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Jornalismo Especializado - Junho / 2016
ESTILO
VEG
A escolha é sua! O vegetarianismo é uma dieta cada vez mais aderida no mundo e no Brasil. Dados do IBOPE, em 2012, mostram que 15 milhões de brasileiros se declaravam vegetarianos, o que corresponde a 8% da população. Campinas é a 8ª cidade do país com mais vegetarianos
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Vegetarianismo: Um tema sem consenso Jhonatas Simião
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vegetarianismo é um assunto que ainda gera muitas dúvidas na sociedade. Elas, inclusive, ultrapassam os limites do senso comum e chegam à literatura médica. Nutrólogos e nutricionistas entrevistados dizem acreditar que este tipo de alimentação traz determinados benefícios à saúde, como a prevenção de doenças cardiovasculares e associadas ao excesso de peso, uma vez que a carne vermelha tem elevada quantidade de gordura, colesterol e ácidos graxos saturados. Porém, alguns estudiosos apontam que o vegetarianismo pode causar deficiências nutricionais, principalmente, de ferro e vitamina B12 – não presente em vegetais – e causar doenças como a anemia, fazendo-se necessário o acompanhamento médico. Para a nutricionista campineira, especialista em alimentação vegetariana e vegana, Ana Ceregatti, o único problema que o vegetariano encontra com este tipo de hábito é o preconceito e desconhecimento da sociedade sobre o as-
sunto. “O vegetariano não precisa, necessariamente, de acompanhamento médico. Nenhuma publicação científica mostra alguma contraindicação a este tipo de alimentação, pelo contrário, são vários os benefícios, como a redução de até 35% nas chances de colesterol no vegetariano estrito – não utiliza nenhum derivado animal na sua alimentação –, 30% menos risco de infarto, 88% menor risco de ter câncer do intestino grosso e 54% de próstata para os homens, menor incidência de diabetes e maior consciência alimentar, de um modo geral”, diz. A especialista afirma ainda que a adoção deste tipo de alimentação só tem crescido nos últimos anos. Ceregatti atende mais de dez pacientes diariamente em consultórios na cidade de Campinas e São Paulo, com faixa-etária entre 15 e 50 anos, de diversas classes sociais. “Os pacientes chegam até mim porque tem dúvidas, querem saber se a dieta está equilibrada e, normalmente, porque estão sendo pressionados por familiares e amigos dizendo que eles vão ficar doentes”, explica.
De acordo com o nutrólogo e endocrinologista, Adolpho Milech, do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), os vegetarianistas podem desenvolver uma série de doenças, principalmente, relacionadas a carência de nutrientes. “Podemos afirmar que uma dieta sem carnes pode ser bastante completa. Mas a preocupação dos vegetarianos deve ser a de adquirir alguma doença pela falta de nutrientes. A primeira, a carência de vitamina B12, pode gerar anemia megaloblástica, por exemplo. A segunda, o ferro, encontrado nos vegetais, não é tão bem absorvido quanto o de origem animal”, ponderou o especialista em entrevista por Skype. Para Fraga, a dieta vegetariana não tem nenhum embasamento científico e apresenta algumas contradições. “Respeito quem adota este estilo de vida por motivos religiosos ou por filosofia, mas não pelos benefícios à saúde que a falta de ingestão de carnes supostamente gerará. Para provar que o vegetarianismo não necesArte Gráfica: Jhonatas Simião
Alimentação vegetariana traz de alguma forma benefícios à saúde Dieta não traz nenhum efeito favorável ao organismo
Foto: Divulgação
Especialistas admitem vantagens deste tipo de alimentação, mas não chegam à acordo sobre supervisão e deficiências de nutrientes
Ana Ceregatti é especialista em dieta vegetariana sariamente significa uma vida saudável posso citar o exemplo da Índia, país que, em geral, não consome carne e o índice de diabéticos é enorme”, afirma. Ceregatti confirma que a deficiência de ferro e vitamina B12 são as mais comuns em pacientes vegetarianos e, quando isso ocorre, sempre é indicada a suplementação. No entanto, ela afirma que a ausência desses componentes também está presente em onívoros. “A carência do ferro aparece em mulheres vegetarianas por conta da menstruação, mas também está presente nas que comem carne. São raros os homens que apresentam baixa quantidade de ferro. Já no caso da vitamina B12, a redução está muito mais ligada pelo metabolismo de cada pessoa do que pela ingestão. Cerca de 40% dos não vegetarianos no Brasil têm carência de vitamina B12”, alerta a especialista. Dos últimos 10 artigos publicados pela “The American Journal Clinical Nutrition”, revista lança-
da em 1952, seis concluíram que a alimentação vegetariana traz de alguma forma benefícios à saúde humana e quatro mostraram que a dieta não traz nenhum efeito favorável ao organismo ou que os adeptos têm chances de ter as mesmas doenças que os onívoros – pessoas que se alimentam tanto de vegetal como de animal –. Segundo a neurocientista, Suzana Herculano-Houzel, da UFRJ, é fundamental ingerir proteínas suficientes, sobretudo no início da vida, quando o cérebro está em desenvolvimento. “Crianças, e muito menos os bebês, devem ser submetidas a dietas vegetarianas por seus pais, e se forem, é preciso haver acompanhamento médico”, afirmou a especialista. O presidente da ABRAN (Associação Brasileira de Nutrologia), Durval Ribas Filho, alerta que vegetarianos devem realizar periódicamente acompanhamento médico. “Sugiro a todos um check-up a cada seis meses”, disse por Skype.
Esta edição da série Cadernos Especiais foi produzida como trabalho de conclusão de semestre na disciplina Jornalismo Especializado, do 7º período da Faculdade de Jornalismo. Responsável: Prof. Dr. Carlos A. Zanotti (MTb - 12.463). Dir. da Faculdade: Prof. Ms. Lindolfo Alexandre de Souza. Integrantes da equipe de produção: Izabela Rizza, Larissa Cascaldi, Jhonatas Simião, Pedro Siqueira, Samuel Garbuio e Tiberg Vieira Lima
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, junho de 2016
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Para atletas, dieta exige cuidados a parte Atletas que não consomem alimentos de origem animal devem usar suplementação, recomendam nutricionistas Foto: Divulgação
Samuel Garbuio
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o contrário do que diz o senso comum, é possível ser atleta sem consumir carnes, ricas em vitamina B12, zinco e aminoácidos essenciais. Porém, para aqueles que não consomem nenhum tipo de alimento de origem animal a recomendação é introduzir na alimentação mais aminoácidos e proteínas, sendo necessária a suplementação com vitaminas do complexo B (B1 a B12); levedo de cerveja, que contêm todos os aminoácidos essenciais; e após os treinos, suco de alimentos antioxidantes como laranja, limão, mamão, cenoura, beterraba e couve. Alimentos ricos em antioxidantes contêm vitaminas A, C ou E, que cumprem a função de combater os radicais livres, produzidos em excesso durante os exercícios físicos. Em excesso, essas moléculas podem ser tóxicas ao nosso corpo, danificando células sadias. Outro nutriente fundamental na dieta vegetariana é o ferro. Os vegetais contêm o ferro não-heme, um ferro que o nosso organismo tem maior dificuldade para absorver. Por isso é importante consumir mais desse nutriente, presente na uva
Atleta amador e vegetariano Luiz Bunhak em V GP Loanda-PR de Mountain Bike e em folhas verde-escuras. Mas a dieta vegetariana tem uma vantagem segundo a nutricionista Eliene Pires de Oliveira. “Quase todo alimento vegetariano é alcalino. E os alimentos de origem animal são acidificantes. E é necessário que o nosso organismo esteja alcalino, pois um corpo ácido está mais vulnerável às doenças. Portanto, uma vantagem é que o sangue fica muito alcalino e o organismo trabalha melhor, pois as enzimas e células assi-
milam melhor os alimentos de origem vegetal do que os de origem animal”, explica. Vegetariano há 10 anos e praticante de Mountain Bike há um ano e meio, Luiz Fernando Bunhak, 39, não consome leite e derivados, nenhum tipo de carne e raramente come ovos. “Em minha alimentação predominam salada, arroz integral, batata doce, nozes, castanhas e fibras”, conta. Porém, recentemente Bunhak descobriu uma deficiência de B12. “ConsFoto: Samuel Garbuio
Atleta amador e vegetariano Sérgio Konno é praticante de corrida desde os 18
tatei com exames que a vitamina B12 está um pouco abaixo do normal e comecei a tomar vitaminas do complexo B, diariamente”, admite. A orientação foi da nutricionista Eliene. “A B12 é muito importante para a produção de hemácias, evitando-se principalmente a anemia perniciosa, doença que pode desenvolver apatia, cansaço extremo, memória deficiente e até mesmo levar à atrofia gástrica”, explica a nutricionista. Os desafios que Bunhak encara exigem muito preparo físico, como o Pedal dos Mestres em Roncador-PR, com distância de 146 km e 3.200 metros de altimetria. Por ser representante comercial, Bunhak conta que pedala onde dá certo. “Eu levo minha bike no carro e pedalo onde consigo. De qualquer forma, procuro programar minha rotina de treinos durante a semana, fazendo uma média de 40 a 60 km quase sempre à noite e aos domingos de 80 a 100 km”, explica. Ao contrário de Bunhak, o corredor Sérgio Takashi Konno, 49, vegetariano há 15 anos e praticante de corrida de rua desde os 18, não ingere nenhum tipo de suplemento. Porém, ele pertence ao grupo dos ovo-
lactovegetarianos, segundo a nutricionista clínica Thaís Vilela. “A dieta do atleta inclui alimentos como ovos, leite e derivados. Trata-se, portanto, de uma alimentação não completamente restrita”, explica. Em contrapartida, “o vegetariano vegano, que não consome nenhum alimento de origem animal, necessita de suplementação, principalmente da vitamina B12”, afirma. O atleta, que nunca teve deficiência de B12, ou qualquer problema em seus exames médicos, tem acompanhamento regular. “A cada dois anos faço endoscopia e exames de rotina como hemogramas, eletrocardiograma, ecocardiograma, além de teste de esforço físico”, afirma. O que garante a Konno condições perfeitas para o esporte, segundo a nutricionista Thaís. “No entanto, há alimentos que são indispensáveis a qualquer vegetariano, tais como grãos integrais, oleaginosas, folhas verde-escuras, frutas e leguminosas”, reforça.
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as enzimas e células assimilam melhor os alimentos de origem vegetal
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E é assim que Konno complementa sua alimentação. “Supro a falta de proteínas com grãos em geral, incluindo na alimentação bastante soja, cereais integrais, grãos e sementes; além de me alimentar dos triviais frutas, verduras, legumes, ovos e leite”, explica. No currículo esportivo do cirurgião dentista e corredor Konno estão meias maratonas como Corrida Integração, Corrida da Lua, São Silvestre e Meia Maratona de Campinas, além de percursos rotineiros. “Corro 10 km quatro vezes por semana, com duração de 60 minutos. Além disso, faço musculação duas vezes por semana e jogo futebol semanalmente”, conta.
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Agrotóxico é risco para vegetarianos, alerta especialista De acordo com a enfermeira Elisabeth Cabral, vegetarianos devem ficar atentos ao consumo de verduras, legumes e cereais que não sejam orgânicos Reprodução: Caros Amigos
Chuva de veneno. Avião pulveriza agrotóxicos em plantação de soja: principal substituto da protéina animal para os vegetarianos.
Larissa Cascaldi
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s públicos vegetarianos devem ficar atentos ao optar por uma dieta livre de carnes. Isso, porque a substituição da proteína animal para a vegetal faz com que essa população fique mais vulnerável ao consumo de agrotóxicos, caso não consumam alimentos orgânicos. É o que afirma a enfermeira especialista em toxicologia pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Elisabeth Regina de Melo Cabral. Segundo ela, os vegetarianos devem ficar atentos, já que não são só os legumes e vegetais que possuem alto índice de agrotóxicos. “Os cereais, como soja, milho e trigo são bastante contaminados. Além disso, esses alimentos ain-
da tem a exposição aos transgênicos que afetam o organismo”, comenta. Dentre os riscos dos transgênicos ela cita o aumento da incidência de alergias e da resistência aos antibióticos. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer, o INCA, o brasileiro ingere 5,2 litros de agrotóxicos por ano – o equivalente a beber um galão de veneno – quase o dobro que um cidadão dos Estados Unidos: segundo país que mais consome agrotóxicos no mundo. Além dos 5 litros anuais, desde 2008 o Brasil é líder no ranking mundial de consumo de agrotóxicos. Em escala global, nos últimos 10 anos, esse mercado cresceu 93%, sendo que, segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), so-
mente no ano de 2010 o crescimento na compra de agrotóxicos no país aumentou em 190%. A especialista explica que “agrotóxico” é o termo utilizado pela indústria e pela universidade para designar os produtos que matam os chamados “plantas e animais nocivos”, isto é, que po
agrotóxico “seoacumula no organismo, e causa efeitos que as vezes é difícil de correlacionar que veio deses produtos
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Elisabeth Cabral
dem prejudicar a plantação de alguma maneira. Ainda segundo Eli-
sabeth existem duas formas de exposição ao agrotóxico: uma é a intoxicação crônica e a outra é a aguda. “A intoxicação aguda geralmente acontece após a exposição a um produto, que em menos de 24h manifesta sintomas”, afirma, como por exemplo, dores de cabeça, irritações na pele, náuseas e até tonturas. A longo prazo pode ocorrer intoxicação crônica, “o agrotóxico se acumula no organismo, e causa efeitos que as vezes é difícil de correlacionar que veio desses produtos”, comenta. Os efeitos adversos da exposição crônica são disfunção do sistema imunológico, câncer, malformações, infertilidade, desregulamentação hormonal e, em grávidas, aborto.
Orgânicos A especialista em Toxicologia explica que a melhor alternativa para fugir dos venenos é consumir os produtos orgânicos. Vanessa Fagundes, coordenadora da Rede de Agroecologia da Unicamp (RAU), explica que os circuitos de comercialização são os principais fatores que influenciam no encarecimento dos orgânicos. Os alimentos que possuem agrotóxicos em sua composição são provenientes de circuitos longos, em que existem diversos atravessadores que encarecem o produto. Isso, porque o alimento precisa ser transportado do campo para a cidade, depois deve chegar ao Ceasa (Central de abastecimento de alimentos) e, posteriormente, até uma feira ou ao mercado. “Isso pode
Alface 54,2% de agrotóxico
Cenoura 49,6% de agrotóxico
Arte Gráfica: Larissa Cascaldi
Agrotóxico à mesa
Ranking dos alimentos mais contaminados segundo a Anvisa
Pimentão 91,8% de agrotóxico
Morango 63,4% de agrotóxico
Pepino 57,4% de agrotóxico
Fonte: Anvisa 2011 - 2012
Cadernos Especiais acontecer com alguns orgânicos que entram no mercado convencional. Então eles também terão esses atravessadores que é o que encarece orgânico, já que coloca esse produto em grandes circuitos de comercialização, como o supermercado. Quem ganha em cima do preço do orgânico e o torna inacessível à população em geral é o supermercado, não o consumidor”, completa Giovana. Mas se as redes de comercialização encarecem os produtos, elas também podem ajudar a barateá-los. É que justa-
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Jornalismo Especializado - Junho / 2016 mente quando existem menos atravessadores no processo, que os orgânicos ficam baratos e se tornam uma opção interessante – não só economicamente – para os consumidores. “Na perspectiva da agroecologia, a gente trabalha com a questão do comércio local, isto é, de fomentar a produção local, porque aí existem circuitos curtos de comercialização, onde no máximo existe uma pessoa no meio dessa cadeia”, explica Giovana. Desse modo, quando o consumidor vai a uma feira de orgânicos, o preço é mais barato, por-
Supermercado R$ 144
Feira de orgânicos R$ 98
Dados retirados da pesquisa feita pela Rede Brasileira de Grupos de Consumo Responsável, que coletou dados mensais durante 1 ano, em 5 cidades brasileiras, com 22 tipos de hortaliçase frutas, em 4 pontos de vendas. FONTE: INSTITUTO KAIRÓS
”
Vanessa Ueno
que o alimento vai diretamente do campo para a mão do comprador. A bióloga Vanessa Ueno, que realizou um estudo sobre o custo do alimento orgânico em Campinas, dá a dica para quem quer incluir a alimentação orgânica na rotina. “Aqui em Campinas nós temos 4 feiras e tem também grupos de consumo consciente: grupo de pessoas que possuem essa consciência e se juntam para comprar diretamente do produtor”. Ela explica que a vantagem é mútua, já que o consumidor conhece o produ-
tor do alimento que vai consumir e o produtor não terá perdas, porque entrega para o grupo exatamente o número de produtos que foi pedido. “Então, se o grupo pede 30 pés de alface, o agricultor entrega 30 pés de alface”, completa. Quanto ao consumo dos orgânicos, de modo geral, Vanessa se mantém positiva. “Vale muito a pena, porque é um produto que o consumidor sabe a origem, sabe quem produziu como foi produzido, sem o uso de agrotóxico, tudo isso por um preço muito mais justo”, finaliza Vanessa.
Feiras orgânicas em Campinas
Arte Gráfica: Larissa Cascaldi
Cesta com 17 produtos: abacate, abobrinha brasileira, abobrinha italiana, alface americana, alface crescpa, banana nanica, banana prata, beringela, brócolis ninja, brócolis ramoso, cenoura, chuchu, limão, ovo, quiabo, tomate italiano e tomate salada
Arte Gráfica: Larissa Cascaldi
Supermercado x Feira orgânica
“
[O orgânico] vale muito a pena, porque é um produto que o consumidor sabe a origem, sabe quem produziu, como foi produzido, sem o uso de agrotóxico, tudo isso por um preço muito mais justo
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Os verdinhos da internet
giu a pedido do público que curtia as fotos dos pratos de Flavio no Facebook. A proposta é que ninguém precisa ser um chef de cozinha para cozinhar: “Eu sou ator e não chef de cozinha, então às vezes eu erro no prato, inclusive durante o programa. Errar é humano e sempre nos dá a possibilidade de acertar depois”. O objetivo do canal é ser engraçado e, segundo Flavio, as receitas são pensadas com base no perfil dos convidados. “Sempre faço o prato com a cara do artista para quem vou levar. Pra Nany People eu fiz um StrogoBOFE, por exemplo”.
Procura por “receitas vegetarianas” está crescendo em média 30% ao ano segundo o Google Tiberg Lima
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procura pelo terno receitas vegetarianas no Youtube tem crescido em media 30% ao ano desde 2012 segundo a análise do Google Trends. Em meio à atual crise econômica do Brasil, esse mercado surge como alternativa de negócios não só para profissionais de cozinha, mas também para vegetarianos e entusiastas do movimento.
Flávio Giusti
Paula Lumi
Foto: arquivo pessoal de
Cléo Martins
Chef Cléo Martins
paredes da sala de aula e ensinar para o maior número de pessoas migrou para o Youtube. O seu primeiro vídeo foi um piloto para a TV SIC Mulher e se acostumar com câmera foi um processo difícil no começo. “Eu tive bastante dificuldade no primeiro vídeo em Portugal. Tentei decorar o texto antes, mas eu esquecia uma palavra e tinha que voltar e então eu percebi que eu sou natural falando sem roteiro, hoje é como se eu tivesse dando aula para os meus alunos na sala de aula”, diz a chef. Para Cléo, a internet não veio para roubar espaço da TV ou rádio mas o grande problema é o conteúdo: “Nós perdemos muito tempo devido à grande quantidade de lixo que tem online, então é importante garimpar e pesquisar várias fontes para saber se a informação é verdadeira”. E dá dicas para quem começar a produzir conteúdo para internet: “Independente do que ela quer mostrar, a pessoa tem que ter segurança, conhecer muito o assunto. Isso é muito mais importante do que ter duas câmeras ou uma filmagem superbacana”, Flávio, ator e youtuber completa a chef. Ativista do movimento vegetariano, Flavio criou VegetariRANGO Flavio Giusti (37), é o em 1997 um dos primeiros primeiro apresentador de sites vegetarianos do BraTV a ter um programa so- sil, o “Alma Vegetariana”, bre vegetarianismo no Bra- onde fazia camisetas com sil no canal pago ChefTV. mensagens vegetarianas Já o seu canal no Youtube, para vender e imprimia foo VegetariRANGO, atingiu lhetos sobre a causa animais de 2.221.860 visua- mal. lizações. Flavio nasceu em Para ter um bom relaPiracicaba e parou de co- cionamento com os seus mer carne aos 16 anos “Eu seguidores, Flávio diz que é na época já praticava yoga, importante ter sinceridade e lá assisti uma palestra de e humor. “Tem que mostrar um médico vegetariano que explicou sobre o que era a personalidade, estar ali de carne, seus malefícios etc. cara lavada e fazer o dia Vindo de um médico aquilo das pessoas mais felizes. me chocou muito. Aí deci- Não adianta só ser o ativisdi fazer uma experiência de ta chato, tem que conquisficar uma semana sem car- tar as pessoas e mostrar ne, aí depois um mês, um que tudo mundo pode fazer ano e hoje nem sinto mais e comer um prato vegetariano, sem preconceito”, fifalta”. A ideia do programa sur- naliza Flavio Giusti. pessoal de
arquivo pessoal de
Presunto Vegetáriano Insatisfeita com a carreira, a fotógrafa e designer Paula Lumi (27) transformou o hobby de compartilhar receitas com os amigos em oportunidade. Em 2012, criou um canal do Youtube de receitas vegetarianas, o “Presunto Vegetariano”. “O nome é uma ‘piadinha’ interna para vegetarianos; acredito que todos já passaram pela situação de ir até uma cantina ou padaria, perguntar se tem algo sem carne, e sempre oferecem o de presunto. Tem também o fato do presunto ser um ingrediente versátil, fácil de manusear e era isso que a gente queria passar com as Gourmet da Horta nossas receitas: descompliA mineira Cléo Martins car e compartilhar versões nascida em Poços de Cal-
das, formada em administração e com especialização em marketing deixou de lado o mundo corporativo para entrar no ramo da alimentação vegetariana. Cléo foi estudar culinária vegetariana internacional, macrobiótica, enologia, prova de azeites, plantas aromáticas e ervas medicinais em Portugal e, em 2012, foi para os Estados Unidos estudar Alimentação Viva (movimento que surgiu na década de 90 e vem ganhando cada vez mais adeptos no Brasil. Não se trata de uma dieta, mas de um estilo de vida em que seus seguidores passam a comer apenas alimentos naturais, orgânicos e, de preferência, crus). Hoje, ela é chef em alimentação natural, culinária artística viva e conselheira em educação da saúde através do Sprout Raw Food em Roswel na Georgea. Desde setembro de 2012, a chef de cozinha Cléo abastece o seu canal do Youtube (Cléo Martins) com receitas, participações em entrevistas sobre vegetarianismo e alimentação viva. Após o seu projeto de um programa semanal de receitas em Portugal ser engavetado, o desejo da chef de superar as quatro
Foto: Arquivo
Foto:
Paula adora seu gato
fáceis de fazer e com ingredientes fáceis de serem encontrados”, diz Paula. Com 138.954 inscritos e 6.820.577 visualizações, a proposta do Presunto Vegetariano, comenta a fotágrafa Paula, é mostrar que é possível ter uma alimentação vegetariana variada, equilibrada e nutritiva. Paula deixou de comer carne de uma vez após ficar chocada ao assistir vídeos e documentários sobre o tratamento dos animais para consumo, mas aconselha que a decisão deve ser individual. “Acho que cada pessoa tem um ritmo, um tempo, ela se conhece; cabe à pessoa mesmo escolher o que funciona melhor para ela. Mas a minha maior dica é: mantenha sua alimentação rica e variada, para não enjoar e sentir falta de carne”. Paula comenta que o feedback do público que chega através de e-mails e comentários nos vídeos é 100% positivo e a produção dos vídeos começa com o pedido de receitas por parte do publico. Depois vem a compra dos ingredientes e a gravação dos vídeos, sempre com antecedência para garantir a periodicidade semanal do canal. Para a youtuber, essa nova forma de compartilhamento de conteúdo favorece a comunicação entre o espectador e quem ensina e para quem quer ter seu próprio canal é só começar “Tem uma ideia? Faça o seu melhor e já poste. Se você ficar procurando a ocasião perfeita, procurar ter toda uma infraestrutura perfeita, irá enrolar até achar outra desculpa. Periodicidade e engajamento também é fundamental para quem quer crescer dentro do Youtube e nas redes sociais. E, acima de tudo, fazer tudo com muito carinho e gostar daquilo que se faz. Isso se refletirá no seu trabalho” diz Paula.
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Pedro Siqueira
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Qual é a tese do seu livro “Abolicionismo Animal”? A tese principal é que os animais podem ser considerados sujeitos de direitos fundamentais. Eu trabalho com os animais que tenham a vida mental complexa. Por vida mental complexa me refiro aos animais que têm consciência de si, capacidade de agir racionalmente e são sencientes, ou seja, sentem dor e têm consciência dela - aqueles que têm os requisitos básicos para ser uma pessoa.
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ENTREVISTA HERON GORDILHO Créditos:
Doutor em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco, Heron Gordilho é promotor de justiça ambiental em Salvador. Tem se destacado, em âmbito nacional, na luta pelos direitos animais como o primeiro pesquisador a escrever, no Brasil, uma tese de doutoramento em Direito Animal. O livro “Abolicionismo Animal”, baseado em sua tese, foi publicado em 2009.
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Heron Gordilho é fundador do Instituo Abolicionista Animal, em Salvador
“Maior contribuição é da ciência, mas ela sozinha não vai resolver” Debate sobre o abolicionismo animal ainda engatinha no Brasil
vimento negro não gosta. Alguns comparam a exploração dos animais No Brasil, discutimos com o Holocausto, mas muito o direito de ani- os judeus também não mais domésticos e sil- gostam. Então, hoje eu vestres e acabamos não tenho feito a comparanos preocupando com ção com pessoa jurídica. os animais criados para nosso consumo. Em que se baseia essa Nós, abolicionistas, comparação? nos preocupamos sim. Apesar de somente A maioria dos animais o homem ser consideque matamos se incluem rado sujeito de direito, nessa categoria de ani- eu mostro que, ao lonmais sencientes, autô- go da história, no sécunomos e de vida mental lo retrasado, surgiu um complexa. O porco, o boi, movimento de grevistas a vaca, a cabra, todos que passou a admitir eles podem ser inclusos. a necessidade de direiOs abolicionistas defen- tos para outros seres dem o fim da exploração que não são humanos. institucionalizada dos Por exemplo, o Estado, animais também para a a igreja, a universidade alimentação. não são seres humanos, mas são sujeitos de diExiste paralelo entre a reito porque são pessoas escravidão negra e a ex- jurídicas. ploração dos animais? Eu costumava fa- O senhor acha que a vida zer esse paralelo, mas de um animal não tem o hoje tenho pretendido mesmo valor que a vida a abandonar essa com- de um ser humano? paração porque o moA vida tem valor in-
trínseco, independentemente do valor que nós damos à ela. O princípio básico da ética é que eu respeito a sua vida da mesma forma que eu respeito a minha. O Direito Animal também pretende incluir o animal nesse círculo de moralidade. Nós temos de considerar a possibilidade de que a vida do animal tem valor para ele. E mesmo assim a conscientização é pequena. A maioria esmagadora das pessoas consome carne. Então, uma minoria [que não consome] só pode se impor a uma maioria por meio de uma revolução ou de uma mudança. Essa é a esperança, de que haja um consenso social, ou seja, de que uma minoria passe a ser maioria e que force as mudanças necessárias. Não espero que essa mudança seja rápida, mas que pelo menos a matança dos
se fossem um membro da família. O problema fica mais complicado quando começamos a tratar de carne, porque é problemático para quem se alimenta de carne. É uma crueldade seletiva. É sempre um crueldade seletiva. Onde traçar essa linha? Isso é uma coisa que a ciência vai descobrir. Tem outras teorias, teoricamente mais avançadas, como os ecologistas profundos que não comem nem as plantas. São teorias que tentam, algumas com base científica e outras não, dar respostas à ética. O importante numa sociedade democrática é isso: cada um com sua visão de mundo. O que não podemos permitir é que isso se torne um motivo de mais violência. Nos Estados Unidos, alguns teoristas animais começaram a partir para o terrorismo como uma forma de protesto contra a exploração dos animais. É o risco da radicalização. Um discurso de paz, de redução da violência, não pode ele mesmo se transformar num discurso de ódio.
animais para alimentação tenha um motivo Quais são as perspectiplausível, o de satisfazer vas para o futuro? O processo de consnecessidades básicas. cientização só tende a Ser vegetariano ou vega- aumentar. Daqui algum no é um jeito de se posi- tempo, as pessoas vão ter um nível de refinacionar politicamente? Sim, totalmente. É um mento maior, mais acesjeito de boicotar o siste- so à educação. A tenma de exploração dos dência é que daqui vinte animais, de ter uma pos- anos, 15% da população tura ética em relação aos seja vegetariana. E como animais e se recusar a todo processo social, vai participar desse proces- começar a crescer exso demonstrando que é ponencialmente e o sispossível uma sociedade tema vai acabar falindo que não consuma carne. por ele próprio. E é preciso sair na frente, deSua tese tem enfrentado nunciar, apresentar alresistência no ambiente ternativas e propostas. acadêmico? No início enfrentou Que setores da sociedamuito, mas hoje ela se de podem contribuir? A maior contribuição tornou uma linha de pesquisa. Tem cada vez é da ciência. Mas ela somais pessoas adeptas e zinha não vai resolver. É a comunidade científica necessária a política, o começa a perceber que Direito, os movimentos os animais são sujeitos sociais, a mídia e uma de direito. Eu vejo que a série de outros elemenmaioria das pessoas tem tos que vão contribuir animais de estimação em para que haja essa mucasa e tratam eles como dança de mentalidade.
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Medicina não vê problema em vegetarianismo na gravidez
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estilo de vida deve ser feita de forma equilibrada, de maneira a compensar as perdas nutricionais”. Viana recomenda a consulta com um nutricionista: “O acompanhamento nutricional é fundamental. O nutricionista orienta quais alimentos podem substituir a carne e vai dar segmento e acompanhamento”. Aquela gordurinha branca da carne que muitos amam nos churrascos é
Gestante no terceiro trimestre de gestação recebe orientação médica
paciente já é vegetariana, o metabolismo está adaptado para este padrão alimentar”. Renata alerta para um período em especial, em que o equilíbrio nutricional deve ser bem acompanhado: os primeiros mil dias de vida da criança. “Nessa fase, que inclui os nove meses de gestação, a criança desenvolve habilidades motoras e cognitivas que serão Segundo médicos, ser vegetariana não atrapalha o crescimento do bebê decisivas a fase adulta”.
Foto: Isabela Rizza
“A dieta vegetariana da mulher não afeta a qualidade do leite materno, a menos que ela não esteja nutricionalmente saudável e apresente, por exemplo, um quadro de anemia”
O ginecologista Cássio Arruda Soares em atendimento na rede pública Foto: Isabela Rizza
esde que a enfermeira Flaviana Rodrigues se descobriu grávida, a primeira dúvida foi: “Vou poder manter minha dieta sem carne?”. A preocupação de não obter todos os nutrientes necessários para o bebê em desenvolvimento fez a enfermeira pensar em alterar a rotina alimentar. “Se me dissessem que eu precisaria comer carne durante a gestação, eu o faria”, afirma. A mudança não foi necessária. Certas fases da vida, como o período gestacional, podem gerar a insegurança de que a dieta vegetariana não seja capaz de suprir todas as necessidades nutricionais do corpo. Os médicos, no entanto, afirmam que é possível manter-se saudável sem comer carne em todas as fases da vida. Basta seguir uma regra principal: equilíbrio. “Deixar de comer carne não é um problema. De certa forma, é saudável”, afirma o clínico geral Jarbas de Castro Viana. O médico trabalha há dois anos no programa Saúde da Família, do Sistema Único de Saúde (SUS). “Tudo deve ser feito com base no equilíbrio. Toda mudança de
uma vilã do coração. “Está comprovado que a gordura animal em excesso pode produzir doenças coronárias”, afirma Viana. Em relação aos nutrientes, as gestantes vegetarianas podem se sair melhor que as demais.“A dieta para gestantes deve ser variada, com grande quantidade de frutas, verduras e legumes. As vegetarianas tem a vantagem de já estarem acostumadas com esses alimentos no cardápio”, afirma o ginecologista e obstetra Cássio Arruda Soares. Cássio atua na rede pública e na rede particular e não se opõe à essa restrição alimentar durante a gestação. “É um direito da paciente escolher sobre seus hábitos alimentares e dever dos profissionais planejar um cardápio diferenciado”. A amamentação, outra preocupação de Flaviana, também não é prejudicada pelo vegetarianismo, como afirma a pediatra Renata Zanchetta: “A dieta vegetariana da mulher não afeta a qualidade do leite materno, a menos que ela não esteja nutricionalmente saudável e apresente, por exemplo, um quadro de anemia”. O ginecologista Cássio Arruda Soares completa: “O leite não ficará mais fraco ou reduzido. Quando a
Foto: Isabela Rizza
Isabela Rizza