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IV. Como Vim a Paris
from Loie Fuller
IV
Como Vim a Paris
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Pouco depois da minha estreia no teatro de Madison Square, fui convidada para dançar em benefício de uma obra caritativa no teatro alemão de Nova York. Tinha esquecido completamente da minha promessa até o dia da apresentação, quando um cartão veio recordar-me. Não lembrei de pedir ao meu diretor autorização para comparecer naquele evento filantrópico, pois não me passava pela cabeça que ele recusaria a minha participação. Naquele mesmo dia, ocorreu a primeira parte de um incidente doloroso que levaria à ruptura das relações cordiais entre mim e a direção do Madison Square. O sócio do meu diretor me pedira, como sendo um grande favor, para abrir um baile dado por seus amigos em sua homenagem. Aceitei, encantada com a ideia de ser-lhe útil. Quando perguntei a data da festa, ele me disse para não me preocupar com isso. Foi só então que pedi a autorização para dançar naquela mesma noite no teatro alemão em benefício de uma atriz alemã enferma. O diretor concordou. No teatro alemão contrataram uma orquestra romena para mim. O chefe da orquestra, o sr. Sohmers, entusiasta como todo romeno, veio me ver após minha apresentação e predisse-me maravilhas com o sucesso que ele estava certo que eu encontraria na Europa. Ele me aconselhou a ir para Paris, onde um público de artistas saberia acolher as minhas danças como elas mereciam. A partir desse momento, tornou-se uma verdadeira obsessão para mim: dançar em Paris. Em
seguida, o diretor do teatro alemão me propôs uma turnê no exterior, a começar por Berlim.
Prometi que iria pensar e informá-lo da minha decisão.
Alguns dias depois, ocorreu o famoso baile, que o associado do dire
tor do teatro de Madison Square me pedira para abrir. Eu fui.
Conduziram-nos, uma amiga que me acompanhava e eu, a uma pe
quena sala onde disseram para aguardar até que alguém viesse me buscar
para minha apresentação. Uma hora, até mais, escorreu. Finalmente, um
senhor veio dizer que tudo estava pronto. Por um corredor cheguei ao pal
co, que havia sido erguido no fundo do salão de baile. Estava terrivelmen
te escuro, e a única luz visível era o fino raio filtrado pelos meus refletores
mal fechados. A sala parecia totalmente vazia. Percebi que o público se en
contrava nas galerias, que formavam uma sacada a meia altura da sala. A orquestra tocou as primeiras notas e comecei a dançar. Após ter dançado
três vezes, como tinha o costume de fazer no teatro, voltei ao palco para
agradecer os aplausos do público, e vi diante de mim, com letras luminosas, a seguinte inscrição: Don’t think club 33 .
Aquilo me pareceu estranho, mas não dei lá muito importância. Agradeci novamente às mulheres magnificamente vestidas, que abarrotavam as galerias, e aos homens, todos eles vestidos de preto; depois, passando pelo mesmo caminho, entrei, através de um curto corredor, no camarim, onde troquei de roupa antes de partir. Na porta de entrada, peguei o mesmo carro que me trouxera, e, no caminho de volta, fiquei imaginando o que “Don’t think” poderia significar. Na manhã seguinte, uma amiga me trouxe um jornal que trazia na primeira página um longo artigo intitulado:
LOÏE FULLER INAUGUROU O “DON’T THINK CLUB”.
Seguia uma descrição da noite e das orgias que foram realizadas no local. O artigo foi escrito em tom de escândalo. Fiquei furiosa com aquilo.
33 Nota do príncipe sérvio Bojidar Karageorgevitch na primeira edição francesa: Tradução literal: “Clube das pessoas que não pensam.” Mas em inglês, o sentido é antes: “Clube dos ‘festeiros’ que agem sem pensar nem refletir.”
Nem havia recebido cachê por isso. Aceitei ir apenas para agradar o meu agente, e a humilhação que ele me infligiu feriu-me profundamente. Talvez ele imaginasse que eu nunca viesse a saber onde tinha estado. Um único jornal falava dessa noite, e meu diretor supôs que aquele jornal provavelmente jamais cairia em minhas mãos. Nenhum jornalista, ao que parece, fora autorizado a comparecer à festa. Foi um advogado, baixinho, mas de grande reputação, que estava entre os convidados, que tinha escrito o lamentável artigo. Mas tive minha revanche, uma revanche terrível, pois esse homem de negócios, então no auge de sua tirania financeira, administrou tão mal as finanças dos seus clientes, que acabou indo parar na prisão. “Todo mundo está culpando o artigo”, disse-me o diretor quando o repreendi de ter-me arrastado para aquele clube. Foi a sua única desculpa. Ele pensou em atenuar o insulto que me fizera oferecendo-me dinheiro. Essa oferta me exasperou ainda mais, e respondi com a minha pronta demissão. Não me sentia de forma alguma ligada a um senhor que tinha perdido moralmente todos os direitos à minha estima. Foi por essa razão que saí para nunca mais voltar. A ideia de ir a Paris apossou-se de mim com mais força do que nunca. Desejava ir para essa cidade, onde pessoas de bom gosto adorariam minha dança e dar-lhe-iam um lugar no campo das artes. Ganhava cento e cinquenta dólares por semana nessa época e acabavam de me oferecer quinhentos. Apesar disso, assinei um contrato com o diretor do teatro alemão de Nova York que me garantia, ao invés de quinhentos, apenas setenta e cinco dólares. Mas o objetivo, após uma turnê pela Europa, era Paris! Enquanto dançava em Nova York, comecei a inventar vestidos especiais para as minhas novas danças. Quando viajei para a Europa, os vestidos estavam todos prontos. O diretor do teatro alemão nos havia precedido, e nos reservara lugares a bordo de um barco a vapor. Após ter me despedido dos amigos, parti, cheia de esperança e desejos. Embora minha mãe tentasse compartilhar dos meus sentimentos, ela não conseguia banir certos pressentimentos desconfortáveis. Quanto
a mim, eu queria pensar somente no que o futuro guardava de bom, e esquecer todos os problemas passados. Durante a travessia, aceitei dançar na festa organizada em benefício dos marinheiros. Improvisamos um palco no convés. Tendo o mar como pano de fundo e luzes de emergência como iluminação, testei, pela primeira vez, uma série de novas danças, cada qual com um vestido especial. Foi extraordinário o entusiasmo dos passageiros e da tripulação, e senti que tinha dado o meu primeiro passo em um novo mundo. Ancoramos na Alemanha. O diretor veio buscar-nos e levou-nos para Berlim. Mas descobri, para o meu grande aborrecimento, que eu só começaria dali um mês, sem nem mesmo saber em qual cidade seria. Um mês de inatividade! Soube, por fim, que começaria, não na casa de ópera, como prometera o diretor, mas numa sala de um music-hall! A ópera estava fechada e o music-hall era o único local disponível. Dançaria, nesse caso, somente minha primeira dança e mostraria apenas um vestido, como costumava fazer em Nova York. Escolhi três dos meus números e preparei-me para a estreia. Mas fiz essa estreia sem ardor. Na América, os melhores teatros ofereciam-me contratos com cachês infinitamente mais elevados do que aqueles que recebia na Europa. Em Berlim, meu agente detinha-me em seu poder e eu devia ir aonde ele bem entendesse. Se, antes de assinar o contrato, ele tivesse me dito onde eu dançaria, teria me recusado. Mas quando chegou o momento da estreia, eu estava sem recursos e à sua mercê. Para piorar a situação, minha mãe caiu gravemente doente. Naquela época, o cólera acabava de eclodir em Hamburgo. A doença de minha mãe manifestou-se tão subitamente, que logo imaginaram que ela estava com o cólera. Todos no hotel ficaram alarmados e quase levaram minha pobre mãe para o hospital de coléricos! Todas essas circunstâncias, aliadas ao calor insuportável, deixaram-me incapaz de lutar. Sacrifiquei tudo, meu orgulho, minhas melhores esperanças, e comecei a trabalhar assiduamente para ganhar nossa vida. Mas me sentia desamparada e sem coragem.
Um mês depois, o diretor alemão informou-me que desejava rescindir meu contrato. Ele retornaria aos Estados Unidos com uma companhia que ele fora para a Alemanha expressamente a fim de recrutar. Parecia-me claro que o seu único motivo em ter-me trazido à Europa era o de encontrar meios para formar e levar aquela nova companhia. Ele viajou com sua esposa, uma norte-americana bonita que se tornara uma grande amiga minha, e que lhe fez severas censuras por sua conduta para comigo. O diretor deixou Berlim com sua nova companhia, após ter retirado todo o dinheiro que pudera obter de mim, deixando-me apenas com o suficiente para pagar o hotel quando o meu contrato que me ligava ao music-hall de Berlim terminasse. Eu não tinha então mais nenhum contrato em vista. Soube depois que, graças a mim, ele havia embolsado dez mil marcos, ou seja, doze mil e quinhentos francos por mês. E eu havia recebido dele apenas mil e quinhentos francos. O que devia fazer? Minha estreia em Berlim tinha sido deplorável, e isso havia de ter uma influência muito negativa para a minha carreira na Europa. Estava sem dinheiro e com a mãe doente; de resto, sem a menor esperança de um contrato e sem ninguém para nos ajudar. Marten Stein, um então desconhecido agente teatral, e que se tornaria mais tarde empresário teatral, veio me ver. Eu tentava permanecer no music-hall; só tinha que fazer algumas concessões se eu quisesse me manter ali ainda por mais uma ou duas semanas, tempo suficiente para ganhar o bastante para partir e aguardar por um novo contrato que talvez surgisse. Sonhava com Paris mais do que nunca. Se pudesse enfim ir embora! Nesse meio-tempo, Marten Stein conseguiu-me uma dezena de apresentações em um dos jardins de Altona, o festivo subúrbio de Hamburgo. Consegui ganhar ali algumas centenas de marcos, o que nos permitiu ir para a cidade de Colônia, onde tive de dançar num circo entre um burro adivinho e um elefante que tocava realejo. Minha humilhação era completa. Desde então, oportunidades não me faltaram de reconhecer que a proximidade com cavalos videntes e elefantes melômanos é menos humilhante do que a proximidade com certos seres humanos. Fui finalmente a Paris. Para economizar tanto quanto possível, tivemos de viajar em terceira classe, algo desconhecido nos Estados Unidos. Mas o que importava? Era apenas um detalhe. Ia a Paris para triunfar, ou naufragar!
Ilustração de Loïe Fuller no Folies-Bergère, de Théophile Alexandre Steinlen, publicada no periódico parisiense Gil Blas Illustré no dia 25 de dezembro de 1892.