razões que incluem a segurança de consumidores e trabalhadores e os aspectos ambientais. Essas restrições são impostas por meio de legislações, por marcas ou grifes ecológicas. Por esse motivo, surge a necessidade de buscar produtos alternativos ou métodos preventivos no processo de transformação da pele em couro acabado. Neste contexto, as ferramentas de gestão ambiental tem sido consensuais na minimização da geração de impactos e na produção de produtos ambientalmente amigáveis (“environmentally friends”) A Gestão Ambiental tem sido considerada como elemento importante nos negócios entre os países e os clientes estão cada vez mais conscientes quanto à preservação do meio ambiente. Sendo assim, este fator pode ser visualizado como oportunidade pelos curtumes em suas vendas, os quais, agregando a Gestão Ambiental em suas políticas internas, estarão ao mesmo tempo cumprindo as legislações impostas e colaborando com a sociedade, apostando cada vez mais em tecnologias limpas e produtos que causem um menor impacto ecológico. O fenômeno da globalização teve como suas principais forças motrizes, a procura de novos mercados e os esforços para a redução de custos, mas isto não significa apenas fazer negócios além das fronteiras nacionais, significa também um aumento da competição para quase todo o tipo de organização. Muitas organizações também foram motivadas a expandirse internacionalmente a fim de obterem vantagens de custo sobre os concorrentes. As fronteiras nacionais estão se tornando cada vez mais insignificantes na definição das fronteiras dos negócios. “Os avanços na tecnologia da comunicação e as reduções às barreiras comercias entre as nações contribuíram para a criação de uma aldeia verdadeiramente global”, afirma Robbins (2003, p.6). A globalização trouxe diversas mudanças, entre elas a abertura de limites de operação das organizações, tais como: as mudanças tecnológicas no acesso as informações e no modo de como estas são geradas, armazenadas, utilizadas e compartilhadas; as oportunidades de trabalho que se abriram aos trabalhadores do conhecimento; o respeito à diversidade cultural das populações; a aceitação pelas empresas de suas novas responsabilidades sociais e à necessidade de reconhecer que as percepções e valores dos clientes conduzem o ambiente dos
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negócios (ROBBINS, 2003, p.7). Outro fator importante trazido pela globalização é a preocupação com as questões ambientais do planeta como um todo. Segundo Drucker (apud MAIMON, 1996, p.07), a globalização da ecologia se dá num contexto de globalização das relações econômicas, se intensificou a partir da década de 80 quando se constata que os fenômenos da poluição transcendem as fronteiras nacionais, afetando regiões ou mesmo o planeta como um todo. Com isto surge a preocupação com os riscos globais, tais como a contaminação dos solos, da água, do ar e das cadeias alimentares, o efeito estufa, chuvas ácidas, a explosão demográfica, o empobrecimento da biodiversidade, em particular, com a devastação das florestas. Conforme Ruiz et al. (2006), a preocupação com as substâncias nocivas presentes nos couros, acentua-se principalmente nos países da Comunidade Econômica Européia (CEE), o que faz com que grandes empresas e marcas que atuam na área de calçados de elevado valor agregado, imponham exigências técnicas cada vez mais rigorosas aos seus fornecedores, a fim de garantir ao seus clientes um produto ecologicamente correto. Além disto, tem-se observado um aumento das barreiras não tarifárias à exportação. São restrições de natureza técnica, administrativa ou jurídica às entrada de mercadorias importadas em alguns países, principalmente para o couro em estágio wet blue (curtido ao cromo). De acordo com Naime (2004, p.13), “O Gerenciamento Ambiental é o conjunto de procedimentos e normas para gestão das questões legais, éticas e práticas das relações com os meios físico, biológico e antrópico que constituem o meio ambiente”. A Gestão Ambiental tem como objetivo identificar as ações mais adequadas ao atendimento das imposições legais e das soluções reais e práticas de todo processo. O gerenciamento ecológico envolve a passagem do pensamento mecanicista para o pensamento sistêmico. Um aspecto essencial dessa mudança é que a percepção do mundo como máquina cede lugar à percepção do mundo como sistema vivo. Essa mudança diz respeito a nossa concepção da natureza, do organismo humano, da sociedade e, portanto, também de nossa percepção de uma organização de negócios. As empresas são sistemas vivos cuja compreensão não é possível apenas pelo prisma econômico (ANDRADE; TACHIZAWA; CARVALHO, 2002) Rosa (2003, p.17), “entende-se por couro natural, todas as peles de animais que tenham sido tratadas (por processo químico chamado curtimento) e, cujas fibras de sua estrutura foram modificadas com auxílio de produtos químicos (naturais ou sintéticos, chamados curtentes)”. O couro respira, é quente, durável e por se tratar de um produto natural, sempre manterá marcas de sua origem. Essas características podem se mostrar como arranhões, marcas de crescimento, áreas de diferentes densidades de fibra e estrutura de poro do cabelo. Tais marcas podem ser neutralizadas nos processos de curtimento, todavia nenhuma pele será idêntica a outra. A pré-história, segundo Hoinacki, Moreira e Kiefer (1994, p.27), tem início no momento em que o Austrolopiteco, antecessor do Homo-erectus, cujas primeiras demonstrações remontam a mais de um milhão de anos, usa a pele de forma mais simples. As suposições e deduções sobre esse período são feitas a partir de informações colhidas pela ciência por historiadores, sendo em forma de desenhos rupestres em grutas e cavernas, restos de certos materiais e artefatos, escavações ou comportamento de populações aborígenes das regiões da África ou Oceania, que vivem ainda hoje como na época paleolítica.
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A história inicia-se com a época da qual existem informações, em forma de desenhos, artefatos cerâmicos ou peças elaboradas com couro e estende-se até nossos dias. De acordo com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (apud BOS, 2006), “os impactos ambientais dependem da natureza dos processos, das matérias primas, da eficiência de cada operação, do padrão de gestão, dos resíduos resultantes e de sua tratabilidade, do meio em que operam as unidades e do seu nível de adensamento”. Desta forma, a concentração em pólos implica uma potencialização de seus impactos, mas por outro lado, também pode propiciar a sinergia e a escala para visualizar soluções. 2. MATERIAIS E MÉTODOS O regulamento “REACH” da União Européia (UE) significa Registro, Avaliação, Autorização e Restrição de Substâncias Químicas e começou a vigorar em junho de 2007 sendo aplicado a partir de junho de 2008. O regulamento impõe obrigações às indústrias e define um novo enfoque para o controle das substâncias químicas e tem como objetivo “[...] aprimorar a proteção à saúde humana e ao meio ambiente e, ao mesmo tempo, manter a competitividade e aumentar a capacidade inovadora da indústria química da UE” (PÜNTENER, 2007). As barreiras não-tarifárias (BNTs), são restrições comerciais à entrada de bens importados que não são efetivadas por meio de tarifas aduaneiras, que, em geral, tem como objetivo promover a proteção do consumidor e do meio ambiente. Em alguns casos, as barreiras não-tarifárias podem ser utilizadas de forma protecionista, no intuito de restringir a entrada e de importações por meio de quotas e contingenciamento, barreiras técnicas ou restrições como de segurança, laborais, medidas sanitárias e fitossanitárias, políticas de valorização aduaneira, preços mínimos ou bandas de preço (BOS, 2006; HENRIQUE, 2005). A NBR ISO 14001:2004 é um Sistema de Gestão Ambiental (SGA). Entende-se por sistema de gestão ambiental, como uma parte do sistema de gestão de uma organização utilizada para desenvolver e implementar sua política ambiental e para organizar seus aspectos ambientais (EPELBAUM apud VILELA JUNIOR; DEMAJOROVIC, 2006). Este trabalho investiga a importância da gestão ambiental nos curtumes, a partir da aplicação de um questionário com um técnica de pesquisa descritiva que “procura descobrir com a precisão possível, a freqüência com que o fenômeno ocorre, sua relação e a conexão com outros, sua natureza e características (CERVO; BERVIAN, 2002, p.66)”. A interpretação compreensiva das respostas é reveladora do estágio de compreensão do tema pois observa, registra, analisa e correlaciona os fatos sem interferência do pesquisador (PRODANOV; FREITAS, 2009, p.63). Foram também utilizadas a pesquisa bibliográfica e documental. A pesquisa bibliográfica tem por finalidade colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto, que tenham sido transcritos por alguma forma, quer publicadas, quer gravadas. A pesquisa bibliográfica, conforme Manzo (apud LAKATOS; MARCONI, p.183, 1991), “oferece meios para definir, resolver, não somente problemas já conhecidos, como também explorar novas áreas onde os problemas não se cristalizaram suficientemente” e propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões inovadoras (LAKATOS; MARCONI, 1991).
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A pesquisa documental compreende o levantamento de documentos que ainda não foram utilizados como base de uma pesquisa. Esses documentos podem ser encontrados em arquivos públicos, em empresas particulares, instituições religiosas, cartórios, museus, videotecas, correspondências, fotografias, diários, coleções ou autobiografias. A documentação direta compreende ainda, a observação direta intensiva, cuja modalidade mais utilizada é a entrevista e a observação direta extensiva, a qual faz parte: o uso de formulários, testes, questionários e estudos de caso (MEDEIROS, 2000). Quanto à abordagem do problema, nos questionários, utilizou-se a forma qualitativa. Conforme Fachin (2001), a abordagem qualitativa é caracterizada pelos seus atributos e relaciona não somente aspectos mensuráveis, mas também definidos descritivamente. O universo da pesquisa foram 10 profissionais atuantes no setor coureiro: curtumes, empresas químicas, entidades de classe e faculdades, localizadas na região do Vale do Rio dos Sinos, no período de setembro de 2009, e o tipo da amostragem foi não-probabilística e por conveniência, cuja amostra foi definida por julgamento, onde o pesquisador, com base em sua experiência, define a amostragem porque a considera representativa da população a ser investigada (McDANIEL; GATES, 2003). As técnicas de coletas de dados utilizadas foram: observação assistemática, questionário com perguntas abertas e documental. “Técnica é um conjunto de preceitos ou processos de que serve uma ciência ou arte; é a habilidade para usar esses preceitos ou normas, a parte prática. Toda ciência utiliza inúmeras técnicas na obtenção dos seus propósitos” (LAKATOS; MARCONI, 1991, p.174). 3. ANÁLISE DE RESULTADOS A grande motivação para os investimentos em Gestão Ambiental e produtos ecologicamente corretos é a visão de que as empresas só podem se inserir competitivamente no mercado através de uma atitude responsável com o meio ambiente, conforme informado por 9 entre os 10 profissionais pesquisados do setor. O consumidor está cada vez mais consciente com as questões ambientais, gerando assim competitividade, tanto pelas empresas quanto pelas marcas, que buscam suprir as necessidades dos clientes. As exposições dos profissionais estão de acordo com as afirmações de Maimon (1996), Kinlaw (1997), Moura (2006), Zenone (2006), Polonsky e Voltolini apud Vilela Júnior; Demajorovic (2006), onde ocorre o interesse pelo desenvolvimento sustentado, que é a busca simultânea de eficiência econômica, justiça social e harmonia ecológica. Cada vez mais organizações estão entrando no “marketing verde”, assim, se beneficiando das muitas oportunidades competitivas oferecidas pela questão ambiental. Conforme pesquisa da AICSUL na Revista do Couro (2008), milhões de dólares têm sido gastos em investimentos em sistemas de tratamento de efluentes. E para a manutenção destes investimentos, as empresas pesquisadas pela AICSUL demonstram interesse em conhecer casos de sucesso em produção mais limpa, fontes de informação e recursos para investimentos em sustentabilidade ambiental e banco de dados dobre consultores nesta área, o que comprova a preocupação das empresas com este tema. Na busca de produtos (couros) ecologicamente corretos ou com menos impacto ambiental, várias questões relevantes foram citadas pelos profissionais ligados ao setor coureiro, entre as principais: o uso das substâncias restritivas, as barreiras não-tarifárias, a
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procura de grandes marcas por estes produtos na busca de uma melhor imagem corporativa e a tendência futura dos mercados. O principal sentimento é pela busca de produtos, respeitando o uso adequado das substâncias restritivas, o que está de acordo com as pesquisas de Bos (2006). O uso de substâncias restritivas nos couros são limitadas por uma série de razões que incluem riscos e impactos à saúde humana, além de serem na maioria tóxicas e podendo produzir compostos cancerígenos, o que está de acordo com Palermo, Santos et al., Rótulo da União Européia e Glasspool apud Bos (2006). Alguns países já possuem regulamentações limitando a presença de algumas dessas substâncias, entre eles: países União Européia, Alemanha e Suécia. Püntener (2007) comenta que por haver uma preocupação global referente à segurança no uso e manuseio de substâncias químicas e os produtos relacionados com estas substâncias, a União Européia criou, em 2007 o REACH, um novo esforço que irá coordenar as políticas globais referente aos produtos químicos e seus resíduos. Neste contexto, está inserida a indústria coureira, pois deverá se adequar às normas para continuar competindo no mercado Europeu, o que reforça a afirmação dos profissionais do setor que já percebem esta mudança no cenário do mercado mundial atual. Outra percepção relevante na busca de produtos ecologicamente corretos ou com menor impacto ambiental são as imposições por meio de barreiras não-tarifárias Maimon (1996), Moura (2004), Bos (2006), Henrique (2005), Fornasari e Coelho e Santos apud Bos (2006), já afirmaram que, com a queda das barreiras tarifárias, o comércio internacional acabou desenvolvendo novas formas de protecionismo que se manifestam pela escolha de parceiros através da consolidação ou criação de blocos comerciais ou pela intensificação das barreiras não-tarifárias ou técnicas das certificações. Existe a busca de grandes marcas líderes mundiais e de alguns mercados, por empresas responsáveis com as questões ambientais. Não necessariamente as empresas devem ter a auditoria de empresas certificadoras, mas sim que comprovem possuir um sistema de gestão ambiental autônomo e que atendem às legislações locais, agindo pró-ativamente nesta área, e demonstrando atitudes responsáveis, estando assim, preparadas para serem auditadas pelos próprios clientes, fornecedores ou organizações não governamentais preocupados com estas questões. Estas opiniões estão de acordo com Maimon (1996), Teixeira (2008), Layrargues (2000), Kinlaw (1997), Moura (2004) e a União Internacional dos Tecnólogos e Químicos do Setor Couros (2004). Certificações como o conjunto de normas ambientais NBR ISO: 14001: 2004 também têm sido solicitadas pelos clientes do mercado externo, principalmente pelas grandes lideres do mercado mundial. As auditorias externas de terceira ordem (órgão auditor) são caras, e por este motivo só são efetivadas quando a empresa sente a necessidade das certificações, na busca da comunicação externa com o público, visando agregar a visão da responsabilidade socioambiental com a imagem externa da organização. As certificações podem ser consideradas, neste contexto, como uma garantia de competitividade no mercado, por se tratar de uma tendência bem próxima, assim concordam Moura (2004), Zenone (2006), Ruiz et. al. (2006), Fornasari e Coelho (apud, BOS, 2006), Kinlaw (1997), Layrargues (2000), Andrade, Tachizawa e Carvalho (2002), Pereira (1997) e Epelbraum apud Vilela Júnior; Demajorovic (2006).
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Entre os profissionais questionados do setor, oito concordam que as questões ambientais podem ser tratadas como oportunidade de negócio, um concorda em parte, e outro comenta que as questões ambientais ainda não chegaram a este patamar de negociação. Os itens mais comentados para esta afirmação foram: a busca pela competitividade em um mercado exigente e preocupado com as questões ambientais e com a imagem corporativa, a possibilidade de maior lucratividade nesses produtos, devido ao valor agregado e à redução de custos nos processos. As organizações podem agregar valor aos produtos que carregam o “selo verde” e cita com exemplo os couros vegetais ou livre de Cromo, os quais são solicitados por clientes que não se importam de pagar a mais para agregar a imagem deste “selo”, o que esta de acordo com as ideias de Ruiz et. al. (2006). O fator custo demonstra ser um fator polêmico em relação à gestão ambiental na indústria de curtumes, entre os profissionais questionados do setor, pois são diversas as opiniões. As grandes e médias empresas têm condições de arcar com os altos custos decorrentes de investimentos em produtos e processos ecologicamente satisfatórios, porém, para as pequenas empresas o alto custo destes investimentos tendem a torná-las não competitivas. Moura (2004), concorda que em países onde prevalecem leis ambientais mais rigorosas, presumidamente há um alto custo ao produto, tornando-o não competitivo, com países de legislação menos restritiva. A Gestão Ambiental nos curtumes só não é melhor trabalhada devido aos altos custos necessários para investimentos nessa área, pois muitas empresas não possuem recursos para otimizar seus processos. No entanto, o fator custo em investimentos e tecnologia em Gestão Ambiental não torna os produtos ecologicamente corretos inviáveis. A interpretação da pesquisa com profissionais do setor mostra que se trata de uma questão de sobrevivência no mercado e, por se tratar, na maioria das vezes, de produtos com alto valor agregado, o fator gestão ambiental já está embutido no custo final. Moura (2004), Kinlaw (1997), Pereira (1997) e Voltolini apud Vilela Júnior; Demajorovic (2006), concordam que a falta dos “selos verdes” pode representar um fator de competitividade ou de exclusão dos produtos em mercados exigentes do primeiro mundo. Um bom Sistema de Gestão Ambiental nas empresas, leva à redução de custos nos processos de produção. Layrargues (2000), Kinlaw (1997), Maimon (1996), A IULTICS (INTERNATIONAL UNION OF LEATHER TECHNOLOGISTS AND SOCIETIE, 2004) e Moura (2003), afirmam que, a situação é contrária à imaginada, de que os custos ambientais podem inviabilizar a empresa ou reduzir os seus lucros. Esses autores acreditam que os investimentos em meio ambiente acarretam o dispêndio de recursos financeiros, porém com a implementação de um Sistema de Gerenciamento Ambiental, pode se vir a obter redução de custos de conformidade e uma redução de riscos, o que também se reflete nos custos. Já existem produtos ecologicamente corretos com preços viáveis e o fator custo não impede no prosseguimento do desenvolvimento de novos produtos e tecnologias limpas em curtumes. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com a pesquisa, a indústria coureira se utiliza de muitas substâncias químicas no processamento das peles em couro acabado sendo muito impactante ao meio ambiente. As substâncias são restritas e seus usos são limitados por diversos fatores que incluem a saúde humana, a segurança de trabalhadores e o meio ambiente e devido à crescente preocupação mundial com as questões ambientais.
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Por isso, o fator Gestão Ambiental tem influenciado cada vez mais os negócios com o Mercado Externo. Assim se detecta a necessidade das empresas do setor coureiro inserirem a variável ambiental na gestão dos seus processos produtivos, implementando maiores investimentos nesta área. A motivação é a exigência dos clientes e grandes marcas que se preocupam cada vez mais com a responsabilidade ambiental, regulamentações e leis impostas por entidades locais, de governo ou países importadores que servem para criar mecanismos de proteção. Ou mesmo pela preocupação tanto com a saúde dos trabalhadores, quanto pelos resíduos tóxicos deixados no meio ambiente. A Gestão Ambiental demonstrou ser um fator competitivo relevante, dado o aumento da procura de produtos provenientes de empresas responsáveis neste setor e por produtos cada vez menos agressivos ao meio ambiente por consumidores finais cada vez mais exigentes e conscientizados, os quais tenderão a uma maior disposição em pagar pelos produtos e serviços ecologicamente corretos. De acordo com os profissionais entrevistados, esse fator deve ser considerado de suma importância para a permanência das empresas no mercado, pois além da busca pelos clientes, a empresa pode utilizar-se de Sistemas de Gestão Ambiental para diminuir os seus custos de produção. A imagem da empresa frente ao cliente e à sociedade tem sido um fator relevante para a escolha dos mesmos, principalmente das grandes marcas ou grifes ecológicas, que utilizam este fator em suas campanhas de marketing, pois agregam valor aos produtos. Dessa forma, cumprindo as legislações impostas e colaborando com a sociedade, apostando cada vez mais em tecnologias limpas e produtos que causem um menor impacto ecológico. Cabe ressaltar que um delineamento de ações de planejamento ambiental consistente com as perspectivas de Desenvolvimento Sustentável pode contribuir para a consolidação da imagem de polos industriais como o do vale do Rio dos Sinos, como ofertante de produtos ecologicamente corretos, requisito fundamental para as exportações num contexto atual. O setor coureiro é de extrema importância para a economia brasileira e deve estar atento às exigências legais e de mercado, para superar eventuais medidas de caráter protecionista impostas pelo mercado ou por países interessados em proteger a indústria local e preocupados com os seus passivos ambientais que os produtos carregam. As exigências para os produtos que utilizam químicos na sua produção estão cada vez maiores no mercado internacional, como exemplo as restrições a determinadas substâncias por alguns países, principalmente por parte dos países da União Européia. Um exemplo é a nova regulamentação REACH e também a exigências de comprovação de boas práticas ambientais e normas, como a NBR ISO 14001: 2004, pelas grandes marcas mundiais de diversos setores e clientes do mercado automotivo. Existe a preocupação da maioria dos profissionais do setor, principalmente com o fator custo e os altos investimentos em tecnologias limpas e desenvolvimento de produtos ecologicamente corretos. Tais fatores parecem deixar inseguras as empresas quanto ao retorno financeiro dos mesmos. De acordo com os dados obtidos, os investimentos em Sistemas de Gestão Ambiental reduzem os custos dos processos de produção e a quantidade de material usado. Ocorre redução do nível de consumo e dos gastos com energia, diminuem os riscos e multas provenientes com o descaso ambiental, há maior facilidade de financiamentos e
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melhora da imagem publica da empresa, o que gera uma maior satisfação do cliente, agregando valor aos produtos. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, Rui Otavio Bernardes de; TACHIZAWA, Takeshy; CARVALHO, Ana Barreiros de. Gestão Ambiental – Enforque estratégico aplicado ao desenvolvimento sustentável. 2. ed. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2002. BOS, A. Barreiras técnicas ao comércio internacional de couros e calçados. 174f. Dissertação (Mestrado) Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, São Paulo, 2006. CENTRO DAS INDÚSTRIAS DE CURTUMES DO BRASIL. Leather exports moved US$1.88 billion in 2008. Disponível em http://www.brazilianleather.com.br/sector.html Acesso em 30/06/2009. CERVO, A. L., BERVIAN, P. A. Metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Makron Books, 2002. FACHIN, Odilia. Fundamentos de metodologia. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2001. HENRIQUE, Nicia Maria Mourão. Comércio Internacional e seu impacto na cadeia do couro do Brasil. Out/2005. Disponível em: http://www.aaqtic.org.ar/congresos/brasil2005/pdf/COMERCIO.pdf Acesso em 03/10/2009. HOINACKI, Eugênio; MOREIRA, Marina Vergílio; KIEFER, Carlos Guilherme. Manual básico de processamento do couro. Porto Alegre: SENAI/RS, 1994. INTERNATIONAL UNION OF LEATHER TECHNOLOGISTS AND SOCIETIE. Technical guidelines for environmental protection aspects for the world leather industry. Revisão 2004. Disponível em http://www.iultcs.org/environment.asp Acesso em 16/09/2008. KINLAW, Dennis C. Empresa competitiva e ecológica: desempenho sustentado na era ambiental. São Paulo: Makron Books, 1997. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia científica. 3.ed. rev e ampl. São Paulo: Atlas, 1991. LAYRARGUES, Phillippe Pomieri; Sistemas de Gerenciamento Ambiental, tecnologia limpa e consumidor verde: a delicada relação empresa-meio ambiente no ecocapitalismo. Revista de Administração de empresas. São Paulo, v.40, n.2. p.80-88, Abr/Jun 2000. Disponível em: http://www.rae.br/artigos/990.pdf Acesso em: 28/09/2009. MAIMON, Dália; Passaporte Verde: Gestão ambiental e competitividade. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1996. McDANIEL, Carl; GATES, Roger. Pesquisa de marketing. Tradução: James F. Suderland Cook. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003. MEDEIROS, João Bosco. Redação científica: a prática de fichamentos, resumos, resenhas. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2000. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR. Balança comercial. Disponível em http://www.desenvolvimento.gov.br/portalmdic/sitio/interna/interna.php?area=5&menu=571 Acesso em 30/09/2008. MOURA, Luiz Antonio Abdalla de. Economia Ambiental: Gestão de custos e investimentos. 2 ed. – São Paulo : Editora Juarez de Oliveira, 2003. MOURA, Luiz Antonio Abdalla de. Qualidade e Gestão Ambiental. 4 ed. – São Paulo : Editora Juarez de Oliveira, 2004. NAIME, Roberto; Diagnóstico Ambiental e Sistemas de Gestão Ambiental: incluindo a atualização da série ISO 9000 e as novas NBR 14000/2004 e NBR ISO 19011/2002. Novo Hamburgo: Feevale, 2004. PEREIRA, Cláudia Gonçalves. Análise preliminar de indústrias do setor coureiro do Vale dos Sinos em relação ao gerenciamento ambiental: estudo de casos em indústrias exportadoras. 164 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1997.
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INGEPRO – Inovação, Gestão e Produção Janeiro de 2011, vol. 03, no. 01 ISSN 1984-6193 www.ingepro.com.br equipe@ingepro.com.br PRODANOV, Cleber Cristiano; FREITAS, Ernani César de. Metodologia do Trabalho Científico : métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico. Novo Hamburgo: Feevale, 2009. PÜNTENER, Alois G. Reach é um grande desafio para os importadores de produtos químicos e de couro para a União Européia. Revista do Couro, 193 ed. 2007. Disponível em: http://www.abqtic.com.br/enciclopedia/arq03-rc193.html Acesso em 09/09/2009. REVISTA DO COURO. Cenário ambiental do setor. Estância Velha – RS: 196 ed. Março/Abril 2008, 98p. ROBBINS, Stephen Paul. Administração: mudanças e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2003. ROSA, Marcelo Furrier; Couro: história e arte. 1.ed. Ibiporã: Novembro, 2003. 127pg. RUIZ et. al. Exigências ambientais como barreiras ao comércio internacional de couros e artefatos: uma abordagem preliminar. In. Workshop Gestão Integrada: Risco e Sustentabilidade, 2., 2006, São Paulo. Anais... São Paulo: SENAC, 2006. TEIXEIRA, Regina Cánovas. Meio ambiente x acabamento de couros: aspectos técnicos relevantes. Disponível em: http://www.couro.senai.br/index_artigos.htm Acesso em 24/09/2008. VILELA JUNIOR, Alcir; DEMAJOROVIC, Jacques (organizadores). Modelos e ferramentas de gestão ambiental: desafios e perspectivas para as organizações. São Paulo: SENAC, 2006. ZENONE, Luiz Cláudio. Marketing Social. São Paulo: Thomsom Learning, 2006. 6. AGRADECIMENTOS Aos profissionais e instituições que colaboraram, respondendo aos questionários. A Associação Brasileira dos Químicos e Técnicos da Indústria do Couro (ABQTIC), a Associação das Indústrias de Curtumes do Rio Grande do Sul (AICSUL) e ao Centro Universitário FEEVALE, pelo suporte a esta pesquisa.
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Análise das características intraempreendedoras no perfil do líder Randon Elisangela Ferrazza <elisangelaferrazza@gmail.com> Vanessa Roveda <vanessa@benditainformacao.com.br> Eliana Andrea Severo <elianasevero2@hotmail.com> Cristine Hermann Nodari <cristine.nodari@gmail.com> Pelayo Munhoz Olea <pelayo.olea@gmail.com> Resumo: Com a globalização as organizações enfrentam um ambiente cada vez mais competitivo, para se manterem no mercado precisam estar cada vez mais atentas, bem como dispostas a desenvolver inovações que lhe forneçam um diferencial competitivo. Neste cenário, precisa-se de profissionais capazes de promover mudanças, de solucionar problemas criativamente e implementar inovações nos processos e produto. Cada vez mais se necessita de profissionais com perfil empreendedor dentro das organizações. Este artigo tem o objetivo de explorar o estudo sobre o empreendedorismo corporativo, a fim de demonstrar suas características e sua importância para as organizações na sociedade contemporânea. Para analisar como o intraempreendedorismo pode ser adotado como uma prática no dia-adia das organizações foi realizada uma análise do perfil formalizado dos líderes de um grupo de empresas do setor metalúrgico da Serra Gaúcha, a fim de identificar a existência ou não de características intraempreendedoras. Diversas das características ressaltadas pelos pesquisadores deste campo da ciência foram encontradas nesse perfil. Isso comprova e demonstra como uma organização pode começar a disseminar e implementar de forma simples conceitos intraempreendedores em sua estrutura. Palavras-chave: Intraempreendedorismo. Empreendedorismo corporativo. Setor metalúrgico. 1. Introdução Atualmente com o fenômeno da globalização, as empresas enfrentam um ambiente cada vez mais competitivo. A queda das fronteiras fez que, em muitos ramos, empresas deixassem de competir somente regionalmente e passassem a competir mundialmente, tendo que aprender a lidar com uma nova velocidade e uma nova complexidade nas relações. Para enfrentar essa situação, as empresas precisam estar cada vez mais atentas ao mercado, bem como dispostas a desenvolver inovações que lhe forneçam um diferencial competitivo. Conforme Dornellas (2003), a organização precisa ser mais ágil, precisa buscar novas oportunidades de negócio de forma mais efetiva, precisa se reestruturar, rever seus processos, incentivar seus funcionários na busca da inovação, a serem mais criativos, a proporem soluções, não ser reativos, fugir da mesmice de outrora. As organizações já estabelecidas começam a entender que precisam ser mais empreendedoras. Para alcançar esse nível de desenvolvimento as organizações precisam ter estruturas e recursos que lhes permitam promover tais inovações. Neste caso, necessariamente precisamos falar do perfil dos profissionais necessários as organizações com este desafio. Cada vez mais,
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precisa-se de profissionais capazes de promover mudanças, de solucionar problemas criativamente e implementar inovações nos processos e produtos, cada vez mais se precisa de profissionais com perfil empreendedor dentro das organizações. O estudo do empreendedorismo dentro das organizações não é uma idéia nova teoricamente, mas na prática a estrutura da maioria das organizações ainda não está preparada para receber este tipo de profissional. Mas as exigências mercadológicas estão começando a impor um ritmo às organizações, onde não faz mais sentido bloquear e desperdiçar o conhecimento dos colaboradores com uma estrutura tradicional e burocrática. As organizações precisam cada vez mais que seus colaboradores inovem processos, trabalhem em equipe, realizem projetos, não há mais como deixar essa tarefa somente para a direção da empresa. Neste cenário, as estruturas organizacionais caminham para a formulação de uma estrutura que possibilite ao ser humano desempenhar todas as suas habilidades, bem como encontre na empresa e não fora dela, oportunidades de auto-realização, onde possa desempenhar sem restrições suas capacidades. Tendo em vista tal contexto, este estudo tem como objetivo aprofundar o conhecimento a respeito do empreendedorismo dentro das estruturas das organizações. Para isso, se explorou as principais correntes de estudo sobre esse assunto, como o enfoque econômico e o enfoque comportamentalista, a fim de compreender a essência do termo e entender o estado atual da pesquisa neste campo da ciência. Para tanto, foi realizada a análise do perfil formalizado dos líderes de um grupo de empresas do setor metalúrgico da Serra Gaúcha, a fim de identificar a existência ou não de características intraempreendedoras. Além desta seção introdutória, este artigo está organizado nas seguintes seções: revisão bibliográfica acerca dos temas empreendedorismo; estudo comportamentalista; empreendedorismo corporativo; ambiente intraempreendedor; características do intraempreendedor; metodologia empregada; resultados e discussões e considerações finais. 2. Referencial Teórico 2.1 Empreendedorismo Embora o empreendedorismo ainda seja um campo de pesquisa recente, possui fundamentos que já foram abordados por áreas bem antigas e estabelecidas há muitos anos, como a economia, a psicologia e a sociologia. No entanto, cada área abordava o assunto empreendedorismo com um foco diferente. A economia estava interessada em entender os aspectos econômicos, tecnológicos e sociais em que o empreendedor operava, bem como, os reflexos de sua atuação no ambiente. Já a psicologia e a sociologia se dedicavam a estudar o campo comportamental do empreendedor, tentando entender suas características, habilidades e motivações. Considera-se, que ambas as abordagens são importantes e complementares, iremos explorar alguns conceitos de cada uma delas. Os autores pioneiros no campo do empreendedorismo foram Cantillon (1755) e Say (1803; 1815; 1816; 1839) apud Filion (1999), mas o autor que mais se aprofundou no estudo deste tema com o enfoque econômico foi Joseph A. Schumpeter. Cantillon e Say abordaram que os empreendedores eram pessoas que corriam riscos, basicamente porque investiam seu próprio dinheiro, ou seja, aproveitavam as oportunidades com a perspectiva de obterem lucros, assumindo os riscos inerentes. Já Schumpeter (1961), explorou o processo de inovação presente no empreendedorismo e sua importância para o desenvolvimento econômico da
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sociedade. Devido à importância de sua teoria se explorará brevemente alguns conceitos abordados por ele. Em sua obra “Teoria do desenvolvimento econômico” Schumpeter (1961) ressalta a ligação entre o termo empreendedorismo e a inovação, quando aborda que: a essência do empreendedorismo está na percepção e no aprimoramento das novas oportunidades no âmbito dos negócios, tem a ver como criar uma nova forma de uso dos recursos nacionais, em que eles sejam deslocados de seu emprego tradicional e sujeitos a novas combinações. Conforme ele traz a lógica natural seria que os consumidores apresentassem novos desejos e os produtores os atendessem, mas diversas vezes são os produtores que criam produtos ou serviços novos que passam a ser desejados pelos clientes, é como se os produtores ensinassem os clientes a desejar coisas novas. Eis aí o grande poder de inovação dos indivíduos empreendedores. Ainda segundo Schumpeter, o empreendedor é aquele que destrói a ordem econômica existente pela introdução de novos produtos e serviços, pela criação de novas formas de organização ou pela exploração de novos recursos e materiais, o que o autor chamou de destruição criativa (SCHUMPETER, 1942; 1949). A de se ressaltar a importância dos estudos desenvolvidos pelos economistas para o campo do empreendedorismo, pois os mesmos mostraram o seu efeito e sua importância macro-ambiental, demonstrando como o empreendedorismo é importante para o desenvolvimento social e econômico de uma região. Através dos estudos dos economistas, foi possível identificar o empreendedorismo como um dos principais fatores de crescimento e desenvolvimento econômico, pois gera riquezas e implementa inovações promovendo mudanças na estrutura social e de negócios (SCHUMPETER, 1961). Isso com certeza deu força aos estudos subseqüentes. 2.2 Estudo Comportamentalista Em seqüência, os estudos que ganharam força foram os conduzidos por profissionais da área de comportamento humano, que tinham como principal fim entender o perfil dos empreendedores. Aqui ganham destaque os estudos conduzidos por McClelland (1987), o autor através de suas pesquisas identificou um fator psicológico importante que diferenciava os empreendedores dos outros indivíduos, que era a motivação de realização. De acordo com este autor, a necessidade de realização faz com que o empreendedor execute da melhor forma possível aquilo a que se propõe e atinja os seus objetivos. Dentro de sua teoria destacou três atributos principais dos empreendedores: responsabilidade individual para resolver problemas, estabelecer metas e atingi-las através de seu próprio esforço; aceitação de riscos moderados; e conhecimento dos resultados da realização da tarefa. Hisrich e Peters (2004) Outro ponto interessante abordado por McClelland (1987) foi que o ser humano é um produto social e tende a reproduzir os modelos que conhece. Sendo assim, quanto mais empreendedores uma sociedade tiver e quanto mais valor for dado a eles, maior será a quantidade de indivíduos que tenderam a imitá-los, criando assim uma cultura empreendedora. A partir daí, começaram a surgir diversas listas de características que o empreendedor costuma ter. Como o foco deste trabalho reside no fato de entender melhor como uma organização pode incentivar o intraempreendedorismo dentro de sua cultura, acredita-se que seja bem importante analisar essas características que são base para as características intraempreendedoras. No entanto para não se estender demasiada no assunto, se abordará as características através de um quadro resumo elaborado por Homaday (1982); Meredith,
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Nelson e Neck (1982); Timmons (1978) apud Filion (1999) que traz a lista de características mais freqüentemente atribuída aos empreendedores pelos pesquisadores comportamentalistas, conforme quadro 1. Características dos Empreendedores Inovação
Otimismo
Tolerância à ambigüidade e incerteza
Liderança
Orientação para resultados
Iniciativa
Riscos moderados
Flexibilidade
Capacidade de aprendizagem
Independência
Habilidade para conduzir situações
Habilidade na utilização de recursos
Criatividade
Necessidade de realização
Sensibilidade a outros
Energia
Autoconsciência
Agressividade
Tenacidade
Autoconfiança
Tendência a confiar nas pessoas Dinheiro como medida de Originalidade Envolvimento a longo prazo desempenho Quadro1 - Características mais freqüentemente atribuídas aos empreendedores pelos comportamentalistas Fonte: Homaday (1982); Meredith, Nelson e Neck (1982); Timmons (1978) apud Filion (1999).
Hoje diversos autores já perceberam que as abordagens econômicas e comportamentalistas sobre o empreendedorismo são complementares. Numa tentativa de unificação dessas abordagens do empreendedorismo Filion (1999) traz que, o empreendedor é uma pessoa criativa, marcada pela capacidade de estabelecer e atingir objetivos e que mantém um alto nível de consciência do ambiente em que vive usando-a para detectar oportunidades de negócios. Um empreendedor que continua a aprender a respeito de possíveis oportunidades de negócios e a tomar decisões moderadamente arriscadas que objetivam a inovação, continuará a desempenhar um papel empreendedor. Resumindo nos aspectos essenciais: um empreendedor é uma pessoa que imagina, desenvolve e realiza visões (FILION, 1999). Baron (2007) também corrobora dessa unificação, para o autor, as oportunidades, são geradas por condições econômicas, tecnológicas e sociais em mudanças; mas nada acontece em relação a essas oportunidades até que um ou mais indivíduos determinados e altamente motivados as reconheça e acha que vale a pena desenvolvê-la. Consoante isso se percebe que muito já foi construído através das pesquisas da área da economia e das áreas do estudo do comportamento, e a união destas diferenciadas abordagens produz um terreno fértil e complexo para o desenvolvimento do empreendedorismo como campo de pesquisa. 2.3 Empreendedorismo Corporativo Dornellas (2003) baseado no estudo desenvolvido por Sharma e Chrisman traz que o intraempreendedorismo e o corporate venturing são duas modalidades de um conceito maior chamado empreendedorismo corporativo. E traz a definição para o termo, sendo este o processo pelo qual o indivíduo ou um grupo de indivíduos, associados a uma organização existente, criam uma nova organização ou instigam a renovação ou inovação dentro da organização existente. Conforme Dornellas (2003), a conotação que o nome já traz, empreendedorismo corporativo é a aplicação do processo de empreender dentro das organizações, como o termo empreendedorismo é caracterizado por ser um processo criativo, que analisa as oportunidades existentes e baseado nelas propõe novas soluções de negócios ou práticas e a criação de um valor, logo o empreendedorismo corporativo é a aplicação desse conjunto de práticas ao interior das estruturas organizacionais.
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Shumpeter (1961) já mencionava a possibilidade do empreendedorismo corporativo na sua Teoria do Desenvolvimento Econômico, que em primeiro lugar, chamamos empreendedores não só aqueles homens de negócios independentes, de uma economia mercantil, que são geralmente assim designados, como também todos os que, realmente, preencham aquela função que definimos, ainda que, como está sendo a regra, sejam empregados dependentes de uma companhia, como gerentes, membros da junta de administração e assim por diante, ou mesmo que seu verdadeiro poder de desempenho da função empreendedora apresente qualquer fundamento, tal como o controle da maioria de ações. Dentro deste conceito mais amplo de empreendedorismo corporativo, o termo corporate venturing refere-se à criação de um negócio novo gerado dentro de uma organização, bem como o intraempreendedorismo à prática do empreendedorismo dentro dos limites organizacionais gerando a inovação nos produtos e processos. A figura 1 demonstra claramente essa diferença.
Figura 1 - Diferenças entre empreendedorismo corporativo e corporate venturing Fonte: Dornellas (2003).
2.4 Ambiente Intraempreendedor O primeiro passo para o surgimento do empreendedorismo dentro das organizações é criação de um ambiente fértil para isso. Um ambiente que possibilite a seus profissionais reverem processos, analisarem novas oportunidades, propor e implementar idéias. Neste sentido, Pinchot e Pinchot (1994) faz uma profunda reflexão em seu livro o “Poder das Pessoas”, questionando a prática da estrutura burocrática dentro das organizações, mostrando que essa estrutura muitas vezes impede o pensamento criativo e a inovação. De acordo com esses autores, a estrutura burocrática é caracterizada por uma forte estrutura hierárquica; especialização por função, cada funcionário é responsável por um conjunto bem definido de tarefas; regras e políticas uniformes formalizadas; definição de cada serviço mediante processos padronizados; processo fixos que descrevem como cada funcionário deve desenvolver determinada tarefa; a carreira profissional é vista como acessão na estrutura
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hierárquica; as relações são impessoais, os sentimentos não devem participar das relações profissionais; a divisão de trabalho vem dos níveis superiores da hierarquia. Esse tipo de estrutura é excelente para a prática de tarefas repetitivas, no entanto é incapaz de lidar com o processo de inovação de uma forma eficiente. A estrutura burocrática limita o potencial humano e por este motivo impede a prática do empreendedorismo corporativo, como exploraremos mais a frente o profissional intraempreendedor possui uma alta necessidade de auto-realização e por este motivo precisa de liberdade para tocar seus projetos, desenvolver coisas novas e muitas vezes a burocracia pela sua estrutura impede isso. Conforme traz Pinchot e Pinchot (1994), a dedicação, como a inovação, precisa vir de dentro: não podemos mandar as pessoas inovarem ou serem dedicadas. Tampouco podemos mandar as pessoas utilizarem a inteligência; elas aplicam a inteligência quando vêem razões para se dedicar, quando fazem parte de algo maior que elas e reconhecem que seus interesses mais amplos são atendidos pelo trabalho disponível. A burocracia é autocrática e reguladora demais para motivar e gerir a inteligência trazida para a inovação e a dedicação. Hisrich e Peters (2004) demonstram claramente como a estrutura corporativa tradicional difere da estrutura corporativa empreendedora, mostrando que a estrutura intraempreendedora possui diretrizes bem diferenciadas como desenvolver perspectivas, sugerir, tentar, experimentar, criar e desenvolver em qualquer área, assumir responsabilidade. Eles trazem também algumas características fundamentais para esse ambiente intraempreendedor como: a organização deve operar nas fronteiras da tecnologia, incentivando a pesquisa e desenvolvimento que são fontes chaves para o sucesso de idéias e de novos produtos; as novas idéias devem ser encorajadas, a tentativa e o erro devem ser estimulados; fracassos são permitidos; não há parâmetros para a oportunidade, ou seja, não se deve inibir a criatividade no desenvolvimento de um produto; os recursos têm que estar disponíveis e acessíveis, a que se tentar buscar uma abordagem de equipe multidisciplinar, participação de pessoas de diferentes setores em um projeto; analisar projetos a longo prazo; a ação intraempreendedora é voluntária, não deve ser forçada entre as pessoas; ter um sistema de compensações apropriado, recompensar a energia, esforço e riscos despendidos na criação dos novos projetos ou empreendimentos, criar patrocinadores e defensores para o intraempreendedorismo e ter apoio da alta administração. Dornellas (2003; 2005) traz alguns mecanismos (quadro 2) que podem ser adotados pelas organizações para busca de ambiente propício ao desenvolvimento dos empreendedores, sendo eles: A empresa deve ter uma visão empreendedora claramente definida e reforçada constantemente; Deve haver um sistema de recompensas e reconhecimento aos funcionários, incluindo participação nos resultados, stock options (opção de compra de ações da empresa) etc; Incentivar a melhoria de performance, assumindo riscos calculados, sem penalidades ou punições por falhas (a menos que sejam repetidas); Reduzir os níveis hierárquicos e as segmentações de unidades organizacionais; Possuir pequenas unidades organizacionais com equipes multifuncionais; Estabelecer papéis variados às pessoas, encorajar/estimular a iniciativa e a experimentação; Possibilitar altos níveis de empowerment; Possibilitar acesso irrestrito à informação; Implementar fundos corporativos para investimento nos novos negócios; Trazer para dentro da empresa (em todos os níveis) a voz do consumidor. Quadro 2 - Mecanismos organizacionais que os líderes podem usar para estimular um ambiente empreendedor Fonte: Dornellas (2003; 2005).
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2.5 Características do Intraempreendedor As características do intraempreendedor são muito semelhantes ao do empreendedor, com pequenas adaptações já que este profissional precisa agir dentro de certas estruturas estabelecidas. Neste sentido, Pinchot (1989) traz algumas características especiais do intraempreendedor, diferenciando-o dos gerentes e empreendedores tradicionais, conforme é possível visualizar na figura 2:
Motivos Principais
Ação
Coragem e Destino
Gerentes Tradicionais Quer promoções e outras recompensas corporativas Motivados pelo poder Delega ação. Supervisão e relatórios consomem a maior parte da energia Vê o outro como responsável pelo seu destino. Pode ser vigoroso e ambicioso, mas pode temer a capacidade dos outros em prejudicá-lo
Risco
Cuidadoso
Status
Importa-se com símbolos e status
Decisões
Concorda com aqueles no poder. Adia decisões até sentir o que o chefe quer
A Quem Serve
Agrada aos outros
Atitude em Relação ao Sistema
Vê o sistema como nutriente e protetor, busca proteção nele
Empreendedores Tradicionais
Intraempreendedores
Quer liberdade. Orientado para metas, autoconfiante e automotivado
Quer liberdade e acesso aos recursos da corporação. Orientado para metas e automotivado, mas também reage às recompensas e ao reconhecimento da corporação
Põe a “mão na massa”. Pode a aborrecer os empregados fazendo de repente o trabalho deles
Põe a “mão na massa”. Pode saber como delegar, mas quando necessário faz o que deve ser feito
Autoconfiante, otimista e corajoso
Autoconfiante e corajoso. Muitos intraempreendedores são cínicos a respeito do sistema, mas otimistas quanto à sua capacidade de superá-lo
Gosta de riscos moderados. Investe pesado, mas espera ter sucesso Fica feliz de sentar em um caixote, se o trabalho estiver sendo feito
Gosta de riscos moderados. Em geral não teme ser demitido, portanto, vê pouco risco pessoal Considera os símbolos de status tradicionais uma piada – prefere símbolos de liberdade
Segue sua visão particular. Decisivo, orientado para a ação
Gosta de fazer os outros concordarem com a sua visão. Algo mais paciente e disposto a compromissos
Agrada a si mesmo e aos clientes Pode avançar rapidamente em um sistema; então, quando frustrado, rejeita o sistema e forma o seu próprio
Agrada a si mesmo, aos clientes e patrocinadores
Hierarquia como Estilo de Transações e acordos com relacionamento Solução de relacionamento básico básico Problemas Hierarquia como Transações e acordos Relacionament relacionamento como relacionamento o com os básico básico Outros Figura 2 - Quem é o intraempreendedor? Fonte: Adaptado de Pinchot (1989, p. 44).
Não gosta do sistema, mas aprende a manipulá-lo
Transações dentro da hierarquia Transações dentro da hierarquia
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3. Metodologia Empregada 3.1 Ambiente Em Estudo O Grupo Randon atua no setor metal-mecânico de Caxias do Sul a cerca de 60 anos. Atualmente o conglomerado conta com oito empresas e possui cerca de 9000 colaboradores. O faturamento total do grupo no ano de 2007 foi de R$ 3.182 bilhões. Trata-se de uma empresa familiar, porém em 1982 passou por uma grande crise, bem como alguns anos depois, em 1992, resolveu abrir seu capital, tornando-se uma S/A. A partir deste momento, seu desenvolvimento se tornou uma crescente, tanto na empresa original quanto nas jointventures que se formaram a partir dela. Vale ressaltar que hoje, essas empresas possuem diversos valores compartilhados, e apresentam claramente algumas atividades intraempreendedoras nos seus processos. 3.2 Tipo de Estudo, Objetivo e Técnicas Adotadas A fim de entender e divulgar como algumas organizações desenvolvem a atividade intraempreendedora na prática, foi realizado um estudo no conglomerado de empresas do Grupo Randon, onde se analisou o perfil formalizado dos líderes, a fim de identificar a existência ou não de características intraempreendedoras. Visto o Grupo ter apresentado altos índices de crescimento em seu faturamento e resultados nos últimos anos. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter exploratório. A metodologia adotada para este estudo foi o estudo de caso, o qual, segundo Yin (2005, p. 32), trata-se de uma “investigação empírica”, que visa investigar um fenômeno contemporâneo inserido em um contexto, especialmente quando “os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”, como no caso em questão. A coleta dos dados se deu através da declaração formalizada, documento que apresenta as diretrizes de como deve ser o líder desta organização, bem como foi observado se a organização busca o perfil de líder intraempreendedor. Neste contexto, as características do líder dessa organização integram quatro grandes grupos: 1) 2) 3) 4)
Enxergando o todo e apontando a direção; Entregando resultados sustentáveis; Potencializando o melhor das pessoas; Fazendo do jeito certo.
Nestes quatro grandes grupos já podemos perceber a busca por uma visão abrangente, o foco em resultados, o desenvolvimento e utilização de todo o potencial humano, a busca pela ética e poder legítimo. Esses grupos são explorados em oito diretrizes principais. Para análise e interpretação dos dados, o método utilizado se deu de acordo com a Análise de Conteúdo, pois, segundo (BARDIN, 2004), consiste em elementos que permitem a apreciação das comunicações e fornecem informações suplementares. 4 Resultados E Discussões 4.1 Grupo I: Enxergando O Todo e Apontando a Direção a) Visão sistêmica e ação estratégica: capaz de compartilhar seu conhecimento sobre a Cadeia de Valor da empresa e de expandir seu foco para a interdependência de todas as áreas da organização. Considera as variáveis de mercado e da indústria, além das fronteiras nacionais e sua relação com os processos internos. Consegue o comprometimento à Visão, Propósito e Metas comunicando-se de forma clara e inspiradora. Constrói cenários e antecipa
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tendências e mudanças para definir visões otimistas e planos competitivos. Traduz a visão estratégica da organização em metas e prioridades de ação para seus liderados. Interpretando essa declaração, percebe-se claramente algumas características que esta organização acredita serem necessárias em seu líder: capacidade de compartilhamento do conhecimento; visão abrangente e sistêmica; habilidade de comunicação e persuasão; capacidade de análise das oportunidades e competência para elaboração de um plano de ação. Através da figura 3, pode-se fazer um comparativo entre habilidades empreendedoras citadas por Gibb, Pati, Filion, Dornelas e Leite apud David (2004), e as habilidades empreendedoras mencionadas na declaração da empresa. Neste contexto, percebe-se que das 16 habilidades mencionadas pelos autores, encontra-se 05 habilidades no líder Randon. Habilidades Empreendedoras Capacidade de aprendizagem Negociação Identificação de novas oportunidades Orientação para resultados Mover-se por metas específicas Habilidade para pesquisar Capacidade de assumir riscos Flexibilidade Comunicação persuasiva Conhecimento de como lidar, conseguir, dar e receber crédito Senso de organização Habilidade para conduzir situações Capacidade gerencial Criar valor para a sociedade Disposição de trabalho Habilidade na utilização de recursos Figura 3 - Habilidades Empreendedoras Fonte: Dados da Empresa.
Habilidades do líder Randon X X X
X
X
4.2 Grupo II: Entregando Resultados Sustentáveis a) Orientação para resultados: a empresa prioriza as ações e decisões com maior potencial de gerar resultados sustentáveis a longo prazo, que atinjam ou superem as metas previstas no Plano Estratégico. Revela nesta orientação: flexibilidade para mudar de rota; perseverança diante de obstáculos; disposição para assumir desafios; correr riscos calculados e assumir as conseqüências de suas decisões. Neste cenário, fica claro a orientação para resultado, uma característica muita destacada no perfil empreendedor de diversos autores, bem como se destaca a questão da flexibilidade. Foram citadas duas habilidades discutidas pelos comportamentalistas, sendo elas: disposição para correr riscos moderados e enfrentar desafios. Outra característica interessante destacada é a perseverança diante dos obstáculos, no entanto, só tem perseverança diante dos obstáculos os profissionais realmente comprometidos com suas idéias e projetos, isso coincide com o argumento de Pinchot e Pinchot (1994) quando tratam a questão da dedicação.
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b) Foco no cliente interno e externo: capacidade de criar e manter redes de relacionamentos, inspirando confiança e o respeito de clientes internos e externos, mediante o ouvir atento de necessidades e feedbacks, bem como uma comunicação transparente e aberta para fornecer-lhes produtos e serviços geradores de valor, que atendam ou superem suas necessidades e expectativas. Nesta diretriz são destacadas as networks, outro ponto abordado por McClelland (1987). Investir nas relações a fim de transmitir confiança gerando assim cooperação das outras partes. Esse aspecto se torna cada vez mais importante nas organizações, a atenção ao relacionamento e as necessidades dos clientes internos e externos. c) Pessoas inovadoras: visualizar o futuro com cenários alternativos. Antecipa mudanças e gera idéias, como forma de superar os paradigmas convencionais de solução de problemas e produção de novas oportunidades que transcendam a melhoria contínua. Facilita a sinergia grupal para gerar inovações de impacto no negócio, mediante estímulo e valorização da postura questionadora e flexível de encarar as mudanças. Analisando esta diretriz, fica claramente ressaltada a busca pela inovação, tendo a necessidade de pessoas criativas, que busquem formas diferenciadas de resolver as situações, a atenção à etapa de geração de idéias do processo de inovação. Aqui se conecta a velha ligação entre empreendedorismo e inovação do pensamento economista. 4.3 Grupo III: Potencializando O Melhor Das Pessoas a) Trabalhando juntos: capacidade de criar e manter o espírito de equipe em suas relações, bem como na liderança de sua equipe compartilhando informações e recursos, articulando alianças, com uma comunicação clara e transparente, visando ao atendimento das metas organizacionais, dentro de um ambiente positivo e de confiança. Demonstração de diplomacia e empatia na consideração do ponto de vista de pessoas em todos os níveis. Respeito a diferenças, estimulando a busca ativa do consenso e priorizando os interesses da organização como um todo. Nesta diretriz percebe-se a importância de o líder promover e praticar o conceito das multidisciplinares, onde as pessoas compartilham conhecimentos e informações a fim de chegar às melhores soluções possíveis. b) Gestão e desenvolvimento de talentos: capacidade de atrair e reter os melhores talentos e de alavancar o desenvolvimento de seu potencial de crescimento. Gestão eficaz do desempenho por meio de feedbacks (positivos e negativos) e mecanismos de reconhecimento e recompensas, agindo como exemplo dos comportamentos preconizados. Favorece o desenvolvimento contínuo, mediante delegação de projetos desafiantes, aconselhamento (coaching) e outras atividades de treinamento e desenvolvimento, dentro de um clima de motivação e produtividade. Analisando esta diretriz percebe-se que além de o líder ter um perfil empreendedor ele deve promover esse perfil em seus funcionários, buscando o potencial máximo das pessoas de sua equipe. Fica claro também um ponto ressaltado por Hisrich e Peters (2004), que trata de ter mecanismos de recompensa aos funcionários que bem desempenham o perfil desejado. Ressalta-se, a permissão de o funcionário desenvolver um projeto desafiador e relevante o que vai de encontro à necessidade de auto-realização dos intraempreendedores.
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3.4 Grupo IV: Fazendo Do Jeito Certo a) Integridade e transparência nas ações: capacidade de viver segundo os Princípios e aplicar o Guia de Conduta Ética da organização, tanto em situações agradáveis quanto nas difíceis. Lidera pelo exemplo e pratica aquilo que prega. Age conforme o combinado e é transparente e direto quando não concorda com algum ponto de vista ou proposta, usando diplomacia e respeito na forma de se expressar. Possui coragem gerencial para falar e agir quando os interesses da organização estão ameaçados. Nesta diretriz é destacado um ponto muito importante que aparece claramente na tabela com comparativo dos gerentes tradicionais e os intraempreendedores apresentada por Pinchot e Pinchot (1994), onde mostra que o intraempreendedor muitas vezes precisa enfrentar com diplomacia o contraste daquilo que é necessário ser feito e daquilo que a estrutura permite que seja realizado. b) Autodesenvolvimento: conhecer suas necessidades de desenvolvimento técnico e comportamental e procurar alavancar e desenvolver seu desempenho e potencial, por meio da busca e resposta ativas a feedbacks e coaching. Atualiza-se continuamente quanto às competências técnicas e sobre o negócio da empresa. Busca expandir seus horizontes e conhecimentos sobre culturas diferentes. Demonstra mobilidade para outras geografias, funções e áreas da empresa, como um meio de incrementar sua empregabilidade e perspectiva de crescimento. Percebe-se que essa é uma característica muito ressaltada, onde o empreendedor está em busca por desafios constantes, fazendo com este profissional sempre se sinta motivado a querer e saber mais. Neste cenário, na análise do perfil do líder desta organização, diversas características empreendedoras são requeridas, sendo possível perceber também que essas características não são somente necessárias ao líder, mas também as equipes dos mesmos. Isso prova que a semente do intraempreendedorismo está plantada nessa organização. Possivelmente ela ainda possua diversos entraves para a prática intraempreendedora, devido a sua estrutura hierárquica tradicional, bem como a outros comportamentos de empresas tradicionais, mas está entre as habilidades dos intraempreendedores saberem lidar com esses entraves e irem transformando aos poucos essa realidade. Afinal a grande maioria das empresas ainda apresenta muitos resquícios da estrutura burocrática, mas aos poucos ações que vão procurando criar um ambiente mais propício à inovação vão alterando essa estrutura. c) Treinando funcionários para serem intraempreendedores: além desta declaração, a organização possui um programa de modelo de sucessão das para cargos de lideranças, a fim de identificar e desenvolver os profissionais com potencial. O programa possui a seguinte sistemática: os funcionários interessados se inscrevem no programa e passam por uma avaliação para verificação de seus conhecimentos e habilidades em cima do perfil do líder apresentado neste artigo. Após passar por essa avaliação, os funcionários ficam sabendo de sua pontuação e das habilidades que ainda necessitam ser desenvolvidas. Neste contexto, os funcionários que são percebidos pela empresa com o perfil adequado já vão passando por treinamentos para desenvolver as características necessárias. O programa tem como objetivos principais: identificar profissionais com potencial e capacitação compatíveis com as necessidades da organização, suprindo as demandas existentes para cargos de gestão; contar com pessoas prontas para assumir os cargos de gestão; instrumentalizar as empresas com um sistema de gestão de potenciais; promover um
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meio de motivação e adequação das pessoas às funções; e assegurar que os profissionais estejam alinhados às exigências atuais e futuras do negócio, para ocuparem cargos de gestão. 4. Considerações Finais O empreendedorismo envolve a identificação de uma nova oportunidade, a paixão, a vontade de transformar o meio social, e todas as funções, atividades e ações associadas à criação de novas empresas. Para que se tenha inovação dentro das organizações, se faz necessário o desenvolvimento do empreendedorismo corporativo, que possui uma ampla gama de aplicações. É difícil afirmar categoricamente que uma empresa é, ou não, intraempreendedora. O conceito não se resume unicamente à criação e desenvolvimento de novos produtos, ele indica qualquer forma de rede direta de relacionamentos da organização que, de alguma forma, se traduz em aumento de valor para o cliente ou para o acionista. Nesse sentido, órgãos tradicionalmente conhecidos como staff, incluindo RH, Informática, Financeiro, Contabilidade, Jurídico, Manutenção, entre outros, podem promover o empreendedorismo interno. Neste cenário, foi possível perceber no caso analisado, que as organizações podem criar ferramentas e práticas simples para começar a difundir os princípios do intraempreendedorismo em sua estrutura. Porém, não está se afirmando que somente práticas como as apresentadas, transformarão a cultura organizacional de tradicional para intraempreendedora. A mudança de cultura é um processo lento, que precisa de diversos reforços para realmente acontecer. O que se pretendeu neste estudo, foi demonstrar que as empresas precisam urgentemente começar a se preocupar em criar organizações mais eficientes e inovadoras, assim como a criação de um ambiente empreendedor pode auxiliar muito nisso. Neste contexto, para dar início a essa transformação, algumas práticas simples como as desenvolvidas pelo grupo empresarial analisado, podem servir como um ponto de partida para outras organizações que tenham o mesmo intuito dos princípios de intraempreendedorismo. Por fim, destacam-se as limitações deste estudo no que se refere a sua capacidade de generalização, visto que foi explorado apenas o perfil formalizado dos líderes de um conglomerado de empresas, a respeito das características intraempreendedoras. Sugere-se ainda a realização de estudos complementares que contribuam com o intraempreendedorismo, demonstrando sua importância na obtenção do diferencial competitivo. Bem como, uma análise mais abrangente, analisando diretamente outras empresas da região da serra gaúcha. E, finalizando, estudos que enfoquem a comparação entre o perfil líder de regiões, setores e cadeias produtivas. Referências BARDIN, L. Análise de conteúdo. 3. ed. Lisboa, Edições 70, 2004. BARON, R. A. Empreendedorismo: uma visão do processo. São Paulo: Thomson Learning, 2007. DAVID, D. E. H. Intraempreendedorismo social: perspectivas para o desenvolvimento social nas organizações. Tese de doutorado de 2004. Disponível em: <http://www.unioeste.br/projetos/casulo/files/tese_denise_david.pdf>. Acesso em 05 jul. de 2008. DORNELAS, J. C. A. Empreendedorismo transformando idéias em negócios. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. DORNELLAS, J. C. A. Empreendedorismo corporativo: como ser empreendedor, inovar e se diferenciar em organizações estabelecidas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003.
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Produção mais limpa: conceitos e definições metodológicas Eveline de Magalhães Werner <evelinewerner@gmail.com> Alencar Garcia Bacarji <alencar.bacarji@blv.ifmt.edu.br> Rosemar José Hall <RosemarHall@ufgd.edu.br>
Resumo: O objetivo deste estudo foi apresentar os conceitos e definições metodológicas acerca da Produção Mais Limpa. Além desses objetivos, o trabalho foi moldado de forma a apresentar os procedimentos necessários a implantação da Produção Mais Limpa, identificar as principais interações com os sistemas de gestão (sistema de gestão integrada) e, por fim, diagnosticar as barreiras a implementação de tal metodologia. Para o desenvolvimento do trabalho, foi realizado um estudo exploratório, por meio do levantamento dos principais estudos teóricos e empíricos na área. Conclui-se que investir na implementação da metodologia de Produção mais limpa é um passo importante para garantir a competitividade das empresas, bem como para assegurar a melhoria da qualidade ambiental. Palavras-chave: Produção mais limpa; Melhoria contínua; Qualidade ambiental.
Cleaner production: methodological concepts and definitions Abstract: The aim of this study was to present the methodological concepts and definitions about Cleaner Production. Beyond these objectives, the work was designed in order to present the procedures required to the implementation of Cleaner Production, identify the main interactions with the management systems (integrated management system) and, finally, to diagnose the barriers to implementing such a methodology . For development work, an exploratory study was conducted through a survey of major theoretical and empirical studies in the area. We conclude that investing in the implementation of the methodology of Cleaner Production is an important step in ensuring the competitiveness of enterprises and to ensure the improvement of environmental quality. Keywords: Cleaner production; Contínuos advance; Environmental quality. 1. Introdução A produção em larga escala proposta como meta para o segmento industrial mundial fez com que, por muito tempo, não houvesse a devida atenção a aspectos que impactam direta e indiretamente ao meio ambiente. Durante décadas o processo de degradação ambiental cresceu vertiginosamente, acreditando-se que o crescimento econômico, por si só, proporcionaria melhores condições de vida para a sociedade. Contudo, conforme afirma Lemos (1998), observou-se que o crescimento econômico descontrolado estava causando danos irreparáveis aos ecossistemas e que estes danos, a médio e longo prazos, tornariam o conjunto de ecossistemas inabitáveis a espécie humana.
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Tal contexto foi evitado, pois conforme afirma Figueiredo (2004), a sociedade passou a exigir da indústria a adoção das melhores técnicas, não sendo suficiente somente atender a determinados padrões ambientais, isso porque a sociedade está, cada vez mais, tomando consciência de que a variável ambiental é importante e que ela diz respeito a todos, não somente a um segmento ou uma parcela da população.
A partir de então, buscou-se a integração de práticas socialmente responsáveis e ambientalmente corretas associadas às técnicas tradicionais de produção e de gestão do setor industrial, dado o anseio da sociedade de consumir produtos livres de desperdícios e ou efeitos danosos ao meio ambiente. Foi a partir daí que buscou-se concretizar novas tecnologias de produção, visando melhoria da qualidade ambiental, além de reduzir custos e atender as novas expectativas do consumidor. Surge então a Produção Mais Limpa, cuja metodologia propõe aplicação continuada de uma estratégia ambiental preventiva e integrada aos processos e produtos, a fim de aumentar a eficiência e reduzir os riscos a sociedade e ao meio ambiente, além de minimizar os desperdícios, reduzir custos, e alavancar o potencial inovador da organização, visando ganhos de competitividade e, a otimização dos processos industriais. De maneira geral, verifica-se a consolidação da metodologia de Produção Mais Limpa como um importante instrumento para aumentar a competitividade, a inovação e a responsabilidade ambiental no setor produtivo brasileiro. A terminologia “Produção Mais Limpa” é adotada neste estudo como a tradução adequada da terminologia inglesa “cleaner production”ou da terminologia espanhola “produccíon más limpia”, conforme afirma Lemos (1998). Sendo assim, este estudo tem como objetivo apresentar os conceitos e definições metodológicas acerca da Produção Mais Limpa (PmaisL, ou P+L), e, especificamente, pretende-se apresentar os procedimentos necessário a sua implantação, identificar as principais interações com os sistemas de gestão (sistema de gestão integrada) e, por fim, diagnosticar as barreiras a implementação da Produção Mais Limpa. 2. Método Segundo a metodologia proposta por Lakatos e Marconi (2001), utilizou-se nesse estudo o método dedutivo, pois dispõe para o esclarecimento, teorias previamente estabelecidas. O método utilizado contempla um estudo exploratório, por meio do levantamento dos principais estudos teóricos e empíricos que abordam o objeto da pesquisa. Dado a escolha de uma pesquisa exploratória, este estudo não teve como objetivo apresentar hipóteses e sim ajudar a estabelecer as prioridades a pesquisar. 3. Referencial Teórico 3.1. Conceito Em 1989, a expressão “Produção Mais Limpa” foi lançada pela UNEP (United Nations Environment Program) e pela DTIE (Division of Technology, Industry and Environment) como sendo a aplicação contínua de uma estratégia integrada de prevenção ambiental a processos, produtos e serviços, visando o aumento da eficiência da produção e a redução dos riscos para o homem e o meio ambiente.
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A indústria brasileira descobre a Produção Mais Limpa na década de noventa, mais precisamente após a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92. A partir desse novo paradigma, a poluição ambiental passa a ser sinônimo de desperdício nas empresas responsáveis, e seus processos passam por mudanças que buscam diminuir o consumo de água, energia e matérias-primas (BELMONTE, 2004, apud ARGENTA, 2007). Fernandes et al (2001) define a Produção Mais Limpa da seguinte forma: “a aplicação contínua de uma estratégia econômica, ambiental e tecnológica integrada aos processos e produtos, a fim de aumentar a eficiência no uso de matérias-primas, água e energia, através da não-geração, minimização ou reciclagem de resíduos gerados em um processo produtivo. Produção Mais Limpa também pode ser chamada de Prevenção da Poluição, já que as técnicas utilizadas são basicamente as mesmas”. (FERNANDES et. al., 2001).
De acordo com o conceito proposto por Fernandes (2001), a Produção mais Limpa pressupõe quatro atitudes básicas. A primeira, e a mais importante, é a busca pela não geração de resíduos, através da racionalização das técnicas de produção. Quando o primeiro conceito não pode ser aplicado integralmente, a segunda atitude proposta pela Produção Mais Limpa é a minimização da geração dos resíduos. Já o reaproveitamento dos resíduos no próprio processo de produção é a terceira atitude defendida pela Produção Mais Limpa, enquanto a quarta alternativa para a Produção mais Limpa é a reciclagem, com o aproveitamento das sobras ou do próprio produto para a geração de novos materiais (CETESB, 2007, apud HENRIQUES e QUELHAS, 2007). A Produção Mais Limpa é vista entre os especialistas como uma forma moderna de tratar as questões de meio ambiente nos processos industriais. Dentro desta metodologia pergunta-se “onde estão sendo gerados os resíduos?” e não mais somente “o que fazer com os resíduos gerados?”. Dessa forma, evita-se o desperdício, tornando o processo mais eficiente (MAROUN, 2003, apud HENRIQUES e QUELHAS, 2007). A Produção Mais Limpa, com seus elementos essenciais, adota uma abordagem preventiva, em resposta à responsabilidade financeira adicional trazida pelos custos de controle da poluição e dos tratamentos de final de tubo, conforme proposto na figura 1:
FIGURA1- Elementos essenciais da estratégia de Produção Mais Limpa. Fonte: Adaptado de UNIDO/ UNEP (1995).
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A Produção Mais Limpa, relativamente ao desenho dos produtos, busca direcionar o design para a redução dos impactos negativos do ciclo de vida, desde a extração da matériaprima até a disposição final. Em relação aos processos de produção, direciona para a economia de matéria-prima e energia, a eliminação do uso de materiais tóxicos e a redução nas quantidades e toxicidade dos resíduos e emissões. Em relação aos serviços, direciona seu foco para incorporar as questões ambientais dentro da estrutura e entrega de serviços. O aspecto mais importante da Produção Mais Limpa é que a mesma requer não somente a melhoria tecnológica, mas a aplicação de know-how e a mudança de atitudes. Esses três fatores reunidos é que fazem o diferencial em relação às outras técnicas ligadas a processos de produção. A aplicação de know-how busca melhorar a eficiência, adotando melhores técnicas de gestão, fazendo alterações por meio de práticas de housekeeping ou soluções caseiras e revisando políticas e procedimentos quando necessário. Mudar atitudes significa encontrar uma nova abordagem para o relacionamento entre a indústria e o ambiente, pois repensando um processo industrial ou um produto, em termos de Produção Mais Limpa, pode ocorrer a geração de melhores resultados, sem requerer novas tecnologias. Com isso, a estratégia geral para alcançar os objetivos é de sempre mudar as condições na fonte em vez de lutar contra os sintomas (CEBDS, 2009). 3.2. Princípios da produção mais limpa Vários autores, entre eles, Henriques e Quelhas (2007) apontam que os sistemas de Produção Mais Limpa são circulares e usam menor número de materiais, menos água e energia. Desse modo, os recursos fluem pelo ciclo de produção e consumo em ritmo mais lento. De modo geral, os princípios da Produção Limpa questionam a necessidade real do produto ou procuram outras formas pelas quais essa necessidade poderia ser satisfeita ou reduzida. Os autores acima citados ressaltam que a Produção Mais Limpa implementa o princípio de prevenção e precaução, de uma nova abordagem holística e integrada para questões ambientais centradas no produto. Essa abordagem assume como pressuposto que a maioria de nossos problemas ambientais é causada pela forma e ritmo no qual produzimos e consumimos os recursos, além de considerar a necessidade da participação popular na tomada de decisões políticas e econômicas. Segundo Kind (2005, apud HENRIQUES e QUELHAS, 2007) a tecnologia de Produção Mais Limpa é um exemplo de como os recursos naturais podem ser utilizados em prol do desenvolvimento sustentável. Diminuir os desperdícios implica em maior eficiência no processo industrial e menores investimentos para soluções de problemas ambientais. Em contrapartida, reduzir a poluição através do uso racional de matérias-prima significa uma opção ambiental e econômica definitiva, conforme afirmam os autores. Assim, o processo de transformação de matérias-primas e insumos em produtos, e não em resíduos, tornam uma empresa mais competitiva. (LEMOS e NASCIMENTO, 1999) 3.3. Descrição das fases de implantação da metodologia da produção mais limpa A implantação da metodologia de Produção Mais Limpa pressupõe inovação, incremento competitivo e responsabilidade sócio-ambiental, uma vez que tal processo prevê
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em sua origem, a prevenção da poluição e a busca do crescimento e desenvolvimento econômico sustentado. Assim nesta seção busca-se apresentar, de maneira breve, as fases de implantação e as ações necessárias para operacionalização de tal metodologia, conforme proposto pelo Centro Nacional de Tecnologias Limpas – CNTL (apud ARAÚJO, 2002). 3.3.1. Fase 1: Pré-avaliação De acordo com o CNTL (op cit.), a etapa de pré-avaliação consiste em realizar uma breve avaliação das atividades executadas pela empresa através da realização de uma visita técnica, a qual tem como objetivo identificar as possibilidades da implantação da Produção Mais Limpa, bem como o tempo dedicado a ela. Sendo assim, deve-se buscar atender três objetivos básicos: definir a amplitude da avaliação: consiste em definir o escopo da avaliação, ou seja, se o trabalho irá atender a toda a planta industrial ou processos previamente selecionados; estabelecer a estratégia a ser adotada para execução do trabalho: consiste em definir o tempo de aplicação da metodologia e os horários para capacitação e sensibilização dos funcionários; elaborar o(s) fluxograma(s) de produção: consiste em identificar as etapas que compõe os serviços a serem analisados. 3.3.2. Fase 2: Capacitação e sensibilização dos profissionais da empresa Segundo o CNTL (ibid), um dos pontos cruciais da metodologia fundamenta-se na elaboração de uma equipe de trabalho ou força tarefa, também denominada Ecotime. Esta equipe deve ser capacitada e sensibilizada, de forma a disseminar os fundamentos da Produção Mais Limpa para os demais funcionários da empresa. Dependendo do porte da empresa e da complexidade da sua planta industrial, deve se buscar um Ecotime que “cubra” todos os setores da empresa. Para microempresas, muitas vezes pode ser formado por apenas uma pessoa. A sensibilização do Ecotime deve consistir no reconhecimento da prevenção como etapa anterior às ações de “fim-de-tubo” e no entendimento da Produção Mais Limpa como princípio de melhoria contínua. Nesta fase, deve-se ressaltar os problemas ambientais atuais e os impactos ambientais causados pelo setor em que se enquadra a empresa. A capacitação do Ecotime consiste na explicitação das etapas que compõe a implementação da P+L, assim como no atendimento a dúvidas que por ventura podem vir a surgir durante o decorrer do trabalho em campo. 3.3.3. Fase 3: Elaboração do diagnóstico ambiental e de processos De acordo com o CNTL (ibid), o diagnóstico ambiental e de processos é a base de dados da Produção Mais Limpa. Este deve fornecer uma “fotografia” da real situação da empresa diante da sua relação com o meio ambiente. Assim, tal diagnóstico deve permitir reconhecer: as principais matérias-primas, auxiliares e insumos utilizados no(s) processo(s) produtivo(s), inclusive os toxicologicamente mais importantes com respectiva quantidade utilizada e custo de aquisição; o volume de produtos produzidos; os principais equipamentos utilizados no(s) processo(s) produtivo(s); as fontes de abastecimento e finalidades do uso de água, bem como o tipo de tratamento utilizado; o consumo de energia; o consumo de combustíveis; os locais de armazenamento e formas de acondicionamento de matérias-primas,
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insumos e produtos; a conformidade ou não com a legislação ambiental; os resíduos sólidos gerados, a forma de acondicionamento, o local e tipo de armazenamento e a sua destinação final; a existência ou não de emissões atmosféricas e sistemas de controle utilizados; a existência ou não de efluentes líquidos e sistemas de tratamento utilizados; os custos relativos ao controle dos resíduos gerados (armazenamento, tratamento, transporte, disposição, e outros) e perdas de matéria-prima e insumos. 3.3.4. Fase 4: Elaboração do balanço ambiental, econômico e tecnológico do processo produtivo Conforme o CNTL (ibid), o balanço ambiental deve ser “alimentado” com os dados obtidos no diagnóstico ambiental e de processos, principalmente os que dizem respeito às entradas e saídas do processo produtivo. Utilizam-se os fluxogramas simplificados realizados na etapa de Pré-Avaliação de forma combinada com os dados obtidos no diagnóstico. Desta forma, elabora-se o balanço ambiental através da construção de fluxogramas de processo (entrada e saída). O desenvolvimento de fluxogramas para os processos e atividades setoriais da empresa fornece as informações sobre os locais das saídas de poluentes de cada atividade ou processo. Considera-se que, num processo industrial, as entradas são constituídas pelas matériasprimas, produtos auxiliares, água e energia. As saídas são os produtos acabados e semiacabados. No entanto, encontram-se nos processos industriais outras saídas que são os poluentes gerados, os quais devem ser tratados de maneira adequada. Ainda de acordo com o CNTL (ibid), a metodologia de Produção Mais Limpa expõe de maneira contundente a proteção ambiental integrada à produção, a qual propõe os seguintes questionamentos: De onde vêm nossos resíduos e emissões? Por que afinal se transformaram em resíduos? Desta forma, o balanço ambiental deve responder a tais questionamentos, a fim de procurar identificar os pontos críticos da geração dos resíduos, bem como as informações sobre a sua causa e, posterior conseqüência. Com relação ao Balanço Econômico, este deve conter os custos referentes ao controle dos resíduos, ou seja, a soma dos custos de tratamento de efluentes, resíduos sólidos e emissões atmosféricas, além dos custos com transporte, acondicionamento e disposição final dos resíduos gerados. De igual maneira devem-se apurar os custos com perdas de matéria-prima, sendo possível analisar o real custo do resíduo gerado, sendo este muitas vezes desconhecido pela empresa (CNTL, ibid). Em relação ao Balanço Tecnológico, deve-se verificar o nível de tecnologia adotada pela empresa. Nascimento (2000, apud ARAÚJO, 2002) descreve que é de fundamental importância a realização e difusão de pesquisas, como por exemplo, o concurso das Universidades e Centros de Pesquisa Nacionais, uma vez que durante a execução das atividades são identificadas demandas tecnológicas reais, as quais devem alimentar o trabalho em campo.
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3.3.5. Fase 5: Avaliação do balanço elaborado e identificação de oportunidades de produção mais limpa A avaliação do balanço consiste na identificação de oportunidades e/ou problemas diagnosticados na elaboração do balanço ambiental, econômico e tecnológico do processo produtivo. Estas oportunidades e ou problemas podem estar relacionados ao impacto ambiental proporcionado por determinada atividade, a problemas de saúde e segurança ocupacional dos trabalhadores, a custos associados ao controle de resíduos (fim-de-tubo), a problemas tecnológicos, entre outros. As informações apuradas, até então, devem permitir a identificação de oportunidades de aplicar a metodologia de Produção Mais Limpa para a solução dos problemas diagnosticados (possíveis desperdícios de materiais, procedimentos operacionais inadequados, entre outros). Além disso, devem-se determinar as interfaces com outras áreas ou ambientes da empresa, que afetam a área avaliada. Sendo assim, a avaliação consiste em descrever os problemas encontrados, as oportunidades de aplicação da metodologia proposta para solução dos mesmos, a estratégia ou ação a ser implementada, bem como as barreiras e necessidades para efetiva aplicação. Valle (1995, apud ARAÚJO, 2002) afirma que deve ser dada especial atenção aos pontos críticos dos sistemas que geram maior quantidade de resíduos e ao controle dos processos produtivos que apresentam desvios em sua eficiência, gerando mais resíduos do que originalmente estimado. 3.3.6. Fase 6: Priorização das oportunidades identificadas na avaliação O CNTL (CNTL/SENAI-RS apud BARBIERI, 2006) propõe que a priorização das oportunidades esteja fundamentada na escala de prioridades para prevenção de resíduos, ou seja, os níveis de aplicação da Produção Mais Limpa, conforme figura 2.
FIGURA 2 - Níveis de aplicação da produção mais limpa. Fonte: CNTL/SENAI-RS apud BARBIERI, 2006.
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Desta forma, deve-se evoluir do nível 1 para os demais níveis, pois os mesmos representam o quão preventivo é a ação a ser implementada. Ao analisar a alternativa de redução de resíduos na fonte (Nível 1), percebe-se que existem duas opções a serem seguidas, ou seja, a modificação no processo ou a modificação no produto. De acordo com o CNTL (apud ARAÚJO, 2002), a modificação no processo pode envolver: técnicas de housekeeping: consiste em limpezas periódicas, uso cuidadoso de matériasprimas e com o processo, alterações no layout físico, ou seja, disposição mais adequada de máquinas e equipamentos que permitam reduzir os desperdícios, elaboração de manuseio para materiais e recipientes, etc. O housekeeping permite, ainda, mudanças nas condições operacionais, ou seja, alterações nas vazões, nas temperaturas, nas pressões, nos tempos de residência e outros fatores que atendam às práticas de Prevenção de Resíduos; substituição de matérias-primas: consiste na identificação de materiais mais resistentes que possam vir a reduzir perdas por manuseio operacional, ou ainda, a substituição de materiais tóxicos por atóxicos e não-renováveis por renováveis; mudanças tecnológicas: utilização de equipamentos mais eficientes do ponto de vista da otimização dos recursos utilizados, uso de controles e de automação que permitam rastrear perdas ou reduzir o risco de acidentes de trabalho, entre outras. Quanto às modificações do produto (nível 1), o CNTL (op cit) propõe que se leve em consideração as seguintes opções para minimização de resíduos: substituição de produto: essa opção pode envolver o cancelamento de uma linha produtiva, no qual o produto acabado apresente problemas ambientais significativos, ou ainda, a substituição de um produto com características tóxicas por outro menos tóxico; redesenho do produto (ecodesign): consiste em desenvolver uma nova concepção do produto que leve em consideração a variável ambiental como fator de redução de custos e oportunidades de negócios. Nesta fase, há necessidade de uma análise combinada de substituição de materiais tóxicos por atóxicos e não renováveis por renováveis, alterações nas dimensões do produto, aumento da vida útil do produto, facilidade de reciclagem de seus componentes e otimização produtiva ou de processos. Encerradas as opções de redução de resíduos na fonte (nível 1), deve-se buscar alternativas para reciclagem interna (nível 2). Neste nível, considera-se que os resíduos que não podem ser evitados, devem, preferencialmente, ser reintegrados ao processo de produção da empresa. A reciclagem interna busca fazer com que o resíduo possa retornar a cadeia produtiva ou mesmo ser reaproveitado por setores administrativos. Conforme o CNTL (ibid), após analisadas as possibilidades de modificação no processo e modificação no produto (nível 1) e reciclagem interna (nível 2), deve-se proceder uma análise da reutilização de resíduos e emissões fora da empresa, ou seja, através da reciclagem externa (nível 3). Nesta fase, deve-se adotar medidas internas que viabilizem uma reciclagem externa dos resíduos, como a segregação de resíduos na fonte. Entende-se que se um resíduo não tem valor “para mim”, pode ter valor “para outro”. Pode ser obtida através da reorientação de resíduos gerados para uso em outros processos, ou recuperação, para venda, de resíduos valiosos. É importante ressaltar que a priorização dever ser feita em conjunto com a alta gerência, pois são eles que determinam o planejamento estratégico da empresa, assim como a
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sua disponibilidade financeira e tecnológica para mudanças nos processos produtivos e/ou produtos. (ARAÚJO, 2002) 3.3.7. Fase 7: Elaboração do estudo de viabilidade econômica das prioridades Nesta fase deve-se analisar a viabilidade das opções de Produção Mais Limpa por meio de dados econômicos, técnicos e dos conseqüentes benefícios ambientais. O CNTL (ibid) afirma que a elaboração do estudo de viabilidade econômica das prioridades baseia-se no fato de que algumas oportunidades de Produção Mais Limpa podem implicar em investimentos, geralmente devido à compra de equipamentos com alto grau de inovação tecnológica. Desta forma, deve-se obrigatoriamente comparar as alternativas de Produção Mais Limpa, a fim de identificar qual a opção mais viável do ponto de vista econômico. Segundo Braga (1989, apud ARAÚJO, 2002) os métodos de avaliação mais difundidos para avaliar as propostas de investimento são o Prazo de Retorno, também conhecido como Payback, o Valor Presente Líquido (VPL) e a Taxa Interna de Retorno (TIR). De acordo com o autor, não existe uma única metodologia que seja adequada para tal avaliação. O autor sugere o estudo de cada caso, bem como o emprego de mais de um método de avaliação, dado as limitações previstas em cada metodologia de avaliação. No entanto, de acordo com o objetivo desse estudo, não cabe descrever de forma detalhada os métodos de avaliação, somente ressaltar a importância de se utilizar a metodologia adequada para cada situação, visando eficiência ao final do processo. 3.3.8. Fase 8: Estabelecimento de um plano de monitoramento O plano de monitoramento consiste em estabelecer os pontos de medição para analisar a eficiência do processo produtivo. Conforme o CNTL (ibid), deve-se indicar no fluxograma produtivo os pontos de monitoramento e os parâmetros a serem monitorados, a fim de que seja possível manter um controle sobre as operações realizadas na empresa. Tais procedimentos têm como objetivo principal assegurar a melhoria contínua dos processos e produtos. Para processos não complexos, geralmente, utiliza-se da ferramenta 5W 1H para fins de monitoramento das operações. Conforme Souza (1995, apud ARAÚJO, 2002), a ferramenta do 5W 1H provém das palavras em inglês what (o que), who (quem), where (onde), when (quando), why (por que) e how (como). Desta forma, sabe-se o que será monitorado, quem, onde, quando e por que irá se monitorar determinado processo. Para processos complexos, recomenda-se utilizar, de forma combinada, o 5W 1 H com outras ferramentas (check-list - para verificação das etapas a serem cumpridas, gráficos de controle para fins de análise de tendências na ocorrência de problemas e, comparações, entre outras que se fizerem convenientes). Conforme afirma Araújo (2002) o monitoramento pode envolver desde uma simples medição de efluentes, até um completo programa para realização de um balanço ambiental, tecnológico e econômico por etapa do processo. 3.3.9. Fase 9: Implantação das oportunidades de produção mais limpa priorizadas Nesta fase tem-se o controle das opções economicamente viáveis, ou seja, após análise das oportunidades de implantação de Produção Mais Limpa devem-se colocar as opções em
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prática. Tal procedimento consiste, de maneira restrita, na implantação propriamente dita das oportunidades de Produção Mais Limpa priorizadas pela alta direção. Segundo a CNTL (apud ARAÚJO, 2002) o sucesso da implantação das oportunidades de Produção Mais Limpa consiste em atender os seguintes critérios: discutir com a equipe de avaliação, supervisores, gerentes e trabalhadores operacionais as opções; executar serviços de suporte e antecipar problemas que poderão ocorrer; desenhar projetos fáceis de acompanhar, para demonstrar resultados benéficos desejados; prever mecanismos de realimentação, para atualização de dados, correção de erros, preenchimento de falhas, etc; acompanhar e avaliar as novas tecnologias de prevenção de resíduos. 3.3.10. Fase 10: Definição dos indicadores do processo produtivo Diversos autores, entre eles Nascimento (2000, apud ARAÚJO, 2002) argumentam que, após a realização das etapas anteriores, torna-se possível a obtenção de uma ferramenta muito importante no processo de implantação da Produção Mais Limpa: os indicadores de eficiência ou, indicadores de desempenho dos setores de produção que, em geral, serão legítimos, naturais e insuspeitos ao processo. Segundo o o CNTL (apud ARAÚJO, 2002), os indicadores ambientais podem ser absolutos como, por exemplo, o consumo total de energia elétrica e água na empresa. Contudo, são os indicadores de processo que permitem uma análise ambiental mais precisa. Estes caracterizam-se pelas medições realizadas no “chão-de-fábrica” e são extremamente importantes para identificação de pontos críticos no processo, pois determinam em qual parte do processo está havendo maiores perdas ou desperdícios. Com relação aos indicadores financeiros, estes geralmente são expressos através da linguagem técnica da alta direção. Ao invés de medidas físicas como quilograma (kg), toneladas (ton), os mesmos são associados a valores em moeda corrente. Esta associação permite à alta direção verificar o benefício econômico da implementação das opções da Produção Mais Limpa, conforme afirma Araújo (2002). 3.3.11. Fase 11: Documentação dos casos de produção mais limpa O CNTL (apud ARAÚJO, 2002) considera que a documentação dos casos de Produção Mais Limpa deve ser realizada a fim de que a alta direção tenha de maneira eficiente relatórios, demonstrando as opções propostas pela metodologia implementada, assim como opções de Produção Mais Limpa a serem implementadas. Da mesma forma, deve servir de exemplo para futuras aplicações da metodologia na empresa. 3.4. Sistemas de gestão integrada: relação entre programas de produção mais limpa e sistemas de gestão ambiental Segundo Hubmaier (2003, apud HENRIQUES e QUELHAS, 2007), o sistema de gestão integrada combina processos, práticas e procedimentos adotados por uma organização, para implementar uma política integrada, atingir objetivos e traçar metas quanto a qualidade (NBR ISO 9001), meio ambiente (NBR ISSO 14001), saúde e segurança no trabalho (OHSAS 18001), entre outras variáveis, buscando eficiência compartilhada, ao invés de utilizar sistemas de gestão isolados. Diversos autores, entre eles Henriques e Quelhas, 2007 afirmam que entre as principais vantagens da implementação do sistema de gestão integrada, sobressaem-se: redução da duplicação de recursos internos e infra estrutura, diminuição do número de
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documentos e complexidade na organização, minimização dos custos de implantação, certificação e manutenção dos sistemas, melhora da gestão e do desempenho organizacional. A figura 3 apresenta como os sistemas de gestão se integram. Neste, verifica-se o sistema de gestão ambiental, juntamente com a gestão da qualidade, saúde e segurança, prevenção da poluição e responsabilidade social fazem parte de um sistema compartilhado, o sistema de gestão integrada.
FIGURA 03 - Esquema de Integração dos Sistemas de Gestão. Fonte: Adaptado de MAFFEI (2001) apud HENRIQUES e QUELHAS (2007).
É interessante ressaltar que a implantação de um sistema de gerenciamento ambiental (SGA) constitui numa estratégia para que o empresário, em processo contínuo, identifique oportunidades de melhoria para a redução de impactos ambientais gerados dentro da empresa. Dessa forma, seguindo a premissa inicial de prevenção a poluição, surge a integração dos sistemas de gerenciamento ambiental (SGA) com a Produção Mais Limpa (P+L). Assim, este novo sistema leva em consideração todos os fatores e aspectos ambientais envolvidos nas diferentes etapas, como: transporte de matérias-primas para a produção, entrada, estocagem, manuseio e consumo de matéria-prima no processo; a operacionalização do processo e, por fim, as saídas do processo. (KIND, 2005, apud HENRIQUES e QUELHAS, 2007 ) A aplicação da metodologia de Produção Mais Limpa impõe às empresas que a questão ambiental é mais uma estratégia para a competitividade, pois através da redução do uso de matérias-primas, água e energia, assim como na eliminação ou minimização dos resíduos sólidos, efluentes líquidos e emissões atmosféricas geradas, torna-se possível a adequação aos requisitos do desenvolvimento sustentável, dentro de uma condição essencialmente relacionada à “ecoeficiência” (HENRIQUES E QUELHAS, 2007). Desta forma, conforme afirma Maroun (2003, apud HENRIQUES e QUELHAS, 2007) o sistema de gestão ambiental assegura o envolvimento de toda a empresa com a melhoria contínua, através de programas na área de meio ambiente, como a Produção Mais Limpa, que provê métodos de análise dos impactos e propõe soluções econômicas, técnica e ambientalmente viáveis no caminho da “ecoeficiência” dos processos industriais. 3.5. Barreiras a implementação da produção mais limpa De acordo com o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável - CEBDS existe uma grande relutância a prática de Produção Mais Limpa.
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Os maiores obstáculos identificados, segundo o CEBDS, ocorrem em função da resistência à mudança, da concepção errônea (falta de informação sobre a técnica e a importância dada ao ambiente natural), a não existência de políticas nacionais que dêem suporte às atividades de produção mais limpa, barreiras econômicas (alocação incorreta dos custos ambientais e investimentos) e barreiras técnicas (novas tecnologias). De modo geral, as organizações ainda acreditam que sempre necessitariam de novas tecnologias para implementar a Produção Mais Limpa, quando na realidade, uma parcela significativa da poluição gerada pelas empresas poderia ser evitada somente com a melhoria em práticas de operação e mudanças simples em processos. Estudos recentes demonstram os principais impedimentos que servem como barreiras a adoção de posturas ambientalmente corretas, entre eles destacam-se: as preocupações econômicas, a falta de informações e as atitudes tomadas pela alta direção. Essas barreiras impedem a visualização da diversidade de benefícios da metodologia, tanto para as empresas quanto para a sociedade. Os benefícios mais evidentes são a melhoria da competitividade (por meio da redução de custos ou melhoria da eficiência) e a redução dos encargos ambientais causados pela atividade industrial. Além disso, verifica-se a melhoria da qualidade do produto, bem como das condições de trabalho, contribuindo direta e indiretamente para a segurança dos consumidores e dos trabalhadores. 4. Considerações Finais Este estudo partiu da necessidade de se conhecer os principais conceitos e definições metodológicas acerca da metodologia da Produção Mais Limpa. O estudo contatou que a metodologia abordada tem propiciado a adoção de abordagens preventivas no processo produtivo, ao invés de abordagens de “fim-de-tubo”. De modo geral, verifica-se que a metodologia proposta é um importante instrumento para alcançar os requisitos propostos pelo desenvolvimento sustentável, apesar de ainda não ser uma prática na maioria das empresas, sobretudo empresas brasileiras. Constatou-se ainda que a aplicação da Produção Mais Limpa é de fundamental importância para as indústrias, pois visa otimizar o consumo de matérias-primas, água e energia, reduzindo custos operacionais, além de buscar soluções lucrativas para a redução da geração dos resíduos, ou até mesmo a não-geração de “sobras” nas etapas ao longo do processo produtivo, conforme destacam Henriques e Quelhas (2007). É importante salientar que investimentos propostos ao longo da implantação da metodologia estão fortemente atrelados ao desenvolvimento da indústria e seu fortalecimento no mercado. Assim, ao investir na implementação da metodologia de Produção Mais Limpa tem-se um passo importante tanto para garantir a competitividade, quanto para a melhoria da qualidade ambiental. Enfim, a disseminação e a prática dessa metodologia oferece oportunidades para uma relação em que a melhoria ambiental pode andar junto com os benefícios econômicos, além de se revelar como uma estratégia eficiente ao combate à degradação ambiental, uma vez que visa minimizar os impactos ambientais e sensibilizar a sociedade a melhor aproveitar os recursos existentes.
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Análise do processo logístico através das ferramentas da qualidade: um estudo de caso na DDEX- direct to door express. Natália Veloso Caldas Vasconcelos <nataliaveloso@hotmail.com> Cristina Barbosa Pereira <fernandacbpereira@yahoo.com.br>
Resumo: Sabendo que o nível de serviço e o preço dos produtos/serviços não são mais diferenciais, são pré-requisitos, o presente artigo objetiva mostrar como a implantação de ferramentas da qualidade pode ajudar a identificar irregularidades potenciais no processo logístico, especificamente na distribuição de jornais, na cidade do Natal. A metodologia utilizada foi uma pesquisa do tipo quantitativa, de caráter exploratório e baseado em estudo de caso. O objetivo da pesquisa foi entender como tornar o processo de entrega um diferencial competitivo para a empresa prestadora de serviço. Visando este objetivo, inicialmente foi feito uma revisão bibliográfica, visando conhecer os principais conceitos da qualidade, qualidade em serviços e ferramentas da qualidade. O processo para a coleta de dados e informações foi durante o período de estagio acadêmico na empresa. As ferramentas aplicadas foram gráficas de Pareto, diagrama de Ishikawa e controle estatístico de processo. Após a aplicação de ferramentas, foram propostas sugestões a empresa visando minimizar a variabilidade do processo em questão. Os resultados obtidos foram o diagnóstico sobre qual reclamação era mais relevante do ponto de vista dos clientes, quais possíveis fatores contribuem para o alto índice de reclamações, e como essas reclamações se comportam. Palavras-chave: Ferramentas; Qualidade; Processo.
Logistic analysis of the process through quality tools: a case study in DDEX – direct to door express Abstract: Knowing that the service level and price of products / services are no longer distinct, are prerequisites, this article seeks to show how the deployment of quality tools can help identify potential irregularities in the logistics process, specifically in the distribution of newspapers, in Natal. The methodology used was a type of quantitative research, exploratory and based on case study. The purpose of this research was to understand how to make the process of delivering a competitive advantage to the company providing the service. Aiming at this goal, was initially performed a literature review, to determine the key concepts of quality, service quality and quality tools. The process for collecting data and information was during the academic stage in the company. The tools were Pareto, Ishikawa diagram and statistical process control. After application of tools, suggestions were proposed to the company seeking to minimize the variability of the process in question. The results were a diagnosis about which complaint was more relevant in terms of clients, which possible factors contributing to the high rate of complaints and how those complaints behave. Keywords: Tool; Quality; Process.
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1. Introdução Nos últimos tempos, com o aumento da concorrência entre as empresas em todo o mundo, e a rápida disseminação da tecnologia, a qualidade dos serviços logísticos passou a representar um quesito impar na gestão empresarial como um todo. Com essa concepção, a satisfação do cliente torna-se hoje, um fator primordial quando se trata de espaço no mercado. Essa satisfação do cliente compreende aspectos relacionados à qualidade em geral, englobando o estado físico do produto, disponibilidade do produto, rapidez e eficiência na entrega, atendimento pelos funcionários que prestam o serviço, entre outros elementos, fazendo com que as empresas busquem meios de melhorar e reduzir os custos dos processos logísticos, a fim de conquistar e tornarem-se referência no ramo. Mesmo com o “boom” tecnológico, associados aos avanços da tecnologia da informação em geral e a internet em particular, faz com que as notícias cheguem mais rapidamente à sociedade, principalmente para quem tem o acesso à internet de maneira fácil e rápida, a leitura diária de jornais impressos ainda se faz presente nas cidades brasileiras, sua circulação está em crescimento, de acordo com dados apresentados pela Associação Nacional de Jornais (ANJ, 2010). Com o crescimento da circulação dos jornais diários, juntamente com o crescimento econômico e populacional das cidades brasileiras, a distribuição dos jornais, que é um diferencial das empresas na busca pela maior fatia do mercado, começou a tornar-se algo crítico, quando se leva em consideração que com problemas na distribuição, faz com que os clientes se sintam insatisfeitos, tornando a prestadora do serviço, alvo de reclamações freqüentes em sistemas de jornais e em sites que dispões de espaço para os consumidores reclamarem dos serviços a eles prestados. Seguindo esta linha de raciocínio para Oliveira (2010) a exigência da qualidade é um dos requisitos principais por parte dos clientes, além de garantir que a empresa se mantenha no mercado, sendo assim, as empresas têm se preocupado mais com seus processos produtivos e a qualidade de seus produtos e/ou serviços e com a forma como os mesmos estão sendo conduzidos. O objetivo deste artigo é identificar e adotar as ferramentas da qualidade para melhoria da qualidade e redução da variabilidade na entrega dos jornais. No presente estudo será analisado o processo de distribuição de um jornal de maior e circulação no Rio Grande do Norte, assim será realizada uma análise nas irregularidades do processo de entrega, visando encontrar os motivos dessas não conformidades, através do uso de ferramentas da qualidade. As questões de pesquisa que norteiam a discussão são: A questão que norteia este trabalho é: como utilizar as ferramentas da qualidade para reduzir a variabilidade no tempo de entrega dos jornais e melhorar a satisfação dos clientes? Os aspectos relevantes neste trabalho estão voltados para a análise do processo logístico visando sua melhoria, visando antecipar os problemas dos clientes. Quanto aos aspectos relevantes para a sociedade e para a ciência, é que com esta melhoria no serviço, a sociedade, principalmente aqueles que usufruem do serviço, terá uma satisfação como cliente, evitando assim o stress como conseqüência de um ruim atendimento ou de um serviço prestado de forma ineficiente. O presente artigo está estruturado da seguinte forma: esta primeira introdutória que apresenta o assunto e o objetivo do trabalho; na seção dois apresenta a fundamentação teórica sobre o assunto; na seção dois é apresentada a metodologia utilizada para responder o objetivo; na seção quatro é apresentada a empresa; na seção cinco são apresentados os
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resultados; na seção seis são realizadas as considerações finais e por último são apresentadas as referências utilizadas na pesquisa. 2. Ferramentas da qualidade para a melhoria dos serviços logísticos 2.1 Definição da qualidade nos serviços logísticos De acordo com Juran (1993, p. 47) “qualidade é adequação ao uso”, definição rápida e breve. Já a definição de Deming (1990) aborda os aspectos da qualidade relacionando com o preço, e desta forma “qualidade é atender continuamente às necessidades dos clientes a um preço que eles estejam dispostos a pagar”, ou seja, a qualidade também tem que ser analisada com o olhar financeiro, para não tornar este critério, um aspecto crítico na produção de um bem ou prestação de um serviço, mesmo que o oferecido (bens ou serviços) seja de qualidade, se tiver um preço elevado, ao ponto de não se tornar competitivo ao mercado, isso irá gerar problemas para a organização. Para Ishikawa (1982, p. 34) “Qualidade justa a preço justo”, retratando exatamente a relação do nível de qualidade, com o aspecto preço, enfatizando que o preço e a qualidade andam juntos. Paladini (1990, p. 13) afirma que “não há forma de definir qualidade sem atentar para o atendimento integral ao cliente”. De acordo com Campos (1992, p. 96), “um produto ou serviço de qualidade é aquele que atende perfeitamente, de forma confiável, acessível, segura, e no tempo certo, às necessidades do cliente”. Tarí (2006) apud Deming (1982) aponta que a maior qualidade implica em menores custos e maior produtividade, que por sua vez dá uma maior participação de mercado e maior competitividade. De acordo com Miguel (2001) há poucas décadas, o conceito de qualidade veio se tornar algo voltado para a função de gerenciamento. Em sua forma inicial era somente relacionada à estrutura do produto em si, voltado para a conformidade, relacionado à inspeção final. Hoje está totalmente ligada com o sucesso da organização no mercado. Atualmente o conceito de qualidade está abrangendo áreas como engenharia e marketing, ou seja, a visão passou a ser sistêmica e holística, do ponto de vista de ser ter uma abordagem somente corretiva. Para Garvin (1988), a qualidade pode ser avaliada em sete dimensões: característica/ especificação, desempenho, conformidade, confiabilidade, durabilidade, imagem e atendimento ao cliente, sendo está ultima bastante utilizada quando se trata da análise do setor de serviços. Através dessas dimensões, que em muitas vezes se inter-relacionam, é possível se avaliar a qualidade de um bem ou serviço. Com essas dimensões pode-se considerar que um produto com qualidade é a junção de todas essas dimensões, e para cada tipo de produto, uma dimensão deste influencia de forma mais intensa, porém um produto/serviço de qualidade tem que ter desempenhos mínimos aceitáveis pelos clientes, para que o mesmo sinta-se satisfeito. Para Miguel (2001, p. 65) “um produto pode ser avaliado usando, no mínimo, duas dessas dimensões pelas empresas pode não ser estrategicamente viável, mas deve existir um compromisso entre todas elas.” Analisando as definições dos grandes “Gurus da Qualidade” e outros autores, o termo qualidade, pode ser resumido como sendo „atender as necessidades dos clientes, buscando deixá-los satisfeitos‟, pois este é o objetivo da qualidade, dar satisfação aos clientes. Segundo Zucchi (2010) a conceituação predominante para a qualidade é satisfação dos 61
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clientes, o que depende da relação entre expectativas na aquisição e percepções no momento do uso, quanto à qualidade do produto. De acordo com Martínez (2010) a qualidade de serviço é formada por variáveis como a imagem corporativa, publicidade, preços ou fatores pessoais, ao passo que a qualidade percebida é o resultado de vista do consumidor de um conjunto de dimensões do serviço, alguns dos quais são de ordem técnica e de alguns dos que são funcionais em natureza Diante das definições da qualidade, Redivo (2010) diz que cada vez mais as áreas de qualidade e sistemas de qualidade são fatores que estão ganhando espaço internacionalmente, na medida em que dentro do processo natural da concorrência as organizações vêm cada vez mais diferenciar seu mix de produtos, podendo ser no aumento da família dos produtos, ou seja, na introdução de uma inovação, um diferencial. As atividades logísticas vêm ganhando espaço no mercado nos últimos anos, isso pelo fato de as empresas terem percebido o grande valor que os serviços logísticos representam para os clientes, e com isso, a empresa torna-se mais competitiva perante seus concorrentes. De acordo com Figueiredo (2009) é através do serviço logístico, entendido como o conjunto de atividades que devem ser realizadas para atender às necessidades de clientes cada vez mais exigentes, que as empresas procuram a diferenciação, perseguindo o cumprimento de prazos, entregas sem erros, pedidas perfeitos e um amplo leque de atributos de serviço que vão além dos convencionais requisitos ligados a prazos e quantidades atendidas. No caso que vai ser analisado neste trabalho, o serviço logístico é o serviço da empresa, pois a mesma faz entregas de jornais, então o produto, não é produzido pela empresa, o serviço oferecido por ela, é exatamente a entrega do produto em si. Tendo este conhecimento, é possível considerar que mesmo empresas tecnologicamente bem preparadas do ponto de vista logístico, neste caso se tratando de software de roteirização, uso de Sistema de Posicionamento Global (GPS) pelos entregadores, apresentam resultados não muito satisfatórios quando, decepcionadas, observam alguns indicadores de seu desempenho: entregas fora do prazo, embalagens danificadas, produto danificado, produto molhado, entrega feito de forma incorreta, documentação com erros, pedidos incompletos, etc. 2.2 Ferramentas da qualidade Ao avaliar a qualidade de algum bem ou serviço é possível analisar as informações e os dados numéricos. Os dados numéricos compreendem variáveis discretas ou contínuas, e as informações compreendem as reclamações, sugestões, resultados de pesquisas qualitativas e sugestões dadas aos funcionários no ato da compra por exemplo. Essas informações e esses dados tornam-se úteis quando a partir dele é possível tirar conclusões para auxiliar o processo decisório. De acordo com Fotopoulos (2009) as ferramentas de gestão da qualidade e técnicas são métodos práticos, são meios ou mecanismos que podem ser aplicados a tarefas específicas. Entre outras coisas, eles são usados para facilitar melhorias e mudanças positivas. Segundo Engelhardt (2000) as sete ferramentas da qualidade formam um conjunto de ferramentas eficazes, e devem ser usados quando for apropriado. As ferramentas da qualidade podem ser utilizadas para coleta, processamento e disposição das informações, sendo elas numéricas ou não. As ferramentas da qualidade podem ser divididas em dois grupos, as “Ferramentas Estatísticas da Qualidade” também chamadas de “Ferramentas Tradicionais da Qualidade”, ou “Ferramentas de Planejamento da Qualidade” conhecidas também como “As
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Sete Novas Ferramentas da Qualidade”, de acordo com Mizuno (1993). As principais ferramentas estatísticas da qualidade são: Estratificação: Consiste no agrupamento da informação (dados) sob vários pontos de vista, de modo a focalizar a ação. Os fatores equipamento, material, operador, tempo, entre outros, são categorias naturais para a estratificação dos dados. Folha de Verificação: Formulário no qual os itens a serem verificados para observação do problema já estão impressos, com o objetivo de facilitar a coleta e o registro dos dados. Gráfico de Pareto: Um problema pode ser atribuído a um pequeno número de causas. Representado por um gráfico de barras verticais que dispõe a informação de forma a tornar evidente e visual a priorização de temas. A informação assim disposta também permite o estabelecimento de metas numéricas viáveis a serem alcançadas. Diagrama de Causa e Efeito: Utilizado para apresentar a relação existente entre um resultado de um processo (efeito) e os fatores (causas) do processo, que por razões técnicas, possam afetar o resultado considerado. Histograma: Gráfico de barra que dispõe as informações de modo que seja possível a visualização da forma da distribuição de um conjunto de dados, e também a percepção da localização do valor central. Diagrama de Dispersão: Gráfico utilizado para a visualização do tipo de relacionamento existente entre duas variáveis. Estas variáveis podem ser duas causas de um processo, uma causa e um efeito do processo ou dois efeitos do processo. Gráfico (carta) de Controle: Utilizado para detectar causas especiais e causas comuns. As cartas podem ser por variáveis (utilizada com unidades quantitativas de medidas) ou por atributos (características qualitativas). As Ferramentas do Planejamento da Qualidade, ou ferramentas gerenciais da qualidade, conforme Miguel (2001) tiveram origem nos trabalhos de pesquisa operacional após a II Guerra Mundial, e foram apresentadas pela primeira vez por Shigeru Mizuno no livro Gerência para Melhoria da Qualidade. Conforme Clegg (2009) as ferramentas têm um escopo vasto, variam entre os quantitativos de análise complexa como design de experimentos de Taguchi para heurística simples como os que serão utilizados nesta pesquisa, o diagrama de Ishikawa e gráfico de Pareto. Diante da explanação das ferramentas da qualidade, e do conhecimento do problema que é preciso ser analisado, as ferramentas mais adequadas para a resolução do problema apresentado neste artigo foram: gráfico de Pareto, visando conhecer quais reclamações representa a maior parte, diante do total, diagrama de Ishikawa, visando compreender quais as possíveis causas desta reclamação (diagnosticada através do gráfico de pareto) e por fim, o controle estatístico de processo, para observar o comportamento das reclamações durante o tempo. Assim aplicando estas ferramentas é possível conhecer e interpretar os problemas do processo logístico. 3. Material e métodos A pesquisa realizada teve uma abordagem do tipo quantitativa, especialmente projetada para gerar medidas precisas e confiáveis que permitam uma análise estatística. Através da análise quantitativa é possível buscar resultados concretos sobre as causas das
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reclamações. Segundo Miguel (2001) em boa parte dos casos, a medida de qualidade para um determinado serviço prestado envolve algum tipo de consulta, por exemplo, via questionário, além de indicarem o grau de satisfação dos clientes, também devem apontar possibilidades de melhoria e aperfeiçoamento. A classificação da pesquisa levando em consideração os objetivos tem caráter exploratório. Quanto ao planejamento da pesquisa optou-se pela pesquisa bibliográfica e pelo estudo de caso. A empresa escolhida para o estudo de caso foi a DDEX, uma empresa focada na prestação de serviços relacionados à logística expressa (porta a porta), que opera desde 2005 em Natal (RN). A coleta de dados compreendeu as informações referentes aos meses de Maio de 2009 a Dezembro de 2009. Para coletar os dados foram utilizadas informações buscadas no banco de dados do jornal resultantes das reclamações dos clientes. As informações foram coletadas todos os dias, e armazenadas em planilhas. O serviço que foi enfocado neste trabalho é o de distribuição de periódicos, no caso jornais. O processo acontece durante o período da madrugada, seis vezes por semana, visto que nas segundas-feiras não acontece à circulação do jornal, com exceção de feriados. A duração do processo é de meia-noite e às seis da manhã, podendo haver variações. O serviço em questão compreende as seguintes etapas:
FIGURA 1 – Fluxo do processo de entrega. Fonte: Elaboração Própria
O processo continua durante o dia, onde um funcionário da empresa fica disponível a atender as reclamações dos clientes deste jornal. A metodologia da pesquisa descreve as etapas que serão utilizadas no decorrer da pesquisa que o objetivo seja cumprido.
Compreender e conceituar as ferramentas da qualidade; Estudar os principais conceitos de logística; Coletar dados necessários para a execução da pesquisa; Escolher as ferramentas que serão utilizadas no estudo; Analisar os dados; Analisar e aplicar as ferramentas da qualidade no serviço logístico; Analisar os resultados da aplicação das ferramentas;
No capítulo seguinte, será feita a descrição do estudo de caso, e os resultados obtidos a partir da aplicação das ferramentas da qualidade. 4. Estudo de Caso A DDEX-Direct to Door Express, é uma empresa focada na prestação de serviços relacionados à logística expressa (porta a porta). Os clientes da DDEX – Direct to Door Express operam nos diversos ramos tanto da industria, como do comércio e prestação de
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serviços. Já tradicionais ou novas no mercado são elas editoras, gráficas, redes de supermercado, concessionárias de serviços de primeira necessidade, planos de saúde, empresas de vendas por catálogos, imobiliárias, construtoras, ou seja, empresas que têm a necessidade que o seu produto, encartes, boletos, revistas, jornais entre outros materiais, cheguem a determinado destino. No trabalho será analisado em específico o serviço de entrega de jornais, prestado a empresa Tribuna do Norte, no qual conta com a colaboração de 30 funcionários, e o volume de entrega durante a semana é em média 4.000 exemplares, e 6.000 no sábado e domingo. Durante o mês esssa demanda representa 125.000 exemplares de jornais, que são entregues pela empresa. 5. Resultados 5.1 Gráfico de Pareto Foi a primeira ferramenta utilizada para analisar os dados. Com a aplicação da ferramenta foi possível identificar qual a categoria do problema mais importante a ser focada. Com esta ferramenta foi possível diagnosticar que as reclamações relacionadas a não entrega do jornal no dia correto, e a reclamação compreendida como aviso, que se trata de uma advertência, quanto à entrega, representam juntas 93,85% das reclamações recebidas pela empresa, conforme o gráfico mostra abaixo.
FIGURA 2 - Análise de Pareto. Fonte: Elaboração Própria
O evento que ocorre com maior freqüência é representado na extrema esquerda e os demais representados em forma decrescente para a direita, ou seja, o evento relacionado às não conformidades, que mais ocorre durante as entregas de jornais, é a não entrega do produto. O gráfico de Pareto identificou quais pontos devem ser trabalhados com urgência, para onde deve ser direcionado o esforço maior para a melhoria da qualidade do serviço neste caso.
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Como foi descoberto que a principal causa da reclamação é a não entrega do jornal, resta agora analisar, por qual motivo esse jornal não é entregue ao cliente. 5.2 Diagrama de Ishilawa O principal motivo identificado por meio do Gráfico de Pareto refere-se a não entrega do jornal, então para analisar este problema foi elaborado o diagrama de Ishikawa, conforme figura 3. Analisando as causas relacionadas às Pessoas observa-se que quando um funcionário responsável por uma determinada rota não vai ao trabalho acarreta problemas para a empresa, visto que os funcionários substitutos não conhecem a rota de forma completa, e poderão ocorrer irregularidades de entrega, resultando em um número muito alto de reclamações no dia. A falta de comprometimento dos funcionários e o fato dos mesmos estarem acomodados e desmotivados também influenciam no desempenho das entregas, uma vez que o funcionário não compreende todo o processo e não vê sua atividade como importante. Porém a partir do momento que ele não efetua uma entrega, isso gera uma reclamação. Alguns entregadores optam pelo descarte da mercadoria a fim de encerrar o trabalho mais cedo.
FIGURA 3 – Diagrama de Ishikawa. Fonte: Elaboração Própria
A falta de treinamento é um aspecto importante, visto que o serviço é baseado em divisões de rotas, desta forma se o funcionário foi contratado recentemente e não conhece bem as rotas e não teve um treinamento adequado, sua primeira quinzena de entrega apresentará problemas. Outra situação que poderá acontecer é o entregador não conhecer todos os pontos de entrega, sendo mais propício a erros de entrega. Além de não conhecer as formas como os clientes preferem receber os produtos, fator que também pode gerar insatisfação por parte dos clientes. Com relação à cultura organizacional, tem-se na empresa analisada que a mesma não dissemina nada sobre sua cultura, não tem medidas para motivar seus funcionários. No que se refere às ferramentas, os fatores que podem influenciar na falta de entrega dos jornais são a
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quebra da moto e aos defeitos no caixote (objeto onde são colocados os jornais) que podem ocasionar perda de jornais, e conseqüentemente a não entrega. Quanto às causas relacionadas ao capital, é explícita a questão de atrasos salariais, onde funcionários se negam a fazer as entregas, enquanto não receberem o salário, situação que já ocorreu na empresa. Observando os aspectos relacionados aos métodos, é possível observar que as rotas mais complexas (com clientes mais exigentes, onde determinam a forma como o entregador deve deixar o jornal, solicitam horário para entrega) e as rotas onde tem mais pontos de entrega, o volume de reclamações é maior quando comparado com rotas menores e de fácil execução, quanto às exigências dos clientes. Com relação ao ambiente, este aspecto se torna crítico quando se verifica a ocorrência de chuvas, neste caso é normal que o número de reclamações aumente, devido à dificuldade de locomoção que os entregadores vão enfrentar, principalmente quando ocorrem alagamentos, e quanto existe a possibilidade de assaltos ao entregador. Com relação ao procedimento, o que poderá causar as falhas de entrega é o atraso por parte da gráfica, por motivos diversos como quebra de máquina falta do pessoal, e o próprio atraso do responsável por deixar os jornais em posse dos entregadores, gerando assim um atraso nas entregas por parte da distribuidora. Após analisar o diagrama de Ishikawa, de acordo com as possíveis causas, pode-se identificar que a causa primária que mais contribui para as falhas nas entregas dos jornais está relaciona com o fator pessoas. 5.3 Controle estatístico de processo Concluída a coleta dos dados, foi utilizado o controle estatístico de processo através de carta de controle por atributos, do tipo p. Segundo Coelho (2010) o controle estatístico de processo consiste no controle das causas comuns de variação e na eliminação das causas especiais de variação de forma a manter o processo dentro de limites de variação considerados aceitáveis. Esse controle é feito por meio dos gráficos de controle. Um gráfico de controle comum apresenta uma linha central (LC), que corresponde ao valor médio da característica da qualidade que está sendo avaliada; limite superior de controle (LSC) e limite inferior de controle (LIC). Para que um processo seja considerado sob controle estatístico é necessário que os pontos representativos das amostras estejam dentro dos limites de controle e sejam distribuídos de forma aleatória, sem representar qualquer tipo de tendência (MONTGOMERY, 2009;SAMOHYL,2009). A coleta de dados foi realizada durante oito meses, coletando-se as informações quanto ao número de reclamações e seus tipos. Para cada subgrupo, anotar: n = número de jornais que saíram para entrega, Np = número de reclamações, E então calcular: fração de reclamações de acordo com o número de jornais que saíram para entrega. Esse passo deve ser feito para todos os dias. O passo seguinte foi o de monitoramento, após o calculo dos limites, criou-se o gráfico e observou-se o comportamento dos dados. A presença de um ou mais pontos fora dos limites de controle é uma evidência de instabilidade (causa especial). As seguintes constatações também indicam alterações no processo (válidas para) pontos em seqüência acima (ou abaixo) da linha central, e pontos em seqüência ascendente (ou descendente). Analisando as cartas de controle referente aos meses de Maio, Junho, Julho e Agosto, a seguir.
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FIGURA 4 – Cartas de Controle – Maio, Junho, Julho e Agosto. Fonte: Elaboração Própria
É possível observar que, com exceção do mês de Agosto, em todos os gráficos, o processo se mostra fora de controle, e sempre acompanhando uma tendência, acima do limite superior de controle, o que pode ser interpretado, como excesso de reclamações, nos devidos picos do gráfico.
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FIGURA 5 – Cartas de Controle – Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro. Fonte: Elaboração Própria
O diagnóstico dos gráficos anteriores é bem semelhante aos já comentados, onde o comportamento do mês de Novembro pode ser comparado com o de Agosto. A análise dos outros meses, Setembro, Outubro e Dezembro, evidenciam que o processo está fora de controle. Os gráficos de controle do processo em análise geraram basicamente os mesmo resultados, pontos fora do controle que e apresenta uma tendência, localizando-se acima do limite superior controle (com exceção dos meses de Novembro e Agosto), Esses pontos fora de controle indicam a ocorrência de causas especiais que precisam ser solucionadas. Para ser solucionado, o processo merece um estudo mais aprofundado. Ao se identificar essas causas especiais, é necessário que a empresa tome medidas que impeça a sua recorrência. Ao se aplicar medidas para diminuir esse alto número de reclamações, é necessário o acompanhamento contínuo, visando sempre ter o processo em controle. 6. Considerações O processo logístico que foi analisado consiste em entregas pontuais de jornais, que ocorrem durante a madrugada, nos entornos da cidade do Natal (RN). Os bairros da cidade são divididos em rotas, e cada entregador é responsável pela sua rota, ficando responsável de entregar ao cliente, o seu jornal diário. Sabendo que esse processo gera um alto número de reclamações, foram coletados dados, e aplicadas ferramentas da qualidade, para poder analisar este processo. As falhas foram identificadas e analisadas através de aplicação de ferramentas da qualidade, primeiramente o gráfico de Pareto identificou que a principal reclamação dos clientes está relacionada a falta de entrega dos jornais. O trabalho respondeu aos objetivos propostos na medida em que identificou e aplicou as ferramentas da qualidade para melhoria da qualidade e redução da variabilidade na entrega dos jornais. Desta forma foi possível utilizar as ferramentas da qualidade para reduzir a variabilidade no tempo de entrega dos jornais e melhorar a satisfação dos clientes, uma vez que, com a aplicação das ferramentas, os motivos pelo qual gera insatisfação do cliente foram conhecidos. O diagrama de Ishikawa foi aplicado para investigar quais as possíveis causas da não entrega dos jornais aos clientes. Foram listas causas primárias, onde estavam envolvidos aspectos como pessoas, ambiente, ferramentas, método, procedimento e capital. Em seguida foram listadas causas secundárias, e as que apareceram em maior número, foram às causas relacionadas às pessoas, o que se pode afirmar que a não entrega de jornais diários programados se deve em sua maior parte, ao fator relacionado às pessoas. Com isso é possível propor soluções para minimizar esses impactos que a empresa sofre com relação a esses aspectos.
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Com a utilização das cartas de controle foi possível obter informações sobre o comportamento das reclamações durante os meses. De acordo com as cartas de controle elaboradas dos oito em analise, apresentam pontos fora de controle, no caso, acima do limite superior, e isso pode ser interpretado como um número muito alto de reclamações. Assim a empresa precisa analisar isto de forma mais intensificada, visando diminuir essa variabilidade do processo, e está sempre acompanhando, visando conhecer o comportamento do processo, para que sempre busque minimizar sua variabilidade. Algumas medidas que a empresa pode tomar para analisar melhor a variabilidade do processo, e monitorar as rotas, sem o conhecimento dos entregadores, assim poderá obter informações que os entregadores omitem, e identificar quais entregadores fazem o processo de forma correta, e após essa investigação, tomar medidas para que a empresa conte com entregadores que trabalhem com objetivo de crescer junto com a empresa. Para concluir temos que, para tornar o processo de entrega um diferencial competitivo para a empresa prestadora de serviço, é preciso que a empresa utilize ferramentas que possibilitem monitorar o processo e agir de modo rápido e eficiente visando identificar causas especiais e comuns que impedem o serviço de qualidade. Referências ANJ. Associação Nacional de Jornais. Disponível em <http://www.anj.org.br/a-industria-jornalistica/definicaode-jornais-diarios>. Acesso em 30 de Janeiro de 2010. CAMPOS, Vicente Falconi. Controle da Qualidade Total: no estilo japonês. Rio de Janeiro, Bloch editores, 1992ª COELHO, B.M.P. Investigação sobre o Controle Estatístico de Processos em uma Siderúrgica. Disponível na Internet via correio eletrônico : http://www.ingepro.com.br/index.php/ingepro/article/view/288/265 . Revista INGEPRO. Vol. 2, No 9, 2010. CLEGG, BEN Chris Rees, Mike Titchen, (2010) "A study into the effectiveness of quality management training: A focus on tools and critical success factors", The TQM Journal, Vol. 22 Iss: 2, pp.188 - 208 DEMING, W. E. (1990) - Qualidade: A Revolução da Administração. Marques - Saraiva. Rio de Janeiro. ENGELHARDT, FREDRIK. Improving Systems by Combining Axiomatic Design, Quality Control Tools and Designed Experiments. JF - Research in Engineering Design. Springer London. 2000. FIGUEIREDO, K. O Papel das Pessoas na Prestação do Serviço Logístico, 2009. Disponivel em http://www.ilos.com.br/site/index.php?option=com_content&task=view&id=1138&Itemid=74. Acesso em 3 de Maio de 2010. FOTOPOULOS, CHRISTOS .Evagelos Psomas, (2009) "The use of quality management tools and techniques in ISO 9001:2000 certified companies: the Greek case", International Journal of Productivity and Performance Management, Vol. 58 Iss: 6, pp.564 - 580 GARVIN, D. Managing Quality. Free Press, New York, NY, 1988. ISHIKAWA, Kaoru – Guide to Quality Control. Tokyo, Asian Productivity Organization, 1982. JURAN, J. M. Juran na liderança pela qualidade. São Paulo: Pioneira, 1993. MARTINEZ . Jose A., Laura Martinez, Some insights on conceptualizing and measuring service quality, Journal of Retailing and Consumer Services, Volume 17, Issue 1, January 2010. MIGUEL, P.A.C. Qualidade: enfoques e ferramentas. São Paulo: Artliber, 2001. MIZUNO, Shigeru. Gerência para melhoria da qualidade: as sete novas ferramentas do controle da qualidade. Rio de Janeiro: LTC – Livros Técnicos e Científicos Ed., 1993 MONTGOMERY, D.C. Introdução ao Controle Estatístico da Qualidade. Rio de Janeiro: LTC, 2009 OLIVEIRA, C.C. Aplicação de ferramentas da qualidade no acompanhamento e controle de perdas de
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Aplicação da produção mais limpa na etapa de calagem em um curtume da baixada cuiabana Muryllo Xavier Silva de Menezes Galvão <muryllomg@hotmail.com> Fabrício Schwanz da Silva <fabricio.silva@vsp.com.br> Alexandre Gonçalves Porto <agporto@hotmail.com> Willian Leonardo Vieira Coelho <wyllyan_coelho@hotmail.com> Resumo: Pode-se observar que juntamente com a maximização da produção é gerado conseqüentemente um maior número de resíduos, no decorrer de qualquer processo produtivo. Diante deste contexto observa-se a Produção mais Limpa, metodologia definida como suporte para as empresas que buscam uma adequação ambiental em seus processos, produtos e serviços. Neste trabalho a utilização da P+L ocorreu no processo produtivo de um curtume localizado na Baixada Cuiabana, onde posteriormente após uma analise optouse pela opção de recuperação de pêlos nos caleiros, sendo apresentadas três alternativas (baixo teor de sulfetos, TEG, NATG) que seriam comparadas através da elaboração de uma simulação de realização do processo, estabelecendo assim índices de eficiência e redução quando comparadas com o método convencional utilizado ali atualmente. Através dos quadros comparativos observa-se que a alternativa que apresenta os melhores índices foi a de baixo teor de sulfetos, porém a indicada pela P+L seria a TEG, pois apresenta índices semelhantes à de baixo teor de sulfetos e ainda possui um diferencial, que seria a obtenção de uma maior qualidade no pêlo recuperado, podendo assim vender esse pêlo para alguma outra indústria que possa utilizá-lo em outro processo de produção. Palavras-chave: Produção mais limpa; curtume ; recuperação de pêlos.
Application of cleaner production in the stage of liming in a tanning of the marshland cuiabana Abstract: It can be observed that together with the maximization of the production a bigger number of residues during any productive process is generated consequently. Ahead of this context it is observed Cleaner Production (P+L), definite methodology as support for the companies who in such a way search this ambient adequacy in its processes, products and services. In this work the use of the P+L occurred in the productive process of a tannery located in the Lowered Cuiabana, where later after one analyzes more detailed was opted to the option of recovery of for in the caleiros, being presented three alternatives (low text of sulfides, TEG, NATG) that indices of efficiency and reduction with when comparative the used method would be compared through the elaboration of a simulation of accomplishment of the process, thus establishing conventional there currently. Through the comparative pictures it is observed that the alternative that presents the best indices was of low text of sulfides, however the indicated one for the P+L would be the TEG, therefore it presents similar indices to the one of low text of sulfides and still it possess a differential, that would be the attainment of a bigger quality in the one for the recouped one, thus being able to vender this for the one for some another industry that can use in another process of production. Keywords: Cleaner Production; Tannery; Hair recovery.
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1. Introdução Com o passar dos anos cada vez mais percebe-se a luta incessante das indústrias para aumentar sua produção e conseqüentemente sua lucratividade, porém, com isso, pode ser observada também a grande devastação gerada de várias formas por elas ao meio ambiente. Com essa situação surge um caráter mais exigente tanto por parte dos agentes vigilante fiscalizadores, como também, por parte dos consumidores, que de certa forma exigem uma postura mais sustentável das indústrias. Diante disto, torna-se indispensável essa junção de pensamento sustentável aos setores administrativo e financeiro, objetivando o desenvolvimento econômico responsável da empresa. Nesse contexto se insere um termo recentemente popularizado no meio industrial, a produção mais limpa (P+L), utilizada como uma ferramenta de suporte para as empresas que visam uma adequação no setor ambiental e por conseqüência no setor técnico e econômico. Através da P+L é apresentado uma alternativa que responderia algumas expectativas das empresas, oferecendo ao mesmo tempo uma facilidade em sua implantação e utilização no processo de fabricação. Com isso destaca-se a existência de um processo de produção com uma consciência sustentável, identificando, por exemplo, onde o processo produtivo gera uma maior quantidade de resíduos e conseqüentemente, onde existem mais desperdícios e geração de poluição. Assim seriam avaliados e decididos quais dos três níveis apresentados na P+L se tornaria o mais adequado e eficaz, correspondendo às expectativas do trabalho e finalmente expor os resultados (vantagens ambientais) que podem ser alcançados com a implementação da P+L no processo produtivo escolhido. 2. Revisão Teórica 2.1 O processo produtivo do couro de um modo geral Denomina-se como curtimento de peles o processo cujo objetivo é a transformação do produto primário (pele) em um produto com características como resistência, textura, imputrescível, entre outros. Como resultados deste processo de curtimento obtêm o produto final conhecido como couro (GANEM, 2007). De acordo com PNAPRI (2000), podemos observar três tipos de curtimento, os modos mineral, vegetal e sintético. No processo de curtimento mineral temos como agente principal o cromo, sendo muito difícil a sua substituição por algum outro elemento que seja capaz de realizar essa operação com a mesma eficiência. Grande parte desta dificuldade ocorre devido ao fato de que quase todo maquinário das indústrias sejam projetados para operar com as características de um couro trabalhado com cromo. Segundo FARENZENA (2004) os processos típicos de beneficiamento do couro dividem-se principalmente em três fases: a fase da ribeira, curtimento e acabamento. Existe a possibilidade das empresas que operam no setor realizá-las todas ou apenas atuar em algumas delas. Nas Figuras 1 e 2, podem-se visualizar as etapas que constituem de maneira geral o processamento do couro:
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Figura 1 - Fluxograma das etapas de ribeira, curtimento e acabamento molhado. Fonte: CETESB2 (2005).
Figura 2 - Fluxograma das etapas de pré-acabamento e acabamento final. Fonte CETESB2 (2005).
Os curtumes recebem a pele in natura (em diversos estados de conservação) e a submetem a processos físicos e químicos para processamento, que envolve a limpeza, o secamento, dentre outros, conforme figura 3 (SEBRAE, 2005).
Figura 3 - Processos Químicos e Físicos de um Curtume. Fonte – SEBRAE (2005).
2.2 Impactos Ambientais do Curtume Segundo GANEM (2007), quase sempre ligado ao termo poluição, o curtume é uma indústria na qual são processadas peles de animais e que por resultado desta atividade são gerados uma grande quantidade de resíduos sólidos, efluentes líquidos e gasosos. O
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processamento de uma tonelada de pele produz de 200 a 250 Kg de couros acabados ao mesmo tempo em que gera aproximadamente 600 Kg de resíduos sólidos. Outra característica importante dos curtumes é o seu alto consumo de água, chegando a patamares entre 25 e 30 m3 de água por tonelada de pele, ou simplesmente 630 litros por pele. Para se ter uma noção mais clara da quantidade de água utilizada em um curtume de médio porte, que processa em torno de 3.000 pele/dia projeta um consumo de aproximadamente 1.900 m3 de água por dia, o que na verdade seria o equivalente do consumo diário de um município com população de 10.500 habitantes (PIMENTA, 2003). Já o consumo de energia varia de 2600 a 11700 kWh/t de pele, conforme o tipo de processo usado na produção, os equipamentos usados, o tipo de tratamento dado aos efluentes e a existência ou não de práticas de eficiência energética. As operações com maior consumo são as que envolvem banhos, secagem e tratamento de efluentes. Com relação aos produtos utilizados nos curtumes, a quantidade também se torna bastante significativa. Entre eles podemos destacar o sal comum (conservação de peles); soda cáustica, fungicidas e solventes (ribeira); cromo e outros metais (curtimento mineral), taninos (curtimento vegetal); outros sais, corantes, óleos e resinas (acabamento) (GANEM, 2007). O quadro 1 apresenta os principais resíduos gerados pelo processamento do couro e seus impactos ambientais. Etapa Conservação e Armazenamento de peles
Poluição Gasosa
Líquida Resíduos Sólidos Gasosa
Ribeira
Líquida Resíduos Sólidos
Curtimento
Líquida Gasosa Líquida
Acabamento
Resíduos Sólidos
Poluente
Amônia, compostos orgânicos voláteis Líquidos eliminados pela pele e restos animais, sal Restos animais e sal Gás sulfídrico, amônia, compostos orgânicos voláteis Cal, sulfeto de sódio, cloreto de sódio, aminoácidos e albuminas Restos animais Ácidos minerais e orgânicos, cromo e taninos COV Banhos residuais contendo cromo, taninos, sais, etc. Restos de couros, pó de lixa, resíduos de tintas e resinas
Quadro 1 - Etapas e resíduos gerados. Fonte: CETESB2 (2005).
Impactos Ambientais Odor desagradável
Contaminação das águas superficiais Contaminação do solo e águas subterrâneas Odor desagradável Contaminação das águas superficiais Contaminação do solo e águas subterrâneas Contaminação de águas superficiais Odor desagradável Contaminação das águas superficiais Contaminação do solo e águas subterrâneas
De acordo com a CETESB (2005), os efluentes líquidos provêm dos banhos e lavagens a que são submetidas às peles. Tendo em vista o alto consumo de água e produtos químicos, o volume de efluentes gerados é grande, a maior parte dos quais é produzido na ribeira (67,6 %), seguida do curtimento (21,7 %) e do acabamento (10,7 %). Como se pode observar, a ribeira é de longe a etapa mais poluente do processo, grande parte dessa responsabilidade se deve a quantidade de produtos químicos empregada. Também na etapa da ribeira o curtume tem por característica principal apresentar um odor desagradável muito forte, onde os responsáveis são a amônia e o gás sulfídrico. Já na etapa de acabamento é liberada uma quantidade significativa de compostos orgânicos voláteis (COV). Outro produto bastante utilizado em curtumes é a cal, o qual torna a água alcalina e esbranquiçada. Juntamente com a cal observamos resto de tecidos animais como sebos, pêlos, gordura e sangue, onde em solução são ricos em sais, proteínas e aminoácidos, detergentes, 75
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aminas, conservantes, biocidas e inseticidas. Se compararmos novamente um curtume que processa 3.000 peles/dia, seu potencial de geração de poluição é semelhante ao de uma população de 85.600 habitantes (COIADO, 2001). Sendo assim torna-se necessário a utilização de métodos ou metodologias que de alguma forma alterem essa realidade, podendo assim beneficiar o meio ambiente e todos os envolvidos. 2.3 Produção mais limpa O Programa Ambiental das Nações Unidas lançou o termo de “Produção mais Limpa”, onde esse era definido como uma aplicação continua de uma estratégia ambiental preventiva aos processos, produtos e serviços a fim de aumentar a eficiência e reduzir os riscos aos seres humanos e meio ambiente, podendo ser aplicada nos processos utilizados em qualquer setor. Com isso a P+L toma um foco mais preventivo de gerenciamento ambiental, tentando estabelecer uma mudança na visão dos industriais e do governo, mostrando assim que é possível produzir causando o mínimo de impacto ambiental (SILVA, 2003). Segundo CALIA (2007) um aspecto fundamental do conceito de Produção Mais Limpa é o de que ela representa uma estratégia “ganha-a-ganha”, ou seja, é favorável tanto para o desempenho ambiental, quanto para o desempenho econômico da empresa. As perdas no processo produtivo são consideradas como evidência de um desempenho econômico negativo, enquanto os esforços para a redução do consumo de matéria-prima e de energia, assim como para a redução ou prevenção da geração de perdas resultam no aumento da produtividade, o que beneficia a empresa financeiramente. Sua aplicação é destinada, principalmente, a processos produtivos, produtos e serviços. Com relação aos processos produtivos, a P+L basicamente se delimita a conversão de matéria-prima e redução ou eliminação da toxidade dos resíduos gerados. Já com os produtos, ela se preocupa com os possíveis impactos negativos gerados durante o ciclo de vida do produto. Por fim, nos serviços tem a função de integrar as questões ambientais a execução e planejamento dos serviços (CETESB1, 2005). Segundo FIDELIS (2006), é a identificação, e análise do resíduo que dará início à atividade de avaliação da P+L. Pelo fato da P+L se tratar de uma abordagem preventiva exigiu-se certa quantia de criatividade por parte de seus aplicadores, onde somente assim poderá ser esperado o alcance de possíveis soluções para os problemas apontados. A P+L é caracterizada por ações que privilegiem o Nível 1 como prioritárias, seguidas do Nível 2 e 3, nesta ordem. Assim têm-se por prioridade na P+L o item à esquerda (Nível 1) do fluxograma, ou seja, evitar uma possível geração de resíduos. Onde somente quando não for possível se evitar a geração desses resíduos tenta-se reutilizá-los dentro do processo de produção (Nível 2). Em último caso adotam-se medidas de reciclagem fora da empresa (Nível 3) (SENAI, 2003). A figura 4 apresenta a geração de opções da P+L.
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Figura 4 - Fluxograma da geração de opções da P+L. Fonte: SENAI (2003).
3. Objetivo Desta forma o enfoque principal deste trabalho foi o estudo da aplicação da metodologia da P+L na etapa de calagem de um curtume. 4. Aplicação da P+L na etapa de calagem em um curtume da baixada Cuiabana Neste trabalho o estudo de caso terá como prioridade avaliar o processo produtivo de um curtume do estado de Mato Grosso, localizado na microrregião da Baixada Cuiabana. O curtume em questão não realiza todo o processo de beneficiamento do couro, suas instalações são capazes de realizar somente parte deste processo. Pode ser considerada uma unidade de pequeno ou médio porte, onde de acordo com a capacidade de suas instalações processa em média 2.000 peles por dia, e possui cerca de 30 funcionários trabalhando. O estudo de caso tem por objetivo inicialmente realizar uma análise detalhada no processo realizado no curtume para beneficiar as peles, com o objetivo de encontrar possíveis pontos onde estão sendo geradas grandes quantidades de resíduos. Após a realização da análise foi feito um estudo através da metodologia da produção mais limpa apresentada pelo SENAI (2003), buscando desta forma encontrar possíveis alternativas que adéqüem o processo realizado, tornando-o mais sustentável ecologicamente possível, dentro das condições da empresa. Por fim, após a escolha da alternativa que mais se encaixe no perfil da empresa foi realizado um estudo de caso, avaliando qual seria as possíveis mudanças que surgiam com a adoção desta medida. Lembrando que essa avaliação ocorreu através de uma comparação dos índices coletados sobre o processo convencional utilizado pelo curtume e os índices adquiridos após a aplicação da alternativa escolhida. Para a realização destas tabelas comparativas, foram elaborados balanços de massas de acordo com uma simulação tanto para o método convencional como para cada alternativa proposta pela P+L, assim fornecendo todos os índices necessários para se realizar a comparação e a escolha de qual método seria o mais indicado e eficiente para o curtume analisado. De acordo com a situação atual do curtume, percebeu-se que um dos possíveis caminhos para a melhoria, seria a recuperação de pêlos nos caleiros, processo que não é realizado atualmente e que se tornaria conveniente e satisfatório para o curtume. Normalmente a etapa dos caleiros se caracteriza por apresentar a utilização de grandes quantias de produtos químicos, pois para que seja possível a continuação do processo de beneficiamento do couro, é necessária a remoção dos pêlos encontrados nas peles. Dessa
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maneira, na etapa de calagem temos a entrada de água, peles e produtos químicos, como conseqüência a geração de resíduos gasosos, líquidos e sólidos (dentre eles o pêlo). Desta forma, o caminho utilizado se enquadraria no nível 1 da P+L, conseqüentemente em uma redução na fonte ou na emissão de poluentes na fase da ribeira, com modificação no processo da etapa de calagem, modificando a tecnologia utilizada para uma capaz de recuperar pêlos, como esta representada na Figura 5, de acordo com a metodologia proposta pelo SENAI (2003). Sendo que de maneira geral, os processos de caleiro com recuperação do pêlo têm por objetivo alcançar a remoção do pêlo da pele evitando a sua pulverização ou solubilização. Assim consegue-se desta forma, diminuir acentuadamente a carga orgânica dos efluentes e permitir também a eventual valorização do pêlo como fertilizante ou matériaprima na fabricação de alguns utensílios, como por exemplo, pincéis.
Figura 5 - Fluxograma da geração de opções da P+L. Fonte: SENAI (2003).
O curtume em análise utiliza o processo convencional para realizar a etapa de caleação, ou seja, os pêlos retirados das peles saem dos caleiros como resíduos gerados pelo processo. Desta forma serão apresentadas juntamente com o processo convencional, outras formas de se realizar esta etapa do processamento do couro, realizando também uma comparação entre elas. Todo esse esquema montado nas figuras a seguir mostra de acordo com a capacidade do curtume analisado, a quantidade de produtos químicos que são utilizados para realização da operação e a quantidade de resíduos que são gerados, para cada uma das possibilidades relatadas. Lembrando que todas essas possibilidades dizem respeito à etapa de calagem do curtume em análise, levando em consideração a quantidade que eventualmente é processada pelo mesmo. 4.1 O processo convencional O processo convencional como mostrado na Figura 6, representa a situação atual do curtume analisado, o qual processo em média uma quantidade de 13.500 Kg de pele por dia em seus caleiros. Para que essa etapa se realize, é necessária a utilização 90 m3 de água, 297 Kg de cal e 242,1 Kg de alguns produtos químicos relatados no esquema a seguir.
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Onde: S2 – sulfetos; SST – sólidos em suspensão total; CQO – carência química de oxigênio; CBO – carência bioquímica de oxigênio; N(Kjel) – concentração de N-Kjeldahl; N(NH4) – concentração de azoto amoniacal. Figura 6 – Processo de calagem convencional. Fonte: Adaptado de PNAPRI (2000).
Como conseqüência deste processo tem-se a geração de 63 m3 de água residual, a qual com o término do processo contêm os compostos apresentados no quadro a direita do esquema acima. 4.1.1 O processo com recuperação do pêlo utilizando baixo teor de sulfetos; O processo utilizando baixo teor de sulfetos representa uma possível alternativa a situação em que o curtume poderia se encontrar, onde seria processada em média uma quantidade de 13.500 Kg de pele por dia em seus caleiros. Para que essa etapa se realize, é necessária a utilização 63 m3 de água, 207 Kg de cal e 67,3 Kg de alguns produtos químicos relatados na Figura 7.
Onde: S2 – sulfetos; SST – sólidos em suspensão total; CQO – carência química de oxigênio; CBO – carência bioquímica de oxigênio; N(Kjel) – concentração de N-Kjeldahl; N(NH4) – concentração de azoto amoniacal. Figura 7 – Processo de calagem com baixo teor de sulfetos. Fonte: Adaptado de PNAPRI (2000).
Como conseqüência deste processo tem-se a recuperação de 450 Kg de pêlos e a geração de 63 m3 de água residual, a qual com o término do processo contêm os compostos apresentados no quadro a direita do esquema acima. Com essa prática já se torna possível perceber a grande diferença entre as quantidades de resíduos que deixaram de ser gerados no processo. Para que seja possível a realização deste processo, torna-se necessária a instalação de filtros nos fulões, responsáveis pela realização da calagem nesta alternativa destacam-se como diferenças principais do processo convencional; a diminuição do uso de produtos químicos, pois não é mais necessário a destruição do pelo removido durante o processo. E principalmente a recuperação dos pêlos onde através dos filtros instalados serão separados do processo (recuperados), e posteriormente, podem ser utilizados na fabricação de outros
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produtos como os pincéis, deixando assim de se tornar mais um resíduo gerado pelo processo de fabricação de couros. 4.1.2 O processo com recuperação do pêlo utilizando reagentes orgânicos baseados no tioetilenoglicol, TEG, (ou mercaptoetanol) como agente de depilação; O processo utilizando reagentes orgânicos baseados no tioetilenoglicol (TEG) representa uma possível alternativa em que o curtume poderia se encontrar, onde seria processada em média uma quantidade de 13.500 Kg de pele por dia em seus caleiros. Para que essa etapa se realize, é necessária a utilização 63 m3 de água, 216 Kg de cal e 123,5 Kg de alguns produtos químicos apresentados na Figura 8. Como conseqüência deste processo tem-se a recuperação de 450 Kg de pêlos e a geração de 63 m3 de água residual, a qual com o término do processo contêm os compostos relatados no quadro a direita do esquema abaixo. Sendo possível perceber-se novamente a diferença se comparado com o processo convencional. No que diz respeito às diferenças para com o método convencional encontra-se novamente a utilização de filtros para recuperar os pêlos durante a realização do processo, porém a principal diferença nesse método é a utilização de um produto denominado de tioetilenoglicol. Esse produto tem a função de substituir parte dos produtos químicos que removem o pêlo das peles processadas, para que desta forma ao final do processo, os pêlos recuperados possuam uma qualidade maior se comparada com o processo de baixo de teor de sulfetos, facilitando dessa forma sua utilização para outros fins produtivos.
Onde: S2 – sulfetos; SST – sólidos em suspensão total; CQO – carência química de oxigênio; CBO – carência bioquímica de oxigênio; N(Kjel) – concentração de N-Kjeldahl; N(NH4) – concentração de azoto amoniacal. Figura 8 – Processos de caleiro com tioetilenoglicol, TEG. Fonte: Adaptado de PNAPRI (2000).
4.1.3 O processo com recuperação do pêlo utilizando reagentes orgânicos baseados no tioglicolato, NaTG, (sais do ácido mercaptoacético) como agente de depilação. O processo utilizando reagentes orgânicos baseados no tioglicolato, NaTG, representa uma possível situação em que o curtume poderia se encaixar, onde seria processada em média uma quantidade de 13.500 Kg de pele por dia em seus caleiros. Para que essa etapa se realize, é necessária a utilização 68,4 m3 de água, 315 Kg de cal e 178,6 Kg de alguns produtos químicos como apresentado na Figura 9.
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Onde: S2 – sulfetos; SST – sólidos em suspensão total; CQO – carência química de oxigênio; CBO – carência bioquímica de oxigênio; N(Kjel) – concentração de N-Kjeldahl; N(NH4) – concentração de azoto amoniacal. Figura 9 – Processos de caleiro com tioglicolato, NATG. Fonte: Adaptado de PNAPRI (2000).
Como conseqüência da utilização deste processo, tem-se a recuperação de 450 Kg de pêlos e a geração de 68,4 m3 de água residual, a qual com o término do processo contêm os seguintes compostos, conforme apresentado a direita do esquema acima. Sendo possível novamente se perceber a diferença quando comparado com o processo convencional. A única mudança nessa alternativa é a substituição do produto tioetilenoglicol pelo tioglicolato, onde ambos possuem praticamente as mesmas características, as quais são remover os pêlos ao mesmo tempo proporcionando uma maior qualidade para que seja utilizado mais facilmente em outros processos. 4.2 Comparações quantitativas entre as alternativas analisadas Como proposto anteriormente, foram analisados alguns dados referentes à implementação de algumas tecnologias para a recuperação de pêlos em curtumes, os quais são comparados com o processo convencional de recuperação de pêlos como mostrado nas Tabelas 1, 2, e 3 a seguir. Tabela 1 – Insumos utilizados e resíduos gerados na realização da etapa de calagem MÉTODOS DE CALAGEM Convencional Insumos Utilizados
TEG NATG
90
63
63
68,8
Cal (Kg)
297
207
216
315
S (Kg)
54
12,3
22,5
39,6
Água residual (m3)
63
63
63
68,8
Pêlo filtrado (Kg)
0
450
450
450
2-
Resíduos Gerados
Baixo teor de Sulfetos
Água (m )
3
Fonte: Estudo de caso em um curtume na Baixada Cuiabana (2009).
Como indicado na Tabela 1, observa-se que no geral a alternativa que apresentou os melhores resultados foi a de baixo teor de sulfetos, onde foram utilizados 63 m 3 de água, 207 Kg de cal, 12,3 Kg de sulfetos e recuperando 450 Kg de pêlos. Com o fim de estabelecer uma comparação entre as quantidades utilizadas no processo convencional e os demais, a Tabela 2 mostra a variação de uma alternativa para outra, utilizando como base o método convencional, confirmando a proposta sugerida pela P+L é
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realmente menos poluidora, gerando menos resíduos e ao mesmo tempo utilizando menos produtos químicos para realizar o processo. Tabela 2 – Índices comparativos entre o método convencional e as alternativas MÉTODOS DE CALAGEM Convencional Baixo teor de Sulfetos
TEG
NATG
Água (m3)
-
-30%
-30%
-24,70%
Cal (Kg)
-
-30,30%
-27,30%
6%
S2- (Kg)
-
-77,20%
-76,85%
-26,70%
Água residual (m3)
-
-30%
-30%
9,20%
Fonte: Estudo de caso em um curtume na Baixada Cuiabana (2009).
Quando se comparam o processo convencional com os processos alternativos propostos, pode-se observar índices de até 76,85% de minimização da utilização de sulfetos no processo. Praticamente quase todos os quesitos analisado apresentaram melhoras em seus índices, onde somente a cal utilizada na NATG obteve um aumento de 6% em sua utilização. Pode-se observar comparativamente que a alternativa com melhores índices foi a de baixo teor de sulfetos, porém deve ser levado em consideração à qualidade dos pêlos obtidos nessa alternativa, que como citado anteriormente tem menor qualidade que as outras alternativas propostas, evidenciando novamente a alternativa TEG como mais eficiente no geral. Com o intuito de detalhar melhor a eficiência das alternativas propostas pela P+L foi feita também uma comparação entre o método convencional utilizado como base, com as alternativas propostas pela P+L, observando novamente que as mesmas levaram vantagem sobre o método convencional, confirmando assim sua eficiência, conforme mostra a Tabela 3. Tabela 3 – Índices comparativos entre as quantidades geradas de resíduos na água residual Métodos
RESÍDUOS S2-
SST
CQO
CBQ
N(Kjel)
N(NH4)
Convencional
-
-
-
-
-
-
Baixo teor Sulfetos
-56%
-75%
-69,40%
-70%
-55%
-33,30%
TEG
-84%
-75%
-52,90%
-50%
-58,30%
-33,30%
NATG
-68%
-75%
-52,90%
-50%
-58,30%
-33,30%
Fonte: Estudo de caso em um curtume na Baixada Cuiabana (2009).
Como observado na tabela acima, com a adoção das alternativas propostas pela P+L pode-se alcançar ótimos resultados, em alguns pontos com até 84% de redução nos níveis de resíduos gerados no decorrer do processo, destacando-se novamente por serem mais eficientes as alternativas de baixo teor de sulfetos e a TEG. Vale lembrar que todas essas tabelas estão relacionadas aos dados técnicos, toda essa comparação realizada entre o método convencional e as alternativas propostas (baixo teor de sulfetos, TEG e NATG) utilizam dados técnicos sobre a realização do processo, como insumos utilizados, matéria-prima e produtos químicos. Em nenhum momento foi abordada nenhuma espécie de comparação financeira ou econômica entre o processo convencional e as alternativas, o que de fato não a torna menos importante, porém não foi o alvo deste presente estudo.
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5. Considerações Finais As soluções propostas (baixo teor de sulfetos, TEG e NATG) para a etapa de calagem com recuperação de pêlos mostraram que possuem um potencial excelente se comparadas com o método convencional, onde pode-se observar níveis altíssimos de redução tanto de resíduos gerados como também de produtos químicos utilizados no processo. Vale lembrar que além da alternativa de recuperação de pêlos, existem outras diferentes que possam atender outro determinado curtume, que a escolha feita neste trabalho foi baseada na necessidade e pela situação real, como também pelo tipo de beneficiamento que ocorre no curtume analisado. Com isso observou-se que o melhor caminho a ser seguido seria o nível 1 da P+L, o qual procura reduzir esses índices através de uma redução na fonte, onde na etapa de calagem, a qual foi analisada, apresentou uma possibilidade de modificação no processo alterando a tecnologia utilizada atualmente pela empresa. Essa alteração de tecnologia na etapa de calagem foi proposta através da instalação de filtros capazes de recuperar pêlos nos caleiros, dessa forma estaria reduzindo a quantidade de resíduos gerados, e ao mesmo tempo reduzindo a utilização de produtos químicos utilizados na realização do processo. Foram propostas três alternativas capazes de recuperar pêlos, a que utiliza baixo teor de sulfetos, a TEG e a NATG, posteriormente foram realizadas comparações de eficiência técnicas entre todas as alternativas onde duas alternativas apresentaram resultados semelhantes, sendo elas a de baixo teor de sulfetos e a TEG. De acordo com a metodologia da P+L, pelo fato dessa semelhança, a decisão de qual alternativa seria indicada ao curtume foi levado em consideração à qualidade dos pêlos recuperados, onde a de melhor desempenho foi a TEG que utiliza como base o produto tioetilenoglicol, que possui as mesmas características dos produtos utilizados na alternativa de baixo teor de sulfetos, mas não altera a qualidade do pêlo recuperado, caracterizando-se assim, como a alternativa com o maior potencial para alcançar os níveis de redução de resíduos esperados pelo trabalho e pela empresa. Porém quando se leva em consideração a atual situação da empresa e sua localização, a alternativa que se apresentaria como a mais indicada seria a de baixo teor de sulfetos, fato esse que se deve devido à inexistência de indústrias capazes de utilizar o pêlo que foi recuperado, não havendo assim a possibilidade de se revender o pêlo recuperado. 6. Referências Bibliográficas CALIA, Rogério Cerávolo. A difusão da Produção mais Limpa: O impacto do seis sigma no desempenho ambiental sob o recorte analítico de rede. Universidade de São Paulo. São Carlos, 2007. CETESB1. A Produção mais Limpa e o Consumo Sustentável na América Latina e Caribe (2005). Disponível em: <http://www.cetesb.sp.gov.br/Tecnologia/producao_limpa/documentos/pl_portugues.pdf>. Acesso em: 23 abr. 2009. CETESB2. Série P+L: Curtumes (2005). Disponível em: <http://www.cetesb.sp.gov.br/Tecnologia/producao_limpa/documentos/curtumes.pdf>. Acesso em: 26 ago. 2009. COIADO, Marcio Fernando Lunardelli. Caracterização e disposição final dos resíduos sólidos gerados em curtume (2001). Disponível em: <http://www.bvsde.paho.org/bvsaidis/brasil20/iii-043.pdf >. Acesso em: 19 jun. 2009.
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INGEPRO – Inovação, Gestão e Produção o Fevereiro de 2011, vol. 03, n . 02 ISSN 1984-6193 www.ingepro.com.br equipe@ingepro.com.br FARENZENA, M. Curtumes: dos desperdício à sustentabilidade (2004). Disponível em: <http://www.enq.ufrgs.br/ppgeq/projetos/curtumes/Arqs/artigo_cobeq_curtumes.pdf>. Acesso em: 23 jun. 2009. FIDELIS, Ademir Jr. Implantação da Metodologia de Produção mais Limpa na The Solae Company (2006). Disponível em: <http://www.convibra.com.br/2007/congresso/artigos/104.pdf>. Acesso em: 28 jun. 2009. GANEM, Roseli Senna. Curtumes: Aspectos Ambientais (2007). http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/1281>. Acesso em: 28 set. 2009.
Disponível
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Novos procedimentos em Gestão Ambiental e busca de sustentabilidade em empresas do Vale do Rio dos Sinos Dr. Roberto Naime < rnaime@feevale.br> MSc Abel Bemvenuti <abel@acinh.com.br> Karin Luise dos Santos < karinluise@feevale.br> Jaqueline Michaelsen < jaquelinem@feevale.br> Resumo: Os dados resultantes das ações de auditoria ambiental da certificação ambiental voluntária empresa amiga do meio ambiente da Associação Comercial e Industrial de Novo Hamburgo, Campo Bom e Estância Velha no ano de 2010, são analisados, considerando as premissas mais clássicas da gestão ambiental, desenvolvimento sustentável e governança corporativa. O objetivo é avaliar o nível de aplicação das concepções de governança corporativa no cotidiano das empresas, empreendimentos ou organizações e verificar o quanto a permeabilidade e imbricação vertical destes conceitos auxilia na transformação da gestão ambiental burocrática numa ação de gestão ambiental sistêmica, proativa e valorativa, trazendo maior valor agregado para as operações avaliadas. Os resultados demonstram que quando são analisados itens auditados que não estão diretamente relacionados com legislação aplicável, não são caracterizados indícios que identifiquem transformações. Estas evoluções significariam a passagem de uma gestão ambiental formal que atende satisfatoriamente normas regulamentadas em uma gestão ambiental sistêmica e proativa, que possa trazer maior valor agregado e perenização aos empreendimentos. Em geral ações que signifiquem descentralização de poder ou elevação de custos sem contrapartida imediata em ampliação de ganhos não são implementadas. Palavras-chave: gestão, ambiente, governança
New procedures in Environmental Management in search of sustainability of the companies in Rio dos Sinos Valley Abstract: The data resulting from the actions of environmental audit of voluntary environmental certification company-friendly environment of Commercial and Industrial Association of Novo Hamburgo, Campo Bom and Estancia Velha in 2010, are analyzed, considering the assumptions of more traditional environmental management, sustainable development and corporate governance. The objective is to assess the level of application of the concepts of corporate governance in everyday business, enterprises or organizations and see how much overlap and vertical permeability of these concepts helps in the transformation of environmental management in a bureaucratic action of systemic environmental management, proactive and evaluative, bringing greater value to the operations evaluated. The results show that when analyzing audited items that are not directly related to legislation, are not characterized clues to identify changes. These developments mean the passage of a formal environmental management that meets satisfactory standards regulated in a systemic and proactive environmental management, which can bring greater value to enterprises and
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perpetuation. In general actions that decentralization of power or mean higher costs for no immediate increase in earnings are not implemented. Keywords: management, environment, governance 1. INTRODUÇÃO Existe uma crescente preocupação mundial com as questões ambientais e o crescimento de barreiras ao comércio internacional de diversos produtos, principalmente oriundos de empresas de setores tradicionais, localizadas em países em desenvolvimento, os quais afetam consideravelmente o meio ambiente. Os instrumentos de gestão ambiental tem sido consensuais na minimização da geração de impactos e na produção de produtos ambientalmente amigáveis (“environmentally friends”). Para que o uso destas ferramentas seja mais eficiente, tem sido adotados princípios de governança corporativa dentro das empresas, que atuam não só entre os escalões superiores das organizações, mas também são disseminados e imbricados no interior das organizações. Então apropriam “expertise” de funcionários técnicos e colaboradores diversos na obtenção de melhores performances de produção, segurança do trabalho, saúde ocupacional e gestão ambiental. A Gestão Ambiental tem sido considerada como elemento importante nos negócios entre os países e os clientes estão cada vez mais conscientes quanto à preservação do meio ambiente. Agregando a Gestão Ambiental em suas políticas internas, as empresas estarão ao mesmo tempo cumprindo as legislações impostas e colaborando com a sociedade, apostando cada vez mais em tecnologias limpas e produtos que causem um menor impacto ecológico (NAIME e GARCIA, 2004). A globalização teve como suas principais forças motrizes, a procura de novos mercados e os esforços para a redução de custos, mas isto não significa apenas fazer negócios além das fronteiras nacionais, significa também um aumento da competição para quase todo o tipo de organização. Muitas organizações também foram motivadas a sofrer expansão internacional, a fim de obterem vantagens de custo sobre os concorrentes. Os espaços geográficos das fronteiras nacionais estão se tornando cada vez mais insignificantes na definição das fronteiras dos negócios. “Os avanços na tecnologia da comunicação e as reduções às barreiras comercias entre as nações contribuíram para a criação de uma aldeia verdadeiramente global”, afirma Robbins (2003, p.6). A globalização trouxe diversas mudanças, entre elas a abertura de limites de operação das organizações, tais como: as mudanças tecnológicas no acesso as informações e no modo de como estas são geradas, armazenadas, utilizadas e compartilhadas; as oportunidades de trabalho que se abriram aos trabalhadores do conhecimento; o respeito à diversidade cultural das populações; a aceitação pelas empresas de suas novas responsabilidades sociais e à necessidade de reconhecer que as percepções e valores dos clientes conduzem o ambiente dos negócios (ROBBINS, 2003, p.7). Outro fator importante trazido pela globalização é a preocupação com as questões ambientais do planeta como um todo. Segundo Drucker (apud MAIMON, 1996, p.07), a globalização da ecologia se dá num contexto de globalização das relações econômicas, se intensificou a partir da década de 80 quando se constata que os fenômenos da poluição transcendem as fronteiras nacionais, afetando regiões ou mesmo o planeta como um todo. Com isto surge a preocupação com os
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riscos globais, tais como a contaminação dos solos, da água, do ar e das cadeias alimentares, o efeito estufa, chuvas ácidas, a explosão demográfica, o empobrecimento da biodiversidade, em particular, com a devastação das florestas. De acordo com Naime (2004, p.13), “O Gerenciamento Ambiental é o conjunto de procedimentos e normas para gestão das questões legais, éticas e práticas das relações com os meios físico, biológico e antrópico que constituem o meio ambiente”. A Gestão Ambiental tem como objetivo identificar as ações mais adequadas ao atendimento das imposições legais e das soluções reais e práticas de todo processo. O gerenciamento ecológico envolve a passagem do pensamento mecanicista para o pensamento sistêmico. Um aspecto essencial dessa mudança é que a percepção do mundo como máquina cede lugar à percepção do mundo como sistema vivo. Essa mudança diz respeito a nossa concepção da natureza, do organismo humano, da sociedade e, portanto, também de nossa percepção de uma organização de negócios. As empresas são sistemas vivos cuja compreensão não é possível apenas pelo prisma econômico (ANDRADE; TACHIZAWA; CARVALHO, 2002). De acordo com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (apud BOS, 2006), “os impactos ambientais dependem da natureza dos processos, das matérias primas, da eficiência de cada operação, do padrão de gestão, dos resíduos resultantes e de sua tratabilidade, do meio em que operam as unidades e do seu nível de adensamento”. Desta forma, a concentração industrial em pólos como Novo Hamburgo implica numa potencialização dos impactos gerados, mas por outro lado, também pode propiciar a sinergia e a escala para visualizar soluções. 2. MATERIAIS E MÉTODOS A Associação Comercial e Industrial de Novo Hamburgo, Campo Bom e Estância Velha (ACI NH-CB-EV) através de seu braço ambiental, a Fundação Desenvolvimento Ambiental (FUNDAMENTAL). criou e instituiu entre 2003 e 2004 a certificação ambiental voluntária e informal denominada Empresa Amiga do Meio Ambiente. O principal estímulo era incentivar as empresas com boas iniciativas de gestão ambiental a divulgarem suas experiências para o conjunto da comunidade. Tanto que esta certificação tem seus custos de auditoria sustentados pela ACI e portanto não tem custo aos certificados. São avaliados itens básicos sobre ecodesign, otimização do uso de recursos hídricos, eficiência energética, tratamento de efluentes, gestão de resíduos sólidos, monitoramento atmosférico, institucionalização da atividade de gestão ambiental, iniciativas de educação ambiental e programas de responsabilidade socioambiental em geral. Este trabalho apresenta os dados relevantes obtidos com os trabalhos de campo referentes à certificação ambiental voluntária do ano de 2010. Por ausência de solicitação de consentimento, não são citadas nominalmente empresas e instituições. A partir da tabulação estatística destas variáveis, é feita a interpretação de sua indicação em relação ao estágio de governança corporativa que as empresas participantes se encontram e fundamentadas vinculações capazes de se projetar com ações de gestão ambiental proativa que transcendam cumprimento de legislação e avancem em direção a compromissos com partes interessadas (“stakeholders”). As compilação estatística usada para ponderações hipotético-dedutivas do significado que as informações coletadas possam indicar sobre itens próprios de implantação de 87
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governança corporativa e sua imbricação nos diversos setores das organizações e nos resultados de ações de gestão ambiental proativas que respondam a expectativas sociais relevantes das comunidades integrantes das sociedades que se desenvolvem no âmbito das cidades integrantes da bacia hidrográfica do rio dos Sinos, na região metropolitana da cidade de Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul. Conforme já referido, foram usados os dados disponíveis da edição do ano calendário de 2010 da certificação ambiental voluntária Empresa Amiga do Meio Ambiente da Associação Comercial e Industrial de Novo Hamburgo, Campo Bom e Estância Velha. 3. GESTÃO AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL A grande motivação para os investimentos em Gestão Ambiental e produtos ecologicamente corretos é a visão de que as empresas só podem se inserir competitivamente no mercado através de uma atitude responsável com o meio ambiente. A noção de sustentabilidade nasce dos conceitos clássicos de Brundtland (1991) de viver com dignidade preservando os recursos necessários para a sobrevivência das gerações futuras. Naime (2004) reúne a tradução prática que as empresas e organizações fazem deste conceito num conjunto que denomina “vida em equilíbrio” e que envolve ecodesign, otimização do uso de recursos hídricos, eficiência energética, tratamento de águas, efluentes ou esgotos, gestão de resíduos sólidos, monitoramentos atmosféricos e ações de responsabilidade socioambientais. O consumidor está cada vez mais consciente com as questões ambientais, gerando assim competitividade, tanto pelas empresas quanto pelas marcas, que buscam suprir as necessidades dos clientes. As exposições dos profissionais estão de acordo com as afirmações de Maimon (1996), Kinlaw (1997), Moura (2003 e 2004), Zenone (2006), Polonsky e Voltolini apud Vilela Júnior; Demajorovic (2006), onde ocorre o interesse pelo desenvolvimento sustentado, que é a busca simultânea de eficiência econômica, justiça social e harmonia ecológica. Cada vez mais organizações estão entrando no “marketing verde”, assim, se beneficiando das muitas oportunidades competitivas oferecidas pela questão ambiental. Na busca de produtos ecologicamente corretos ou com menos impacto ambiental, várias questões relevantes foram citadas pelos profissionais ligados ao setor coureiro, entre as principais: o uso das substâncias restritivas, as barreiras não-tarifárias, a procura de grandes marcas por estes produtos na busca de uma melhor imagem corporativa e a tendência futura dos mercados. Püntener (2007) comenta que por haver uma preocupação global referente à segurança no uso e manuseio de substâncias químicas e os produtos relacionados com estas substâncias, a União Européia criou, em 2007 o REACH (significa Registro, Avaliação, Autorização e Restrição de Substâncias Químicas), que é um novo esforço que irá coordenar as políticas globais referentes aos produtos químicos e seus resíduos. Outra percepção relevante na busca de produtos ecologicamente corretos ou com menor impacto ambiental são as imposições por meio de barreiras não-tarifárias Maimon (1996), Moura (2004), Bos (2006), Henrique (2005), Fornasari, Coelho e Santos apud Bos (2006), já afirmaram que, com a queda das barreiras tarifárias, o comércio internacional acabou desenvolvendo novas formas de protecionismo que se manifestam pela escolha de
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empresas ou produtos através da consolidação ou criação de blocos comerciais ou pela intensificação das barreiras não-tarifárias ou técnicas das certificações. Existe a busca de grandes marcas e de alguns mercados, por empresas responsáveis com as questões ambientais. Não necessariamente as empresas devem ter a auditoria de empresas certificadoras, mas sim que comprovem possuir um sistema de gestão ambiental autônomo e que atendem às legislações locais, agindo pró-ativamente nesta área, e demonstrando atitudes responsáveis, estando assim, preparadas para serem auditadas pelos próprios clientes, fornecedores ou organizações não governamentais preocupados com estas questões. Estas opiniões estão de acordo com Maimon (1996), Layrargues (2000), Kinlaw (1997), Moura (2004). Certificações como o conjunto de normas ambientais NBR ISO: 14001: 2004 também têm sido solicitadas pelos clientes tanto de mercado interno como externo. As auditorias externas de terceira ordem (órgão auditor) são caras, e por este motivo só são efetivadas quando a empresa sente a necessidade das certificações, na busca da comunicação externa com o público, visando agregar a visão da responsabilidade socioambiental com a imagem externa da organização. As certificações podem ser consideradas, neste contexto, como uma garantia de competitividade no mercado, por se tratar de uma tendência bem próxima, assim concordam Moura (2004), Zenone (2006), Ruiz et. al. (2006), Fornasari e Coelho (apud, BOS, 2006), Kinlaw (1997), Layrargues (2000), Andrade, Tachizawa e Carvalho (2002) e Epelbraum apud Vilela Júnior; Demajorovic (2006). No entanto, o fator custo em investimentos e tecnologia em Gestão Ambiental não torna os produtos ecologicamente corretos inviáveis. O fator gestão ambiental já está embutido no custo final. Moura (2004), Kinlaw (1997) e Voltolini apud Vilela Júnior; Demajorovic (2006), concordam que a falta dos “selos verdes” pode representar um fator de competitividade ou de exclusão dos produtos em mercados exigentes do primeiro mundo. Um bom Sistema de Gestão Ambiental nas empresas, leva à redução de custos nos processos de produção.(LAYRARGUES (2000), KINLAW (1997), MAIMON (1996)) 4. GOVERNANÇA CORPORATIVA Governança corporativa é o sistema pelo qual as sociedades são dirigidas e monitoradas a partir do relacionamento de acionistas ou cotistas com o conselho de administração, a diretoria executiva, a auditoria independente e o conselho fiscal. As boas práticas de governança corporativa tem a finalidade de aumentar o valor percebido da organização junto à sociedade, facilitando a obtenção de capital e contribuindo para a perenidade da organização. (IBGC, 2010). A partir das auditorias realizadas nas diversas edições da certificação “Empresa Amiga do Meio Ambiente” da Fundação Desenvolvimento Ambiental (FUNDAMENTAL), braço ambiental da Associação Comercial e Industrial de Novo Hamburgo, Campo Bom e Estância Velha (ACI NH – CB – EV), foi possível realizar uma compilação de dados que interpretados permitem avaliar o estágio de governança corporativa das empresas que voluntariamente se inscreveram na certificação e que representam a elite empresarial do vale do Rio dos Sinos. Atualmente todos os empregados, clientes, fornecedores, credores, governo e acionistas se sentem partes interessadas (“stakeholders”) da operação de um empreendimento e devem ter seus interesses legítimos respeitados tanto através do cumprimento da legislação
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quanto pela adesão voluntária das organizações a práticas ou protocolos que considerem estes interesses. Foram auditadas 36 empresas na edição de 2010. Todas as empresas aderiram voluntariamente se dispondo a sofrer auditoria externa. A figura 1 a seguir mostra que cerca de 30 empresas detinham licença ambiental e 3 não necessitavam enquanto outras 3 não tinham licença sem especificar se necessitavam.
Existência de Licença ambiental 35 30 25 20 15 10 5 0 Sim
Não
Não Necessitam
Figura 1: Situação do licenciamento ambiental nas empresas auditadas em 2010. Na Figura 2 é apresentada a situação sobre cumprimento de legislação quanto a tratamento de efluentes, gestão de resíduos sólidos e monitoramento atmosférico, conforme o enquadramento.
Cumprem as exigências legais e regimentares 35 30 25 20 15 10 5 0 Sim
Não
Não necessitam
Figura 2: Situação quanto ao cumprimento de exigências legais conforme o enquadramento. A maioria das empresas cumpre as exigências legais em que está enquadrada. São insignificantes os registros de não cumprimento ou ausência de necessidade.
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A auditoria passa então a pesquisar detalhamentos internos das questões. A Figura 3 demonstra que 14 das 36 empresas não tem plano ambiental ou sistema de normas internas por iniciativa própria.
Figura 3: Apresentam plano ambiental ou normatização interna Na figura 4 a seguir, estão apresentados resultados sobre a existência de indicadores internos de controle. Normalmente empresas certificadas segundo as normas da ISO (International Organization for Standardtization) ou com maior cultura organizacional de padronização desenvolvem sistemas internos de indicadores.
Figura 4: Uso de indicadores internos Outra investigação interessante é avaliar até que ponto as iniciativas institucionais de meio ambiente se encontram planejadas e fazem parte do organograma do empreendimento ou instituição. A figura 5 a seguir demonstra se as empresas já incluíram em seu organograma a definição objetiva da participação dos responsáveis pela área ambiental.
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Possuem em seu organograma definição objetiva da participação do(s) responsável(eis) pela área ambiental 30 20 10 0 Sim
Não
Figura 5: Nível de institucionalização dos responsáveis pela área ambiental na organização A seguir foi investigado um item muito importante na avaliação sistêmica das ações implantadas. Se ocorrem projetos de educação e treinamento continuado na empresa.
Apresentam projetos de educação e treinamento continuado 20 15 10 5 0 Sim
Não
Figura 6: Projetos de educação e treinamento continuado Esta é uma característica já descrita para inúmeros movimentos observados no chamado capitalismo tardio (JAMESON, 1984), sendo recorrente sua citação em estudos análogos ( STAVENHAGEN, 1985). A falta de cultura e tradição nas ações de educação e treinamento, muito comuns no capitalismo e especialmente no capitalismo tardio, produzem significativas e relevantes ausências de programas de educação e treinamento internos em busca de melhores condições de sobrevivência econômica. Não há pressão ordenada e planejada por melhorias em função do tempo relativamente curto de permanência no mesmo emprego e do baixo nível de escolaridade e cidadania das populações (SACHS, 1986, CARVALHO et al, 2009).
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Um dos parâmetros mais importantes dentro de sistemas de gestão ambiental ou programas de sustentabilidade é a otimização do uso de recursos hídricos. Normalmente a adoção de um programa deste tipo vem precedida de um balanço de massas dentro das empresas. A Figura 7 a seguir exibe o quadro encontrado.
Possuem programa de otimização do uso de recursos hídricos 30 25 20 15 10 5 0 Sim
Não
Figura 7: Otimização do uso de recursos hídricos. Aproximadamente 1/3 das empresas que se inscreveram voluntariamente no programa de certificação e que foram auditadas apresenta planos de otimização de recursos hídricos. Também foi investigada a existência de programas de eficiência energética na empresa ou instituição, com o resultado sendo apresentado na Figura 8 a seguir.
Possuem programa de eficiência energética no empreendimento 25 20 15 10 5 0 Sim
Não
Figura 8: Eficiência energética no empreendimento. A grande maioria dos empreendimentos ainda não possuem programa específico nesta área, tal como na auditoria ambiental do item anterior. As preocupações e a ação ambiental dentro das empresas e instituições geralmente começa pela gestão de resíduos sólidos. Pelo simples motivo que todo agrupamento humano
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ou toda atividade apresenta geração de resíduos de alguma forma ou natureza. Na Figura 9 a seguir são apresentados os dados das auditorias ambientais nos empreendimentos, podendo se observar que a grande maioria possui programas de gestão de resíduos sólidos.
Gestão de resíduos sólidos 35 30 25 20 15 10 5 0 possui
não possui
não se enquadra
Figura 9: Existência de programas de gestão de resíduos sólidos. A grande maioria das empresas e organizações avaliadas mostra “cases” comunitários sócio-ambientais relevantes. Na Figura 10 a seguir, são apresentados os resultados obtidos com as auditorias.
Cases comunitários sócio-ambientais
40 30 20 10 0 possui
não possui
Figura 10: Existência de “cases” socioambientais comunitários relevantes na empresa ou organização. O levantamento estatístico apresenta os itens socioambientais mais relevantes auditados nas empresas e organizações que tiveram adesão voluntária à certificação local empresa amiga do meio ambiente da Associação Industrial e Comercial de Novo Hamburgo, Campo Bom e Estância Velha na edição de 2010.
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Qualquer que seja o conceito de governança corporativa, desde o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, até interpretações mais flexíveis, o sentido de restauração da confiança do público nas empresas, organizações ou empreendimentos não se altera. Assim, a visão mais geral de que governança corporativa é o conjunto de processos, costumes, políticas, leis, regulamentos e instituições que regulam a maneira como uma empresa é dirigida, administrada ou controlada e que a governança corporativa é imbricada e verticalizada, não sendo restrita a alta administração, parece ser uma interpretação que tem mais fundamento. O termo inclui também o estudo sobre as relações entre os diversos atores envolvidos, que desde as normas ISO são chamados de “stakeholders” ou partes interessadas e que hoje são legitimamente reconhecidos como todos os clientes, colaboradores, vizinhos, fornecedores, governo, ONGs e demais atores sociais que se sentem de alguma forma atingidos pela ação da empresa, empreendimento ou organização. 5. CONCLUSÕES Apresentando conceitos básicos de gestão ambiental, desenvolvimento sustentável e governança corporativa e associando estes conceitos aos dados resultantes de auditorias de certificação ambiental voluntária de alguns itens auditados do Programa Empresa Amiga do Meio Ambiente, de responsabilidade da Fundação Desenvolvimento Ambiental (FUNDAMENTAL) da Associação Comercial e Industrial de Novo Hamburgo, Campo Bom e Estância Velha, este trabalho busca diagnosticar o estágio da utilização dos conceitos básicos de governança corporativa em empresas, empreendimentos e organizações da cidade de Novo Hamburgo, cidade central da bacia hidrográfica do vale do Rio dos Sinos. As empresas auditadas demonstram rigor e conformidade em todos os itens relacionados com o cumprimento de legislações aplicáveis ou relevantes. E neste sentido são realmente “cases” de notabilidade e que merecem ser divulgados e disseminados na comunidade como ações de responsabilidade socioambiental coletivos. Quando são analisados itens que não estão diretamente relacionados com legislações aplicáveis os resultados não indicam avanços que possam transformar a gestão ambiental burocrática que atende satisfatoriamente os quesitos normatizados em gestão ambiental sistêmica e proativa que possa trazer valor agregado aos empreendimentos. Não existe ainda grande disseminação e programas continuados de treinamento e educação ambiental. Também não se identifica grande capilaridade social em programas de destinação final de lâmpadas fluorescentes, pilhas, baterias ou óleos vegetais. Todas as atitudes que depende mais de redistribuição interna de poder e imbricação vertical ou permeabilidade de atitudes que materializem concepções de governança corporativa que possam trazer maior valor ao conjunto das operações do empreendimento e que até auxiliem na perenização da organização, não apresentam resultados relevantes e indicativos de evolução positiva, quando são utilizados os dados resultantes das auditorias de gestão ambiental da certificação ambiental voluntária patrocinada pela Associação Comercial e Industrial de Novo Hamburgo, Campo Bom e Estância Velha 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, R. O. B. de; TACHIZAWA, T.; CARVALHO, A. B. de. Gestão Ambiental – Enforque estratégico aplicado ao desenvolvimento sustentável. 2. ed. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2002.
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A Influência dos fatores sociais no Comportamento de Compra dos Consumidores de Móveis da Feira Livre de Arapiraca. Jonathan Santos Silva <jonathansilva.ufal@gmail.com> Milka Alves Correia Barbosa <correiamilka@hotmail.com> Resumo: Este trabalho preocupou-se em analisar a influência dos fatores sociais no comportamento de compra dos consumidores de móveis na Feira Livre de Arapiraca – AL. Este estudo classifica-se como qualitativo e exploratório, os métodos de coleta de dados foram entrevista semi-estruturada, observação direta e análise documental. Os participantes foram selecionados conforme o critério da tipicidade e bola de neve. A análise dos dados demonstrou que o primeiro elemento – classe social - implica diretamente no comportamento dos consumidores, pois mediante a disponibilidade de recursos as decisões de compras de móveis originários da feira são tomadas pelos consumidores. No que se refere aos grupos de referência, sua influência se fez presente nos momentos em que os clientes estão decidindo o que comprar; por vezes muitos consumidores deixam de realizar as suas compras na feira, caso a opinião destas pessoas de referência sejam contrária a aquisição dos móveis. Quanto à influência da família é notável no momento de escolha de móveis, pois o costume de comprar na feira foi repassado pelos os membros que compõem o núcleo familiar dos consumidores (avós e pais) desde muito cedo tornado-se o ato de procurar por móveis na feira um hábito familiar repassado de pais para filhos. Palavras-chave: Feira livre; Comportamento do consumidor; Fatores sociais.
The influence of social factors on consumer behavior in buying furniture at the fair free of Arapiraca – AL. Abstract: This work aims to investigate how social factors influence on consumer behavior in buying furniture at the Fair Free of Arapiraca - AL. This study is classified as qualitative and exploratory. Nonrandom sampling was selected by the criterion of typical-case and snowball. Data analysis showed that social class directly implies in consumer behavior, once the availability of resources affects the decisions taken by the consumers about of furniture. As regard to reference groups, their influence was present at times when customers are deciding what buy, sometimes end up leaving many consumers make their purchases at the fair, if the opinion of these people are contrary to the reference acquisition of furniture. As for family influence is remarkable when the choice of furniture, as the habit of buying at the fair was passed by the members of the family nucleus of consumers (parents and grandparents), very early, thus becoming the act of searching for furniture at the fair a family habit passed from parents to children. Keywords: Fair Free; Consumer behavior; Social factors.
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1. Introdução Diariamente, os consumidores tomam inúmeras decisões de compra e são vários os motivos que podem influenciá-los no processo de escolha de determinados produtos ou serviços. Descobrir quais são esses motivadores não é uma tarefa fácil. Buscar entender o comportamento do consumidor pressupõe estudar os processos envolvidos quando os indivíduos ou grupos selecionam, compram, usam produtos, serviços, idéias ou experiências para satisfazer suas necessidades e desejos. Como também, compreender as razões ou os fatores que influenciam o comportamento de compra do consumidor significa buscar atingir o objetivo precípuo do marketing, qual seja proporcionar aos indivíduos/grupos satisfação de suas necessidades e desejos, através da criação de ofertas de valor. Para as organizações, a compreensão do comportamento de compra do consumidor é indispensável para o planejamento de estratégias de marketing melhor direcionadas às necessidades do mercado-alvo que se pretende atender. Em outras palavras, o estudo do comportamento de compra dos consumidores viabiliza um leque de possibilidades de intervenções voltadas a criar valor agregado para o cliente. Igualmente, buscar entender quem é o consumidor, o que ele pensa e no que acredita, seus valores pessoais, sua posição social, idade, renda e estilos de vida são fundamentais para analisar como estes fatores podem influenciar no processo de escolha e compra de produtos e serviços. Vale dizer, significa reconhecer a influência de atributos subjetivos como percepção, motivação, personalidade na busca dos indivíduos pela satisfação de suas necessidades e desejos de consumo. Por outro lado, ao se compreender o comportamento do consumidor como um processo de tomada de decisão deve-se ter em mente um indivíduo que faz escolhas dentre produtos e serviços sob influência de fatores acima citados. Neste sentido, é possível encontrar na literatura, teorias que apresentam diferentes abordagens sobre o comportamento do consumidor. Dentre essas, as sociais defendem o entendimento do consumo como um processo que leva em consideração as influências históricas e sociais sobre variações dos padrões de consumo.Para essa abordagem, o comportamento do consumidor recebe a influência de vários fatores (internos e externos), dentre eles há influência da classe social, dos grupos de referência e da família dos quais o indivíduo faz parte. As feiras livres podem ser consideradas espaços promovem o convívio social, pois oferecem ambiente democrático onde várias pessoas das mais diferentes classes sociais circulam em busca de produtos que satisfaçam as suas necessidades. O fenômeno das feiras livres deriva do século IX na Europa e nasceu do objetivo de suprir as necessidades das populações locais com itens de primeira necessidade. No Brasil os primeiros movimentos se originaram desde a época que o país ser tornou colônia de Portugal. Uma característica marcante de Arapiraca é a presença das feiras livres que acontecem semanalmente em diferentes bairros da cidade, nas barracas e carrinhos dos camelôs instalados nas ruas centrais da cidade, sendo a principal delas realizadas às segundas-feiras, atraindo um contingente significativo de pessoas das regiões circunvizinhas. Tendo seus primeiros movimentos ainda no final do século XX, a Feira Livre de Arapiraca, impulsionada por sua localização geográfica, vem se ampliando cada vez mais
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com o passar dos anos. No início das atividades, havia apenas o comércio livre de cereais, legumes, farinha, frutas e carnes. Com o crescimento da cidade e da região, a oferta de mercadorias na feira foi se diversificando, passando a ter desde alimentos, a peças de vestuário, utensílios domésticos, animais, ferragens, móveis e outros materiais vendidos. Atualmente, a Feira Livre de Arapiraca é a única na região do Agreste de Alagoas a possuir um setor exclusivo para a venda de móveis. Da “Feira de Móveis” participam 130 moveleiros, com empreendimentos 100% informais e compostos de mão-de-obra familiar. A fabricação dos móveis é feita em oficinas de pequeno porte com baixa tecnologia. Segundo dados do SEBRAE/AL, estima-se que a movimentação financeira dos moveleiros da feira ultrapasse os R$ 600.000,00 mensais. A maioria dos moveleiros deste setor na Feira Livre de Arapiraca trabalha com venda direta ao cliente, o sistema de produção utilizado é em série, sendo móveis de estilo popular de qualidade inferior e com as vendas em grosso praticamente garantidas aos varejistas de outros municípios e Estados. Ademais, a Feira de móveis pode ser considerada como um elo que proporciona a integração regional e social, considerando que semanalmente circulam cerca de 30.000 pessoas, que em sua maioria se originam das cidades circunvizinhas do Agreste Alagoano e de outros Estados (BA e PE). Neste contexto, o presente trabalho pretende contribuir para a compreensão de como os fatores sociais que podem influenciar o comportamento de compra dos consumidores de móveis da Feira Livre de Arapiraca – AL. Desta forma, a presente pesquisa investigou como os fatores sociais influenciam o comportamento de compra dos consumidores de móveis na Feira Livre de Arapiraca – AL. 2. Referencial Teórico 2.1 Fatores Sociais e sua influência sobre o comportamento do Consumidor Os padrões de consumo contemporâneos são resultado de um longo processo histórico de proximidade de valores, que antes eram diferentes, baseados na auto-realização e prazer individual (CAMPBELL, 2001). Neste sentido entende-se que o processo de consumo parte da significação social que serve de referência para a construção da identidade social dos indivíduos, que a partir da posse de determinados produtos busca a diferenciação perante seu grupo como em relação à sociedade. Uma vez que o objetivo do presente estudo foi analisar como os fatores sociais podem influenciar o comportamento de compra de móveis na Feira Livre de Arapiraca – AL, limitouse o entendimento dos fatores sociais a classes sociais, grupos de referência e família. 2.2 Classes Sociais Segundo Wengrzynek e Carno (2003); Pinheiro (2006), o termo classe social refere-se à divisão nas quais as pessoas/grupos são classificadas conforme prestigio social, poder aquisitivo e habilidades. Classe social é denominada como a divisão dos membros que compõe uma sociedade em uma hierarquia de classes definidas, de modo que cada integrante goze do mesmo status e que os membros de outras classes tenham status maior ou menor (SCHIFFMAN e KANUK, 2009).
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Quando nos referimos à classe social de uma pessoa, uma série de informações deve ser levada em consideração, sendo duas as principais: a ocupação e a renda. Nesse sentido, conforme Solomon (2008), a ocupação é um item no qual é avaliado o valor das pessoas, ou seja, é através da avaliação da sua condição de vida que um indivíduo ostenta; pode ser considerado um ótimo indicador de classe social. Por outro lado, a renda também é um importante indicador para informar quais grupos sociais possuem um maior poder aquisitivo e quais os padrões de consumo são utilizados. Na tabela abaixo é apresentado uma classificação por classe utilizada pelo IBGE/FGB, que se utiliza de dados adaptados do PNDA – Pesquisa Nacional de Amostras Domiciliares do IBGE, na qual estratifica por faixa de renda e também inclui a estratificação de renda segundo Critério de Classificação Econômica Brasil divulgado anualmente pela ABEP – Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa: Tabela 01 - Classes sociais Classe Social
Renda Mensal (nº. de salários mínimos)
Renda Mensal em R$
A
Mais de 15
Mais de R$ 6.225,00
B
De 05 a 15
De R$ 2.075,00 a R$ 6.2225., 00
C
De 03 a 05
De R$ 1.245,00 a R$ 2.075,00
D E
De 01 a 03 Até 01
De R$ 415,00 a R$ 1.245,00 Até R$ 415,00
Fonte: Adaptado de Texeira ( 2009) de PNAD, 2008; ABEP, 2009 ( Levando em consideração o salário mínimo de R$ 415,00)
As classes sociais permitem uma ordenação dos consumidores e de suas famílias com o compartilhamento de determinados valores, crenças, interesses e estilos de vida que refletem nos desejos de compra. Assim, o comportamento do consumidor pode ser influenciado por interesses compartilhados por uma determinada classe social, e especialmente se os consumidores almejam a ascensão social para diferencia-se de seus grupos com objetivo da elevação do status social. 2.3 Grupos de Referência Um grupo de referência é qualquer indivíduo ou grupo que sirva como um parâmetro de comparação para formação de valores, crenças, atitudes entre outros que guiem o comportamento (SCHIFFMAN e KANUK, 2009; DIAS, 2009). Para Engel (2005), esses grupos influenciam na conduta dos indivíduos em termos de pensamento, sentimentos e padrões de comportamento. Esse conceito fornece informações importantes, pois através do entendimento do impacto de outros indivíduos no comportamento de consumo pode-se cria mecanismos para potencializar vendas através da influência destes grupos. Os grupos de referência podem ser considerados normativos uma vez que definem os comportamentos de uma maneira geral, como por exemplo, os valores passados por familiares que moldam comportamentos gerais de consumo dos seus filhos, e comparativos, que servem de modelo para atitudes específicas, exemplo, famílias que possuem um estilo de vida admirável, a maneira como determinadas pessoas escolhem os móveis o gosto de ser vestir de um grupo entre outros (SCHIFFMAN e KANUK, 2009).
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Segundo Sjoberg e Engelberg (2005) estilo de vida é uma terminologia que está inserida no cotidiano das sociedades e fornecem padrões de conduta que relatam um pouco sobre ao comportamento das pessoas . Ainda segundo as autoras, estilo de vida é um termo que pode apresentar três significados diferentes, a saber: os valores que uma pessoa expressa; um conjunto de atitudes, opiniões, interesses e atividades;padrões de comportamento, por exemplo, estilos de vida caracterizada por uso de um determinado produto. Pode-se afirmar que os grupos de referência servem de guia exercendo a influência direta ou indireta na formação das atitudes e de comportamentos de compra, pois os consumidores procuram utilizar as tendências lançadas por estes grupos sociais que possuem alto padrão de vida (PINHEIRO, 2006). Dentre os principais tipos de grupos de referência apontados por Schiffman e Kanuk (2009) e Engel (2005) estão a família, as associações e sindicatos, os grupos religiosos, amigos, colegas de trabalho, comunidades virtuais, grupos de indivíduos com os quais se desejam ser parecidos (personalidades famosas). Os grupos de referência exercem um forte poder e são capazes de alterar as ações dos outros. Solomon (2008) classifica as bases do poder exercido por indivíduos, conforme quadro 01: Tipo de poder Poder Referente
Características Tendência de uma pessoa a admirar as qualidades de um individuo/grupo e tentar imitar a qualidades do comportamento admirado; Um individuo que possui uma informação que outras pessoas gostariam de ter;
Poder de Informação Poder Legitimo É conferido ao grau de autoridade que concedemos a alguns indivíduos. Pode do Domínio de um conhecimento especifico de uma área; Conhecimento Poder de Quando uma pessoa/grupo tende a oferecer um reforço positivo, além da possibilidade de Recompensa recompensar por algo realizado; Poder Coercitivo É a influencia sobre uma pessoa por intimidação social ou física. Fonte: Solomon (2008) Quadro 01 – Tipos de poder exercidos pelos grupos de referência
Um dos grupos sociais que exercem grande influência no comportamento do consumidor é a família, pois muitos dos valores cultivados pelos indivíduos são originários deste grupo. 2.4 Família Muitos dos comportamentos adquiridos pelas pessoas são originários da família, uma vez que ela é base do processo de socialização de consumo, e responsável pela construção da identidade, das opções de vida e das escolhas de consumo. A importância da família na decisão de compras faz com que a tomada de decisão seja construída por meio de um processo coletivo e participativo, sendo que cada membro da estrutura familiar contribui significativamente neste processo. Segundo Schiffiman e Kanuk (2009), Kotler (2003), a família é definida como a união de duas ou mais pessoas ligadas pelo mesmo tipo sanguíneo, pelo casamento ou pela adoção e que compartilham um mesmo ambiente. O tipo de família mais comum é a família nuclear (composta pelos genitores e os filhos), sendo que este modelo vem diminuindo gradativamente por conta dos padrões familiares adotados na atualidade, e a família estendida que é composta pelo acréscimo de mais pessoas na estrutura familiar (avós, tios, primos, sobrinhos entre outros).
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Para Schiffman e Kanuk (2009) há papéis importantes desempenhados pelos membros da família no processo decisório de compra, quais sejam: influenciadores (fornecem informações sobre produto/serviços a outros membros da família); controladores (controlam os fluxos de informações sobre determinados produtos/serviços); decisores (possuem a autonomia de decidirem sozinhos ou coletivamente se acharem necessário, sobre o que vai ser adquirido); compradores (responsáveis pela compra); preparadores (preparam os produtos adquiridos em uma forma adequada para consumo); usuários (usam e consomem um produto); mantedores (consertam produtos para o bem estar da família); eliminadores (iniciam ou executam o processo de descarte de produtos). É importante salientar que os papéis assumidos pelos membros de uma família durante o processo de compra não são permanentes, ou seja, os mesmos podem se desempenhados por seus diferentes integrantes, ou podem ser acumulados por mais de uma pessoa. 3. Delineamento Metodológico Tendo em vista a abordagem que foi dada ao problema de pesquisa, classifica-se o presente estudo como exploratório. A exploração torna-se essencialmente necessária no momento que o investigador não possui clareza das dificuldades que irá enfrentar durante o estudo e desta forma, ela possibilita o desenvolvimento de conceitos, estabelecimento de prioridades e melhor planejamento da pesquisa (COOPPER e SCHINDLER, 2003). Pela escassez de estudo da área do comportamento do consumidor voltados para o setor de móveis da Feira Livre de Arapiraca – AL tornou-se necessário entender a complexidade existente neste ambiente, por isso o método de pesquisa exploratório foi o mais indicado, pois o objetivo do mesmo é aproximar o investigador do ambiente estudado. Igualmente, com a necessidade de entender com maior profundidade as influências dos fatores sociais no comportamento de compra de móveis na Feira Livre de Arapiraca – AL, a perspectiva qualitativa foi adotada. Uma vez que analisa dados não mensuráveis de um grupo, a abordagem qualitativa é indicada quando se busca o entendimento em profundidade das motivações que levam uma determinada população/grupo a agir de certa maneira (PINHEIRO, 2006). Neste sentido, a perspectiva qualitativa permitiu a compreensão dos processos de compra realizados na feira livre de Arapiraca – AL, além de entender com maior riqueza de detalhes as influências exercidas pelos fatores sociais nos consumidores no momento de escolha e da compra de móveis na feira. O investigador levou em consideração dois critérios para definir amostragem: o da tipicidade, que conforme Laville e Dionne (1999) consiste em selecionar casos julgados importantes para a partir das informações obtidas realizar análises em profundidade sobre determinado fenômeno e, o da bola de neve (snowball) - quando os participantes da pesquisa são identificados e localizados através de redes de referência (COPPER e SCHINDLER, 2003; COLLIS e HUSSEY, 2005). Participaram dessa amostra os 10 moveleiros da Feira Livre de Arapiraca – AL, originários da cidade de Arapiraca/AL que atuam na feira há cerca de 10 anos e também foram entrevistados 10 clientes que compram móveis na feira, sendo estes por sua vez indicados pelos moveleiros, cujas características relevantes para a indicação foram a freqüência de compra na feira e o grau de relacionamento com os moveleiros, visto que muitos são clientes de longa data e freqüentam a feira desde a infância.
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Para coleta de dados primários, no presente estudo foram utilizadas observação individual e não participante e as entrevistas dirigidas semi-estruturadas. O objetivo da observação não participante “é observar e registrar o que as pessoas fazem em termos de suas ações e de seu comportamento sem o envolvimento do pesquisador (COLLIS e HUSSEY, 2005 p. 163)”. Foram realizadas 15 (quinze) visitas à Feira Livre de Arapiraca – AL nos meses de janeiro, fevereiro, março e abril de 2010, com tempo de duração para cada visita de 1 hora (uma hora). Também foi adotada como técnica para coleta de dados primários, a entrevista semiestruturada e dirigida, orientada por perguntas relacionadas à problemática estudada. De acordo com Lakatos e Marconi (2006), a entrevista consiste no encontro entre duas pessoas, com o objetivo de obter informações a respeito de um determinado assunto, isto é, uma conversação face a face, de maneira metódica que proporciona dados relevantes. Segundo Collis e Hussey (2005, p. 154) “os dados secundários são aqueles que já existem, como livros, documentos, estatísticas publicadas, relatórios anuais e contas de empresas, e registros internos mantidos por organizações, como registros de pessoal e filmes”. Serviram como fonte de pesquisa livros, artigos científicos, dissertações de mestrado, jornais informativos, matérias televisiva, documentários sobre a Feira Livre de Arapiraca - AL entre outros. Foi utilizada a a análise de conteúdo para a compreensão dos dados coletados. Para Bardin (2004), a análise de conteúdo é um conjunto de procedimentos utilizados para codificação e analise de dados utilizando de técnicas sistemáticas, cujo objetivo é a descrição de mensagens, indicadores (quantitativos ou não), que permitem a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção das mensagens. 4. A influência dos fatores sociais no comportamento de compra dos consumidores da feira de móveis 4.1 Classe Social Ao levar em consideração as respostas dos entrevistados e as observações na Feira de móveis, percebeu-se que grande parte do público era constituída de donas de casa que possuíam como ocupação as atividades agrícolas e que residiam em comunidades rurais longe dos grandes centros de urbanos, nas quais a concentração de estabelecimentos voltados para revenda de móveis é alta. Pode-se considerar que a formação educacional é um item bastante importante para indicar o nível de conhecimento de individuo, além de ser um determinante para definição de padrões de consumo, pois a sociedade entender que um indivíduo com um nível educacional elevado tende a ter gostos que se afastam do padrão considerado popular. Partindo deste argumento entende-se que o nível de escolaridade é um condicionante importante que pode afastar ou aproximar indivíduos de determinadas classes sociais, pois estes costumam compactuar determinados interesses e buscam por indivíduos que possuem um nível intelectual semelhantes. O nível de escolaridade dos entrevistados variou do fundamental incompleto ao nível superior; percebeu-se que neste quesito, os clientes entrevistados da feira em sua maioria possuíam o nível de escolaridade consideravelmente baixo devido desde muito cedo se dedicarem quase que integralmente as atividades agrícolas, sobrando assim, pouco tempo para freqüentar a escola. Observou-se que as classes sociais que buscam a Feira Livre de Arapiraca para comprar de móveis variam bastante, pois a feira é considerada um ambiente que integra os 103
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mais variados segmentos da sociedade, além de ser um espaço democrático onde todos os freqüentadores compartilham gostos. A renda também é considerada um importante indicador que informar sobre a quais grupos sociais pertencem um indivíduo, sobre o poder aquisitivo e sobre padrões de consumo levados em consideração no ato da compra. Em relação a esse indicador, a maioria dos entrevistados possui rendimentos pessoais que não ultrapassam 02 (dois) a 03(três) saláriosmínimos mensais. Neste sentido, de acordo com a classificação por classe utilizada pelo IBGE/FGB (a qual utiliza de dados adaptados do PNDA – Pesquisa Nacional de Amostras Domiciliares do IBGE, e conforme o nível de renda dos clientes que freqüentam a “Feira de Móveis” percebeu-se que estes pertencem às classes C, D e E. Quanto à disponibilidade de recursos destinados às compras de móveis na feira livre pelos consumidores, em geral o valor varia entre R$ 200,00 a R$ 300,00 sendo este originado dos rendimentos do trabalho no campo, pois grande parte não possui emprego formal. As compras de móveis na feira costumam acontecer conforme a disponibilidade de recursos, pois segundo os entrevistados é necessário se atentar para outras necessidades básicas, sendo que estes freqüentam a feira para comprarem móveis há cerca de seis anos. 4.2 Grupos de Referência Conforme o relato de alguns clientes é comum ouvir a opinião de outras pessoas do próprio convívio social dos entrevistados (familiares e amigos), ou que representem um padrão de estilo de vida a ser seguido, como por exemplo, de personalidades reconhecidas tanto no âmbito regional, nacional ou internacional (profissionais que trabalham em alguma instituição, artistas da televisão, modelos de propagandas publicitárias entre outros): __ (...) “minha mãe sempre foi uma inspiração para mim, pois sempre admirei a forma como ela escolhia os móveis de casa, e com o passa dos anos sempre busquei seguir esse gosto que ele tinha” (“W”). __ “Os artistas da televisão que fazem novela sempre são fonte de inspiração para muitas pessoas, visto que toda semana sempre sai uma matéria em alguma revista ou são mostradas as casas destes em programas de TV, nós como consumidores mesmo não tendo o mesmo padrão de vida em termos financeiros, sempre buscamos ter estes como um padrão a ser seguido, mesmo que seja um padrão adaptado a nossa realidade” (“U”). __ “A senhora que é proprietária das terras na qual nos tomamos conta tem um gosto por móveis muitos bonitos, uns parecem ser estranhos, mas têm outros que são muitos bonitos e que eu gostaria de ter em casa” (“Y”). Esse tipo de comportamento que influencia outros indivíduos pode ser considerado como poder referente, que se caracteriza por um indivíduo que admira as qualidades de uma pessoa e tenta seguir ou imitar os padrões de comportamento admirados. Os entrevistados relataram também que no próprio de convívio social existem algumas pessoas que tendenciam no momento de comprar móveis na feira livre e que por muitas vezes estes até acompanham e fornecem “dicas” sobre quais são as melhores opções de compra/modelos de móveis a serem adquiridos:
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__” A minha amiga é uma grande companheira, pois sempre que vou para feira ele me acompanha e mete a opinião dela na hora que eu vou compra alguma coisa” (“U”). __ “Eu sempre busco a opinião das minhas colegas da rua na qual eu moro, pois elas sempre me alertam sobre como encontrar o melhor móvel para minha casa, além de mim indicar formas de está evitando levar móveis com defeito” “(“ I”). __“Eu sempre busco ir à feira com a minha irmã e uma amiga que é como da família, nos batemos toda aquela feira até encontrar o móvel que nos agrade”(“ P”). Encontraram-se consumidores que às vezes são tratados com rejeição por não seguirem estes padrões pré-determinados por esses grupos que lançam tendências na sociedade. Alguns clientes da feira afirmaram ainda sofrerem espécie de preconceito por comprarem móveis da feira: __ “A minha patroa sempre quando vai para minha casa sempre olha com certo desprezo, eu não tenho culpa por não ter condição de comprar móveis que ela acha que são melhores do que estes, sendo teve um tempo que eu até parei de comprar na feira devido ela pegar no pé, pois eu não gostava da forma como ela falava dos móveis da minha casa” (“L”) __ “Tem pessoas que fazem piadas dos meus móveis, dizendo que são móveis que não prestam que só tem prego e quando eu colocar alguma coisa não vai agüentar” (“P”). Segundo alguns clientes entrevistados, é comum também observar o que está na “moda”, pois os mesmos acompanham os comerciais apresentados na TV de grandes redes varejistas, esperando assim, que ao procurarem os móveis da feira possam encontrar aquele mesmo padrão, cor ou estilo de peça que foi apresentada na TV ou em alguma loja: __ “Eu sempre vejo o comercial da Insinuante que passa na minha
casa e sempre tem móveis com modelos bonitos, mas só me interesso pelos modelos mesmo, pois esses móveis vendidos nessas lojas não duram muito” (“F’). __ “Quando vejo algo (móveis), em alguma loja ou em algum comercial durante a novela eu sempre busco encontrar na feira, se não tiver eu reclamo com o dono, dizendo o porquê de ainda não ter aquele tipo de móvel” (“R”). Observa-se que o os grupos de referência possuem um papel fundamental na decisão de compra dos consumidores de móveis da Feira Livre de Arapiraca, pois alguns padrões de consumo são derivados de alguns estilos seguidos e admirados por alguns clientes, estes também se atentam pelo o que e desaprovado por esses grupos. 4.3 Família Quando questionados sobre a forma que obtiveram conhecimento sobre a Feira Livre de Arapiraca, os entrevistados apontaram que as pessoas da família foram as principais divul-
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gadoras da feira; alguns afirmaram que o costume de freqüentar a feira foi iniciado desde a época dos seus avós e foi passado pelos próprios pais que compravam os seus móveis na feira: __ “Meus avós sempre compraram móveis na Feira de Arapiraca desde quando eu era casado, costume esse que foi passado por meus pais que conseqüentemente para mim”. (“T”). __ “O cliente informou que as compras de móveis em sua casa sempre foram feitas por seus pais que desde pequenos acompanhavam as compras destes na feira” (“U”). __ “Quando eu e meus irmãos precisávamos de uma cama, minha mãe junto com a minha avó procurava a feira para fazer essa compra, desde muito cedo estou acostumada a usa em casa junto com os meus irmãos todo o tipo de móvel da feira” (“W”). Em sua grande maioria os consumidores entrevistados são os responsáveis pelas compras de móveis para sua residência e o núcleo familiar dos entrevistados é formado em média por cerca de cinco indivíduos. Os consumidores entrevistados são quem definem o momento exato de compra de mobília para a sua casa, ou seja, eles desempenham o papel de compradores e também desempenham o papel de decisores, pois relatam que mesmo ouvindo outras opiniões das pessoas da família a palavra final sobre a compra sempre é dada por eles. Percebeu-se também que membros da família como pais, tios que moram nas proximidades das residências dos entrevistados desempenham papel de influenciadores, pois segundo os entrevistados ouvir opiniões de pessoas da sua família é de grande importância para a realização das compras de móveis; seria uma forma de certificar que algo não vai ser adquirido fora das especificações. No ambiente familiar dos entrevistados, os filhos são responsáveis pela arrumação do móvel, desempenhando o papel de preparadores, ou seja, cuidam para que o móvel adquirido tenha um local de destaque dentro de casa e que toda a família possa se beneficiar com aquela aquisição, pois a sua chegada de um novo móvel é aguardada com grande expectativa pelos membros da família. Quando algum produto chega com defeito, existem alguns membros da família responsáveis pelo conserto destas peças, desempenhado assim o papel de mantedores: ___ “Quando acorre algum problema com os meus móveis comprado na feira lá em casa o meu marido sempre consertar, ele já tem ferramentas para isso. De vez em quando ele reforma algumas peças que vem com a madeira solta devido à má colocação no caminhão que leva até a minha casa” (“M’). ___ (...) “Quando arranha a pintura de um armário comprado na feira eu já passo no depósito para compra uma tinta da mesma cor e peço para o meu companheiro da pintura“ (“N”). ___ “Teve uma vez meu filho que o lastro da minha cama que eu comprei na feira quebrou e eu tive que pedi para o meu marido arrumar, se ele não tivesse em casa naquele dia eu tinha dormido com ele no chão” (“B”). No que se refere ao descarte de produto, todos os membros da família contribuem com alguma opinião sobre o momento correto de realizar uma nova compra e eliminar determinado móvel.
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5 Considerações Finais Compreender o comportamento do consumidor é primordial para fundamentar as estratégias (de marketing) das organizações. Vale dizer, dificilmente uma organização que desconhece os fatores e as razões que influenciam o comportamento de compra de seus clientes, poderá atender as necessidades dos mesmos e permanecer existindo no mercado e na sociedade em que está inserida. A análise dos fatores tais como classes sociais, grupos de referência e família permitem um entendimento, ainda que parcial, sobre a dinâmica do comportamento do consumidor. Na presente pesquisa, percebeu-se que o primeiro elemento – classe social - implica diretamente no comportamento dos consumidores, pois diante da disponibilidade de recursos financeiros as decisões de compra são tomadas pelos clientes que buscam comprar móveis na feira; sendo que estes não possuem outras fontes de renda, visto que a grande maioria dos entrevistados se dedica às atividades agrícolas e depende quase que totalmente dos recursos disponibilizados por esta. Vale se atentar que o nível de escolaridade também é um fator que implica na busca por móveis na feira visto que alguns valores pessoais são compartilhados pelos clientes que possuem o mesmo nível de instrução. No que se refere aos grupos de referência, sua influência se fez presente nos momentos em que os clientes estão decidindo o que comprar; por vezes muitos consumidores acabam deixando de realizar as suas compras na feira, caso a opinião destas pessoas de referência sejam contrária a aquisição dos móveis. Quanto à influência da família é notável no momento de escolha de móveis, pois o costume de comprar na feira foi repassado pelos os membros que compõem o núcleo familiar dos consumidores (avós e pais), desde muito cedo, tornado-se assim o ato de procurar por móveis na feira um hábito familiar repassado de pais para filhos. Os membros da família assumem os mais variados papéis que vão desde os que possuem o poder de decisão até os responsáveis pelo o descarte de produtos conforme (SCHIFFMAN e KANUK, 2009). Observa-se que mesmo com a desaprovação de alguns membros da família os consumidores que possuem o papel de comprador buscam utilizar coerção para que as compras sejam garantidas (SOLOMON, 2008). Assim, entende-se que os fatores sociais são condicionantes importantes que influenciam diretamente no comportamento de compra dos consumidores de móveis da Feira Livre de Arapiraca, visto que estes se interligam entre si e exercem uma forte influência nas motivações de compras destes consumidores. É factível que outros estudos possam ser realizados para entendimento do papel da cultura, visto que alguns padrões de consumo fazem parte da identidade regional dos consumidores, além de ser um condicionante importante que deve ser levado em consideração para entendimento sobre o comportamento do consumidor em feiras livres. Por fim, considerando a importância da feira de móveis de Arapiraca, espera-se que os resultados apresentados nesta pesquisa possam auxiliar os gestores municipais no sentido de promover ações que atraiam recursos para uma maior divulgação da “Feira Livre de Arapiraca” em outras localidades e auxiliem os moveleiros da feira para promoção de estratégias que visem à melhoria dos serviços prestados pelos mesmos, pois com a chegada de grandes de redes de varejo na cidade podem implicar na comercialização de móveis da feira livre. 107
INGEPRO – Inovação, Gestão e Produção o Fevereiro de 2011, vol. 03, n . 02 ISSN 1984-6193 www.ingepro.com.br equipe@ingepro.com.br Referências BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2004. CAMPBELL, Colin. A ética romântica e o espírito do consumismo moderno. Rio de Janeiro: Rocco, 2001. COOPER, D. R.; SCHINDLER, P. S. Métodos de pesquisa em Administração. 7.ed. Porto Alegre: Bookman, 2003. COLLIS, J.; HUSSEY, R.. Pesquisa em administração – um guia prático para alunos de graduação e pósgraduação. Porto Alegre: Bookman, 2005. DIAS, Reinaldo. Fundamentos de sociologia geral / Reinaldo Dias. - Campinas, SP: Editora Alínea , 2009. ENGEL, J., Blackwell, R. e Miniard, P., Comportamento do Consumidor. Nona Edição, Thomson, São Paulo, 2005. KOTLER, Philip. Princípios de Marketing / Philip Kotler, Gary Armstrong; tradução Arlete Simile Marques, Sabrina Cairo; revisão técnica Dilson Grabriel dos Santos, Francisco J. S. M. Alvarez – 9 ed. – São Paulo: Prentice Hall, 2003. LAVILLE, C.; DIONNE, J. A construção do saber: manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas / Christian Laville e Jean Dionne; tradução Heloísa Monteiro e Francisco Settineri . - Porto Alegre: Artmed; Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999. MALHOTRA, N. K., Pesquisa de Marketing uma orientação aplicada, Porto Alegre: Bookman, 4ª edição, 2005. MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Metodologia do trabalho científico. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. MOWEN, Jonh C. Comportamento do consumidor/ Jonh C. Mowen , Michel S. Minor: tradução Vera Jordan ; pesquisa e redação de textos adicionais e revisão técnica Tânia M. Vidigal Limeira – 1 ed. – São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2003. PINHEIRO, Roberto, Castro, Guilherme, Silva, Helder Haddad & Nunes, José. Comportamento do consumidor e pesquisa de mercado. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. SJOBERG, L.; ENGELBERG, E.. Lifestyles, and risk perception consumer behavior. International review of sociology. Vol.15, Nº 2 July 2005 p. 327-362. SCHIFFMAN, Leon G. Comportamento do consumidor. 9 ed. São Paulo: LTC, 2009. SOLOMON, Michael R. Comportamento do consumidor. 5ed. Porto Alegre: Bookman Companhia, 2008. VERGARA, Sylvia Constant. Métodos de pesquisa em Administração / Sylvia Constant Vergara – 2 ed – São Paulo: Atlas, 2006. WENGRZYNEK, J.; Carmo, E. R. O comportamento de compra do consumidor classe C. II Seminário do Centro Ciências Sociais Aplicadas,2003Disponível.em:<http://www.unioeste.br/campi/cascavel/ccsa/IISeminario/trabalhos/O%20coment o%20de%20compra%20do%20consumidor%20da%20classe%20C.pdf> Acesso Dezembro de 2009.
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O método RAPPAM como referencial de manejo em unidades de conservação federais de uso sustentável no Brasil Jeronimo Jose Silva Junior <jjsjr@bol.com.br> Resumo: As ações antrópicas sobre a natureza para satisfação de suas crescentes necessidades tem se apresentado como fator preocupante, exigindo dos tomadores de decisão medidas urgentes para proteção dos ecossistemas. Todavia um dos desafios na implantação desses processos se dá em adequar as necessidades das comunidades a um meio ambiente saudável. O modelo RAPPAM vem se mostrando um instrumento eficiente para avaliação e priorização do manejo de áreas do território nacional cuja proteção ambiental é exigida. Palavras-chave: Unidades de Conservação; manejo; referencial de gestão sustentável; método RAPPAM
The method as reference RAPPAM management in the federal conservation units of sustainable use in Brazil Abstract: The human actions on nature to satisfy their growing needs has emerged as a worrying factor, requiring decision makers urgent measures for protection of ecosystems. However one of the challenges in implementing these processes occurs in suit community needs a healthy environment. RAPPAM The model has proved an efficient tool for evaluation and prioritization of protected areas within which environmental protection is required. Keywords: Protected Areas; management, sustainable management of reference; method RAPPAM. 1. Introdução Após a Revolução Industrial ocorrida no século XVIII na Inglaterra, o homem se viu provido de diversos artefatos tecnológicos capazes de lhe proporcionar conforto e economia. (ENRIQUEZ, 1999) Todavia essas novas tecnologias trouxeram a reboque, a necessidade de crescentes intervenções no meio ambiente principalmente no solo e nas florestas. O fenômeno da criação das máquinas mudou a relação do homem com o trabalho, na medida em que deixou de ser o dono do artefato laboral - produtor direto de mercadorias – para se tornar assalariado nas fábricas. (FRANCO; DUCK, 1998) Sob o ponto de vista socioambiental ocorreu a expansão da agricultura para produção de alimentos em face do êxodo rural, além de crescentes interferências nas florestas visando a produção de carvão para propulsão das máquinas a vapor. (FRANCO; DUCK, 1998)
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Outro fator relevante é que o uso das novas tecnologias pós-industrialização até os dias atuais não foram capazes de resolver a problemática da disponibilidade ampla e geral dos produtos industrializados e da contenção do desperdício. Segundo ainda Franco; Duck (1998) estudos revelam que menos de ¼ da população mundial consome 80% dos produtos industrializados. Diante desse quadro é importante considerar a crescente exclusão social e degradação ambiente. Atualmente há preocupação mundial em vista dessas interferências antrópicas sobre o meio ambiente. Os países vêem a possibilidade de exaustão dos recursos naturais nãorenováveis do planeta, subtraindo assim das gerações futuras a sua disponibilidade. A disputa pelo alimento e água potável é fator que pode fomentar comunidades à violência. A adoção de boas práticas se mostra mais um indicador capaz de mitigar impactos negativos, possibilitando qualidade de vida com paz social. Os indicadores do IPCC/ONU1 apontam que caso não se adote mecanismos de contenção, quanto à extração dos recursos naturais a via percorrida conduzirá a um "caminho sem volta", onde estarão exauridos ou economicamente inviáveis de extração pelos meios tecnológicos disponíveis. (MAIA; BARROS, 2010) Desse modo é urgente a adoção de mecanismo que mitiguem os impactos socioambientais advindos ou maximizem processos de geração de energia renovável. A ciência da gestão vem colaborando para mitigar esses impactos negativos sobre o planeta, oferecendo ferramentas que equilibrem as necessidades da população quanto ao seu modo de vida versus a produção de resíduos pelo uso e o desperdício pelo não uso. A Constituição da República brasileira adotou como padrão nacional de crescimento socioeconômico o desenvolvimento sustentável. Esse referencial impõe ao país práticas que contribuam com a qualidade de vida do povo, sem que sua satisfação conspire contra as necessidades das gerações futuras. (BRASIL, 1988) Nesse cenário o governo brasileiro vem adotando iniciativas em conter o avanço antrópico pela intrusão e grilagem clandestinas, com a criação de áreas protegidas no território nacional em razão de seu valor ecológico ou cultural. O desafio é assegurar a manutenção da gestão desses territórios protegidos, organizando a efetividade do seu manejo para adequar a produção de bens e serviços necessários à manutenção dos habitantes tradicionais, com a preservação ecológica. 2. Estrutura do método RAPPAM Em 1992 o Brasil recebeu Chefes de Estado para a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD). Dentre os acordos firmados resultou a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) 2.
IPCC/ONU – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, órgão vinculado a Organização das Nações Unidas que observa as possíveis mudanças climáticas no planeta ocorridas por ações humanas. 1
A Convenção da Diversidade Biológica (CDB) propõe regras para assegurar a conservação da biodiversidade, o seu uso sustentável e a justa repartição dos benefícios provenientes do seu uso econômico. A CBD foi assinada 2
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Dentre os requisitos da CDB, está a obrigação dos países signatários com a: conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de seus componentes e a repartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos, mediante, inclusive, o acesso adequado aos recursos genéticos e a transferência adequada de tecnologias pertinentes, levando em conta todos os direitos sobre tais recursos e tecnologias, e mediante financiamento adequado. (www.mma.gov.br) Em 1995 a União Mundial pela Natureza (UICN) preocupada com a crescente degradação ambiental global criou a Comissão Mundial de Áreas Protegidas (CMPA) para empreender estudos referente a efetividade da gestão em áreas protegidas. Das diretrizes traçadas pela CMPA resultou um quadro referencial para desenvolvimento de novas ferramentas de avaliação da gestão em áreas protegidas, com foco no aperfeiçoamento gerencial e desenvolvimento das potencialidades nas unidades de conservação. O quadro referencial vem adaptado de um ciclo primário tendo por etapas o planejamento, implementação e avaliação. Desse modo são as avaliação que apontarão as fragilidades e potencialidades observadas em cada fase do ciclo de manejo. (HOCKINGS et al, 2000)
Figura 01: Referencial de avaliação e ciclo de manejo (Adaptado de Hockings et al. 2000) Fonte: BELOKUROV; ERWIN, 2003
Visando atender às obrigações acordadas na CDB o país precisava saber do estado da arte em que se encontrava suas áreas protegidas, para assim adotar mecanismos voltados para a conservação da diversidade biológica com uso sustentável de seus componentes. A partir do "Forests for Life Programme" o WWF3 desenvolve redes voltadas para a viabilidade da manutenção das unidades de conservação em todo o mundo. Para avaliar a
por 175 países durante a ECO-92, cuja ratificação pelo Brasil se deu em razão do Decreto nº 2.519 de 16/03/1998. Disponível em http://www.planalto.gov.br, acesso em 03/10/2010. 3
World Wide Found for Nature.
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unidade de conservação e priorizar a melhor metodologia para o mo manejo o WWF aplica o modelo RAPPAM. (BELOKUROV; ERWIN, 2003) Em 2004, foi instituída uma parceria entre o WWF-Brasil4 e o IBAMA5, para levantamento de campo de 84,48% das unidades de conservação federais do país. Como referencial metodológico foi adotado o Rapid Assessment and Priorization of Protected Area Management (RAPPAM) no plano "Efetividade da Gestão das Unidades de Conservação Federais do Brasil" para avaliação rápida e priorização do manejo de unidades de conservação. (http://www.wwf.org.br) Este arranjo tem por objetivo oferecer aos tomadores de decisão das unidades de conservação ferramentas adequadas para a proteção de florestas e formação de redes que promovam a melhoria do manejo do sistema usado nas unidades de conservação. Em regra o método RAPPAM é utilizado em várias áreas protegidas no mesmo momento, porém pode ser aplicado em uma unidade simplesmente. Serve de referencial para identificar fragilidades e potencialidades do local examinado em linhas gerais possibilitando a elaboração de planos mais detalhados para cada unidade de conservação verificada. (BELOKUROV; ERWIN, 2003) A partir da identificação dos pontos fortes e fracos o método RAPPAM permite que se estabeleçam correções de melhoria no manejo da unidade de conservação. (RUBIO, 2009) O arranjo RAPPAM é organizado em forma de questionário, calcado num tripé cujas bases estão a área do contexto, efetividade da gestão e análise do sistema de unidade de conservação. Cada área reúne quesitos agrupados em módulos e cada módulo, por sua vez, são agrupados em elementos de análise. Daí após a coleta das respostas ao questionário é possível realizar análise de cada base (análise do contexto, da efetividade da gestão e do sistema que em uso). (BELOKUROV; ERWIN, 2003) A análise da contextualização da unidade de conservação compreende a observação de pressões, ameaças, vulnerabilidades e cenário da importância biológica e socioeconômica da área protegida sob exame. A análise da efetividade da gestão se dirige a coleta de indicadores que exprimam as características do planejamento adotado na unidade de conservação, insumos, processos e resultados. (BELOKUROV; ERWIN, 2003)
O World Wide Fund no Brasil (WWF-Brasil) criado em 1996, participante da rede mundial WWF, é uma organização não-governamental brasileira dedicada à conservação da natureza com os objetivos de harmonizar a atividade humana com a conservação da biodiversidade e promover o uso racional dos recursos naturais em benefício dos cidadãos de hoje e das futuras gerações. Disponível em http://www.wwf.org.br/wwf_brasil/ , acesso em 03/10/2010. 4
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) foi criado, na modalidade de autarquia federal, pela Lei 7735 de 22/02/1989 como órgão executivo da Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA) e tem por objetivo a preservação e fiscalização sobre o uso dos recursos naturais do país. Disponível em http://www.planalto.gov.br, acesso em 03/10/2010. 5
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A terceira base do arranjo se refere a análise do sistema da unidade de conservação. Possui três itens investigáveis: o planejamento e desenho da área, políticas adotadas na unidade protegida e práticas de gerenciamento do sistema. Método RAPPAM
Elaboração de questionário direcionado aos envolvidos no processo de levantamento de dados e melhoria
Contexto Ameaças Vulnerabilidades Cenário da importância biológica e socioeconômico
Efetividade da gestão Planejamento Insumos Processos Resultados
Análise do sistema da unidade de conservação Planejamento e desenho Políticas internas e públicas Práticas de gerenciamento
Oficinas de análise, planejamento e recomendações de melhoria
Figura 1 – Estrutura do método RAPPAM Fonte do autor
3. Metodologia do Sistema nas Unidades de Conservação de uso sustentável da Amazônia Legal O RAPPAM foi aplicado em 23 países. No Brasil esse modelo de gestão foi usado em 245 unidades de conservação federais. Dessas 60 pertencentes ao grupo de uso sustentável da região da Amazônia Legal brasileira, entre os anos de 2005 e 2006. O bioma da Amazônia corresponde a 8.111.227,95 ha, abrangendo os Estados do Acre, Amapá Amazonas Rondônia, Roraima, Pará, Mato Grosso, Tocantins e parte do Maranhão. (www.mma.gov.br) As áreas de proteção integral, por força legal, somente se sujeitam a intervenções antrópicas, atendidos os critérios elencados na lei. Desse modo estão salvaguardadas das ações que desafiem a preservação dos ecossistemas da Amazônia. Todavia tal condição não se dá em relação à unidades de conservação do grupo de uso sustentável, em razão de que nas mesmas já estão há vários anos, invadidas por populações tradicionais, como seringueiros, garimpeiros, índios, posseiros em geral. (BRASIL, 2000) Os resultados alcançados na aplicação do arranjo RAPPAM nas unidades de uso sustentável da Amazônia brasileira serão de melhor valia como referencial para novas pesquisas na busca pela otimização do manejo na região. Nesse esteio as pesquisas deste artigo focam os resultados obtidos nas unidades de conservação de uso sustentável da Amazônia, onde foi aplicada a metodologia RAPPAM para alicerçar a tomada de decisão junto ao Plano "Efetividade da Gestão das Unidades de Conservação Federais do Brasil" fruto do consórcio WWF-Brasil e IBAMA. Para mensurar os quesitos respondidos nos questionários do RAPPAM pelos chefes das unidades de conservação e demais gestores, foi elaborada uma tabela contendo cinco
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parâmetros de: tendências, abrangência, impacto e permanência do ano, com variáveis relacionadas, de modo a apontar o mais próximo da realidade da unidade. (ONAGA; DRUMOND, 2007) Para medição dos módulos 1 e 2 (perfil, pressões e ameaças) constatatos na unidade de conservação foi utilizado os critérios da tabela 1. Tendência
Abrangência
Impacto
Permanência do ano
Aumentou drasticamente/muito alta =2 Total=4 Severo=4 Permanente=4 Aumentou ligeiramente/alta=1 Generalizado=3 Alto=3 A longo prazo=3 Permaneceu constante/média=0 Espalhado=2 Moderado=2 A médio prazo=2 Diminuiu ligeiramente/baixa= -1 Localizado=1 Suave=1 A curto prazo=1 Diminuiu drasticamente/muito baixa= -2 -x-x-xTabela 1: Parâmetros de avaliação dos módulos pressões e ameaças do questionário Fonte: www.wwf.org.br
Para os demais módulos o peso atribuído às variáveis para mensuração foi a pontuação de 0 correspondendo a não até 5 para sim, conforme tabela 2. Alternativa
Pontuação
Sim (s) 5 Predominantemente sim (p/s) 3 Predominantemente não (p/n) 1 Não (n) 0 Tabela 2 – Pontuação utilizada para análise dos módulos 3 a 19 do questionário Fonte: www.wwf.org.br
O modelo original sofreu alterações para se melhor adaptar à realidade dos sistemas analisados nas unidades de uso sustentável que varia caso a caso devido as suas características próprias, consoante a Tabela 3. (ONAGA; DRUMOND, 2007) Elemento
Contexto
Insumos
Processos Resultados
Módulo 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17
Perfil Pressões e ameaças Importância biológica Importância socioeconômica Vulnerabilidade Objetivos Amparo legal Desenho e planejamento da área Recursos humanos Comunicação e informação Infra-estrutura Recursos financeiros Planejamento Processo de tomada de decisão Pesquisa, avaliação e monitoramento Desenho do sistema de unidade de conservação
Quesitos 15 Até 16 10 10 9 5 5 6 5 6 5 6 5 6 6 12 14
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Módulo 18
Políticas de unidade de conservação
Quesitos 14
19 Ambiente político 10 Tabela 3 – Estrutura do questionário de avaliação aplicado em unidades de conservação de uso sustentável na Amazônia legal brasileira. Fonte: ONAGA; DRUMOND, 2007
4. Aplicação do método RAPPAM A aplicação do método RAPPAM nas 60 unidades de conservação federais de uso sustentável na Amazônia envolveu a participação de 452 pessoas. O arranjo aplicado resultou da confecção de 48 questionários e foi dividido em três etapas: preenchimento dos questionários pelos diretores e gestores das unidades de conservação; análise dos dados; e desenvolvimento de oficinas de planejamento para levantamento das recomendações. (ONAGA; DRUMOND, 2007) Para os debates entre esses stakeholders envolvendo propostas de melhoria do manejo nos sistemas de gestão observados nas unidades de conservação federais foram realizadas 18 oficinas de adequação do método, 102 oficinas para aplicação e outras 87 com recomendações de melhorias em seus sistemas. Os resultados na aplicação do método apontam que os maiores índices de freqüência (48,4%) das recomendações, estão relacionados a recursos humanos, comunicação e informação infra-estrutura e recursos financeiros. Especificamente sob o ponto de vista da impactância negativa há registros de aumento significativo de pressões externas, bem como probabilidade de ocorrência de ameaças às áreas protegidas, baixa aplicação das leis, elevado valor de mercado dos produtos no interior das áreas, grande demanda dos produtos, caça e pesca predatórias e expansão urbana. . As menores freqüências envolvem os módulos: pesquisa, avaliação e monitoramento no elemento Processos (4,2%), logo seguindo pelo módulo desenho e planejamento da área no elemento Planejamento (5,8%). (ONAGA; DRUMOND, 2007) 5. Conclusão As unidades de conservação federais de uso sustentável carecem de funcionários para exercício de suas funções. Os resultados apontam que há dificuldade na contratação e manutenção de funcionários para a atividade de preservação e fiscalização das áreas protegidas. As causas para essas dificuldades apresentadas devem ser objeto de novas pesquisas a fim de apontar se as mesmas decorrem de desinteresse pela atividade de proteção ambiental, se é questão de baixa remuneração mensal, desestimulação profissional, baixo estima, ou interesse por outras áreas de trabalho visando fins próprios. O estudo indica também que as três esferas de governo (federal, estadual e municipal) não estão adotando postura conforme à legislação ambiental de regência. Essa omissão pode se tornar o estopim para focos geradores de degradação socioambientais como aumentos nos índices de criminalidade e violência rural.
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As comunidades com ocupações desordenadas vêm interferindo significativamente na zona periférica das áreas de uso sustentável da Amazônia causando impacto negativo pelo uso da terra para o plantio e pecuária, sem que os órgãos de controle respondam satisfatoriamente. Diante dos resultados apresentados o modelo RAPPAM se mostra como alternativa viável para se alcançar o equilíbrio entre a produção econômica com preservação ecológica e qualidade de vida da comunidade. Acrescente-se finalmente que os custos porventura empregados na aplicação desses arranjos sustentáveis como o RAPPAM se mostram insignificantes se levando em consideração a riqueza inestimável da biodiversidade da Amazônia brasileira. Referências BELOKUROV, Alexandre; ERWIN, Jamison. Protected áreas management effectiveness information module. Methodology description. Rapid assessment and priorization of protected area management (RAPPAM). 2003, Artigo disponível em http://www.wdpa.org/ME/PDF/RAPPAM.pdf, acesso em 04/11/2010. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em 04/10/2010. ENRIQUEZ, Eugené. Perda do trabalho, perda da identidade. Artigo publicado em 1999. Conferência proferida durante o seminário "Trabalho e Existência", em 13/11/97, promovido pela Escola do Legislativo, IRT - Instituto de Relações do Trabalho - e o Instituto Jacques Maritain, da PUCMinasArtigo disponível em http://www.almg.gov.br, acesso em 04/10/2010. FRANCO, Tânia; DUCK, Graça. Padrões de industrialização, riscos e meio ambiente. Ciência & Saúde Coletiva, vol. 3, nº 2, Rio de Janeiro, 1998. Artigo disponível em http://www.scielosp.org/scielo, acesso em 04/11/2010. HOCKINGS, M; STOLTON, S e DUDLEY, N. Evaluating Effectiveness: A Framework for Assessing Management of Protected Areas. IUCN Cardiff University Best Practice Series. IUCN, Cambridge, UK e Gland, Switzerland. 2000. MAIA, Antonio Sérgio de C.; BARROS, Airton Bodstein. Plano de controle ambiental, sustentabilidade na extração de jazida e sua aplicabilidade. Artigo disponível em http://www.unifae.br/publicacoes/pdf ONAGA, Cristina A.; DRUMOND, Maria A. Efetividade de gestão em unidades de conservação federais do Brasil. Implementação do Método Rappam– Avaliação Rápida e Priorização da Gestão de Unidades de Conservação. Edição IBAMA. Brasília, 2007. disponível em http://assets.wwfbr.panda.org. acesso em 10/5/2008. RUBIO, Roberto Aparecido G. Avaliação do Progresso Físico do Programa de Manejo da Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade, um estudo de caso. Artigo publicado pela Revista de Biociência. Vol. 15, nº 1, 2009, disponível em http://www.unitau.br, acesso em 03/10/2010.
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