FERNANDINO NETO LIVRO BIOGRAFIA
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ANASTÁCIO O ETERNO PREFEITO
SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA POLÍTICA RECENTE DE CARUARU
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ANASTÁCIO O ETERNO PREFEITO
SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA POLÍTICA RECENTE DE CARUARU
FICHA TÉCNICA PRODUÇÃO GERAL: Fernandino Neto PROJETO GRÁFICO, DIAGRAMAÇÃO E PRODUÇÃO DE CAPA: Sandemberg Pontes FOTOGRAFIA DE CAPA: Ricardo Henrique EDIÇÃO DE IMAGEM, CAPA: Ricardo Moreira FOTOGRAFIA: Pissica, Antônio Foto Paulista, Lyro Foto, Priscila Fontinele, Rafael Lima, Arquivo Instituto Histórico de Caruaru e Arquivo pessoal Anastácio Rodrigues PRODUÇÃO EXECUTIVA, PREFIXO E ISBN: Fernandino Neto Tiragem: 1.000 exemplares
© 2018, Fernandino Neto _______________________________________________________________________________________ L732a
Neto, Fernandino Anastácio: o eterno prefeito /Subsídios para a História política recente de Caruaru; ilustrações: Sandemberg Pontes. – Caruaru, PE: WDimeron, 2015. 177p.: il. 1. CRÔNICAS BRASILEIRAS – PERNAMBUCO. I. Siqueira, Tiago. II. Título. CDU 869.0(81)-94 CDD B869.8
PeR – BPE 15-546 _______________________________________________________________________________________ ISBN: 978-85-65180-01-6
Todos os direitos desta edição reservados ao autor.
Caruaru-PE, 2018
Impresso no Brasil Foi feito o depósito legal
FERNANDINO NETO LIVRO BIOGRAFIA
ANASTÁCIO O ETERNO PREFEITO
SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA POLÍTICA RECENTE DE CARUARU
Sumário 10
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CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
Rompimento e ostracismo
O dissidente e a Aliança Renovadora Nacional
Ferindo a rede do adversário
59 BIBLIOTECA ÁLVARO LINS 66 JOSÉ QUEIROZ ESTREIA NA DISPUTA ELEITORAL 71 UM NOVO PLEITO
138 190 240
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
Moldando um novo líder
Os papéis se invertem
O centenário do trem promove reconciliação
145 O RÁDIO CONSAGRA A POPULARIDADE DE TONY GEL 175 RETROSPECTO 177 JOSÉ QUEIROZ DECIDE SER CANDIDATO A GOVERNADOR
249 JOÃO LYRA NETO DISPUTA MAIS UM MANDATO DE PREFEITO 381 JORGE GOMES: FRUTO DOS MOVIMENTOS ESTUDANTIL E SINDICAL 297 POSSE 300 UM ANO DEPOIS...
308 366
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
O guardião da memória de Caruaru
Uma história sem ponto final VOL.1
312 ELEIÇÕES 2008 355 REENCONTRO 359 PROMESSA QUEBRADA 363 NACIONALMENTE
369 CEMEI PREFEITO ANASTÁCIO RODRIGUES 375 ATÉ AQUI...
397 POSFÁCIO 403 AGRADECIMENTOS 408 SUPLEMENTO 428 BIBLIOGRAFIA 434 ENTREVISTADOS
CAPÍTULO 1 A CASA DA CULTURA E O ENCONTRO DE GERAÇÕES CAPÍTULO 2 AO MEIO-DIA DE MAIO CAPÍTULO 3 O FILHO DO FEIRANTE CAPÍTULO 4 EM BUSCA DE OPORTUNIDADES CAPÍTULO 5 O MOVIMENTO ESTUDANTIL REVELA O LÍDER CAPÍTULO 6 O POLÍTICO DESPONTA CAPÍTULO 7 ANASTÁCIO É ELEITO VEREADOR. A CÂMARA VAI INCENDIAR CAPÍTULO 8 QUANDO O PREFEITO PERSONIFICA A ESPERANÇA CAPÍTULO 9 O DESAFIO DE RECONSTRUIR CARUARU CAPÍTULO 10 “PROCURO SER UM BOM ADMINISTRADOR. E É SÓ” CAPÍTULO 11 COLOCANDO A CASA EM ORDEM CAPÍTULO 12 FAZER O SUCESSOR E SAIR COM O POVO
ANASTÁCIO O ETERNO PREFEITO
C A P Í T U L O
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Rompimento e ostracismo 11
ANASTÁCIO O ETERNO PREFEITO
Quando tomou posse, a 31 de janeiro de 1973, para seu segundo mandato como prefeito de Caruaru, João Lyra Filho leu um discurso em que assegurava: “Prosseguirei meu trabalho dentro do mesmo critério de honestidade e probidade que caracterizaram o governo de Anastácio Rodrigues”. Em seguida, o novo prefeito ressaltou: “Na Prefeitura de Ca-
ruaru, não me distanciarei do mundo como se me isolasse num castelo de sonhos”. Era uma crítica velada ao mesmo Anastácio, que ele exaltara nas linhas anteriores. A administração Anastácio Rodrigues na Prefeitura Municipal de Caruaru foi, como João Lyra Filho enfatizou, marcada pela seriedade e pelo zelo para com a coisa pública. Essa obstinação pela correção no serviço público e o fato de querer o bem comum para Caruaru o fizeram conquistar inimigos entre os seus próprios aliados. No último dia de governo, Anastácio chegou num carro de praça à Rua da Matriz, para passar o cargo a João Lyra Filho. O carro de aluguel não foi utilizado por modismo ou para mostrar uma falsa humildade. A verdade é que Anastácio, mesmo sabendo dirigir, não possuía um carro. Ele não enriqueceu fazendo política. Nunca foi homem de posses. A escassez de recursos sempre foi algo determinante em sua vida. A casa onde mora, no bairro Maurício de Nassau, foi construída através de empréstimos contraídos por ele e pela esposa, que é professora aposentada. O terreno, comprado de Altair Porto, em 1955, sob promessa de compra e venda, foi o único bem constante da declaração apresentada à Justiça Eleitoral, quando assumiu e quando entregou o cargo. Anastácio pagava, com sacrifício, 1.125 cruzeiros mensais pela aquisição do terreno, localizado sobre um barreiro e que lhe causou muitos problemas quando foi construir. O projeto da residência, onde ele mora até hoje, foi um presente do arquiteto Jonas Arruda, autor do projeto da Casa da Cultura José Condé. Pelas condições financeiras limitadas, Anastácio só iniciou a construção das obras anos depois de ter saído da Prefeitura. “Quando fui demitido do Itaú, entrei na Justiça contra o banco e ganhei a causa. Recebi o dinheiro e comecei a obra. Minha esposa era funcionária estadual e conseguiu um financiamento junto ao IPSEP. E assim conseguimos construir a casa”, revela.
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ROMPIMENTO E OSTRACISMO
O ex-prefeito conta que evitou construir o imóvel quando administrava Caruaru para evitar comentários maldosos. O secretário da Fazenda, Edson Barros, também suspendeu o projeto de construção de sua casa própria, pelo mesmo motivo. “Havia rumores na cidade de que o prefeito Antonio Nunes de Barros [1938-1940] havia construído uma casa com dinheiro da Prefeitura”, rememora Anastácio, que previa a mesma acusação por parte de seus inimigos. “Sempre pedi a Deus que nunca me fizesse um homem rico, mas que nunca me faltasse o pão à mesa”, completa. A aposentadoria dos tempos de bancário é sua única fonte de renda e garante a sobrevivência até hoje. Anastácio é daqueles casos raros na política. Não que todo político seja necessariamente corrupto. Mas, num segmento em que impressiona a forma rápida como muitos enriquecem, chama ainda mais atenção o fato de um homem que esteve à frente de importantes cargos públicos e privados viver como vive Anastácio. Mesmo os adversários mais ferrenhos eram forçados a admitir que Anastácio Rodrigues, pessoalmente, não se locupletara à custa do período em que esteve no poder. Mas as limitações financeiras não foram responsáveis pelo desânimo e por enquadrá-lo num ostracismo terrível, depois que deixou a prefeitura de Caruaru. A postura inflexível em relação à ética no mandato público o fez conquistar muitos inimigos na política. O principal motivo, ele não esconde: “Eu não fui um instrumento do grupo que me apoiou”, alega. E explica: “Eu não me afastei da política. Eu fui afastado. Na verdade, eu fui traído. A política é terrível e miserável”. Durante os quatro anos de mandato, o prefeito Anastácio disse muitos “nãos” à população e, com maior ênfase, aos membros de seu grupo político. Perseguindo o propósito de restaurar e desenvolver Caruaru, entendeu que deveria ser intransigente nesse aspecto. Quando assumiu a prefeitura, por exemplo, havia ao lado do Lactário Amélia de Pontes, no centro da cidade, várias barracas de comida regional, que ele deu ordem para retirar. “Um povo humilde, que votou em mim, e eu tirei dali. Caruaru exigia que eu assim procedesse”, lamenta. Anastácio também negou muitos pedidos de emprego e outras facilidades que a população reivindicava, mas iam de encontro ao interesse coleti-
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vo. Depois de promover demissões em massa e criticar seu antecessor pelo excesso de servidores, ele não poderia superlotar a administração. As despesas aumentariam e a receita era, de fato, limitadíssima. Mesmo assim, seu amor por Caruaru acabava sendo compreendido pelo povo. Prova disso é a popularidade com que deixou o cargo. Difícil mesmo foi convencer os próprios pares. No exercício de seu mandato, Anastácio buscou combater os que se viciaram em cultivar a atividade pública como meio de subsistência e instrumento de simples acomodações pessoais. Adotou uma postura inflexível em relação aos recursos públicos, travando lutas diretas com a população, a quem exigiu o pagamento de tributos, e setores como a Associação Comercial, onde imperava a prática de sonegação de impostos. Pela primeira vez na História da cidade, um líder político buscou sua legitimação na ética e na disciplina para com a função que exercia e no zelo com o erário, o que ajudou a cristalizar sua figura, no imaginário popular, como o prefeito mais honesto da História política de Caruaru, epíteto baseado em critérios subjetivos e ao mesmo tempo concretos. Muitos prefeitos pediram ao Governo do Estado a doação do Campo Experimental, conhecido como Campo de Monta. Abel Menezes, Sizenando Guilherme de Azevedo, João Lyra Filho e Drayton Nejaim. Anastácio não prometeu ao povo que iria pedir o Campo de Monta. “Evitei prometer. A nossa campanha fundamentou-se no seguinte: reconstruir Caruaru”, insiste em citar. Não prometeu, mas conseguiu a doação do espaço através do governador Nilo Coelho, como já foi citado neste livro. Uma grandiosa área, no coração da cidade. Sua meta era construir ali o Centro Cívico, previsto no Plano Diretor do município. Havia, inclusive, uma maquete do projeto, que se “perdeu” através dos anos. Anastácio diz que toda documentação do Plano Diretor foi destruída no governo Drayton Nejaim. O Centro Cívico iria abrigar as sedes da Prefeitura, da Câmara de Vereadores e do Fórum de Justiça. Projeto de Antônio Baltar, um dos grandes urbanistas do Brasil, responsável pela elaboração do Plano Diretor de Caruaru, à época. Certo dia, o prefeito Anastácio recebeu, em seu gabinete, a visita do deputado João Lyra Filho, acompanhado por um diretor do Departamento de
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ROMPIMENTO E OSTRACISMO
Terminal Rodoviário de Pernambuco (Deterpe). João Lyra o apresentou, embora Anastácio já o conhecesse, vez que ele havia acompanhado o embaixador da Holanda, como intérprete, numa visita feita pelo diplomata a Caruaru, pouco tempo antes. Ato contínuo, João Lyra se retirou e sentou-se num sofá adquirido pelo ex-prefeito Drayton Nejaim, na feira de Caruaru, e que compunha o mobiliário do Palácio Municipal. “Seu João, pode se aproximar. O assunto aqui é de interesse comum”, solicitou Anastácio, na ocasião. João Lyra, então, se reaproximou. – Prefeito, o terminal rodoviário será construído no antigo Campo de Monta, anunciou o diretor do Deterpe. – Ali, não. Eu não pedi o Campo de Monta a Dr. Nilo para construir o terminal rodoviário. Ali será o Centro Cívico de Caruaru, contrapôs o prefeito. – Anastácio, até logo. Disse João Lyra, com indignação, retirando-se em seguida. A negativa foi suficiente para gerar um clima tenso entre Anastácio, João Lyra e seus familiares nos dias seguintes. “Eu não fui um instrumento do grupo que me apoiou e não fiz o que eles queriam que eu fizesse. Porque eu posso dizer que não fui candidato dos Lyra. A minha candidatura nasceu na rua. E isso ainda hoje dói neles, um ‘não’ que eu disse a Seu João”, revela. “Quem estava ali não era o candidato a prefeito de Caruaru apoiado por João Lyra Filho. Quem estava ali era o prefeito de Caruaru. E eu dei um não, pensando no amanhã de Caruaru”, exime-se Anastácio. Empresário do ramo de transportes, João Lyra Filho tinha interesse na construção do terminal num local próximo do centro da cidade. Mas Anastácio, outra vez, dizia não a seus aliados, “para dizer sim a Caruaru”, justifica. O fez, mesmo sabendo as consequências desastrosas que seus posicionamentos poderiam gerar. “O meu gesto, defendendo os interesses de Caruaru, me custou caro”, avalia. Outro fato que certamente desagradou foi o veto de Anastácio à compra de passagens de ônibus à empresa Caruaruense, custeadas com recursos públicos e destinadas a pessoas carentes que precisavam viajar até a capital pernambucana. O prefeito não gostou de saber que algumas pessoas pediam as passagens e usavam para outras finalidades, algumas vendendo os
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Da esquerda para a direita: Armando Cairutas, Eraldo Gueiros, Anastácio Rodrigues e João Guilherme de Pontes Neto
bilhetes para comprar bebida alcoólica. A partir de então, determinou que as passagens doadas para viagens ao Recife seriam feitas exclusivamente através do trem – naqueles tempos, um dos meios de transporte mais utilizados pela população. “Falei com o agente da REFFSA, ele fornecia as passagens e no final do mês a prefeitura pagava”, recorda Anastácio. Ele diz que a família Lyra não gostou da decisão, mas assegura que não tomou a medida por maldade ou por vingança, mas para evitar o comércio ilegal dos bilhetes entre os beneficiários. A intransigência de Anastácio quando o assunto era a ética no governo não se tratava de revanche ou pretensão de mostrar-se como uma nova e independente liderança. Por esse motivo, a postura inflexível não era apenas em relação aos padrinhos políticos, atingia até os aliados mais diretos, como o vice-prefeito Zezinho Florêncio. Anastácio tinha por ele uma estima reconhecida por todos que convi-
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Inauguração da Barragem de Tabocas que recebeu o nome do ex-prefeito Gercino de Pontes
viam junto aos dois. Entretanto, quando se tratava das questões do governo, o lema era amigos sempre, até que não lhe pedissem algo que ferisse seus princípios. Certa vez, Zezinho foi até o gabinete do prefeito pedir que fosse liberada a soltura de um animal apreendido de um correligionário seu. Anastácio falou que não via nenhum problema, desde que ele pagasse a taxa de liberação. O vice-prefeito não aceitava que o correligionário pagasse a multa. Mediante a resistência de Zezinho Florêncio, Anastácio esquivou-se apontando uma solução simples e infalível: “Então, pague do seu bolso!” Fato que o jornalista José Torres nunca esqueceu e recorda aos risos. Anastácio costuma repetir que passou quatro anos dizendo não a pedidos que ferissem seus princípios e, ao mesmo tempo, dizendo sim a Caruaru. “Eu coloquei Caruaru acima de tudo, até da própria família. Era como se fosse uma obstinação, pela situação em que Caruaru se encontrava. Uma decadência. Uma cidade que não tinha nada, além de problemas à es-
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pera de soluções. E eu mantive uma posição na prefeitura com muito respeito à coisa pública”, avalia. Outro pedido de João Lyra Filho, negado por Anastácio, foi a nomeação do candidato derrotado a vereador, nas eleições de 1968, Wanderley Francisco de Oliveira, para chefe do Departamento de Estrada e Rodagem. “O senhor é muito frio”, acusou Wanderley, após ser preterido. “Para essas coisas eu sou mesmo”, retrucou o prefeito, limitando-se a um comentário lacônico. “Wanderley me causou muitos problemas”, diz Anastácio. A conversa, todavia, ocorreu num clima de grande tensão. Por haver “apoiado” a candidatura do prefeito, Wanderley se achava no direito de solicitar uma secretaria para atuar. Mediante a negativa de Anastácio, passou a ameaçá-lo. No interior do gabinete, Wanderley estava irredutível, o que levou o assessor de imprensa José Torres e o secretário de Administração Carlos Toscano, a se posicionarem logo ao lado de Anastácio, a fim de evitar uma possível agressão. Resoluto, o prefeito pediu que Wanderley se retirasse do gabinete, pondo fim ao episódio. “Foram momentos tensos, pois o homenzinho estava irredutível. Mas, graças a Deus, terminou tudo bem”, recorda Zé Torres. Conhecido como “Tigre do Juá”, distrito onde ele “casava e batizava”, ex-policial militar, Wanderley era ardoroso correligionário dos Lyra, logo, inimigo figadal de Drayton. Em 1º de março de 1984, o vereador foi assassinado na frente da Câmara de Vereadores de Caruaru, à vista de todos. O atentado que culminou na morte do vereador foi o quinto sofrido por ele, em sua carreira política. Wanderley Francisco viveu de modo conflitante, tendo praticado e recebido atos de violência com igual intensidade, em sua vida pública. O homicídio é um dos poucos com conotação política de que se tem notícia em Caruaru. As circunstâncias do crime jamais foram esclarecidas, o que deu ensejo às mais variadas suposições, inclusive a de que o político teria sido eliminado por encomenda expressa de Drayton Nejaim. Na versão do falecido juiz Demóstenes Veras, quem o mandou matar fêlo porque temeu ser vítima dele, vez que se tratava de homem valente, capaz de acertar contas pessoalmente com seus desafetos. “Wanderley, sofrendo perseguição de um político influente no município, teria dito que
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ia tomar providências, confidências que o levaram à morte”, escreveu, em seu livro de memórias. Segundo o magistrado, entre os autores do fato, foi visto um ex-capanga de Drayton Nejaim, mas nada se provou, e o crime, mais um dos mistérios de Caruaru, ficou impune. “Se Drayton teve qualquer participação, ele apenas ‘almoçou’ Wanderley antes que este o ‘jantasse’, pois ambos se odiavam e se ameaçavam. O que se estranha é que Fernando Lyra, famoso pela sua bocarra, logo depois de Ministro da Justiça, não moveu uma palha para elucidar a morte do seu antigo e destemido correligionário”, ironizou. Drayton Nejaim, diante da suspeita de participação na morte, recorreu ao presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco, pedindo que designasse um juiz para elucidar o atentado. Ele disse que a morosidade da Justiça em desvendar o assassinato estava lhe causando problemas. “Minha vida está correndo perigo, com telefonemas e com cartas anônimas para mim e meus familiares, por pessoas que suspeitam de minha participação neste crime”, afirmou o deputado. Em seu requerimento, o político foi mais além, abrindo mão de suas imunidades parlamentares e justificou: “pois quero ver este caso resolvido, encontrando-se o verdadeiro ou os verdadeiros criminosos, para que a paz volte a reinar na minha mente e em Caruaru”. Poucos dias após o assassinato, foi aberto um inquérito policial para apurar as causas e a autoria do crime. Um delegado foi deslocado da capital pernambucana até Caruaru, especialmente para acompanhar o caso, que nunca foi desvendado pela polícia. Na época do acontecimento, o empresário Zino Rodrigues, irmão de Anastácio, assumiu o cargo de vereador, na condição de primeiro suplente peemedebista.
À frente do governo municipal, Anastácio Rodrigues ousou ignorar a lógica do clientelismo, em que estavam assentados os alicerces da administração pública no país. Abominava as cartas de recomendação dos aliados, os bilhetinhos em papel timbrado, enviados em favor de apadrinhados políticos. Jamais permitiu a “vasta comilança” criticada no passado pelo es-
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critor Lima Barreto, autor do clássico Triste Fim de Policarpo Quaresma. Apesar de não ter escapado das inevitáveis nomeações dos apadrinhados de sempre, ele impôs certas regras moralizadoras ao expediente do cargo. Logo de início, aboliu o regime da mamata. Nesse sentido, foi um governo extremamente austero, que seguia um padrão de moralidade administrativa. A autonomia que puxou para si, na condução dos destinos de Caruaru, fez com que, em determinado período da gestão, quase todos os seus aliados partidários se afastassem, deixando-o praticamente só na prefeitura. Nota do Diario de Pernambuco, de 23 de outubro de 1971, deixa clara a atmosfera de desconforto entre Anastácio e seus aliados: “Examine-se o atual quadro político de Caruaru e chegar-se-á à conclusão de que o MDB só detém o poder municipal porque a Arena, no último pleito, não soube conduzir a campanha, dividindo-se, dando margem a que um bom nome do MDB sensibilizasse o eleitorado. Nome que, agora, é hostilizado pelos que ontem o aplaudiam. Na verdade, o sr. Anastácio Rodrigues é alvo de severas críticas dos seus próprios companheiros de partido, negando-lhe até apoio, por entender que deve preocupar-se antes de tudo com o Município, superar a qualidade de prefeito oposicionista e não adotar posições radicais, o que, no fundo, reverteria em prejuízo para a administração e, consequentemente, para a própria coletividade”. Isolado, Anastácio prosseguia cada vez mais firme no propósito de administrar com seriedade, custasse o que fosse. Embora não esperasse jamais que sua posição radical fosse resultar numa série de intrigas e contendas. Certa vez, ele recebeu em seu gabinete um homem com a planta de um loteamento. Foi logo abrindo o calhamaço no birô do prefeito e, sem muito pensar, disse: “Anastácio, escolha uns terrenos para você”. “Eu olhei, enrolei e disse: muito obrigado. Em seguida, ele saiu”, rememora Anastácio. A oferta não era um presente. A Prefeitura de Caruaru havia iniciado a pavimentação de uma área que favorecia o acesso ao loteamento do empresário que o procurou, no bairro Maurício de Nassau. Esperto, o homem queria aproveitar a obra e estender os serviços públicos à sua área privada. “Ele se equivocou totalmente. Pensou que eu iria aceitar”, confessa. O loteamento estava localizado no Maurício de Nassau, bairro nobre de
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Caruaru. Se houvesse aceitado a proposta, Anastácio hoje teria um patrimônio milionário. Mas, certamente não teria como justificar os ganhos à população de Caruaru. Ele lembra outro caso parecido. O dia em que o representante de uma fábrica de tratores o convidou para visitar a sede da empresa, em São Paulo. Prometeu, inclusive, custear os gastos da viagem. O intuito, porém, era vender máquinas à Prefeitura de Caruaru. O prefeito cortou o mal pela raiz, afirmando já conhecer São Paulo. “Nós comprávamos muito material elétrico a uma empresa de Garanhuns, chamada F. Moraes. Meu sobrinho Erlandsen Rodrigues trabalhava no Departamento de Energia e me telefonou. Telefone ruim. Ele me liga e diz: ‘Tio, tem aqui uma comissão’. Eu respondi: ‘Diga ao funcionário que abata o valor da comissão na nota fiscal’. Se eu tivesse caído, me denunciavam e eu era cassado. Os proprietários da firma tinham ligações com o ministro Costa Cavalcanti”, confidencia. E seu governo foi recorde em investigação. Pelo menos 12 comissões foram implantadas ao longo de quatro anos para investigar a administração. As chantagens também partiam da Câmara. Como já vimos, o vereador Salvador Sobrinho enviou recado ao prefeito Anastácio, através do vereador Zezito Florêncio, afirmando que votaria favorável ao orçamento de 1972 – derrotado pelo Legislativo –se pudesse colocar subvenções nele. “Diga a ele que derrote, mas ele não come”, ordenou um furioso Anastácio. Foi necessário apelar ao governador Eraldo Gueiros. Este interveio e argumentou que Anastácio desempenhava um bom governo. Em vão, tentou convencer os vereadores arenistas. Mas a oposição, liderada pelo vereador José Rabelo, disse não ao líder e derrotou o orçamento. Coube ao prefeito promulgá-lo, em caso inédito na História de Caruaru. Em junho de 1972, aproximava-se a sucessão. Ante à impossibilidade de reeleição – o que era proibido pela Lei –, o prefeito reuniu o secretariado e comunicou, sem rodeios, que o assunto da reunião era político. Afirmou não ter candidato até aquela data e deixou claro que, quando chegasse a um consenso em relação ao nome, a máquina pública não seria utilizada para elegê-lo, nem a Prefeitura subiria ao palanque. Durante a campanha, Anastácio ia aos comícios num carro de praça, jamais usou o carro ofi-
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cial do prefeito para esse fim. Mesmo negando, Anastácio já tinha um candidato em mente: João Lyra Filho. O deputado, recém viúvo, resistiu até o último instante. Fernando Lyra também tinha alguns nomes, chegou, inclusive a cogitar a candidatura do radialista José Almeida. Mas Mário Menezes era o membro do MDB mais entusiasmado para suceder Anastácio – mesmo sem citação do seu nome em qualquer pesquisa de intenção de votos. Advogado e executivo financeiro de instituições ligadas à Diocese de Caruaru, Mário Menezes era o filho primogênito do ex-prefeito Abel Menezes, que governou Caruaru entre os anos 1951 e 1954. Nas eleições municipais de 1955, Mário foi eleito vereador, pela legenda do Partido Social Democrático (PSD). Era amigo dos irmãos Irineu e José de Pontes Vieira, comandantes do partido e líderes da política caruaruense por quase 25 anos. Após a ditadura militar de 1964, Mário Menezes filiou-se ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e depois ao PMDB. Foi diretor financeiro da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru (Fafica) durante 37 anos (1973 a 2010). No Colégio Diocesano, exerceu a mesma função entre 1995 e 2010, ano em que faleceu. Mário era pai do ex-vereador José Carlos Menezes. Na época em que estava concluindo sua administração, Anastácio Rodrigues morava na Praça Gercino Tabosa e Mário foi procurá-lo. Chegou afirmando que tinha assunto importante a falar. Também condicionou a reposta. Dependendo dela, os dois seriam mais amigos do que já eram ou passariam a inimigos. Em seguida, foram até a prefeitura. E Anastácio deu a cartada final: “Você não ganha a eleição. Nem na pesquisa aparece o seu nome”, cravou. Anastácio jamais o apoiaria e Mário saiu do lugar desnorteado. Mal conseguia enxergar o próprio carro, estacionado no lado esquerdo da rua, caminhando de forma equivocada para o lado direito. Os dois passariam longos anos sem ao menos se cumprimentar [Só voltariam a se falar quase duas décadas depois, quando Mário estava com problemas de saúde e Anastácio foi visitá-lo]. Mas o pior estaria por vir. Decepcionado, por não contar com o apoio do prefeito, Mário Menezes armou um plano para se vingar de Anastácio. E conseguiu. Nos círculos da política, todos sabiam que Mário Menezes mantinha a pretensão de algum dia se tornar prefeito de Caruaru. E antes mesmo que
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Anastácio Rodrigues fosse eleito, Mário já começou a preparar o terreno para sucedê-lo na Prefeitura. A relação entre Anastácio e o vice-prefeito Zezinho Florêncio chama a atenção. Porque tinha tudo para não ser das melhores. Mas foi. Oriundo do antigo PSD (Partido Social Democrático), Zezinho foi indicado ao cargo de vice exatamente por Mário Menezes. Inicialmente, Anastácio havia sondado um empresário chamado Ademário, por sugestão dos Lyra. A ideia era apresentar uma chapa de renovação, com um vereador destacado (o próprio Anastácio) e um jovem empresário, Ademário, que não aceitou o convite – e perdeu a chance de se tornar vice-prefeito de Caruaru. De maneira arbitrária, Mário Menezes aproveitou a indecisão em torno do nome e impôs Zezinho Florêncio como candidato a vice. A justificativa: seria uma forma de homenagear o PSD, partido comandado pelos Pontes Vieira e do qual Mário também fez parte, elegendo-se vereador em 1955. Foi uma surpresa. Anastácio e João Lyra Filho entreolharam-se quando Mário anunciou o nome de Zezinho, mas não houve contestação. Anastácio e Zezinho foram eleitos prefeito e vice, na eleição de 1968 e mantiveram uma relação pacífica e respeitosa ao longo dos quatro anos de governo. “Considero Zezinho um homem de caráter. Não me causou o menor problema”, assegura Anastácio. Os dois mantiveram muitos diálogos a portas fechadas no gabinete do prefeito. “Ele era bem mais velho e me deu muitos conselhos. É uma figura de que não me esqueço e a quem presto minha homenagem”, completa. Apesar da boa relação, Zezinho Florêncio nunca chegou a assumir o governo na ausência de Anastácio. Por dois motivos. Primeiro, por sua própria limitação. Zezinho costumava dizer a Anastácio que se algum dia tivesse que comandar o governo não assinaria nada. “Porque aqui eu não entendo de nada”, explicava. Depois, o próprio Anastácio foi sempre cauteloso em relação ao poder. “A situação de Caruaru não me permitia tirar licença”, afirma. Mas não era apenas a tensão do período de ditadura e a recorrente ameaça de cassação que preocupavam Anastácio. “Se eu passasse o governo para Zezinho, a influência de Mário recairia sobre mim”, revela. Embora insista
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que Zezinho Florêncio não lhe causou problemas, Anastácio estava consciente dos planos de Mário Menezes. Sabia que seu amigo e vice-prefeito poderia ser um instrumento fácil para os planos de Mário. Ao contrário do que acontece hoje em dia, quando os políticos que ocupam postos de vice-prefeito ou vice-governador, por exemplo, recebem uma infinidade de cargos para indicar pessoas de sua confiança na máquina pública, Anastácio nomeou para o governo municipal apenas uma pessoa indicada por Zezinho Florêncio: seu genro Sebastião Siqueira Bitu, diretor do Departamento de Estradas de Rodagem durante os quatro anos. Mais uma vez, sua postura intransigente em relação ao poder e o bloqueio que impôs a Mário Menezes lhe causaria problemas. “Mário tentou me intrigar com a família de Zezinho Florêncio. Tomei conhecimento dos fatos anos depois”, revela Anastácio. E não parou por aí. “A figura fuxiqueira, encrenqueira, o pivô das intrigas foi Mário Menezes”, acusa Anastácio. Ele afirma que quando tomou posse, em 1969, Mário queria indicar os secretários de Educação e da Fazenda, para ter forte influência na gestão. “Caruaru não tinha material humano técnico. Coloquei Zé Rodrigues, irmão de Celso Rodrigues, para ser secretário de Educação. Mário discordou. Disse que Zé Rodrigues não podia ser secretário porque ele teve um caso com uma funcionária do Círculo Operário. Mário também passou quatro anos lutando para derrubar Edson Barros. E eu dizia: ‘Esse aí, ninguém derruba!’”, confidencia o ex-prefeito. Segundo Anastácio, José Rodrigues foi exonerado do cargo “por incompetência”. Em seu lugar, assumiu a pasta da Educação o secretário Antônio Cláudio Pedrosa, que Anastácio considera “um Judas” e evita até pronunciar o seu nome. Durante a campanha de 1972, Antônio Cláudio deixou a função para se candidatar a vereador. O chefe de gabinete do prefeito, Humberto Fonseca, assumiu a secretaria. “Outro que eles massacraram foi Humberto Fonseca. Ele ficava no gabinete, com um radinho de pilha, ouvindo as críticas que faziam ao meu governo. E eu dizia: ‘Humberto, não se preocupe. Eu vou responder a esses filhos da puta com trabalho’. Aprendi com Dr. Nilo Coelho. Ele dizia que não promovia nenhum filho da puta”, comenta Anastácio. Assim que João Lyra Filho tomou posse, em 31 de janeiro de 1973, Mário Menezes e seu grupo de amigos montaram um esquema de intriga que cul-
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minou com o rompimento entre Anastácio e os líderes do MDB em Caruaru, neste caso o próprio João Lyra e seu filho, o deputado Fernando Lyra. O “grupo que cabia num fusquinha”, como cita Anastácio, era formado pelo próprio Mário, o vereador Luiz Gonzaga, Paulo Clemente e José Rodrigues – primo de Anastácio. “Uma verdade minha era uma mentira para seu João e uma inverdade de Mário para ele era uma verdade. Mário, ainda magoado, quando eu estava para terminar o governo, conseguiu o rompimento”, confidencia Anastácio. Apesar da fofoca e das intrigas, Anastácio diz que continuou agindo da forma mais correta possível. “Nenhum prefeito, na História de Caruaru, agiu como eu agi, com correção. Eu desafio!”, define, sem qualquer modéstia. Nessa época, ele conquistou para Caruaru a construção do canal do Salgado. Calado, no silêncio. Isso porque Anastácio pertencia ao MDB, partido de oposição ao regime militar, em plena ditadura. Período de eleição, João Lyra Filho candidato, na praça pública. Anastácio escondeu o quanto pôde, pois Drayton Nejaim era ligado a Costa Cavalcanti, Ministro do Interior e poderia atrapalhar o projeto, por questões politiqueiras. Anastácio e seu Secretário da Fazenda, Edson Barros, foram até o novo prefeito para anunciar a conquista. “Seu João, nós conseguimos a construção do canal do Salgado. A obra vai custar CR$ 1 milhão e 600 mil. Do nosso governo, serão destinados CR$ 100 mil e do senhor CR$ 500 mil para pagar nos quatro anos. Não vai comprometer o seu governo”, disse, textualmente. Como vimos, antes de deixar o cargo, o prefeito Anastácio Rodrigues também concedeu aumento de 50% ao funcionalismo, pois não havia feito correção durante os quatro anos de gestão. Outra vez, fez questão de anunciar a seu sucessor. Pedia que Edson Barros – homem de sua inteira confiança – explicasse os detalhes técnicos. “Eu não tinha obrigação de dar satisfação a João Lyra. Eu era o prefeito. Mas ele era meu amigo, meu candidato. Então, eu agi assim”, defende-se. Até o orçamento do ano seguinte, 1973, aprovado pela Câmara, Anastácio entregou a João Lyra para que ele elaborasse seu plano de governo. – Seu João, aqui está o orçamento. – O que é isso, Anastácio?
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– É o orçamento, Seu João. Faça o seu plano de governo. “Ninguém agiu errado”, justifica Anastácio, que demonstra muita decepção ao relembrar esses episódios. “O que fizeram comigo foi uma traição, uma vingança, porque eu não fiz o que eles queriam. Eu não sabia. Porque nós pregamos na praça pública a continuidade administrativa. Eu dizia: João Lyra será a continuidade do nosso governo”, assegura. Antes de tomar posse, João Lyra Filho telefonou para Anastácio e, de forma autoritária, pediu que fosse até sua casa explicar o aumento de 50% que deu ao funcionalismo ao final do governo. O prefeito eleito estava com seu filho, João Lyra Neto, que fez questionamentos às medidas tomadas por Anastácio. “Ele achou que o aumento era para prejudicar o governo do pai dele”, argumenta Anastácio. Acompanhado do secretário da Fazenda, Edson Barros, Anastácio já havia explicado a João Lyra Filho que daria aumento de 50% ao funcionalismo, porque durante os quatro anos de governo, pelas dificuldades enfrentadas, não concedeu benefícios aos servidores. Mesmo assim, quando ele lhe telefonou pedindo que fosse até sua casa, não se negou. “Fomos conversar. Eu paz e amor. João Lyra morava na Rua Professor José Leão. Conversamos a respeito e ficou provado que não prejudicou a ele, pois no primeiro ano de governo João Lyra arrecadou mais do que eu em quatro anos. Deixamos a prefeitura organizada”, enfatiza. No final da gestão, Celso Rodrigues e Pedro Alencar faziam as pesquisas de intenção de votos para o grupo. Entregaram os números a Anastácio e constataram que ele deixaria a Prefeitura de Caruaru com o ibope mais alto do que Aluísio Alves, governador do Rio Grande do Norte. Tanto que ele fez o sucessor, e com maioria na Câmara de Vereadores. José Queiroz, na época membro do MDB, disse, em depoimento ao autor, que nunca conheceu os detalhes do rompimento entre Anastácio Rodrigues e a família Lyra. Mas, recordou os boatos que circularam na época. “Nunca perguntei aos Lyra e a ninguém. Eu não gosto desses meandros. Mas eu ouvia falar que Anastácio se dizia independente e não aceitava ser manipulado. Mas isso, de rua, foge à regra. Não é fonte oficial, nem leva a uma verdade histórica”, esquivou-se o ex-prefeito. Já Anastácio conta uma versão diferente para o fato. Recorda, inclusive,
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que Queiroz o procurou, em seu gabinete, para informá-lo sobre a fogueira de intrigas e armações que estava acesa nos bastidores. “Vim lhe alertar sobre as fofocas”, teria dito, na ocasião. Ele, todavia, não deu importância ao comentário, talvez por lhe faltar a devida consciência do que se passava ao redor. E, assim, não pôde evitar o que estava por vir. Entre os oposicionistas, a ideia do rompimento teria sido prevista por ninguém menos que Drayton Nejaim. Nabor Santiago, aliado do ex-prefeito e ex-deputado, comenta o episódio. “Drayton dizia que os Lyra elegeram Anastácio para ser ‘pau mandado’ e que ele não iria aceitar”, comenta Nabor. Conhecedor da personalidade de Anastácio, Drayton fazia, inclusive, previsões entre seus aliados, com relação ao adversário. “Esse vereador, que sempre me detratou, vai terminar em outras linhas políticas”. O tempo mostraria que ele tinha toda razão. Na visão de Anastácio, os líderes de seu antigo grupo temiam uma nova liderança. “O meu ibope estava lá em cima. Eles temeram, pensaram que eu tinha pretensão política. Inclusive, para deputado federal ganhei de Fernando Lyra na pesquisa. Não fui candidato porque não tinha apoio”, gaba-se. “Sabe o que os eleitores diziam? ‘Seu João, hoje é o senhor, amanhã será Anastácio’. Já estavam lançando minha candidatura de sucessão. E eu, tranquilo, pregando a continuidade. Essa correção que tive para com eles”, enfatiza. A situação piorou ainda mais no dia da posse, quando João Lyra Filho perdeu a eleição da Mesa Diretora da Câmara. Através de conchavos e negociações de bastidores, o vereador José Rodrigues da Silva, primo de Anastácio, foi eleito presidente do Legislativo, derrotando o candidato do novo prefeito. Responsabilizaram Anastácio pela derrota, embora ele negue até hoje ter sido o responsável pelos acordos. “Eu não participei. Pelo contrário, condenei a postura de Zé Rodrigues. Eu e meu irmão, Zino, pedimos que ele não participasse de qualquer conchavo político, mas aconteceu”, reforça. No último dia do governo, Anastácio estava bastante ansioso pela inauguração da Casa da Cultura José Condé. Constantemente sondado por Fernando Lyra, disse-lhe que o presidente da Câmara deveria ser Antônio Cláudio (diretor do Colégio Municipal em sua gestão, eleito vereador em 1972, com apoio de Anastácio). João Lyra deu ao filho Fernando a missão de dialogar com a bancada dos
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sete vereadores eleitos pelo MDB, que era maioria. Durante as negociações, confessou a Anastácio: “Eu botei na cabeça que não vou fazer a mesa e encarreguei Fernando”, preconizou. Anastácio diz que o preveniu, fazendo-o lembrar que depois de diplomados, os vereadores mudam facilmente de opinião. Magoado por ter tido sua candidatura a vice-prefeito liquidada, o vereador Zezito Florêncio liderou o movimento que elegeu José Rodrigues presidente da Câmara. Anastácio recorda que estava em casa, assinando documentos, acompanhado por seu Secretário de Administração, Carlos Toscano, quando ouviu o fato pelo rádio. “Foi uma notícia que eu não gostaria de ouvir. Eu não esperava”, confessa. Em conversa com João Lyra, Anastácio disse-lhe que os vereadores não viam em Fernando Lyra a pessoa do prefeito, por isso o derrotaram. “Até hoje, não sei quem foi o candidato de João Lyra”, garante. O esquema armado para intrigar Anastácio e os Lyra foi algo nunca antes visto na História política de Caruaru. Inicialmente, grande parte do secretariado de Anastácio foi reaproveitada no segundo governo João Lyra Filho. “Para afastar de minha pessoa”, garante. Até na campanha, tentaram anulá-lo, com a escolha do candidato a vice. Durante as primeiras negociações, foi sondado o nome de José Florêncio de Souza, o Zezito Florêncio. João Lyra questionou, inclusive, a opinião de Anastácio acerca do nome. “O que você acha de Zezito candidato a vice-prefeito?”. “Seu João, ele é meu amigo”, comentou Anastácio, apenas confirmando a viabilidade do nome. Naqueles dias, houve uma reunião numa residência em frente ao Campo do Central. O bancário e radialista José Queiroz liderava o grupo. “Sem que eu soubesse, queimaram a candidatura de Zezito Florêncio e colocaram Luiz Gonzaga”, diz Anastácio. O Centro da Juventude Josepha Coelho foi outro mote de intrigas. Isso porque se cogitou a possibilidade de nominar o espaço de Guiomar Lyra, em homenagem à ex-primeira dama. Mas Anastácio defendeu a homenagem a Nilo Coelho, por tudo que o político fizera por Caruaru. E acabou magoando outras pessoas. Talvez, por esse motivo, o prefeito João Lyra Filho não deu a devida atenção ao espaço durante seu governo. “O Centro da Juventude passou a ser alojamento dos sem teto e Drayton Nejaim acabou ven-
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dendo-o ao Sesc por Cr$ 800 mil”, critica Anastácio. Em meio à crise, o prefeito eleito João Lyra Filho chegou a convidar Anastácio para assumir a Secretaria de Administração. Mas ele negou o convite. Um amigo lhe aconselhou. Nilo de Souza Coelho, ex-governador de Pernambuco, exatamente no dia 28 de janeiro de 1973, durante a inauguração do Centro da Juventude Josepha Coelho. “Ele pode ser o seu melhor amigo, mas não aceite”, aconselhou o governador. “Eu teria sido muito humilhado se houvesse aceitado”, reconhece, hoje, Anastácio. Mesmo tendo motivos para encarar Anastácio Rodrigues como adversário pessoal e político, João Lyra enxergava nele um grande administrador. Muitos anos depois, em entrevistas ao jornalista Celso Rodrigues, autor de sua biografia, Lyra classificou a gestão de Anastácio como excelente, sem, todavia, esconder seu desapontamento. “Anastácio deixou a marca de excelente prefeito. No entanto, não soube reconhecer os amigos. Um problema dele que pouco me interessa. O que valeu foi a seriedade que consagrou a sua administração”, resumiu. João Lyra Filho também narrou como se deu a escolha de Anastácio para a disputa. “Nessa época, a revolução, o golpe, estava no auge. As coisas eram muito difíceis e deputado e nada eram a mesma coisa no Congresso. Não representava nada. Veio 68, convidei João Miranda para ser candidato, ele não quis. Depois convidei Zé Queiroz, pois eu já conhecia seus propósitos. Já tinha amizade com ele. Queiroz já era funcionário do Banco do Brasil e não quis”, revelou. Sem um candidato forte para a disputa, João Lyra se renderia ao nome do então vereador Anastácio Rodrigues. “Depois convidamos Anastácio, que tinha sido meu Secretário de Educação, um excelente secretário. Construiu dezenas de grupos [escolares] no interior, que ele conhecia mais do que eu. Ele foi escolhido candidato, um candidato a essa altura, de protesto, porque o candidato de Drayton era Liberato”, argumentou.“Acontece que Anastácio, muito impetuoso – é do temperamento dele –, mudou e ganhou com três mil e tantos votos de diferença. Foi uma revolução em Caruaru”, considerou. As divergências entre Anastácio e o grupo Lyra se acentuaram ao longo de sua administração, embora, ao final do governo, ele tenha indicado João Lyra Filho como sucessor e tenha trabalhado incansavelmente por sua vitó-
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ria. João Lyra quis indicá-lo candidato a deputado estadual, em 1974, mesmo contra a vontade dos filhos e da maioria de seu grupo político. Anastácio, magoado, não aceitou. “Seu João disse, certa vez, e eu tomei conhecimento, de que eu era tão ruim que não coloquei meu irmão Geraldo, pai de Tony Gel, para trabalhar na prefeitura”, revela. Anastácio diz que, se houvesse nomeado o irmão, teria feito um mal a ele, ao invés de um bem. A maneira pessoal de enxergar a coisa pública não lhe permitia tratar questões políticas – e que envolviam dinheiro público e a condução dos destinos de Caruaru – no campo pessoal. “Quando eu era prefeito, minha esposa ensinava na Escola Professora Sinhazinha e ia a pé dar aulas. Nunca mandei carro da prefeitura levá-la”, justifica-se. Qualquer divergência de opinião era motivo para atritos entre Anastácio e João Lyra naquele período. Algum tempo depois da eleição de 1972, eles foram almoçar no restaurante Leite, no Recife. Anastácio, João Lyra, Celso Rodrigues e um candidato a deputado estadual que a família Lyra apoiou na eleição de 1970. Depois do almoço, o prefeito Anastácio chamou o garçom e pediu a nota. Assegurou que como estavam na capital a serviço do município, a prefeitura pagaria apenas a comida. A bebida seria paga por fora. E fez questão de pagar com seu próprio dinheiro. - Tá vendo que eu não faço isso, reclamou João Lyra, insatisfeito. - Seu João, eu sempre procedi assim, emendou Anastácio. Ele diz que queria evitar críticas. “O funcionalismo estava passando fome e a prefeitura pagando bebida?”, questiona. Rubens Júnior, ex-chefe de gabinete de João Lyra Neto no Governo de Pernambuco, explica que João Lyra Filho tinha um respeito muito grande por Anastácio, apesar dos ressentimentos. “Quando assumiu o governo, Anastácio se aproximou muito da direita. João Lyra achava que ele deveria ter uma posição contrária. Anos depois, fez movimentos políticos com Tony Gel [principal adversário dos Lyra, a partir de 1988]. Entendo que Anastácio cometeu alguns erros que o afastaram”, cita. Os erros, na visão de Rubens, foram divergências de condução do processo político. “Não identifiquei nada que fosse forte, do ponto de vista pessoal”, ressalta, ao recordar conversas que manteve com João Lyra Filho sobre Anastácio e a política caruaruense.
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Apesar das divergências ocorridas no passado entre Anastácio e os Lyra, Rubens Júnior ressalta a sua importância para Caruaru. “Anastácio foi um prefeito extraordinário. A sua marca foi da responsabilidade e da honestidade, mesmo enfrentando muitas dificuldades financeiras. Enquanto a marca de Drayton era a irresponsabilidade. Drayton era um líder popular fantástico, mas era inconsequente”, avalia. Ao relembrar o episódio do rompimento, que costuma definir como sendo “o maior equívoco cometido pelos Lyra”, Anastácio diz que foi surpreendido com a sucessão dos fatos. “Eu não esperava. Eu fazia parte de um grupo, fazia parte do MDB. Com que estrutura eu iria criar outro grupo? Sem dinheiro, você não mantém liderança. O que eu tinha, além de um emprego, uma mulher e duas filhinhas?”, questiona, com pesar. O ex-governador João Lyra Neto atribui o rompimento à ausência de capacidade de articulação em Anastácio. “João Lyra Filho tinha uma grande capacidade de articulação e Anastácio não teve essa capacidade. Ele se isolou. Anastácio se assustava muito com a possibilidade de alguém mandar no seu governo. Não era essa a intenção de João Lyra. Ele queria participar das discussões, dos projetos”, comenta. Segundo Lyra Neto, por falta de experiência e poder de articulação, Anastácio se isolou muito “e em determinados momentos foi prefeito sozinho”. Quatro décadas depois, João Lyra Neto – que à época era presidente do diretório municipal do MDB – afirmou que hoje não acredita na possibilidade de Anastácio ter pretendido tornar-se uma liderança independente, como fez José Queiroz. “Foi inexperiência política de Anastácio. Ele é uma pessoa séria, muito honesta”, avalia. O ex-governador cita que Anastácio foi “excelente Secretário de Educação no governo João Lyra Filho” e “excelente vereador”. “Era praticamente o único vereador de oposição a Drayton Nejaim e criou as condições políticas para ser candidato a prefeito, pelo desempenho na Secretaria de Educação, como bancário e vereador de oposição”, argumenta. Na visão de João Lyra Neto, Anastácio Rodrigues foi um político diferenciado. “Era um bancário muito aplicado, um Secretário de Educação muito exitoso, que promoveu a reestruturação da educação municipal no governo João Lyra Filho. Foi um vereador muito atuante, responsável e comprome-
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tido, um prefeito muito honesto e trabalhador”, observa. Como aspecto negativo, João Lyra entende que Anastácio nunca foi possuidor da habilidade política que necessitava ter como prefeito. “O político não precisa abrir mão dos seus princípios, mas precisa ter o espírito de articulação e de conciliação. Eu acho que a única falha de Anastácio é essa. Ele não teve, na sua trajetória política, o poder de articulação que pudesse, pela sua palavra, levar ao convencimento. Sempre agia quase como impositor das ideias –, que, na sua maioria, estavam certas, mas que precisavam de negociação”, ressalta. A falta de habilidade e articulação política contribuiu para a curta trajetória política de Anastácio, acredita João Lyra Neto. “Depois de ter sido um bom prefeito, em 1982 ele foi candidato a prefeito, pela sublegenda, e só obteve quinhentos e poucos votos. Isso foi resultado da sua atuação como articulador político. Essa foi a grande carência que ele teve na sua trajetória”, conclui. Anastácio discorda. E também questiona a capacidade dos antigos adversários. “O que aconteceu entre Zé Queiroz e João Lyra Neto. Façamos um comparativo. A passagem do tempo tem mostrado. Os poderosos não se unem, se justapõem. Por que eu não formei um grupo? Eu fazia parte do grupo Lyra. E só”, argumenta. Até mesmo a inserção de Anastácio Rodrigues na vida política chegou a ser motivo de polêmica entre ele e o ex-prefeito João Lyra Filho. Este último, em entrevista ao Jornal do Commercio, afirmou, certa vez, que a entrada de Anastácio na vida pública ocorreu pelas suas mãos. Afirmação que Anastácio contestou, em texto enviado ao jornal, que transcrevemos a seguir: “Mais uma vez volto às colunas do novo Jornal do Commercio, uma das minhas leituras obrigatórias, a fim de esclarecer ao universo de seus leitores e particularmente aos de Caruaru. O Sr. João Lyra Filho disse no seu pronunciamento, aos meus conterrâneos, o qual foi publicado nesse Jornal, edição de 09 do corrente e comentado pelo sensato e inteligente jornalista e editor Inaldo Sampaio, na sua seção Pinga Fogo, edição do último domingo 10, que a minha entrada na vida pública tinha sido pelas suas mãos, cuja afirmação eu a contesto. Caruaru é uma cidade pobre de história, lugar onde se destroem templos,
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sepultam precocemente vultos que se deram às causas política e religiosa e tem a triste vocação de enaltecer certas figuras, mais pelas conveniências pessoais e nunca pelo valor que realmente possuem. Diante desses fatos, o meu silêncio seria um crime contra a paupérrima história do nosso povo e contra a memória de uma das maiores figuras humanas que Caruaru teve a honra e a grandeza de possuí-lo como um dos seus filhos mais ilustres. Trata-se do dr. João Elísio Florêncio, ex-prefeito de Caruaru, deputado estadual, promotor público, presidente do Banco Nacional de Crédito Cooperativo, diretor de Educação e Cultura do Município, diretor do Jornal A Defesa e respeitável líder católico, funções as quais exerceu com alta dignidade. O dr. João Elísio Florêncio foi um dos meus grandes amigos e padrinho e jamais praticou a indignidade de trair um amigo ou deixá-lo às margens de uma estrada sem estender a sua destra amiga. Foi, na verdade, através de suas mãos, puras e honradas, que ingressei na política de Caruaru, filiando-me, inicialmente, ao Partido Democrata Cristão, que o tinha como seu presidente. Candidatando-me com o seu apoio integral a uma das cadeiras da Câmara de Vereadores, não fui bem sucedido, graças à atuação maléfica dos que usam o processo espúrio de compra de votos. Fato que frustrou o meu dileto amigo João Elísio, por se tratar de pessoa de sua família, a qual se deixou cair nas malhas dos que usam degradante processo de compra de votos nas campanhas eleitorais. Politicamente, o que fui em Caruaru, devo, na sua maior parte, ao meu grande amigo João Elísio, o qual chegou a me indicar ao governador Cid Sampaio para ser o companheiro de chapa do Sr. João Lyra, quando se candidatou pela vez primeira ao mandato de prefeito. Estando à frente dos destinos de Caruaru, como um dos seus mandatários, e num gesto de gratidão e homenagem ao dr. João Elísio, nomeei o seu filho Romero, para ocupar uma das secretarias do nosso governo e na campanha sucessória em que o Sr. João Lyra foi o meu candidato a prefeito, e não admiti a indicação de um outro nome. Fiz questão que o filho do meu amigo fosse um dos candidatos a vereador, ideia levada ao conhecimento do seu genitor. Estava ao meu lado o candidato João Lyra Filho. O dr. Romero foi eleito gra-
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ças ao nosso apoio, ao seu eficiente trabalho e à gratidão que os amigos tiveram para um homem da estirpe do dr. João Elísio Florêncio. Assim procedendo, fico de consciência tranquila perante a memória de um homem que dignificou e elevou o nome de Caruaru, como também presto uma colaboração para a história de nossa terra com fatos verídicos e irrefutáveis”. O ex-vereador José Rabelo, líder da oposição na Câmara durante o governo Anastácio, diz que, durante a administração Anastácio Rodrigues, foi implantada a política do ódio e da repressão, dentro da prefeitura, promovendo toda sorte de perseguições a funcionários suspeitos de pertencer à oposição. “Quem destruiu Anastácio em Caruaru foi Zé Queiroz, Paulo Clemente e Luiz Gonzaga, que criaram o banco dos réus. E Anastácio ficou um cara odiado, mesmo sendo um cara íntegro e honesto e tendo feito obras importantes”, opina. Rabelo diz que “a política do ódio e da perseguição dentro da prefeitura” trouxe consequências muito negativas. “Teve gente que morreu do coração, humilhado, sentado no banco dos réus. Pastor Rubem [Fernandes Prado, secretário no governo Drayton Nejaim] tomou veneno, pensando que ia ser processado, como Drayton foi, por crime de responsabilidade. Tomou chumbinho, na cidade de Panelas. Deram o laudo como morte natural, mas não foi. Foi um médico amigo quem fez, Dr. Luiz Gonzaga, que era Secretário municipal de Saúde [no governo Drayton Nejaim]”, revela. O ex-vereador afirma que também foi vítima do que classifica banco dos réus. “Anastácio me perseguiu, me demitiu do emprego que eu tinha na prefeitura. Enquanto Chico do Leite foi líder do governo e eu líder da oposição, ele quis me demitir e Chico foi correto, disse para ele: ‘Se você tocar num vereador da Câmara pode arranjar outro líder’. Era um banco dos réus para quem fosse eleitor de Drayton”, recorda. Questionado sobre o fato de ter sido perseguidor, Anastácio não nega. “Eu perseguia o atraso e a corrupção. O administrador não pode ser generoso com o dinheiro público. Eu não fui generoso com o dinheiro público. Administrei Caruaru pensando num novo tempo. Construí a estrada do progresso para que meus sucessores pudessem trafegar”, crava. Humberto Fonseca, chefe de gabinete de Anastácio, na Prefeitura de Caruaru, cita que muitas pessoas romperam com o prefeito porque queriam manter no governo um sistema corporativista. “Alguns vereadores,
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por exemplo, queriam angariar dinheiro em troca de votações na Câmara. Ele não aceitava isso. Era pé duro mesmo, batia de frente”, afirma. Dos quatro anos de governo, convivendo diariamente com Anastácio, no ambiente restrito de seu gabinete, Humberto diz que ficaram marcadas a imagem do gestor excelente, correto e de palavra. “Em política, eu convivi com alguns prefeitos. O único em que eu vi honestidade ‘até debaixo d’água’ foi Anastácio. A honradez é uma marca registrada do governo dele”, assegura. Humberto – que entrou no governo sem qualquer aproximação anterior com o prefeito e tornou-se um de seus grandes amigos – comenta que Anastácio não soube ser totalmente político, no sentido geral da palavra. “Se ele tivesse mais habilidade, teria conseguido mais coisas. Mas foi o melhor caminho que ele trilhou, para o bem da cidade, para o bem dele próprio e dos que o acompanharam, com responsabilidade e dignidade”, ressalta. Segundo Humberto, a maior falha de Anastácio foi a ausência de flexibilidade na sua política de gestão. “Ele era rígido ao extremo. E saiu desgastado da prefeitura, porque aquilo que os caras queriam ele não dava, e passavam a ficar contra. Para ser bonzinho, tinha que dar tudo a todo mundo. A cidade, com Anastácio, ganhou muito”, compara. Humberto também não esqueceu comentários feitos à época, após a saída de Anastácio da Prefeitura de Caruaru. “As pessoas diziam que ele saiu como burro, porque nem um carro próprio teve”, conta. “Não estou tirando o mérito de nenhum outro prefeito, mas dos que conheço, foi Anastácio mesmo o mais honesto”, conclui. No campo da habilidade política, as críticas a Anastácio são várias, até daqueles que mais o defendem. Embora essa interpretação, de tão difundida, seja aceita praticamente sem questionamentos, é possível pensar de outra maneira. Anastácio retaliava, mas também falava com sinceridade e realismo. Herdara uma cidade falida. Sabia, desde o início, os desafios e responsabilidades que teria para consertar tudo o que estava errado e permitir que o município retomasse o crescimento. Governou sempre sob tensão e cercado pelo fantasma recorrente da cassação. O tom conciliatório de seu governo, em relação ao regime ditatorial, resultava de uma realidade política e econômica independente de sua von-
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[1] Anastácio Rodrigues e João Lyra Filho: amizade e união política não consolidadas [2] Com Leuraci e Tatiana: retrato de uma família feliz [3] Anastácio buscou legitimação na ética e no zelo com o dinheiro público [4] Sizenando Guilherme de Azevedo, o prefeito do Centenário de Caruaru [5] Ex-prefeito Abel Menezes e esposa [6] Wanderley Francisco de Oliveira, vereador assassinado em frente à Câmara Municipal [7] Nos braços do povo, Anastácio percebia que seu esforço valeu a pena
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[1] Sucessão: Anastácio e João Lyra aguardam o resultado da eleição, em 1972, que reconduziu Lyra ao cargo de prefeito de Caruaru [2] Celso Rodrigues, ainda jovem, oferta retrato ao primo Anastácio [3] As crianças gostavam do prefeito que tinha cara séria, mas era um boa praça
tade. Não poderia deixar-se levar pelo sectarismo de uma corrente, nem tampouco teria condições de governar democraticamente sem o apoio dos governadores arenistas que comandaram Pernambuco naquele período. A imagem de homem austero também era reforçada por ele ser muito reservado. Seu jeito também permitia descrevê-lo como tímido; ninguém conseguia penetrar em seu mundo interior. Tal maneira de ser, introspectiva, fechada, fazia de Anastácio o senhor absoluto e exclusivo dos seus sentimentos e das suas ideias. Os líderes políticos que o apoiaram durante a eleição não encontraram nele um porta-voz de seus projetos e interesses. Enciumados, passaram a enxergá-lo como uma ameaça, alguém que poderia suplantá-los, com pretensão de comando. Não restava outra saída a não ser a de miná-lo em sua ascendente autoridade, desgastando-o perante a opinião pública e levando-o ao inevitável ostracismo político. Afinal, Anastácio não fez fortuna exercendo cargo público, nem ampliou sua influência a ponto de marchar como uma nova liderança, independen-
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te, cercada de adeptos e com força política e econômica para bater de frente com seus outrora aliados. Por isso mesmo, ficou isolado e sem chances reais de voltar a disputar qualquer mandato. Isolado, ao longo do governo, Anastácio não formou uma base de apoio político independente. Ao contrário, viu em João Lyra Filho a figura ideal para sucedê-lo. Acreditou que Lyra faria, mais uma vez, um bom governo, de modo que permitiria ao próprio Anastácio disputar o cargo novamente em 1976. A alternância no poder planejada por Anastácio não se concretizou. As desavenças entre eles se acentuaram logo no início do governo João Lyra, levando ao inevitável rompimento. Para completar, João Lyra não teve, ao longo da administração, o mesmo êxito de quando governou Caruaru na década anterior. Em 1976, o grupo Lyra lançaria como candidato a prefeito o bancário e radialista José Queiroz, derrotado por Drayton Nejaim, que voltava a comandar os destinos de Caruaru, numa fase crítica de sua vida pessoal e política, conforme veremos no próximo capítulo.
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Anastácio não se recorda de ter algum dia conversado com João Lyra Filho para resolver pendências do passado. Provavelmente, nunca o fez. Nos poucos encontros que tiveram ao longo dos anos, o tratamento entre eles era respeitoso, porém frio e distante. Anastácio esteve no lançamento da biografia de João Lyra, escrita por Celso Rodrigues, alguns meses antes da morte do ex-prefeito. Mas, quando Lyra faleceu, não foi ao sepultamento. Com Fernando Lyra, a relação era no mesmo tom. Anastácio fez questão de ir ao Museu do Barro de Caruaru, em 18 de maio de 2009, quando o ex-ministro da Justiça autografou exemplares de seu livro “Daquilo que eu sei”. Fernando tratou Anastácio muito bem e na dedicatória que fez ao ex-prefeito, registrou votos ao “Grande Anastácio”, assim mesmo, com letras grandes. As mágoas, entretanto, não foram superadas. Quando por intermédio de Mércia Lyra mantivemos contato com Fernando para entrevistá-lo, não obtivemos êxito. Fernando questionou, de forma irônica, se o livro era iniciativa do autor ou do próprio Anastácio. Respondemos que foi nossa a iniciativa. Depois, ele sugeriu que enviássemos as perguntas por e-mail, o que fizemos duas vezes. Mas, ele nunca deu retorno. Mércia Lyra nos contou que, ao conversar com Fernando, ele lhe disse que Anastácio lhe traíra no passado. Talvez, por esse sentimento, se negou a falar. Fernando morreu durante a produção deste livro. Anastácio não foi ao seu sepultamento, no Recife, mas compareceu à missa de sétimo dia, na Igreja do Rosário, em Caruaru. Lá, abraçou João Lyra Neto, o único dos Lyra com quem chegou a falar de acontecimentos passados. A conversa ocorreu no velório de seu primo, Celso Rodrigues, morto em dois de dezembro de 2006. Na entrada do cemitério Dom Bosco, em Caruaru, o ex-prefeito, já de cabelos brancos, iniciou um diálogo com João Lyra Neto, a fim de lavar a roupa suja, ou, como o próprio Anastácio definiu, “botar o veneno para fora”. Em tom de desabafo, Anastácio comunicou a João que nunca teve a intenção de formar um grupo político, porque fazia parte do grupo liderado pela família Lyra. Contou também que jamais admitiu Drayton Nejaim na política de Caruaru. “E por que você votou nele?”, questionou João. “Porque Fernando Lyra me pediu”. “Eu disse umas verdades a João, mas era mesmo que não estar dizendo
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nada. Eu falava baixinho, Tony Gel (então prefeito de Caruaru) observando. Celso me deu muito trabalho, a gente brigou muito, desde meninos. Brigávamos e fazíamos as pazes. Mas nas horas difíceis da vida de Celso eu sempre chegava. Sangue, né?”, externa Anastácio, que se refere ao primo como “o homem das paixões”.
A relação de Anastácio Rodrigues com o Legislativo municipal também foi conflituosa. Além de ter minoria na Câmara, ele não atendia às solicitações infindáveis dos vereadores, a maioria delas de cunho pessoal. Como agravante, em fevereiro de 1969, a junta militar que governava o país instituiu o Ato Institucional nº 7, para disciplinar o funcionamento das assembleias legislativas e câmaras municipais. Com isso, além de suspender as eleições estaduais e municipais, proibiu que os vereadores de cidades com populações abaixo de 300 mil habitantes recebessem salários. Também não contavam com verba para manter assessores. Caruaru foi uma das cidades afetadas pela medida. Sem receber pagamentos, os vereadores apelavam de todas as formas ao Executivo. Humberto Fonseca diz que a relação de Anastácio com a Câmara, naquele período, “era muito difícil e contraditória”. Ele explica que até vereadores da base do prefeito iam ao gabinete “pedir coisas incorretas”. “Bote tal valor no banco para a gente votar a lei número tal” era uma das frases mais ouvidas. Anastácio discordava veementemente. “Presenciei cenas assim”, confessa Humberto. O fato de os vereadores não receberem salários era, na visão de Fonseca, “um nó cego”. Trabalhando de graça, queriam um “peitinho” da prefeitura de todo jeito, inclusive a criação de cargos fantasmas para que recebessem os salários. Humberto diz que Anastácio fez tudo que pôde para vetar as solicitações – que são comuns até os dias de hoje, apesar de inescrupulosas. “E teve alguns casos, com alguns poucos vereadores, que ele teve que fazer algum tipo de barganha legalizada, mais justa, ou então não administraria. Ficaria pior do que Dilma [Rousseff, presidenta do Brasil, que, sem apoio do Congresso Nacional, ficou impedida de governar, em seu segundo mandato]”,
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relembra Humberto Fonseca. Ao vereador Salvador Sobrinho, por exemplo, Anastácio não deu trégua. O ex-prefeito diz que “não colocou o cocho” à disposição dele e que o tratou a “pão e água”. Quando Sobrinho impôs, como condição para votar favorável ao orçamento do exercício 1972, que Anastácio autorizasse algumas subvenções que o beneficiassem, o prefeito foi taxativo ao dizer que ele derrotasse o orçamento, mas não “comeria” dele. A fama de Salvador Sobrinho era antiga. Em março de 1953, a Justiça de Caruaru chegou a decretar sua prisão preventiva. A medida foi tomada pelo Dr. Paula Mendes, a requerimento do promotor Avertano da Rocha Filho. Ele foi acusado por crime de peculato, quando ocupou o cargo de Diretor de Educação e Saúde, na administração do prefeito Pedro Joaquim de Souza. Na cidade, comentava-se que Salvador teria desviado materiais de construção da Diretoria de Obras do Município, em carros da própria prefeitura, para uso em construções de sua propriedade. O sucessor do prefeito Pedro de Souza, tomando conhecimento dos boatos, denunciou o ex-diretor à polícia, para abertura de inquérito. A promotoria pública apontou crime de peculato, requerendo ao juiz sua prisão preventiva. Quando o mandado de prisão foi expedido, Salvador Sobrinho ocupava uma vaga na Câmara Municipal de Caruaru. Era conhecido como o “Vereador a serviço do povo”. O delegado de Polícia, major Nataniel de Carvalho, não conseguiu prender Salvador Sobrinho de imediato, porque este escapou à ação policial, fugindo para lugar desconhecido. Seus advogados impetraram habeas corpus e a autoridade judicial determinou a suspensão da medida, até a decisão do Tribunal. Além de abominar práticas como essa, o prefeito Anastácio Rodrigues era um político ressentido com Salvador Sobrinho, desde 1959, quando perdeu a primeira eleição de vereador que disputou. Naquela ocasião, como já vimos em capítulo anterior, Salvador Sobrinho subornou um parente do ex-prefeito João Elísio Florêncio, padrinho de Anastácio e seu principal apoiador político. Ao longo de sua administração, a negação do prefeito Anastácio a Salvador Sobrinho foi tanta que, sem condições, o vereador não disputou a reeleição em 1972. O prefeito Anastácio contou com uma das oposições mais ferrenhas da
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História política de Caruaru. “Fui líder da oposição, com bancada majoritária durante todo o mandato. O prefeito Anastácio Rodrigues foi rigorosamente fiscalizado por uma oposição com maioria, aliás a única que tenho conhecimento ter existido em Caruaru! Tenho orgulho desse período legislativo, que ainda tem vivo eu e o bravo companheiro Elias Soares”, comenta o ex-vereador José Rabelo. No início do governo, a rigidez de Anastácio chegava a ser radical. Depois, o prefeito percebeu que teria que fazer concessões ou não conseguiria governar. Para administrar de maneira mais tranquila, de forma estratégica, nomeou dois militares de reserva para o governo; um na Secretaria de Agricultura, o major Clementino, e outro no Departamento de Limpeza Pública, o major Cavalcanti. Ambos reformados, os militares, além de extremamente trabalhadores, não faziam política no governo, logo, não causavam problemas ao prefeito. Este, por sua vez, terminava agradando o comandante da 22ª CSM, que era a autoridade militar na cidade, durante aquele período ditatorial. Nos anos em que administrou Caruaru, Anastácio Rodrigues adotou como livro de cabeceira a obra Princípios para a ação, de autoria do padre Louis-Joseph Lebret, editado em 1958, pela Livraria Duas Cidades. Economista e religioso católico dominicano francês, o padre Lebret, como era conhecido no Brasil, chegou a sobrevoar a cidade de Caruaru, em décadas passadas, sugerindo a construção de um cinturão-verde ligando Caruaru, Zona Norte e Sul do Estado, transformando a cidade num ponto de apoio para o desenvolvimento da região. Foi do padre Lebret a ideia de estruturar um porto e um complexo industrial, no entorno da Região Metropolitana de Pernambuco, ainda nos anos 1950. Somente em 1983, suas ideias ganharam forma e Suape passou a operar. O livro trazia, como tema principal, o bem comum, e foi com ele que Anastácio diz ter se preocupado. “Eu desagradei porque não ouvi certos pedidos, certas reivindicações que contrariavam meus princípios”, justifica. Ao passo em que Anastácio revelou-se um grande administrador, demonstrou para alguns ter sido um péssimo político. A cidade, no início dos anos 70, arrasada após a pouca eficiênciada administração Drayton Nejaim, não admitia um prefeito político naquele momento. O desafio era lutar contra a
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corrupção e o atraso e inserir o município na rota do progresso e do desenvolvimento. “A corrupção não é um mal de hoje, antes já existia”, garante. Anastácio não apenas cumpriu a promessa de reconstruir Caruaru, investindo, sobretudo, na infraestrutura, implantando um distrito industrial numa cidade que, até então, sofria pela escassez de água e luz, como batalhou para equilibrar as finanças municipais. Seu maior desafio. Mesmo com minoria na Câmara, foi além. Conquistou apoio de dois governadores arenistas, que em nada se opuseram aos projetos e reivindicações apresentadas por ele. Enfrentou muitas crises. Foi duro com setores, como a Associação Comercial. Mas a população e até os adversários não puderam negar sua relevante atuação à frente dos destinos de Caruaru. A prova consiste em que deixou o cargo nos braços do povo e fez o sucessor. “Não fui generoso com o dinheiro público”, ressalta. A partir do momento em que trabalhou para reconduzir João Lyra Filho à Prefeitura de Caruaru, Anastácio pretendia evidenciar que se tomou alguma autonomia para si, foi unicamente no sentido de administrar. A atitude talvez fosse suficiente para demonstrar que não ambicionava um passo além do que poderia dar. Ele era consciente de que integrava o grupo do MDB, liderado pela família Lyra. Nos primeiros meses do governo João Lyra Filho, o distanciamento entre o prefeito e Anastácio Rodrigues já era notório. Em 29 de março de 1973, Anastácio não compareceu à assinatura do convênio entre o Estado e o Banco Nacional de Habitação, que garantiu a construção da rede de esgoto sanitário de Caruaru. O contrato foi firmado pelo governador Eraldo Gueiros, o ministro do Interior Costa Cavalcanti e o presidente do BNH, Rubens Vaz da Costa, na Casa da Cultura José Condé. O projeto, com verba inicial de 34 milhões de cruzeiros, era uma das maiores conquistas do governo Anastácio Rodrigues, que se concretizou dois meses após a sua saída do cargo. Magoado, Anastácio optou por não comparecer ao evento. Hoje, arrepende-se de não ter ido; já que os problemas seculares da falta d’água e da ausência de saneamento em Caruaru foram atacados efetivamente em sua administração. “Eu errei. Eu deveria ter ido olhar para a cara deles (o prefeito João Lyra e seus aliados). Cometi esse erro imperdoável”, afirma Anastá-
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cio. Questionado se o orgulho falou mais alto, ele é enfático: “Não foi orgulho. Orgulho é uma coisa, ódio é outra. Antes de passar o governo eu já estava traído”, sentencia. Energia, àquela altura, já não era mais problema para a cidade. A solução da falta d’água estava prestes a ser solucionada, com a inauguração da barragem de Tabocas. E o saneamento passava a ser uma realidade. A implantação dos três elementos fundamentais para o desenvolvimento socioeconômico de uma cidade leva Anastácio a defender que a infraestrutura de Caruaru foi construída em seu governo. Soma-se à lista a implantação do Parque Industrial de Caruaru, iniciada em sua administração. O sistema de esgoto sanitário, dotado de 170 mil metros de esgoto, duas estações elevatórias e uma de tratamento, com condições de oferecer saneamento a uma população de 200 mil habitantes, foi possível graças à verba de 34 milhões de cruzeiros, garantida pelo convênio; era a maior já destinada ao interior do Nordeste até então. Na ausência de Anastácio, o prefeito João Lyra Filho e o deputado estadual José Liberato foram os únicos representantes de Caruaru a discursarem, durante o ato de assinatura do contrato. A imprensa registrou que o governador Eraldo Gueiros ficou desgostoso com a pouca importância que o município deu ao ato de inauguração do serviço de esgoto sanitário. Alguns meses depois de deixar o governo, Anastácio foi convidado pelo governador para falar durante o ato inaugural do sistema de água de Caruaru, cuja obra foi iniciada em sua administração. Para que Anastácio discursasse, Eraldo Gueiros bateu de frente com o prefeito João Lyra Filho. Armando Cairutas, Secretário de Obras, chamou o prefeito para discutir a programação e lhe passou a lista dos oradores do ato de inauguração do sistema de água. Cairutas foi secretário estadual de Obras durante oito anos, nos governos de Nilo Coelho (1967-1971) e Eraldo Gueiros Leite (1971-1975). – Esse moço vai falar, é? Se ele falar, meu filho Fernando também fala, disse o prefeito. – Determinação do governador, respondeu o secretário. Eraldo Gueiros disse a João Lyra que não se responsabilizaria pelo que seu filho, Fernando, dissesse. Acabaram não chegando a um consenso. Com raiva, o prefeito não compareceu ao ato. Anastácio mandou fazer um terno
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para a ocasião, “mesmo sem dinheiro”, e foi à solenidade de inauguração. Num discurso poético e realista, cravou: “O amanhã do caruaruense começa hoje”. Na visão do ex-prefeito, o acontecimento significava água para a população e indústrias em perspectiva, como ponto de partida para se alcançar velhos sonhos. “Muda-se a fisionomia de Caruaru”, observou. Anastácio não esqueceu o ex-governador Nilo Coelho, responsável pelo início e pelo andamento da obra, e o definiu como “um sertanejo, um irmão de mãos e gestos largos” que “ouviu o clamor de Caruaru”. Após elencar os avanços do município, nos últimos quatro anos, Anastácio ressaltou o princípio da boa aplicação do dinheiro público. “Caruaru oferecerá trabalho e oportunidades. E estimulará as suas vocações”, afirmou, em tom quase profético. Após a inauguração, o governador Eraldo, acompanhado pelo deputado José Liberato, foi abraçar Anastácio Rodrigues e lhe disse: “Meu amigo, Anastácio, deu um ‘bolo’ para você falar!”, comentou acerca das dissensões com João Lyra. “Anastácio, você que lutou por esta obra, que desapropriou, que acompanhou, que sofreu comigo, seria uma injustiça se você não falasse”, externou. Eraldo Gueiros era um homem justo. Os fatos narrados até aqui mostram que o prefeito que soube se relacionar até com adversários, não foi capaz de se fazer compreendido pelos aliados. Neste sentido, o meio de campo atuou de forma muito eficiente. E Anastácio, mais administrador do que político, não soube como lidar com as investidas daqueles que, outrora, caminharam a seu lado. “O povo dizia – e a voz do povo é a voz de Deus – que Anastácio era um bom administrador e mau político. Ele tinha pavio curto, além de defender até as últimas instâncias suas ideias”, analisa o jornalista José Torres, um de seus assessores de imprensa no governo. Na visão do jornalista, a qualidade de bom administrador, que deixou sua marca por onde passou, contrasta com o que considera “o maior pecado” cometido por Anastácio: a falta de jogo de cintura para driblar aquilo que considerava errado ou com que não concordava. Uma vez posta uma ideia na cabeça, ninguém o demovia. Faltou-lhe, talvez, aprender a lição de que, na vida pública, há que se saber somar e amenizar as contendas, sob o risco de inviabilizar o governo. Agir assim, na linha divisória, que separa o interesse público do partidário,
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não foi tarefa fácil para Anastácio. Afinal, o grupo político do MDB o elegera prefeito. Para ele, se voltaram as reivindicações políticas, administrativas e de pessoas influentes. O ex-prefeito garante, porém, que não rompeu politicamente com seu grupo por vontade própria. As circunstâncias e o empenho de algumas figuras terminaram por excluí-lo do processo. Acuado, coube a ele amargurar um final nunca esperado, mas, naqueles instantes, aguardado. Atitudes de independência como as que ele demonstrou foram fundamentais para se despedir do cargo em clima de discórdia com seus antigos apoiadores de primeira hora. Porém, fazia-o conquistar a simpatia cada vez mais irrestrita de parcelas significativas da população caruaruense, que se identificavam com o discurso do autodeclarado paladino da moralidade pública. Anastácio sempre demonstrou dificuldades para acomodar situações que feriam o seu íntimo – argumenta o deputado estadual Tony Gel. “Política é uma atividade muito difícil. Às vezes você tem que acomodar determinadas situações e Dr. Anastácio não é muito disso. Ele é do sim, sim ou não, não. Sem curvas. E isso criou dificuldades para ele. Muitas vezes o grupo que lança quer que a pessoa aja de determinada maneira e ele não concordou. Então, começou por aí o rompimento”, esclarece, com a visão de sobrinho que conhece bem o tio. Carlos Toscano, homem de personalidade mais reservada, prefere discorrer sobre o fim político de Anastácio de forma mais genérica. Ele explica que na condição de secretário municipal era apenas um prestador de serviço, que procurava não se envolver com as questões de ordem política. “Integrava o grupo, mas não participava de reuniões nem ia à casa de ninguém. Fui secretário de Anastácio, João Lyra Filho, João Lyra Neto e duas vezes de José Queiroz. Eu me dava bem com todos eles, mas não me vinculava estritamente a nenhum”, esquiva-se. Não é totalmente verdade. Toscano apenas não quer se comprometer. Tendo vivido nos bastidores de várias administrações, ele viu e ouviu muita coisa. Quando questionado sobre a rigidez com que Anastácio administrou Caruaru, Carlos Toscano filosofa: “O problema da rigidez é de quem olha. Porque quando uma pretensão é contrariada, a pessoa diz que o outro é muito exigente. Muitas vezes a gente tem que dizer um ‘não’ para prevalecer o
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interesse majoritário da comunidade. Os interesses particulares não guardam essa coerência com o interesse coletivo”. Sobre os atributos de seriedade e honestidade, sempre atribuídos a Anastácio, Toscano comenta no mesmo tom: “Não basta mostrar que é. Você tem que ser. Ele não deu asas a que houvesse qualquer dúvida ou comentário em relação a isso. Teve uma posição de tratar a coisa pública com seriedade. São essas qualificações que colocam Anastácio na galeria dos grandes condutores do progresso de Caruaru”. Apesar do pensamento sempre bem calculado, Toscano conclui que: “Anastácio tinha uma liderança perante aqueles eleitores com uma visão mais diferenciada da cidade. Na hora que parte para uma candidatura de pessoas com maior apelo popular e recursos, Anastácio, fatalmente, não tinha outro resultado senão esse. Ele foi tragado pelo populismo, pelo desgaste do processo eleitoral que despreza certos valores dos candidatos. Mas, se fôssemos nos ater ao comportamento, ao valor, ao conhecimento que ele tinha da cidade, das qualidades de honestidade e seriedade, era um nome sempre apto a ocupar o cargo”. Na eleição de 1968, Anastácio Rodrigues e José Liberato personificaram a luta dos grupos antagonistas da política caruaruense: Drayton Nejaim e os Lyra. A eles pertencia o capital político em questão. Pela lógica, qualquer que fosse o candidato eleito, este não passaria de embaixador do grupo que o apoiara, estando a serviço de quem avalizara a campanha eleitoral. Em Anastácio, essa lógica não encontrou respaldo. Ao marchar contra o rebanho, ele desencadeou acusações, brigas, ódio, intrigas, e assinou, sem saber, a sentença que poria fim a sua permanência na política partidária. Quando se despediu da Prefeitura, Anastácio era o nome mais forte para disputar uma vaga de deputado estadual nas eleições que se aproximavam. Ao deixar o cargo, neste contexto de intrigas e dissensões, ele retomou a vida bancária. Nesse período, o Itaú incorporou o banco Português e Anastácio acabou transferido para Recife. Para completar o esvaziamento político, irá se aliar à Arena, o partido dos militares – decisão pela qual será fortemente penalizado pelos adversários. Na capital pernambucana, o ex-prefeito de Caruaru vai mergulhar numa profunda depressão.
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Depois de um governo que mudou costumes políticos em Caruaru e deu notável impulso ao desenvolvimento do município, além de fazer o sucessor, na Prefeitura de Caruaru, Anastácio viajou ao Rio de Janeiro, onde permaneceu por 30 dias, em férias. Ficou hospedado na residência de seu ami-
go, João Condé Filho, em Botafogo. Antes de partir, disse à imprensa que, ao retornar, assumiria cargo importante no Banco Itaú, e não tinha planos imediatos para a vida pública. Sempre que instado a se pronunciar sobre o assunto, ele desconversava, embora, naturalmente, seu nome fosse apontado como favorito para disputar uma vaga de deputado estadual, nas eleições de 1974. Quando retornou, sua esposa Leuraci, a sogra Laura Vidal de Negreiros Bezerra e o seu primo Celso Rodrigues o recepcionaram no aeroporto do Recife. Os eventos em nada pareciam se amoldar à sua vontade. O caldeirão estava fervendo, em Caruaru. Celso tratou de entregar a Anastácio cópia de uma carta que escrevera ao prefeito João Lyra Filho, fazendo considerações sobre a crise. Lyra Filho, acompanhado pelo vereador Antônio Cláudio Pedrosa, procura Anastácio para questionar nomeações feitas por ele, antes de deixar a prefeitura. Tratava-se de contratos renovados desde a gestão Drayton Nejaim (1963 a 1968), no entanto, acreditavam ter sido feitos por Anastácio. “Seu João, eu só fiz um contrato. Mas o senhor pode tornar sem efeito. Para mim, tanto faz”. O diálogo entre eles foi mais ou menos assim: - O senhor conhece Pnicuca? (Questionou Anastácio, referindo-se a um estrangeiro que trabalhava como técnico da fábrica de Caroá, em Caruaru). - Ah, já tomei muito uísque com ele, respondeu João Lyra. - Pois é a filha dele, casada com o filho de um compadre meu, Antônio Tota, aquele que foi motorista de caminhão, como o senhor foi. Anastácio havia nomeado a tal mulher que era professora, ao final da gestão, e renovou outros contratos, por questões legais, inclusive para não deixar trabalho pendente a seu sucessor. Acabou sendo mal interpretado. “João Lyra questionou devido às intrigas. As nomeações estavam no braço de Antônio Cláudio, o maior Judas que se sentou à minha mesa”, estrila Anastácio. Antônio Cláudio Pedrosa foi Secretário de Educação e diretor do Colé-
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gio Municipal Álvaro Lins, no governo Anastácio Rodrigues. Nas eleições de 1972, elegeu-se vereador, com seu apoio. Quando assumiu o mandato, foi convidado pelo prefeito João Lyra Filho para compor seu secretariado, integrando o grupo dos que se rebelaram contra Anastácio Rodrigues. A gota d’água foi uma denúncia feita ao Tribunal de Contas do Estado (TCE). Acusaram Anastácio de haver beneficiado com dinheiro público o seu Secretário da Fazenda, Edson Barros e outro funcionário, José Araújo Filho, filho do ex-vereador José Araújo. Ele tomou conhecimento do caso através de Vera Vasconcelos, a Vera Veneno, sua amiga de infância. – Que história é essa que você deu quarenta e tantos mil cruzeiros a Edson Barros?, questionou Vera. – Se eu tivesse feito essa proposta a Edson Barros teria perdido um amigo, respondeu Anastácio. Edson tinha direitos adquiridos e o prefeito apenas cumpriu o que determinava a lei. Passado algum tempo, Zé Araújo Filho contou que o TCE havia emitido um parecer sobre o caso, inocentando Anastácio. Ele pediu uma cópia e entregou a Edson Barros, que fez outras tantas e saiu distribuindo. Uma delas chegou à mão do próprio Antônio Cláudio, um dos que questionaram o pagamento. Funcionário da Prefeitura de Caruaru desde o governo Sizenando Guilherme de Azevedo (1955-1958), Edson Barros estava magoado com os últimos acontecimentos. E questionava Anastácio sobre como ficariam as vidas de ambos, após aquela fase. “Com os Lyra eu não trabalho”, dizia. Por isso, antes que Anastácio deixasse o cargo, tratou de pedir exoneração da Prefeitura de Caruaru. O valor de Cr$ 45 mil que lhe foi pago tinha a ver com direitos trabalhistas referentes aos anos de serviço e outros direitos. Em meio ao vendaval de problemas, Anastácio fez uma proposta para Edson. Pretendia abrir um escritório, em parceria com o amigo, para ofertar assistência contábil aos municípios da região. Mas Edson não se entusiasmou com a ideia e foi trabalhar na Secretaria de Ação Social do Estado. Anastácio, por sua vez, retomou as funções bancárias. Edson Barros se tornara o principal acólito de Anastácio no governo municipal e coube a ele trabalhar incansavelmente para ter as contas municipais aprovadas. Emitido em 18 de abril de 1975, o parecer do inspetor-geral
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Juarez Rodrigues, da 2ª Inspetoria Geral de Controle Externo, encaminhado ao prefeito de Caruaru, julgava regulares os processos de prestação de contas referentes aos exercícios de 1971 e 1972. “Depois disso, não havia mais condições de manter aproximação”, diz Anastácio, sobre seu grupo político. Também no início do governo, o prefeito João Lyra declarou que o município não promoveria a tradicional festa de Carnaval porque recebera a administração com atraso no pagamento de salários dos funcionários. Anastácio definiu a medida como “injusta” e garante que não deixou atraso no pagamento, tendo concedido aumento de 50% ao funcionalismo. O ex-prefeito recorda que quando assumiu o governo, em 31 de janeiro de 1969, encontrou a administração com três meses de salários atrasados. Para piorar a situação, o economista Delfim Netto, Ministro da Fazenda nos governos Costa e Silva e Médice, cortou o Fundo de Participação dos Municípios em 50% e ampliou a cobrança do Imposto Sobre Serviço. A medida desagradou bastante. Em Caruaru, eleitores de Anastácio diziam equivocadamente que votaram no candidato dos pobres e ele ao assumir já estava criando imposto. Tendo encontrado o funcionalismo atrasado em meses, Anastácio assegura que não podia pagar o atrasado e mais um salário com a arrecadação de apenas um mês. Para piorar a situação, o já escasso Fundo de Participação foi suspenso por oito meses, ao longo de sua gestão, por erros da administração de Drayton Nejaim. “Foi um desastre”, define. Adiante, uma comissão do Tribunal de Contas da União esteve em Caruaru para examinar as denúncias. Somente no final do governo, os valores correspondentes aos oito meses retidos do FPM foram liberados e o prefeito pagou os salários em atraso. “Houve uma fase em que o pagamento dos funcionários era quinzenal. Deixei uma quinzena paga e Seu João dizia que deixei o funcionalismo em atraso, para justificar o fato de não promover o Carnaval. O Carnaval de Caruaru começou a afundar a partir deste episódio”, acredita. Quando Anastácio concluiu o mandato e retomou as atividades no banco, em Caruaru, adversários iam até a agência para vê-lo sentado em seu birô. Outros telefonavam para confirmar a notícia, gloriando-se porque o ex-prefeito estava de volta à sua modesta função. “Porque ali era o meu lu-
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gar. Eu tinha uma mulher, duas filhas e um emprego no banco”, pondera. Por coincidência, a rede Itaú incorporou o banco Português nesse período. Anastácio era subcontador e para ser promovido precisou ser transferido para outra agência. O ex-prefeito foi então conduzido para a capital pernambucana, onde assumiria o cargo de subgerente da agência do Itaú, em Boa Viagem. “Não foi nenhuma punição. Transferiram-me porque na agência de Caruaru não havia espaço”, destaca. Anastácio ficava hospedado num apartamento em Piedade. Seu concunhado, Valdemar Pereira, funcionário do Bradesco na cidade de Vitória de Santo Antão, era ligado ao prefeito Braz de Lira, de Santa Cruz do Capibaribe, proprietário do apartamento. O prefeito cedeu o espaço e Anastácio dormia no local. A esposa e as filhas ficaram em Caruaru, para onde ia aos finais de semana. Todos os dias tomava café da manhã – que ele próprio preparava – e pegava o ônibus para Boa Viagem. Almoçava e jantava numa república de estudantes. Conseguiu o acesso através de Edson Barros, cujo irmão era estudante de Medicina. Nas sextas-feiras à noite, pegava o ônibus e retornava a Caruaru, para encontrar a família. A essa altura, ele estava cada vez mais distante de seu antigo grupo político, da família e da cidade que era o seu mundo. Por mais que os outrora aliados insistissem em intrigá-lo do prefeito João Lyra Filho, este parecia continuar admirando a forma como Anastácio administrara Caruaru. Na noite do dia 14 de outubro de 1973, durante jantar que lhe foi oferecido por um grupo de amigos, o prefeito João Lyra reviveu momentos de sua memorável campanha política, um ano antes, ouviu discurso do médico João Miranda sobre a “necessidade de diálogo entre as únicas lideranças do MDB em Caruaru [Anastácio e os Lyra]” e cantou músicas que fizeram alegria nos comícios e nas ruas. Usando da palavra, o prefeito João Lyra Filho disse que “Caruaru deve muito à administração séria e profícua de Anastácio Rodrigues”. E acrescentou: “depende exclusivamente de Anastácio. Se ele quiser, será o meu candidato para deputado estadual”. O MDB não tinha candidato à vaga para as eleições que se aproximavam e Anastácio reunia todas as condições. João Lyra sabia disso e enviava emissários até a agência do Itaú, em Boa Viagem, para convencê-lo. Mesmo com
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toda opinião contrária dentro do partido. Um dos enviados foi o escritor Nelson Barbalho. Além de Tereza Rego, mulher alta e bonita, com quem João Lyra manteve um caso amoroso. Ela usava como pretexto uma ordem de pagamento apenas para convencer Anastácio a aceitar a candidatura. Dizia que um dia os veria reatar a amizade. Sentindo-se ultrajado, Anastácio, bastante magoado, respondia sempre “nunca”. Acreditava que, diante daquela situação, não havia condição para reatar os laços. “Não aconteceu porque não aceitei”, ressalta. Anastácio explica que João Lyra não tinha um candidato a deputado estadual naquela eleição e ficou contra a família para defender o seu nome. “Eu seria eleito por Caruaru. O meu ibope estava lá em cima. Perdi de ser deputado porque estava com ódio deles”, confessa. A quem lhe questionava a negativa, costumava repetir que não tinha condições morais de ir para um palanque com os Lyra. “Nós pregamos em praça pública a continuidade administrativa e não houve. No último dia do governo me ofereceram um almoço no Campus Tabosa de Almeida. João Lyra não foi. Já havia problemas, mas eu ignorava muita coisa que estava passando. Se eu tivesse um pouco de Zé Queiroz tinha sido diferente”, avalia. Alguns meses depois, próximo do Natal, numa reunião em sua residência, o prefeito João Lyra Filho voltou a defender o nome de Anastácio para deputado estadual. Participaram do encontro Fernando Lyra, João Lyra Neto, Maria José Lyra e Fernando Soares, o Fernando Safadeza. O radialista Tavares Neto presenciou a reunião e garante que o grupo inteiro era contra a indicação de Anastácio. João Lyra Filho não hesitou. Bateu o pé e disse que seu candidato era Anastácio Rodrigues e que iria conversar com ele. Algum tempo depois, conta Tavares Neto, os dois se encontraram numa solenidade, na Câmara Municipal de Caruaru. Entristecido, Anastácio se recusou a apertar a mão de João Lyra Filho. Seguiu-se uma rápida discussão, observada pelos que estavam no recinto da Casa. E o clima azedou de vez entre eles. “Quando Anastácio foi prefeito não apoiou os Lyra na prefeitura, não deu muita colher de chá”, comenta Tavares Neto. (Anastácio, entretanto, nega que tenha se recusado a cumprimentar João Lyra). Naqueles dias, a velha relação entre Anastácio e João Lyra Filho estava em frangalhos. Ele diz que errou ao recusar a oferta de apoio. Caso tivesse
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entrado para a disputa, certamente teria sido eleito deputado e continuaria exercendo cargos importantes a serviço de Caruaru. Em 1976, por exemplo, Anastácio teria sido o candidato natural à sucessão de João Lyra na Prefeitura de Caruaru – com chances reais de sair vitorioso. Rompidos, o grupo lançaria José Queiroz, que foi derrotado por Drayton Nejaim. Sua questão, portanto, não era de cargos, mas de amor-próprio ferido. “Pensei na minha família e não aceitei. Estava altamente magoado. Seu João foi envolvido, mas defendeu o meu nome para deputado. Onde estava o traidor?”, questiona, revelando ressentimentos. Anastácio afirma que Celso Rodrigues sempre lhe dizia que temia a influência dos filhos de João. “Não deu outra”, sentencia. Os meses se sucediam e a situação piorava. No Recife, Anastácio experimentava dias solitários e depressivos. Em Caruaru, os antigos aliados prosseguiam firmes no propósito de persegui-lo e acusá-lo. Em meio à guerra, Celso Rodrigues publica, na edição de 25 de novembro de 1973, do Jornal Vanguarda, que ainda não pertencia aos Lyra, o texto-desabafo intitulado “Uma decisão política”, no qual tornava pública sua decisão “irrevogável” de desligamento do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), “em virtude do quadro hoje impossível de ser mantido”. O texto não deixava brechas para ilações ou dubiedades. Celso escreveu que as ambições e o egoísmo anularam a dimensão do triunfo consagrador das eleições de 1972, e, “desse esmagamento, com arestas e desavenças, mal as urnas indicavam o vencedor, partiram para uma administração vacilante, indecisa, insegura”. Mas, o foco era mesmo a defesa de seu primo Anastácio: “Não fui à praça pública para isso, nem para que se cobrassem impostos extorsivos dos feirantes de Caruaru. Será que o feirante foi escolhido para suprir a deficiência da imaginação? Ou os assessores do atual governo do município partem do princípio de que sendo amigos do ex-prefeito Anastácio Rodrigues, os feirantes também devem ser hostilizados? Esse Anastácio Rodrigues, de boa fala, liderança e comunicação indiscutíveis, passou de anjo a satanás. Não é mais o homem que, com a força e vontade de um vaqueiro e a sensibilidade de um poeta, recuperou uma comunidade, da qual se dizia predestinada à decadência irremediável. Chamam-no de intruso, esquecidos de que foi ele o principal ponto de apoio entre o povo e o candidato [João Lyra Filho] para
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o êxito da campanha de 1972. Se dependesse deles, Anastácio ficaria, regressando semanalmente do Recife, até o trevo. Mas a ironia é que, sendo caruaruense muito bairrista, Anastácio viaja sempre pela única e respeitável empresa de transportes de Caruaru [a Rodoviária Caruaruense]”. Concluiu afirmando que chegara à melancólica conclusão de que “levaram o governo de Caruaru a desviar-se do seu programa, conduzindo-o para o nada. Ou quase nada”. Longe do MDB, Celso passou a criticar a gestão João Lyra Filho, que, de fato, não foi exitosa como a primeira. Dizia que o governo tirava proveito de obras da gestão Anastácio, ao afirmar que a solução do problema d’água lhe pertencia, que o Distrito Industrial era resultado de seu trabalho, além de omitir convênio com o Ministério da Educação, divulgando que escolas rurais foram construídas com dinheiro da prefeitura. Anastácio costuma lamentar o fato de o governo João Lyra Filho não ter sido exitoso e diz que o preço pago foi o retorno de Drayton Nejaim ao comando da cidade. “O segundo governo de João Lyra foi um desastre. Eles pensaram que Drayton estava ‘morto’. Procuraram me destruir politicamente e Drayton voltou a governar Caruaru. Foi um erro que eles [os Lyra] cometeram”, sentencia. Em janeiro de 1974, Anastácio levou a mulher e as filhas para morar com ele no Recife. Matriculou as crianças na escola e Leuraci, através de concurso, conseguiu uma vaga para ensinar Português no Colégio Boa Viagem. Também conseguiu uma bolsa de estudos no Colégio Santa Maria, para Virgínia. Já Tatiana estudava no colégio em que Leuraci ensinava. Anastácio era, agora, o ex-prefeito, sem prestígio nem poder, acusado e desprezado pelos antigos aliados. Sentia-se abandonado e esquecido, na capital pernambucana. A decepção com os últimos acontecimentos o jogou num poço de amargura. Comentários escritos numa das páginas iniciais do livro Um ramo para Luísa, de José Condé, que ele leu naquele período, permitem vislumbrar o tamanho do conflito que o ex-prefeito viveu, naqueles dias de amargura e solidão. Em 18 de maio de 1974, quando Caruaru comemorou 117 anos, ele registrou em tom de desabafo: “Amigos meus, Caruaru é uma rosa, estou longe dela e ela dentro de mim. Não se pode sentir o perfume da rosa distante dela. É duro não sentir o per-
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fume da minha rosa. A minha rosa está entregue aos insensíveis, eles não sabem o que é uma rosa. Meu Deus, por que ferem tanto Caruaru, quando ela só tem amor e ternura para oferecer aos seus filhos e aos que não lhe serviu de berço?”, escreveu Anastácio em um momento de maior exasperação.
B I B L I O T E C A Á L VA R O L I N S Antes de deixar a Prefeitura de Caruaru, Anastácio Rodrigues enviou ao Rio de Janeiro seu chefe de gabinete, Humberto Fonseca, para fazer um curso de biblioteconomia, no Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM). Naqueles dias, o prefeito já havia conseguido com Heloísa Lins, viúva do jornalista e crítico literário Álvaro Lins, a doação da biblioteca do escritor para Caruaru. Os entendimentos duraram algum tempo. Anastácio recorda que a Prefeitura de Caruaru pagou 45 mil cruzeiros para custeio do frete e transporte dos caixotes de livros. O valor foi entregue a Heloísa, pelo próprio prefeito, na noite de inauguração da quadra do estudante do Colégio Municipal Álvaro Lins, solenidade à qual a viúva compareceu. Humberto Fonseca lembra que Heloísa – considerada uma mulher austera por Anastácio Rodrigues – não decidiu facilmente fazer a transferência dos livros para o município pernambucano. “A viúva sondou quem era o gestor, se era responsável. Anastácio mostrou que estava construindo a Casa de Cultura e iria colocar o acervo dele lá”, rememora. Humberto explica que o importantíssimo acervo veio do Rio de Janeiro até Recife no porão de um navio, e foi recebido em Caruaru, na Casa da Cultura José Condé, pela diretora de Turismo do município, Luísa Maciel. Além disso, Humberto teve o privilégio de abrir as caixas e catalogar a rica coleção. “Eu abri as caixas. Cataloguei tudo dentro do sistema brasileiro de bibliografia. Foi mais ou menos um ano para tirar tudo, limpar os livros”, destaca. Para Humberto, Álvaro Lins era um crítico literário contundente e em cada livro era possível perceber anotações nos rodapés das páginas, inclu-
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sive apontando erros e falhas dos autores. “Foi feito um relatório na época. Não sei onde foi parar. Fiz um relatório completo dos livros e dos objetos encontrados dentro deles”, ressalta. Amante dos livros, Álvaro Lins – que foi embaixador do Brasil em Portugal e Chefe da Casa Civil no governo Juscelino Kubitschek – encadernava todos os seus exemplares em capas de couro, com filetes de ouro. “Uma coleção muito rica, de literatos de todo o mundo. Inclusive constituições de todas as partes do mundo”, enfatiza. Segundo Humberto, quando a biblioteca de Álvaro chegou a Caruaru causou um grande reboliço. Intelectuais, pesquisadores e estudantes, inclusive de outros Estados, iam até a Casa da Cultura para conhecer o acervo do “imperador da crítica brasileira”, conforme definiu o escritor Carlos Drummond de Andrade. Ao abrir os caixotes de livros, Humberto Fonseca se deparou com objetos pessoais importantíssimos de Álvaro Lins; fotografias dele e da família, canetas e outros que rememoravam sua passagem pela Academia Brasileira de Letras. Tudo foi devidamente catalogado e disponibilizado para exposição na Casa da Cultura José Condé, onde a biblioteca municipal funcionava, naquele tempo. Quando Anastácio deixou o governo, Humberto Fonseca continuou na Prefeitura, contratado como diretor da biblioteca municipal, pela administração João Lyra Filho. “Quando houve o rompimento de Anastácio com os Lyra, em pouco tempo me transferiram de lá. Me botaram para trabalhar no setor de pessoal da prefeitura. Eu não tinha nada a ver com a história. Eu aguentei um ano e poucos meses. E saí”, revela. Enquanto esteve responsável pela biblioteca, Humberto Fonseca diz que havia um controle sobre o acesso aos livros que pertenceram a Álvaro Lins. Após a sua saída e à medida que as gestões foram se sucedendo, a realidade mudou. “Muitos livros sumiram. Diziam, inclusive, que livros de Álvaro Lins foram vendidos na Rua da Matriz”, conta. Em junho de 2010, a revista Continente tratou sobre o descaso com a biblioteca de Álvaro numa reportagem intitulada “Um valioso patrimônio cultural ameaçado”, apontando que o acervo nunca recebeu o tratamento merecido.
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A revista trouxe o depoimento do escritor e biblioteconomista Edson Nery da Fonseca, amigo de Álvaro, que conheceu os livros ainda no Rio de Janeiro, em maio de 1970, pouco antes do falecimento do crítico. Ressaltando o valor do conjunto, Edson Nery lembrou que Lins possuía uma coleção abrangente de literatura luso-brasileira, um belo acervo de literatura francesa, inglesa e também sobre teoria literária. Mais especificamente, destacavam-se as obras trazidas de Portugal, pois eram todas elegantemente encadernadas. Edson Nery se referiu com particular apreço à proustiana, que ele viu na biblioteca – o escritor Marcel Proust foi tema de tese de Álvaro Lins, que, para suas pesquisas, reuniu as obras completas em francês do escritor, além de toda a fortuna crítica disponível sobre ele, à época. As obras dos (e sobre os) portugueses Fernando Pessoa e Eça de Queiroz também estavam presentes no acervo. “O percurso desses livros, depois da morte de Álvaro Lins, reflete com triste clareza o valor que o poder público confere à cultura literária no país”, lamentou a reportagem. Por decisão da viúva, Heloísa Lins, boa parte da biblioteca – cerca de 4.000 títulos – foi doada a Caruaru. “A decisão familiar de prestar homenagem à cidade natal do crítico pode ter sido legítima, mas as consecutivas prefeituras nada ou pouco fizeram pela catalogação e manutenção desse patrimônio cultural inestimável nessas quatro décadas”, esclarece o texto. A Continente registrou ainda que, apesar de as novas instalações da biblioteca que leva o nome do crítico estarem hoje em melhores condições do que há bem pouco tempo, com prateleiras e ar-condicionado central, ainda falta muito para a coleção ficar em segurança. Desde que os livros saíram do Rio de Janeiro e foram para Caruaru, ficaram “hospedados” em lugares diferentes, de acordo com as mudanças e conveniências políticas. Primeiro, eles foram colocados na Casa da Cultura José Condé. Depois, foram deslocados para a Estação Ferroviária, num lugar que não oferecia a menor condição estrutural de armazenamento e usabilidade para o público leitor. De lá, as obras foram parcialmente transferidas para o atual endereço, na Avenida Coronel Limeira, 202, no centro da cidade. O que restou do acervo de Álvaro Lins fica em uma sala que permanece fechada e só é aberta para consulta excepcionalmente. Além disso, os livros não saem para empréstimo.
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Anastácio Rodrigues costuma sempre lamentar o descaso com a biblioteca de Álvaro Lins. A pessoas mais próximas, chegou a revelar que se arrepende de ter solicitado a doação dos livros para Caruaru, tendo em vista o descaso de seus sucessores com o rico acervo do crítico. “A biblioteca de Álvaro Lins foi esfacelada. Não há termo apropriado para definir um ato como este”, lamenta o ex-prefeito.
Processado e com seus direitos políticos cassados, Drayton Nejaim disse, em entrevista ao Jornal Vanguarda de 30 de julho de 1974, que, devido às limitadas condições do Legislativo, na atual conjuntura nacional, só se candidataria a deputado se o futuro governador Moura Cavalcanti e o senador João Cleofas o convidassem. Entretanto, não descartava a intenção de se candidatar a prefeito, em 1976, “atendendo aos insistentes pedidos dos meus amigos”, justificava. Decepcionados com o MDB, Anastácio e Celso Rodrigues escreveram carta ao diretório municipal solicitando desfiliação partidária. Sem espaço no partido oposicionista, restava ao ex-prefeito aliar-se à Aliança Renovadora Nacional (Arena), o partido do governo e único existente no país, além do MDB. Mesmo que a decisão fosse de encontro aos princípios outrora defendidos. Afinal, embora a Arena fosse o partido dos governadores Nilo Coelho e Eraldo Gueiros Leite, que tanto lhe apoiaram na gestão municipal, era também o partido de Drayton Nejaim, seu maior inimigo político. A notícia da filiação de Anastácio à Arena pegou a todos de surpresa. Em 28 de julho de 1974, a coluna “Políticos e Politiquices”, do Jornal Vanguarda, anunciava que Anastácio poderia ser o candidato do governo à Prefeitura de Caruaru. O ex-prefeito visitou a cidade no último fim de semana e demonstrara grande otimismo sobre sua situação política, já com vistas às eleições de novembro de 1976. Após ser recebido em audiência secreta de duas horas pelo futuro governador Moura Cavalcanti, deixou claro que enfrentaria o pleito pela Arena, com o objetivo de voltar à prefeitura. Há duas eleições, a Arena não conseguia eleger um prefeito em Caruaru, e Anastácio apostava na vitória, com apoio do próximo governante esta-
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dual. No mês de setembro, Moura Cavalcanti esteve em Caruaru. Saudando-o, por ocasião de grande banquete na residência do empresário Elias de Oliveira Lima, Anastácio pronunciou longo discurso, verdadeira peça antológica, narrando sua trajetória na política caruaruense e justificando a integração à Arena. Anastácio citou o senador João Cleofas, Ricardo Fiuza e José Mendonça, candidatos arenistas que iria apoiar nas eleições daquele ano. Disse que a Arena, como partido, “agasalhará o meu interesse e a minha preocupação por Caruaru”. Celso Rodrigues decidiu apoiar Mendonça e Fiuza. Reuniu-se, em Caruaru, com o ex-vereador Zezito Florêncio e seu tio, o comerciante Zuca Fumeiro. Em seguida, foram conversar com Anastácio, no Recife. Já estava tudo decidido. Zezito aliou-se aos dissidentes porque teve sua candidatura a vice-prefeito queimada, nas eleições de 1972, pelo grupo de Mário Menezes. Anastácio, ainda inseguro em relação aos destinos na Arena, disse-lhes que aquela decisão representaria o fim político para todos. Justificou que não tinham palanque em Caruaru, muito menos na capital. Mas havia um compromisso no grupo de que qualquer decisão seria tomada em conjunto. E foi assim que aconteceu. Após a insistência, Anastácio desafiou os companheiros: “Vocês querem ir? Então, vamos para a derrocada”, anunciou, preconizando o esvaziamento político que o aguardaria. A mudança de partido foi mais um grave motivo para que Anastácio continuasse sendo alvo das críticas de seus antigos aliados. O ex-prefeito foi ainda mais penalizado quando resolveu, por insistência do seu primo carnal Celso Rodrigues, aderir à candidatura de Ricardo Fiuza. Em época de ditadura e bipartidarismo, a questão partidária era ainda envolta por um forte caráter ideológico, o que fortalecia entre os membros do MDB a visão de que Anastácio não passava de um traidor e incoerente. Nas eleições de 1974, o MDB apoiou Marcos Freire para senador. Fernando Lyra disputava mais um mandato de deputado federal e, como Anastácio não aceitou disputar a vaga de estadual, o grupo lançou as candidaturas dos vereadores Antônio Cláudio Pedrosa e Fernando Safadeza. Drayton Nejaim, impedido de disputar qualquer cargo, decidiu apoiar os nomes de Aldomar Ferraz e Joaquim Guerra.
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Anastácio, Celso e Zezito Florêncio trabalhavam pelas candidaturas de José Mendonça e Ricardo Fiuza, fato que Fernando Lyra descreveria, no futuro, como “traição”. O vereador José Rodrigues, primo de Anastácio e Celso, aliado à família Lyra, dizia que eles não conseguiriam mais do que mil votos para seus candidatos. “Foi uma decisão amarga, que contrariava os princípios que eu defendia. Embora como prefeito eu tenha tido o apoio de governadores da Arena. Mas, os destinos de Caruaru estavam sempre em jogo”, comenta Anastácio. Nas vésperas da eleição, no dia 29 de outubro de 1974, falece, vítima de ataque cardíaco, aos 84 anos, João Soares Lyra, pai do prefeito João Lyra Filho, deixando viúva e nove filhos. Do primeiro casamento, com Alice de Albuquerque Lyra, nasceram João Lyra Filho, Maria José de Albuquerque Lyra, Julieta de Albuquerque Lyra e Maria Helena de Albuquerque Lyra. Do segundo, com Sebastiana Gomes Lyra, nasceram os filhos Maria do Carmo, Emanuel, Edvaldo, Ednaldo e Erivaldo. Todos Gomes de Lyra. O conhecido Janoca era natural de Lagoa dos Gatos (PE) e estava radicado em Caruaru há décadas. Gostava de política e passou a vida alimentando o sonho de ser prefeito de sua terra, levando o desenvolvimento social e econômico a Lagos dos Gatos. Sonho nunca realizado, mas que se concretizou em Caruaru, com seu filho, João Lyra. Janoca participava entusiasticamente das campanhas do filho e do neto, Fernando Lyra. No domingo anterior ao seu falecimento, esteve presente ao comício do MDB. Em 15 de novembro de 1974, os eleitores foram às urnas. João Cleofas obteve 14.951 votos e Marcos Freire 15.769, apenas em Caruaru. Freire foi eleito senador. Ricardo Fiúza, com apoio de Anastácio e seu pequeno grupo, conquistou apenas 1.020 votos para deputado federal, e José Mendonça Bezerra, 585 votos. Exatamente o que José Rodrigues previra. Drayton também mostrou enfraquecimento em relação aos candidatos que apoiou. Aldomar teve 1.898 votos e Joaquim Guerra 3.238, porque seu pai havia sido governador e tinha familiares radicados na cidade. A deputada estadual Aracy de Souza, separada de Drayton após o caso de sequestro e espancamento, obteve apenas 1.770 votos em Caruaru, para deputada federal. No Estado, somou 7.001 votos, tornando-se o sexto suplente da Arena, na Câmara Federal. Fernando Lyra foi o candidato a de-
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putado federal mais votado em Caruaru, somando 10.775 votos. No Estado, obteve 53.238 sufrágios. Em 15 de março de 1975, José Francisco de Moura Cavalcanti é nomeado governador biônico de Pernambuco, pelo presidente Ernesto Geisel. No mês de junho, Drayton Nejaim diz que será o candidato natural da Arena à Prefeitura de Caruaru, caso seja absolvido pela justiça, até lá, com apoio do novo governador. Em julho, acontecem eleições em todo o país para composição dos diretórios municipais da Arena e do MDB. Em Caruaru, o MDB tinha chapa única, encabeçada pelo empresário João Lyra Neto. A Arena, como sempre, estava dividida e tinha Drayton Nejaim e Lourinaldo Fontes como candidatos, este último apoiado pelos deputados José Liberato e Tabosa de Almeida. Liberato, que disputara a Prefeitura em 1968, apoiado por Nejaim, agora estava rompido com o ex-prefeito e tinha a deputada Aracy como importante aliada, na oposição a seu ex-marido. Apesar dos oponentes, Drayton vence a disputa, fortalecendo seu nome para a eleição do ano seguinte. Os rumores da candidatura de Anastácio Rodrigues também eram cada vez mais consistentes. Em 21 de setembro de 1975, o Jornal Vanguarda, de Caruaru, publicou: “O bacharel Anastácio Rodrigues, que segundo analistas da vida administrativa da cidade, foi um dos maiores prefeitos de todas as épocas em Caruaru, sendo eleito pela legenda do MDB, estando atualmente integrado na Arena, poderá ser o candidato à chefia do Executivo caruaruense, com apoio do governador Moura Cavalcanti, que o recebeu em audiência especial na última segunda-feira, no Palácio das Princesas. Observadores da política local comentam o lançamento do seu nome, como única fórmula da Arena vencer o pleito em Caruaru, já que o senhor Anastácio Rodrigues, contrariando anunciados nomes à Prefeitura de Caruaru, que tiveram administrações marcadas por processos e de outros nomes sem expressão”. Anastácio disse que caberia ao governador, como comandante da Arena, a tarefa de coordenar os partidários na luta para eleger, com o povo, um prefeito governista. “Estou pronto para servir ao partido a que me integrei, aos meus conterrâneos e especialmente à terra que me viu nascer”. Francelino Pereira, cumprimentando Anastácio, disse-lhe: “O seu nome está
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muito falado”.
JOSÉ QUEIROZ ESTREIA NA DISPUTA ELEITORAL O MDB, até então, não tinha um candidato. Apenas nomes cogitados. Um deles, o radialista e bancário José Queiroz. Nascido em 30 de dezembro de 1941, na casa número 566, no povoado do Cedro (considerado área rural de Caruaru, naquele tempo), José Queiroz de Lima foi um dos seis filhos do casal Euclides e Leopoldina Queiroz de Lima, Dona Cila, que geraram também Eleuzina, Eunice, Edvaldo, Enedina e Paulo Queiroz de Lima. A família humilde tinha como principal fonte de subsistência uma pequena mercearia que Euclides abriu na própria casa. O pequeno José começou desde cedo a trabalhar com o pai. Lá, cursou o primário na Escola Paulina Monteiro. Moraram no Cedro até 1949, quando Euclides decidiu ir para a cidade, após a morte de um irmão. Fecharam a mercearia e compraram uma casa na Rua José Mariano, próximo ao centro da cidade. Em seguida, reativaram a pequena mercearia. Em 1955, Euclides falece precocemente. A situação financeira da família piora ainda mais, a ponto de Dona Cila fechar a bodega por não ter condições de mantê-la. José, aos 13 anos, consegue seu primeiro emprego no comércio. Inicialmente, na Camisaria dos Pobres, na Rua Tobias Barreto. Em seguida, é contratado pela Camisaria Nordestina, que funcionava ao lado da Camisaria dos Pobres e pertencia ao empresário Félix Gonçalves dos Santos – um dos comerciantes mais bem sucedidos daquela época. O garoto começava a trabalhar às 7h da manhã e terminava o primeiro expediente sempre depois do meio-dia. Às 13h fazia curso de datilografia, na época chamado de “avanço”, e antes das 14h já estava de volta ao trabalho. Cansado, voltava para casa, tomava banho, trocava de roupa e ia para o colégio. Agora estudava no Grupo Escolar Vicente Monteiro, próximo à Fábrica de Caroá. Essa era a cansativa rotina diária de José Queiroz. O pouco que ganhava, no entanto, não era suficiente para manter a família. As dificuldades se agravavam, a ponto de faltar dinheiro para fazer feira.
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Dona Cila decidiu recorrer a um velho amigo e compadre de seu esposo. João Dutra, também nascido no Cedro, era contemporâneo de Euclides e cresceram juntos no povoado. Permaneceram amigos até a sua morte. Antes de falecer, Euclides pediu que o amigo não deixasse sua família desamparada. Certo dia, Dona Cila mandou chamar João Dutra, que havia deixado o Cedro e morava no Rosário Velho. Contou-lhe que a situação estava difícil. “Se pelo menos José arrumasse um emprego melhor”, disse. “Por que você não procura outra coisa?”, questionou Dutra. “Não é fácil”, respondeu o menino, que havia feito algumas tentativas, sem êxito. João Dutra, então, prometeu levá-lo até a Prefeitura de Caruaru, para conseguir algum trabalho. E assim o fez. Era o ano de 1958 e administrava Caruaru o prefeito Sizenando Guilherme de Azevedo, de cuja campanha política, em 1955, João Dutra e Euclides Queiroz participaram ativamente, no Cedro. Foram até o diretório do partido, acertaram detalhes e fizeram campanha exitosa. Na única urna que existia no povoado, Sizenando obteve 150 votos, contra dois recebidos pelo adversário, o professor José Bione de Araújo – exatamente os dois fiscais do partido. Antes disso, João Dutra e Euclides Queiroz foram convidados, em 1946, para fazer alistamento eleitoral após o período da ditadura de Vargas, em salão alugado pelos maiorais da política local: Orlando Assunção, José Victor de Albuquerque, Pedro de Souza, Lourinaldo Fontes, Dr. Silva Filho, João Elísio Florêncio e outros. O Brasil experimentava tempos de redemocratização, com a promulgação de nova Constituição, após um dos períodos mais violentos e autoritários da História. Realizada a eleição, em 1947, o industrial Pedro de Souza foi o vencedor. No governo municipal, João Dutra trabalhou como fiscal de obras. Pela grande votação que tinham dado a Sizenando, no Cedro, João Dutra tinha livre acesso ao prefeito. Foi com José Queiroz até ele e contou-lhe a situação do garoto. “Nem idade para ser funcionário ele tem”, disse Sizenando. “Mas, diante desse quadro, leve ele à Diretoria de Obras, onde você trabalhou e entregue ao seu amigo, diretor José Fontes Filho, que lá ele resolve”, acrescentou. Foram até a Diretoria de Obras e João Dutra perguntou por uma moça que era datilógrafa. Zé Fontes disse que ela havia ido embora para o Rio de Janeiro. “Eu mesmo estou aqui fazendo as petições”, disse. Esperto, Jo-
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sé Queiroz antecipou: “Eu sou datilógrafo”. Como ele era menor de idade e não podia ser contratado pela prefeitura, Zé Fontes mandou redigir um contrato de extranumerário. Como prestador de serviços, o garoto receberia sua remuneração quinzenalmente. José Queiroz deixava, assim, a agitada vida de comerciário, para trabalhar numa repartição pública, mais sossegada. Em 1959, ocorreu nova eleição em Caruaru. João Lyra Filho era o candidato da classe média e Chico do Leite, seu adversário, o líder popular. “Considero Chico do Leite o político que reuniu a maior massa em Caruaru. Nem quando eu obtive 80% dos votos, consegui reunir a multidão que Chico conseguia, acompanhando os comícios dele”, comenta José Queiroz. Como o menino José era de família pobre, em sua casa a simpatia da família era por Chico do Leite. Mas João Lyra Filho foi eleito e, ao chegar à prefeitura, levaram para o seu gabinete a informação de que o rapaz deveria ser demitido. Queiroz não era sequer eleitor, mas quiseram persegui-lo. Seu superior, Zé de Brito, pai de Paulo de Brito, figura referenciada nos quadros da Prefeitura Municipal, quando soube da notícia foi até o gabinete do novo prefeito. Explicou que José Queiroz era qualificado e dos melhores da administração. “Se quiser colocá-lo para fora, coloque”. João Lyra Filho não o fez. Pelo contrário, logo descobriu a capacidade do garoto e, três meses após o início da gestão, o convidou para que se habilitasse a uma seleção, no Recife. Se fosse aprovado, faria um curso de Administração Pública na Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro. Criada em 20 de dezembro de 1944, a Fundação tinha como objetivo inicial preparar pessoal qualificado para a administração pública e privada do País. Era a primeira escola superior do segmento, no Brasil, e mantinha intercâmbio com os Estados Unidos. José Queiroz foi aprovado. Antes de partir, recorreu novamente ao amigo da família. João Dutra conseguiu emprestado, com outro amigo, determinada quantia e entregou a Dona Cila. Quando retornou do Rio de Janeiro, o garoto pagou a dívida. Junto com ele, a Prefeitura de Caruaru enviou para participar do curso na Fundação Getúlio Vargas os jovens Fernando Lyra (filho do prefeito), Maria Moura, Zeferino Pinto e Edson Barros, futuro Secretário da Fazenda, no governo Anastácio. Eles moraram numa pen-
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são, durante o período de estudos na FGV. Oitenta candidatos de todo o país participaram do curso e Queiroz, era, talvez, o que possuía um dos menores cargos na administração pública. Servia como piada. Perguntavam o que ele era e respondia, sinceramente, ser datilógrafo. Não podia mentir. Estava cercado por chefes de repartições, comandantes e diretores. O curso durou seis meses. Nesse período, participaram também de uma extensão, sobre reforma tributária, no Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM). De volta a Caruaru, o prefeito João Lyra Filho lhe deu nova oportunidade. José Queiroz, no cargo de assessor técnico, foi trabalhar com um dos maiores técnicos de planejamento que Caruaru já teve: o general Aguinaldo Almeida, da Assessoria Municipal de Planejamento. “Uma figura fantástica, formidável. E que deu uma grande contribuição à organização de Caruaru”, explica. O jovem estava inserido numa administração que João Lyra Filho pretendia revolucionar. E revolucionou, com pessoas técnicas trazidas do Recife e outras selecionadas aqui, como Jório Valença e o próprio Anastácio Rodrigues. Na reta final do governo, o prefeito criou a Companhia de Água e Esgotos de Caruaru (CAEC), a primeira iniciativa para solucionar o problema d’água no município, com apoio da Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), que era o sócio majoritário da empresa de economia mista. João Lyra Filho aposta novamente em José Queiroz e o nomeia gerente-geral da CAEC, sua primeira posição de destaque na vida pública. Em 1963, Drayton Nejaim derrota Celso Rodrigues, o candidato da esquerda caruaruense para suceder João Lyra Filho. Não restava alternativa, senão conseguir, junto à Sudene, exonerar José Queiroz do cargo. Em seguida, Drayton conseguiu transformar a empresa em Companhia de Água e Esgotos do Nordeste (CAENE), subordinada ao Governo do Estado. Exatamente nesse período, José Queiroz se submeteu ao concurso público do Banco do Brasil. Fez a prova em Caruaru e foi aprovado em primeiro lugar, o que lhe garantiu o direito de escolher em qual agência iria trabalhar. Ele, é claro, optou por Caruaru. Naquela época, o banco funcionava na Praça Pedro de Souza, no mesmo local onde, anos depois, seria instalada a Receita Federal.
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José Queiroz ingressou no Banco do Brasil em outubro de 1964. A partir daí, as coisas começavam a se normalizar em sua vida. Antes disso, ele fez Exame de Admissão ao Ginásio e, na condição de aluno bolsista, cursou os quatro anos ginasiais e mais três anos do curso Científico no Colégio de Caruaru (atual Diocesano). Em 1970, tornou-se bacharel pela Faculdade de Direito de Caruaru, atual Asces-Unita. Antes, porém, José Queiroz iniciou uma trajetória de êxito no rádio caruaruense, como comentarista esportivo. Assim como na política, o ingresso no rádio foi despretensioso. Em meados da década de 1960, houve um movimento grevista de servidores municipais. A sede da Prefeitura de Caruaru ainda funcionava no espaço onde hoje está localizado o Grande Hotel São Vicente de Paula. Como porta-voz do governo, Queiroz pegou o microfone para conduzir o processo e iniciou as discussões com os grevistas. O radialista Edécio Lopes, que marcou época na cidade, foi até a Prefeitura Municipal e observava a manifestação. Edécio apresentava um programa intitulado Manhãs Brasileiras, de grande audiência na Rádio Cultura do Nordeste. Impressionado, no final, ele foi até José Queiroz e perguntou: “você toparia trabalhar em rádio?” Queiroz nunca imaginou que pudesse ser radialista, apesar da voz favorável. Pediu um tempo para pensar. Edécio mandou, em seguida, que ele fosse até a emissora. Conversaram e o bancário entrou para o quadro da Rádio Cultura como comentarista esportivo. Após dar os primeiros passos no rádio, José Queiroz foi trabalhar na Rádio Liberdade de Caruaru, onde se consolidaria, inclusive com referências estaduais. Com a equipe esportiva, Queiroz foi pela primeira vez transmitir uma partida direto do Pacaembu, em São Paulo, além de jogos memoráveis do Náutico e outros times pernambucanos. Foi também para o Maracanã, o que era um fato raro, na época, para emissoras do Interior. “Chegamos a usar um sistema de transmissão que era de rádio amador. Uma loucura”, recorda. Curiosamente, em janeiro de 1976, após dez anos de trabalho, José Queiroz deixava a emissora e reingressava no quadro de funcionários da Rádio Cultura do Nordeste, onde iniciara suas atividades profissionais. Nessa época, Queiroz era considerado um dos sustentáculos da programação da Liberdade, através do departamento esportivo. Os motivos de sua saída não
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foram anunciados. Ao autor deste livro, o atual prefeito de Caruaru revelou os conflitos que culminaram com a sua saída da Liberdade. “Eu incomodava a direção da emissora. Raimundo Lacerda estava dando as cartas e isso fez com que ele começasse a gerar dificuldades. Percebi que não dava certo. Incomodava o meu envolvimento com os movimentos políticos, porque eu colocava a audiência da emissora lá em cima, no esporte”, comenta. Mesmo assim, ele define como excelente o período em que esteve na emissora, ao lado de grandes companheiros, como Arnaldo Costa. Queiroz reingressou na Rádio Cultura no dia 17 de janeiro de 1976, exatamente na data em que Caruaru recebeu o deputado Ulysses Guimarães, presidente nacional do MDB e sua comitiva. Ao lado do senador Marcos Freire, do deputado Fernando Lyra e do prefeito João Lyra Filho, o líder emedebista visitou a feira e às 17h, participou de coquetel na residência do prefeito. Às 20h, no recinto fechado do Círculo Operário de Caruaru, Ulysses abriu oficialmente a campanha municipal do partido em Pernambuco.
UM NOVO PLEITO Em 1976, Celso Rodrigues, lutando incansavelmente pela candidatura de Anastácio, envia telegrama a Drayton Nejaim condenando sua candidatura a prefeito pela Arena. Ameaçando, inclusive, escrever uma série de artigos sobre seu “governo de triste memória para Caruaru e seu povo”. Ao passo em que Drayton impunha sua candidatura, setores da Arena enxergavam em Anastácio a pessoa ideal e com experiência administrativa para ocupar novamente o cargo. Em fevereiro daquele ano, o ex-governador Nilo Coelho esteve em Caruaru, para almoçar com Anastácio Rodrigues, no Restaurante Guanabara. Nilo estava acompanhado por importantes figuras do empresariado brasileiro. O jornalista Celso Rodrigues também participou do almoço, marcado por prolongado papo político. Nilo Coelho falou à imprensa e elogiou Anastácio, dizendo que Caruaru
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[1] Cidade histórica de Ouro Preto (MG) [2] Gramado (RS) [3] Anastácio e seu amigo cão, Picasso [4] Na torre de TV, em Brasília
necessitava de sua volta à prefeitura, “por ser um homem de bravura e de uma honestidade administrativa que orgulhava a política pernambucana”. Num encontro realizado no Recife, quando líderes da Arena se reuniram com o presidente do diretório regional, Aderbal Jurema, para acertar detalhes do evento arenista em Caruaru, Drayton, com seu temperamento explosivo, acabou causando atrito e foi advertido seriamente pelo governador Moura Cavalcanti. Surgiu, inclusive, a notícia da candidatura de Aracy, baseada no contingente de votos femininos, além de abalar a candidatura de seu ex-marido. O deputado José Liberato revelou ao governador que encontrou o nome que poderia derrotar o MDB em Caruaru. A revelação seria feita depois que houvesse um acordo com o escolhido. Tudo levava a crer que fosse Anastácio, que não participou daquele encontro. Liberato liderava o grupo que indicaria um candidato para a legenda dois da Arena, uma vez que Drayton sairia candidato pela legenda um. Além dele, integravam o grupo os vereadores Elias Soares e Aurelino Joaquim, João Dutra, a família Fontes e a própria Aracy. Todos contestavam a candidatura de Drayton. Em 21 de março de 1976, Caruaru sedia o III Encontro Regional da Arena, com as presenças do deputado Francelino Pereira, presidente do partido, o governador Moura Cavalcanti e o presidente regional, Aderbal Jurema. Além do parlamentar carioca Álvaro do Vale, grande
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[5] Casa onde nasceu o ex-presidente JK, em Diamantina (MG) [6] Picasso: amigo inseparável de Anastácio durante 14 anos [7] O túmulo de José Condé, fotografado por Anastácio [8] Caldeirão do Inferno, no Paraná
amigo de Elísio Condé. O evento aconteceu no auditório da Rádio Difusora. Descobriu-se que o industrial João Soares Machado, presidente da Associação Comercial de Caruaru era o nome indicado por Liberato, mas não aceitara o desafio. Anastácio foi recebido por Francelino, num encontro a portas fechadas, no Colégio Sete de Setembro. Conversaram durante meia hora sobre a sucessão. O ex-prefeito era tido como o nome ideal para a disputa. Na madrugada, Drayton e Roosevelt Gonçalves discutem violentamente, só não partiram para a agressão física por interferência de terceiros, provocando mais um rompimento – temporário – na Arena municipal. No mês de abril, o governador Moura Cavalcanti volta a Caruaru. Anastácio lhe entrega um documento, num jantar na casa do industrial Lourinaldo Fontes. Esperava-se que, naquela noite, fosse anunciado o candidato da Arena 2, que seria coordenada pelo próprio Fontes, com apoio de outros líderes como Liberato, Roosevelt e Roberto Fontes. No mês de maio, Anastácio já havia voltado para Caruaru e assumido a função de subgerente na agência local do Banco Itaú. Lourinaldo Fontes informou que uma pesquisa indicaria o candidato da Arena 2. Porém, quatro nomes constavam na lista: Anastácio Rodrigues, o médico Severino Omena, o industrial João Machado e o comerciante Manoel Onofre. No MDB, disputavam internamente José Queiroz, João Miranda e o vice-prefeito Luiz Gonzaga. O nome de Queiroz ganhou destaque
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depois que Drayton Nejaim teceu severas críticas à vida particular do bancário, que desempenhava funções importantes na agência local do Banco do Brasil, e fora “promovido” para atuar em Madureira, no Rio de Janeiro. Apesar do envolvimento com as causas políticas e, sobretudo, com o grupo do MDB caruaruense, José Queiroz não havia disputado qualquer cargo político até então. Além da participação na campanha e nos primeiros sete meses da gestão Anastácio Rodrigues, a experiência política do bancário estava resumida ao fato de ter sido um dos primeiros presidentes do diretório municipal do MDB, após a sua criação, em 1966. Quando João Lyra Filho retornou à Prefeitura, sucedendo Anastácio, a participação de Queiroz no governo foi praticamente nenhuma, apesar da amizade que existia entre eles, desde 1960. Jamais se passou pela sua cabeça que poderia ser candidato a prefeito. Acompanhava os fatos, participava das lutas políticas dos Lyra desde o golpe de 1964, mas sem inserções. Afinal, era um rapaz pobre até então. Em 1976, junto com Rui Lira e colegas do banco, Queiroz ensaiou a criação de outro jornal, nos moldes do Século XX que tirava o sossego de muitos políticos em Caruaru. Como revanche por ter os seus direitos políticos cassados, através dos processos movidos pela administração Anastácio Rodrigues – e encaminhados por José Queiroz –, Drayton Nejaim fez uma denúncia ao Banco do Brasil, alegando que Queiroz utilizava a influência do banco para conseguir cotas e publicar o jornal. Denunciou também que o bancário utilizava o telefone da agência para fazer comentários esportivos no rádio. A denúncia estava respaldada politicamente e acabaria em punição. A direção geral do Banco do Brasil enviou a Caruaru um auditor, para realizar uma inspeção. Ele já chegou com cartas marcadas. Fez uma verificação das informações que Drayton concedeu, mas nada procedia. Conversava, inclusive, com os empresários clientes do banco, uma vez que Queiroz era chefe da Carteira de Crédito Industrial e Rural. Sem provas contra o acusado, o inspetor o chamou para conversar. – Nada tenho contra o senhor, mas a direção geral não permite o seu envolvimento com política. Tem duas opções: ou o senhor vai para a direção geral do banco, para um cargo de assistente técnico ou vai para uma função
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promovida, no Rio de Janeiro. – Me dê um dia que eu vou pensar, respondeu. A notícia foi um desastre para Queiroz e sua família, afinal, estava casado há seis anos e seus filhos, Wolmer e Wolney eram crianças de braço. No dia seguinte, voltou ao inspetor e, contra a própria vontade, disse-lhe que iria correr o risco. Premeditando a sua volta, afirmou que preferia o Rio de Janeiro. A ida para Madureira aconteceu em abril de 1976, e foi como um exílio para ele. Uma charge, publicada pela imprensa, no período, zombava da situação com uma mensagem irônica: “Ele foi sambar em Madureira”. Queiroz assumiu a nova função no Rio de Janeiro ao mesmo tempo em que trabalhava com Fernando Lyra uma forma de retornar a Caruaru. Mas a situação era cada dia mais difícil. Foi neste cenário que Fernando lhe fez a proposta. “Como é, topa ser candidato a prefeito? Agora é a sua vez, com um clima desses...”. A candidatura representava uma alternativa de volta. Além disso, ele iria enfrentar o próprio Drayton. O desafio estava lançado e ele aceitou. Seu candidato a vice-prefeito foi o advogado Carlos Toscano de Carvalho, ex-Secretário de Administração do governo Anastácio. Toscano afirma que o deputado Fernando Lyra comandava o grupo governista naquela eleição. “João Lyra Neto sempre teve uma posição de retaguarda. Era uma pessoa de influência, mas não se expunha tanto como Fernando, que tinha mandato. Havia outro grupo ligado ao nosso, que era de Mário Menezes, Paulo Clemente e Luiz Gonzaga. Eles também concordaram com o meu nome”, recorda. Enquanto a indecisão no MDB se arrastava, Drayton, ao contrário, forçava o surgimento de um nome para a Arena 2, que pudesse ajudá-lo. Quando menos se esperava, surgem os nomes de Roberto Fontes e Anastácio Rodrigues, para prefeito e vice, respectivamente, alcançando grande repercussão na cidade. Drayton afirmou à imprensa que ganharia facilmente a eleição, para o MDB e para a Arena 2, “expulsando” o MDB de Caruaru. Lourinaldo Fontes procurou Anastácio e lhe disse que o governador Moura Cavalcanti queria falar com ele. Levou-o até o Palácio das Princesas e nada comentou durante o caminho. Quando já estavam próximo do Recife, revelou que seu filho Roberto Fontes seria candidato a prefeito e o queria como vice. “Eu entrei no Palácio dizendo não e saí candidato”, recorda. Anas-
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tácio lembrou que era funcionário do Banco Itaú, mas o governador acenou que isto não era empecilho. João Cleofas estava presente, na ocasião. Os arenistas que eram contra a candidatura de Nejaim logo se engajaram na campanha da Arena 2. Um deles, o vereador Elias Soares, deixou inclusive as diferenças de lado para apoiar Anastácio, mesmo tendo sido perseguido pelo ex-prefeito, por ter sido aliado de Drayton, no passado. Dizia que Anastácio era “um filho pródigo que merece ser recebido com respeito”. Chico do Leite, outro que tinha motivos de sobra para derrotar Drayton, era um forte aliado da Arena 2. O coordenador da campanha de Roberto e Anastácio, o jornalista Celso Rodrigues, utilizou o Diario de Pernambuco, na edição de 20 de julho, para refutar críticas do deputado Fernando Lyra, na edição anterior, quando analisou a situação política no município de Caruaru. Em nota enviada à redação do Diario, Celso disse que o parlamentar demonstrava “um total desconhecimento da realidade da Capital do Agreste”: “O deputado Fernando Lyra confirma, através de recente entrevista ao Diario, ser mesmo um parlamentar fora da realidade política de Caruaru. Ou, sofismando pretende deformar os fatos. De início, ele afirma que a escolha de Roberto Fontes e Anastácio Rodrigues, pela Arena 2, “foi fruto da improvisação”. Aí pretende enganar a opinião pública do Estado. Não pode ser improvisação um jovem que se elegeu e fez brilhante administração à frente do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito de Caruaru, merecendo inclusive depoimentos altamente honrosos do professor Pinto Ferreira. Depois, faço questão de recordar que há alguns anos atrás, o deputado Fernando Lyra me pediu para manter entendimentos políticos com o universitário Roberto Fontes, convencendo-o a aceitar a sua candidatura a prefeito pelo MDB. Mas a verdade é que o deputado oposicionista esquece as coisas sérias com muita facilidade. Por exemplo: que é governo em Caruaru. A propósito, ele nunca levou a sério Caruaru, de quem se serve apenas nas lutas eleitorais. Sabe o deputado Fernando Lyra que vai perder as eleições que se aproximam, e perder para os candidatos da Arena 2. Dizer que Anastácio Rodrigues – que realizou uma das maiores administrações da história de Caruaru ingressou na Arena apenas para votar no senhor João Cleofas é pretender, embora inutilmente, deformar a excelente imagem de quem não aderiu, mas conscien-
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te do papel que lhe cabe desempenhar na comunidade caruaruense, decidiu-se integrar a um sistema político-administrativo voltado para a construção do futuro da sua terra. E esse mesmo Anastácio Rodrigues contribuiu – e como contribuiu! – para a vitória do atual prefeito da Capital do Agreste”, escreveu o jornalista. A campanha da Arena-2 começaria no dia 15 de agosto, com grande passeata. Antes, o governador Moura Cavalcanti recebeu Roberto Fontes e Anastácio Rodrigues, em audiência especial, para conversar sobre a eleição. João Miranda abriu mão da candidatura pelo MDB, em favor de José Queiroz, engajando-se na campanha. Depois de sucessivas reuniões, surgiu o nome do advogado Carlos Alberto Toscano de Carvalho para vice. A Arena-2 escolheu dois importantes slogans para a campanha daquele ano. O primeiro, “Caruaru tem memória – o passado não volta”, era uma crítica indireta a Drayton Nejaim, enquanto o outro, “Nem imposição, nem humilhação. Roberto é a solução”, atingia o MDB e a família Lyra. No dia 15 de agosto de 1976, promovia seu primeiro grande evento de campanha, a “Passeata da Libertação”, com grande número de automóveis saindo do comitê central. No final, fizeram um comício-relâmpago no bairro do Salgado. Todas as providências foram tomadas no sentido de que o importante ato político marcasse a penetração das candidaturas de Roberto Fontes e Anastácio Rodrigues em todas as classes sociais. Com a presença de líderes arenistas, bandas de música e outras atrações, a Arena-2 reuniu uma grande multidão na Rua da Matriz. Falaram Roberto Fontes, Anastácio Rodrigues, o deputado José Liberato (que, em 1968, fora seu adversário na disputa pela prefeitura, e agora, rompido com Drayton, o apoiava), além de vários candidatos à Câmara Municipal. Os oradores se limitaram ao debate dos problemas da comunidade caruaruense, apesar das provocações do MDB, sobretudo do deputado federal Fernando Lyra. Celso Rodrigues e o técnico em pesquisas Pedro Alencar eram os responsáveis pela condução da campanha. A Arena-2 fez distribuição de milhares de panfletos, convidando o povo a participar do início oficial da campanha. O comitê foi inaugurado às 20h do dia 21 de agosto de 1976, na Rua da Matriz. Roberto Fontes disse que, se eleito, bateria à porta do BNH, solicitan-
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do a construção de mais casas populares, “para dar moradia barata aos que não podem construir as suas residências”. O comício foi presenciado por aproximadamente três mil pessoas. Durante o evento, os candidatos aproveitaram para popularizar a marchinha que dizia “o povo é quem está certo, o povo quer Roberto”. Três meses antes da eleição, marcada para 15 de novembro, a coordenação de campanha do MDB pretendia modificar o esquema traçado anteriormente para o candidato José Queiroz. A observação de falhas contidas no esquema posto em prática levou os coordenadores a verificar que não estava havendo o rendimento desejado, sobretudo de captação do apoio popular ao candidato. O partido estava carente de maior penetração nas camadas mais humildes, localizadas nos bairros onde o candidato Drayton Nejaim assentava suas bases eleitorais. A principal ação emedebista seria a instalação de comitês de bairro, para prestação de assistência social, inclusive médico-dentária. Os comitês de bairros seriam utilizados por José Queiroz, muitos anos depois, na eleição de 2012, quando enfrentou Miriam Lacerda. Muitas famílias caruaruenses receberam um valor mensal para transformar suas residências em comitês e distribuir material de campanha do prefeito. Outra preocupação na eleição de 1976 estava relacionada aos comitês de campanha do MDB e da Arena, ambos localizados na Rua da Matriz, a apenas 30 metros de distância um do outro. Drayton Nejaim chegou a reclamar ao juiz eleitoral, Hélio de Siqueira Campos, a relocalização de um dos diretórios, guardando a distância entre um e outro, permitida por lei. Em fins de agosto, o governador Moura Cavalcanti foi a Caruaru para conversar com os candidatos da Arena. Acompanhado por alguns assessores, dialogou com Drayton Nejaim e Roberto Fontes. Na residência de Drayton, permaneceu por longo tempo, ouvindo detalhes sobre a situação política do município, em sua versão. Voltou a Recife confiante na vitória de seu partido. Nos dias seguintes, boatos se espalham pela cidade, dando conta de que Roberto Fontes iria renunciar à candidatura. Nas ruas, o povo comentava que os vereadores Elias Soares e Aurelino Joaquim do Nascimento estavam propensos a abandonar o palanque da Arena-2. Elias Soares estaria insatisfeito com os coordenadores da campanha,
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Celso Rodrigues e Pedro Alencar, pelo fato de os dois não viverem com frequência em Caruaru. Sobre Aurelino Joaquim, os comentários apontavam que, por ser amigo de Roosevelt Gonçalves, candidato a vice-prefeito pela Arena-1, iria apoiar Drayton. Ambos desmentiram. Os comícios de Roberto Fontes e Anastácio Rodrigues continuavam em vários pontos da cidade com grande afluência, principalmente por serem precedidos de shows de cantores regionais. Atendendo a convite do pastor Quaresma, Anastácio visita a Igreja Vale da Benção, no bairro São Francisco. Sem esperar, percebe a chegada de Lourinaldo Fontes e Aguinaldo Florêncio, homem ligado ao deputado Tabosa de Almeida. Anastácio sai da igreja e vai ao encontro de ambos. Lourinaldo faz um comunicado que o deixa sem chão: Roberto Fontes vai renunciar. “Renunciar?! É uma indignidade”, responde. Em seguida, vão para a residência de Lourinaldo, na Avenida Souto Filho. O texto de renúncia dos candidatos já estava pronto. Roberto estava assustado. Com o semblante de quem teve uma péssima noite, falou algumas palavras. Antes de assinar o documento de renúncia, Anastácio presume: “Estou assinando o meu fim político”. Uma filha de Lourinaldo pergunta: “O senhor acha?”. “Acho”, responde, secamente. O clima era de tensão. Estava lá uma figura conhecida como “Doutor de Faro”, apelido que Luiz Almério Buarque Fonseca ganhou após submeter-se ao vestibular de Direito apresentando documentação falsa. Ele disputou um mandato de vereador naquela eleição, pela Arena, mas não conseguiu se eleger. Luiz Almério, que mantinha um caso amoroso com a mulher de um médico, em Campina Grande (PB), seria assassinado algum tempo depois. “Ele jamais entraria na minha casa. Na eleição de 1968, ele foi presidente de uma urna na Vila Kennedy e eu perdi nessa urna. Eu me encontrei com ele e disse: ‘eu sabia que iria perder naquela urna, porque você a emprenhou’. Assinei a renúncia com a caneta dele”, lamenta Anastácio. Às primeiras horas da quinta-feira, nove de setembro, a cidade toma conhecimento da disposição do industrial Roberto Fontes, candidato a prefeito pela Arena-2, de não mais disputar as eleições daquele ano, juntamente com o seu colega de chapa, Anastácio Rodrigues. Um manifesto – bastante evasivo – justificava que as renúncias ocorre-
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ram por “motivo de força maior”: “Escolhidos candidatos da Arena II às eleições de 15 de novembro, através da vontade de uma grande maioria de caruaruenses, manifestamos sempre os nossos propósitos na condução de uma campanha planejada, voltada inteiramente para a vitória da facção a que pertencemos e continuamos a pertencer. Nas praças públicas, nas visitas do dia a dia a homens e mulheres de todas as condições sociais, transmitimos a nossa mensagem de fé e de confiança no Brasil de hoje. Sentimos a receptividade em torno dos nossos nomes, já pela confiança que inspiramos, já pelo programa de trabalho que pretendíamos pôr em prática, complementando as grandes realizações dos governos revolucionários. Motivo de força maior, no entanto, nos impede de concretizarmos os nossos justos anseios, o que nos leva a renunciar às candidaturas que aceitamos. Só em função dos altos interesses da comunidade e da repercussão nacional, da vitória do nosso Partido na principal cidade do interior pernambucano. Só nos resta agradecer às admiráveis e até comoventes demonstrações de solidariedade, partidas de todas as classes, inclusive, dos bravos estudantes de Caruaru. Saímos de consciências tranquilas e cabeças erguidas, pensando em Caruaru, no seu futuro, e desejando que nada entrave a Capital do Agreste a vencer novas etapas de desenvolvimento, colocando-se naquela posição de destaque a que faz jus no cenário nacional”. Anastácio define a participação nesta campanha como o maior arrependimento de sua trajetória política. “Eu estava fazendo discurso no bairro Centenário e Roberto já havia renunciado sem eu saber. Nós éramos amigos. Ele votou em mim para prefeito. Esse é o meu maior arrependimento: ter participado dessa campanha. Ele não me disse que iria renunciar. Deixou-me vendo navios. É o que mais lamento”, comenta. “Eu não devia ter renunciado. Devia ter mantido a candidatura de vice-prefeito”, avalia. Nabor Santiago, aliado de Drayton, diz que a renúncia de Roberto Fontes foi ordenada pelo governador. “Foi Moura Cavalcanti quem mandou Roberto desistir da candidatura para favorecer Drayton. Eles concluíram juntos o curso de Direito no Recife e eram amigos”, justifica Nabor. Logo após a renúncia, Roberto e seu pai, Lourinaldo Fontes, deixaram a cidade anunciando que voltariam logo que a situação fosse normalizada.
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Fontes alegou a desistência em função de assuntos particulares. A notícia esquentou a política local. E desagradou mais ainda a Drayton Nejaim que esperava a generosa colaboração da família Fontes para ser eleito. Afinal, a candidatura Roberto Fontes e Anastácio Rodrigues contava com o respaldo das classes produtoras de Caruaru e sua votação daria maior chance de vitória ao candidato da Arena 1, somando-se as sublegendas. O diretório municipal da Arena, presidido por Drayton, marcou nova convenção, na Câmara Municipal, para apreciar as renúncias de Roberto Fontes e Anastácio Rodrigues. Especulou-se que novos nomes seriam escolhidos para substituí-los. Os apontados eram o jornalista Luiz Torres e o deputado estadual José Liberato. Liberato negou que fosse candidato e citou também que desconhecia a versão de que Luiz Torres entraria na disputa. Afirmou que ainda não estava refeito da surpresa causada pela renúncia de Roberto Fontes, principalmente pela maneira como foi feita, sem consulta às bases e num momento em que ganhava popularidade. O deputado garantiu que, independentemente de quem fosse o candidato, a Arena seria a grande vitoriosa, pois era “patente a vontade do povo em querer mudar”. Não houve substitutos. O governador Moura Cavalcanti resolveu cancelar a convenção extraordinária para escolha dos candidatos a prefeito e vice da sublegenda arenista. O deputado José Liberato comprometeu-se em apoiar o postulante do governo, fazendo ver ao governador ser desnecessária a apresentação de outros nomes para substituir Roberto Fontes e Anastácio Rodrigues. A decisão foi tomada no Palácio das Princesas, em reunião com Moura Cavalcanti, Drayton Nejaim e o próprio Liberato, antes patrocinador da candidatura de Roberto Fontes. José Liberato garantiu a Moura Cavalcanti que mandaria imprimir manifesto incentivando todos os seus eleitores a votar em Drayton, e que iria desenvolver todos os esforços no sentido de garantir a ele uma vitória arrasadora sobre o candidato oposicionista. Drayton agradeceu o apoio e se mostrou satisfeito, depois que o governador prometeu participar de comícios em Caruaru. Era a primeira vez que a Arena disputava uma eleição municipal no município sem o mecanismo da sublegenda, adotado nos pleitos de 1968 e 1972.
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Se Drayton ficou, de alguma forma, preocupado, a notícia permitiu a José Queiroz respirar um pouco mais aliviado, mesmo afirmando que “não temia a sublegenda”. A campanha do MDB teve início na Rua Barão, no bairro do Salgado, com um grande comício. Além dos deputados João Lyra Filho e Fernando Lyra, discursou o gaúcho Getúlio Dias, deputado federal pelo MDB e considerado um dos maiores tribunos do país, naquela época. O publicitário Adelmo Tiné, responsável pela propaganda eleitoral do senador Marcos Freire, foi contratado pelo grupo Lyra para trabalhar na campanha do MDB. Uma das inovações foi a popularização no uso de bandeiras – que já haviam sido utilizadas na campanha de Anastácio, em 1968, mas em pequena quantidade. Na época, Fernando Lyra, de passagem por Portugal, viu a beleza e os espetáculos da Revolução dos Cravos e trouxe a ideia para Caruaru. As bandeiras deram um colorido especial à campanha de José Queiroz, atraindo a juventude. Os atos comprovavam que a luta política seria das mais ferrenhas registradas na História da cidade. Drayton Nejaim, indiretamente derrotado nas três últimas eleições, dizia nos quatro cantos da cidade que iria vencer. Seu candidato, José Liberato, foi derrotado por Anastácio em 1968, o mesmo ocorreu nas eleições de 1972, quando João Lyra Filho derrotou Roosevelt Gonçalves, candidato de Nejaim. Em 1974, o senador Marcos Freire (MDB) abateu o seu candidato, João Cleofas, que nunca perdera uma eleição em Caruaru, durante toda a sua vida política. “Agora, a coisa vai ser diferente. Não irei transferir votos, serei o próprio vencedor”, dizia. Apesar de reiteradas manchetes negativas, Drayton continuava a desfrutar de enorme popularidade em Caruaru. A forma personalista de fazer política ajudava a manter o arrebatamento popular em torno de sua controvertida figura. A importância dele para a política caruaruense é, talvez, muito maior do que se costuma acreditar. Ou que se tenha conhecimento. Examine-se a História política de Caruaru a partir dos anos 1950 e chegar-se-á à conclusão de que o atual quadro político da cidade – que tem como principais lideranças as figuras de João Lyra Neto, José Queiroz e Tony Gel – encontra sua origem em torno de um único nome: Drayton Nejaim. Foi o então deputado Drayton quem incentivou e ergueu a bandeira da
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candidatura do empresário João Lyra Filho para prefeito de Caruaru, em 1959. Consciente de sua escolaridade limitada, Lyra hesitou muito em aceitar. Mas topou o desafio e venceu a eleição. Através de João Lyra Filho, a cidade conheceu, anos depois, as suas tradicionais figuras políticas, a exemplo de Fernando Lyra, Anastácio Rodrigues, José Queiroz, João Lyra Neto e Jorge Gomes. Anastácio, embora não tenha sido inserido na vida pública pela família Lyra, somente conquistou mandatos de vereador e prefeito quando apoiado por eles. Até mesmo Tony Gel tem sua história ligada diretamente a Drayton Nejaim. E apesar de não ter sido lançado por ele na política, foi herdando seu patrimônio político que, em 1988, disputou a Prefeitura de Caruaru pela primeira vez. Curiosamente, o panorama político iniciado por Drayton é o mesmo que se perpetua na História do município, mais de seis décadas depois. Em outras palavras, embora cada grupo esteja ligado a essa ou àquela tendência, que ainda persista a visão deste ou daquele lado (e de fato as diferenças existem), a origem genealógica é uma só, é draytista.
No início da campanha eleitoral, a polícia de Caruaru recebeu denúncia de que estaria funcionando, na casa do vereador Fernando Soares, um cartório eleitoral particular. No local, apreendeu grande quantidade de material, destinado ao fornecimento de títulos. Cerca de 15 pessoas foram detidas e prestaram depoimento na Delegacia. Um dos ouvidos, Sebastião Dias, conhecido por Lambreta (cabo eleitoral de Fernando, que futuramente seria eleito vereador de Caruaru, tendo como reduto eleitoral o bairro Centenário), disse que era pago por Fernando Soares para realizar o serviço. Todo material era retirado do Cartório Eleitoral da cidade, por uma funcionária de nome Maria Conceição Silva, sem qualquer conhecimento dos juízes. Ela pertencia aos quadros da prefeitura e fora posta à disposição da Justiça Eleitoral pelo prefeito João Lyra Filho. O inquérito policial foi instaurado por solicitação do juiz Hélio Siqueira Campos, após ouvir o Ministério Público. O secretário de Justiça, Sergio
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Higino, foi até Caruaru, verificar a extensão dos fatos no tocante à responsabilidade dos funcionários de cartórios na suposta fraude. O presidente estadual do MDB, Jarbas Vasconcelos, na época deputado estadual, enviou a Caruaru o advogado Edson Miranda, a fim de patrocinar a defesa do vereador oposicionista. Jarbas disse que não havia fraude eleitoral, vez que, na casa do vereador, não se estavam fabricando títulos e sim preenchendo formulários retirados do cartório eleitoral. Conhecido na cidade pela alcunha de Fernando Safadeza, o vereador confirmou à polícia que mantinha um serviço de alistamento eleitoral porque pensava que, desta forma, estaria prestando um serviço à Justiça e ajudando um grande número de pessoas, “entre elas, mulheres grávidas e velhas”, que passavam horas e horas nas quilométricas filas dos cartórios. Sorrindo e desenhando paisagens enquanto prestava depoimento, Fernando Soares declarou ser uma “pessoa muito famosa”, embora considerasse o caso complicado e que teria dificuldades para encontrar uma saída. Como tentativa de justificar sua ação, disse que o fato era normal em Caruaru. “O mal não é de hoje. No passado era muito usado”. Fernando não estava mentindo. A prática era antiga. Anastácio Rodrigues, como já citamos, tornou-se eleitor aos 18 anos, por meio de Irineu de Pontes, que circulava pela cidade fazendo títulos eleitorais de forma ambulante. O Diario de Pernambuco divulgou que a denúncia do cartório eleitoral na residência do vereador fora feita pelo ex-prefeito Drayton Nejaim, que teria sido informado da irregularidade há pelo menos 60 dias. O jornal disse que, nesse período, Drayton procurou realizar investigações para denunciar Fernando às autoridades. O vereador justificou que tudo partiu da inimizade que Nejaim vinha nutrindo por ele há muito tempo. Segundo Fernando, as diferenças ocorriam porque ele foi o candidato a vereador mais votado na eleição anterior. Disse que, enquanto vereador, não existia contra si “qualquer processo por corrupção ou subversão” e classificou Drayton como uma “pessoa desesperada que quer chegar vitoriosa ao final do pleito”. O prefeito João Lyra Filho, também do MDB, não quis prestar declarações à imprensa, alegando que não gostava de dar entrevista. O presidente do diretório municipal do partido, João Lyra Neto, filho do prefeito, limi-
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tou-se a dizer que apenas o deputado Jarbas Vasconcelos teria condição de agir. “O problema será analisado pelo diretório regional”, informou. O caso ganhou proporções ainda maiores quando Fernando Safadeza se ausentou de Caruaru e Drayton Nejaim passou a especular que ele estaria foragido. De volta à cidade, o vereador foi surpreendido com a celeuma criada em torno dele. Comunicou que se encontrava no Recife, com a esposa, tratando de questões pessoais, no INPS. Furioso, Fernando Soares disparou contra Drayton Nejaim, a quem chamou de “currador”. “Quando criança, já ouvia falar das curras de Drayton e seus companheiros de farra em Pau Amarelo”, criticou. O vereador disse ainda que era o ex-prefeito quem deveria estar foragido da cidade. “Desviou recursos públicos, sequestrou e espancou a esposa e, o que é pior, até hoje não deu a mínima assistência aos filhos. É um homem sem moral, que através do seu partido sempre procurou alcançar objetivos pessoais”, acusou um impiedoso Fernando Safadeza. O vereador detratou a Arena, partido de Drayton, dizendo que nela se encontravam os verdadeiros corruptos. “Inclusive esse cidadão que foi derrotado há oito anos, em pleito realizado aqui, e que teve a coragem de sequestrar a própria esposa para vender o seu mandato ao suplente Antonio Dourado por 120 milhões naquela época”, acusou, referindo-se ao Caso Nejaim, ocorrido cinco anos antes e já descrito neste livro. Drayton confirmou ao Diario de Pernambuco que foi o responsável pela denúncia e não perdeu a oportunidade de alfinetar o vereador. “O seu cartório também poderia ser chamado de cartório da safadeza”. Explicou que tão logo tomou conhecimento, encaminhou denúncia ao Juiz de Direito, responsabilizando-se pela mesma. Disse que, perante o magistrado, comprometeu-se a responder criminalmente, caso as denúncias fossem inverídicas. “Eu estava pronto a responder pela calúnia que iria causar ao indigno representante do povo que eu estava acusando, mas ficou provado que a minha denúncia era e é verdadeira”, ironizou. Numa reunião que durou pelo menos quatro horas, na residência do prefeito João Lyra Filho, o MDB se viu forçado a cassar a candidatura de Fernando Soares. O vereador seria candidato a vice-prefeito na chapa de José Queiroz e ficou fora da disputa, sendo substituído pelo advogado Carlos Al-
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berto Toscano de Carvalho. (Fernando Soares morreu em cinco de maio de 2017, aos 78 anos. O ex-vereador faleceu no Hospital Albert Sabin, no Recife. Foi um dos maiores opositores ao ex-prefeito Drayton Nejaim e aliado histórico do ex-governador Miguel Arraes). Dias antes, o vereador José Rodrigues da Silva, também do MDB, primeiro secretário da Câmara, renunciou ao mandato e foi substituído pelo suplente Abdias Pinheiro. No pronunciamento que fez, na tribuna da Casa, declarou que tomava tal decisão “por estar cansado e desiludido da política”. Nos últimos dias, o vereador vinha reclamando das “injustiças” praticadas pela cúpula do MDB municipal. José Rodrigues é primo de Anastácio e havia permanecido fiel aos Lyra, quando do rompimento entre João Lyra e Anastácio Rodrigues, em 1973. Agora, estava decepcionado com o grupo político ao qual aderira, alguns anos antes. Com a renúncia dos candidatos da Arena 2, o deputado José Antônio Liberato voltou atrás novamente e usou o plenário da Assembleia Legislativa para afirmar que não participaria da campanha eleitoral em Caruaru, apesar de torcer pela vitória de seu partido. Informou que havia liberado os vereadores para trabalhar por conta própria. Indiretamente, sua omissão prejudicava a candidatura de Drayton, pois Liberato era o único deputado governista de Caruaru e nas últimas eleições havia obtido mais de sete mil votos na cidade. Para assegurar sua reeleição, o vereador Aurelino Joaquim do Nascimento pula para a Arena 1. Sabia que a Arena 2 teria condição de eleger apenas dois vereadores e estes já estavam consagrados: Elias Soares, apoiado por Liberato e João Dutra, respaldado pela família Fontes. No grupo draytista, apenas Adjar Pereira era conhecido do eleitorado. A grande maioria era mesmo de desconhecidos. Elias Soares permaneceu na Arena 2, alegando que não apoiaria “em hipótese alguma” o candidato Drayton Nejaim, de quem outrora foi grande aliado. João Dutra também permaneceu na Arena 2, pois, além de ser grande articulador da candidatura de Roberto Fontes, passou a campanha inteira criticando a candidatura de Drayton e defendendo a renovação nos quadros políticos de Caruaru. Depois de transcorrido mais de um mês do início da campanha, a Arena
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realizou o seu primeiro comício de arrasto no largo do Convento. O comício draytista serviu para a população avaliar a condição de cada candidato. Por outro lado, o MDB realizava o seu terceiro comício no Riachão. O candidato José Queiroz – que, no início da campanha, era pouco conhecido pela população – já estava bastante popular, inclusive na zona rural. Enquanto isso, sem candidato a prefeito, o grupo da Arena 2 continuava em campo, trabalhando unicamente em prol dos seus vereadores. Para popularizar seu candidato, o MDB passou a utilizar o slogan “É ele... José Queiroz, o prefeito” e os versos da música tema da campanha, composta por Onildo Almeida, que permanecem até hoje no imaginário da população: “Zé Queiroz, Zé Queiroz, é o prefeito de todos nós”. “Agora, na campanha de 2012, onde eu chegava, a turma cantava a minha música de 76. Ficou na memória dos mais antigos e foi passando para os mais jovens”, cita o político. Em sua primeira disputa eleitoral, José Queiroz apostava no histórico dos governos do MDB para garantir a sua vitória. Acreditava que a moralização administrativa imposta pelo partido oposicionista e as obras públicas que impulsionaram o desenvolvimento do município, nas administrações João Lyra Filho e Anastácio Rodrigues, credenciariam a oposição definitivamente junto à opinião pública. Aos 34 anos, o bancário e radialista citava que seria prefeito de Caruaru a partir de janeiro de 1977 “porque a nossa força de vontade, com o respaldo que nos confere a vontade popular, transpõe os obstáculos que surgem, desde que representam o ódio e a corrupção”, citou, fazendo uma crítica velada a seu principal opositor. Queiroz dizia que os interesses maiores de Caruaru não eram considerados pelas duas candidaturas Arenistas. Em sua visão, Drayton Nejaim era a própria imagem do “coronelismo caboclo, uma ação política do passado, portanto morta e sepultada”. Roberto Fontes representava, para ele, “a projeção de frustrações de ascendentes, em função das derrotas impostas pelo eleitorado de Caruaru nas eleições municipais de década passada” (A crítica implícita de Queiroz atingia o pai de Roberto, Lourinaldo Fontes, que ambicionava ser prefeito de Caruaru, tendo sido derrotado no pleito de 1963, conforme já foi narrado neste livro). A eleição de 1976 também foi marcada por atos de violência. Um deles
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quase acabou em tragédia. A radicalização entre as campanhas de Drayton Nejaim e José Queiroz era tamanha que a situação quase se tornara insustentável. No dia 11 de setembro, o MDB promoveu um comício de arrasto com a presença do vice-líder do partido na Câmara Federal, o deputado gaúcho Getúlio Dias. A multidão seguia em passeata com destino ao bairro do Salgado, onde estava programado um grande comício de José Queiroz. Quando as lideranças políticas do MDB e a massa de eleitores chegaram às proximidades do comitê eleitoral da Arena 1, na Rua da Matriz, foram surpreendidos pelo prefeito Drayton Nejaim, acompanhado por nove auxiliares, todos armados e impedindo que ultrapassassem. Não fosse a interferência do deputado Fernando Lyra e de outros parlamentares emedebistas, o incidente poderia ter se transformado numa verdadeira chacina. Somente depois de muitas provocações e cansativa argumentação, a passeata oposicionista mudou o roteiro, seguiu por outro caminho e conseguiu realizar o ato político no Salgado. Dias depois, o líder da oposição na Assembleia Legislativa de Pernambuco, deputado Edgar Moury Fernandes, denunciou na tribuna da Casa o que chamou de “arbitrariedades cometidas pela Arena 1 de Caruaru”. Ele culpou o governador Moura Cavalcanti pelos acontecimentos, acusando-o de negar garantia de segurança aos candidatos de oposição. O deputado denunciou ainda a participação da polícia na agitação promovida pela Arena. Edgar afirmou que o delegado do município, ao invés de adotar medidas de segurança e conter os ânimos, mandou libertar da cadeia “quatro marginais para perturbar o comício da oposição”. Enquanto os partidários de Drayton diziam que os emedebistas estavam apenas “fazendo guerra de nervos” ante a perspectiva de uma derrota, o diretório municipal do MDB solicitou à Justiça Eleitoral garantias policiais para a continuação da campanha. Drayton Nejaim se defendeu das acusações, afirmando que a agressão partira dos adversários. Segundo ele, foram os rivais que tentaram invadir o comício que a Arena realizava na Rua da Matriz, num gesto de provocação aos seus correligionários. Em entrevista ao Diario de Pernambuco, o então candidato à Prefeitura
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de Caruaru contou sua versão dos fatos. “Marcamos um comício para o dia 11, na Rua da Matriz, e solicitamos às autoridades competentes, por ofício, a permissão para a sua realização. O ofício foi entregue ao juiz no dia 26 de agosto. Eles [os adversários do MDB] marcaram, por outro lado, uma passeata para fazer um comício no Salgado. Até aí, nada demais”, contou Drayton. “Depois, na rua principal de Caruaru [da Matriz], deram a volta e tentaram passar pelo meio do nosso comício, visando desmoralizar a Arena”, prosseguiu. “Desarmado, pedi que não fizessem aquilo. Que voltassem com a caravana e fossem pela outra rua estabelecida naturalmente pelas autoridades. Não atenderam. Falei com mais quatro ou cinco pessoas do partido do outro lado [MDB], sem êxito. Então os correligionários da Arena se juntaram, não permitindo que a passeata passasse pelo centro de nosso comício”. Em seguida, fez um desabafo: “Sou um obstáculo, como sempre fui, aos pessimistas, aos anarquistas, aos baderneiros e, por isso, eles me querem fora da política de Caruaru. Mas não conseguirão o que almejam. O povo está do meu lado”. O presidente municipal do MDB, o empresário João Lyra Neto, rechaçou as declarações de Drayton. Assegurou que no incidente ocorrido na Avenida Rio Branco (próximo à agência do Banco do Nordeste, em Caruaru), Drayton estava de revólver em punho, para impedir a “caravana de arrastão”. Também ressaltou que havia “nove pistoleiros” protegendo o candidato. Citou nomes: José Lopes e Abelardo, os mais conhecidos e, segundo João Lyra Neto, “autor da emboscada de que foi vítima o vereador Wanderley Oliveira”, fato ocorrido em 1974. Diante do impasse e da ameaça, o MDB decidiu recuar, evitando uma chacina, com vítimas inocentes, e orientando os eleitores no sentido de ignorarem as provocações, para evitar derramamento de sangue – informou o partido, por meio de nota. O presidente municipal da legenda explicou que vários integrantes da Arena 2, que apoiavam a candidatura de Roberto Fontes e Anastácio Rodrigues, desgostosos com o radicalismo e as atitudes impensadas de Drayton, passaram a apoiar o candidato do MDB. João Lyra Neto disse ainda que a serenidade da campanha do MDB refletia a “posição da família caruaruense”, conhecedora “do passado irregular do candidato da Arena 1, desde sua infância”. E concluiu: “Queremos ga-
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nhar no voto e não na bala, como tenta o nosso adversário”. Depois do episódio quase trágico, os adversários passaram a chamar Drayton Nejaim de doido. A coordenação da campanha arenista passou então a fortalecer seu candidato com o slogan nada comum “É ele, o doido”. Dizendo que “é doido para trabalhar por Caruaru”, Drayton promovia comícios de 48 em 48 horas, enquanto o MDB fazia diariamente, reunindo bom público. Uma camisa com os dizeres “Drayton, doido para trabalhar” foi utilizada pela militância draytista durante a campanha. Na avaliação de Anastácio, o slogan ‘o doido’ foi um grave erro de marketing cometido pela família Lyra. Serviu para reforçar a campanha draytista. “Passaram a chamá-lo de doido, então os assessores se reuniram com ele, decidiram explorar positivamente o fato e Drayton ganhou a eleição”, recorda. O comportamento pouco ortodoxo e o fato de ser assumidamente um político de direita faziam de Drayton Nejaim um alvo fácil para o apetite da mídia e dos adversários. Os cabelos sempre assanhados ajudavam a compor a imagem rebelde e a produzir apelidos jocosos na imprensa, a exemplo de “o assanhado” – outro título que incorporaria como slogan, em suas campanhas. Chega a ser estranho que a percepção da população caruaruense a respeito de Drayton como um homem “doido”, “assanhado” ou até desequilibrado, como se mostrou em vários episódios, tenha tido suas vantagens eleitorais. Na campanha de 1976, Drayton dizia que “voltou para vencer”, reunindo seu eleitorado fiel. Chegaram a comparar os comícios draytistas naquela eleição com os de Chico do Leite, em 1959, que reunia verdadeira massa humana e foi derrotado por João Lyra Filho. José Queiroz era um dos que faziam coro contra as decisões do então governador Moura Cavalcanti – sobretudo por haver escolhido Drayton Nejaim como candidato em Caruaru. Queiroz acusava o governador de descumprir orientação do presidente Ernesto Geisel, que recomendara “fossem escolhidos homens probos e capazes” como candidatos, pela Arena. Segundo declarou à imprensa da época, a “escolha errada” do governador “provocou cisão na Arena, causando a renúncia de um homem sério e honrado, como é o caso de Roberto Fontes”. (Um detalhe curioso é que, durante a entrevista que concedeu para este livro, José Queiroz não se recordava
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de que Roberto Fontes e Anastácio Rodrigues foram candidatos em 1976, tendo renunciado antes da eleição – apesar da insistência do autor em fazê-lo recordar deste fato). Ao enfrentar Drayton Nejaim, em 1976, José Queiroz também se mostrava receoso com “o tipo de garantia que o Governo oferecerá, principalmente depois do episódio ocorrido em janeiro, quando a polícia, com cães e cavalos, impôs temor ao povo, promovendo uma recepção ostensiva ao senador Ulisses Guimarães”. Em entrevista ao Diario de Pernambuco, Queiroz demonstrou insegurança em relação ao oponente. “Receio que as atitudes radicais e desequilibradas do candidato da Arena 1 [Drayton Nejaim] provoquem um grave incidente. Ele está desesperado e é capaz de qualquer extremo”, afirmou. Na reta final da campanha, os ânimos acirrados abrem margem para disputas violentas, forçando o empresário João Lyra Neto, presidente do diretório municipal do MDB, a enviar ofício ao Juiz Plácido de Souza, da Vara Eleitoral, solicitando policiamento para todos os comícios do partido oposicionista, alegando que os eventos estavam sendo prejudicados por pessoas ligadas ao candidato adversário. A solicitação foi comunicada à autoridade judicial depois dos incidentes verificados na Rua de Santa Clara, quando um grupo de arenistas impediu a continuação do chamado comício faísca que era realizado pelo médico João Miranda e o cirurgião dentista José Bezerra Bodocó. O juiz Plácido de Souza mostrava-se em permanente vigilância sobre o desenrolar da campanha e garantiu que usaria todos os recursos legais para restabelecer a tranquilidade, caso ocorressem novos incidentes. Demonstrando preocupação com o panorama político do município, o magistrado revelou que, se a situação se agravasse, solicitaria tropas federais para manter a ordem, tal como fizera quatro anos antes, quando teve o pedido negado pelo Tribunal Superior Eleitoral. O governador Moura Cavalcanti – que passou a campanha inteira sem subir no palanque de Drayton – anunciava sua vinda a Caruaru para o encerramento do pleito. Indagado pela imprensa, respondeu: “Eu acredito no povo. O senhor Nejaim já foi prefeito e se elegeu deputado para três mandatos consecutivos. Foi eleito pelo voto popular. Nesses casos foi o povo quem
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[1] Anastácio, já filiado à Arena, depois de concluir o mandato de prefeito de Caruaru [2] O governador Moura Cavalcanti cumprimenta populares em Caruaru, acompanhado por Anastácio, que buscava ser novamente candidato a prefeito [3] Voltar à Prefeitura de Caruaru se tornou um sonho para Anastácio [4] José Queiroz e Drayton Nejaim: guerra na eleição de 1976 [5] Anastácio e Roberto: candidatura que não chegou às urnas por motivo nunca esclarecido [6] O bancário e radialista José Queiroz, candidato derrotado em 1976 [7] Anastácio e Roberto Fontes conversam com o governador Moura Cavalcanti
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o julgou. Portanto, eu pessoalmente, não tenho nenhum motivo para julgar o senhor Nejaim de outra maneira”. Moura acreditava que o eleitorado de Caruaru colocaria Drayton no banco dos réus, julgando-o no pleito de 15 de novembro, mas sabia que sua participação era fundamental para que o partido retomasse o governo do município. No final de outubro, num comício realizado na Avenida São José, durante a realização da concentração emedebista, o vereador Abdias Pinheiro não se esqueceu de lembrar o nome do ex-prefeito Anastácio Rodrigues. Exaltando-o como “o melhor prefeito da Terra de Condé”, o povo presente o aplaudiu. No mesmo instante, um silêncio tomou conta de todos que estavam no palanque. Afinal, Anastácio era agora, para seus antigos aliados, no mínimo, um traidor. Mesmo que o povo visse o contrário. “Anastácio Rodrigues, que conheci quando prefeito, tem seus méritos, que nenhum político da região pode desconhecer. E veja bem, foi a grande perda da eleição próxima. Um homem que teve o apoio decisivo dos ex-governadores Nilo Coelho e Eraldo Gueiros, por seu modo de agir honestamente em todas as ocasiões, é, ainda hoje, lembrado pelas cúpulas políticas. E acredito, sinceramente, que Anastácio Rodrigues está vendo de longe os acontecimentos políticos de Caruaru como fato novo, pois as tradições políticas desapareceram, e o que se vê hoje é homens contra homens e não políticos responsáveis. Tudo mudou, gente, menos Anastácio, que está tranquilo e sentindo, é lógico, não estar na luta para prestar relevantes serviços à comunidade a que pertence. É, sem dúvidas, a grande perda política”, disse o vereador, em seu discurso, registrado pelo Jornal da Cidade, do Recife, e pelo Vanguarda, de Caruaru. Em virtude do clima tenso e da expectativa que envolvia a campanha, o Tribunal Regional Eleitoral designou o juiz corregedor José Martins de Souza Leão para, na qualidade de observador, acompanhar as eleições em Caruaru. A solicitação foi feita pelo Juiz Plácido de Souza. “O porte de arma aqui nesta cidade, inclusive na tradicional Rua da Matriz, é público e notório, sem que haja notícia de alguma providência enérgica no sentido de coibir tão nociva prática”, submeteu o magistrado. Em virtude do clima de tensão, o Juiz determinou a proibição dos chamados “comícios de arrasto” e as passeatas políticas. O candidato José Queiroz, cuja popularidade aumentara consideravelmente durante a campanha, ga-
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rantia que venceria as eleições, não somente na cidade, mas na zona rural. O mesmo dizia Drayton, afirmando que voltou para vencer e reconquistar o Executivo, que há oito anos estava sob o poder do MDB. A campanha política foi encerrada no dia 12 de novembro, quando Arena e MDB realizaram seus grandes comícios. A Arena reuniu o eleitorado na Rua da Matriz e foi fortalecida com a presença do governador Moura Cavalcanti e secretários de governo. O MDB, com a presença do senador Marcos Freire, prolongou o seu comício até o raiar do dia, saindo com os remanescentes em passeata pelas ruas da cidade, até a residência do candidato José Queiroz. Na edição de 14 de novembro, Vanguarda traz como manchete a notícia de que o público feminino poderia decidir as eleições do dia seguinte, haja vista as mulheres representarem a maioria do eleitorado. Nas 214 urnas, das três zonas eleitorais, estavam inscritos 54.946 eleitores, dos quais 28.334 eram mulheres. Chegava ao fim uma das mais entusiasmadas campanhas da História política de Caruaru, com o comparecimento às urnas de 40 mil eleitores. Depois de três insucessos, a Arena voltava a cair nas graças do eleitorado caruaruense, que elegeu Drayton Nejaim para prefeito e levou à Câmara a maioria dos vereadores arenistas – inclusive Elias Soares e João Dutra, favoritos da Arena 2. Drayton era eleito para administrar Caruaru pela segunda vez. Ele obteve 20.921 votos, contra 18.852 dados a José Queiroz. Uma diferença de 2.069 votos, de acordo com dados do TRE-PE. A família Lyra chorou, com José Queiroz, a derrota. Depois da apuração, Fernando Lyra e João Lyra Filho destacaram que a vitória do povo é soberana e convocaram os emedebistas para o próximo embate, em 1978, quando haveria eleições diretas para governador. Marcos Freire atribuiu a vitória de Drayton a “sua grande popularidade no meio da massa caruaruense”. José Queiroz, que obteve mais de 18 mil votos, sendo derrotado por pouco mais de dois mil sufrágios, retornou a Madureira, no Rio de Janeiro, onde reassumiu as suas funções no Banco do Brasil. Em Caruaru, os arenistas continuavam a comemorar a vitória de Drayton, com a poesia musicada “E agora, José?”, de Carlos Drummond de Andrade, provocando a ira dos oposicionistas – inclusive do casal Jorge e Lau-
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ra Gomes, recém-chegados à primeira cidade do interior pernambucano. O ex-vereador José Rabelo recorda que Drayton Nejaim o convidou para ser seu vice, naquela eleição. Rabelo não aceitou, mas disse que o ajudaria na campanha. Nessa época, eram vizinhos, na Rua São Gabriel. “Drayton estava numa situação deplorável. Dois Veraneios velhos na porta de casa, que ele fez muitos favores. Sem estrutura, sem saber o que dizer. Ele me pediu umas fitas gravadas com o que deveria falar [nos comícios]. Gravei, entreguei e ele pegou fácil”, afirma. Rabelo diz que, no início da campanha, a candidatura de Drayton não levantou voo, enquanto o adversário, José Queiroz, crescia sem parar. “Fernando Lyra colocou o ‘Pavão Misterioso’ nos carros de som, com a voz de um radialista da Rádio Cultura. Ele perguntava: ‘Ei, você tinha coragem de votar num homem que espancou a mãe dos seus filhos?’. Era uma propaganda pesada em cima de Drayton, mas ele ganhou a eleição”, revela. Mais de três décadas após o pleito, José Queiroz atribui a derrota às forças políticas que apoiaram Drayton. “O governador era Moura Cavalcanti e eles eram os donos do poder absoluto. Do poder discricionário, da força. Eu já sabia que iria enfrentar tudo isso. Em síntese, era um momento adverso. Mas foi uma campanha linda e histórica. Perdemos com uma coisa tão espetacular que até hoje tem raízes”, destaca. A campanha de 1976 marcou a vida pública e pessoal de José Queiroz. Por mais que tente enxergar como águas passadas, ele não consegue esconder certo descontentamento ao puxar da memória o embate. E procura detalhes para justificar a derrota. “Faltando 20 dias para a eleição, eu estava disparando. As minhas caminhadas eram algo tão colossal que ele [Drayton] conseguiu com a Justiça Eleitoral, por interferência de Recife, proibir as caminhadas de passarem no Centro. Depois, proibiu a realização de caminhadas”, argumenta. Queiroz cita, ainda, uma “lei da mordaça” que tornava os direitos desiguais na reta final da campanha. “Ele [Drayton] conseguiu trazer uma verdadeira frota do Corpo de Bombeiros para impactar. Uma cidade sob influência, tudo controlado; dizendo que não podia fazer carreata, esculhambando, e a gente sem poder dizer nada com ele”, cita, sem esconder o desapontamento.
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O jornalista Celso Rodrigues também fez uma análise do resultado da eleição. “Verdade é que a estrela do senhor Nejaim, um tanto ofuscada no cenário político e social do Estado, por fatos que são do domínio público, voltou a brilhar na complexa eleição municipal. Um MDB tímido e vacilante mudou de candidato como se muda de roupa. Depois, empolgou-se ao longo da campanha. Prepotente e otimista, entrou em campo com a deslumbrante auto-suficiência de time que considera o jogo ganho antes mesmo de enfrentar o adversário”, condenou. De acordo com Celso, tudo favorecia a candidatura de José Queiroz, mas o partido acabou desprezando os fatores fundamentais, que poderiam ter consagrado a sua vitória. “O senhor Nejaim sensibilizou o homem do povo. E rompeu, sobretudo, a neutralidade do governador Moura Cavalcanti, participação importante e decisiva na campanha municipal, após a renúncia do grupo Fontes, ainda hoje não justificada. O senhor Nejaim quebrou o jejum. Ganhou a eleição”, argumentou. Carlos Toscano acredita que seu grupo fez uma campanha bonita, mas erraram ao chamar Drayton de “o doido” e também ao elaborar uma propaganda com o candidato de cabelos assanhados e uma vassoura na mão. Toscano diz que a derrota foi “uma coisa que nós não esperávamos de jeito nenhum. Uma decepção muito grande”, revela. Ele explica que apesar do fracasso nas urnas, aquela eleição serviu para revelar à cidade o nome de José Queiroz. “Naquele tempo a gente fez a campanha começando de baixo. Zé Queiroz nasceu no Cedro, de uma família humilde. Mesmo que ele já tivesse uma projeção na cidade, através dos microfones, porque era comentarista esportivo, mas em política não era ainda conhecido. Começamos do nada e Zé Queiroz mostrou, depois, por esse comportamento dele na campanha, a condição que tinha outra vez de ser candidato”, avalia. Os adversários também não entendiam como a população pôde reconduzir Drayton Nejaim ao comando do município, após uma série de escândalos e processos amplamente divulgados pela imprensa. Era realmente difícil compreender. Ao mesmo tempo, a vontade do eleitorado precisava ser respeitada. Afinal, como é que se poderia julgá-lo de acordo com critérios de bom senso quando ele era Drayton Nejaim “o doido”?
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Anastácio não se conforma com o retorno de Drayton à Prefeitura de Caruaru e culpa os adversários pela vitória dele. “Dizem que fui um péssimo político, mas derrotei Drayton três vezes. Eles, “os geniais”, contribuíram para o retorno de Drayton Nejaim. Procuraram acabar politicamente com Anastácio e se esqueceram de Drayton. Castigo!”, tripudia. Analisando a questão em retrospecto, diversos fatores contribuíram para a vitória de Drayton, naquele ano. Primeiro, ele começou a trabalhar o seu retorno quatro anos antes, quando apoiou a candidatura de Roosevelt Gonçalves para prefeito, em 1972. Mostrando-se como vítima num processo em que ele era o acusado, Drayton se esforçou para incutir na mente do eleitorado uma imagem de homem e político injustiçado, traído por uma mulher que, segundo ele, era adúltera e sem caráter. Num dos comícios daquela campanha, ele disse no palanque: “Povo de Caruaru, sou um homem sem família, sou um homem pobre, perdi tudo na política, não tenho mais nada, me destruíram”. De modo a fazer a população enxergar com outros olhos o episódio trágico de agressão a sua ex-mulher Aracy Nejaim, Drayton disse, em praça pública, que não queria “o voto das mulheres prostitutas de Caruaru”, das mulheres que não tivessem vergonha. “Não quero o voto das mulheres que têm lama”. Em meio a uma sociedade tradicional e em grande parte machista, a estratégia parecia dar certo – embora Drayton não estivesse falando a verdade. Poucos sabiam, mas, a essa altura, ele estava vivendo com a funcionária pública Cleonice Cardoso de Alcântara, paraibana, de Monteiro, na Rua Alferes Jorge, em Caruaru. Além disso, ela estava em estado de gestação bastante adiantado. A criança receberia o nome do pai: Drayton Jaime Nejaim Filho. Em 1972, a Justiça ainda não havia se posicionado em relação ao pedido de desquite litigioso requerido por Aracy, o que significava que ela e Drayton continuavam legalmente casados e que ele estava cometendo, assim, dentro do Código Civil Brasileiro, adultério. (Quando o divórcio saiu, Drayton se casou com Cleonice, que, além de incorporar o sobrenome do marido ao seu, tornou-se seu braço direito. A defensora pública Nice Nejaim faleceu em 03 de março de 2010, após 38 anos de união com Drayton). Também contribuíram decisivamente para a vitória de Drayton Nejaim, em 1976, o apoio do governador Moura Cavalcanti e o fato de João Lyra Fi-
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lho não ter feito um bom governo em sua segunda administração. Registre-se ainda a inexperiência e pouca popularidade de José Queiroz, que era um quase desconhecido, até então. Ao contrário de Anastácio Rodrigues em 1968, que entrou para a disputa tendo sido um exitoso diretor de Educação e Cultura e vereador oposicionista destacado, Queiroz era apenas um bancário e comentarista esportivo, o que não lhe garantia, nem de longe, respaldo para competir com o popularíssimo Drayton Nejaim.
Depois da campanha, José Queiroz abriu mão de sua carreira como comentarista esportivo no rádio. Antes de parar definitivamente, fez alguns poucos trabalhos. Foi convidado pela TV Rádio Clube e fez alguns comentários também na Rádio Clube do Recife. Quando já estava praticamente fora do rádio, por conta da política, Roberto Queiroz que havia brigado com a Rádio Clube e estava indo para a Rádio Capibaribe, o convidou para formar uma dupla na emissora. Roberto narrava e Queiroz comentava. Mas o fato de ter que se deslocar até a capital pernambucana tornou-se um empecilho para a continuidade da dupla. Nos dias de jogo, José Queiroz saía direto do Banco do Brasil para Recife e retornava a Caruaru depois da meia-noite. Chegava em casa sempre após as três horas da manhã e às sete já estava de volta à agência bancária. Não dava o direito de ninguém afirmar que o rádio prejudicava seu emprego. Empolgado com a política e atarefado com os trabalhos como bancário, o rádio ficou em segundo plano. “Não dava para cuidar do banco, de política e do rádio. Termina uma coisa saindo mal feita. E futebol você tem que estar acompanhando tudo. E eu fazia bem feito. Era um referencial na crônica esportiva de Pernambuco. As pessoas mais antigas da crônica esportiva em Recife, como Luiz Cavalcante e Ivan Lima, dizem isso. Trabalhei uma passagem de rádio espetacular”, cita, orgulhoso. Se Queiroz nunca superou a derrota, Anastácio, por sua vez, jamais aceitou o fato de não ter sido ele próprio o candidato do MDB na eleição de 1976. “Eu tenho uma frustração política: não ter disputado com Drayton Nejaim.
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Eu queria tê-lo enfrentado. Quando Zé Queiroz disputou com Drayton, o lugar era meu. Subestimaram Drayton e perderam a eleição. Eu queria ter ido para a praça pública com Drayton Nejaim, para derrotá-lo. Esta é a minha maior frustração política”, revela Anastácio. O ex-prefeito costuma lamentar o fraco desempenho de João Lyra Filho em sua segunda administração. “O segundo mandato do prefeito João Lyra foi um fiasco, não existiu”, avalia. “Tanto que ele passou a prefeitura para Drayton Nejaim. Eu não fiz isso”, completa. João Lyra Filho foi candidato em 1972 muito mais pela imposição de Anastácio do que pela vontade própria de ser. A morte recente de dona Guiomar, sua esposa, ainda não estava superada, o que o fez entrar desanimado na disputa. Ao longo do governo, se ausentou várias vezes do cargo. Em 1974, por exemplo, pediu por três vezes consecutivas licenças de 30 dias, para tratar problemas de saúde, passando o cargo ao vice-prefeito Luiz Gonzaga. Não repetiu, portanto, o êxito da primeira administração. Assim, em 31 de janeiro de 1977, Caruaru via se repetir a mesma cena de 14 anos antes, quando João Lyra Filho transmitia o cargo de prefeito para Drayton Nejaim. À imprensa, Lyra destacou que entregava o cargo “consciente de que cumpriu com o seu dever, com aquilo que as finanças públicas proporcionaram”. Da agência de Boa Viagem, Anastácio voltou para Caruaru. Depois, quiseram promovê-lo a gerente em Santa Cruz do Capibaribe. “Ser gerente em Santa Cruz não é promoção”, reclamou. Não aceitou e o demitiram. “Foi uma fase difícil da minha vida. O superintendente não considerou que eu tinha família. Foi um desrespeito à pessoa humana”, lamenta. Anastácio recorreu à Justiça para cobrar horas extras não pagas. A agência funcionava na Rua do Comércio e, muitas vezes, na noite da festa de Natal, os funcionários ainda estavam trabalhando. Ganhou a causa e o banco não recorreu. A administração da instituição bancária enviou um emissário, convidando Anastácio para trabalhar na Seguradora Itaú. Ele não aceitou. Se não servia para um cargo, também não servia para outro. E declinou. Desempregado, surgiram convites para trabalhar na iniciativa privada. Inicialmente, o ex-prefeito e bancário foi convocado para administrar uma granja. A Granja Bom Jesus funcionava na Rua Visconde de Inhaúma. Seu incu-
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batório chegava a produzir 1 milhão de pintos, incluindo a produção na cidade de Agrestina. Anastácio formou uma equipe e passou a organizar e estruturar a empresa. Depois, a granja mudou-se para o bairro Pinheirópolis, no local onde funciona atualmente o bloco C da prefeitura. Tudo funcionava muito bem, até que o empresário José Victor Figueroa viajou. Seu filho, Humberto, procura Anastácio e lhe diz: “Papai viajou e não quer mais o seu serviço”. “Tudo bem. Eu não pedi emprego a seu pai. Ele foi me buscar em casa. Nós somos amigos”, respondeu Anastácio, pouco satisfeito com a demissão. Zezito o convidara para administrar a empresa, mas os seus familiares interferiam e Anastácio não aceitava as intromissões. “Ele achava que eu estava ganhando com a cara e me dispensou”, revela. Mesmo assim, permaneceram amigos. “Ele fez transplante de fígado em Londres, mas fazia extravagâncias. Zezito se preparou para morrer, mandou inclusive construir o túmulo. Era mulherengo e no nosso último reencontro, três anos antes de ele morrer, me dizia que havia se relacionado com 78 mulheres e já estava de olho na próxima. Morreu antes de conhecer a 80”, relembra Anastácio, aos risos. Em seguida, Anastácio recebeu convite para administrar a indústria Sabra, no Parque Industrial de Caruaru, através da indicação de Plínio Gustavo. Trabalhava em condições precárias. A indústria não tinha sequer crédito no comércio, forçando-o a comprar materiais utilizando seu próprio nome. Operárias trabalhavam muito e ganhavam pouco. O jovem Júlio Rêgo, hoje empresário de sucesso no ramo imobiliário, procurou Anastácio nessa época para pedir-lhe emprego na fábrica. Diante das irregularidades, o ex-prefeito pediu demissão após 30 dias de trabalho. Nunca lhe pagaram pelos serviços prestados.
Assim como em 1974, a eleição de 1978 foi realizada pelo governo Ernesto Geisel sob a égide de uma abertura “lenta, gradual e segura”, e em nome desse objetivo, o chefe da nação urdiu um conjunto de regras para assegurar a maioria no pleito de 15 de novembro, reunidas no Pacote de Abril, baixado em 1977.
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Em suma, o pacote manteve as eleições indiretas para governador. No intuito de assegurar maioria à Arena no Congresso Nacional, foi criado o senador biônico e ampliada a bancada dos Estados menos populosos, na Câmara dos Deputados. Os governadores e senadores biônicos foram anunciados entre maio e junho de 1978 e homologados em 1º de setembro, por colégios eleitorais nos Estados, cabendo ao eleitor escolher um terço dos senadores, os deputados federais e os deputados estaduais. Em Caruaru, o MDB cometeu um erro tático grave ao não equilibrar a votação dentro da sua legenda, concentrando e despejando a enxurrada de votos em José Queiroz – que se elegeu apenas com os votos do município, como uma espécie de compensação pela derrota sofrida dois anos antes, quando perdeu a eleição de prefeito para Drayton. Tivesse o partido disciplinado a incidência de votos sobre Queiroz, desviando para outro candidato da legenda, provavelmente elegeria dois emedebistas para a Assembleia Legislativa. Além de José Queiroz, João Miranda e Fernando Soares foram candidatos a deputado estadual pelo MDB naquela eleição. Como houve milhares de votos brancos e nulos, o quociente eleitoral baixou consideravelmente, dando chances a postulantes com soma acima de nove mil votos se elegerem, principalmente do MDB. José Queiroz, mais uma vez, centrou fogo contra Drayton Nejaim naquela disputa. Durante a campanha, preparou ampla documentação sobre a administração do prefeito, nos seus 17 meses de gestão. Prometeu “divulgar um manifesto comprovatório das irregularidades do governo Drayton Nejaim”, preparado com consultas a órgãos do Governo e com apoio e subsídios da bancada do MDB na Câmara de Vereadores. Era o seu primeiro pronunciamento político, desde que perdera a eleição, dois anos antes. Queiroz dizia ainda que pretendia “demonstrar ao povo de Caruaru por que, durante a campanha, dizíamos que o candidato, hoje prefeito, não tinha condições de governar a primeira cidade do interior de Pernambuco”. Queiroz acabou sendo o grande beneficiado daquela eleição, pois, além de receber os votos de protesto, de revanchismo, que estavam atravessados na garganta desde a eleição passada, contou com um grande cabo eleitoral:
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o próprio prefeito Drayton Nejaim, que, radicalizando a campanha da Arena em torno do seu próprio nome, mesmo sem ser candidato, fez renascer, pulsar, vibrar e reagir os conflitantes emedebistas. Como vingança, eles depositaram nas urnas as cédulas com o nome de Queiroz, que correu frouxo, livre, sem qualquer tráfego que impedisse a soberba vitória. O carnaval feito pelo MDB, logo após o encerramento da apuração das urnas no Clube Intermunicipal, pelas ruas da cidade, explodiu como um desabafo, pois estava atravessado na garganta há muito tempo, desde a eleição de prefeito; José Queiroz conquistava o primeiro mandato de sua vida pública. Depois de apurados os votos, o vereador Leonardo Chaves afirmou que elementos de seu partido, o MDB, desviaram votos de João Miranda, a peso de ouro, no sentido de evitar o surgimento de uma nova liderança na cidade. A imprensa logo noticiou o rompimento de João Miranda e Leonardo Chaves com os Lyra, antecipando que dificilmente o partido sairia unido na próxima campanha para prefeito, quando José Queiroz poderia novamente disputar o cargo, saindo Miranda para o mesmo cargo, numa sublegenda. A previsão iria, de fato, se confirmar. E não apenas com dois candidatos, mas com três: Queiroz, Miranda e Anastácio Rodrigues. Quanto ao candidato Fernando Soares, analistas apontavam ter sido um suicídio a sua candidatura, pois, além de não contar com o apoio e respaldo financeiro do seu partido, saiu de início desfalcado de sua maior estrela, que havia provado em vezes anteriores, o também postulante João Miranda. Sem Miranda ao lado, Soares foi frágil, vazio, desmotivado e acabou derrotado. A votação de Fernando Lyra foi extraordinária, por sua projeção parlamentar nos anos em que esteve na crista dos movimentos políticos brasileiros. Tendo a preferência do eleitorado apontado para os candidatos da terra, Lyra assegurou sua volta para a Câmara Federal com verdadeira consagração popular. No bloco da Arena, o deputado estadual José Liberato foi reeleito com expressiva votação. O vice-prefeito Roosevelt Gonçalves, apesar de não conseguir aglutinar os votos que esperava, também foi eleito para a Assembleia Legislativa. Outro esperto foi o federal Geraldo Guedes. Juntou-se a Liberato e foi assimilando sua tática, embora Guedes tivesse uma extraordinária
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vocação para diplomata, o que muito lhe ajudou na reeleição, pois se mostrava com polidez e gestos de nobreza ante o povo. O desgaste sofrido pelo prefeito Drayton Nejaim naquela eleição também foi notável, não conseguindo boa votação para os candidatos que apoiou: Severino de Almeida Filho para estadual e João Carlos de Carli para federal. Nejaim pecou ao centralizar a campanha em torno de seu próprio nome. Correu o risco e pagou o ônus do erro tático, especialmente porque quase não teve tempo para fazer seus candidatos conhecidos. Talvez tenha sido uma opção do prefeito, ter ficado na encruzilhada, afinal é melhor apoiar candidato de fora do que fazer nascer uma nova liderança, que, mais tarde, voltar-se-ia contra o criador. Outra particularidade da eleição de 1978 é que Pernambuco apresentou um dos processos mais demorados de apuração de pleito. Em relação a outros Estados, foi um dos mais demorados. A eleição foi marcada por denúncias de irregularidades e sua apuração se estendeu por quase um mês. O ex-governador Nilo Coelho foi eleito para o Senado, derrotando Jarbas Vasconcelos. Nilo foi eleito graças ao mecanismo da sublegenda, somando os seus votos aos do também ex-governador Cid Sampaio, concorrente pela sublegenda dois da Arena. Em Caruaru foi assim: Nilo perdeu para Cid e este para Jarbas. Porém, a soma dos dois arenistas deu a vitória ao partido do governo. Embora Jarbas tivesse obtido o maior número de votos individuais, acabou derrotado. Somente 28 anos depois, em 2006, ele chegaria ao Senado Federal. O ex-prefeito João Lyra Filho foi candidato a suplente de senador, com Jarbas Vasconcelos, em 1978.
Antes de se aposentar, Anastácio teve algumas experiências como advogado. “Cheguei a advogar. Foi minha última atividade. Foi uma experiência curta”, recorda. O secretário de Segurança Pública do governo Moura Cavalcanti, Sérgio Higino, quis nomeá-lo chefe do Detran, oferta que Anastácio sequer cogitou aceitar, sabendo que a proposta tinha o aval do prefeito Drayton Nejaim. “Diga a seu ‘pareceiro’ que pendure a indicação
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dele no pescoço”, ordenou um raivoso Anastácio a seu primo, o jornalista Celso Rodrigues. “Para Drayton dizer amanhã que estou passando fome com a minha família e que ele conseguiu uma nomeação para mim?”, continuou a reclamar. Em 1º de junho de 1978, Anastácio Rodrigues conquistou aposentadoria por tempo de serviço. Ele não era optante e os quatro anos e quatro meses de licença que solicitou para assumir a Prefeitura de Caruaru foram contados em dobro. Na indenização, teve prejuízo de 10 anos. “Não foi aposentamento integral e isto me ocasionou um prejuízo financeiro. Mas, nunca me faltou o pão, nem vai faltar”, externa. O ex-prefeito sentiu naquele ano a morte de seu amigo e padrinho de crisma João Elísio Florêncio, morto em 06 de julho de 1978, na clínica Jaime da Fonte, no Recife, vítima de ataque cardíaco. Ele foi sepultado no dia seguinte, no cemitério de Santo Amaro. João Elísio foi Diretor de Educação e Cultura de Caruaru no governo Sizenando Guilherme (1956-1959), vice-prefeito no primeiro mandato de João Lyra Filho (1959-1963), prefeito nomeado de Caruaru na década de 1930 e deputado estadual. Líder católico, foi fundador do jornal “A Defesa” e presidente do Partido Democrata Cristão (PDC). Deixou viúva a senhora Zina Monteiro Florêncio, com quem teve cinco filhos. Foi João Elísio quem inseriu Anastácio Rodrigues na política, como já vimos. No mês de agosto, Anastácio precisou desmentir publicamente o Diper, para esclarecer que o Distrito Industrial de Caruaru existia e fora implantado durante seu governo. A polêmica teve início quando o órgão fez publicação e enviou à Câmara Municipal ofício informando que a instalação do Parque Industrial do município estava em planejamento. Recorrendo a documentos, Anastácio mostrou que o Parque Industrial foi instalado em seu governo, pelo próprio Diper, em 1969. Informou que foi feito o levantamento topográfico em mais de 116 hectares, às margens da BR-232, onde hoje se encontram as inúmeras indústrias em funcionamento. O planejamento físico foi feito pela firma Aquaplan, tendo posteriormente o governo do município desapropriado a área, no dia 18 de maio de 1971, e parte dessa desapropriação foi paga em sua gestão. O ex-prefeito assegurou que o financiamento para a infraestrutura do Par-
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que foi conseguido junto ao Banco do Nordeste, no valor de Cr$ 200.000,00, tendo o prefeito ainda mandado fazer o levantamento da água tratada para o local, no valor de Cr$ 40.000,00, pago pelo município, cujo projeto foi aprovado pelo BNB, com execução prevista de custeio no valor de Cr$ 200.000,00. Para criar o Parque Industrial de Caruaru, o prefeito Anastácio Rodrigues assinou duas leis, sob os números 2.380 e 2.415, tendo ainda assinado outra lei de incentivo para a implantação de indústrias durante 10 anos e favorecendo em cinco anos aquelas que se deslocassem do centro da cidade para aquela área industrial. A implantação do Parque Industrial ocorreu ainda na administração do governador Nilo Coelho, através da Secretaria de Indústria e Comércio, cujo titular, à época, era o arquiteto Paulo Gustavo e o presidente do Diper, o geólogo Luiz Siqueira. No governo Eraldo Gueiros Leite, os trabalhos foram continuados, com a construção de outros módulos industriais. Para comprovar ser o “pai da cria”, Anastácio Rodrigues também se valeu de uma fotografia que documenta o momento em que ele apresentava ao então presidente do Diper e outras autoridades, a área desapropriada do Parque Industrial. Na imagem, veem-se, entre outros, o coronel Izaías de Macedo, que foi chefe da 22ª CSM e os ex-prefeitos Abel Menezes e Sizenando Guilherme de Azevedo. A tão esperada e sonhada Lei da Anistia, que possibilitou aos exilados brasileiros retornarem ao país, foi sancionada pelo então presidente João Baptista Figueiredo em 26 de agosto de 1979. Em menos de vinte dias, em 15 de setembro, às 6h, Miguel Arraes – deposto do cargo de governador de Pernambuco pelo golpe militar de 1964 – desembarcou no Rio de Janeiro. Arraes estava exilado na Argélia. Logo, o velho líder estaria de volta à cena política pernambucana. Decepcionado com as circunstâncias advindas de sua filiação à Arena, Anastácio não quis abrir mão, porém, do sonho de voltar a governar Caruaru. Mesmo sem qualquer estrutura para enfrentar os adversários, sua participação nas eleições que se aproximavam seria fundamental. Como um filho pródigo, o ex-prefeito não só retornaria ao partido de oposição aos militares, em 1982, mas ajudaria, com sua pequena e decisiva votação, a eleger José Queiroz prefeito pela primeira vez.
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A manchete do jornal Vanguarda de quatro de fevereiro de 1979 era quase propaganda eleitoral: “Anastácio para prefeito de Caruaru”. O texto dizia que o ex-prefeito estava sendo
indicado para retornar à prefeitura, pela Arena, na eleição do ano seguinte. Segundo a reportagem, um movimento de lideranças do partido governista pretendia levar ao governador Marco Maciel o nome de Anastácio para prefeito de Caruaru, “cargo que já assumiu com grande destaque e aplicação”, reforçava a notícia. Anastácio seria lançado como candidato único do partido, levando-se em conta a profícua administração realizada, anos antes, quando “foi restabelecido o respeito às coisas públicas, desenvolvendo paralelamente um programa de governo que deixou marcas profundas e radicais transformações na economia do município”. “Anastácio, no exercício do mandato, deu inteiro apoio às artes, incentivou o turismo, valorizou o homem do campo, fomentou o desenvolvimento artístico-cultural e deitou bases para a industrialização, situando Caruaru como uma cidade polo, para onde fatalmente deveriam convergir todos os interesses econômicos da região”, apontou o texto, enfatizando que o movimento de sua nova candidatura nascia de fora para dentro do partido, “forçando uma tomada de posição da Arena no município”. João Lyra Filho também era apontado como provável candidato na eleição prevista para 1980. Prefeito por duas vezes e deputado federal, apostava-se num terceiro mandato para o empresário. A imprensa especulava que João Miranda poderia ser candidato, numa das sublegendas do partido, para engrossar a vitória de João Lyra, já que Miranda arrastaria os votos de arenistas independentes. Pensava-se que dificilmente José Queiroz deixaria a sua cadeira no Legislativo estadual para voltar a se candidatar. E recursos para gastar, lógico que quem tinha era a família Lyra. No bloco arenista, ainda não havia notícias de candidatos oficiosos à prefeitura, embora muitos desejassem o cargo. O postulante deveria sair em cima da hora, após as composições que o prefeito Drayton faria para não sair derrotado. Contava-se que seriam três postulantes, aproveitando o mecanismo das sublegendas. As expectativas para as eleições municipais, em 1980, foram frustradas,
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quando o governo militar prorrogou os mandatos de prefeitos e vereadores por mais dois anos. A medida foi tomada inclusive com apoio de algumas lideranças do MDB ao presidente João Figueiredo, que, em troca, daria a abertura total, com eleições gerais, em 1982, para governadores, deputados, senadores, prefeitos e vereadores. Em Caruaru, o prefeito Drayton Nejaim garantiu que entregaria o cargo para o qual fora eleito, no fim dos quatro anos. Disse, porém, que, se houvesse prorrogação, continuaria no cargo, “pois não sou de renunciar nada, já que de ferro não sou, bem sei – sou de aço!”. O deputado Fernando Lyra considerou a prorrogação como um ato imoral. “É imoral essa história de serem prorrogados os mandatos dos prefeitos e vereadores de todo o país, sob o pretexto de coincidência de mandato”. Adiante, criticou o governo Drayton Nejaim. “Caso seja cometida contra o povo brasileiro mais essa castração do direito de votar, o azar será de Caruaru, pois terá mais dois anos de incapacidade administrativa, pois tem um prefeito que só se preocupa com outras coisas desassociadas do bem-estar da coletividade”. O Congresso Nacional aprovou, em 1979, a Lei Orgânica dos Partidos, incluindo o substitutivo que extinguiu a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), restabelecendo a liberdade partidária no Brasil. A medida retomava as liberdades democráticas no país, mesmo que de forma tímida. O sistema bipartidário foi substituído por uma reforma política que abriu espaço para a formação de novos partidos. Os parlamentares da Arena migraram para o Partido Democrático Social (PDS) e o MDB transformou-se no Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), sob a liderança de Ulysses Guimarães. No ano de 1981, o prefeito Drayton Nejaim estava prestes a concluir sua segunda gestão na Prefeitura de Caruaru. Em seus dois mandatos, ele viabilizou a construção de 15.400 casas populares em Caruaru, formando as Cohabs 1, 2 e 3, que abrigam 60.000 caruaruenses – 22% da população –, em números atuais. Criou o bairro Nova Caruaru e construiu a sede atual da Prefeitura, concentrando nos edifícios as secretarias da cidade, que tiveram suas atividades integradas naquele tempo.
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Promoveu o calçamento e saneamento de 300 ruas e avenidas. Instalou a Tecasa (Telefônica de Caruaru S.A), a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros. Em sua administração, a cidade conquistou o Serviço Social do Comércio (Sesc). Drayton tornou realidade o matadouro industrial, construído com recursos municipais, e doou 128 terrenos para o Central Esporte Clube construir o estádio Luiz Lacerda, tendo comandado 22 bingos públicos, que viabilizariam a finalização da obra. Também em sua administração, foi construído pelo Governo do Estado o atual terminal rodoviário. Na área rural, o prefeito Drayton Nejaim entregou 14 poços artesianos para os oito distritos da cidade, permitindo acesso regular a água e energia, viabilizando 12 postos de saúde com médicos e dentistas e instalando 18 TVs nas praças dos povoados, que possibilitaram a democratização da informação. Na agricultura, construiu cinco barragens e 80 açudes; criou o parque de exposição de animais, movimentando a pecuária da região, até meados da década de 90. Levou para Caruaru a primeira emissora de TV pública com sinal e programação local, a TV Tropical. É um nome que dificilmente será apagado da história de Caruaru, pela obra que ergueu e pelo poder que exerceu, com sua personalidade inconfundível. Quando seu segundo governo estava perto do fim, começam, então, os conchavos para as eleições do ano seguinte. Drayton anuncia que será candidato a deputado estadual e que renunciará ao mandato seis meses antes do término do governo. Já tinha o seu candidato à sucessão escolhido: o empresário Adolfo José da Silva, o Adolfo da Modinha, que seria, naquela eleição, o candidato do partido governista. A oposição estava totalmente fracionada. Havia perdido as eleições de 1976 e vários nomes foram apresentados durante a pré-campanha. Inicialmente, surgiram as notícias das candidaturas de Fernando Lyra para senador e José Queiroz para deputado federal. Anunciaram o desejo de disputar a Prefeitura de Caruaru o médico João Miranda, o vereador Fernando Soares, o jornalista Souza Pepeu, o comerciante Paulo Casé e o vereador Waldeciel Araújo. O deputado José Queiroz, que perdera as eleições anteriores para Drayton, também era cotado como um dos favoritos. Em 1978, ele foi eleito depu-
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tado estadual apenas com os votos do eleitorado caruaruense. Mesmo disputando com outros dois candidatos apoiados pela esquerda, Queiroz garantiu uma vaga na Assembleia Legislativa – seu primeiro mandato na política. “Foi uma inocência minha disputar assim, mas a campanha estava marcada pela eleição passada e deu no que deu”, diria, anos depois. Durante as construções das candidaturas, cogitou-se o nome do empresário João Lyra Neto como candidato do PMDB, até então sem experiência política. A intenção era apresentá-lo como candidato de conciliação, para aglutinar os desentendimentos internos, principalmente entre o vereador Fernando Soares e o médico João Miranda, que não queriam abrir mão. João Lyra Neto nunca foi candidato, não tinha arestas com qualquer corrente do partido e receberia apoio do pai, João Lyra Filho, do irmão Fernando Lyra, além do deputado José Queiroz, que teria a obrigação moral de lhe apoiar. Havia, porém, uma preocupação. José Queiroz era o favorito, até por questão de revanchismo. Mas, se fosse o candidato do PMDB à prefeitura, o grupo corria o risco de não eleger um deputado estadual. Os nomes disponíveis, inclusive João Lyra Neto, somariam votos apenas em Caruaru, pois não eram conhecidos fora, o que dificultava a decisão. As eleições de 15 de novembro de 1982 seriam as primeiras diretas para governador, após o golpe militar (e a parcial de 1965). Era o maior pleito da história do país até então. O eleitor podia escolher seis cargos: governador, senador (uma vaga), deputado federal, deputado estadual, além de prefeito e vereador. Um passo adiante na retomada da democracia e o primeiro teste para o pluripartidarismo imposto em 1979. O pleito de 1982 também marcaria o retorno de Anastácio Rodrigues à disputa política em Caruaru. Confiante no povo que lhe carregara nos braços, em 1973, após concluir o seu mandato, ele decidiu disputar o cargo novamente. Rompido pessoal e politicamente com seus antigos aliados e afastado da cena política, Anastácio enxergava naquela eleição a oportunidade ideal para sair do ostracismo. Em abril de 1982, seu primo, Celso Rodrigues – também rompido com a família Lyra – esteve em Caruaru para conversar com Anastácio. Foi com a missão de marcar um encontro no Palácio Frei Caneca, no Recife, entre Anastácio e o governador Roberto Magalhães, que estava interessado na
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sua filiação e participação na política do PDS. Contraditoriamente, no mês de maio a imprensa noticia que Anastácio poderia se filiar ao PMDB, voltando às origens. Acontece que, apesar de rompidos, seja por conveniência ou mesmo porque o “ranço” já não era tão sentido, o deputado Fernando Lyra, grande líder da oposição, nos bastidores, iniciara uma conversa com o ex-vereador Zino Rodrigues, para tratar do ingresso daquele político e de seu irmão, Anastácio, no PMDB. De fato, antes que o prazo de filiações terminasse, Anastácio estava no partido de oposição, sem que o clima de discórdia estivesse superado. Outrora antagonistas se tornavam aliados de ocasião. No dia 14 de maio de 1982, o prefeito Drayton Nejaim renuncia ao cargo. Após a renúncia, o presidente da Câmara de Vereadores, João Dutra, assume a prefeitura. Dutra foi eleito em 1976, pela Arena 2, fazendo oposição a Drayton, que, ao vencer as eleições, decidiu torná-lo num homem de sua confiança, elegendo-o presidente da Câmara. Um ano depois, o vice-prefeito Roosevelt era eleito deputado estadual e, legalmente, Dutra acumulava o cargo. Em cinco anos consecutivos, João Dutra foi eleito pela então bancada de imprensa que atuava no legislativo municipal como “Vereador do ano” ou “Vereador mais atuante”, diplomas que ergueu com orgulho nas paredes de seu quarto até o fim da vida (Dutra morreu no dia 04 de março de 2016, aos 89 anos, em um hospital de Campina Grande (PB), após agravamento de problemas renais e cardíacos). Na condição de vice-prefeito, João Dutra assumiu interinamente a Prefeitura de Caruaru, por cinco vezes. Após o término do primeiro mandato como presidente da Câmara, houve nova eleição da Mesa Diretora e João Dutra foi eleito primeiro secretário, além de ser nomeado líder do governo Drayton Nejaim na Casa. Inesperadamente, o governo militar prorrogou outra vez os mandatos dos prefeitos e vereadores. Drayton Nejaim convocou João Dutra em seu gabinete e estabeleceu-se o seguinte diálogo: “João Dutra, os nossos mandatos foram prorrogados por mais dois anos, nunca precisei tanto de você como agora, pois pretendo me candidatar a deputado estadual. Para isto, tenho que renunciar ao mandato de prefeito, o que só farei se for para vo-
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cê, porque é o meu homem de confiança. Portanto, a partir de agora procure articular novamente sua eleição à presidência da Câmara”. João Dutra caiu em campo e encontrou grandes resistências, inclusive por parte de vereadores de sua própria bancada, que acreditavam ter o mesmo direito de pleitear o cargo, mesmo porque Dutra já havia sido presidente por um período de dois anos. Em meio à batalha política, a influência de Drayton prevaleceu e Dutra voltou a ocupar o cargo, assumindo, em maio de 1982, a Prefeitura de Caruaru. Naquele mês, João Lyra Neto retira sua candidatura e anuncia apoio a José Queiroz, “o candidato que possuía comprovação de apoio popular”. Apesar de derrotado por Drayton Nejaim numa das campanhas mais acirradas da História política de Caruaru, Queiroz obteve votação expressiva para deputado estadual nas eleições de 1978 e fora duas vezes líder da bancada na Assembleia. Durante a pré-campanha, o deputado Antônio Geraldo Guedes esteve com Anastácio Rodrigues para convencê-lo a sair candidato pelo PDS, todavia recebeu um não, pois Rodrigues estava filiado ao PMDB. O Partido Democrático Social (PDS) era o partido governista, do prefeito Drayton Nejaim, a quem Anastácio queria derrotar mais uma vez. Com a escolha de José Queiroz como candidato do PMDB, apoiado pela família Lyra, o ex-prefeito João Lyra Filho foi o nome estratégico para garantir a vaga de estadual. João Miranda foi convidado pelo deputado Fernando Lyra para vice de José Queiroz. Recusou e acabou rompendo com a família Lyra. Não abriria mão da candidatura. Sabia que conseguiria uma das sublegendas permitidas pela legislação eleitoral. “João Miranda foi Diretor de Saúde, no primeiro governo de João Lyra Filho. Já naquele tempo ele tinha o desejo de ser prefeito de Caruaru”, revela Anastácio. Na eleição de 1982, Anastácio Rodrigues contava com apoio de integrantes do extinto PP e convidou o empresário Roberto Fontes para vice. Fontes não aceitou o convite. Sendo assim, não repetiriam a casadinha da campanha de 1976, quando renunciaram antes mesmo da eleição. Os 42 convencionais do PMDB escolheram na quarta-feira, cinco de agosto de 1982, na Câmara de Vereadores de Caruaru, os seus candidatos a prefeito. José Queiroz obteve 18 votos, ficando com a legenda 1; João Miranda,
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14 votos para a legenda 2; e Anastácio Rodrigues, 10 votos para a legenda 3; todos do PMDB. Waldeciel Araújo era o vice de José Queiroz; Jorge Gomes, do candidato João Miranda; e José Pinheiro dos Santos Filho ficou sendo vice de Anastácio Rodrigues. O PSD homologou duas candidaturas: Adolfo José, cujo vice era Rui Rosal Filho, e o ex-vereador José Carlos Rabelo, tendo como vice Arnaldo de Castro Chaves. Caruaru teria, naquela eleição, cinco candidatos. O vereador Fernando Soares abrira mão da candidatura e anunciou apoio a João Miranda, que, em troca, o lançou candidato a deputado estadual. José Queiroz, naturalmente, apoiaria João Lyra Filho e Fernando Lyra, para estadual e federal, respectivamente. Anastácio declarou apoio a Zelândio Marques para estadual e Augusto Lins e Silva federal. Os três candidatos, porém, estavam unidos em prol da vitória de Marcos Freire para governador e Cid Sampaio para senador. Na Prefeitura Municipal, João Dutra pretendia marcar sua passagem no cargo e realizou importantes ações para o desenvolvimento da cidade. Foi em sua gestão que se concretizou a doação de um terreno para a TV Tropical instalar o seu sistema de transmissão no município e ocorreu a assinatura da escritura pública de doação do então Estádio Pedro Victor de Albuquerque ao Central. Dutra também conseguiu recursos para o calçamento de várias vias e logradouros da cidade, como o Cedro, Salgado, Riachão, Centenário, Vassoural e Alto de Santa Rosa. Em sua administração, o município adquiriu um grande terreno destinado à construção de importante conjunto habitacional, conhecido como Cohab III, hoje bairro Rendeiras. A zona rural também foi contemplada com um efetivo e importante apoio, verificando-se a implantação e construção de muitas obras, a exemplo de pequenos açudes, barreiros, estradas vicinais, abastecimento com carros-pipas, recuperação de prédios escolares e postos de saúde. Outro grande marco de sua passagem como prefeito foi a plantação de muitas árvores pela cidade, fato que sensibilizou o escritor João Condé e o fez escrever, no Rio de Janeiro, em outubro de 1982, uma carta enviada ao prefeito. Eis o conteúdo: “Meu caro Prefeito João Dutra:
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Não o conheço pessoalmente. E é uma pena. Mas um homem que deseja transformar uma cidade – nossa cidade – em um ‘jardim com árvores e plantas que dão flores’ só pode ser um homem de bom gosto e sensibilidade. Merece por isso, de todos, e modestamente, deste conterrâneo distante, mas sempre presente pelo coração a Caruaru, louvores, elogios e aplausos. E é o que faço agora, com sincera alegria. Parabéns, Prefeito. João Condé” Na chefia do Executivo, João Dutra teve uma relação conturbada com o candidato a prefeito pelo PMDB, o deputado José Queiroz. Sim, João Dutra é aquele amigo da família Queiroz de Lima, que citamos no capítulo anterior, e que foi o responsável por conseguir o primeiro emprego para José Queiroz na Prefeitura de Caruaru. Agora, estavam em campos diferentes na política. E Dutra enfrentou “a perseguição” do estreante deputado. As diferenças se tornaram públicas. Em pronunciamento de 25 minutos feito às três emissoras de rádio da cidade (Difusora, Cultura e Liberdade), o prefeito fez severas críticas a José Queiroz, dizendo, entre outras coisas, que o parlamentar, além de “perseguidor” e “mesquinho”, era “ingrato”. Tudo começou quando Queiroz reuniu a bancada do PMDB com assento na Câmara Municipal e pediu que fossem derrotados dois importantes Projetos de Lei enviados ao Legislativo pelo prefeito João Dutra. O deputado era contrário à aprovação, pois sabia que as ações serviriam como vitrine para o seu adversário, Drayton Nejaim. O primeiro projeto pedia a autorização da Câmara para que o governo do município conseguisse empréstimo, no valor de 60 milhões de cruzeiros, junto ao Banco do Brasil, para a aquisição de 12 caminhões destinados ao serviço de limpeza. O segundo, de 82 milhões, versava sobre a assinatura de um convênio com a Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU), para a liberação de verba federal destinada a trabalhos de pavimentação nos bairros periféricos. Em primeira discussão, com votação de dois terços, os projetos foram derrotados, com a bancada do PMDB votando contra. Em segunda e última votação, os projetos terminaram sendo aprovados. Isto porque, além dos vereadores José Lopes, Adejar Pereira, Abel Ambrósio, Gilberto Galindo, Elias Soares e Osíris Ferraz, todos do PDS, Fernando
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Visita à Chapada dos Guimarães e ao Pantanal Mato-Grossense
Soares e Leonardo Chaves, do PMDB, decidiram ir de encontro à orientação de José Queiroz. Votaram contra apenas os vereadores peemedebistas Valtanir Nunes, Waldeciel Araújo e Wanderley Francisco. O chefe do Executivo caruaruense esperou tão somente o término da reunião da Câmara para reunir a imprensa e revelar os fatos, numa entrevista coletiva. Em seu pronunciamento, o prefeito João Dutra ressaltou que o deputado José Queiroz “quebrou a cara” ao tentar prejudicar sua administração, igualmente o seu colega Honorato Leite, “uma figura apagada na vida política”. Exaltou a altivez e independência dos vereadores que votaram a favor e lamentou os que foram contrários. Antes de finalizar, alfinetou o seu adversário: “Os moradores do Cedro estão ansiosos pela presença do candidato José Queiroz no referido bairro. Bairro que ele tentou prejudicar, não permitindo que a sua via de acesso fosse pavimentada. Felizmente, o mesquinho parlamentar não foi bem sucedido”, ironizou. A Rádio Cultura do Nordeste promoveu, no dia quatro de setembro de 1982, um debate com os cinco candidatos à Prefeitura de Caruaru. O embate foi, para Anastácio, um dos momentos mais marcantes daquela campanha. Sem estrutura e sem militância, ele chegou sozinho à Câmara, tris-
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te e com cara de poucos amigos. “Olha Anastácio”, apontou um moço, com desprezo. A fala soou como uma punhalada para ele. Sentindo-se humilhado, disse a si mesmo que “viraria a mesa” naquele encontro. Promessa feita dias antes a seu irmão, o ex-vereador Zino Rodrigues. Já sentados, Adolfo reclamou da cara fechada e pouco amistosa do adversário. – Anastácio, você com essa cara? – Ela sempre foi assim, respondeu secamente. Anastácio estava prestes a explodir. Ao contrário dele, os outros candidatos chegaram acompanhados por suas militâncias e fazendo barulho. Iniciaram as perguntas. José Queiroz foi aplaudido. João Miranda também. Ninguém aplaudiu Anastácio. “Fui candidato sem nenhuma estrutura. Não podia ganhar nunca. Só mantém liderança quem tem dinheiro”, reconhece. O sorteio posicionou Anastácio justamente ao lado de Adolfo. Com sua capacidade de previsão dos fatos, Anastácio pôs o dedo próximo do rosto de Adolfo e disse em tom raivoso; “eu vou lhe derrotar!”. Apesar de não ter problema pessoal com o empresário, Anastácio via nele a face de Drayton, que era, na verdade, o sustentáculo da campanha de Adolfo. “Anastácio, os
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Lyra são uns ‘guela’”, reagiu Adolfo, após a “ameaça”. Durante as discussões, João Miranda tratou de direcionar as maiores críticas ao candidato José Queiroz. A confusão gerava mal estar entre as assessorias. Pelo que se podia perceber, além do inimigo comum, existiam várias guerras internas no PMDB. Anastácio, ao contrário, sabia quem de fato era o adversário e atacava Adolfo. Num dado momento, ele ficou de pé e mais parecia uma fera falando. A plateia lotada. Os deputados José Liberato e Roosevelt Gonçalves estavam entre os espectadores. O povo ficou espantado. “Particularmente, eu dei um show e virei a mesa”, recorda. Finalmente, todos o aplaudiram. A rigor, apenas um homem que não temia os inimigos poderia exibir semelhante desenvoltura. No íntimo, porém, Anastácio estava atormentado. Alimentara a ilusão de ser eleito prefeito com pouca ou nenhuma estrutura, numa luta contra gigantes. Se o povo não o apoiasse, quem mais o faria? Para evitar o iminente naufrágio do PMDB, permaneceria resoluto. No dia seguinte, o Jornal Vanguarda publica longa entrevista com o ex-prefeito Drayton Nejaim, avaliando as opiniões dos candidatos, sobretudo do PMDB. Sem dúvidas, os ataques mais violentos são contra o candidato José Queiroz, por quem Drayton nutria um ódio mortal. A recíproca também era verdadeira. Candidato a deputado estadual e principal liderança a apoiar Adolfo da Modinha para prefeito, Drayton classificou José Queiroz como “serviçal da família Lyra” e disse que “tendo sido derrotado por mim, tem cicatrizes muito fundas e complexo doentio contra a minha pessoa” e concluiu que “sua maior arma é a covardia”. As acusações foram ainda mais severas. No depoimento Drayton se refere a Queiroz como “ateu” e “assassino”: “Chama-me de ladrão e não vê que isso todos sabem que é ele, com o agravante tráfico de influência praticado no Banco do Brasil, de onde foi afastado a bem do serviço e por ser um assassino culposo, quando voltando de uma transmissão esportiva de Recife, embriagou-se naquelas barracas da Serra das Russas e, irresponsavelmente, fazendo questão de dirigir o veículo, causou um grande desastre, resultando na morte do seu companheiro de jornada esportiva, Lourinaldo, fato que a mãe da vítima acusa e não perdoa até hoje e é por isso que o traidor vive escondendo esse lamentável fato”.
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Com Anastácio, o ex-prefeito foi menos agressivo, pelo menos diretamente: “De Anastácio, nada quero dizer, mesmo ele me tendo atacado muito, também, pois trata-se de um “anêmico candidato”, tentando sobreviver e traído por seus próprios companheiros de partido. Falar dele não é necessário pois toda Caruaru sabe de seu procedimento nos últimos tempos. De mim, ele me chama de ladrão e essa palavra pode ser publicada, porém, o que chamam com ele o jornal não permite publicação e acho até desnecessária referência a isso, porquanto cada um é senhor do seu nariz e deve saber o que está fazendo e porque se faz alguma coisa”. A João Miranda poupou qualquer crítica: “Miranda até que portou-se bem, coisa que não me surpreendeu, pois trata-se de pessoa educada e de boa família”. A menção nada tinha a ver com gentileza. Esperto, Drayton sabia que João Miranda vinha atacando mais a José Queiroz do que a Adolfo, em suas falas. Não aceitava o fato de a família Lyra lhe ter negado apoio. Além disso, os Lyra liquidaram as candidaturas de João Miranda e Anastácio, de forma que eles serviriam apenas para ajudar a eleger Queiroz. A certa altura, os governistas incentivaram o eleitor a não votar em João Miranda, para “não favorecer o serviçal José Queiroz”. Insistiam que ele iria mudar a feira, caso eleito, e que havia firmado acordo secreto para tal. No início da campanha, Anastácio era atacado pelos Lyra, em seus discursos, principalmente por Fernando. Uma das oradoras do palanque de José Queiroz, encarregada de proferir as ácidas críticas era a professora municipal Francisca Catão. Mulher de personalidade histérica, Chica Catão tinha verdadeira ojeriza a Anastácio, desde os tempos em que ele foi Diretor de Educação e Cultura, no governo João Lyra Filho. Ela extravasava nos insultos. O grupo Lyra e os inimigos de Anastácio vibravam. Anastácio garante, todavia, que nunca teve problemas com Chica Catão. “Quando era Diretor de Educação, estive no Grupo Escolar Augusto Tabosa e ela sustentou a bandeira do Brasil nas mãos e fez continência para mim, me levando ao ridículo”, recorda Anastácio, que, mesmo disputando o cargo por uma das sublegendas do PMDB, nas eleições de 1982, continuava rompido com o grupo. “Eles me tinham como inimigo. Foi o segundo equívoco deles em relação a mim. Eu salvei os Lyra e Zé Queiroz de ou-
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tra derrota”, argumenta. Em seguida, as pesquisas começaram a apontar que Anastácio era o fiel da balança e mudaram a estratégia. Pedro Alencar, o responsável pelas pesquisas orientou. “Passaram a me elogiar”, lembra Anastácio. Ele entrou na disputa pensando que teria grande apoio popular. Mas, faltavam-lhe os meios. Na metade da campanha, já não representava problema para os governistas nem para a oposição. Apesar das circunstâncias nada favoráveis, foi até o fim. Não permitiria que o candidato de Drayton fosse eleito. “Fui candidato para evitar que o pior acontecesse”, justifica. Num comício, na Praça do Convento, Anastácio fez um dos discursos mais marcantes de sua trajetória política. “Se não quiser votar em mim, vote em Zé ou João, mas não vote em candidato apoiado por esse sistema”, pediu aos eleitores. Durante a eleição, Anastácio levou um grande golpe. Em 22 de junho de 1982, falecia dona Amélia Rodrigues da Silva, aos 83 anos, vítima de arteriosclerose. Ela passou os últimos dias de vida na residência da filha Cacilda Rodrigues, na Rua Nossa Senhora de Fátima, no bairro Maurício de Nassau. Noêmia, segunda esposa do filho mais velho, Geraldo Rodrigues, foi quem cuidou de dona Amélia, no seu leito de morte. Abatido, Anastácio compareceu ao velório, mas não se aproximou do corpo da mãe. “Não quis ver minha mãe morta. Fiquei à distância. Queria a lembrança dela viva”, revela. Amélia Rodrigues foi sepultada no cemitério Dom Bosco, em Caruaru, num mausoléu que ela mesma mandou construir. Lá também está sepultado o pai de Anastácio, Cícero Rodrigues; seus irmãos Ademar, Geraldo e José (Dedé); e seu cunhado João Moraes.
Na reta final da campanha, o ex-vereador José Rodrigues declara apoio a Adolfo. A notícia da adesão pegou a muitos de surpresa. Ele era irmão do jornalista Celso Rodrigues e primo de Anastácio. Da mesma forma, Rabelo – que foi ardoroso defensor de Drayton – passou a atacá-lo. O ex-prefeito, em resposta, o acusou de “ingrato” e dizia que Rabelo esquecera “o que fiz por ele”.
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As pesquisas oscilavam, mas os maiores comícios eram, sem dúvidas, os de Adolfo José e Drayton Nejaim. O candidato do PMDB ao Governo de Pernambuco, Marcos Freire foi a Caruaru, no dia 27 de setembro, e visitou a feira e o comércio, ao lado dos três candidatos do partido. Com Anastácio, caminhou fazendo com a mão o “cinco”, número do partido. Após a eleição, foram nove longos dias de apuração. Num dia, Adolfo dormia eleito e acordava derrotado. O mesmo acontecia com José Queiroz. Era grande a expectativa. Nos bastidores, o terrorismo era propagado por ambos os lados, conforme revela o juiz eleitoral da época, Demóstenes Veras, em seu livro de memórias: “Queiroz e Drayton eram inimigos acirrados, e o segundo, nem por sonhos, queria ser sucedido pelo primeiro, que prometia, nos comícios, vasculhar a Prefeitura e ameaçava com auditorias o adversário, acusando-o de corrução. Quando das apurações, no Clube Intermunicipal, o ambiente era de expectativa, mas nunca me tocou, por conhecer os políticos de Caruaru que, felizmente, só brigam nos palanques e nos meios de comunicação. Certa noite, apuração quase no final, José Queiroz na frente, já alta madrugada, a esposa de Drayton Nejaim me telefonou dizendo que se estava armando uma tragédia, e que grupos de pistoleiros, chefiados por Manoel Lyra, filho bastardo de João Lyra Filho, estavam abancados no térreo do Clube Intermunicipal. Virei-me para o outro lado e dormi, até ser acordado, às seis horas da manhã, pelo deputado Fernando Lyra, que, amarelo, não sei se de susto ou de noite indormida, foi me pedir providência porque havia perigo de uma hecatombe, vez que Drayton Nejaim armara capangas e pistoleiros e estava disposto a queimar as urnas restantes. Acordado, tomei banho e café, rumei para o local da apuração, sem sequer me lembrar de vistoriar o pátio do clube, certo de que nada demais havia e que a única coisa que Drayton Nejaim queimava eram uns charutos fedorentos, no recinto da apuração, cujo odor incomodava a todos”. (Manoel Lyra era, na verdade, irmão do ex-prefeito João Lyra Filho, fruto do segundo matrimônio de seu pai, o velho Janoca). Ao final, Adolfo recebeu 20.211 votos e José Queiroz 16.700. Todavia, o resultado seria definido pela soma das sublegendas. Foi aí que Adolfo, mesmo sendo mais votado do que Queiroz, perdeu a eleição. João Miranda ga-
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rantiu um importante reforço de 7.794 votos para José Queiroz e Rabelo conquistou 4.237 votos que uniria aos de Adolfo. Os 518 votos conquistados por Anastácio, quase todos “votos de opinião”, foram o contrapeso que garantiu a subida ao pódio. Queiroz estava em campo de posse da bola. Marcação em cima da jogada. Passou a bola para João Miranda, que num passe magistral transmitiu para Anastácio. Este, por fim, feriu a rede do adversário. Assim, José Queiroz de Lima tornou-se prefeito de Caruaru, graças a uma excrescência da época – a soma das sublegendas–, por uma diferença de 564 votos, praticamente a votação que pertenceu ao ex-prefeito Anastácio Rodrigues, o menos votado daquela eleição. Não fosse isso, Queiroz teria perdido novamente a eleição. Os que,impiedosamente, criticavam Anastácio, passaram a elogiá-lo. Uma análise dos fatos permite concluir que José Queiroz, no início de sua vida pública, não era bom de urna. Perdeu a eleição de 1976 e só foi eleito em 1982 graças ao mecanismo da sublegenda, sobretudo à pequena – mas, decisiva – votação obtida por Anastácio. Este, por sua vez, diz que por amor a Caruaru não desistiu da disputa. Sem estrutura financeira ou apoios importantes, ele foi o menos votado naquele pleito. Embora os sufrágios recebidos fossem suficientes para garantir a eleição de José Queiroz, apontavam também que o ex-prefeito não desfrutava mais da mesma popularidade de outrora. Anastácio havia deixado a Prefeitura de Caruaru há quase uma década. Rompido com seu grupo político, ato contínuo assinou filiação à Aliança Renovadora Nacional, sendo impiedosamente condenado pelos antigos aliados do MDB. Em 1976, tentou voltar à cena como vice na chapa encabeçada por Roberto Fontes, candidato a prefeito pela Arena 2. Foi forçado a renunciar antes da eleição, após a desistência injustificada de Roberto. Mais seis anos se passaram, até que decidiu, ele próprio, ser candidato, em 1982, retornando às bases de origem, agora todas filiadas ao PMDB. Os fatos sucessivos justificariam o isolamento e o fracasso nas urnas. Mas Anastácio, novamente, acreditava ter uma missão a serviço de sua cidade. “Se eu houvesse renunciado, Adolfo teria sido eleito prefeito. Zé Queiroz seria derrotado mais uma vez. Quem salvou a candidatura dele fui eu”, afirma. “Eu podia ter retirado a minha candidatura. Adolfo teria me dado qual-
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quer coisa. Mas isso não faz parte do meu caráter”, justifica. Anastácio também confessou que nunca houve agradecimento por sua colaboração na vitória de José Queiroz e que não se arrepende da disputa. “Eu não tinha palanque. Eu sonhei. Você só mantém liderança se tiver dinheiro, eu não tinha um vintém”, sentencia. A pequenina votação de Anastácio surpreendeu muita gente. “Aquilo ninguém explica. A não ser o temperamento dele, o retraimento dele em atender esses apelos mais populares. Era um prefeito para você analisar sob o ponto de vista da administração, das qualidades dele”, opina Carlos Toscano. “Anastácio é um exemplo de coerência, de espírito público e comunitário, qualidades que passam despercebidas, porque o povo prefere dar mais valor ao barulho e à exterioridade. Mas, fica como exemplo de uma pessoa que não nasceu em berço de ouro, nem nos quadros políticos. Anastácio superou tudo isso e teve a felicidade de aflorar esse espírito coletivo para o progresso da cidade”, acrescenta. Se, em Caruaru, o PMDB logrou sucesso, no Estado não teve a mesma sorte. Apesar de ter sua eleição tida como certa, Marcos Freire perdeu a disputa para Roberto Magalhães, que representava as forças mais à direita, no espectro político da época, quando direita e esquerda ainda tinham contornos nítidos. Sua derrota foi atribuída a alguns artifícios; um deles a sublegenda – criada para deixar quase sem chances a oposição. O outro, a notícia espalhada, até por panfletos, principalmente no interior, de que a esposa de Marcos, dona Carolina, fora flagrada num motel com o deputado federal Fernando Lyra. O caso ocorrera um ano antes, quando Carolina e Fernando, amigo de Marcos Freire, foram fotografados, nus, tentando proteger-se das câmeras, em um motel de Brasília. À época, Fernando disse ter sido sequestrado e levado com a mulher de Freire, sob a coação de armas para o motel. O então SNI tratou de divulgar outra versão: o casal estaria no motel quando os agentes chegaram, arrombaram a porta e os fotografaram. O candidato oposicionista chegou a gravar um depoimento exibido na TV, reunido com a mulher e filhos, defendendo a sua honra, mas o estrago já estava feito. Ao final do pleito, o comando do Estado de Pernambuco era conferido ao deputado Roberto Magalhães, que sucedeu Marco Maciel, de
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quem fora vice. Roberto é sobrinho do ex-governador Agamenon Magalhães. Marco Maciel, que saíra da Arena e entrara direto no PDS, foi eleito senador da República. Também em 1982, Drayton Nejaim conquistou seu quarto e último mandato de deputado estadual. Filiado ao mesmo PDS, obteve 24.164 votos. Miguel Arraes e Jarbas Vasconcelos foram eleitos deputados federais.
Antes de José Queiroz assumir a Prefeitura, boatos circulavam na cidade, dando conta de que o prefeito João Dutra, em atraso com o funcionalismo público, deixaria acumular três meses para ser pagos pela próxima administração, porque o PDS não elegera seu candidato. Já eleito, Queiroz disse não acreditar na hipótese. Afirmou confiar na honra de João Dutra e não acreditava que ele poderia ter tal comportamento. “Conheço o senhor João Dutra, sei do seu passado de luta, e de um nome respeitado na sociedade”, disse. O jornalista Souza Pepeu também saiu em defesa de João Dutra. “O funcionalismo fique na tranquilidade, pois não será enganado, o prefeito que aí está não tem marcas de desonestidades como o seu antecessor”, citou, sem poupar Drayton Nejaim. Na Câmara, o vereador Leonardo Chaves fez um discurso de 15 minutos afirmando não acreditar que o prefeito deixasse o funcionalismo faminto. João Dutra, no entanto, conseguiu saldar cerca de 90 por cento das dívidas deixadas por Drayton, incluindo obrigações sociais com a Previdência e débitos com fornecedores. O atraso no pagamento do funcionalismo foi justamente provocado por um aumento de 12 para 70 milhões, na folha, gerado por seu antecessor – ao se despedir do cargo, Drayton quis “prestigiar” o funcionalismo com o aumento. Em 20 anos, era a primeira gestão a repassar o cargo sem débitos com os servidores. (Anastácio Rodrigues ressalta, todavia, que não deixou o funcionalismo em atraso. Mas encontrou os servidores com salários atrasados quando assumiu o cargo. Diz que João Lyra Filho deixou salários em atraso para Drayton Nejaim e este repassou para o próprio Anastácio, como já
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vimos anteriormente). Magoado, o prefeito João Dutra pretendia não passar pessoalmente o governo a José Queiroz, por conta das incompatibilidades políticas com o eleito, ao longo de seu curto período no Executivo municipal. Queiroz, no entanto, pediu que seu futuro Secretário de Finanças, Roberto Fontes, amigo de João Dutra, lhe dissesse que o mesmo gostaria de receber o governo do município de suas mãos, “pois se tratava de dois filhos do bairro do Cedro”. Pediu também autorização para armar um palanque em frente ao prédio da Prefeitura para a solenidade de transmissão. “O que concordei de imediato”, destaca João Dutra que, durante o ato, disse ao seu sucessor: “Prefeito José Queiroz, estou lhe entregando este Município numa posição que de 20 anos para cá, nenhum prefeito teve condições de fazer. Funcionalismo pago, a Prefeitura sem débito e várias obras com recursos garantidos”. Minutos antes, o radialista Tavares Neto perguntou a Queiroz: “Prefeito, vai fazer um Carnaval bonito? Vai gastar muito dinheiro com os Clubes?”. Ele respondeu: “Depende. Se o prefeito João Dutra deixar dinheiro em cofre, eu farei”. João Dutra, atento, interferiu: “Prefeito, faça um Carnaval bonito, pois existe dinheiro disponível em cofre da Prefeitura para isso. Estou deixando em bancos e cofre cerca de Cr$ 38.000.000,00 (trinta e oito milhões de cruzeiros, moeda da época). Com o slogan “Zé Queiroz, o prefeito de todos nós”, o bancário conduziu sua segunda eleição majoritária em Caruaru e chegou pela primeira vez ao Palácio Jaime Nejaim, depois de cumprir integralmente o mandato de deputado estadual. Sua primeira gestão seria marcada pela mudança de concepção no trato com o patrimônio público. O ano de 1982 representou uma luz no fim do túnel na História brasileira. Ao se iniciar o quarto ano do governo Figueiredo (aquele que dissera preferir cheiro de cavalo a cheiro de povo), o país passou a conviver com a possibilidade real de encerrar o ciclo de presidentes militares. Nas eleições de novembro, o PDS elegeu 11 governadores, e a oposição, dez – nove do PMDB e um do PDT, Leonel Brizola. Brizola venceu no Rio de Janeiro, depois de denunciar o que ficou conhecido como Caso Proconsult – nome da empresa privada contratada para ajudar nas apurações e que estaria manipulando os resultados, a fim de benefi-
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ciar o candidato do governo. Mediante esse novo quadro, membros de oposição da Câmara dos Deputados tentaram articular uma lei que instituísse o voto direto na escolha do sucessor do presidente João Baptista Figueiredo. Em 1983, essa movimentação tomou a forma de um projeto de lei, elaborado pelo deputado peemedebista Dante de Oliveira. A divulgação da chamada “Emenda Dante de Oliveira” repercutiu entre vários grupos mais politizados das capitais e grandes cidades do país. Em um curto espaço de tempo, membros do PMDB, PT e PDT passaram a organizar grandes comícios, em que a população se colocava a favor da escolha direta para o cargo de presidente. O primeiro deles aconteceu em frente ao estádio do Pacaembu, em São Paulo, organizado pelo PT. Com a repercussão tomada nos meios de comunicação, essas manifestações se transformaram no movimento das “Diretas Já”. No dia do 430o aniversário da cidade de São Paulo, 25 de janeiro de 1984, o célebre comício pelas “Diretas Já”, na Praça da Sé, reuniu 300 mil pessoas. Os brasileiros estavam recuperando o hábito das grandes manifestações, sufocado durante os anos da ditadura. Em abril, os comícios da Candelária, no Rio de Janeiro, e do Vale do Anhangabaú, em São Paulo, atraíram mais de um milhão de pessoas, cada um. Figuras perseguidas pela ditadura, membros da classe artística, intelectuais e representantes de outros movimentos militavam pela aprovação do projeto de lei. Caruaru também se engajou na campanha Pró-Diretas e realizou um comício que repercutiu na imprensa nacional. Vários cartazes e outdoors foram espalhados na cidade e também no Recife, convocando o povo para a grande concentração em favor das eleições diretas para presidente da República. O ato foi cuidadosamente preparado durante um mês, pelo diretório do PMDB em Caruaru. Entre os principais organizadores do evento estavam o empresário João Lyra Neto e o militante político Bruno Maranhão. A mobilização abrangeu 16 municípios em torno de Caruaru, dos quais 12 enviaram comitiva para a festa, que aconteceu em 18 de fevereiro de 1984, na Avenida Rio Branco. A Folha de São Paulo destacou a participação de 25 mil pessoas no comício de Caruaru, o primeiro pelas Diretas no Agreste pernambucano, esco-
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lhido estrategicamente para desmentir a acusação de que a esquerda estava se mobilizando apenas na região do litoral, onde sempre ganhou eleições. O ato contou com a fala de 17 oradores, entre eles os deputados Fernando Lyra, Beth Mendes (PT-SP), José Eudes (PT-RJ), Paes de Andrade (PMDB-CE), Mansueto de Lavor e Jarbas Vasconcelos, o senador Cid Sampaio, o ex-senador Marcos Freire e o governador de Minas Gerais, Tancredo Neves. Tancredo chegou a Recife na noite do sábado e seguiu direto para Caruaru. Ele reiterou seu compromisso com a campanha pelas Diretas. “Há 20 anos é feita a política dos ricos. Chegou a hora de ser feita a política dos pobres. O desgoverno do país está matando os ricos de raiva e os pobres de fome. Só a eleição direta do presidente da República é capaz de abrir os caminhos para que se construa um novo país”, discursou. O Jornal do Brasil destacou que Tancredo Neves fora lançado candidato de conciliação à Presidência da República pelo deputado Fernando Lyra, durante o comício pelas Diretas em Caruaru. A publicação registrou ainda que Lyra acabou se desculpando junto ao público, pela iniciativa, lembrando que o comício era multipartidário. Mas insistiu que o nome de Tancredo não pode ser esquecido. Foi aplaudido por vários minutos. O Globo adotou uma linha mais política, ao citar declaração de Tancredo desconsiderando o movimento das esquerdas como revanchismo, pelas críticas radicais dos oradores ao presidente João Figueiredo e ao ministro do Planejamento, Delfim Netto, durante o comício em Caruaru. O jornal Última Hora, do Rio de Janeiro, disse que Tancredo foi o principal orador do comício de Caruaru e ressaltou a participação do grupo musical Quinteto Violado, que, ao lado de dezenas de outros artistas, integrava o movimento e cantou músicas durante a concentração popular. Mesmo realizando uma enorme pressão para que as eleições diretas fossem oficializadas, os deputados federais da época não se sensibilizaram mediante os enormes apelos. Por uma diferença de apenas 22 votos e um vertiginoso número de abstenções, o Brasil manteve o sistema indireto para as eleições de 1985. Para dar a tal disputa política uma aparência democrática, o governo permitiu que civis concorressem. Depois que o Congresso derrotou a emenda que pedia as eleições diretas, Tancredo Neves se tornou candidato a presidente da República no Co-
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légio Eleitoral. Mesmo assim, fez campanha nas ruas do País. E o primeiro comício de Pernambuco foi feito em Caruaru, na Rua da Matriz, no final de 1984. Era o primeiro ato promovido no Nordeste, tendo em vista as eleições indiretas. Caruaru foi escolhida através da articulação do deputado Fernando Lyra, que depois se tornou Ministro da Justiça. Quando o deputado paulista João Cunha declarou seu voto, às 11h35 do dia 15 de janeiro de 1985, o Brasil comemorou como se tivesse vencido uma final de Copa do Mundo. Era o 344º voto de Tancredo Neves, o que lhe garantiu a vitória no Colégio Eleitoral. Os 686 parlamentares presentes à sessão – representando 60 milhões de eleitores – elegeram Tancredo presidente da República, pondo fim a 21 anos de regime militar. O ex-governador mineiro recebeu 480 votos, Paulo Maluf teve 180 e houve 26 abstenções. Uma multidão calculada em 20 mil pessoas festejou a vitória de Tancredo, cantando e dançando, na Rua da Matriz, em Caruaru. O “carnaval da vitória” teve início logo após o meio-dia e terminou às primeiras horas do dia seguinte. O prefeito José Queiroz, o deputado João Lyra Filho, vereadores, secretários e auxiliares do governo municipal confraternizaram com o povo, participando da alegria dos caruaruenses pelo grande acontecimento nacional. José Queiroz acompanhou a votação do Colégio Eleitoral inicialmente em sua casa, ao lado da primeira-dama Carminha Queiroz. Em seguida, foi para a residência do deputado João Lyra Filho, onde se uniu a um grupo que ouviu a apuração até o final. Ao longo do dia, carros de som animavam a população para participar do evento, à noite. Curiosamente, Anastácio Rodrigues estava neste mesmo dia em São João Del Rei (MG), cidade onde nascera Tancredo. Programou-se para estar lá naquele dia histórico. O ex-prefeito possuía uma cicatriz proliferativa na retina do olho esquerdo e precisou viajar até Belo Horizonte por 11 vezes, para se tratar no Instituto Hilton Rocha. Sonhava em conhecer também Ouro Preto e aproveitou para estar lá e noutras cidades históricas de Minas. No momento em que foi anunciada a vitória de Tancredo, Anastácio comemorou como louco. Estava tomando um chope. De repente, levantou-se, foi até a calçada do restaurante e gritou: “Viva a liberdade! Viva a democracia!”, chamando a atenção de todos ao redor.
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[1] Isolado e sem recursos, Anastácio não realizou o projeto de voltar a ser prefeito de Caruaru [2] O casal Anastácio e Leuraci com o escritor Claribalte Passos [3] Com Marcos Freire, em caminhada com populares na eleição de 1982
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Muitos ficaram surpresos ao ouvirem que ele era de Caruaru e estava ali somente pela vitória de Tancredo Neves – que era, na verdade, o fim da ditadura militar no Brasil. Um primo de Tancredo Neves, Aureliano Chaves, que foi também vice-presidente da República no governo do general João Baptista Figueiredo, estava no local e convidou Anastácio para sentar em sua mesa. Também pagou a conta no final. “Telefonei muito feliz para Leuraci”, recorda. A eleição de Tancredo marcou o fim de mais de 20 anos de regime militar no país. Ao fim da ditadura, 379 pessoas tinham sido mortas em ações policiais, combates de rua, sob tortura nas cadeias, em locais clandestinos de extermínio ou simplesmente dadas como “desaparecidas”, segundo a Comissão Nacional de Mortos e Desaparecidos. Grupos de esquerda foram responsáveis por 73 mortes em assaltos, tiroteios e “justiçamentos”, de acordo com balanço do jornalista Elio Gaspari. O projeto “Brasil: Nunca Mais” catalogou 7.367 réus da Justiça Militar no período, dos quais 1.918 ousaram denunciar que tinham sido torturados. Outras dez mil pessoas, pelo menos, foram presas sem processo, na ditadura. Não é possível calcular quantas foram presas sem registro. O vice de Tancredo era José Sarney. Depois de duas décadas de atuação em defesa do regime militar, Sarney mudou de lado. Estava oficialmente na oposição. Tancredo morreu em 21 de abril de 1985, antes mesmo de tomar posse. Havia sido operado sete vezes por causa de um tumor. Sarney o sucedeu no cargo. Tancredo, todavia, deixara por testamento um Ministério completo, as lideranças nas duas casas do Congresso, os cargos de primeiro e segundo escalões. Caruaru era agraciada com a nomeação de Fernando Lyra para o Ministério da Justiça. Primeiro Ministro da Justiça da redemocratização, nos 11 meses em que esteve no comando do cargo, Lyra foi o responsável pelo fim da censura oficial, passo fundamental na reconquista da liberdade de expressão no País. Fernando Lyra era o terceiro político de Caruaru a desempenhar funções de Ministro de Estado. Antes dele, Alfredo Pinto Vieira de Mello (Ministro da Justiça e Negócios Interiores, no governo Epitácio Pessoa) e Álvaro Lins (Chefe da Casa Civil do governo Juscelino Kubitschek) ocupa-
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ram essa posição relevante. Ministro da Justiça, Fernando Lyra deu liberdade aos partidos políticos, removeu o chamado “entulho autoritário” da ditadura e pôs fim à censura. Ocupou o cargo de 15 de março de 1985 a 14 de fevereiro de 1986, quando foi substituído por Paulo Brossard. Ainda em 1985, uma grande oportunidade bateu à porta de Anastácio Rodrigues. O empresário Gilvan Silva, então proprietário do jornal Vanguarda, desanimado com os prejuízos que o semanário vinha somando, decidiu vender o tradicional jornal. Em conversa com Anastácio, sondou a possibilidade de a prefeitura adquirir a empresa. O ex-prefeito disse-lhe que nada impedia, no entanto as oficinas deveriam ser utilizadas apenas para a edição de um diário oficial e a publicação de informativos. Mas aquele era um bom negócio para qualquer figura pública em Caruaru. O jornal Vanguarda, aos 53 anos, havia registrado quase metade da história da cidade, além de representar, a qualquer grupo político, a excelente oportunidade de influenciar a opinião pública, através de suas páginas. Anastácio foi imediatamente ao encontro de seu irmão Zino Rodrigues e narrou os últimos acontecimentos. Este ofertou no semanário 100 mil cruzeiros, como sinal, e fecharam negócio. Parecia um sonho. O jornal, onde Anastácio conseguira seu primeiro trabalho, na adolescência, e que foi uma grande escola de vida, pertenceria agora a seu irmão. Em outras palavras: estaria sob seu controle. Gilvan se comprometeu, inclusive, a repassar todos os pormenores da administração e da execução dos serviços no período de um mês. Talvez inconformado com a quantia ofertada por Zino, mesmo já tendo fechado negócio com os irmãos Rodrigues, Gilvan decidiu sondar a família Lyra. Certamente a oferta seria maior, caso eles demonstrassem interesse na aquisição. Em conversa com Maria José Lyra, irmã do ex-prefeito João Lyra Filho e uma das responsáveis pela administração dos negócios da família, sacramentou a venda do jornal Vanguarda ao grupo político. Somente depois do acordo, Anastácio e Zino souberam do plano arquitetado por Gilvan. “Gilvan não agiu com decência. Fomos traídos. Eu já havia planejado o meu esquema de trabalho”, confessa. Em 15 de novembro de 1985, o jornal Vanguarda, fundado por José Car-
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los Florêncio, passava a ser propriedade do grupo Lyra. Acontece que em fevereiro, três meses depois, o presidente José Sarney implantou um novo plano econômico, o Cruzado, para tentar debelar a inflação. Gilvan foi comunicado de que iria receber o pagamento com base na nova moeda, o que lhe ocasionou um inesperado prejuízo. Na prática, o valor recebido foi bem menor do que o ofertado pelos irmãos Rodrigues anteriormente. Um ano depois, a população foi às urnas para escolher os novos senadores e deputados federais que formariam a Assembleia Nacional Constituinte, além de governadores e deputados estaduais. O Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE) encerrou, no dia 18 de dezembro de 1986, oficialmente, através da Serpro, a totalização dos resultados das eleições daquele ano. Miguel Arraes obteve 53,51% dos votos – garantindo seu retorno ao Palácio das Princesas –, contra José Múcio Monteiro (34,34%). Os candidatos eleitos de Caruaru, para deputado estadual, foram José Liberato (PFL, com 15.840 votos), Adolfo José (PDT, com 8.623) e Roberto Fontes (PMDB, com 14.989). Para deputado federal, somente Fernando Lyra (PMDB) – segundo mais votado do Estado, e primeiro da oposição, seguido por Roberto Freire (PCB) – foi para a Assembleia Nacional Constituinte, por Caruaru, conseguindo 90.771 votos para sua terceira legislatura federal. A eleição estadual de 1986 destronou dois importantes líderes da política caruaruense: exatamente os seus dois expoentes, João Lyra Filho e Drayton Nejaim. Lyra disputou o segundo mandato de deputado estadual, pelo PMDB, mas obteve apenas 11.511 votos, ficando na segunda suplência da Frente Popular de Pernambuco. Drayton, por sua vez, contabilizou 9.171 votos, na legenda do Partido Democrata Cristão (PDC). O resultado demonstrava que os tempos eram outros e que a liderança exercida por ambos, no passado, já não era mais a mesma. Assim como os tempos se renovam, os anseios da população também passam por mudanças. João Lyra Filho, porém, teria a sorte de assumir o mandato no ano seguinte, com a convocação do deputado Marcus Cunha para a Casa Civil do governo Arraes. Distante de suas bases e prevendo a derrota, Drayton Nejaim havia decidido que não seria candidato em 1986. Aos 58 anos, encontrava-se desmotivado para fazer campanha, andar, comer, beber e conversar com o povão,
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que sempre lhe acompanhou. Queria mesmo voltar a disputar a Prefeitura de Caruaru pela terceira vez, em 1988. Mudou de ideia em relação à candidatura a deputado estadual após uma visita de Armando Monteiro Filho (a quem conhecia desde o colégio), sugerindo que reconsiderasse sua decisão para apoiar seu sobrinho, candidato ao governo do Estado, José Múcio Monteiro. Por estar afastado das bases e por se contrapor à vontade política do governador Roberto Magalhães, Drayton perdeu a eleição para deputado estadual em 1986, depois que este lhe tirou vários municípios onde era votado. Nejaim apoiou a candidatura de Cid Sampaio ao senado, a quem era historicamente ligado e adotou um discurso radical de voto casado pró José Múcio (contrariando muitos, na época, que não vestiram a camisa da candidatura de Monteiro), contra a “onda Miguel Arraes”, de quem havia sido colega na Assembleia, nos anos 50. Drayton Nejaim, em seu quarto mandato na Assembleia Legislativa, renunciou ao cargo no dia quatro de novembro de 1986, um pouco antes do término. O motivo: seria nomeado pelo governador Roberto Magalhães, também em fim de mandato, para exercer o cargo de Curador e Defensor de Indiciados, na Secretaria da Justiça de Pernambuco. Cargo pelo qual se aposentaria anos depois. Em 1988, Drayton tentaria disputar sua última eleição. Sem êxito, deixaria para sempre a vida pública.
O primeiro governo José Queiroz (1983 a 1988) foi de importantes mudanças e conquistas históricas para Caruaru, na época conhecida como a “capital das muriçocas”– problema resolvido a partir de um tratamento especial de limpeza, que dispensava o uso de inseticidas. Quando ele assumiu o governo, as barracas tomavam conta da cidade, animais soltos pelas ruas e amontoados de lixo por todas as partes promoviam uma bagunça geral. A cidade conquistou o Instituto de Previdência Municipal (INP), a Empresa de Urbanização (URB) e a Fundação de Cultura e Turismo. Também registrou altos índices de ruas saneadas e calçadas, através de um programa chamado “Caminhos do Povo”.
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Queiroz também implantou o Distrito Industrial II, atraindo importantes fábricas e gerando emprego e renda. A criação da Feira da Sulanca, no Parque 18 de Maio, também foi um dos grandes marcos da gestão, alavancando a economia local. Muitas conquistas surgiram em Caruaru, naquela época. Uma delas foi a doação de todo o acervo da Fábrica Caroá, incluindo os seus prédios, na época de propriedade do Banco do Brasil, que arrematou o conjunto em troca de uma grandiosa dívida. A doação teve o empenho do então ministro da Justiça, Fernando Lyra. Em seu primeiro governo, foram construídas diversas escolas na zona rural e duas na cidade, especificamente nos bairros Santa Rosa e Jardim Liberdade. A cidade também ganhou sua primeira creche, além da implantação da pré-escola e do primário no Colégio Municipal Álvaro Lins. Queiroz também implantou o alicerce para a transferência da feira do centro para o Parque 18 de Maio. A área de 25 hectares, no antigo Campo de Monta, consumiu milhares de toneladas de aterro e muitas horas de trabalho de engenharia. Tudo foi feito sem pressa, um projeto elaborado com dezenas de mãos e opiniões, além de muita pesquisa. Alguns equipamentos existentes no local, a exemplo da Casa de Forró, tiveram de ser indenizados e demolidos para dar espaço ao projeto. Parte do terreno da Casa dos Pobres São Francisco de Assis também foi reduzido. A primeira parte estratégica a ficar pronta foi a da feira de Artesanato, que até então funcionava na Praça Coronel João Guilherme. Toda a área foi urbanizada, a Sulanca repensada e organizada com quatro mil bancos, mas a transferência só ocorreria no governo seguinte, quando João Lyra Neto, sucessor de Queiroz, concluiria a construção de alguns equipamentos importantes, como o açougue público, o mercado de farinha e algumas praças. Ao final do governo, Caruaru era, de fato, uma nova cidade e José Queiroz conquistou uma aprovação que chamou a atenção da imprensa nacional, passando a ser considerado um dos melhores prefeitos do Brasil. O reconhecimento lhe motivou a fazer planos para seu futuro político. Antes de concluir o mandato, em 31 de janeiro de 1988, Queiroz também assumiria a tarefa de escolher seu sucessor nas eleições daquele ano, que marcaria a estreia de João Lyra Neto e Tony Gel na política. Este último, com apoio fundamental de seu tio, Anastácio Rodrigues.
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Em 1986, a imprensa já especulava os possíveis nomes à sucessão do prefeito José Queiroz. Em entrevistas, alguns ve-
readores apontaram nomes como os de Manoel Onofre de Arruda, Roberto Fontes e Anastácio Rodrigues, citado por seu irmão, o vereador Zino Rodrigues. Apesar de filiados ao PMDB, Anastácio e Zino atuavam como dissidentes. Entre os governistas, prevalecia a necessidade de união dos partidos. Em 20 de março de 1984, Zino Rodrigues assumiu a sua segunda legislatura na Câmara Municipal de Caruaru, onde exerceu várias funções na Mesa Executiva, destacando-se entre os demais pares. Por dois anos foi eleito, de forma unânime, pela Assessoria de Imprensa do Legislativo, como o “Vereador mais atuante”. Em meados dos anos 80 José Queiroz realizava uma administração exitosa e a primeira pesquisa realizada pelo PMDB, visando à eleição de 1988, apontou como nome mais citado a primeira-dama Carminha Queiroz – que se tornava inelegível, de acordo com a legislação eleitoral. A liderança de Carminha era uma espécie de gratidão popular ao trabalho do prefeito e aos serviços assistencialistas encabeçados por ela mesma. Em maio de 1987, o presidente do Diretório Municipal do PMDB, João Lyra Neto, respondia às acusações feitas pelo vereador Zino Rodrigues ao Diario de Pernambuco, afirmando que Queiroz havia demitido 400 funcionários por questões políticas. João disse que Zino estava irritado porque votou nos candidatos do PFL e, no entanto, Miguel Arraes foi eleito obtendo uma frente superior a 20 mil votos na cidade. Lyra também acusou Zino de trair ideais e compromissos do partido, votando em José Múcio Monteiro e nos deputados Pedro Correa Neto e Drayton Nejaim. “A falsa denúncia do vereador, irmão do ex-prefeito Anastácio Rodrigues, que já pertenceu à Arena, a convite do ex-governador Moura Cavalcanti, é ato de desespero e frustração, por não ter como fazer oposição a um prefeito que vem fazendo excelente administração”, cravou Lyra Neto. João Lyra Neto já tinha intenção de disputar a Prefeitura de Caruaru nas eleições que se aproximavam e era notório o destaque que o Jornal Vanguarda, de propriedade da sua família, dava ao seu nome. João fazia críticas inclusive ao presidente José Sarney, por haver nomeado o deputado constituinte Joaquim Francisco (PFL) para o Ministério do Interior, levando Arraes
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a romper relações com o Planalto. “O governo de transição, exercido pelo presidente José Sarney, não está conseguindo realizar aquilo que o PMDB pregou em praça pública durante 20 anos de regime autoritário”, afirmou. Em julho de 1987, o vice-prefeito Waldeciel Araújo também confirmava sua intenção de disputar a sucessão do prefeito José Queiroz. Considerando a política como um jogo de xadrez, onde o político que não souber ler no tabuleiro de dados o deslocamento das pedras poderá ser surpreendido, Queiroz anunciava que, em breve, o PMDB anunciaria seu candidato. Sem citar nomes, dizia apenas que seu sucessor teria um perfil integrado ao trabalho que vinha desenvolvendo, mesmo que não estivesse ligado à administração. Confiante em seu respaldo político, garantido pela administração que desenvolvia, José Queiroz direcionava as discussões. Aproveitava para criticar a morosidade nos primeiros meses do governo Arraes e dizia não ter salvação para o governo Sarney, garantindo como inevitável a eleição direta para presidente da República. Nesse período, registrou-se certo desgaste da família Lyra na política e os adversários aproveitaram para ampliar seu capital político, exagerando nas críticas ao grupo. A ideia era mesmo banir os Lyra da política caruaruense. Criaram, inclusive, um bordão que resumia bem as intenções da oposição: “Lyra nunca mais”. Algumas pessoas atribuem a autoria do slogan ao empresário Gildo Leonel ( já falecido). Anastácio Rodrigues garante, porém, que foi ele o autor da frase. Isso acontecia porque José Queiroz, apesar de estar no auge, era apenas um prefeito bem-sucedido. Mas os adversários sabiam que o potencial político pertencia mesmo à família Lyra. O desgaste processado em torno dos Lyra era tamanho que, quando iniciaram os ensaios para a candidatura de João Lyra Neto, muitas pessoas repetiam ao prefeito José Queiroz que não seria bom indicá-lo naquele momento. Também apontavam o risco de perderem as eleições. Com índices de aprovação superiores a 90%, Queiroz sabia das dificuldades, mas estava confiante na vitória. Pensava, inclusive, que venceriam com folga, baseado em sua popularidade. No entanto, a campanha seria muito radical e o resultado bastante diferente do que ele esperava. Em meio às discussões, Drayton Nejaim ressurgiu, afirmando que tam-
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Em 1994, Anastรกcio Rodrigues fez sua primeira viagem ao exterior. O trajeto incluiu visitas a Portugal, Espanha, Franรงa, Itรกlia, Inglaterra e Alemanha
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bém seria candidato à prefeitura. O anúncio foi feito durante longa entrevista à Rádio Liberdade. Filiado ao Partido Democrático Cristão (PDC), o ex-prefeito promoveu o auto-lançamento de sua terceira candidatura ao governo municipal e fez elogios a praticamente todos os líderes políticos locais, com exceção de José Queiroz e Fernando Lyra. Nejaim disse não temer o afastamento de ex-companheiros, que estavam ligados aos grupos dos deputados José Liberato e Adolfo José, afirmando que estariam todos juntos ao eleitorado. Também decretou: “todos que ficarão comigo têm de saber que sou contra o PMDB e o governo Arraes”. Lembrou ainda que sua candidatura seria patrocinada pelo PDS. “Pois devo retornar às minhas origens”, justificava. Uma série de entrevistas divulgadas pelo Jornal Vanguarda começaria a revelar os prefeituráveis daquele pleito. O primeiro, João Lyra Neto, afirmava que o candidato seria “aquele que tiver amplo respaldo do partido, confiabilidade da população e condições de conquistar outras forças progressistas e o apoio do prefeito José Queiroz”. Lyra Neto também presumia que o PMDB teria nas eleições de 1988 “a maior e mais expressiva vitória em pleitos municipais”. O que não iria ocorrer. A oposição também se articulava e nomes começavam a surgir. O empresário Adolfo José, eleito deputado estadual em 1986, confirmava que iria disputar as eleições e destacava que no último pleito obtivera a maior votação para prefeito, “no entanto, por causa da sublegenda, o candidato do PMDB 1 [José Queiroz] foi quem assumiu o cargo”. Também criticou o PMDB e PFL locais. Embora conversas de bastidores apontassem os nomes de Waldeciel Araújo e do vice-presidente do PMDB, Jorge Gomes, como possíveis candidatos, o prefeito José Queiroz anunciava em novembro uma decisão que já estava praticamente tomada: “João Lyra Neto reúne todos os atributos para encampar a nossa proposta de continuidade administrativa”. O prefeito afirmou também ser essencial João Lyra Neto conquistar o apoio da bancada de vereadores e demais segmentos partidários, além da identidade com a população. “Após isto, darei o meu aval”, garantiu Queiroz. Entre os partidos de oposição, além de Drayton Nejaim e Adolfo José, surgiam os nomes do economista e empresário Roberto Liberato (PFL) e do
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radialista Tony Gel, ainda sem partido. A trajetória de Tony Gel até a campanha de 1988 merece um destaque à parte, por dois motivos fundamentais: primeiro, por ser sobrinho de Anastácio Rodrigues; depois, por ter encontrado no tio um de seus grandes mestres na política. Rompido com a família Lyra e seu antigo grupo político, Anastácio viu no sobrinho radialista a oportunidade ideal para enfrentar os adversários nas urnas. Ocupando um espaço em que anteriormente Drayton Nejaim reinou, após a eleição de 1988 Tony Gel passaria a figurar entre as principais lideranças políticas de Caruaru.
O RÁDIO CONSAGRA A POPULARIDADE DE TONY GEL A comunidade do Coque, situada a 2,5 quilômetros do centro do Recife, foi o cenário de nascimento de Antonio Geraldo Rodrigues da Silva, exatamente no dia cinco de novembro de 1955. O bairro configura uma favela localizada na ilha Joana Bezerra e além de ser estigmatizado como um dos mais violentos da capital pernambucana, apresenta vários problemas de saúde, educação, desemprego, moradia e saneamento. Foi numa palafita, nos alagados, que o garoto viveu até os cinco anos, quando se mudou com os pais para Carpina. Passou apenas oito meses na cidade, tempo suficiente para cursar a alfabetização. Em seguida, retornaram para o Coque. Antonio Geraldo foi matriculado na escola do Bloco Carnavalesco Pão Duro e continuou estudando. A sede da agremiação, localizada entre o Coque e a Rua Imperial servia como unidade de ensino para as crianças da comunidade. Ele também estudou no grupo escolar da Ordem Terceira do Carmo, no Pátio do Carmo e aos nove anos foi morar com os pais em Caruaru. Inicialmente, viveram numa simplória casa na favela do Salgadinho, na Estrada da Pitombeira. Antonio Geraldo havia concluído a terceira série primária no Recife e foi matriculado na escola Felisberto de Carvalho, em Caruaru, para estudar a quarta série. Depois que concluísse o primeiro grau menor, prestaria o Exame de Admissão ao Ginásio.
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O pai, Geraldo, era um homem do mundo. Cabia à mãe, dona Biu, lavar roupas de ganho para conseguir o sustento da casa. Ela também trabalhou um longo período como doméstica na residência do ex-vereador Aristides Veras. As dificuldades levaram Antonio Geraldo a se tornar ambulante muito cedo. Vendia biscoitos, doces e pipocas na estação ferroviária de Caruaru. E bonequinhos de chumbo na Rua da Matriz. Aos 14 anos, parou de estudar. Precisava conseguir um emprego de verdade e que lhe garantisse um salário fixo. Na Panificação Monte Castelo, que funcionou até o segundo semestre de 2017, no Centro da cidade, Antonio Geraldo conseguiu uma vaga de gaita de padaria. Ajudava os padeiros e carregava pão na cabeça para entregar em mercearias, bares e restaurantes. Poucos meses depois, foi nomeado chefe dos gaitinhas. O cargo era contador de pão. Trabalhou quase cinco anos na Monte Castelo. Quando saiu de lá, conseguiu emprego em outra padaria da cidade, a Duas Moedas, localizada na Rua da Matriz. Passou um curto período no novo emprego, como atendente de balcão. Nessa época, a Livraria Estudantil abriu um processo seletivo para contratar cinco funcionários. O jovem Antonio Geraldo foi o segundo colocado. Depois de entrevistado pelo proprietário da livraria, Galvão Cavalcanti, o entusiasmo tomou conta do rapaz. Afinal, era um pequeno, mas importante avanço. Acontece que Galvão convocou apenas a primeira colocada e para piorar ainda mais a situação, Antônio Ribeiro, proprietário da Duas Moedas, quando tomou conhecimento do caso, demitiu o rapaz. Nem a livraria, nem a padaria. Antonio Geraldo estava desempregado. Algum tempo depois, surgiu a oportunidade para fazer um teste na empresa de ônibus Progresso. Em dezembro de 1974, aos 19 anos, ele se tornou cobrador de ônibus. Fazia a linha Caruaru-Garanhuns, em duas viagens diárias, todos os dias da semana. Dormia em Garanhuns e acordava na madrugada fria da cidade para retornar a Caruaru às 4h30 da manhã. Duas horas depois, estava na Capital do Agreste. Mais duas horas e estava de volta a Garanhuns. Todos os dias, a mesma rotina. Nesse período ele já havia retomado os estudos – interrompidos durante quatro anos. Fez novamente o exame de Admissão ao Ginásio, desta vez na Escola Municipal Professor José Leão e voltou a estudar no Felisberto
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de Carvalho, onde recuperou dois anos em apenas um. Nessa época, a escola oferecia para os retardatários o ginásio num período de dois anos. Mesmo dormindo em Garanhuns, quando foi aberto o período de matrículas ele não perdeu a oportunidade. O rapaz estava devidamente matriculado para cursar o 3º e 4º anos primários. Sentindo-se prejudicado, foi conversar com o chefe responsável pela escala dos cobradores. Ao invés de dormir em Garanhuns, queria passar as noites em Caruaru para estudar. Conseguiu negociar. Agora, saía às 4h30 de Caruaru com destino à Cidade das Flores. Na condição de aluno retardatário, matando dois anos em um, a rotina de aulas era mais puxada. Acabavam sempre depois das 22h. Em seguida, ele subia a pé o Alto de Santa Rosa para chegar até a garagem da Progresso. Era lá que dormia, sempre depois das 23h, com o compromisso de levantar às 3h30. Dormia pouco e dormia muito mal. Era um trabalho cansativo demais. Entretanto, a vontade de vencer era maior e Antonio Geraldo levava os livros no ônibus. Nos intervalos entre uma e outra cidade, aproveitava para estudar. Com o passar dos dias, ele decidiu dormir em casa depois que saísse da escola, para descansar um pouco mais e evitar riscos caminhando só, tarde da noite, até a garagem da Progresso. Nessa fase, já estava morando na Vila Teimosa, uma favela próxima do Vassoural. Em que pese o fato de ter comprado um despertador para ajudá-lo a acordar no horário, acabou perdendo a hora duas vezes. O chefe perdoava a ausência e colocava-o em outra escala, num horário mais tarde. Na terceira vez em que perdeu a hora, foi demitido. A experiência durou apenas seis meses, mas foi suficiente para ele conseguir uma vaga na Viação São Geraldo. Fez o teste em Minas Gerais e foi aprovado. Desta vez, assumiu como vendedor de passagens. Mas, novamente a experiência duraria pouco tempo. Em 1976, aos 20 anos, o destino promoveu o encontro de Antonio Geraldo com o rádio. Ele não podia imaginar que sua vida estava prestes a sofrer nova e inesperada guinada. O pai, Geraldo Rodrigues, ouviu a Rádio Liberdade de Caruaru anunciar um concurso para contratar novos talentos. Comunicou ao filho, pedindo que ele se inscrevesse. Nos tempos de padaria, Antonio Geraldo lia jornais em voz alta e os colegas diziam que ele tinha voz de locutor. Mas nunca lhe
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O radialista Tony Gel: das ondas do rádio para a cena política, tendo como mestres os tios Anastácio e Zino Rodrigues
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passara pela cabeça trabalhar em rádio. Mesmo assim, decidiu apostar e foi aprovado no teste. “Tudo na minha vida foi teste e concurso”, diz. Foi quando uniu o carisma natural ao talento para falar aos outros, cultivado pela mãe; quando ele era menino, ela lia cordéis para a vizinhança, à luz do candeeiro. E o pai lhe ensinou logo cedo a gostar de rádio. Antonio Geraldo iniciou carreira no rádio apresentando o programa Liberdade dona da noite, que ia ao ar das 22h à 1h da manhã. Depois, apresentou o Liberdade Internacional, um programa de músicas. Peladeiro desde cedo, ele conhecia um pouco de futebol e logo começou a tomar gosto pela transmissão esportiva. Ia para o campo e tomava aulas com colegas como Gil Alves, Ed Fernando, Diomedes Combé e Sivonaldo Bezerra. Paulo Freire comandava o departamento de futebol. Pouco tempo depois, o novato estava na “pista”, fazendo reportagens. Estreou como Antonio Geraldo, mas achava que o nome não era radiofônico. Passou então a observar a performance do radialista Geronildo Sabino, um apresentador disc-jockey da Rádio Difusora. Antes de saudar os ouvintes, ele repetia o slogan: “Apresentação Geronildo Sabino. Geron, na intimidade do som”. Empolgado e com o propósito de criar algo parecido, o jovem radialista também passou a adotar um novo nome. Agora, iniciava o programa assim: Apresentação Antonio Geraldo, Tony Gel, no enlace da comunicação. Foi uma decisão certeira. Em pouco tempo, ninguém mais o chamaria pelo nome. Inicialmente, Tony Gel conciliou o trabalho na empresa São Geraldo com o rádio. Vendia passagens para uma nova linha de ônibus vinda de Natal, com destino a Salvador, que passava por volta das 20h30 em Caruaru. Depois de acomodar os passageiros, organizava as bagagens na parte baixa do veículo. Quando o ônibus ia embora, ele partia para a Rádio Liberdade. Permaneceu apenas três ou quatro meses na São Geraldo, até ser demitido. Desta vez, porque a linha estava gerando prejuízo para a empresa, que achou por bem não manter um agente na cidade. “A linha não era rentável”, recorda. Como seu compromisso no rádio era apenas no turno da noite, Tony Gel aproveitava o dia para passar jogo de bicho na banca A Rosa de Ouro, que pertencia a seu tio, o ex-vereador Zino Rodrigues. A banca funcionava na Praça Getúlio Vargas, mais conhecida como Praça
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do Rosário. Lá também estava localizada a agência da empresa São Geraldo. Mesmo sem vínculo, Tony Gel conseguiu com o representante da empresa, Francisco Lustosa, continuar vendendo passagens na banca de seu tio, para ganhar alguma comissão sobre os bilhetes vendidos. Algum tempo depois, a Rádio Liberdade o convocou para apresentar o programa da manhã e ele teve que abrir mão da banca e do comércio de passagens. Acabou não se firmando no horário e a emissora contratou Ednaldo Santos, radialista da cidade pernambucana de Belo Jardim, para substituí-lo. Ednaldo era mais desenvolto e terminou ocupando o espaço matinal. Tony Gel continuou fazendo reportagens, redigindo e apresentando programa esportivo. Quando concluiu o ginásio no Felisberto de Carvalho, em 1975, Tony Gel matriculou-se no colégio Nicanor Souto Maior para cursar o Ensino Médio. O excesso no quantitativo de alunos matriculados naquele ano fez com que ele fosse transferido para a Escola Dom Miguel de Lima Valverde, no Vassoural – o Colégio Industrial, como era conhecido na época. Lá cursou os dois primeiros anos. Tony Gel sempre gostou muito da disciplina Língua Portuguesa e sentia a necessidade de ter um professor mais qualificado para lhe ensinar o idioma. Descobriu, então, que no Colégio Nicanor havia uma excelente professora, chamada Beta. Não perdeu tempo. Matriculou-se para cursar o terceiro e último ano lá e desta vez a vaga não lhe foi negada. Em 1978, cursando o último ano do Ensino Médio, o radialista formou um grupo de estudos de Português e Matemática Financeira para o concurso do hoje extinto Banco do Estado de Pernambuco (Bandepe). Ele repassava conhecimentos para os colegas e acabou sendo aprovado. A colocação foi das melhores, a ponto de ter optado por trabalhar em Caruaru. A experiência no Colégio Nicanor foi tão positiva que, ao final do ano, ele prestou vestibular para o curso de Letras. Em 1979, iniciou a graduação na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru (Fafica). No segundo ano do curso, de forma inesperada, foi convidado para ensinar no Colégio Nicanor, substituindo a professora Lídia Rolim. Nesse período, Ednaldo Santos trocou a Liberdade pela Rádio Difusora. Mais experiente e dinâmico, Tony Gel voltou a comandar o programa da
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manhã, tornando-se seu titular. Também apresentava a resenha esportiva, redigia e fazia reportagens. Quando foi convocado pelo Bandepe para assumir a nova função, o gerente da emissora não queria que ele deixasse a rádio. “Você vai quebrar minhas pernas”, repetia João Luiz, conhecido na cidade por ter sido proprietário da casa de shows Forrozão. Mas o banco oferecia estabilidade. Além disso, ele precisava dar melhores condições de vida à mãe. Aos 23 anos, Tony Gel morava com dona Biu, numa casinha de taipa, na favela da Vila Teimosa – que na época era considerada invasão. Antes, moraram num quartinho alugado no Salgadinho, próximo à Estrada da Pitombeira. O pai, Geraldo, era, na visão do filho, “um homem do mundo”. Saía por todos os lugares vendendo bugigangas. A mãe teve outros filhos de um relacionamento anterior, mas não vingaram. Com Geraldo, dona Biu teve apenas Tony Gel. E ele ficou como filho único. Quando assumiu suas funções no Bandepe, a rádio o manteve no departamento esportivo. Saía do banco sempre ao meio-dia, meia hora depois estava na Liberdade para apresentar o programa esportivo. Ia para casa almoçar e retornava ao banco. Eventualmente, à noite, também apresentava algum programa. O tempo precisava ser muito bem administrado, afinal, ele trabalhava no banco, na rádio, fazia faculdade e dava aulas. Além do Colégio Nicanor, Tony Gel também ensinou algum tempo na cidade de São Joaquim do Monte. No banco, assumiu como escriturário. Oito dias depois, fez um curso de caixa executivo e mudou para a nova função. Dois anos e meio depois, foi promovido a gerente de expansão. Trabalhou sempre na agência de Caruaru e, com o carisma que lhe é peculiar, manteve bom relacionamento com a diretoria do banco. Em fins de 1982, ano em que casou com Miriam Lacerda, Tony Gel assumiu a direção da Rádio Liberdade a convite do sogro, o empresário Luiz Lacerda. Para tanto, pediu licença não remunerada da agência bancária durante todo o ano de 1983. Terminado o prazo, o banco lhe deu um ultimato: ou retornava ao trabalho ou pediria demissão. Ele deu adeus à vida de bancário e permaneceu gerenciando a rádio. Mesmo com a promessa de uma gerência geral, Tony Gel diz não ter se arrependido de abandonar a carreira bancária naquele momento. “Foi a me-
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[1] Anastácio foi indicado pelo deputado federal Tony Gel para gerenciar a agência do IPSEP, em Caruaru. Sua atuação levou a unidade a ser reconhecida como “modelo” em Pernambuco [2] Recebendo os cumprimentos do ex-deputado José Liberato, seu adversário na eleição de 1968 [3] Tony Gel discursa na agência caruaruense do IPSEP, tendo de um lado o tio Anastácio e, do outro, sua esposa Miriam Lacerda
lhor coisa que eu fiz. A rádio era terceiro lugar em audiência. Assumi no dia três de janeiro de 1983. Seis meses depois, a rádio estava na primeira colocação”, argumenta. Com apoio de Luiz Lacerda e de toda equipe da rádio, ele modernizou a emissora, ampliou a sua potência, construiu um novo estúdio e adquiriu novos transmissores. Tony Gel permaneceu durante cinco anos na direção, quando, em 1988, candidatou-se pela primeira vez à Prefeitura de Caruaru. Não há dúvidas de que o rádio proporcionou a grande popularidade de Tony Gel, no final dos anos 1980. Seu envolvimento com a política, no entanto, vem dos tempos estudantis. “Eu sempre fui político”, garante. Em-
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bora a historiografia não faça menção, Tony Gel tratou de dar foros de veracidade ao fato. Inicialmente, disse que participou do grêmio escolar nos tempos da Escola Felisberto de Carvalho. Em 1985, três anos após concluir o curso de Letras na Fafica (onde fora eleito Presidente do Diretório Acadêmico Padre Zacarias Tavares), ele matriculou-se na Faculdade de Direito de Caruaru. Lá, também se envolveu na política estudantil. Foi eleito representante de área e em seguida presidente do diretório, com uma votação brilhante. Tony Gel também foi diretor da União dos Estudantes de Pernambuco, durante a ditadura militar, ajudando a reconstruir a entidade e tirá-la da
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clandestinidade. Junto com Jarbas Vasconcelos e Humberto Costa, participou de importante congresso estudantil naquela época. Concluiu o curso de Direito em 1989. Apesar da militância estudantil, a consagração veio mesmo com o rádio, através do programa Tony Gel: onde o povo tem vez, que ele apresentava conciliando com a gerência da emissora. O programa ia ao ar de segunda a sábado, do meio-dia às 13h e tinha como temática o assistencialismo. No comando do programa, Tony Gel ouvia reclamações, solucionava problemas e, principalmente, ajudava as pessoas com campanhas de enxoval, cadeiras de rodas e outras reivindicações do povo. O programa tornou-se muito popular e onde o sinal da emissora chegava era líder em audiência. A quantidade de emissoras no interior do Estado era pequena naquela época, o que facilitava o alcance. Tony Gel diz que a ideia era alavancar a audiência da emissora, mas acabou beneficiando a ele próprio. “A Liberdade precisava mergulhar no povão para massificar sua audiência. Acabou me deixando popular”, explica. Sua popularidade cresceu ainda mais quando criou um novo programa, chamado Domingo no Sítio, transmitido aos domingos, sempre às 10h da manhã, de uma comunidade da zona rural de Caruaru. Com Tony Gel na direção, a Liberdade foi a primeira emissora na cidade a possuir uma unidade móvel de transmissão, com cabo de reportagem – um equipamento da marca Motorola. A equipe chegava ao local, testava o som e transmitia o programa cujo áudio chegava perfeitamente até um raio de 30 km. Tony Gel visitou todas as comunidades rurais de Caruaru com o Domingo no Sítio, também voltado para o assistencialismo, com distribuição de brindes, utensílios e cestas básicas. “Era um divertimento para a população e uma forma de popularizar a programação da rádio”, cita. À medida que a Liberdade tornava-se cada vez mais popular, Tony Gel acompanhava o mesmo ritmo. Aquele radialista jovem, simpático e boa praça conquistou o homem do campo. Na base do chamado “populismo de favores”, Tony Gel arrematou um eleitorado fiel, fenômeno que seria demonstrado na votação obtida na primeira eleição que disputou. Em 1986, Tony Gel, influenciado também por alguns amigos, quis ser
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candidato a deputado estadual. O projeto, todavia, foi frustrado depois que dois experientes políticos o aconselharam a desistir da ideia: seus tios Anastácio e Zino Rodrigues. Eles afirmaram que não viam base para a candidatura do sobrinho naquele momento e que apenas a popularidade não seria suficiente para elegê-lo. “Eles estavam com a razão”, reconheceu Tony Gel em depoimento ao autor do livro. Em seguida, Zino o convidou para uma conversa a sós e lhe disse: – Conversei com meu irmão Anastácio e chegamos a uma conclusão: se prepare para ser prefeito de Caruaru! Em seguida, completou: “Os morros vão descer com você!” Anastácio Rodrigues recorda que, em 1986, costumava ouvir comentários de pessoas ligadas ao radialista Tony Gel, propondo sua candidatura a deputado estadual. “Um dos que defendiam o nome dele era Davi Cardoso”, cita. O ex-prefeito considerava inviável a disputa, inclusive pelo fato de a popularidade de Tony Gel, apesar de cada vez mais consolidada, estar restrita a Caruaru. Refletindo, Anastácio chegou à conclusão de que Tony deveria se preparar para disputar a Prefeitura de Caruaru. Como político experiente – e conhecedor do campo adversário – elaborou o que classificou de “receituário” e foi a uma reunião na residência do sobrinho. Participaram do encontro Anastácio e Zino Rodrigues, o próprio Tony Gel e seu sogro, o empresário Luiz Lacerda. “Tony, a sua candidatura a deputado estadual está queimada. Prepare-se para ser prefeito de Caruaru”, advertiu Anastácio, na ocasião. E prosseguiu, com sugestões que considerava importantes para o fortalecimento de seu nome perante o eleitorado. Anastácio diz, inclusive, que recomendou ao sobrinho a criação de um programa de entrevistas, na rádio Liberdade, para torná-lo conhecido no mundo político. Anastácio também considerava a imagem de Tony Gel desconhecida, em relação à força do seu nome e da sua voz – fato natural aos comunicadores do rádio. “Nas caravanas de Ivan Bulhões, fique no meio do povo e peça para ele lhe convidar até o palco”, sugeriu. Também recomendou que o sobrinho fizesse assinatura dos principais jornais do Rio de Janeiro e São Paulo e aperfeiçoasse a oratória.
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“Anastácio está certo”, teria dito Luiz Lacerda após a explanação. Tony Gel achou que a proposta era maior do que ele. Mas ficou com o conselho na memória. “Zino Rodrigues era um visionário. Tinha muita intuição”, define. Ele conta que o tio sempre ouvia o seu programa no rádio e o repreendia quando citava algo que pudesse ser interpretado de forma equivocada. “Ele era muito inteligente”, reconhece. O potencial de Tony Gel naquela época também chamou a atenção do prefeito de Caruaru. José Queiroz, já empenhado na construção da candidatura do empresário João Lyra Neto para sucedê-lo, procurou o radialista popular para uma conversa. Tony Gel os convidou para almoçar em sua casa, na Rua Pedro Jordão, em Caruaru. O prefeito levou, inclusive, uma ficha de filiação ao PMDB, contando que levaria o radialista ao seu partido. Entre uma conversa e outra, Queiroz convidou Gel para sair candidato a vereador por seu grupo político, certamente apoiando João Lyra para prefeito nas eleições de 1988. – Lá não há espaço para mim. Tem muita gente na minha frente, disse Tony Gel. – Não, mas espaço se conquista, retrucou José Queiroz. Conversaram muito durante o encontro. Mas, a resposta de Tony Gel foi negativa. José Queiroz e João Lyra Neto jamais poderiam imaginar que estavam, naquele momento, diante do principal adversário político nas muitas eleições que se repetiriam ao longo da história, em Caruaru. Também desconheciam, até ali, que Tony era sobrinho de Anastácio. Informação que confirmaram, no dia seguinte, com Zino Rodrigues. Muitos anos depois, ao comentar o fato, em entrevista à imprensa de Caruaru, Tony Gel disse que não aceitou a proposta porque “nunca viu verdade nos olhos de Queiroz”.
Quando começaram as discussões em torno da eleição de 1988, Tony Gel pensou em fundar um partido e sair candidato a vereador. Com sua popularidade, ajudaria a eleger pelo menos outros dois vereadores e formaria uma bancada com representatividade na Câmara. “Era um sonho mes-
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mo”, enfatiza. Além de ser, financeiramente falando, uma candidatura mais viável. O projeto, todavia, seria abortado em troca de outro ainda mais desafiador, pois, como previra seu tio Anastácio, ele começaria a se preparar para ser prefeito de Caruaru. Zino Rodrigues, todavia, não chegaria a ver o sobrinho disputar a eleição daquele ano. Aos 20 dias do mês de janeiro de 1988, faleceria, vítima de cirrose, ocasionada por esquistossomose. A mesma doença vitimou vários parentes de Anastácio, a exemplo de seu pai, Cícero Rodrigues e do famoso ceramista José Rodrigues, todos infectados pelas águas do rio Ipojuca. No mesmo mês, o Jornal Vanguarda iniciou uma série de entrevistas com as esposas dos pré-candidatos à Prefeitura de Caruaru. Enquanto Laura Gomes negava a postulação do marido Jorge Gomes, Mércia Lyra afirmava estar pronta para a campanha de João Lyra Neto. O favoritismo de Lyra na cúpula do PMDB irritaria o médico João Miranda. As principais lideranças do partido – com exceção de Fernando Lyra, que estava em Brasília, e do deputado João Lyra Filho – se reuniram na noite do dia dois de março de 1988, para discutir a composição de uma candidatura que representasse todas as correntes do PMDB, visando à convenção do partido. No entanto, a proposta de unidade, lançada por João Lyra Neto, foi rechaçada pelo suplente de deputado João Miranda. “Estou aqui apenas para informar que irei disputar com uma chapa de oposição”, disse, na ocasião, contrariando os colegas. Diante do constrangimento geral, o professor Mário Menezes sugeriu o encerramento da reunião. João Miranda se retirou abruptamente do local, em seguida. O discurso de Fernando Lyra anunciando sua desfiliação do PMDB foi a atração da convenção municipal do partido, em 27 de março, na Câmara Municipal. Em longo pronunciamento, o constituinte acusou os peemedebistas vinculados ao governo Sarney e antigos arenistas, hoje filiados ao PMDB, de “ratos que estão roendo sempre o patrimônio do povo brasileiro”. Contraditoriamente, antes de encerrar sua fala, repleta de elogios a Arraes, Jarbas Vasconcelos e José Queiroz, Fernando solicitou aos companheiros que não abandonassem o partido, prometendo estar presente no palanque da Frente Popular em Caruaru.
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Em clima de tranquilidade, 682 diretorianos votaram na chapa “Unidade”, reconduzindo João Lyra Neto à presidência do partido. Estava dada a largada para o início de sua campanha à sucessão do prefeito José Queiroz. Em meados de abril, uma notícia sacudiu a política caruaruense: Mércia Lyra se desligava da direção do Instituto do Servidor Municipal (INP) e do cargo de secretária do gabinete do prefeito José Queiroz, que ocupava desde janeiro de 1984. Mércia explicou seu afastamento das funções como “uma necessidade, devido ao fato de que irei integrar-me ao movimento político que já há no município e que conta com o apoio já não só de maioria do partido, mas também das bases, objetivando levar à convenção do PMDB, o nome do meu esposo João Lyra Neto, como postulante ao cargo de prefeito do município”. Após divergências e ameaças de rompimento, João Miranda deixava o PMDB, alegando não ter mais espaço no partido. “É uma questão de sobrevivência política”, afirmou. Miranda acusou a cúpula municipal do PMDB de pregar a democracia nos palanques e agir ditatorialmente a nível interno, com a imposição de nomes à convenção partidária. Garantia, ainda, sair sem mágoa ou rancor, o que não se via na prática. Candidato a deputado estadual por duas vezes e a prefeito de Caruaru, em 1982, Miranda tinha uma votação descrente em termos reais (comparando-se, proporcionalmente, ao crescimento do número de eleitores), mas ainda com expressivo número de votos no município. Após meses de “namoro” com o PDT do deputado Adolfo José, João Miranda anunciava sua filiação ao PMB e confirmava a candidatura pelo novo partido. Com um auditório lotado por cerca de 800 pessoas, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru deu início à campanha de 1988, realizando o primeiro debate entre os pré-candidatos à Prefeitura. Organizado pelo Diretório Central de Estudantes (DCE), o debate foi marcado por agressões. Participaram das discussões Adolfo José (PDT), João Lyra Neto (PMDB), João Miranda (PMB), Jorge Gomes (PMDB) e Tony Gel, agora filiado ao PTB. Eles responderam perguntas dos jornalistas e dos estudantes, sobre temas como educação, saneamento, saúde e o governo José Queiroz. Adolfo e João Lyra Neto polarizaram as atenções. Tony Gel era, dentre todos, o menos conhecido pelo eleitorado.
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Os ataques pessoais foram uma constante no debate. Na plenária, as “claques” gritavam e assobiavam, refletindo o clima de confronto polarizado entre adolfistas e peemedebistas. Um pouco antes, faixas do candidato Tony Gel motivaram briga entre o petebista Expedito Rodrigues e o universitário Gilson Milfont, atingido por um soco no olho. Um protesto quase geral formou-se quando Adolfo José acusou Fernando Lyra de ter apoiado um mandato de cinco anos para Sarney. João Lyra Neto, em réplica, afirmava ser mentira a acusação e lembrava a aliança de Adolfo, em 1982, com as “forças retrógradas e identificadas com a ditadura”, pelo fato de ter sido candidato com apoio de Drayton Nejaim. Tony Gel, ao observar que Fernando Lyra só entrara no então MDB porque chegou “atrasado” à Arena, ouviu em resposta a observação: “O PTB de Tony Gel é o mesmo partido de Jânio Quadros”. Mas a irritação tomou conta de Tony depois que dois universitários insinuaram que ele teria demitido os líderes da Associação dos Radialistas para evitar uma greve por melhores salários na Rádio Liberdade. “Não me confundam. Não sou perseguidor”, rebateu. Drayton continuava insistindo em sua candidatura, afirmando que “o PDS veio para ficar e terá candidatura própria a prefeito”. Nejaim confirmou presença na convenção do partido, como presidente da comissão executiva, afirmando que, após o ato, iriam escolher os nomes dos candidatos a prefeito, vice e para a Câmara de Vereadores, para a qual, segundo ele, já contava com 18 postulantes. Em clima de campanha eleitoral, o PDT realizou a sua convenção na Câmara Municipal, para a escolha da comissão executiva do biênio 88/89. No mesmo dia, sem faixas e num clima de absoluta tranquilidade, o PDS renascia em Caruaru após uma “hibernação” de quase seis anos, novamente com Drayton Nejaim em seu comando. José e Roberto Liberato participaram da “morna” convenção. Em entrevista à Rádio Cultura, Drayton confirmava sua candidatura, fazendo ácidas críticas ao governo José Queiroz e adiantando seu programa de governo. Era mais uma tentativa draytista de voltar a comandar os destinos de Caruaru. O prefeito José Queiroz, diante do confuso panorama político local, via-
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-se num dilema em sua ascendente carreira política: sair ou não do PMDB? A situação devia-se ao fato de Fernando Lyra ter abandonado o partido e estar filiado ao PDT. Engajado na campanha de sucessão, apoiando João Lyra Neto, Queiroz anunciava a vitória de João afirmando que a comunidade perceberia que com ele estava “o futuro” e com a oposição “o atraso, a corrupção, a muriçoca e a irresponsabilidade”. O ano de 1988 foi marcado pela promulgação da nova Constituição Brasileira. Em dois de junho, a Constituinte – por 328 votos contra 222, três abstenções e cinco ausências – fixou em cinco anos a duração do mandato presidencial e marcou eleições para 15 de novembro do ano seguinte. Em Caruaru, no mês de julho, começava a se definir o quadro das alianças partidárias para as eleições municipais, com o anúncio da coligação PDS/PTB/PFL. Reunidos no último sábado de junho, Drayton Nejaim e os deputados José Liberato (PFL) e Adolfo José (PDT) estabeleceram um prazo máximo – dia dois de julho – para Adolfo decidir se sairia candidato pela coligação. Liberato, no entanto, mudou de ideia, e comunicou sua decisão em apoiar uma aliança com o PTB, em que seu filho, Roberto Liberato, sairia vice na chapa encabeçada por Tony Gel. Drayton Nejaim era, naquela altura, um político enfraquecido. Só ele não queria reconhecer que já não era o mesmo. A bola da vez era o radialista Tony Gel e, consciente disso, o deputado José Liberato foi o primeiro político com mandato a apoiá-lo. Comprometeu-se inclusive a conversar com Drayton e lhe dar a sentença: aquele não era mais o seu tempo. Tony Gel era mais forte politicamente e uma candidatura de Nejaim não teria o êxito de campanhas passadas. A intenção de Tony Gel era disputar um cargo de vereador. Na sua mente, se perguntava como iria promover uma campanha para prefeito. Mas Luiz Lacerda tratou de posicionar o genro ao lhe dizer que o apoiaria se fosse candidato a prefeito. Nem vice, nem vereador. Ele teria que disputar a prefeitura. A candidatura do grupo de direita foi definida durante uma reunião na casa de Luiz Lacerda. Participaram daquele encontro Bibiu do Paraíso das Louças, Nabor Santiago, Antônio Severo (Cobrinha) e seu filho Zeca, o deputado estadual José Antônio Liberato e seu filho Roberto, os ex-vereadores Roberto Sales, Ad-
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jar Pereira e Rui Rosal, além de Tony Gel, Drayton Nejaim e o próprio Luiz Lacerda. Quando as cartas foram colocadas na mesa, não houve mais dúvida. Tony Gel liderava todas as pesquisas de intenção de votos. – Tá resolvido. Tony Gel é o candidato a prefeito. E eu serei candidato a prefeito em Riacho das Almas, disse Drayton na ocasião. Nejaim havia convidado Tony para ser seu vice desde 1986. Naquela reunião Tony Gel fez o mesmo convite para ele. Mas a dupla jamais foi formada. Drayton atendeu ao pedido de Luiz Lacerda e abriu caminho para a chapa com Tony na cabeça. Ele sabia que não teria chances de vencer aquela eleição. Além disso, devia favores ao empresário Luiz Lacerda e não se sentia no direito de recusar um pedido seu. Logo depois, Drayton recomendou a seus liderados na Câmara que apoiassem a coligação oposicionista. Enquanto isso, Adolfo José enfrentava um impedimento político a sua candidatura. Isso porque o ex-governador Leonel Brizola não permitiu que o PDT tivesse candidatura própria em Caruaru. A pedido de Fernando Lyra, coordenador nacional da campanha de Brizola à presidência. Para impedir que Adolfo, um forte adversário, concorresse diretamente com João Lyra Neto, Fernando Lyra fez a intervenção nos bastidores e garantiu a um público superior a 180 pessoas, no dia 27 de julho, que o PDT não teria candidato na cidade. A desagregação das bases pedetistas revelava o fundamento do aviso do ex-ministro. Na mesma noite, além de expor os motivos que o levaram a deixar o PMDB, Fernando Lyra acabou promovendo um ato de lançamento da candidatura de João Lyra Neto, convidando os segmentos a se engajarem na campanha. Fernando também criticou o “excesso” de confiança que estaria existindo entre os membros do partido. “Não porque estejamos duvidando da nossa vitória, mas pelo fato de que isto diminui a dedicação daqueles que estão engajados na luta”, disse. Impedido pela legenda, Adolfo estudava a possibilidade de disputar a Prefeitura pelo Partido Liberal (PL), em processo de formação no município, mas terminaria aceitando sair como vice na chapa encabeçada por Tony Gel. Anastácio diz que conversou com Adolfo, em Dois Riachos, zona rural de Caruaru, para convencê-lo a ser vice de Tony.
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A coligação oposicionista, denominada “Frente Pró-Caruaru”, receberia apoio do ex-governador Roberto Magalhães, do senador Marco Maciel e do empresário José Múcio – forças derrotadas na eleição de 1986. Clóvis Oliveira, um dos principais assessores do candidato João Miranda, dizia que ele não abriria mão da candidatura para ninguém, nem mesmo para seu “guru”, o governador Miguel Arraes. Citava ter pesquisa interna que apontava a liderança de Miranda e que era possível uma coligação com o PMDB, “mas em hipótese nenhuma ele confia, politicamente, em um dos membros do grupo Lyra, descartando uma coligação com o candidato que para ele foi imposto ao prefeito José Queiroz: João Lyra Neto”, disse o assessor. Como Adolfo não se decidia, a coligação PFL, PTB e PDS decidiu internamente lançar os nomes de Tony Gel e Roberto Liberato, como candidatos das oposições. A decisão foi tomada na residência do empresário Antonio Severo (Cobrinha). A coligação contaria com apoio do ex-prefeito Drayton Nejaim, do ex-deputado Roosevelt Gonçalves, do deputado José Liberato, componentes das bancadas do PFL e PDS, além de três dezenas de suplentes de vereadores. Em meio aos preparativos para as convenções que homologariam os nomes dos candidatos à Prefeitura de Caruaru, a notícia da morte do ex-vereador e ex-vice-prefeito Chico do Leite causou grande impacto nos meios políticos, apesar de o mesmo estar afastado há quase 20 anos da vida pública. Chico do Leite era considerado “um político de linha popular, sem ser propriamente de esquerda”, pelo vereador Souza Pepeu, seu contemporâneo de Partido Republicano, em 1963. Cassado por força do Ato Institucional nº 5, em julho de 1969, Chico deixou de participar ativamente da política. Considerado o mais duro golpe na democracia, o AI-5 deu poderes quase absolutos ao regime militar. Permitia ao Presidente da República cassar mandatos de deputados federais, estaduais e vereadores, além de suspender os direitos políticos, pelo período de 10 anos, de qualquer cidadão brasileiro. Na eleição de 1968, quando disputou o último mandato, Chico do Leite contribuiu, principalmente entre os eleitores da zona rural, para a vitória de Anastácio Rodrigues. Longe da atividade partidária, firmou-se na vida empresarial, no ramo de pneus, com a Borracharia Chico do Leite. Seu faleci-
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mento, no dia 10 de julho, foi lamentado por várias facções da política local.
Com um público estimado em milhares de pessoas, segundo registrou o Diario de Pernambuco, a Frente Popular de Caruaru (coligação do PMDB, PCB, PSB e PCdoB) realizou, no dia seis de agosto de 1988, a sua convenção partidária, no Espaço Cultural Tancredo Neves, reunindo expressões da política nacional, a exemplo dos deputados Fernando Lyra (PDT) e Roberto Freire (PCB), para a largada oficial dos candidatos João Lyra Neto, prefeito, e Jorge Gomes, vice, na sucessão municipal. Fernando Lyra surpreendeu o público com o lançamento da candidatura do prefeito José Queiroz a governador do Estado, em 1990. Se Leonel Brizola vencesse a disputa para a presidência, o grupo tinha certeza de que faria o governador e Queiroz era um dos nomes favoritos. Fernando também caracterizou a eleição de 1988 como o confronto entre “o progresso e o atraso”. Dias depois, por quatro votos a zero, Adolfo José era destituído do cargo de líder da bancada de seu partido na Assembleia, em mais um lance do confronto entre o deputado e a executiva estadual pedetista. Impedido de disputar o cargo pelo PDT e consciente da força de Tony Gel, Adolfo, que já estava com uma estrutura montada para ser candidato, aceitou disputar a vaga de vice na chapa encabeçada pelo radialista. Gel ocupou na política de Caruaru um espaço que estava vago, no final dos anos 1980. O desgaste dos Lyra, naquele período, também favoreceu a sua estreia na política e foi bastante explorado por ele ao longo da campanha. Grande líder do grupo, até então, Drayton Nejaim já não era mais um político influente na cidade. Foi esse hiato no campo da direita que fez com que Tony Gel se lançasse num pleito dos mais acirrados na História da cidade e adiante ocupasse o espaço em que outrora Nejaim reinou. Ele não se considera, no entanto, sucessor de Drayton e de nenhum outro político. “Drayton tinha seu espaço, seu estilo. Eu entrei pelo meio. O pessoal que votava em Drayton, no momento em que ele retirou a candidatura, votou comigo. E foi uma campanha fantástica”, comenta Tony Gel. Zino Rodrigues não viveu para ver Tony Gel candidato a prefeito, como
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ele e seu irmão previram dois anos antes. Anastácio Rodrigues, porém, desempenhou papel importante em sua campanha. “Anastácio ajudava, orientava. Ele se preocupava muito”, reconhece Tony Gel, que disputou a eleição de 1988 pelo PTB. A conquista do partido foi outra missão encabeçada por Anastácio Rodrigues. Nos anos 80 o diretório provisório do PTB, em Caruaru, estava acéfalo. Certo dia, o jornalista e empresário Zacarias Barreto convidou o colega jornalista José Torres para integrar a legenda. Convite aceito, dias depois Zé Torres, numa conversa informal com o jornalista Antônio Miranda, comentou que estava filiado ao PTB. – Zé Torres, pra que tu não te candidatas a prefeito de Caruaru? Interrogou Miranda. – Seria bom, né? Pra acabar esse lenga-lenga de Lyra/Drayton/Queiroz, retrucou Zé. Para surpresa de todos, Antônio Miranda escreveu uma notícia e enviou em primeira mão para publicação no Diario de Pernambuco – embora o fato não tenha alcançado grande repercussão. Algum tempo depois, Zé Torres (que foi assessor de imprensa do governo Anastácio Rodrigues), recebeu a visita do ex-prefeito. Anastácio foi ao seu encontro para sondar a possibilidade de conseguir a legenda do PTB para que Tony Gel disputasse a eleição. Zé Torres concordou, mas ressaltou que precisaria consultar Zacarias Barreto, quem de fato controlava o partido no município. Zacarias mostrou-se, inicialmente, temerário ao ceder a legenda, prevendo uma aproximação de Tony Gel com Drayton e seus aliados. O jornalista havia sido um dos integrantes do jornal Século XX, já citado neste livro, que tinha como foco principal fazer oposição ao então prefeito Drayton Nejaim. Entregar o PTB nas mãos de Drayton, portanto, estava fora de cogitação. Marcaram, então, um almoço na residência de Tony Gel. Anastácio, Zé Torres e Zacarias Barreto foram recepcionados pelo radialista e sua esposa, Miriam Lacerda, que, embora presente ao encontro, não participou das discussões. Miriam era avessa à política e, a depender de sua vontade própria, Tony Gel, naquele tempo, jamais teria entrado na política – a política, aliás, era tema que ela abominava. Depois de muita conversa e o solene compromisso de Tony em não se
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aliar aos draytistas, ficou acertada sua entrada no PTB para prosseguir com os planos da futura eleição. Nesse período, foi eleita nova diretoria do partido. Tony Gel assumiu a presidência e José Torres a vice. Durante a pré-campanha, Anastácio Rodrigues e Tony Gel foram a Recife, conversar com Hélio Seixas, que comandava o partido em Pernambuco. Na volta, Tony montou o diretório em Caruaru e passou a comandar as ações na cidade. Passado algum tempo, Zé Torres deixou Caruaru, atendendo a um pedido de seu amigo jornalista Eduardo Ferreira para trabalhar na editoria de Esportes da Folha de Pernambuco (pertencente ao empresário João Asfora). Logo, acabou se desligando dos acontecimentos políticos da cidade. Através dos jornais, tomou conhecimento do alinhamento político entre Tony Gel e Drayton Nejaim durante a eleição. Ato contínuo, encaminhou três ofícios: um para a direção do PTB, renunciando à vice-presidência e pedindo desligamento do partido; outro para o Juiz Eleitoral, comunicando sua desfiliação partidária; e o terceiro para o próprio Tony Gel, rompendo com ele por haver quebrado o compromisso mantido e feito aliança com Drayton. Zé Torres explica que tomou a decisão porque sempre combateu Drayton Nejaim, apesar de ele ter sido muito amigo de seu irmão, o jornalista Luiz Torres. “Pessoalmente, nunca tive nada contra Drayton. O meu posicionamento político foi sempre contrário a ele”, enfatiza. Ele disse ainda que Tony Gel nunca respondeu ao ofício. Todavia, em plena campanha eleitoral, Tony Gel e Zé Torres acabaram se encontrando casualmente. O então candidato a prefeito lhe disse, textualmente, na ocasião: “Super Zé, foi preciso fazer esse alinhamento. Me desculpe”. O jornalista diz que ainda hoje Tony se refere a ele com o tratamento de “Super Zé”. “Por quê, não sei dizer”, conclui. Apesar das dissensões, a missão de Anastácio estava cumprida e Tony Gel entrava com tudo na disputa.
As tentativas de volta à política, feitas por Anastácio depois de concluir
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o seu mandato de prefeito, em janeiro de 1973, foram todas fracassadas – principalmente por falta de lastro financeiro. Agora, ele via no sobrinho radialista a oportunidade ideal de promover uma nova liderança política em Caruaru, capaz de enfrentar seus antigos aliados, convertidos em inimigos. Crítico em relação ao processo eleitoral e sempre perfeccionista, Anastácio Rodrigues considerava a campanha de Tony Gel “fria”. Ele conta que fez interferências também no programa eleitoral da TV. O primeiro vídeo foi ao ar somente após os ajustes feitos por Anastácio. Uma das mulheres que integravam a equipe ficou impressionada com a experiência do ex-prefeito e chegou a sugerir que ele investisse numa agência publicitária. “Não tenho interesse”, esquivou-se de imediato. As críticas e o envolvimento direto na campanha – Anastácio também discursava no palanque – terminaram gerando conflitos. “Era um palanque acovardado e eu disse que palanque frio não ganhava a eleição”, recorda, taxativo. O desconforto maior para Anastácio vinha do fato de ver Tony Gel cercado pelos adversários que ele passou uma vida inteira combatendo: José Liberato e Drayton Nejaim. Anastácio jamais esqueceu o discurso que pronunciou num comício da Rua Alfredo Pinto. Nesta noite, centrou fogo contra a família Lyra. Em sua fala, repetiu um comentário ouvido no passado, do ex-prefeito João Lyra Filho. Certa vez, ao comentar sobre João Lyra Neto, o pai teria dito: “Eu gosto muito de João porque ele é frio e calculista”. As críticas continuaram. “E o velho Janoca, que vivia de sandália japonesa nos pés, de porta em porta, vendendo queijo?”, relembrou, citando João Soares Lyra, pai de João Lyra Filho, a quem criticava indiretamente. Um irado Anastácio continuou seu discurso. “E minha professorinha, Guiomar Lyra, sepultada em ‘caixotes’, construídos pelo prefeito Augusto Lucena, no Cemitério de Santo Amaro, em frente a uma poça d’água?”, questionou, sob olhares espantados de todos que assistiam à cena. Guiomar da Fonseca Farias Lyra, esposa de João Lyra Filho, havia falecido num hospital do Recife, na manhã de 24 de junho de 1972, aos 60 anos. O então prefeito Anastácio Rodrigues compareceu ao sepultamento e jamais esqueceu as condições simplórias em que a ex-primeira dama de Caruaru e sua professora nos tempos do Grupo Escolar Joaquim Nabuco, foi enterrada.
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– É aí que vão sepultar o poder moderador da família? Questionou, na ocasião, ao então Senador Marcos Freire. –Lamentável, Anastácio. Lamentável – disse Freire. As críticas terminaram ocasionando seu afastamento da campanha, em 1988. “Foi muito forte. O palanque tremeu. A assessoria disse que eu não participaria mais”, rememora Anastácio. Quando concluiu o discurso, ele comentou em alta voz que palanque frio não ganharia eleição. Em seguida, desceu. Ficou sozinho na Rua Alfredo Pinto, até que o então candidato a vereador Daimar Oliveira lhe deu carona até sua casa. Apesar dos atritos, Anastácio voltou a subir no palanque de Tony Gel, num comício na Rua Bahia, no bairro Divinópolis. Além das críticas ácidas em relação à família Lyra, o ex-prefeito era cobrado pelos assessores por se alongar nos discursos – fato que o chateava. Até Miriam Lacerda, esposa do candidato Tony Gel, chegou a pisar levemente no pé de Anastácio, pedindo que encerrasse sua fala, fato que o irritou profundamente. Com resistência de todas as partes, ele insistiu, pegou o microfone e discursou. No final, quase foi às tapas com o empresário Severino Soares, o Bibiu do Paraíso das Louças. A partir daí, não havia mais condição de manter-se na campanha. Triste e revoltado, Anastácio Rodrigues se afastou de vez do grupo que cercava Tony Gel. Dias depois, seguiu para Belo Horizonte, onde faria uma cirurgia de catarata. Os partidos PTB, PFL, PDS e PDT se aliaram sob a coligação denominada União Oposicionista de Caruaru. Nos primeiros dias da campanha, o candidato Tony Gel era acusado pelos adversários de utilizar a programação da Rádio Liberdade para fazer propaganda política em favor de sua candidatura. O foco principal era o programa Domingo no Sítio. A Frente Popular acusava o radialista de promover comícios para “aliciar votos” e pediu a impugnação de sua candidatura. O vereador Rui Lira (PMDB), presidente da Câmara Municipal, denunciava também o cancelamento do “Boletim da Câmara”, na emissora, acusando Tony Gel de “mentiroso” e “desonesto”, por haver cancelado o informativo, alegando que a suspensão fora solicitada pela Justiça. “O ofício do juiz dirige-se à Liberdade, pedindo que a mesma deixe de veicular propaganda política através dos radialistas Coroné Caroá, Teodorico Barreto e
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Paulo Sobral”, denunciou à imprensa. Rui Lira criticava a quebra unilateral do contrato com a prefeitura e dizia que Tony Gel suspendera o boletim com “medo das verdades que eu e o prefeito José Queiroz estávamos dizendo sobre sua pessoa”. Em fins de agosto, o Jornal Vanguarda noticiava pesquisa, feita pela Consultoria e Pesquisa do Recife (Corplan), apontando que João Lyra Neto tinha 52% das intenções de votos, contra 30% de Tony Gel – indicando uma provável vitória de João por mais de 20 mil votos de vantagem sobre seu oponente. João Lyra Neto e seus aliados realmente acreditavam numa eleição fácil. Ele citava que Tony Gel era “o mais fraco” de todos os opositores que seu grupo havia enfrentado em eleições municipais. Além disso, para ele, Tony não passava de um radialista e Caruaru merecia “um cidadão mais qualificado para governá-la”, dizia, de forma preconceituosa. Tony também era criticado pela ausência em debates promovidos pelas Faculdades caruaruenses, inclusive a de Direito, da qual ele era aluno. Na reta final, o governador Miguel Arraes decide se engajar na campanha de João Lyra Neto e participa de um grande comício de arrasto, no bairro do Salgado. Se os governistas acusavam Tony Gel de utilizar a Rádio Liberdade para fazer campanha irregular, o Jornal Vanguarda mostrava claramente que estava a serviço da campanha de seu proprietário. A observar pela manchete “O povo votará no melhor”, estampada na edição de 12 de novembro, que fazia o jornal mais parecer propaganda de campanha do que um meio de comunicação responsável. Os governistas acabaram conseguindo êxito nas denúncias contra a oposição. A Justiça Eleitoral determinou o cancelamento das transmissões das Rádios Liberdade AM e FM, por um período de 48 horas, por desrespeitar o disciplinamento da propaganda eleitoral, levando ao ar, fora do horário do guia, mensagens veladas ou diretas da candidatura de Tony Gel, seu gerente licenciado e genro do proprietário Luiz Lacerda. Quando as urnas começaram a ser abertas, na noite do dia 15 de novembro, revelaram grande surpresa. Contrariando as expectativas da Frente Popular e de dois institutos de pesquisa (Harrop e Cooplan), que previam uma vitória de João Lyra Neto por mais de 20% dos votos, a eleição de 1988 constituiu-se na mais acirrada dos últimos 30 anos.
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Nas primeiras urnas, Tony Gel conseguiu uma vantagem de 133 votos. Sobretudo quando foram apurados os votos do Salgado e da zona rural, o candidato oposicionista mostrava uma liderança que não era esperada pelos adversários. Adiante, João Lyra Neto começou a crescer, passando a primeira noite como vencedor, por 208 votos de vantagem. Os números apontavam que o vencedor chegaria à Prefeitura por pequena margem de votos. Apesar de tensa, a apuração fora tranquila, como no dia da eleição, mesmo com registros de boca de urna. Até a sexta-feira, dia 18, Tony Gel acreditava em sua vitória. A cada vantagem de João Lyra Neto em áreas consideradas de classe média, como os bairros Indianópolis, Petrópolis e trechos do centro, surgiam urnas do primeiro e segundo distritos da zona rural, nas quais Tony ganhava por larga margem. Pela primeira vez, uma eleição municipal contou com três lugares de apuração: o Clube Intermunicipal (zona 105), AABB (41ª zona) e Comércio Futebol Clube (zona 106), numa decisão do juiz eleitoral, José Carneiro de Farias, que desagradou tanto a imprensa como a Polícia Militar, que teve de deslocar soldados para a cobertura dos três locais, lotados por candidatos e fiscais de todos os partidos. Os deputados Adolfo José e José Liberato eram presenças constantes nas juntas apuradoras. Finalmente o resultado era revelado e João Lyra Neto vencia o pleito por uma diferença mínima de 80 votos. Em seguida, uma multidão de eleitores saiu pelas ruas do centro da cidade, comemorando ao som do “dá-lhe, João!”. Surpreendeu também a sua votação na área urbana, bem abaixo da previsão dos coordenadores da Frente Popular, que esperavam uma grande margem de votos – principalmente no bairro Centenário, onde Lyra venceu por menos de 30% dos votos. Também o candidato oposicionista não escondia sua decepção com os resultados da apuração, em algumas localidades da zona rural, principalmente no quarto distrito, onde a vantagem de Gel foi de apenas dez votos. Outra particularidade do pleito foi o fato de a pequena abstenção (cerca de 10% dos eleitores deixaram de votar), ter sido suplantada pelo número de votos em branco, principalmente para vereador, surpreendendo a todos os experts da política local. A Câmara era renovada em 70%.
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Drayton Nejaim, que não aceitou ser coadjuvante no processo político caruaruense depois de ter sido protagonista por quatro décadas, cometeu um erro estratégico. A convite dos irmãos caruaruenses Nunes, seus eleitores históricos (irmãos do ex-prefeito de Riacho, Ednaldo Nunes), aceitou ser candidato a prefeito no pequeno município de Riacho das Almas. A cidade foi emancipada através de seu esforço próprio enquanto deputado estadual. Tanto que um dos primeiros prefeitos de Riacho das Almas foi seu pai, Jayme Nejaim. Anastácio Rodrigues nunca esqueceu uma cena que presenciou nessa época, na residência de Justo Mota,um matuto de bom caráter, primeiro prefeito de Riacho das Almas, após a sua emancipacão. Durante as conversas, Jayme Nejaim confessou publicamente que, “Quando o Brasil rompeu relações diplomáticas com o eixo, eu vinha em alto mar com contrabando de armas”. Drayton o repeliu, dizendo ao pai que aquilo não era coisa que se dissesse de público. “Já disse, meu filho”, respondeu Jayme. O resultado da eleição de 1988 para Drayton foi decepcionante. Derrotado, ele sentiu a queda. Era o seu fim na história política de Pernambuco. Drayton exerceu forte liderança política em Caruaru por mais de três décadas. Seu poder não era apenas local, mas estadual. Quando uma figura está no poder, seus defeitos tendem a ser potencializados e com ele não foi diferente. A partir dos anos 80 os opositores aproveitaram a fragilidade política de Drayton e iniciaram um processo de desconstrução de sua figura em Caruaru; apontando-o como político sinônimo do atraso e da irresponsabilidade administrativa e como um homem desequilibrado, que fora capaz de torturar fisicamente a própria esposa. Longe do poder e vivendo na capital pernambucana, Drayton não tinha como se defender, tornando-se ainda mais vulnerável ao processo de total alijamento de sua imagem e legado. Tony Gel, que assumiu o espaço deixado por ele na política caruaruense, logo se tornaria o alvo principal de críticas e contestações dos grupos de esquerda – que sempre buscam uma figura para demonizar, como parte estratégica de sua manutenção no poder.
O clima de tensão, porém, não chegou ao fim após o resultado da eleição
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Tony Gel e Anastácio Rodrigues durante evento no Instituto Histórico de Caruaru
de 1988. Inconformado com algumas particularidades da votação, Tony Gel não aceitou a derrota e recorreu à Justiça. A oposição entrou com recurso junto ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE), através do advogado Glauco Gonçalves, pedindo a anulação do resultado de duas urnas impugnadas, em Terra Vermelha e no povoado do Rafael. A polêmica também envolvia duas urnas que estavam sendo apuradas no Comércio Futebol Clube, quando faltou energia e onde Tony Gel não obteve a votação esperada. No recurso, o advogado pedia uma eleição suplementar para as cinco urnas. Além disso, ainda estavam sub-judice 28 votos de parte de uma urna de Gonçalves Ferreira, cuja assinatura do presidente
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não coincidia em 28 cédulas. Os desembargadores do TRE indeferiram, por unanimidade, o recurso impetrado. Glauco Gonçalves, em entrevista ao Diario de Pernambuco, comentou o incidente no Comércio e lançou dúvidas para basear seu argumento. O advogado criticou o fato de o magistrado não ter recolhido os votos até a energia chegar. “Quando o problema da luz foi solucionado, as duas urnas deram uma estranha vantagem ao candidato do PMDB, o que nos causou certa desconfiança, já que em todas as outras urnas da secção nós estávamos levando nítida vantagem”, observou. O juiz José Maria de Carvalho comandava os trabalhos de apuração da 106ª zona eleitoral, quando faltou energia no Comércio Futebol Clube. Todas as rádios registraram o fato, afirmando que o magistrado havia determinado o afastamento de fiscais e repórteres das juntas apuradoras, à exceção dos vogais e escrutinadores. A seguir, pediu que os policiais militares cercassem a mesa onde havia apuração. No entanto, o deputado Adolfo José afirmava que alguém viu a troca de cédulas, durante a falta de energia. Enquanto isso, a rádio Liberdade insistia, ostensivamente, em não reconhecer o resultado da eleição, comunicando aos ouvintes que Tony Gel poderia ser prefeito de Caruaru. Por unanimidade, os seis desembargadores do Tribunal Regional Eleitoral julgaram improcedente o pedido de anulação das duas urnas que estavam sendo apuradas quando faltou energia. Por seis a zero, os desembargadores não aceitaram os argumentos do advogado Glauco Gonçalves, que pedia a anulação dos votos nas urnas que funcionaram em Terra Vermelha (seções 1ª e 81ª) e no povoado de Rafael (54ª). Em entrevista à Rádio Difusora, o prefeito José Queiroz anunciava a vitória da Frente Popular (39.519 votos para João Lyra Neto, contra 39.439 para Tony Gel) e disse que se confirmou o que a maioria do eleitorado disse nas urnas: “a vitória do melhor candidato”. A União Oposicionista não recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Vinte e cinco anos após a polêmica eleição, Tony Gel, hoje deputado estadual, comentou particularidades do pleito, em entrevista ao autor do livro. Ele disse que sua candidatura era “do povão” e por isso envolveu a massa. “Dos 100 mil votos disputados, acabei perdendo por 53 votos. Fechou em
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80, mas houve uma recontagem, depois que recorremos ao TRE e eles anularam 27 votos”, revela. Como desvantagem, ele cita a grande quantidade de votos anulados. “A maioria esmagadora dos escrutinadores era servidores públicos municipais e estaduais, escolhidos pelos juízes, e não era simpática à minha candidatura”, argumenta. Os chamados “votos marcados”, que consistiam em cédulas em que os eleitores escreviam mensagens do tipo “Tony Gel eu te amo”, outras com marca de batom ou mesmo aquelas cuja marcação não era feita no quadrado com o nome do candidato, mas ao lado dele, foram anuladas. “Você precisava fazer um X sobre o número. Muitas pessoas escreviam ao lado do quadrado. Era uma intenção de voto, mas foram todos anulados, de forma errada”, critica. Tony Gel reconhece que não contou com uma boa estrutura jurídica naquela campanha, o que também contribuiu negativamente. “O julgamento era feito da seguinte forma: o juiz reconhecia a intenção de voto para Tony Gel, mas os vogais discordavam. E eu perdia por dois a um. Perdia todas, porque os vogais não eram meus eleitores. Eu não tinha uma boa estrutura jurídica que deveria ter recorrido no momento da contagem desses votos. Foi uma campanha que cresceu muito e nós não tínhamos condição. Acabei perdendo por falta de estrutura”, avalia. Ele também jamais esqueceu a contagem das últimas urnas. “A eleição estava literalmente empatada. Quando se abriram as três últimas urnas, que os votos foram derramados sobre as mesas, as luzes do Comércio Futebol Clube se apagaram. Quando acenderam, eu perdi a eleição”, lamenta. Nenhuma dessas teses, contudo, se sustentou à época. Historicamente, pela falta de elementos razoáveis que as amparassem, jamais puderam ser levadas em consideração. Anastácio Rodrigues reforça o coro de fraude na eleição. “Preveni Tony Gel, ele não me ouviu. Perdeu porque não me ouviu. Toda intenção de voto em favor de Tony Gel era considerada nula. Sugeri uma estrutura jurídica. Eu sabia como funcionava o esquema”, argumenta. José Queiroz também relembrou as dificuldades e polêmicas que marcaram a eleição de 1988, em Caruaru. “A campanha foi muito radicalizada e muito pesada contra os Lyra. Não era propriamente contra mim. Mas, gra-
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ças a Deus, apesar do meu otimismo, que muitos criticavam, do aperto que foi a campanha, João Lyra Neto ganhou por 80 votos. Um episódio singular”, comenta. Sobre a contestação do resultado, ele disse que o apagar das luzes foi casual, negando a acusação de roubo. “Estavam contando as últimas urnas no Comércio Futebol Clube e as luzes se apagaram casualmente. E Tony Gel disse que roubaram, acusando o juiz de estar envolvido. Tudo calúnia da pior espécie”, afirmou. Queiroz também comentou o ciclo de alternância entre ele e João Lyra na administração de Caruaru. “João Lyra ganhou, começou o trabalho dele como prefeito e, felizmente, Caruaru só teve a ganhar. Porque das vezes em que nós nos alternamos, a prefeitura não pagou o ônus da desorganização nem do excesso de servidor ou de débitos. Foram 18 anos que nós nos alternamos. Um ciclo que considero importantíssimo para Caruaru”, destacou. O juiz Demóstenes Veras – que curiosamente ocuparia o cargo de vice-prefeito na chapa encabeçada por Tony Gel nas eleições municipais de 1996 – também comentou o acirrado pleito de 1988. “Presidi eleições quentíssimas em Caruaru, onde os Lyra brigavam contra Drayton Nejaim e onde se deu o pleito de 1988, disputado como uma guerra entre Tony Gel, simples radialista, e o poderoso grupo econômico dos Lyra”. Após a diferença de apenas 53 votos, num universo de mais de 100 mil eleitores, escreveu o magistrado, “Tony Gel saiu ‘atirando’ em todo mundo e dizendo que a justiça eleitoral tinha roubado o pleito, acusação que ele depois descartou, apontando apenas os escrutinadores, o que ainda não procedia”, escreveu em seu livro de memórias. Silenciada a polêmica, o mesmo juiz Demóstenes Veras presidia, em três de dezembro de 1988, no auditório da Rádio Difusora de Caruaru, a diplomação do prefeito João Lyra Neto, do vice Jorge Gomes, dos vereadores e dos quatro primeiros suplentes dos partidos e coligações. João Lyra Neto foi empossado prefeito de Caruaru na tarde do dia 1º de janeiro de 1989, em solenidade ocorrida na Câmara Municipal. Em seguida, participou do ato de transmissão do cargo na Prefeitura Municipal. Em seu discurso, João ratificou as promessas de campanha e prometeu iniciar o mandato “instalando mudanças na vida do povo da cidade e da zo-
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na rural”. O novo prefeito finalizou o seu discurso com as seguintes palavras: “Trabalho, seriedade e competência serão os fundamentos da gigantesca obra que Caruaru implantará nos próximos quatro anos”.
RETROSPECTO O ano de 1989 talvez possa ser apontado como o da retomada dos sonhos e da utopia da construção de um país democrático e menos desigual. Foi o ano da queda do muro de Berlim, que antecederia o fim da União Soviética e do comunismo; da morte de três mil manifestantes na Praça Celestial da Paz, em Pequim; do Prêmio Nobel da Paz concedido ao Dalai Lama; e da posse na presidência dos Estados Unidos do primeiro George Bush. No Brasil, foi o ano em que o especulador Naji Robert Nahas quase quebrou as Bolsas de Valores do Rio e de São Paulo; a Imperatriz Leopoldinense sagrou-se campeã do carnaval carioca; Odete Roitman revelou-se como a vilã das novelas das 8h; e o Brasil se classificou para a Copa de 1990 ao derrotar o Chile por 1 x 0. Mas nenhum outro fato foi mais relevante para os brasileiros do que a primeira eleição pelo voto direto para presidente da República. A anterior ocorrera em 1960 quando foi eleito Jânio Quadros. Ele governou menos de sete meses. Renunciou para tentar voltar como ditador nos braços do povo. Deu errado. A eleição de 1989 foi disputada por 22 candidatos - entre eles, Fernando Collor, Lula, Leonel Brizola, Mário Covas, Paulo Maluf, Ulysses Guimarães, Aureliano Chaves, Guilherme Afif Domingos, Roberto Freire, Enéas Carneiro e Fernando Gabeira. Em Caruaru, a Frente Popular se engajou de corpo e alma na campanha de Brizola, que teve como vice o deputado Fernando Lyra. Caruaru, mais uma vez, se destacava no cenário da política nacional. Fernando Lyra nunca teve ligação com o trabalhismo, tampouco com o brizolismo. Foi uma escolha que não levou em consideração a força eleitoral, mas a incontestável capacidade de articulação e pela confiança que Brizola depositava nele.
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Em “Daquilo que eu sei”, seu livro de memórias, Lyra contou que Brizola sabia que jamais seria eleito. Por isso, se recusava a ir a Minas, São Paulo e à Bahia. A convite de Fernando, ele aceitou ir até Caruaru. Só não imaginava que passaria na cidade de seu vice um dos maiores constrangimentos da campanha. Inicialmente, a chegada de Brizola estava prevista para as nove horas, mas ele só chegou a Caruaru perto de uma hora da tarde. Adversário dos Lyra e então coordenador da campanha de Collor no município, Tony Gel, derrotado por João Lyra Neto, um ano antes, na eleição para prefeito, coloriu, literalmente, com fotos, cartazes e camisas de Collor, a cidade, de um canto a outro, desde a Rua Preta, na saída do aeroporto, até o local onde Brizola iria fazer um comício. Caruaru mais parecia um reduto eleitoral de Fernando Collor. Para onde Brizola estendia a mão, o povo respondia acenando com a foto de Collor. Foi uma decepção. Brizola certamente esperava uma recepção mais calorosa, bem diferente dos gritos de “fora, Brizola” que ouvia na medida em que sua comitiva avançava em direção ao centro da cidade. O que mais teria intrigado Brizola era o fato de o prefeito João Lyra Neto, que estava ao seu lado, ser irmão do seu vice. Em determinado momento, ele perguntou: “Fernando, o prefeito aqui não é do nosso lado?”. O constrangimento era geral, embora não tenha havido hostilidade. O comício esvaziado contou com mais pessoas no palanque do que na plateia, obrigando o candidato a discursar se dirigindo mais aos correligionários do que ao povo. Brizola acabaria em terceiro lugar, na corrida presidencial. No segundo turno, apoiaria Lula contra Collor, mas sofreria outra grande derrota em Caruaru. Na época, disse que a candidatura de Fernando Lyra a vice foi um erro. “Eu pensei que Fernando era um nome nacional”, reclamou o líder trabalhista. Mesmo com todas as suas contradições, o “caçador de marajás” alagoano passou para o segundo turno, na votação de 15 de novembro, junto com Lula. Sarney cumpriu seu mandato até o fim. Fernando Collor de Melo, carioca de nascimento, ex-governador de Alagoas, tornou-se o primeiro presidente brasileiro escolhido pelo voto popular, desde Jânio Quadros, eleito quando ele tinha apenas 11 anos de idade. Collor obteve 53,03% dos vo-
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tos contra 46,97% de Luiz Inácio Lula da Silva. Lula tinha a eleição ganha. Perdeu no debate exibido pela TV Globo. Apesar das acusações de manipulação na edição do confronto, pela emissora da família Marinho, Lula entrou acovardado e com a aceitação de que era inferior. Collor o tratou como subordinado, e ele aceitou. O eleitorado caruaruense, em sua maioria, votou em Collor, apesar dos esforços da Frente Popular, cujos líderes apoiaram Lula no segundo turno. Tão logo recebeu a faixa presidencial de Sarney, em 15 de março de 1990, Fernando Collor começou a revelar a sua verdadeira face: no dia seguinte, anunciou um pacote econômico draconiano por meio de 20 medidas provisórias e três decretos. Com uma bala só, fez a moeda nacional voltar a ser o Cruzeiro, bloqueou por 18 meses os valores acima de NCz$ 50 mil (cruzados novos) depositados em contas-correntes e poupanças e extinguiu vários órgãos da administração direta e indireta, como a Funarte e a Embrafilme. A situação do primeiro presidente eleito após o processo de abertura política se tornaria cada dia pior nos dois anos seguintes. Em 1990, o eleitorado brasileiro voltaria às urnas para eleger governadores, senadores, deputados estaduais e federais.
JOSÉ QUEIROZ DECIDE SER CANDIDATO A GOVERNADOR Já nos primeiros anos, a administração do prefeito José Queiroz ganhou dimensões nacionais. Em 12 de janeiro de 1984, a TV Globo transmitiu, no telejornal “Bom Dia Brasil”, entrevista com o chefe do Executivo caruaruense, dando ênfase ao progresso observado em Caruaru no ano anterior, considerando-se a longa estiagem que atingia o Nordeste há cinco anos. A reportagem destacou que, diante do quadro de miséria e crise geral, a administração do prefeito José Queiroz, mesmo sendo oposição, estava vencendo a crise e colocando Caruaru como um fenômeno na região. Queiroz foi entrevistado em Brasília, na residência do deputado Fernando Lyra, que ocupava a primeira secretaria da Câmara Federal. O prefeito de Caruaru chamou a atenção ao citar como administrava o municí-
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pio em tempos de crise. Com trabalho simples, Queiroz conseguiu realizar um mandato exitoso, que repercutiu em Pernambuco e no Brasil. Entretanto, em 1988, quando se despediu do cargo, era apenas um prefeito do interior, sem uma assessoria que o incentivasse a galgar posições maiores, inclusive no Estado. Nesse período, já estava no PDT, a convite de Fernando Lyra, quando começou a participar das atividades do partido em Recife. Nesses encontros, Queiroz conheceu o jornalista Henrique Barbosa, que, à distância, acompanhava sua trajetória. Foi ele quem indagou ao ex-prefeito sobre a possibilidade de sair candidato a governador. – Por que você não é candidato a governador? – Rapaz, tu és louco? – Não, você tem todas as condições. Vamos fazer esse trabalho. Iniciou-se, então, a pré-campanha. Henrique Barbosa marcou uma série de reuniões. José Queiroz saía do Banco do Brasil às 13h. Sem almoçar, deixava Caruaru rumo à capital pernambucana, a fim de participar de encontros com 12 partidos de oposição. Também se reuniu com entidades como a Associação Comercial e a Federação das Indústrias de Pernambuco. As visitas foram se sucedendo e o nome de Queiroz ganhando força no cenário estadual. Quando completou 48 anos, no dia 30 de dezembro de 1989, José Queiroz lançou a candidatura ao Governo de Pernambuco, em sua festa de aniversário, no Hotel do Sol, em Caruaru, com mais de 300 convidados. Pela primeira vez uma candidatura a governador do Estado começava no interior. A campanha, inclusive, já estava nas ruas – embora fora do partido. Entre os convidados, estava o presidente do PDT em Pernambuco, Lamartine Távora (que Queiroz anunciou como amigo e não como presidente do partido), além da família Lyra. As presenças do deputado federal Fernando Lyra, do deputado estadual João Lyra Filho e do prefeito João Lyra Neto minimizaram os boatos em torno do rompimento entre Queiroz e os Lyra, depois que João o sucedera na Prefeitura de Caruaru. Os discursos foram rápidos e cada um procurou ser o mais descontraído possível. Fernando Lyra lembrou momentos marcantes da carreira de Queiroz e ressaltou os laços de amizade entre os dois. Também reforçou que
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não havia rompimento. Embora estivessem unidos em torno da candidatura de Queiroz, nos bastidores o clima não era tão amigável. Àquela altura, José Queiroz já havia rompido com os Lyra na prática, sobretudo ao negar apoio a João Lyra Neto nos primeiros meses de seu governo (assunto que será ampliado no próximo capítulo). Durante a festa de lançamento da candidatura de Queiroz, João Lyra Neto foi mais cauteloso. Disse, em entrevista, que o tempo e o encaminhamento da candidatura diriam se os boatos estavam desfeitos. E o tempo mostraria que não. A candidatura de José Queiroz ganhou força entre a população de Caruaru, associações de bairro, secretários de governo e profissionais liberais. Todavia, era preciso ganhar força dentro do PDT. Por enquanto, era apenas uma vontade do próprio candidato e um movimento pró-Queiroz, nas ruas, com abaixo-assinados e em contato com a sociedade civil. Acontece que Jarbas Vasconcelos também era candidato, o que tornava o projeto de José Queiroz inviável. Foi quando os partidos o chamaram para uma conversa e colocaram as cartas na mesa. Se os dois saíssem candidatos, a esquerda se dividiria e perderia a eleição. Além disso, os partidos entendiam que a vez era de Jarbas. Entendendo que Jarbas Vasconcelos tinha a preferência e que uma provável divisão beneficiaria a direita, Queiroz retirou a candidatura. Em seguida, cogitou-se a possibilidade do ex-prefeito ser o vice na chapa de Jarbas Vasconcelos. Mas ele afirmou que seria candidato a deputado federal. Queiroz não queria ser vice-governador. Seu temperamento dinâmico e ação de trabalho seriam limitados no cargo. Na verdade, ele aguardava uma posição de Jarbas Vasconcelos, que lhe pediu um tempo até poder apresentar uma posição definitiva. Em poucos dias, Jarbas lhe fez uma proposta: o convidou para sair candidato a senador em sua chapa. Inicialmente, Queiroz hesitou. Depois de manter uma ampla avaliação e análise de sua postulação, junto à Frente Popular de Pernambuco, o ex-prefeito de Caruaru aceitou entrar na disputa. Foi incentivado inclusive pelo líder de seu partido, Leonel Brizola. Era a primeira vez que um caruaruense pleiteava um cargo majoritário no Estado. A decisão de Queiroz foi anunciada no escritório político
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[1] Em 1988, os candidatos João Lyra Neto e Jorge Gomes fazem campanha apoiados pelo prefeito José Queiroz e pelo exprefeito João Lyra Filho [2] Anastácio gostava de confraternizar com os funcionários do IPSEP [3] O deputado Tony Gel observa Anastácio dialogando com superiores [4] Agência do IPSEP, no centro de Caruaru [5] Anastácio e Tony Gel: tio e sobrinho nem sempre se entenderam politicamente
de Jarbas Vasconcelos, o “Debate”, na Ilha do Leite, em Recife. João Lyra Neto e Fernando Lyra participaram do evento. O lançamento da candidatura de José Queiroz ao Senado aconteceu no início de junho de 1990, no Teatro João Lyra Filho, em Caruaru. Jarbas Vasconcelos, o candidato a vice Paulo Coelho, o ex-governador Miguel Arraes, os deputados estaduais Fernando Pessoa e João Lyra Filho, e os deputados federais Fernando Lyra, Roberto Freire e Cristina Tavares participaram do ato – que destacou a importância, para o Agreste, em ter, pela primeira vez na história, um Senador. Com o slogan “O senador da gente”, o ex-prefeito José Queiroz disputou uma vaga no Senado tendo como suplentes o deputado federal constituinte Marcos Queiroz, eleito em 1986, e o economista Mucio Novaes, executi-
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vo do setor privado. A marcha da campanha, intitulada Vamos com Queiroz, era uma composição de Onildo Almeida, em ritmo de frevo: O senador da gente é Queiroz O senador do povo é Queiroz Vamos gente, vamos povo Vamos todos nós, Que o senador da gente é Queiroz A candidatura de José Queiroz ao Senado era, para muitos, uma piada. Afinal, era o embate entre um prefeito do interior contra uma figura ilustre da República, Marco Maciel. Disputando apertado e com inúmeras di-
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ficuldades, Queiroz se dedicou à campanha de corpo e alma. “Jarbas trabalhava de um jeito e eu de outro”, recorda. Faltava, inclusive, material. “Mais de 20 cidades em Pernambuco não conseguiram ver uma foto minha”, reclama Queiroz. “Onde eu chegava, ia marcando minha presença. Diferente de Jarbas, ia visitar as ruas. Ele ficava num lugar e eu ia para outro. Eu vinha no meio do povo e ia para o palanque. Era o meu estilo, como faço hoje”, descreve. Próximo da eleição era evidente que Queiroz não ganharia aquela disputa. Na data do pleito, os jornais anunciavam que Marco Maciel seria eleito com uma diferença de 20 pontos. “Um negócio para derrotar qualquer um que estivesse disputando apertado”, analisa José Queiroz. Quando abriram as urnas, o resultado foi outro. Queiroz perdeu a eleição e contestou os números, fazendo muito barulho através da imprensa. Marco Maciel (PFL) obteve 910.802 votos contra 840.866 dados a José Queiroz (PMDB), conforme dados do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco. O resultado contrariava as pesquisas Ibope e Datafolha, que apontavam Marco Maciel com 48% das intenções de voto contra 25% de José Queiroz. Apontando fraude no processo, o ex-prefeito de Caruaru recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral, mas a denúncia não ganhou respaldo jurídico. “Foi uma agonia. E até hoje eu tenho guardado, só como lembrança histórica, como eles ganharam a eleição”, cita. José Queiroz afirma que para uma ação ser julgada, naquele tempo, contra um político influente como Marco Maciel, teria que ter contratado um dos mais caros advogados da nação. Ele passou a exigir a recontagem dos votos, apontando erros em 10.407 urnas e arguindo a suspeição do presidente da Comissão de Apuração. O ponto central dos argumentos estava, segundo Queiroz, na “contaminação do sistema de computação”, com a adulteração de boletins de urnas. Ele condenou também a postura do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco, ao recontar apenas 23 urnas. “É minimizar um grave problema, encobrir uma prática delituosa e ensejar a sua repetição em futuros pleitos. Aliás, como de costume”, acusou, em entrevista à imprensa. A ação foi encaminhada ao TSE, mas nunca foi julgada. “Foi a primeira
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eleição em que os juízes pegavam os resultados e encaminhavam os boletins de urna para o local de apuração, próximo ao antigo Terminal Rodoviário, onde foi feita a totalização dos votos. O pessoal descobriu e me denunciou. Foi quando eu fiz um barulho infernal”, revela Queiroz. Durante a apuração, José Queiroz apareceu algumas vezes na liderança, de modo que algumas pessoas passaram a acreditar em sua vitória. Em seguida, oscilava. “Por exemplo, 212 a 94, sobravam 80 brancos e vinha o total de nulos. Os brancos subiam e Marco Maciel subia para 174. Quando nossos advogados descobriram, foram mais de 12 mil urnas que levamos ao TSE, mas nunca foi julgado”, explica. José Queiroz diz que foi durante a apuração que descobriu que Marco Maciel havia ganhado a eleição manipulando o resultado. Tese que não foi comprovada pela Justiça Eleitoral e que, portanto, não pode ser afirmada como verdade. “Foi ótimo porque eu voltei em 1992 para ganhar com 80% dos votos”, considera, relembrando a segunda vez em que se elegeu prefeito de Caruaru. Nas eleições de três de outubro de 1990, Tony Gel foi o deputado federal mais votado da História política de Caruaru, até então, obtendo 54.324 votos. Nesse período, ele deixou o PTB e estava filiado ao PRN, o partido de Fernando Collor. Como a população clamava por mudanças, inclusive na política, Fernando Lyra, filiado ao PDT, conquistou apenas 17.234 sufrágios, sendo derrotado naquele pleito. Apenas o vice-prefeito Jorge Gomes foi eleito deputado estadual por Caruaru, com apoio do prefeito João Lyra Neto. A união entre Jorge e João Lyra era tão afinada nesse período que o prefeito defendeu a candidatura de seu vice, tirando do páreo o próprio pai, João Lyra Filho, que queria disputar um novo mandato. José Antônio Liberato e Adolfo José disputaram a reeleição, mas não conseguiram manter suas vagas na Assembleia Legislativa; o que refletia o desejo da população na renovação de seus representantes. Joaquim Francisco do PFL derrotou Jarbas Vasconcelos do PMDB, tornando-se governador de Pernambuco. O PT, que optou por uma candidatura própria, ficou em terceiro lugar com Paulo Rubem Santiago. Jarbas Vasconcelos fez uma campanha com problemas e divergências em
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relação a Miguel Arraes. Após a derrota, jarbistas culparam Arraes, afirmando que ele demorou a declarar apoio e não teria se esforçado na campanha. O governador contestou, afirmando ter rodado “mais de 60 mil quilômetros”. Para piorar, o PSB havia lançado uma chapinha proporcional, o que levou à não reeleição de históricos do PMDB. “Jarbas dizia que Arraes estava indiferente à sorte dele. E não era verdade. Eu estava acompanhando tudo. Eram apenas dificuldades políticas que tinha havido”, defende José Queiroz. Na eleição municipal de 1992, Jarbas daria o troco. Rejeitaria Eduardo Campos na sua vice para a Prefeitura do Recife. Arraes, então, lançaria o neto candidato a prefeito. Jarbas venceu fácil. O rompimento político e pessoal definitivo viria em 1994, quando Jarbas apoiou Gustavo Krause, candidato do PFL, ao governo. Dessa vez, Arraes venceu com facilidade. Antes, afirmou que Jarbas havia escolhido “o caminho da perdição”, ao se aliar à direita, criando a “União por Pernambuco”. Por ter sido o deputado federal mais votado nas eleições de 1990 em Caruaru, Tony Gel indicou os ocupantes da totalidade dos cargos de confiança dos governos estadual e federal com atuação regional e sede na cidade. Em 1991, no governo de Joaquim Francisco, Anastácio Rodrigues assumiu o cargo de agente do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Pernambuco (IPSEP), na agência de Caruaru, por indicação de Tony Gel. Muitas foram as atividades por Anastácio desenvolvidas durante esse período. Ele acredita que o governo Joaquim Francisco possibilitou uma fase de ouro ao IPSEP. A autonomia com que administrou a unidade de Caruaru fez com que sua administração fosse considerada a mais profícua entre as 23 agências do Estado, segundo a apreciação do Dr. Heraldo Borborema, então presidente do IPSEP. Anastácio Rodrigues tomou posse como Agente do Instituto em Caruaru no dia 22 de abril de 1991, perante autoridades e pessoas convidadas. Ele foi nomeado pela Portaria n° 343, de 15 de abril de 1991. Na administração anterior, a Autarquia não dava ao servidor – que era o sustentáculo maior da instituição – o retorno devido. A moeda do IPSEP era exatamente a contribuição de 2% dos vencimentos, para usufruir de assistência médica, dentária e hospitalar, mas nem a isso o servidor tinha direito. O contribuinte em atividade, aposentado ou pensionista, para ser inter-
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nado numa Casa de Saúde, em Caruaru, teria que pagar do próprio bolso, para si ou para seus dependentes. Segundo Anastácio, o dinheiro era descontado do contracheque, mas não havia o retorno. E os contribuintes do Estado e das prefeituras conveniadas “viviam ao Deus dará”. Com trabalho e organização, auxiliado por uma equipe de funcionários, Anastácio inaugurou na Autarquia uma sala de vacinações; firmou convênios com as casas de saúde Bom Jesus e Santa Efigênia; aumentou o número de médicos credenciados; promoveu palestras sobre medicina preventiva, saúde e doenças, numa sala que ele implantou para palestras, conferências, reuniões e acontecimentos festivos; também deixou o arquivo e almoxarifado organizados. Após a implantação de novos serviços, a demanda aumentou consideravelmente. A Agência de Caruaru foi a primeira do Estado a receber computador para sua informatização. Foi também classificada entre as demais como agência modelo. Anastácio, perante o olhar do Secretário Heraldo Borborema, apresentava os relatórios de produtividade da Agência de Caruaru. Também gostava de comemorar datas festivas, como Natal e São João, com os funcionários. Depois de quatro anos de trabalho, antes de deixar o cargo, Anastácio registrou em uma mensagem aos servidores: “Será que o IPSEP de hoje é o mesmo de ontem? Honestamente, cremos que não! Não queremos dizer que tudo está às mil maravilhas, reconhecemos, mas algo foi feito em benefício de todos. A preocupação dos que fazem a Casa do Servidor, nos dias atuais, tem sido ampliar, melhorar e traçar planos para o amanhã, tendo como objetivo visado o contribuinte, vez que o bem comum deve ser o farol do homem público e a razão de ser dos que pensam num mundo melhor”. Em 17 de janeiro de 1995, Anastácio Rodrigues encaminhou ofício ao Sr. Otávio Maia, presidente do IPSEP, contendo relatório conclusivo de sua gerência à frente da Agência Caruaru. No texto, também agradeceu à equipe de trabalho que lhe ajudou “de forma positiva na recuperação da imagem do IPSEP”. O relatório destacava tópicos como a interiorização da saúde; atendimento médico, preventivo e ambulatorial; atendimento médico-dentário; internamento pediátrico; credenciamento de novos ambulatórios, campanhas de vacinação e campanhas educativas.
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Em 1º de fevereiro de 1995, enviou comunicado à presidência do IPSEP, informando que passara a administração da Agência Caruaru ao chefe do setor administrativo financeiro, o qual aguardaria o substituto. Deixou a função “de cabeça erguida e certo do dever cumprido”. Na Câmara Municipal de Caruaru, um antigo adversário apresentou Voto de Aplausos e Congratulações a Anastácio Rodrigues, pelo trabalho realizado na agência do IPSEP, durante os quatro anos em que ocupou a função. “Coordenar atividades de órgãos públicos requer absoluta competência, procedimento que sobra quando se fala de Anastácio Rodrigues, homem público que de forma denodada dirigiu os destinos de Caruaru, quando serviu à comunidade na qualidade de Chefe do Poder Executivo”, escreveu o então vereador José Carlos Rabelo. Também em 1994, Anastácio Rodrigues fez sua primeira viagem ao exterior – depois que recebeu judicialmente quantia devida pelo Governo Federal, resultante do achatamento de sua aposentadoria. Ele havia processado o governo João Baptista Figueiredo e quando tomou conhecimento de que vencera a causa, disse a si mesmo que estava garantida a viagem. Foi receber o dinheiro acompanhado pela filha, Virgínia, e iniciou os preparativos para o tour pela Europa. O trajeto incluía visitas a Portugal, Espanha, França, Itália, Inglaterra e Alemanha. Em terras lusitanas Anastácio passou por Lisboa, Coimbra, Óbidos e Fátima. E lembrou-se de Álvaro Lins durante roteiro religioso em Nazaré, onde o crítico literário caruaruense estivera, tempos antes. Na capital portuguesa, aproveitou a noite para assistir a um show de fado e jantar no A Severa, restaurante típico, que é a Casa de Fados mais antiga de Lisboa, inaugurada em 1955. Na Espanha, passeou por Madri e Valência. Visitou Florença e Roma, na Itália e sentiu forte emoção ao assistir à missa e comungar no Vaticano. Anastácio também ficou fascinado por Veneza, onde dançou valsa ao som de uma orquestra que tocava durante o dia. Não largou a máquina fotográfica nem mesmo na hora da dança. Registrava cada momento com entusiasmo. “Nestas cidades você respira arte e história”, descreve. Em Londres, Anastácio tomou o chá das cinco e conferiu de perto os encantos de Paris. A viagem também incluiu visita a Berlim, na Alemanha (pa-
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ra onde Anastácio retornaria quatro anos depois). Durante os passeios, ele aproveitava para alimentar seus conhecimentos culturais. “Eu conheço os maiores museus do mundo”, afirma. Nas três vezes em que viajou ao exterior, Anastácio foi sozinho. Mas logo se entrosava aos grupos que o acompanhava, formados por agências de viagem. “É muita emoção. Foi um presente que Deus me deu”, avalia, enquanto exibe os três álbuns fartos de imagens que eternizaram aqueles momentos.
A decadência de Fernando Collor teve início quando seu irmão, Pedro Collor de Melo, em entrevista à revista Veja, denunciou a existência do esquema PC– uma rede de corrupção administrada por Paulo César Farias, tesoureiro de campanha do presidente e, segundo Pedro, seu “testa de ferro”. O cerco foi se fechando dia a dia para o presidente. Uma CPI foi instalada para apurar as denúncias. O Congresso, como poucas vezes na História, se uniu para deletar Collor da cadeira presidencial. O relatório da CPI incriminou o presidente. As manifestações em prol da ética na política tomaram conta do país. Os jovens pintaram os rostos de verde e amarelo e foram às ruas. Uma manifestação em São Paulo reuniu meio milhão de pessoas. O pedido formal do afastamento do presidente foi apresentado ao Congresso em 1º de setembro, por uma comissão integrada pelos presidentes da Associação Brasileira de Imprensa, Barbosa Lima Sobrinho e da OAB, Marcelo Lavenère. Paulo César Farias foi enquadrado em nove artigos do Código Penal. Enfim, em dois de outubro, Collor recebeu a notificação de seu afastamento por 180 dias, para que respondesse ao processo de impeachment. O vice, Itamar Franco, assumiu interinamente a presidência. O impeachment nasceu nas ruas e entrou no Congresso. Em Caruaru, duas importantes passeatas ocorreram, nos dias 21 e 25 de agosto de 1992, organizadas por uma comissão pró-impeachment, formada por membros do Sindicato dos Comerciários, Sindicato dos Urbanitários, Sintepe, Sinpro, Sindiserpe, Associação dos Marceneiros e partidos como o PT, PPS, PCdoB e PC. As duas passeatas levaram às ruas centenas de manifestantes, a maioria
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ligados às entidades participantes, além de políticos e autoridades, como o prefeito João Lyra Neto, o deputado estadual Jorge Gomes e o candidato a prefeito pelo PDT, José Queiroz. A cidade estava novamente na vanguarda dos grandes movimentos populares do país, a exemplo do que já havia ocorrido com o movimento das “Diretas Já”. Em 29 de setembro de 1992, a Câmara dos Deputados aprovou, por 441 votos, o afastamento de Collor – o primeiro presidente eleito por voto direto após o regime militar e o único deposto por um processo de impeachment no Brasil, até então. Único parlamentar caruaruense no Congresso Nacional, o deputado Tony Gel votou contra o impeachment. Os adversários enxergaram naquela posição o fim de sua carreira política. Tony Gel explica que apoiou Collor por questão de coerência. “Eu era vice-líder do partido e Collor gostava muito de mim. Eu dizia em todos os lugares que ele era meu amigo e ele que eu era um dos melhores amigos que ele tinha no Congresso Nacional”, ressalta. Além de ir de encontro à opinião pública, Tony Gel não via motivos sérios para cassarem o presidente. “Na verdade, eram bobagens. O que derrubou Collor foi a falta de habilidade dele com o Congresso. Não gostava de atender os políticos. A mim ele atendia, porque gostava de mim, mas a maioria, não. Houve erros, mas, moralmente, eu não tinha condições de votar contra ele”, argumenta. Somente em dezembro de 1993, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou a cassação do mandato de Fernando Collor. Itamar Franco assumiu o cargo até o final do mandato, em 1994. Nesse ano, Collor foi absolvido no Supremo Tribunal Federal (STF) do crime de corrupção passiva, por falta de provas. Em 2006, foi eleito senador por Alagoas, sendo reeleito para o mesmo cargo em 2014. PC Farias foi condenado pelo crime de falsidade ideológica e, em junho de 1996, foi encontrado morto, junto com a namorada, em uma casa de praia, em Maceió.
Ao assumir a Prefeitura de Caruaru, em 1989, João Lyra Neto concluiu a construção do Mutirão, projeto habitacional de longo alcance social, ini-
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ciado por seu antecessor. O novo prefeito concluiu as 300 casas inacabadas deixadas por Queiroz e construiu mais 200. O empreendimento foi a base para o surgimento do bairro Vila Padre Inácio. Para dinamizar o setor turístico, construiu o autódromo, que recebeu o nome de Ayrton Senna. No setor educacional, ampliou o Colégio Municipal Álvaro Lins, concluindo 13 salas de aula e dobrando o número de vagas, além de construir as escolas Agamenon Magalhães e Deputada Cristina Tavares. Seu governo promoveu 115 km de saneamento em diversos bairros da cidade e construiu postos de saúde nos bairros Santa Rosa, Indianópolis, São Francisco e Cohab III. Também implantou a Caravana da Saúde, levando assistência médica à população da zona rural, e doou ao Governo do Estado as edificações do antigo Hotel Caruaru, para que fosse implantado o Hospital Regional do Agreste. No período, mais de 23 mil famílias carentes foram isentadas do pagamento do IPTU. A infraestrutura foi beneficiada com a construção de praças e mais de 400 mil metros quadrados de calçamento. Em sua primeira gestão, a cidade também foi contemplada com a construção da Ceaca, beneficiando atacadistas e produtores rurais de todo o Estado. A última e principal obra, todavia, foi a transferência da tradicional feira de Caruaru do Centro para o Parque 18 de Maio. O espaço foi adaptado, com a construção dos mercados de carne e farinha, 156 lanchonetes, estacionamentos, iluminação e pavimentação. João Lyra também autorizou a construção de uma passarela sobre o rio Ipojuca, ligando o Parque 18 de Maio ao local da antiga feira. Após a transferência, o Centro foi urbanizado, com a restauração da praça Coronel João Guilherme e as ruas 15 de Novembro e Sete de Setembro. Ao final do governo, João Lyra Neto deixou o seu nome marcado na história político- administrativa de Caruaru, despedindo-se da prefeitura com alto índice de aprovação. Como a lei vetava a reeleição, o nome de José Queiroz era o mais aclamado para sucedê-lo no governo municipal. A eleição de 1992 seria atípica, em todos os sentidos. Queiroz, favorito e quase unânime, desbancou todos os aspirantes ao cargo. Sem um adversário a altura, elegeu como alvo o próprio João Lyra Neto.
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O ano de 1992 foi marcado pelo rompimento político entre José Queiroz e a família Lyra. Um episódio que permanece até
hoje no imaginário da população de Caruaru, ainda mais por nunca ter sido superado verdadeiramente por ambas as partes. Muito menos, esclarecido. Exatamente 20 anos após as divergências entre Anastácio Rodrigues e os Lyra, Queiroz se voltava contra os líderes que forjaram a sua vida pública. Mas, com uma diferença: ao contrário de Anastácio– que, se pretendeu tornar-se uma liderança isolada ou mesmo formar um grupo político independente, teve sua pretensão sufocada –, José Queiroz puxou o tapete dos Lyra naquele ano, deixando-os sem palanque, marginalizando as lideranças tradicionais do PMDB no município e construindo a própria máquina política. Pela primeira vez, os Lyra não tiveram candidato. Em setembro de 1991, o ex-prefeito José Queiroz, que estava sem mandato, uma vez que perdera a eleição para o Senado, um ano antes, assumiu um posto no primeiro escalão do Banco do Estado do Rio de Janeiro (Banerj), a convite do governador Leonel Brizola. O cargo, em nível de diretoria, era subordinado diretamente à presidência do banco. Queiroz trabalhava durante a semana no Recife e viajava às quartas-feiras para o Rio de Janeiro – dia em que havia reunião da diretoria. Para assumir a função do Banerj, o ex-prefeito foi colocado à disposição pelo Banco do Brasil, pois, sendo funcionário público federal, tinha o direito de licenciar-se para atender ao chamado de qualquer governo de Estado brasileiro. Antes de assumir o cargo, ele deixou Leonel Brizola consciente de que ficaria na diretoria do Banerj apenas por um ano. Em agosto de 1992, se desligaria para iniciar a campanha à Prefeitura de Caruaru, uma vez que sua candidatura era quase uma unanimidade eleitoral. O ex-prefeito João Lyra Filho gostava de fazer feira e, certa vez, em encontro com o advogado e bancário Genival Silva, contou-lhe que, depois que José Queiroz assumira um cargo na direção no Banerj, “ficou metido a besta”. Genival, que era também professor da Faculdade de Direito de Caruaru, comentou o fato com Anastácio Rodrigues, que ficou de orelha em pé. Sabia que algo estranho estava acontecendo. Afinal, José Queiroz sempre fora a menina dos olhos da família Lyra, especialmente de João Lyra Filho. Na inauguração do Parque 18 de Maio, Fernando Lyra teria feito elo-
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gios públicos a Anastácio, durante sua fala. O jornalista José Torres lhe telefonou para contar o fato. “Inimigo não elogia outro”, comentou o ex-prefeito, em tom de suspeita. No mesmo dia, à tarde, Anastácio ouviu pelo rádio a solenidade de inauguração da Central de Abastecimento de Caruaru (Ceaca). Os políticos de esquerda estavam presentes, inclusive José Queiroz. Outra vez, elogiaram Anastácio e ignoraram Queiroz. Estava explícito o clima de discórdia. As diferenças entre José Queiroz e a família Lyra, embora não seja do conhecimento de muitos, teve início ao longo do exercício do primeiro mandato de João Lyra Neto, iniciado em 1989. Durante a gestão, alguns estremecimentos geraram diferenças profundas entre ambos, até que o rompimento ocorresse. Inexperiente, João Lyra Neto assumiu o governo com dois grandes desafios: substituir um prefeito aprovadíssimo pela população e enfrentar uma oposição ferrenha. Além de tudo, precisava criar o seu estilo próprio de governar. Tudo ao redor eram dificuldades e o primeiro ano da administração foi dificílimo. Em entrevista ao autor do livro, Lyra Neto rememorou as dificuldades iniciadas no período eleitoral, até o rompimento com Queiroz. “Foi uma eleição duríssima. Votaram 96 mil eleitores e eu ganhei por 80 votos. O candidato adversário era Tony Gel, que tinha uma penetração muito grande através do rádio e me fez uma oposição muito dura. O primeiro ano foi muito difícil, por duas razões: pela oposição muito forte e por suceder um prefeito muito aprovado”, explicou. O ex-prefeito argumenta que substituir um governante bem aprovado é sempre difícil. “Você tem que criar o seu estilo próprio de governar. Se você vai se sair bem, só é julgado no final do governo”, acredita. No segundo semestre de 1989, João Lyra Neto decidiu colocar as cartas na mesa e convidou José Queiroz para uma reunião, em Recife. Seu irmão, Fernando Lyra, também testemunhou o encontro. Na conversa com Queiroz, João Lyra disse que precisava de seu apoio para governar com tranquilidade. O que ouviu como resposta não foi nada agradável. “Ele foi muito duro comigo. E me disse: ‘Olhe, João, a sua administração não tem mais solução e a sua família também não tem mais solu-
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ção. É um caso perdido’. A partir dessa reunião, em outubro de 1989, eu me convenci de que precisava continuar sozinho, ir para a rua e trabalhar para me afirmar como prefeito e como liderança política”, revela. Uma das medidas adotadas pelo então prefeito João Lyra Neto, após a reunião, foi substituir os secretários que haviam sido indicados por José Queiroz para compor a administração. Na visão de Lyra, o afastamento fez com que mudasse de comportamento, fosse mais proativo e não esperasse por mais ninguém. “Foi o primeiro grande desentendimento que eu tive com Queiroz. De lá para cá, nós tivemos permanentemente divergências. Às vezes estamos juntos, às vezes separados. Temos idas e vindas na relação”, destaca. Chefe de gabinete do Palácio do Campo das Princesas durante os nove meses em que João Lyra Neto ocupou o cargo de governador de Pernambuco, Rubens Júnior é seu assessor desde o primeiro mandato de prefeito. Com propriedade de quem conhece bem o assessorado, Rubens comentou particularidades da desavença entre João e Queiroz, que se arrasta até os dias atuais. Fazendo uma analogia com o percentual de aprovação de José Queiroz ao deixar a prefeitura, Rubens comentou que o desenlace foi motivado “86% por ele [Queiroz] achar que era Deus e que João Lyra Neto não poderia fazer nada sem consultá-lo, porque ele sabia tudo e João Lyra, nada. Ele se sentia o gestor-mor da cidade”. Rubens Júnior entende que, após a eleição de 1988, dois grandes líderes passaram a ocupar o mesmo espaço e, segundo ele, José Queiroz não entendeu nem aceitava a nova realidade. “Ele criou uma áurea de incontestabilidade. E o governo de João Lyra não foi de contestação, mas de avanço”, argumenta. Um caso de bastidor revela como estavam os ânimos entre os dois políticos, naquele momento. Quando assumiu o cargo, João Lyra Neto teve dificuldades para conseguir algumas linhas telefônicas para repartições importantes da prefeitura. Uma delas era a Fundação de Cultura, que não contava com ramal algum. Mesmo tendo se despedido do governo, José Queiroz mantinha funcionando em sua própria casa uma das poucas linhas telefônicas em nome da
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Prefeitura de Caruaru. João Lyra Neto lhe telefonou, comentou a dificuldade em conseguir um telefone para a Fundação de Cultura. Mediante a indiferença de Queiroz, o prefeito informou-lhe que iria mandar retirar a linha de sua casa, pertencente ao município, para instalá-la na Fundação. Depois disso, a desavença foi inevitável. Em 1992, quando José Queiroz foi eleito para o segundo mandato de prefeito, houve um ensaio de entendimento. João Lyra Neto e Fernando Lyra chegaram a participar de alguns comícios, a exemplo do que aconteceu no bairro Centenário. Mas as relações já vinham estremecidas. O clima era estranho e a campanha terminaria assim. Quando Queiroz iniciou o mandato, o estremecimento prosseguiu. No dia 27 de março de 1992, o deputado Jorge Gomes deixou o PDT e se filiou ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), de Miguel Arraes. O médico afirmou que já vinha estudando a mudança há um ano, pois a legenda lhe oferecia “mais liberdade de ação”. O PDT já era presidido pelo próprio José Queiroz, no Estado, centralizando o trabalho de articulação política no partido. Jorge disse também que seu ingresso no PSB não significava um rompimento com as lideranças do PDT, uma vez que os partidos marchariam juntos no pleito que se aproximava. Em 18 de maio, Caruaru comemorava 135 anos e o prefeito João Lyra Neto transferiu a feira livre da cidade para o Parque 18 de Maio. Uma ação esperada há décadas por grande parte dos caruaruenses. A transferência era um marco histórico para a cidade e proporcionou melhorias significativas no aspecto urbanístico do centro comercial do município. No mês seguinte, uma pesquisa apontava um índice de 92% de aprovação do prefeito. Apesar de os vereadores peemedebistas e a comissão executiva do diretório municipal definirem que em qualquer circunstância a condução natural do processo sucessório estaria inicialmente nas mãos do prefeito João Lyra Neto, Queiroz convidou o presidente do partido, Mário Menezes, para saber qual seria a posição do PMDB naquela eleição. Filiado ao PDT, José Queiroz costumava repetir que faria a campanha “do seu modo” e lançou a própria candidatura sem conversar com o grupo político. Acontece que Queiroz, antes mesmo da convenção, era apontado pelas pesquisas com um favoritismo de 80%. Sua vitória era tão certa que o deputa-
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do federal Tony Gel, candidato natural da oposição, não quis disputar o cargo, para evitar um natural desgaste. Premido pelas circunstâncias, o PMDB, por sua vez, não insistiu em lançar candidato próprio e coligou com o PDT. Em clima aparente de festa, as candidaturas de José Queiroz e Demóstenes Veras Filho para prefeito e vice, respectivamente, foram homologadas em convenção multipartidária, no dia 23 de junho, na Câmara Municipal. A coligação reunia os partidos PMDB, PPS, PSB, PSDB, PCdoB e PDT. Apesar das inúmeras tentativas do ex-deputado José Antônio Liberato, os maiores partidos de oposição a nível municipal – PFL e PRN – não se dispuseram a enfrentar o ônus de defender, em palanque, as frágeis performances administrativas do governador Joaquim Francisco e do presidente Fernando Collor. Este fator, mais a reconhecida aprovação pública da administração João Lyra Neto, com consequente respaldo à candidatura José Queiroz, inibiam as pretensões eleitorais do grupo político alijado do poder municipal há uma década. O cenário era, portanto, totalmente favorável a José Queiroz. Coube aos partidos nanicos apresentarem candidatos, com chances também pequeninas de êxito. O PT lançou Luiz Costa, Osman Bezerra (Maninho) saiu candidato apoiado pelos partidos PST e PDC, enquanto Daimar Oliveira representava a oposição, através da coligação PFL e PRN. Mesmo não sendo candidato, o deputado Tony Gel era alvo dos adversários naquela campanha, acusado de integrar o listão do esquema PC Farias que resultou no impeachment de Collor. Tudo começou quando o irmão de Paulo César Farias, o deputado federal Augusto Farias ameaçou colocar a boca no trombone e divulgar uma lista com os nomes de pelo menos 100 políticos ajudados por processo, nas eleições de 1990, como parte de um projeto do governo para ampliar sua base de sustentação no Congresso Nacional. O articulador das conversas teria sido o ex-ministro da Justiça, Bernardo Cabral, que serviu de intermediário entre PC, Collor e a maioria dos políticos coadjuvantes. Em 22 de junho, a Folha de São Paulo publicou reportagem em que Augusto Farias teria revelado, em conversas mantidas com políticos aliados ao governo, vários nomes da lista, inclusive o de Tony Gel. Segundo a publicação, Pernambuco e Paraná foram os dois Estados onde a ajuda eleitoral de PC correu mais solta. A notícia surgia exatamente no
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calor dos acontecimentos, poucos dias antes de as lideranças políticas, sindicais e entidades saírem em passeata pelas ruas da cidade, de cara pintada, pedindo o impeachment do presidente Fernando Collor. Em setembro, quando teve início o programa eleitoral, na televisão e no rádio, as diferenças entre José Queiroz e João Lyra Neto se acentuaram. Nas manhãs dos dias 8, 9 e 10, o prefeito João Lyra Neto esteve na Rádio Difusora de Caruaru, sempre às 6h20min, para contestar as versões do guia eleitoral da Unidade Popular, sobre a realização de obras de sua gestão. Lyra afirmou que não entendia a linha política adotada pela coordenação da campanha, que desconhecia totalmente a sua administração e fazia insinuações contendo críticas a seu governo, nos mais diversos setores, como urbanização, o Mutirão e a transferência da feira. João Lyra afirmou que, durante a gestão, não deixou de reconhecer as obras de todos os prefeitos que passaram por Caruaru, especialmente as obras de seu antecessor, José Queiroz. Disse também ter estranhado não só a omissão de suas realizações, como também as afirmativas de obras que foram concluídas ou realizadas durante sua administração e acabaram atribuídas à gestão anterior, comandada por Queiroz. O programa eleitoral da Unidade Popular, na visão de Lyra Neto, transmitia uma imagem de que houvera uma paralisação dos trabalhos durante os seus quatro anos de mandato, que tudo fora realizado na administração anterior e o restante seria feito na próxima. O guia noticiou, por exemplo, que Queiroz iria urbanizar o loteamento Sol Poente, quando 70% do local já estava urbanizado. Outro problema era o Mutirão, obra iniciada por José Queiroz – que adquiriu o terreno e iniciou a construção das primeiras 300 casas, mas sem concluir. João Lyra Neto conseguiu 30% de todo o material utilizado na área, através do Banco de Material da Cohab. O Governo do Estado implantou, através da Celpe, rede elétrica no local, mas foi a prefeitura que deu condições aos proprietários de instalarem energia elétrica nas casas, além do sistema de abastecimento d’água. A gestão João Lyra Neto concluiu as 300 casas e construiu mais 200. O Mutirão recebeu o nome de Vila Padre Inácio e foi entregue no dia 15 de setembro de 1990. Outra problemática estava relacionada à transferência da feira da Rua
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Quinze de Novembro para o Parque 18 de Maio. Quando assumiu a Prefeitura de Caruaru, João Lyra Neto encontrou várias obras erguidas na gestão de José Queiroz, na área do Parque 18 de Maio – o antigo Campo de Monta, que Anastácio conquistou junto ao governo Nilo Coelho. No entanto, após profunda análise, várias outras obras se tornaram necessárias antes da mudança, feita por João Lyra, mas apresentada no guia da Unidade Popular como sendo tarefa de José Queiroz. Também irritou o prefeito João Lyra Neto a forma jocosa e agressiva como foi perguntado a um cidadão pela equipe de reportagem: “O que seria necessário para tirar Caruaru deste abacaxi?”. O prefeito concluiu seu pronunciamento dizendo que era necessário resgatar a História e acrescentou: “Para que possa brilhar a estrela de qualquer pessoa, não precisa apagar o brilho de outras”. Na opinião de João Lyra Neto, o mais grave naquele processo era que as distorções dos fatos administrativos estavam sendo levantadas pelo programa eleitoral de um candidato que tinha o seu apoio. A assessoria de imprensa da campanha publicou, em seguida, nota afirmando que o prefeito dispunha de espaço para divulgar seu trabalho, ao que Lyra reagiu: “O objetivo da minha contestação não é aparecer no guia eleitoral, e sim estabelecer as verdades dos fatos administrativos”. Em entrevista para este livro, João Lyra Neto revelou sua insatisfação com o direcionamento da campanha. A grande controvérsia, segundo ele, estava no fato de que, até então, ele apoiava a candidatura de José Queiroz e participava da eleição. “Não me sujeitei àquela agressão e me retirei da campanha. Ele, como tinha uma referência muito forte, se elegeu prefeito”, afirma. O rompimento político pegou a muitos de surpresa. Mas, nos bastidores da campanha, já era algo esperado. Em entrevista ao Jornal Vanguarda, o deputado Jorge Gomes, já filiado ao PSB, revelou: “Os que conhecem melhor o processo político e eleitoral de Caruaru sabem que a campanha de Queiroz não apenas se distanciou do prefeito como o trata como um adversário”. Para Jorge, na ausência de um grande adversário, o guia eleitoral de Queiroz tratava o prefeito, em tese seu aliado, como o principal inimigo. “A linguagem é dura, inflexível, bem ao estilo de Queiroz, contra João Lyra, cuja administração teve e tem a aprovação da grande maioria dos caruaruen-
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ses. Desta forma, fica difícil entender a agressão”, disse Jorge ao semanário. O então deputado foi além e soltou o verbo: “Ele [José Queiroz] tem vocação para imperador, está acima dos pobres mortais de Caruaru e ainda cuida de preparar um sucessor da coroa, apresentando o filho Wolney para vereador, atropelando muito candidato com história de trabalho pela comunidade”. A fala de Jorge Gomes revelou o cenário de discórdia que envolvia as principais lideranças da Unidade Popular em Caruaru: “Ele [José Queiroz] superestima sua capacidade de liderança. Acha até que houve uma parada no tempo, entre sua administração e a próxima que vai assumir. João Lyra parece ter sido, no entender do presidente do PDT, um episódio sem qualquer expressão na vida administrativa de Caruaru. Tanto que no seu guia tem insistido que todas as grandes obras do município foram feitas em sua administração”. Jorge Gomes chegou a ser Secretário de Saúde na primeira administração José Queiroz, durante sete meses e revelou porque não permaneceu no cargo: “Nossos métodos não combinaram, mas não é por isso que chamo atenção para seus equívocos. Na verdade, todos os que conviveram ou convivem com Queiroz se surpreendem com sua arrogância. Difícil é entender por quê. Não temos nele nem a sombra do carisma de um Arraes, por exemplo, e que, no entanto, nada tem de arrogante. É pena que uma liderança tão expressiva se estrague pela vaidade”. Em entrevista para este livro, Jorge Gomes relembrou o episódio. Para ele, o rompimento não parecia ter uma conotação política, mas pessoal. “Não havia uma conotação política colocada. Parecia questão de ocupação de espaço. A divergência começou na própria campanha de Queiroz. Eu era vice-prefeito e, por lealdade, fiquei ao lado de João. Chegamos a ir a três ou quatro eventos apenas”, afirma. Mas, a verdade é que as desavenças em nada interferiam na popularidade de Queiroz. Uma pesquisa divulgada pelo Jornal do Commercio, em setembro, mostrava que o candidato a prefeito da Unidade Popular tinha 82% das intenções de votos, enquanto os adversários Luiz Costa (PT) e Maninho Bezerra obtiveram, cada um, 2% e Daimar Oliveira (PFL/PRN) apenas 1%. A administração do prefeito João Lyra Neto foi considerada boa ou ótima
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[1] Em 1992, a feira de Caruaru deixou a Rua Quinze de Novembro e foi transferida para o Parque 18 de Maio [2] Vista aérea do Campo de Monta, atual Parque 18 de Maio, importante conquista do governo Anastácio, onde está localizado a casa da Cultura José Condé
por 79% dos caruaruenses, ao passo que 77% do eleitorado considerava o governo Fernando Collor péssimo ou ruim. Também repercutia negativamente na cidade a entrevista do deputado Tony Gel à imprensa pernambucana, antecipando que seu voto no Congresso Nacional seria contra o impeachment de Collor. Como justificativa, Tony não argumentou inconsequência nas acusações ou fragilidade de provas contra o presidente. Perseguindo o objetivo de ver concluídas as obras de Jucazinho, o deputado afirmou que não votaria contra Collor pelas verbas
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necessárias à construção da barragem. Os adversários repercutiram a declaração de Tony Gel, afirmando que trocara o seu voto. “O povo de Caruaru está envergonhado de ter seu único representante no Congresso Nacional acusado de vender o voto”, declarou Jorge Gomes à época, ressaltando que Tony Gel estava a serviço de um presidente que tinha o repúdio da quase totalidade dos brasileiros. “Que Tony Gel esteja relacionado com esse esquema não surpreende. Mas o que ele não pode é comprometer a população que o elegeu”, acrescentou o de-
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putado estadual. Sem a polarização que caracteriza os pleitos municipais em Caruaru, o programa eleitoral de 1992, dos quatro candidatos, possuía um nível razoável, na análise de publicitários locais. De uma maneira geral, não havia interesse em apresentar propostas à população. Os candidatos apelavam mesmo para o populismo, com pequenas variações. José Queiroz, por exemplo, louvava a moralidade administrativa e o desenvolvimento, e anunciava que iria combater o desperdício de dinheiro público. Na reta final da campanha, o prefeito João Lyra Neto voltou a fazer um importante pronunciamento, transmitido em cadeia pelas emissoras Difusora e Cultura do Nordeste, no qual rompia o silêncio em relação aos conflitos entre ele e José Queiroz. Afirmando que “política se faz com lealdade”, Lyra Neto procurou situar sua posição com relação ao candidato do PDT. Num discurso que evocava a história do grupo político ao qual ambos pertenciam, João Lyra comentou: “Algumas vezes o povo não nos entendeu. Foi assim em 1976, quando José Queiroz foi derrotado nas eleições municipais. Em 1982, novamente com Queiroz, só conseguimos chegar à Prefeitura com a soma dos votos de duas sublegendas. Quando votamos em Brizola, no primeiro turno das eleições presidenciais de 1989 e em Lula, no segundo turno, novamente a maioria do eleitorado de Caruaru se enganou votando em Collor de Melo, o mais corrupto dos corruptos deste país. E o povo de Caruaru está vendo, ainda mais claramente agora, que cometeu o engano de eleger Tony Gel, deixando de reconduzir Fernando Lyra à Câmara dos Deputados”. Adiante, João Lyra Neto lamentou a falta de diálogo do futuro prefeito (exatamente a mesma crítica que faria em 2012, quando decidiu não apoiar Queiroz nas eleições municipais que o reconduziram para o quarto mandato na Prefeitura de Caruaru): “Embora reafirme o meu apoio a José Queiroz devo dizer que desde o início da campanha e até antes de ela começar, não houve o menor diálogo, a menor conversa. Nem comigo, nem com os políticos que sempre formaram o mesmo conjunto que faz política há mais de trinta anos. Inclusive ouvi do candidato José Queiroz, por quatro vezes, esta afirmação: ‘Esta campanha eu vou fazer como quero’.
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Nem eu, nem ninguém teve espaço para dizer qualquer coisa. Recentemente, no Diario de Pernambuco, edição de 14 deste mês, o candidato deu entrevista e disse: ‘O guia eleitoral é meu, quem manda nele sou eu. Não aceito interferência de ninguém. João não tem que ficar pensando em aparecer’. Foi um grave equívoco dele não ter dado espaço para discordar. A discordância é natural e necessária porque ninguém faz política só. Política é atividade solidária. Política é somar. Política é lealdade”, alfinetou. Voltando à análise da história política de Caruaru, João Neto lembrou, inclusive, Anastácio Rodrigues: “Foi um trabalho árduo, de trinta anos. Muita luta e muito suor. Mas, conseguimos um êxito indiscutível, um sucesso que nos orgulha e orgulha Caruaru: João Lyra Filho, Anastácio Rodrigues, José Queiroz e a minha administração mostraram ao povo quem é que tem compromisso com a seriedade”. As críticas a José Queiroz foram retomadas adiante: “Fizemos José Queiroz candidato a prefeito em 1976. Sofremos e choramos juntos sua derrota. Fizemos a sua campanha para prefeito em 1982, colaboramos na sua administração e o seu sucesso sentíamos como fosse o nosso sucesso. Fizemos aqui, em Caruaru, a sua campanha para o Senado em 1990. Falar quem mais fez um pelo outro me deixa extremamente desconfortável, porque não foi assim que construímos um relacionamento de 30 anos. É preciso, ainda, restabelecer a verdade. E mais, não permitir que prospere a mentira, a intriga, a falácia... Não é verdade que eu não quis participar da campanha. Caruaru inteira viu: participei de comícios, caminhadas e estive três vezes no guia eleitoral. Entretanto, foram acontecendo fatos com os quais eu não poderia concordar, por uma questão de dignidade e diante dos quais eu não poderia calar. Quem consente, calado, diante do erro e da mentira é, no mínimo, cúmplice do crime. E Caruaru sabe que eu não sou assim. Mas, vamos aos fatos... Gravei três vezes para o guia, cerca de três minutos, cada vez. Na primeira fala, fui cortado. Colocaram no ar só 30 segundos. Recentemente, necessitando esclarecer fatos apontados no guia contra minha administração e o trabalho de minha equipe, tentei através da coordenadora de propaganda um espaço para falar no guia e este espaço simplesmente me foi negado. Enquanto isso, o candidato José Queiroz cobrava minha presença em praça pública e di-
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zia que o meu lugar ali estava garantido, em clara contradição com os fatos. Nunca pedi para que fossem mostradas minhas obras. Nem discuti com o candidato nada relacionado com fitas ou reportagens. Até porque Caruaru sabe do meu trabalho e o aprova em mais de 80%. Desde que comecei a fazer política em 1966, participei ativamente de 13 campanhas, a maioria delas como coordenador. Justamente quando sou prefeito da cidade e se escolhe o meu sucessor, fui grosseiramente obrigado a ficar de fora. E da maneira mais arbitrária”, desabafou. O rompimento entre José Queiroz e a família Lyra soava para alguns como uma espécie de troco pelo que ocorrera no passado com Anastácio. Muita gente interpretou que, em relação à encrenca com a família Lyra, Anastácio estava vingado. Magoado, o vereador Zino Rodrigues, irmão do ex-prefeito, costumava reclamar: “Anastácio, está demorando demais”. Este respondia: “Não tenha pressa, isso é questão de tempo”. Os ressentimentos, neste caso, tinham um motivo que se arrastava anos a fio. Não se tratava apenas de pessoas rancorosas, mas de uma mágoa não superada, porque surgira, na mente de Anastácio, sem um motivo que a justificasse. “Eu apenas lamento o desenlace, porque eu gostava de Seu João [Lyra Filho]”, revela. Para quem se considerava inocente e traído, a hipótese de desforra era algo mais do que previsível – ainda que não partisse dele. “Na eleição de 1992 os Lyra não tiveram candidato, nem palanque. Zé Queiroz puxou tapete deles. Eles pagaram o que fizeram comigo. Não formei grupo, fui fiel aos projetos que defendi em praça pública”, desabafa Anastácio. Quando puxa da memória episódios como esse, Anastácio não esconde as mágoas. “Eles pensavam que eu tinha alguma pretensão política. Eu não tinha. Você só mantém liderança se tiver dinheiro. Eu nunca pensei nisso, porque eu fazia parte do grupo [Lyra]. Fazer o que Zé Queiroz fez com João Lyra? Eu não fiz isso com ele. Zé Queiroz fez. Eu agi com decência, com correção. Porque eu não admitia que Drayton voltasse ao poder, como ele voltou. Aí foi o grande erro. Drayton derrotou Zé Queiroz, em 1976. Mas, se o candidato fosse Anastácio, eu não teria perdido a eleição. Eu gostaria de ter disputado com Drayton Nejaim na praça pública para derrotá-lo”. Uma fonte entrevistada para o livro e que pediu para não ser identificada, comentou a correlação e o distanciamento entre os Lyra, Anastácio Rodri-
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gues e José Queiroz. “Queiroz puxou o tapete dos Lyra para não ser mais um Anastácio, que eles quiseram manipular e depois destruíram”, argumentou. Como já era esperado, o candidato da União Popular de Caruaru, José Queiroz de Lima foi o vitorioso na eleição municipal de três de outubro de 1992, obtendo 58.502 votos. Em segundo lugar, ficou Osman Bezerra (PST /PDC) com 8.878 votos; Daimar Oliveira obteve 2.912 votos, enquanto o petista Luiz Costa foi o último colocado, com 2.576 votos. 14.744 eleitores votaram em branco e 8.389 anularam os votos. A eleição municipal em Petrolina trouxe uma boa notícia para os caruaruenses: a volta à Câmara Federal de Fernando Lyra, suplente da Frente Popular de Pernambuco. Fernando retornaria ao Congresso Nacional no dia primeiro de janeiro de 1993, quando da posse de Fernando Bezerra Coelho na Prefeitura de Petrolina. Fernando Lyra iniciou sua carreira política no ano de 1966, elegendo-se deputado estadual em Pernambuco. Conseguiu a primeira eleição como deputado federal em 1970. No ano seguinte, esteve entre os fundadores do Grupo Autêntico do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), sendo reeleito nos anos de 1974, 1978, 1982 e 1986. No Congresso Nacional, coordenou a candidatura de Tancredo Neves à presidência da República, em 1985. Foi Ministro da Justiça e membro da Comissão de Sistematização da Assembleia Nacional Constituinte. Em 1989, foi candidato a vice-presidente da República, na chapa de Leonel Brizola, terceiro colocado na disputa vencida por Collor em segundo turno. Nas eleições de 1990, Fernando Lyra não conseguiu renovar o mandato, ficando na primeira suplência. Após a eleição de 1992, Jorge Gomes voltou a condenar o rompimento entre Queiroz e João Lyra Neto. “Não somos daqueles que defendem a gratidão acima de tudo, mas me parece visível que o prefeito eleito estava contando os minutos e amealhando os pretextos para quebrar sua ligação com quem o lançou na vida pública, não tanto para servir melhor, mas para alimentar sua imensa vaidade e ambição”, criticou. Para Jorge, Queiroz já havia rompido há muito não apenas com a família Lyra, mas com antigos companheiros, na ilusão de que se transformara num grande líder estadual. “Queiroz é tão ingênuo que acredita que a vota-
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ção que teve para senador foi toda por conta de seu talento. Não foi. A votação dele, como a de Antônio Farias e Mansueto de Lavor, antes foi uma decorrência do conjunto de forças que o apoiou.” O médico também chamou a atenção para o fato de José Queiroz ter sido eleito sem um adversário de peso. “Para quem tem vocação de unanimidade silenciosa e submissa, não se pode dizer que foi uma grande vitória. Por isso, não tem sentido ele agora sair por aí apregoando seu rompimento, sugerindo tentativas de prejudicá-lo dentro das forças que o apoiaram.” A última edição do Jornal Vanguarda no ano de 1992 trouxe como manchete a aprovação do governo João Lyra Neto por 95,3% da população. Lyra anunciava uma prefeitura sem débitos e com 1,1 bilhão de cruzeiros em caixa – um saldo inédito na História da cidade. Queiroz foi empossado prefeito pela segunda vez, juntamente com seu vice, o médico Demóstenes Veras, às 17h do dia primeiro de janeiro de 1993, em sessão solene na Câmara Municipal, presidida por seu filho, Wolney Queiroz, que estreou na política elegendo-se vereador naquela eleição. O novo prefeito considerou “boa” a performance administrativa de João Lyra Neto e frisou que votaria novamente nele, apesar das divergências políticas, caso o quadro político de 1988 fosse repetido em 1996. Antes disso, Lyra transmitiu o cargo a Queiroz. Ambos se cumprimentaram e João Lyra deixou o local aplaudido pelos presentes, ao som do “dá-lhe, João!”, o grito de guerra de sua primeira campanha. Estava claro o clima de discórdia e as diferenças iriam se acentuar adiante. Em entrevista ao Jornal do Commercio, Lyra Neto voltou a comentar o rompimento. Desta vez, levantando a bandeira da paz. “Tivemos divergências na campanha, mas, pelo menos de minha parte, elas estão superadas”, disse. Mesmo assim, João revelou que o motivo do racha teria sido o “ciúme” e voltou a criticar Queiroz: “Ele lançou-se candidato sem nenhuma discussão com o nosso grupo e me disse, pessoalmente, que iria fazer a campanha ao seu modo. A linha da política era esta: ‘José Queiroz fez, José Queiroz vai fazer’. Era como se a nossa administração não existisse. Além disso, ele começou a abrir espaços no guia eleitoral para adversários nossos. Eu discordei dessa orientação, pedi uma revisão de rumos, mas não fui atendido. Afastei-me do processo e comecei a ser alvo de críticas por parte dele”, argumentou.
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Ao final, deixou um recado ao novo prefeito: “Espero que ele reveja muita coisa que disse a meu respeito e que use um pouco de humildade para fazer autocrítica. Havendo isso, possivelmente estaremos juntos na eleição de 94.” O tempo mostraria o contrário. Nos bastidores, os problemas se agravavam e os primeiros meses do governo Queiroz foram marcados por graves críticas à família Lyra. Em abril de 1993, a população brasileira foi às urnas para responder ao plebiscito que definiria o regime e o sistema de governo no Brasil. O sistema republicano venceu o monárquico por 87% a 13%. E o presidencialismo derrotou o parlamentarismo por 70% a 30%. Já no mês de maio, outra grande crise foi publicada pela imprensa. A coluna Diário Político do Diario de Pernambuco trouxe nota em que Queiroz se dizia vítima de acusações por prática de irregularidades como diretor do Banerj, alegando que seus acusadores atingiam “o limite da canalhice”. Fernando Lyra, João Lyra Filho e João Lyra Neto rebatiam as acusações, na mesma coluna, afirmando que desde a posse do prefeito não emitiram qualquer pronunciamento sobre sua pessoa ou administração. Ressaltaram ainda que as supostas irregularidades foram denunciadas pelo jornal “O Malote”, do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro. “Tudo tenho ouvido em silêncio, principalmente em respeito ao povo que reconheceu e aprovou meu trabalho por Caruaru. No programa de rádio da prefeitura, “Fala Prefeito”, José Queiroz faz, com frequência, acusações levianas em relação à minha administração. Entretanto, ele excedeu-se”, reclamou João Lyra Neto. No primeiro ano de seu segundo governo na Prefeitura de Caruaru, José Queiroz parecia estar mais interessado em atacar a família Lyra do que em administrar a cidade. O impasse foi criticado pelo então vereador Rui Lira, em entrevista ao Jornal Vanguarda. Primeiro, Rui fez uma comparação entre os distintos momentos em que Queiroz assumiu o cargo. “A diferença está em quem José Queiroz sucedeu. Na primeira administração, Queiroz recebeu uma Caruaru arrasada por Drayton Nejaim e seu grupo. Apenas com trabalho simples, Queiroz conseguiu restaurar a imagem e a feição urbana da Capital do Agreste. Agora, o atual prefeito recebeu a cidade de João Lyra Neto, um grande prefeito, com
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obras expressivas e intenso apoio político”. Na visão do vereador e radialista, o fato criou um paradoxo incrível. “Queiroz não atacou Drayton, depois de assumir, mas detratou o quanto pôde a figura de João Lyra Neto, assim que foi reeleito. Ferido na sua vaidade imensa, o atual prefeito tem mais tentado destruir os Lyra do que procurado administrar a cidade. E isso está colocando em dúvida sua competência política”, ironizou. No início de agosto, Fernando Lyra e João Lyra Neto anunciavam suas desvinculações do PDT – comandado por Queiroz – para ingressar no PSB do deputado federal Miguel Arraes, que costurava sua candidatura ao governo de Pernambuco, nas eleições do ano seguinte. Consigo, João Lyra levou vários vereadores com assento na Câmara de Caruaru, entre eles Rui Lira, Fernando Dias (Lambreta) e José Carlos Menezes. José Queiroz, ao contrário, defendia uma candidatura própria do partido à sucessão de Joaquim Francisco. O prefeito disse que o PDT perdia “um grande articulador” com a saída de Fernando Lyra, ignorando João Lyra Neto. Até mesmo a divulgação de uma pesquisa, feita pelo Ibope, era motivo de rusgas, naquele período. Os números colocavam nas alturas o prefeito José Queiroz, enquanto João Lyra Neto aparecia três pontos percentuais abaixo do deputado federal Tony Gel, na preferência do eleitorado, numa hipotética campanha à Câmara dos Deputados. O levantamento, divulgado pelo Diario de Pernambuco, dava a Queiroz números de fazer inveja a qualquer grande estadista. Os dados apontavam que 83% dos caruaruenses apoiavam a sua administração, 53% o consideravam o político “mais querido” da cidade e nada menos que 64% achavam-no “o melhor prefeito que Caruaru já teve”, deixando longe a concorrência. João Lyra Filho, João Lyra Neto, Drayton Nejaim e o próprio Anastácio Rodrigues obtiveram, juntos, apenas 34% das preferências. O jornal Vanguarda questionou a pesquisa e enviou um repórter à Câmara Municipal, para contestar os dados junto aos vereadores. Com ironia, o semanário apontou que, a serem verdadeiros os dados, Queiroz detinha a completa hegemonia da política local e era sério concorrente ao Governo de Pernambuco. Acontece que era exatamente esse o desejo de José Queiroz: disputar a cadeira ocupada por Joaquim Francisco no Palácio das Princesas. E a polê-
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mica pesquisa Ibope lhe garantia 17% dos votos dos caruaruenses, contra 13% dos que pretendiam votar em Arraes. Em meio à crise, Vanguarda circulou com um “ineditorial”, no qual afirmava, de forma quase dramática, que Queiroz assumiu a prefeitura de Caruaru, em janeiro de 1993, “como quem toma uma cidade sitiada e recebe escombros para administrar”. A publicação definia como absurdo o paralelo traçado entre João Lyra Neto e Drayton Nejaim, de quem José Queiroz recebera a prefeitura dez anos antes. O jornal criticou o fato de Queiroz utilizar o programa radiofônico oficial do município e o informe mensal impresso para fazer críticas a João Lyra e ao próprio Vanguarda, que, segundo o prefeito, anteriormente o afagava. “Mudamos nós ou mudou José Queiroz de Lima”, perguntava o texto. Em clima de festa popular, vários políticos oficializaram suas adesões ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), no final de setembro, em um palanque improvisado sobre um caminhão, em frente à Câmara Municipal de Caruaru. Apesar do sol forte, uma multidão observou o ato, comandado pelo presidente nacional do partido, o deputado federal Miguel Arraes. O ex-prefeito João Lyra Filho foi o primeiro a assinar a ficha de filiação. Seus filhos João Lyra Neto e Fernando Lyra fizeram o mesmo, junto com vários vereadores da cidade. Alguns dias depois, o prefeito José Queiroz era alvo de uma ação popular junto ao Ministério Público, que condenava o excesso de propaganda, paga com dinheiro público, divulgando aspectos pessoais, no programa “Fala Prefeito”. O advogado João Antonio de Melo Neto, responsável oficial pela denúncia, também investiu contra clipes televisivos em que frequentemente apareciam o prefeito e seus parentes. Ele deu-se inclusive ao trabalho de listar os dias e horários em que os vídeos foram veiculados. A ação tomou como base a Constituição Federal e a Lei Orgânica Municipal. No cargo de corregedor geral da Câmara dos Deputados, Fernando Lyra foi alvo de denúncia de desvio de verbas. A reportagem veiculada pela revista IstoÉ, de três de novembro, reportou uma hipotética intermediação de verbas para entidades assistenciais fantasmas, num total de 62, patrocinada pelo deputado. O texto citava o senador Marco Maciel, o ministro do TCU Paulo Afonso Martins e o ex-deputado João Carlos de Carli como sa-
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bedores da pretensa trama. Após ameaçar recorrer à justiça contra a revista, Fernando Lyra reuniu documentos para desmentir a publicação. Além disso, os três principais citados na reportagem trataram de publicar cartas reforçando que as acusações eram fantasiosas e levianas. A IstoÉ admitiu o erro e afastou o repórter responsável pelo texto. O dossiê, com a falsa denúncia, foi divulgado depois que Fernando Lyra propôs a cassação de três deputados do PSD, acusados de vender os mandatos. No início de 1994, ano eleitoral, o prefeito José Queiroz surpreendeu ao anunciar sua candidatura ao Governo de Pernambuco. Em entrevista ao Jornal do Commercio e à TV Jornal Recife, Queiroz disse que não estava nos seus planos deixar a prefeitura enquanto fazia uma “administração brilhante”, mas que se dispunha a atender ao chamamento das lideranças de seu partido, o PDT, que precisava de uma candidatura própria ao governo, para fazer dobradinha com Brizola para presidente. Era a segunda vez que o prefeito de Caruaru ensaiava uma candidatura ao Governo de Pernambuco – na primeira, em 1990, terminou disputando uma vaga ao Senado, mas foi derrotado por Marco Maciel. Novamente, a ambição de ser governador não iria se concretizar. Um mês após a entrevista ao JC, Queiroz recuou e renunciou à candidatura, anunciando que permaneceria na prefeitura até o fim do mandato. Alegou vários motivos para a desistência, inclusive uma possível “crise de governabilidade” em Caruaru, com uma renúncia coletiva de todo o seu secretariado, caso ele deixasse o cargo. A afirmação colocava em xeque a competência de seu vice, o médico Demóstenes Veras. Queiroz disse ainda que “lembrou-se” de que não tinha o direito de abandonar “um mandato que me foi dado pelo povo”. José Queiroz havia colocado sua candidatura a título de experiência, na esperança de que, com uma possível desistência de Jarbas Vasconcelos, fosse a única alternativa da “frente anti-Arraes”, e ele tivesse, assim, o apoio amplo dos partidos. Como isso não ocorreu, o prefeito recuou, temendo um fracasso nas urnas – o que viria a descredenciá-lo para outras disputas majoritárias no futuro. Seu nome obteve apenas 4% das intenções de voto, quando submetido à pesquisa de opinião.
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Depois de considerar “ultrapassada” a candidatura de Miguel Arraes e desistir da disputa, Queiroz acenou apoio ao líder esquerdista. A atitude foi vista como “oportunismo” pelo ex-prefeito João Lyra Neto e outros políticos ligados a Arraes. O vereador Rui Lira fez críticas ácidas ao prefeito, a quem chamou de “camaleão ideológico”. Em discurso proferido na Câmara Municipal de Caruaru, meses antes, Rui Lira previu as “migrações” políticas de José Queiroz, a quem se referiu como “um político aético, cujo único programa é a própria carreira”. Em meio à guerra de opiniões, o nome do deputado estadual Jorge Gomes foi anunciado como vice na chapa encabeçada por Arraes, apesar da tentativa de veto por parte de Queiroz. No mês de maio, foi a vez de João Lyra Neto lançar sua candidatura a uma vaga na Assembleia Legislativa de Pernambuco. O anúncio foi feito em entrevista ao seu próprio jornal, o Vanguarda. Quando exercia o mandato de prefeito (1989 a 1992), João Lyra era tido como forte candidato a deputado federal nas eleições de 1994. Ele próprio admitia a possibilidade. No entanto, as condições não eram favoráveis. Com a inclusão do nome de Jorge Gomes na chapa majoritária, João Lyra aceitou disputar um mandato de deputado estadual. Jorge foi vice de João na prefeitura e, em 1990, elegeu-se deputado estadual, apoiado por ele e seu irmão Fernando Lyra. José Queiroz tentou barrar o nome de Jorge Gomes durante a composição, mas, sem autoridade política junto à Frente Popular, foi voto vencido. O prefeito também não aceitava o apoio do PSB a Lula, e chegou a taxar Arraes de “traidor” e “atrasado”, após a aliança. Alegando quebra da palavra empenhada de Arraes, José Queiroz disse à imprensa do Recife que não apoiaria a Frente Popular nas eleições que se aproximavam. Afirmou que limitaria seu apoio ao candidato ao senado, Armando Monteiro Filho (excluindo o nome de Roberto Freire, também candidato apoiado por Arraes) e que trabalharia pela candidatura de Brizola para presidente. A palavra supostamente dada por Arraes teria sido a garantia de não-inclusão de qualquer nome de Caruaru na chapa majoritária da Frente Popular. Por isso, o prefeito de Caruaru tentou vetar o nome de Jorge Gomes para o cargo de vice, não obtendo apoio, contudo, em seu próprio partido, o PDT–
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que viu em Jorge um nome de consenso entre as forças ditas progressistas. Embora Queiroz afirmasse que nada tinha pessoalmente contra Jorge Gomes, mas que se levantou contra seu nome por não haver sido previamente consultado, o próprio Jorge fez um apelo ao prefeito. Pediu que Queiroz reconsiderasse sua posição, “em nome dos interesses de Caruaru” e ressaltou que seu nome foi escolhido através de consenso entre os partidos, inclusive o PDT. Quando as brigas e desentendimentos pautavam as costuras políticas, o vereador Wolney Queiroz surpreendeu ao anunciar à Rádio Cultura do Nordeste sua candidatura a deputado federal. Wolney havia sido eleito vereador com 1.361 votos, dois anos antes. Tal qual o pai, fez questão de ressaltar que não votaria em Arraes nem Roberto Freire, apoiando apenas Armando Monteiro Filho. O lançamento da candidatura de Wolney já havia sido feito dias antes, durante a inauguração da Avenida José Rodrigues de Jesus, uma das mais importantes vias de Caruaru. Além de apoiar o próprio filho para federal, o prefeito José Queiroz decidiu apostar em seu vice, Demóstenes Veras, para deputado estadual. Era também uma forma direta de combater Fernando Lyra e João Lyra Neto, candidatos a federal e estadual, respectivamente. Em entrevista ao Diario de Pernambuco, no dia 20 de junho, José Queiroz afirmou textualmente que seu rompimento com a Frente Popular de Pernambuco fora provocado pela indicação de Jorge Gomes para vice de Arraes. Enfatizou que a decisão era irrevogável e que votaria em branco para governador. Queiroz também voltou a comentar o rompimento com João Lyra Neto. Ele disse que percebeu que seria marginalizado pela administração de Lyra, iniciada em 1989, e que tudo culminara com “o jogo sujo da saída do ex-prefeito da sua campanha”, em 1992, e que “João Lyra Neto era um bom exemplo de Judas”. Na pré-campanha de 1994, José Queiroz lançou, inicialmente, a candidatura de Wolney para deputado estadual, compondo com um ex-arenista, o empresário Luiz Augusto, para federal. Em seguida, retirou as duas candidaturas, dizendo-se traído pela indicação de Jorge Gomes para vice-governador. Não tardou para que surgisse uma nova composição, desta vez com
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Wolney candidato a deputado federal e o vice-prefeito Demóstenes Veras Filho para estadual. Quando o nome de Jorge Gomes foi confirmado para a chapa majoritária, Queiroz disse à imprensa que tanto Miguel Arraes como seu neto Eduardo Campos tinham descumprido suas palavras e que, por isso, vetava o nome de Jorge. O prefeito de Caruaru dizia ser mais fácil Enéas Carneiro (famoso pelo bordão “Meu nome é Enéas”) ser eleito presidente do Brasil, do que ele votar em Arraes para governador. Suas críticas foram tão contundentes que um de seus assessores diretos, o vereador José Antônio da Silva (Zeca), chegou a afirmar que se Queiroz votasse em Arraes, “estaria se decompondo moralmente”. Mas a política é também campo de surpresas, em que discursos se esvaem rapidamente. Poucos dias depois, José Queiroz passaria a aderir à candidatura Arraes. Talvez se sentindo isolado politicamente, determinou que seu filho Wolney Queiroz, candidato a deputado federal, divulgasse o apoio à Frente Popular. Dias antes, quando questionado se voltaria atrás na decisão de votar em branco, Queiroz foi enfático: “Vocês vão ver o que é um matuto de palavra”, garantiu. Assim que mudou de ideia, a imprensa naturalmente passou a questionar o recuo. A colunista Marisa Gibson escreveu no Diario de Pernambuco que havia uma movimentação para que todos os prefeitos do PDT pressionassem o prefeito de Caruaru, José Queiroz, a subir no palanque da Frente Popular. “Até aí, tudo bem, mas correm informações de que essa movimentação vem sendo orquestrada pelo próprio José Queiroz”, insinuou a jornalista. No dia seguinte, o mesmo jornal trazia uma matéria com o prefeito, dizendo que recebera telegrama de Leonel Brizola, apelando para se integrar à Frente Popular. Era a estratégia perfeita para justificar o recuo e apoiar a candidatura de Arraes – que ocupava uma posição privilegiada na disputa para o Governo do Estado. Manobra que o jornal Vanguarda tratou de repercutir, afirmando que José Queiroz perturbara o diretor do Banerj, no Rio de Janeiro, Manoel Dias, para que ele conseguisse do governador Brizola o tal telegrama pedindo que apoiasse Arraes. A decisão levou um raivoso João Lyra Neto a disparar contra o prefeito.
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Candidato a deputado estadual, João classificou a decisão de Queiroz como oportunista e incoerente. “O candidato da Frente Popular [Miguel Arraes], que detém 60% das intenções de voto em nossa cidade e está virtualmente eleito, não precisa desse apoio controvertido”, alfinetou o ex-prefeito. João Lyra Neto enfatizou ainda que “a história de incoerências do atual prefeito de Caruaru” não era recente. “Queiroz afirmou que Arraes era um atrasado e tentou ser o candidato anti-Arraes, com o apoio de lideranças mais conservadoras como Joaquim Francisco e Marco Maciel”, acusou. Lyra ressaltou que a mudança brusca nos posicionamentos de Queiroz revelava “a prioridade de um projeto pessoal e equívocos políticos”. No dia 20 de julho, falecia, aos 70 anos, vítima de insuficiência cardíaca, o ex-deputado José Antônio Liberato. Sua morte causou grande comoção nos meios políticos de Caruaru. O corpo foi velado na Assembleia Legislativa do Estado, sendo trasladado para a Câmara de Vereadores de Caruaru no dia seguinte. Nascido em Taquaritinga do Norte, Liberato foi morar em Caruaru no início dos anos 50, entrando na vida política nos anos 60. Em 1963, quando foi eleito vereador pela primeira vez, assumiu a presidência da Câmara. Em 1968, chegou a assumir a prefeitura local, quando o prefeito Drayton Nejaim encontrava-se no exterior. Ainda em 1968, Drayton lançou Liberato como seu candidato à sucessão na Prefeitura de Caruaru, mas este foi derrotado por Anastácio Rodrigues. Liberato foi eleito deputado estadual por cinco vezes consecutivas. O ex-deputado dá nome ao anel viário da cidade de Caruaru, construído no governo do ex-prefeito Tony Gel, e a um bairro na periferia do município.
Naqueles dias, uma denúncia veiculada pelo jornal Correio Braziliense e pela revista Veja caiu como luva nas mãos dos adversários do então deputado federal Tony Gel, em Caruaru. A ex-secretária da Construtora Sérvia, sediada em Salvador, denunciou uma série de irregularidades que envolviam deputados, prefeitos e vereadores. Um inquérito para investigar as irregularidades da empreiteira foi aber-
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to pela Polícia Federal, porque fora constatada, através de conta fantasma, a contribuição com mais de 600 mil dólares para o esquema PC Farias. A reportagem do Correio citava que da conta fantasma da Construtora Sérvia saiu um depósito de seis milhões de cruzeiros, no dia 10 de agosto de 1990, para uma conta mantida no Banco Econômico de Caruaru pelo empresário Luiz José de Lacerda, sogro de Tony Gel. O jornal citou Luiz Lacerda como proprietário da Rádio Liberdade de Caruaru, “que projetou o deputado por meio de programas populares”, e ainda como patrocinador das campanhas do genro. A conversão para dólar do depósito que beneficiou Tony Gel (US$ 84.100,00) foi feita pela PF em perícia sobre os depósitos. O dono da Construtora Sérvia, Thales Sarmento, disse em seus depoimentos à Polícia Federal que a conta fantasma da empreiteira era usada para doações a políticos de diversos partidos. A conta, em nome dos “fantasmas” Ricardo Pimentel e Carlos Santos, movimentou US$ 7,3 milhões entre março de 1990 e junho de 1992, segundo a PF. “Sempre se falou em Caruaru que Tony Gel, assim como os demais candidatos do PRN, teve ajuda do ex-presidente Collor, e seu caixa PC Farias, para a eleição. Esse depósito pode ser a prova”, tratou de acusar o deputado Fernando Lyra. Depois da denúncia do Correio, os jornais O Globo, Jornal do Brasil e Folha de São Paulo publicaram reportagem com o motorista Otair de Oliveira, demitido da Sérvia, que decidiu denunciar o envolvimento de vários deputados com o esquema de favorecimento da empresa no Congresso Nacional. O dinheiro recebido por Tony Gel, segundo o motorista, se originaria do pagamento feito pela empreiteira em troca de favorecimento da Sérvia no Orçamento da União, orquestrado no gabinete do deputado Guilherme Palmeira (PFL-AL), ex-candidato a vice-presidente na chapa do senador Fernando Henrique Cardoso. Ele permaneceu nessa condição até que uma denúncia de favorecimento de uma empreiteira no Orçamento Geral da União resultou na substituição de seu nome pelo de Marco Maciel. Otair Oliveira acusou Tony Gel de ser um dos deputados que participavam dos encontros para elaboração das emendas, juntamente com Tourinho Dantas (PFL-BA) e Cleonâncio Fonseca (PPR-SE).
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[1] Imagem noturna da tradicional Rua da Matriz [2] A Fรกbrica de Caroรก, nos tempos do prefeito Anastรกcio Rodrigues
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Entrevistado pelo Jornal do Commercio, Tony Gel admitiu ter recebido dinheiro da empreiteira e tentou dar ao escândalo contornos de fato natural, justificando que todo político se elege com apoio de empresários – embora o esquema da Sérvia mantivesse ligações diretas com PC Farias e com o escândalo dos “anões do orçamento”. O deputado negou, porém, que tivesse participado de encontros envolvendo a direção da Sérvia – embora o motorista tenha reafirmado várias vezes que Tony Gel, não só era participante dos encontros “de trabalho” de onde nasciam as emendas, como frequentava assiduamente os churrascos promovidos pela empreiteira. Tony Gel disse ainda que não recordava o valor recebido. “Faz muito tempo”, esquivou-se. Também garantiu que nada fez em troca para a Sérvia, alegando que a empreiteira ficou de fora da construção da barragem de Jucazinho. A imprensa criticava com intensidade o fato de Tony Gel estar supostamente envolvido com o esquema de corrupção em Brasília antes mesmo de chegar lá, pois, em 1990, filiado ao PRN de Collor, ele era apenas o candidato derrotado à Prefeitura de Caruaru, que tentava seu primeiro mandato público como deputado federal. Também em meados de 1994, outra figura de destaque na política caruaruense viria a ocupar as manchetes de jornais envolvida em escândalo. A diferença é que ao contrário de Tony Gel, a acusada não detinha mandato público. Era simplesmente a primeira-dama do município, Carminha Queiroz, ocupando a editoria de polícia dos jornais pernambucanos. A Procuradoria Geral da República determinou à Polícia Federal instauração de inquérito policial para apurar a denúncia de que Maria do Carmo Maciel Queiroz, mulher do prefeito José Queiroz, usara documentos falsos para se candidatar ao cargo de juíza classista na Junta de Conciliação e Julgamento de Caruaru. Através de portaria assinada pelo juiz aposentado Clóvis Correa, Carminha foi nomeada no dia 11 de abril de 1992. A denúncia foi feita pelo comerciante Geraldo Ananias de Oliveira, que considerava lesados os associados do Sindicato das Empresas Culturais, Recreativas e de Assistência Social de Pernambuco. De acordo com o comerciante, o presidente do sindicato, José Raimundo de Araújo, teria for-
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necido documentos afirmando que a primeira-dama era filiada à instituição há dois anos. Quando a notícia veio à tona, o próprio José Raimundo desmentiu a primeira informação, passando a ser acusado de falsidade ideológica. O juiz Clóvis Correa também era acusado de ter protelado por mais de um ano a decisão da ação no Tribunal Regional do Trabalho e corria o risco de ser indiciado por prevaricação. Os presidentes dos sindicatos da Construção Civil, dos Trabalhadores em Couro e Artefato e dos Comerciários também prestaram depoimento e disseram que a classe trabalhadora foi preterida para beneficiar Carminha Queiroz. O advogado de Geraldo Ananias, Antônio Francisco, acusou o juiz aposentado Clóvis Correa, à época presidente do TRT, de ter interferido no processo, atrasando o julgamento por mais de um ano. Alegou que foi preciso ajuizar outra ação no Tribunal Superior do Trabalho, para haver correição no TRT. Ao apelar da sentença do Tribunal Regional do Trabalho que, por 16 votos a zero, a destituiu do cargo de juíza classista, a primeira-dama Maria do Carmo Queiroz acabou dando ao episódio proporções que o caso jamais teria tomado se ela tivesse acatado a decisão e deixado o cargo pacificamente, embora devolvendo os valores que recebera como juíza. Quando o jornal Vanguarda reproduziu por meios fotográficos reportagem do Diario de Pernambuco sobre o caso, atraiu para seus responsáveis a ira do prefeito José Queiroz. Ele decidiu comentar o fato e admitiu que não lera Vanguarda naquela semana, apenas ouvira a notícia pelo rádio. Classificou o jornal pejorativamente como “porcaria” e “pedaço de lama”, acusando o semanário de prestar desserviço a Caruaru e atacar homens de bem como o empresário Luiz Lacerda – citado na matéria que apontava que seu genro, o deputado Tony Gel, recebera dinheiro do esquema PC Farias para financiar sua campanha em 1990. A certa altura, José Queiroz se dirigiu ao ex-deputado e ex-prefeito João Lyra Filho como “grande e velho companheiro”, mas não poupou os seus filhos Fernando e João Neto. Em dado momento, o prefeito referiu-se ao sol, usado como logomarca tanto por João Lyra Neto quanto por seu pai quando
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eram prefeitos, insinuando que a família Lyra achava que o sol nasceu para ela, apenas, e não para todos, como diz o conhecido adágio popular. O mais grave, no entanto, é que José Queiroz fez todas as críticas através de programa institucional no rádio, o “Fala Prefeito”, pago com dinheiro público. Dias depois, em declarações à imprensa, o ex-prefeito João Lyra Filho expressou sua mágoa com relação às declarações de Queiroz. Ele começou relembrando sua trajetória na política, destacando as duas vezes em que foi prefeito de Caruaru, sua passagem pela Câmara dos Deputados e seus dois mandatos de deputado estadual. O velho líder político lembrou que esteve imbuído da preocupação de fazer surgir novas lideranças para que Caruaru tivesse seu quadro político sempre renovado. “Daí, surgiram Fernando Lyra, Anastácio Rodrigues, João Miranda, José Queiroz, João Lyra Neto, Jorge Gomes e tantos outros”, ilustrou. João Lyra Filho falou de suas alegrias e tristezas e lembrou que, por suas mãos, José Queiroz foi lançado na política, tendo a família Lyra contribuído decisivamente para que ele fosse eleito deputado estadual e prefeito (conforme já mostramos anteriormente neste livro). O ex-prefeito disse também que em momento algum mediu esforços políticos ou financeiros para firmar José Queiroz politicamente. Dizendo-se contrafeito em ter que externar publicamente sua tristeza, afirmou fazê-lo por não ser possível permitir que Queiroz usasse o seu nome, dizendo-se seu amigo, elogiando-o e, ao mesmo tempo, fazendo críticas “maldosas” aos seus filhos Fernando e, principalmente, João. João Lyra Filho argumentou que não poderia considerar amigo alguém que injustamente agride seus filhos. “Queiroz tem afirmado que muito aprendeu comigo. Sempre ensinei que a gratidão é um dos mais nobres sentimentos. Hoje, posso afirmar, com certeza, que José Queiroz não aprendeu esta lição”, cravou o ex-prefeito. Em meio à campanha, um despacho oficial do juiz eleitoral José Roberto de Oliveira considerou que o prefeito José Queiroz desrespeitou a lei ao fazer elogios ao seu filho Wolney Queiroz e ao vice-prefeito Demóstenes Veras, no programa “Fala Prefeito”, pago com recursos públicos e destinado exclusivamente à divulgação de realizações e projetos da administração municipal.
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O magistrado advertiu as três emissoras de rádio que retransmitiam o programa, mas concluiu que “não contribuíram de forma intencional para a prática do ilícito”. Conforme a Constituição Federal, o juiz José Roberto de Oliveira determinou o envio do processo ao Procurador Regional Eleitoral e à Procuradoria Geral de Justiça de Pernambuco, para que fosse acolhida a denúncia de crime eleitoral. O programa também estava fora do ar. Dias depois, o procurador eleitoral Joaquim Dias acolheu a representação judicial contra José Queiroz. A ação foi impetrada pelo deputado Fernando Lyra, conforme publicou o Diario de Pernambuco. Ele acusava Queiroz de utilizar o programa “Fala Prefeito”, veiculado de segunda a sexta, das 6h às 6h25, nas rádios Liberdade, Cultura e Difusora, pedindo votos para os candidatos a federal Wolney Queiroz, seu filho, e a estadual, Demóstenes Veras, então vice-prefeito. À representação, Fernando Lyra anexou fita cassete com as gravações dos programas. O deputado pedia que o prefeito de Caruaru fosse enquadrado no artigo 66, da Lei Eleitoral, que proibia a propaganda fora do horário gratuito em rádio e televisão. A essa altura, as três emissoras já haviam encaminhado ao procurador suas defesas. Caberia a Joaquim Dias apreciar o caso e se posicionar entre um parecer, orientando a denúncia ao pleno ou o arquivamento do processo. Candidato à reeleição, o deputado federal Fernando Lyra concedeu longa entrevista, no mês de setembro, analisando a disputa política nos cenários nacional e estadual, sem esquecer a guerra local. Perguntado sobre como via a situação política em Caruaru, o ex-ministro da Justiça afirmou existirem dois grupos fortes no município: o de que ele fazia parte e o grupo do deputado Tony Gel. Também reconheceu que um terceiro grupo começava a se consolidar na cidade. “Existe um grupo, que é uma dissidência do nosso, comandado pelo prefeito José Queiroz. Eu entendo que há na cabeça deles uma antecipação da sucessão municipal (o deputado referia-se à eleição de 1996, quando João Lyra Neto voltaria a disputar o cargo com Tony Gel). Hoje, eles entendem que João Lyra Neto é imbatível e querem minar essa hegemonia”, insinuou. O problema, apontou Fernando, é que José Queiroz pretendia fazer isso dividindo um grupo que até então era único: “os cidadãos que tradicio-
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nalmente alinharam-se na defesa do progresso com justiça social, contra o lado de lá”, observou. “José Queiroz hoje dá uma prova de vaidade e de seu espírito nepotista, quando lança a candidatura do filho, sem preparo nenhum, para a Câmara Federal”, desdenhou. Lyra também fez menção ao escândalo envolvendo a primeira-dama Carminha Queiroz. “O nepotismo já havia ficado patente no episódio da falsificação dos documentos que possibilitaram à primeira-dama assumir o cargo de juíza classista e agora torna-se óbvio com a candidatura de Wolney”, acusou. As acusações não pararam por aí. Fernando Lyra também criticou com veemência a utilização da máquina pública municipal na campanha de Wolney Queiroz. “Esse é o fator novo, que Caruaru contempla sem acreditar, pois nunca nenhum prefeito fez uso tão aberto do poder público com fins eleitorais. E Caruaru tem uma pergunta: de onde está vindo todo o dinheiro gasto na campanha de Wolney Queiroz se seu pai é um homem de classe média e ele um simples vereador?”, provocou Fernando. Nas eleições de três de outubro de 1994, a preferência do eleitorado caruaruense foi disputada por três concorrentes fortes, com chances reais para eleger a composição deputado estadual e federal: Demóstenes Veras e Wolney Queiroz, apoiados pelo prefeito José Queiroz; Roberto Liberato e Tony Gel; e, por fim, João Lyra Neto fazendo dobradinha com o irmão Fernando Lyra. Com 28.030 votos, João Lyra Neto tornou-se o deputado estadual mais bem votado da História de Caruaru, até então. Era mais um importante recorde para sua recente carreira política. Roberto Liberato também garantiu uma vaga no Legislativo Estadual, obtendo 14.505 sufrágios. Demóstenes Veras, apesar do forte apoio do governo municipal, não conseguiu se eleger. Contrariando o que afirmavam os adversários, após ter votado contra o impeachment de Collor, Tony Gel não apenas se manteve na política, como foi reeleito deputado federal com a maior votação entre o eleitorado de Caruaru, que naquele pleito enviou mais três representantes para a Câmara dos Deputados: Fernando Lyra, Wolney Queiroz e Roberto Fontes. Miguel Arraes foi eleito governador de Pernambuco, derrotando Gustavo Krause, do PFL. Jorge Gomes assumia a vice-governadoria, fortalecendo a posição de Caruaru na administração estadual. Para o Senado, a Fren-
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te Popular de Pernambuco conseguiu eleger apenas Roberto Freire (PPS). Armando Monteiro Filho foi derrotado por Carlos Wilson (PSDB). Fernando Henrique Cardoso elegeu-se presidente em primeiro turno, com 54,3% dos votos contra 27% de Luiz Inácio Lula da Silva. Lula passou toda a campanha, iniciada logo após a queda de Collor, na frente. Mas foi ultrapassado por Fernando Henrique em julho, quatro meses após o anúncio do Plano Real, que colocou fim à hiperinflação, que chegara a 46% mensais naquele ano. Ministro da Fazenda de Itamar Franco, FHC foi um dos mentores do plano, cujo sucesso tornou natural sua candidatura à Presidência. O lançamento da nova moeda, o real, em julho, representou o marco que tornaria a vitória do tucano irremediável. Passada a eleição, Caruaru teria, a partir de janeiro de 1995, uma das maiores representações políticas de sua história, tanto no Executivo Estadual quanto nos Legislativos Estadual e Federal. Após a disputa, em 1990, a cidade ficara com uma bancada parlamentar inexpressiva em termos quantitativos, com apenas um federal e um estadual – o que levou o eleitorado a tomar consciência da necessidade de votar em candidatos locais, no pleito de 1994. Antes que o ano findasse, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), por decisão unânime de seu Pleno, negou o recurso impetrado pela primeira-dama de Caruaru, Maria do Carmo Maciel dos Santos Queiroz de Lima, para permanecer no cargo de juíza classista da Junta de Conciliação e Julgamento de Caruaru. O exercício do cargo foi questionado desde sua posse, em abril de 1992, quando os dois trabalhadores que foram preteridos no processo de escolha entraram com ação junto ao Tribunal Regional do Trabalho (TRT), exigindo a exoneração de Carminha, com base na ausência do cumprimento de requisitos legais para ocupar a vaga. Esses trabalhadores, presidentes dos sindicatos da Construção Civil e Artefatos de Couro, constituíram o advogado Antônio Silva para defender a causa. Silva obteve a destituição da primeira-dama em longo processo no TRT, que decidiu pelo afastamento de Carminha em 21 de janeiro de 1994. Mas a primeira-dama recorreu ao TST, constituindo como um de seus advogados em Brasília o jurista e ex-ministro Victor Russomano. Mesmo assim, por unanimidade, o tribunal julgou o recurso improcedente, em 26
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de outubro. A decisão foi publicada no Diário Oficial do Estado de Pernambuco, no dia 22 de novembro do mesmo ano. A imprensa destacou que o ex-juíz Clóvis Correia, responsável pela nomeação de Carminha, passou a responder por crime de prevaricação (quando um funcionário público se vale de seu cargo em benefício próprio ou de terceiros). O advogado dos sindicalistas também informou que, além do processo na Justiça do Trabalho, havia outras duas ações sendo movidas pela Procuradoria da República. A primeira, cível, objetivava o ressarcimento pela primeira-dama dos 31 meses de salário que recebera ilegalmente da União Federal (algo em torno de R$ 135 mil). E outra ação, de caráter penal, visando apurar o crime de falsidade ideológica, em razão de ter a primeira-dama se locupletado com uma declaração falsa, preterindo trabalhadores que se habilitaram legalmente ao cargo. O jornal Vanguarda tratou de reproduzir os detalhes do caso, em reportagem que revoltou o prefeito José Queiroz. Mais uma vez, ele detratou o semanário e desafiou qualquer um a apresentar provas concretas contra ele ou a primeira-dama, dizendo-se disposto a renunciar ao cargo, caso fosse comprovado o envolvimento dele ou da esposa em alguma fraude. Ato contínuo, o advogado Antônio Silva, que prestara as informações contidas na matéria, debochou das declarações do prefeito, classificando-as como “mais um recurso desesperado de quem se viu, de repente, exposto à opinião pública fazendo exatamente o contrário do que prega e alardeia”. Ele ressaltou que a fraude “foi comprovada em todas as instâncias” e o resultado foi “a exoneração da primeira-dama por ordem de um tribunal federal”. Em seguida, apresentou vários documentos. A União moveu ação contra Carminha Queiroz, objetivando a restituição, em valores atualizados, dos salários percebidos durante o período em que exerceu o cargo de juíza classista até ser destituída. O juiz da 3ª Vara Federal de Pernambuco reconheceu a irregularidade da nomeação, mas julgou improcedente o pedido de repetição de indébito, tendo em vista a impossibilidade de devolução dos salários percebidos, já que o trabalho fora realizado. Inconformada, a União apelou, sustentando que, tendo sido anulado o ato de nomeação da ré, os valores devem ser devolvidos, principalmente
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porque não houve recebimento de boa fé. O desembargador federal Marcelo Navarro, relator do processo no Tribunal Federal da 5ª Região, decidiu que “em que pese a nulidade da nomeação da ré, houve, efetivamente, a prestação de serviços pelo período de maio/92 a novembro/94. Entendo assim, que restando comprovado que os valores percebidos resultaram da contraprestação pelos serviços efetivados, não se pode admitir a devolução do numerário percebido, tendo em vista a impossibilidade de devolução do trabalho prestado”. O desembargador Marcelo Navarro, em seu voto, registrou que o motivo da destituição do cargo de classista é incontroverso, uma vez que a própria ré afirmou não pertencer ao Sindicato dos Empregados e Entidades Culturais, conforme se verifica em seu depoimento. Carminha disse que “foi convidada pelo senhor Onofre Lacerda, empresário no município de Caruaru, para concorrer à indicação para o cargo de Juiz Classista”. Explicou ainda que “Onofre se encarregou de obter a indicação de um Sindicato dos Empregados e Entidades Culturais, Recreativas, de Assistência Social, de Orientação e Formação Profissional do Estado de Pernambuco” e que “não conhecia o referido sindicato, nem os seus dirigentes”. Que, na verdade, “exerceu atividade laboral na profissão de professora, sendo filiada ao Sindicato dos Professores”. Também informou que o senhor Onofre obteve a inclusão de seu nome “em lista tríplice” sendo ela “escolhida para a indicação do Tribunal Regional do Trabalho”. Marcelo Navarro também fez constar o depoimento do senhor Paulo Nicolau Ely, diretor de secretaria da Junta de Caruaru, à época dos fatos, que confirmou a efetivação do trabalho da ré. Paulo Nicolau disse que “tomou conhecimento da designação da senhora Maria do Carmo pela publicação do ato no Diário Oficial”, que ela “efetivamente participou das sessões das juntas sendo muito assídua e atendendo com muita atenção as partes”, que teve “atuação intensa, principalmente nos acordos” e que “não deixou de comparecer injustificadamente a nenhuma sessão”. Informou, ainda, que “ao que parece, a senhora Maria do Carmo trabalhou no período de maio de 1992 a outubro de 1994”, e que “a senhora Maria do Carmo participou da apreciação de mais ou menos cinco mil processos”. Em nove de maio de 2006, a Quarta Turma do Tribunal Regional Fede-
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ral da 5ª Região, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação por parte da União, seguindo o voto do relator. A sentença foi, portanto, favorável à ex-primeira dama.
Depois de ver a imagem da própria esposa estampada nas páginas policiais dos jornais de Pernambuco, o prefeito José Queiroz amargou outra derrota judicial: a suspensão de seus direitos políticos e a cassação do mandato de deputado federal do seu filho Wolney Queiroz. A condenação veio antes mesmo que ele assumisse o cargo. A semana que antecedeu o Natal agitou a política caruaruense, em 1994. O Tribunal Regional Eleitoral condenou, por três votos a um, e determinou a suspensão dos direitos políticos do prefeito José Queiroz e do vice-prefeito Demóstenes Veras, por três anos. Além disso, cassou o mandato do deputado federal Wolney Queiroz antes mesmo de ser diplomado. A representação fora proposta pelo deputado Fernando Lyra e reforçada pelo promotor público da cidade de Taquaritinga do Norte, Ronaldo Roberto Lira e Silva. Ao mesmo tempo, os demais candidatos eleitos receberam seus diplomas, em cerimônia oficial, no Recife. Vanguarda estampou, na capa da edição de 24 de dezembro, foto em que apareciam unidos e sorridentes o governador Miguel Arraes, o vice Jorge Gomes, o deputado estadual João Lyra Neto e o federal Fernando Lyra. A imagem contrastava com a manchete: TRE condena Queiroz por crime eleitoral. Wolney conseguiu ser absolvido da acusação que envolvia a manipulação do eleitorado humilde através da doação de terrenos pelo prefeito José Queiroz, mas foi condenado por ter se beneficiado eleitoralmente do uso irregular da máquina administrativa. Após a condenação, pai e filho deram exaustivas entrevistas à imprensa, afirmando que recorreriam da decisão junto ao Tribunal Superior Eleitoral. O prefeito José Queiroz enfrentava uma de suas piores fases, colecionando processos e derrotas, neste caso especificamente, por infringir a legislação e utilizar o programa institucional da Prefeitura de Caruaru para fazer campanha. Independentemente do desfecho dado a ambos os casos,
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o dano moral já estava feito. Praticamente desde que a notícia da cassação ganhara os meios de comunicação, a família e alguns amigos do prefeito caíram em campo para organizar manifestações de apoio. Na data da diplomação, 19 de dezembro – mesmo dia em que o TRE de Pernambuco proferiu a sentença – vereadores e colaboradores do prefeito discursaram no térreo da Prefeitura. No calor da emoção, os discursos iam da simples lamentação a agressões violentas contidas na fala do vereador Leonardo Chaves, referindo-se aos Lyra como “canalhas” e “cafajestes”. Chaves culpou Fernando Lyra, autor de um dos processos – justamente o que causou a condenação – pela punição dos três políticos. No discurso virulento, o vereador classificou como “maracutaia” a decisão da Justiça Eleitoral. Também organizaram uma passeata pelas ruas centrais da cidade. O evento contou com a participação de aproximadamente 300 pessoas, muitas das quais funcionários da prefeitura. Para alívio do prefeito, seu filho obteve a extensão da liminar que beneficiara o ex-prefeito de Jaboatão dos Guararapes, Geraldo Melo, e foi diplomado pelo TRE, na tarde de 20 de dezembro. Os demais candidatos haviam recebido seus diplomas um dia antes. O próprio presidente do TRE, à época, desembargador Otílio Neiva, concedeu liminar que permitiu a diplomação de Wolney Queiroz. A sentença foi revista e ele pôde tomar posse na Câmara dos Deputados, mas o TRE manteve a punição ao prefeito de Caruaru, deixando-o inelegível durante três anos, por crime eleitoral. A partir de 1992, quando José Queiroz fez campanha para eleger-se prefeito pela segunda vez, sua relação com a família Lyra passou a ser alimentada de intrigas, traições veladas, ódios embutidos, ciúmes e trapaças, que só militaram em desfavor da cidade, na definição do juiz Demóstenes Veras, já falecido. O magistrado era pai do ex-vereador Demóstenes Veras, que foi vice-prefeito de Queiroz em seu segundo governo e candidato apoiado por ele para a Assembleia Legislativa, em 1994, embora sem êxito. “Zé Queiroz, simples bancário, filho ‘adotivo’ de João Lyra Filho, rapaz tirado do anonimato, mede forças hoje com os Lyra, até economicamente, como dizem as más línguas...”, registrou o juiz, em seu livro de memórias.
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A causa do rompimento é um mistério – escreveu Demóstenes – apesar das inúmeras versões que correm na cidade. “Queiroz foi cria dos Lyra, recebeu deles tudo, prestou-lhes relevantes serviços e deles se separou acremente. Começaram com Deus e terminaram com o ódio dos ‘mafiosos’, parecendo hoje irreconciliáveis e separados definitivamente”, avaliou.
Ao contrário do primeiro governo (1983-1988), quando se destacou como um dos melhores prefeitos do país, a segunda administração de José Queiroz foi marcada mais pelas crises que geraram repercussão negativa na imprensa do que pelas realizações de grandes obras. Tanto que, no início de 1995, a sucessão já era tema recorrente nos noticiários. E o favorito para as eleições de 1996 era exatamente João Lyra Neto. Em determinado momento das discussões, a imprensa pernambucana passou a apontar como certa a união entre José Queiroz e Tony Gel, para impedir que João Lyra voltasse a comandar o município. As especulações ganharam força depois que Queiroz e Tony foram vistos no mesmo palanque, no Festival Internacional de Folclore, no mês de abril. O Diario de Pernambuco registrou que Tony Gel havia sido convidado pessoalmente pelo prefeito e os dois tiraram fotos lado a lado. Depois de conversar animadamente com o secretariado municipal, o deputado Tony Gel teria elogiado a organização do evento e a administração do município. O jornal usou como fonte “uma raposa velha” da política caruaruense, mas não citou o nome. Segundo a fonte anônima, a união entre os dois políticos seria uma arma imbatível para combater João Lyra Neto. Depois que a imprensa passou a insistir na possibilidade de uma aliança entre José Queiroz e Tony Gel para criar uma frente anti-Lyra em Caruaru, a discussão em torno da sucessão foi antecipada. O deputado Tony Gel, em entrevista a Marcondes Sampaio, do Jornal do Commercio, confirmou que era “candidato natural” à prefeitura. Disse ainda que não esperava aliança com Queiroz, mas não descartaria um possível apoio do prefeito ao seu nome. “Voto não se rejeita”, justificou. Mesmo depois de tomar posse, o episódio da cassação do deputado Wol-
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[1] Anastácio e o empresário Luiz Lacerda [2] Com o jornalista Cleômenes Oliveira e o ex-vereador José Luiz [3] E com a empresária Mércia Lyra
ney Queiroz ainda não era página virada. Em junho de 1995, o procurador do Tribunal Regional Eleitoral, Joaquim Dias, impetrou recurso contra a decisão daquele tribunal, que modificara a própria sentença, a fim de permitir a posse de Wolney na Câmara dos Deputados. O recurso foi encaminhado ao Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília. Dias pedia que a Corte reformasse a sentença, o que poderia redundar na cassação do estreante deputado. A medida também atingia o vice-prefeito Demóstenes Veras, que poderia ficar inelegível por três anos. O procurador justificou a demora na apresentação do recurso: somente naquele momento a decisão de voltar atrás, por parte do TRE, fora publicada no Diário Oficial. Através de pronunciamento transmitido pelas emissoras de rádio caruaruenses, em 22 de junho de 1995, o deputado estadual João Lyra Neto se di-
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rigiu à população para “explicar alguns acontecimentos” e “esclarecer calúnias e escândalos que estão sendo fabricados em Caruaru”. Lyra acusou o prefeito José Queiroz e seu grupo político de querer denegrir a sua imagem e a de sua família, construída através de 35 anos de vida pública no município. “Faz tempo que a cidade não assiste tanta baixaria, tanto ataque, tanto ódio, tanto rancor. E despeito, muito despeito”, lamentou. João desmentiu que o responsável pela cassação de Wolney fosse seu irmão, o deputado Fernando Lyra. Alegou que Fernando apenas pediu à Justiça a suspensão do programa “Fala Prefeito” durante o período eleitoral, para evitar que fizessem propaganda irregular. “Quem pediu a cassação de Wolney Queiroz foi o procurador da Justiça Eleitoral”, justificou. João Lyra Neto disse ainda que a política “agressiva” do adversário não
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respeitou sequer o estado de saúde do deputado Fernando Lyra. Ele também precisou se defender da acusação, alardeada pela imprensa, de que teria se excedido ao abordar uma funcionária da Empetur, no Pátio de Eventos, para reclamar do tratamento ofertado aos barraqueiros e vendedores de cerveja na área externa. O deputado afirmou que a segurança estava tratando os vendedores como marginais e que havia um controle excessivo e desrespeitoso em relação aos ambulantes. Reconheceu que abordou a funcionária e reclamou duramente. “Mas não faltei com respeito, nem usei palavrões. Não fiz qualquer agressão, nem física, nem verbal”. A reação da moça, no entanto, foi aproveitada para se fazer politicagem. “Logo o assunto virou escândalo e se transformou no grande acontecimento da cidade”, criticou. João atribuiu a polêmica ao seu favoritismo para as eleições do ano seguinte. E aproveitou o alcance de sua fala para reforçar a tese de que José Queiroz e Tony Gel estariam juntos para derrotá-lo. “Todos sabem da aliança branca, disfarçada, entre o prefeito e o grupo conservador que nós sempre combatemos. Eles estão juntos, na mesma rádio, no mesmo camarote, nas mesmas chácaras e nas mesmas companhias. O objetivo é ocupar a prefeitura no ano que vem”, comentou. Três dias após o pronunciamento de João Lyra Neto no rádio, uma entrevista concedida pelo deputado Wolney Queiroz ao Jornal do Commerciorepercutiu nos meios políticos, por diversos motivos. “Já ganhamos a eleição. Falta apenas conhecermos a diferença”, garantiu ao jornal. A declaração causou impacto. Primeiro, porque fez cair por terra a suspeita da aliança entre José Queiroz e Tony Gel – que jamais ocorreu. Depois, por representar duas antecipações: a do resultado eleitoral de novembro de 1996 e por lançar oficialmente a candidatura de Luiz Augusto Limeira Melo, empresário caruaruense do setor avícola e ex-secretário do prefeito José Queiroz. Tal fato fez aumentar expressivamente a complexidade do quadro político que se aproximava, obrigando Tony Gel e João Lyra Neto – candidatos naturais ao pleito – a repensarem estratégias. Ao emitir a sentença que definia a candidatura do terceiro grupo existente na cidade (até então, apesar de rompidos, José Queiroz ainda não havia travado uma disputa dire-
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ta com os Lyra pela Prefeitura), Wolney modificava as regras do jogo, obrigando as demais lideranças a se posicionarem. Tudo indicava uma polarização entre as duas forças tradicionais, como ocorreu em 1988. Agora, com a terceira via ganhando contornos concretos, novas interrogações se colocavam. Dias depois, o prefeito José Queiroz confirmou as declarações de seu filho, em nova entrevista ao Diario de Pernambuco. Tony Gel e João Lyra Neto optaram por não se pronunciar, embora tenham sido citados por Queiroz em sua entrevista como políticos que entravam em desvantagem na disputa, por terem índice de rejeição, o que não ocorria com Luiz Augusto. Para acrescentar mais tempero picante ao quadro eleitoral, o deputado estadual Roberto Liberato também se lançou como possível candidato a prefeito. Ressaltou, porém, que só disputaria se Tony Gel não fosse candidato. Pela primeira vez, três facções disputariam a Prefeitura de Caruaru com chances efetivas de chegar ao poder, já que as tentativas anteriores de romper a polarização não passaram de dissidências pessoais, sem densidade política suficiente para contestar a tradição. Além disso, o jogo não seria apenas eleitoral, mas de sobrevivência política. Depois de colocar seu nome à disposição do partido, através da imprensa, Roberto Liberato voltou atrás e garantiu seu apoio à candidatura do deputado federal Tony Gel. Também descartou a possibilidade de uma aliança com o prefeito José Queiroz. Para ele, deveria haver um relacionamento amistoso entre as forças políticas do município, mas “na hora das eleições cada grupo deve apresentar seu candidato”, argumentou. Liberato confirmou, porém, que Tony e Queiroz vinham mantendo contato para discutir as eleições do ano seguinte. “Tony Gel e José Queiroz têm tido conversas informais, mas não há como juntar em política. Tanto um como o outro têm suas próprias ideias sobre Caruaru e não creio que haja possibilidade de conciliação, até porque nossos eleitorados são diferentes”, entregou. No final de agosto, o prefeito José Queiroz voltou a depor na Justiça. Ele prestou depoimento ao juiz José Maria de Carvalho, na qualidade de réu, em processo movido pela Justiça Federal do Rio de Janeiro. Queiroz era acusado, na condição de diretor do Banerj, de ter concedido empréstimo
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no valor atualizado de dois milhões de dólares a uma empresa revendedora de telefones celulares, sem as devidas garantias, numa operação danosa ao banco estadual carioca. José Queiroz negou a responsabilidade, alegando ter sido o empréstimo concedido pela diretoria anterior. Assumiu apenas que deferiu um contrato de assunção de dívidas pela empresa CAR-PHONE, com o objetivo de defender o Banerj de prejuízos maiores e, por isso, aceitou a garantia dada, de 1.500 telefones celulares, para cobrir o valor emprestado à época, 1992, superior a seis bilhões de cruzeiros. Num ponto essencial, o depoimento do prefeito se chocava com as alegações da acusação, oriunda da Procuradoria da Justiça Federal. Queiroz disse que o contrato de assunção de dívidas teve parecer favorável da Gerência Financeira do Banerj. A acusação afirmava o contrário e observou que foram operações da espécie, sem cobertura adequada, que motivaram a intervenção do Banco Central no Banerj. A peça acusatória apontou que a empresa tinha apenas 15 funcionários, não dispunha de patrimônio imobiliário e só apresentava recursos comprovados para cobrir um sexto do valor emprestado. Mesmo assim, foi contemplada com um financiamento de seis bilhões de cruzeiros, o que representava 5,3% das disponibilidades do banco carioca. A empresa não honrou o compromisso, gerando enorme prejuízo ao Banerj. O depoimento do prefeito José Queiroz foi encaminhado ao Rio de Janeiro para compor o processo, que envolvia mais seis diretores do banco, sob a mesma acusação. Todas as informações sobre o depoimento prestado à Justiça foram publicadas pelo Jornal Vanguarda – fato que irritou ainda mais José Queiroz. No programa “Fala Prefeito”, Queiroz não poupou insultos aos diretores do semanário, classificando João Lyra Neto e Mércia Lyra como “dois sem-vergonha, cínicos e mentirosos”. Também se referiu ao jornal como “papel sujo”. Depois de amargar sucessivas derrotas judiciais, algumas envolvendo seus familiares, o prefeito José Queiroz foi inocentado pelo Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco, pelo uso irregular do programa institucional “Fala Prefeito”. Com a decisão, Queiroz reavia seus direitos políticos, uma vez que a condenação anterior o deixara inelegível por três anos. Assim que a absolvição foi divulgada, o deputado Fernando Lyra recor-
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reu da decisão do TRE, com recurso apresentado ao Tribunal Superior Eleitoral. O ex-ministro da Justiça mostrou-se inconformado com a decisão. “A impunidade tem que acabar. Temos que entrar num tempo em que imperem a Justiça e a Ética”, declarou. Tal qual Fernando Lyra, o Ministério Público Federal insistia na condenação de José Queiroz pelo uso irregular do programa radiofônico da Prefeitura de Caruaru, apresentando recurso junto ao TSE. A meta era que o julgamento, em Brasília, resultasse na cassação do mandato de deputado federal de Wolney Queiroz e a suplência de deputado estadual do vice-prefeito Demóstenes Veras. O recurso do Procurador Eleitoral Joaquim José de Barros, protocolado no TRE, tinha o objetivo de derrubar decisão do próprio tribunal que inocentara os três políticos caruaruenses.
Uma análise do rompimento político e pessoal entre João Lyra Neto e José Queiroz, olhando com os olhos de hoje e observando a atuação política mais recente de ambos, demonstra que são dois líderes políticos com formas de pensar e de agir bem diferentes entre si. José Queiroz, em seu quarto mandato de prefeito, encerrado em dezembro de 2016, continuava centralizando o poder municipal em torno de si, atendendo primeiro a fatores psicológicos e crendo que pode tirar dessa centralização o máximo em matéria de realizações objetivas. Queiroz se sustenta mais naquilo que ele faz para o povo, nas obras que pode erguer e deixar como marcos de sua capacidade gestora. João Lyra Neto tem outra conduta política, mais genérica, mais abstrata, que ele mesmo concebe. De forma que estão muito mais na cabeça dele determinadas coisas do que aquilo que é real, efetivo. São duas linhas distintas. E uma não combina com a outra. Essa linha abstrata geralmente acaba sendo mais conservadora. Ao passo que a outra linha mostra-se mais aberta, mais progressista. As diferenças não são, porém, exclusivamente políticas ou de linhas que cada um segue. Há diferenças também de personalidade.
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Para exemplificar, citaremos a análise do ex-vereador Rui Lira, no passado ligado politicamente aos Lyra, atualmente um dos homens de confiança de José Queiroz. Precavido, Rui diz não ser possível conjecturar com alto grau de certeza que haja uma diferença agravante no campo pessoal, mas supõe que nesse duelo de egos e de poder, “alguém não gostaria de ver alguém tendo tanto sucesso”, ou “alguém não se sente bem com isso”. É a linha de pensamento que incorpora um ingrediente de ordem psicológica, segundo Rui Lira, mais presente em João Lyra Neto. “Eu acredito que João queria outra linha de conduta de Queiroz. A mesma coisa de João Lyra Filho. Queria uma lealdade que Queiroz não deu a ele e nem dá a ninguém porque possui outra paixão, que é a política em geral”, argumenta. Em sua análise, Rui Lira é ainda mais enfático ao comparar as duas atuações. “Quando Queiroz fez o jornal Século XX com a gente, a ideia era muito mais ampla do que qualquer ideia que João Lyra Neto tenha tido em política. É uma diferença muito grande, parece que não, mas na política os homens são aquilo que são suas ideias, os homens são aquilo que eles percebem como seu viés, seu destino”, crava. As procedências também são diferentes. João Lyra Neto nasce e cresce em excelentes condições. Estuda nos colégios do Recife, vem de uma família rica. José Queiroz nasce no Cedro, numa época em que o local era considerado zona rural de Caruaru. Como todo menino de origem pobre, precisou ralar desde cedo para conquistar seu espaço. Chegou à prefeitura por intermédio do ex-prefeito João Dutra. De João Lyra Filho, Queiroz recebeu, na juventude, as grandes oportunidades no início da vida pública. João Lyra Neto é empresário. José Queiroz é aposentado pelo Banco do Brasil, na condição de diretor, o que lhe garante melhor provento do que a maioria dos bancários aposentados de sua época. Não que José Queiroz possa ser considerado um homem de classe média. Porque ele, de fato, não é mais. Entretanto, há uma diferença de origem. João vem de um berço privilegiado e Queiroz do berço da pobreza, com todas as limitações que isso traz. E depois a visão política de cada um vai ser influenciada por isso naturalmente. “João Lyra tinha preocupações mais genéricas, mais gerais de planejamento. E Queiroz eu acho mais específico, mais objetivo, mais em cima das pessoas, talvez por reflexo do que ele
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viveu”, avalia Rui Lira. Vereador por três mandatos, tendo sido presidente da Câmara e líder do governo João Lyra Neto, Rui Lira também considera José Queiroz com a cabeça mais aberta politicamente, mais arejada. Diz que Queiroz não faria determinadas alianças, mais à direta,como as que João Lyra Neto teve nos últimos tempos. “As alianças de Queiroz sempre foram trabalhistas, mais à esquerda”, justifica. Rui Lira também questiona a capacidade política de João Lyra Neto num eventual governo que tivesse que incorporar correntes tão diferentes e de linhas tão abertas. “Eu não sei se João governaria, por exemplo, com uma estrutura de coalisão, com grupos de esquerda como os do PT e outros grupos que não são do PT e estiveram no governo [de José Queiroz] atuando do ponto de vista da visão progressista, da visão mais aberta”. Na década que 1990, quando houve o rompimento entre José Queiroz e João Lyra Neto, Rui Lira se manteve ao lado de João. Fez, inclusive, críticas duras a Queiroz. Hoje, seu posicionamento é outro. “Naquele momento eu era líder de governo [João Lyra Neto] e achava que estava defendendo a origem do conjunto, do grupo. Então eu tive essa inclinação que hoje eu não teria mais. Não é porque estive governo [Rui Lira foi Secretário de Governo de José Queiroz]. Eu não teria, nem terei”, diz, convicto. Ele cita ainda que não há possibilidade, do ponto de vista pessoal, de voltar a fechar com João Lyra Neto, “exatamente por conta dessa visão pouco progressista de João, a visão conservadora e as alianças conservadoras que ele tem”, exemplifica. “A política se explica pela visão que você tem. A minha visão hoje não bate com aquela do passado. Naquele momento eu pensava que estava fazendo o melhor. Se fizer a conta do período que eu passei aliado a João e comparar com o tempo de Queiroz é 80 contra 20. E hoje é mais do que 100%”, afirma. As críticas a José Queiroz, no campo oposto, também existem. E são antigas. O jornalista Celso Rodrigues costumava chamá-lo de Imperador Joly, fazendo um trocadilho irônico com os Lyra. Maria José Lyra, irmã do ex-prefeito João Lyra Filho, chamava José Queiroz de “pavão” e justificava: “a cara é uma beleza, mas os pés...”. Por sua vaidade e mania de grandeza, José Queiroz sempre foi alvo de crí-
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ticas, muitas delas veladas. Rubens Júnior, principal assessor de João Lyra Neto atualmente, diz que “Queiroz é tão autossuficiente que ele se completa. O sucesso é ele mesmo”. Sobre as circunstâncias que levaram ao rompimento entre João e Zé, Rubens também apresenta sua análise pessoal: “Queiroz se completa. Quer ser a força maior. O cara que pegou pelo braço e elegeu. Ele não é bom nem ruim. Ele é assim. Precisa ser o protagonista. Apenas ele tem o mérito. A origem do rompimento vem da função de Queiroz. Pessoa humilde que teve oportunidades dadas por João Lyra Filho. E ele aproveitou essas oportunidades. Mas criou um pensamento de muita autossuficiência. Um caldeirão de vaidade, de arrogância, de prepotência. Uma série de coisas que o levaram a ser o que é hoje”. Na visão de Rubens, as circunstâncias em que José Queiroz encontrou Caruaru no início dos anos 80 favoreceram uma atuação destacada no poder, inclusive com trabalho simples. “Ele teve uma oportunidade ímpar de suceder Drayton Nejaim. A cidade estava um caos. Tirou caminhões de lixo da Avenida Agamenon Magalhães”, cita. Sobre a atuação política de José Queiroz e os apoios que costuma receber e ofertar, Rubens Júnior acredita que o prefeito “só apoia quem não depende dele”, como ocorreu em 1996, quando lançou o empresário Adolfo José como candidato a sua sucessão, perdendo para João Lyra Neto. “O único que ele apoiou financeiramente foi Wolney, que hoje é milionário e não depende mais financeiramente dele”, pontua. Na avaliação de muitos adversários, ingredientes como vaidade, orgulho, rancor e a pouca humildade terminam sendo prejudiciais a José Queiroz, um homem inteligente e competente do ponto de vista profissional e administrativo. Que conquistou quatro mandatos de prefeito em Caruaru e, que, portanto, tem seus méritos. Como em política nada é estático, pode ser que amanhã análises e posicionamentos como os descritos até aqui sejam totalmente questionáveis. Que as atitudes mencionadas não se baseiem nas mesmas visões. A política é um campo de mudanças, de alianças, de rupturas, de interesses e conveniências, em que nenhuma verdade é absoluta ou imutável. Resumindo tudo, há entre João Lyra Neto e José Queiroz diferença de visão política, diferença de personalidade, diferença de origem, diferença
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de interesses e pode ser que tudo isso junto explique alguma coisa.
A filiação simultânea de cinco vereadores ao PFL, no mês de outubro de 1995, fortalecia a candidatura do deputado Tony Gel à Prefeitura de Caruaru, ao passo que representava o lance político mais significativo dos últimos dias, quando a cidade se preparava para nova eleição. A movimentação pefelista também alterava o equilíbrio de forças na Câmara Municipal, já que as votações passaram a depender da posição da nova bancada, até então dando sustentação ao prefeito. A declaração recente de apoio a Tony Gel, pelo deputado federal Roberto Fontes, também fortalecia sua candidatura. Embora não tivesse confirmado a intenção de entrar na disputa, até então, dificilmente Tony Gel conseguiria ficar fora do pleito – até para não comprometer seu futuro político. O nome de João Lyra Neto a essa altura já estava colocado. Sem um candidato com força suficiente para a disputa municipal e com apoio reduzido na Câmara, José Queiroz via-se com dificuldades ainda maiores para consolidar um esquema competitivo para 1996, ao contrário do que dissera seu filho à imprensa pernambucana pouco tempo atrás. A estratégia de criar uma nova força e um terceiro grupo não parecia dar certo. Além disso, Queiroz amargava um período difícil na questão administrativa. No início de novembro, pesquisa divulgada pelo Ibope sobre a popularidade dos prefeitos em Pernambuco apontou um alto índice de rejeição: 40% do eleitorado caruaruense não votaria nele, em nenhuma hipótese, conforme os dados apresentados. Além disso, 32% disseram preferir o José Queiroz da administração anterior. Ao contrário dos 90% de aprovação para seu primeiro governo, ele tinha agora 46% da opinião positiva da população. Por fim, o número de pessoas que consideravam seu segundo governo ruim ou péssimo triplicou, passando para 18%. Além das complicações jurídicas amplamente divulgadas pela imprensa estadual, as causas da queda de prestígio do prefeito eram atribuídas também à destituição da primeira-dama Carminha Queiroz do cargo de juíza
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classista da Junta de Conciliação, pelo uso de documentação irregular ao se candidatar para a função. Na área social, Queiroz andara brigando com os comerciantes pela localização da Festa do Comércio; com feirantes, se desentendeu em torno da retirada das cobertas de telhas e foi criticado pelo aumento das taxas de solo; também desagradou à população o aumento significativo do IPTU. No mesmo mês, o empresário Luiz Augusto confirmou ao Secretário de Governo de Miguel Arraes, Eduardo Campos, sua decisão de disputar a Prefeitura de Caruaru pelo PDT, partido que integrava a Frente Popular de Pernambuco. Até então, a candidatura de Luiz Augusto vinha sendo uma sucessão de anúncios e recuos. Especulou-se, em seguida, que o empresário tivesse intenção de ser “o candidato de consenso” da Frente Popular – fato que José Queiroz tratou de negar imediatamente. Queiroz, apesar de, a priori, manter apoio ao nome de Luiz Augusto, admitiu que poderia tentar a reeleição, caso a emenda que versava sobre o tema fosse aprovada no Congresso Nacional. O prefeito chamou a emenda de “casuística” e afirmou que preferia a candidatura de Luiz Augusto, por ser um nome estreante na política e não ter rejeição do eleitorado. Também afirmou que sua preferência nada tinha a ver com o potencial eleitoral de seus possíveis oponentes. Usava como exemplo a eleição de seu filho, Wolney, para deputado federal no ano anterior, dizendo ter votos próprios e, portanto, força para disputar as eleições municipais em 1996. Um levantamento privativo feito pela Frente Popular, no entanto, apontou que, num confronto direto com João Lyra Neto e Tony Gel, Queiroz empataria tecnicamente com o segundo, mas seria amplamente derrotado pelo primeiro. José Queiroz teria 23,1%, Tony Gel 21,4% e João Lyra Neto 45,3%. Com os papéis invertidos, a oportunidade de voltar a estreitar laços desfeitos foi inevitável. Anastácio Rodrigues viu no rompimento entre José Queiroz e a família Lyra a oportunidade para se reaproximar de antigos aliados e, assim, quem sabe, fazê-los reparar equívocos do passado. O instrumento para a reaproximação foi a publicação de um trabalho criterioso de pesquisa sobre o centenário da chegada do trem a Caruaru, através das páginas do Jornal Vanguarda – propriedade material dos Lyra e emotiva de Anastácio, antigo funcionário e colaborador do semanário por anos a fio.
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No ano de 1995, Caruaru comemorou os 100 anos da chegada do primeiro trem ao município. A data foi resgatada por Anas-
tácio Rodrigues. Conhecedor da História da cidade, ele teve a ideia de retratar cronologicamente a trajetória de implantação da Rede Ferroviária no município, em 1895. Anastácio foi várias vezes ao Recife, realizando inúmeras pesquisas no Arquivo Público de Pernambuco, na Rua do Imperador. A repartição não disponibilizava luvas nem máscaras para as consultas e ele acabou contraindo uma forte virose. Os esforços valeram a pena quando viu o trabalho pronto. A ideia era publicar reportagens em série e Anastácio projetou a venda do material ao Jornal do Commercio ou ao Diario de Pernambuco. Divulgaria o trabalho para todo o Estado e reaveria financeiramente os gastos gerados pela forma independente como fizera a pesquisa. Quis o destino que Anastácio procurasse o Jornal Vanguarda, em Caruaru, para oferecer a publicação. Foi até a redação com certa desconfiança e desconforto. Havia anos estava distante de um contato com a família Lyra, proprietária do semanário. E não havia superado as diferenças do passado. Mas esta foi a maneira que encontrou para renegar o ódio, alimentado por longos anos, desde que rompeu pessoal e politicamente com João Lyra Filho e seu grupo político. O ódio consome o ser humano e Anastácio, consciente do mal que fazia a si mesmo, deu um importante passo para libertar-se dos sentimentos negativos que o passado deixou nele. Depois de passar pelas mãos de Altair Porto, o trabalho sobre o centenário da chegada do trem foi publicado pelo Jornal Vanguarda integralmente, em um caderno especial. “Caruaru, há um século, viu o trem chegar”, foi o título da grande reportagem. Na apresentação, o semanário destacava a importância da pesquisa e louvava a contribuição de seu autor: “A chegada do trem de ferro, há cem anos, representou um divisor de águas para nossa cidade. Um evidente signo de progresso, uma prova concreta da nossa ligação com o novo mundo, que estabelecia suas bases sobre a tecnologia, a rapidez e a facilidade na comunicação. Passado um século, os caminhos dessa história que mudou as feições de um município emergente é recontada nas páginas do Vanguarda. Um trabalho minucioso e preciso, que Anastácio Rodrigues lega à sua terra”.
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É um trabalho do qual Anastácio se orgulha. Sempre que folheia os escritos diz que se impressiona e ‘questiona’ se foi ele próprio quem escreveu aquele texto. O caderno especial circulou na edição de dois de dezembro de 1995. Antes, foi lançado solenemente num evento na Estação Ferroviária de Caruaru. Anastácio discursou ao lado do então deputado estadual João Lyra Neto e do vice-governador Jorge Gomes. Também esteve presente o diretor administrativo da Rede Ferroviária, Gilberto Luna. O ex-prefeito não ganhou nada pelo trabalho. Mas sentiu-se em paz depois que voltou para casa. Seu primo, o jornalista Celso Rodrigues, já havia se reaproximado dos Lyra algum tempo antes, sem avisar Anastácio, fato que o deixou magoado. Agora, ele mesmo buscava superar as diferenças. Foi o pontapé para a volta de um relacionamento cordial e respeitoso com os Lyra, numa fase em que a discórdia era o principal ingrediente destes com o prefeito José Queiroz. Se Anastácio quis, espontaneamente, deixar para trás as diferenças e voltar a manter um relacionamento amistoso com a família Lyra, do ponto de vista pessoal, no campo político deixava clara sua oposição. Após um longo silêncio, o ex-prefeito deu demorada entrevista em janeiro de 1996, à Rádio Cultura de Caruaru. Anastácio foi categórico ao afirmar que não voltaria a concorrer a cargo público ou mesmo subir ao palanque de quem quer que fosse. Embora tenha deixado claro o seu apoio ao deputado Tony Gel (PFL) à prefeitura de Caruaru, em sucessão a José Queiroz. Instigado pelo radialista Ivo Sutter, Anastácio teceu análises sobre a conjuntura política em Caruaru e sobre as eleições que se aproximavam. Também falou do passado, de como ingressou na política e das dificuldades de ter sido prefeito pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição, em plena vigência do regime militar. Anastácio disse que procurava ser contido na época, para evitar a cassação. “Governei Caruaru, inclusive, com minoria na Câmara, pois eram seis vereadores do MDB contra sete da Arena e, além do mais, era constantemente chamado à 22ª CSM para dar “satisfações” ao coronel Leal, um “boa praça”, por conta de intrigas levadas a cabo pelos políticos da Arena”, comentou. (Ele assegura que dois oficiais que prestavam serviços à Circunscrição perseguiam a sua administração). O ex-prefeito lembrou-se de ter pedido ao deputado Fernando Lyra –
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ferrenho inimigo da ditadura – moderação nos discursos, quando da campanha para prefeito, em 1968. “Fernando me atendeu e deixou de colocar na pauta de seus discursos as perseguições que Dom Hélder Câmara sofria por parte dos militares e a já tão escandalosa situação de fome e miséria no País”. Fernando Lyra passou a centrar fogo em Drayton Nejaim e Anastácio venceu as eleições. Sobre as derrotas que o prefeito José Queiroz vinha sofrendo na Câmara, durante aquele período em que chegou a ter maioria tranquila, Anastácio disse que “o voto do vereador é sempre difícil” e que as derrotas do Executivo fazem parte do jogo democrático. Quanto à derrota do projeto que criaria a Guarda Municipal, o ex-prefeito foi irônico: “Seriam 150 guardas. Pondo a quatro votos cada um, seriam 600 votos”, calculou. Afastar-se da política e sair de cena também deixou Anastácio triste e taciturno: ele se sentiu esquecido e abandonado. Dizendo-se decepcionado com a política e cheio de sonhos frustrados, reiterou várias vezes durante a entrevista que não voltaria mais à vida pública. “Já fui incendiário, mas não sou bombeiro. Este Brasil que aí está é o contrário do que eu sonhava. São 50 anos de vida política e 50 anos de decepção”, desabafou. Outra informação que repercutiu, naquele período, foi a notícia de que o empresário Adolfo José teria pedido uma dotação, em dinheiro, para ser o candidato à sucessão municipal pelo PDT. Cada vez mais distanciado do grupo Lyra, o prefeito José Queiroz decidiu lançar um candidato para derrotar João Lyra Neto nas eleições de outubro de 1996. A nota foi divulgada na coluna “Confidencial”, do Jornal Vanguarda, e Adolfo não gostou nada da publicação, quando tomou conhecimento. Embora o redator tenha lhe informado que a informação fora repassada por fonte ligada ao PDT municipal, Adolfo disse estar magoado com o teor da nota. O empresário esclareceu que, na verdade, até se dispunha a investir, do seu patrimônio, numa campanha política, mas apenas na propaganda. O que não admitia, insistiu, era pegar dinheiro – seu ou de quem fosse – para comprar votos. Disse ainda que foi essa prática que o fez ficar desgostoso com a política, a ponto de não mais pleitear cargos públicos e mudar-se para a Bahia, para cuidar de negócios particulares. Se ainda não era o candidato escolhido por José Queiroz para sucedê-lo,
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Adolfo deixou clara sua disposição para a disputa. Afirmou que sempre sonhou em administrar sua terra natal e que poderia voltar a exercer algum mandato. Disse ainda que, se fosse prefeito de Caruaru, iria procurar pessoas com comprovada competência e conhecimento dos problemas do município, inclusive o deputado João Lyra Neto. Adolfo informou que até o momento não havia sido convidado por nenhuma das facções políticas locais para ser candidato. “O que houve foi, por iniciativa minha, a refiliação ao PDT, partido do qual fui fundador e do qual fui afastado por divergências políticas com Fernando Lyra. Como Fernando está agora no PSB, achei oportuno voltar ao meu antigo partido. Nada mais”, desconversou. O período pré-eleitoral era de costuras políticas e também de desavenças. Depois que a Câmara Municipal rejeitou projeto que autorizaria a prefeitura a contrair empréstimo de R$ 5 milhões junto à Caixa Econômica Federal, o prefeito José Queiroz passou a culpar os deputados João Lyra Neto e Tony Gel pela derrota. Como justificativa, os vereadores apontaram o fato de o prefeito não detalhar onde e como gastaria os recursos. Panfletos anônimos passaram a circular pela cidade contra os vereadores de oposição e contra os deputados do PFL e PSB. Tony Gel manifestou seu desagrado à reação de Queiroz e creditou a ele a autoria dos panfletos apócrifos. “Não sou eu o culpado por suas derrotas na Câmara. José Queiroz desrespeita todos os vereadores de Caruaru, ao considerar qualquer deles como ‘pau mandado’ de A ou B”, criticou. O deputado também disparou contra a postura ditatorial do prefeito que, segundo ele, costumava chamar de “inimigos de Caruaru” os que não rezavam pela sua cartilha. “O deputado Wolney Queiroz vota sistematicamente contra os projetos de Fernando Henrique Cardoso, nem por isso o presidente já se utilizou de programa radiofônico pago com dinheiro público para chamar o deputado de inimigo do Brasil”, ironizou. Tony Gel definiu como altamente condenável o fato de que pessoas ligadas ao prefeito José Queiroz estivessem circulando pela Câmara Municipal, assediando vereadores com propostas de “presentes”, como carros e terrenos, para que votassem a favor de projetos do Executivo. O deputado federal classificou o comportamento de José Queiroz como
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de alguém “desesperado”, pois a sete meses da eleição municipal, “já se configura uma polarização entre nossa candidatura e o grupo Lyra”. E foi enfático, ao concluir que, a culpa da relação acirrada com os vereadores era do próprio José Queiroz, “que faz política destruindo alianças ao invés de somar”. As declarações de Tony Gel puseram fim à especulação da imprensa estadual, de que ele e José Queiroz poderiam se unir nas eleições municipais para derrotar João Lyra Neto. Também esclareciam que Tony era candidatíssimo e iria disputar a Prefeitura de Caruaru pela segunda vez. Se a coisa não estava nada boa no relacionamento com o Legislativo, internamente o prefeito José Queiroz também enfrentava algumas crises. No mês de março, o vice-prefeito Demóstenes Veras Filho tornou público seu afastamento do prefeito. Revelou que o relacionamento entre ambos era “respeitoso”, mas estavam agora afastados política e administrativamente. Presidente do PMDB municipal, ele reiterou que seu partido apresentaria chapa completa para as eleições de outubro. Colocou-se como pré-candidato à sucessão de Queiroz, dizendo que Caruaru precisava de uma linha política independente, mas não eliminou a possibilidade de composição com outras legendas. Em meio às discussões e críticas disparadas de todos os lados, o prefeito José Queiroz se antecipou e, em fins de março, confirmou em entrevista à Rádio Cultura a candidatura de Adolfo José para sucedê-lo. “As coisas caminham para uma radicalização”, previu. Como vimos, Adolfo José foi candidato a prefeito pela primeira vez, em 1982, lançado por Drayton Nejaim. Disputou a eleição justamente contra José Queiroz e, mesmo tendo um percentual de votos maior que o do adversário, acabou derrotado pela soma das sublegendas. A pequena votação obtida por Anastácio Rodrigues foi decisiva para garantir a vitória de Queiroz. E a derrota de Adolfo. Em 1986, Adolfo foi eleito deputado estadual. Dois anos depois, quis novamente ser candidato a prefeito de Caruaru. Insistiu o quanto pôde. A articulação de Fernando Lyra junto a Leonel Brizola impediu que Adolfo saísse candidato pelo PDT. Como troco, ele aceitou ser vice na chapa encabeçada por Tony Gel. João Lyra Neto venceu a eleição por curta margem de votos. A união de Adolfo e José Queiroz foi questionada pelos adversários, inclu-
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sive por Tony Gel, que criticou publicamente a aliança. Em resposta, Queiroz disse que não existiam proibições para que antigos adversários políticos se juntassem ou antigos aliados se separassem, pela dinâmica da própria política. O prefeito também aproveitou para criticar os vereadores que não aprovaram seu projeto de empréstimo junto à Caixa Econômica, insistindo na não necessidade de indicar onde e como gastaria os R$ 5 milhões pleiteados. José Queiroz declarou que utilizaria a derrota para colher dividendos políticos, pedindo nos bairros que os eleitores derrotassem os vereadores que se recusaram a aprovar o empréstimo – mesmo sem o referido detalhamento técnico-financeiro. Queiroz ressaltou ainda que não aceitaria receber uma comissão suprapartidária para discutir o assunto, porque tal comissão inevitavelmente abrigaria vereadores que o atacam. “Com esses eu não quero conversa”, enfatizou.
“Se dependesse de mim, eu já estaria com a campanha nas ruas”, confirmou Adolfo José, logo após o anúncio feito por José Queiroz de que seria indicado para a sucessão. O empresário já estava fazendo algumas visitas a Caruaru com o objetivo de conquistar aliados. Adolfo questionou a polarização entre João Lyra Neto e Tony Gel, já que nenhum dos dois teria anunciado que eram candidatos. O pré-candidato disse também que se existisse favoritismo era em torno do candidato do prefeito, que, segundo ele, vinha fazendo uma administração exemplar. Adolfo explicou ainda que não acreditava no surgimento de um quarto candidato, previsão que se mostraria equivocada, já que o PT iria lançar a candidatura de Laércio Emídio. Longe da política há vários anos, Adolfo apostava num discurso voltado para obras sociais, como elemento fundamental para reativar a memória do eleitorado. Sem querer atacar os possíveis adversários, o empresário sonhava em ser o candidato do consenso e lembrava aos caruaruenses que João e Tony já possuíam mandatos de deputados. “O que Caruaru precisa é de um prefeito para administrar os recursos adquiridos por estes deputa-
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dos”, reforçou. Antes de confirmar sua candidatura, o deputado federal Tony Gel foi alvo de críticas de ninguém menos que o ex-presidente Fernando Collor. Em entrevista a uma rádio de Caruaru, no mês de abril, Collor insinuou que a amizade e o apoio do deputado caruaruense à época em que era presidente da República, não passaram de oportunismo político. Fernando Collor igualou Tony Gel e Roberto Fontes no mesmo nível quando disse não estar surpreendido com o afastamento de ambos, agora que estava cassado e praticamente no exílio. “Certos amigos desaparecem quando o sol para de brilhar. Eles devem andar muito ocupados com seus afazeres”, alfinetou. Ao mesmo tempo, Collor enaltecia o ex-senador Ney Maranhão, a quem se referiu como “homem sério, valente, que nunca se entregou aos poderosos, nem jamais faltou com sua lealdade a mim”. O pernambucano Ney Maranhão integrou a “tropa de choque” de Collor. Ele carregava na cintura uma “arma potente” no momento em que acompanhou Fernando Collor até o helicóptero, instantes depois de o presidente ter sido notificado de que tinha sido afastado do poder. Quando faleceu, em 11 de abril de 2016, aos 88 anos, Ney Maranhão era assessor de Collor no Senado Federal. Na mesma entrevista, perguntado sobre se a barragem de Jucazinho seria concluída se ele ainda estivesse no poder, Collor fez ar de surpresa: “Como? Jucazinho não saiu ainda? Mas eu mandei o dinheiro, incluí no orçamento, mandei a verba para aquele rapaz... o governador... como é mesmo o nome dele... um que vai e vem... Joaquim Francisco... ele não construiu a barragem, não?”, insistiu. A imprensa caruaruense apontou a declaração de Collor como “ingratidão”, destacando que Tony Gel foi um dos únicos deputados a votarem contra o impeachment do ex-presidente. Enquanto isso, Tony Gel demonstrava que estava mesmo preocupado com sua candidatura. E passou a manter contatos com o vice-prefeito Demóstenes Veras Filho, no sentido de viabilizar uma aliança com o PMDB. Seu interesse no PMDB não estava apenas nos bons quadros do partido em Caruaru, mas também pelos cinco minutos que a sigla possuía no horário gratuito de rádio e TV. Tony esperava uma reedição da eleição de 1988.
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Desta vez, porém, contava com a vitória, pela divisão das forças que o derrotaram anteriormente. Ele declarou que, apesar da utilização da máquina pública por parte do prefeito José Queiroz, seu eleitor deveria permanecer fiel. Mesmo sem experiência como gestor, Tony Gel acreditava que o eleitorado deveria lhe dar uma chance, pois já conhecia seu trabalho como político no Legislativo. “Caruaru saberá transpor para as urnas a aprovação que já me deu como deputado”, acreditava. O último fim de semana do mês de junho foi marcado pela realização das convenções municipais dos partidos. O PSB, liderado no Estado pelo governador Miguel Arraes, lançava oficialmente a candidatura de João Lyra Neto para prefeito. Deputado estadual, João voltava a disputar o cargo pela segunda vez, tendo como vice o médico Antônio Vieira, secretário de Saúde durante a sua primeira administração.
JOÃO LYRA NETO DISPUTA MAIS UM MANDATO DE PREFEITO João Soares Lyra Neto nasceu na casa número 71, da rua Floriano Peixoto, em Caruaru, no dia 24 de janeiro de 1947. Filho da professora primária Guiomar da Fonseca Farias Lyra e do empresário João Soares Lyra Filho, o garoto viveu a maior parte da infância no centro da cidade ainda pouco desenvolvida. No ano em que nasceu, a população do município voltou a participar de eleições diretas para prefeito e vereadores, após o período da ditadura do Estado Novo, implantada por Getúlio Vargas. A eleição de 1947, em Pernambuco, representou o duelo entre as duas grandes forças partidárias: o Partido Social Democrático (PSD), regido pela supremacia dos coronéis, e a União Democrática Nacional (UDN). A campanha foi uma das mais tumultuadas da história política pernambucana. Derrotando a hegemonia do PSD, dos Pontes Vieira, o industrial Pedro Joaquim de Souza foi o primeiro prefeito de Caruaru eleito após o período de redemocratização iniciado em 1945. O pequeno João estudou o jardim da infância no Colégio das Freiras, o
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Sagrado Coração. Em seguida, os pais o matricularam no Externato Nossa Senhora Auxiliadora, que pertencia às irmãs Lupércia e Geninha Barros Coelho. Lá, ele cursou o primário. Aos dez anos, vestido de branco, recebeu a primeira comunhão na Igreja do Rosário, através do padre Severino. A ação religiosa foi iniciativa do externato, que promovia a Primeira Comunhão dos alunos. No Externato Nossa Senhora Auxiliadora havia um grêmio escolar. Ainda criança, João Lyra chegou a ser eleito presidente do grêmio pelos estudantes. Na infância, gostava muito de futebol e de cinema. No prédio, onde hoje está localizada a agência central do Banco do Brasil funcionava o Cine Caruaru, mais conhecido pelo nome de seu proprietário, Santino Cursino. Havia também o Cinema Santa Rosa. Mas João frequentava mesmo as matinês de Santino. “A minha principal diversão era ir ao cinema e jogar futebol”, recorda. Em 1959, ano em que seu pai João Lyra Filho foi eleito prefeito de Caruaru, João Lyra Neto tinha 12 anos e foi estudar no Recife. Inicialmente, no Colégio Marista, na Avenida Conde da Boa Vista, após a aprovação no concorrido exame de admissão ao ginásio. Passou cinco anos no Marista, depois foi transferido para o Colégio Nóbrega, que oferecia o curso Clássico, direcionado a quem pretendia estudar Letras, História ou Direito. Aos 17 anos, foi aprovado no vestibular da tradicional Faculdade de Direito do Recife. Sua chegada à tradicional instituição ocorreu num período de intensa contestação ao regime militar. Lá, ele teve envolvimento com o movimento estudantil, que era muito ativista politicamente e, por isso, não escapava de infiltrações dos informantes da ditadura. “Era o auge do movimento e a Faculdade de Direito era um dos núcleos de maior resistência à ditadura. E tornava-se muito visada pelo sistema de segurança. Promovemos muitas caminhadas e passeatas”, rememora. No segundo ano de curso, João Lyra Neto suspendeu a matrícula e voltou para Caruaru. Retornou motivado pela necessidade de assumir a direção da Rodoviária Caruaruense, pertencente à família. Em 1966, o seu irmão Fernando Lyra foi eleito deputado estadual e o pai João Lyra Filho, deputado federal, vendo-se forçados a abandonarem o comando da empresa que eles gerenciavam.
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A campanha de 1966 deixou a família Lyra abalada financeiramente. Além disso, houve também uma crise no setor de transportes e João Lyra Neto não teve outra saída a não ser suspender o curso e retornar a Caruaru para ajudar a recuperar a situação financeira da família. Passou dois anos sem estudar, dedicando-se às ações empresariais. Logo depois, retomou o terceiro ano do curso na Faculdade de Direito de Caruaru. Formou-se advogado em 1972. No ano de 1968, havia assumido a presidência da Fundação Assistencial, Educacional e Cultural de Caruaru. A instituição foi criada em 1º de maio de 1967 e teve como um dos idealizadores o jornalista Celso Rodrigues. No comando da entidade, João Lyra Neto desenvolveu forte ligação com o movimento cultural em Caruaru, sobretudo com os representantes do teatro. Os contatos com Vital Santos e outras figuras do Teatro de Amadores resultou na criação do Teatro João Lyra Filho. “Com o teatro em construção, promovemos, pela primeira vez no Nordeste, um Festival Nacional de Teatro Amador, com participação de 16 Estados. Paschoal Carlos Magno veio para o encerramento do evento”, destaca. Quando assumiu o diretório municipal do MDB, João Lyra iniciou sua atividade política. Em 1966, por exemplo, participou das campanhas de Fernando Lyra e João Lyra Filho para deputado estadual e federal, respectivamente. “Em 1968, participei ativamente da campanha de Anastácio Rodrigues para prefeito de Caruaru. Ele fez uma campanha muito bonita e nós ganhamos as eleições”, afirma. João Lyra Neto também atuou na campanha de 1972, quando seu pai João Lyra Filho foi novamente eleito prefeito de Caruaru, sucedendo Anastácio. Em 1976, participou da primeira campanha do prefeito José Queiroz, derrotado por Drayton Nejaim. No ano de 1982, seu grupo lançou três candidatos, através das sublegendas do PMDB: José Queiroz, João Miranda e Anastácio Rodrigues. João Lyra Neto teve seu nome cogitado para disputar a Prefeitura de Caruaru em 1982. A intenção era apresentá-lo como candidato de conciliação para aglutinar os desentendimentos internos, principalmente entre o vereador Fernando Soares e o médico João Miranda. “Fui cogitado para ser candidato, mas Queiroz disputou e venceu a eleição para um mandato de
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seis anos”, esclarece. Quando o país passou a clamar por eleições diretas para presidente da República, João Lyra Neto integrou o Comitê Estadual das “Diretas Já”. Ele foi um dos organizadores, junto ao militante político Bruno Maranhão, do grande comício realizado no largo da Coletoria, em Caruaru. O movimento contou com a participação de mais de 10 mil pessoas e de grandes lideranças políticas nacionais. O primeiro mandato popular veio em 1988, quando João Lyra Neto foi eleito prefeito de Caruaru, alcançando ao final do governo o surpreendente índice de 93% de aprovação popular. Em 1994, ele foi eleito deputado estadual com a maior votação recebida, até então, por um candidato ao cargo na cidade: 28.030 votos. Em sua breve passagem pelo Legislativo, exerceu a vice-liderança da bancada do governo Miguel Arraes. Na Assembleia Legislativa, também foi membro titular da Comissão de Constituição e Justiça, integrou as Comissões de Negócios Municipais e Acompanhamento Salarial. Em 1996, disputaria pela segunda vez a Prefeitura de Caruaru, tendo novamente como adversário Tony Gel, agora eleito deputado federal. Dias antes das convenções partidárias, o prefeito José Queiroz disse à imprensa, em Brasília, onde se encontrava em busca de recursos federais, que não queria a participação do governador Miguel Arraes nas eleições municipais de Caruaru. Queiroz afirmou que a campanha seria polêmica e por isso esperava que o governador não se envolvesse. O prefeito deixava de levar em conta alguns fatores importantes: João Lyra Neto era vice-líder do Governo na Assembleia e seu irmão Fernando Lyra líder do PSB na Câmara dos Deputados. Além disso, o PDT havia rompido com a Frente Popular e não apoiaria o senador Roberto Freire, candidato de Arraes à prefeitura do Recife, tendo como vice exatamente Fernando Lyra. A resposta do governador ao apelo do prefeito foi negativa. Arraes não criticou Queiroz, apenas reiterou que era neutro em relação ao prefeito de Caruaru. “Sou amigo dele, gosto dele e acho-o capaz”, disse o governador, ressalvando que não tinha nenhum motivo para não subir no palanque de João Lyra Neto. Miguel Arraes não participou da convenção do PSB, no sábado, 29 de ju-
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nho, no auditório da Rádio Jornal de Caruaru. Mas a presença do vice-governador Jorge Gomes e do Secretário da Fazenda, Eduardo Campos, confirmavam diretamente de que lado ele estava. No domingo, 30, na Câmara Municipal, o PFL homologou a candidatura de Tony Gel. Além de conquistar o apoio do PMDB, o deputado anunciou como vice o juiz aposentado Demóstenes Veras, pai do vice-prefeito Demóstenes Veras Filho. Este teve que justificar a decisão de aliar-se a Tony Gel já que desde o início do ano vinha sustentando que seria candidato a prefeito, propondo uma “renovação dos quadros políticos de Caruaru”. O vice-prefeito alegou motivos de ordem financeira, política e eleitoral. Disse que as pesquisas confirmavam a polarização entre João Lyra Neto e Tony Gel. “Então, entre optar por João Lyra Neto, cuja família domina a política local há 40 anos, optamos por Tony Gel, que para nós representa o novo”. Demóstenes Filho também teve que se esquivar das contradições que a imprensa apontou na união. Primeiro, que estava se aliando a um deputado eleito apoiando Fernando Collor para presidente, além de ter sua origem política nos tradicionais nichos da direita. E, naturalmente, a eleição de 1988 veio à tona, com jornalistas relembrando o comportamento de Tony Gel após a divulgação do resultado. Contestando os números e apontando fraude no processo, Tony dirigiu vários ataques à junta apuradora, quando o pai de Demóstenes Filho era juiz eleitoral e co-assinou veemente nota contra Tony Gel, desafiando-o a provar a fraude ou desistir da carreira política. Mas Demóstenes foi político e tratou de citar os episódios como “questões pessoais” e, portanto, menores diante da importância maior do progresso de Caruaru. Centenas de pessoas, a maioria portando bandeiras e vestindo camisetas do candidato Adolfo José, foram à Estação Ferroviária, no mesmo domingo, 30 de junho, para a convenção pedetista. Sem a presença de autoridade política de destaque, o prefeito José Queiroz apresentou oficialmente os nomes de Adolfo e do vice, o ex-vereador Wellington Batista. Queiroz disse que a candidatura já era vitoriosa pelo reconhecimento da população ao seu governo. “Não precisamos de jornal nem de rádio para eleger nosso candidato”, frisou, alfinetando os dois concorrentes. O deputado estadual João Lyra Neto, vice-líder do governo Miguel Ar-
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[1] Solenidade na Câmara de Vereadores reúne os ex-prefeitos José Queiroz, João Lyra Neto e Anastácio Rodrigues [2] Sorridente, ao lado do professor Lourival Vila Nova, homenageado pela Câmara de Caruaru [3] Em 2000, João Lyra Neto e José Queiroz se reaproximaram, mas não conseguiram eleger Jorge Gomes prefeito [4] Anastácio abraça Beatriz e Dulcinéia, netas do Major João Salvador dos Santos, primeiro prefeito de Caruaru [5] Dona Zina, viúva de João Elísio Florêncio, aplaude Anastácio quando este recebeu medalha da Câmara de Vereadores, em 1996 [6] Ao lado de Neco Affonso, prefeito de Caruaru quando Anastácio era adolescente [5]
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raes na Assembleia Legislativa, passou a centrar fogo em seus dois principais adversários: o prefeito José Queiroz e o deputado federal Tony Gel. Ele defendia a politização da campanha “para livrar o eleitor de mistificações”. Para João Lyra Neto, seus adversários disputavam os votos pautados em incoerências. Ele costumava criticar, por exemplo, o fato de Tony Gel ter em Caruaru um discurso voltado para os pobres e desempregados, mas em Brasília votar com o governo “sempre contra os interesses do trabalhador”. Na largada inicial da campanha, o advogado Luiz Costa acionou a Justiça para denunciar o candidato a prefeito Adolfo José (PDT) por utilizar o interior de prédios públicos para pedir votos. O processo incluía o prefeito José Queiroz, a primeira-dama Carminha Queiroz, a candidata a vereadora Edileuza Portela e a esposa de Adolfo, Josenice Torres. Entre o eleitorado o clima também era de guerra, com o debate da Rádio Jornal, agendado para o dia oito de agosto, sendo cancelado devido ao tumulto das “torcidas”. Uma multidão invadiu a Câmara Municipal, onde aconteceria o debate, e os seguranças não puderam conter o tumulto. O radialista Maciel Júnior ainda tentou prosseguir com o debate, mas recuou diante das manifestações. A emissora – que promoveu o evento em parceria com o Sindloja – passou a culpar Tony Gel pelo tumulto, dizendo que o candidato, além de incentivar a presença do público, mentiu no seu guia eleitoral. A Rádio Jornal informou que, depois de concordar com o adiamento, Tony Gel autorizou o locutor de seu programa eleitoral a dizer que os demais candidatos fugiram do debate. Dias depois, Tony Gel foi a grande ausência do debate promovido pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru (Fafica). O evento foi coordenado pelo bispo diocesano Dom Antônio Costa, que criticou a ausência do deputado. Tony havia ligado um dia antes para avisar que estava em São Paulo e que dificilmente chegaria a tempo. Tony Gel não costuma fugir dos grandes debates nas campanhas de que participa. No entanto, é notório seu desconforto e total desinteresse para participar de discussões em faculdades ou universidades, onde o público é sempre mais politizado – talvez por acreditar que a base de seu eleitorado está nas periferias e no campo, ou pela experiência de que seus adversários sempre levam vantagem entre os estudantes.
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Uma lista atribuindo notas a todos os deputados federais que concorriam às eleições municipais em 1996 apimentou a campanha em Pernambuco e em Caruaru. A avaliação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) atribuiu nota zero a Tony Gel por votar sistematicamente contra os interesses dos trabalhadores no Congresso. Fernando Lyra, candidato a vice-prefeito do Recife, recebeu nota nove. Wolney Queiroz que não era candidato recebeu nota seis. Para chegar a esse resultado, o Diap escolheu as 10 principais votações de interesse dos trabalhadores e analisou o desempenho de cada parlamentar candidato, num total de 115 no Brasil. O resultado negativo de Tony Gel foi fruto de seu apoio incondicional às propostas do governo em matérias de ordem econômica. Passada a polêmica, a Rádio Jornal fez uma segunda tentativa para promover um debate entre os candidatos. Desta vez, o local escolhido foi o auditório da própria emissora. Apenas jornalistas e assessores de campanha foram autorizados a acompanhar da plateia. Sem os transtornos que ocorreram anteriormente, João Lyra Neto, Tony Gel, Adolfo José e Laércio Emídio ficaram à vontade para expor seus programas de governo e defender suas posições, sem o constrangimento das vaias. O debate foi mais acirrado entre Tony Gel e João Lyra, embora Tony tenha sido bastante agressivo com o candidato da Coligação Caruaru Pela Esquerda, o petista Laércio, a quem chamou de “boi de piranha”, pela sua afinidade com João Lyra Neto. Uma das perguntas mais polêmicas foi feita pelo mediador. A certa altura, ele questionou o candidato Tony Gel sobre as acusações que fizera no passado de que sua eleição, em 1988, foi roubada pelos adversários. Quando questionou a lisura do pleito, Tony ficou mal inclusive com os juízes. Um deles, era Demóstenes Veras, agora candidato a vice-prefeito em sua chapa. “Quem mudou: o juiz Demóstenes Veras ou Tony Gel?”, perguntou o radialista Fonseca Júnior. O candidato do PFL exibiu um ofício que enviou, na época, aos juízes, isentando-os e culpando alguns escrutinadores. Em seguida, João Lyra Neto, para contrariá-lo, exibiu um artigo pago de jornal onde os juízes – inclusive Demóstenes Veras – desafiavam Tony Gel a provar a fraude ou renunciar para sempre a qualquer candidatura política. “Não
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ocorreu uma coisa nem outra”, ironizou Lyra. A campanha começava a esquentar e a Rádio Liberdade AM foi punida com 72 horas fora do ar por descumprimento da legislação eleitoral. No dia 24 de agosto, repercutia a notícia da morte do vereador Luiz Gonzaga (PSB), cujo corpo foi velado na Câmara Municipal. Gonzaga foi vitimado por um câncer no pulmão. Ele foi vice-prefeito de Caruaru no segundo governo João Lyra Filho, que sucedeu Anastácio Rodrigues.
Uma pesquisa realizada pela empresa recifense Arconsult, publicada pelo Jornal do Commercio no início de setembro, foi criticada veementemente por Tony Gel e Adolfo José. Os dados apontavam João Lyra Neto como favorito, com 44% das intenções de voto. Tony Gel teve 30% e Adolfo José apenas 9%. Laércio Emídio, cuja candidatura era mais política do que eleitoral, foi citado por apenas dois entrevistados, não figurando no resultado final da pesquisa. Engajado na campanha, o ex-prefeito João Lyra Filho participou de um comício ao lado da prefeitura, no centro de Caruaru. Militância empolgada. Em sua fala, João Lyra Filho recitou um slogan utilizado pela oposição e fez uma analogia que, inicialmente, assustou a militância. “Lyra nunca mais, Lyra nunca mais, Lyra nunca mais... vai deixar de comandar Caruaru”. O povo foi ao delírio. Quando Fernando Lyra discursou, a plateia ferveu. Três pesquisas registradas na Justiça Eleitoral de Caruaru, naquele mês, mostravam a liderança do candidato da Frente Popular, João Lyra Neto, sobre seu principal oponente, o deputado Tony Gel. João Lyra também venceu três eleições simuladas nos colégios Geo, Diocesano e Estadual. Os dados apontavam ainda que ele tinha a menor taxa de rejeição e o melhor índice de fidelidade eleitoral. Em algumas pesquisas, como a do Ipesp, Tony Gel perdia para João Lyra Neto por apenas 3% – o que configurava um empate técnico. Em síntese, os eleitores de Tony poderiam se apegar a uma esperança. Mas os de João Lyra Neto tinham dados confiáveis e objetivos para alimentar sua expectativa de vitória. Em outros casos, os motivos de festa desapareciam para os opositores, com a Arconsult apontando uma diferença de 14% em favor de João.
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Depois que os eleitores foram às urnas, João Lyra Neto e Tony Gel acompanharam o desenrolar das apurações com ansiedade. A apuração dos votos da zona rural, concentrados na 41ª zona, francamente favorável a Tony Gel, dava-lhe esperanças, enquanto João Lyra esperou pacientemente o final da apuração da 41ª, que como era de se esperar, lhe foi bastante desfavorável, para declarar sua confiança na vitória. Em entrevista à Rádio Liberdade, um dia antes do anúncio final, Tony Gel ainda exibia confiança na vitória, mas numa frase deixou transparecer que perderia a eleição: exatamente ao declarar que continuaria sua luta pela barragem de Jucazinho na Câmara Federal. Conforme apontaram as pesquisas, João Lyra Neto foi eleito prefeito de Caruaru pela segunda vez nas eleições de outubro de 1996, por uma diferença de 1.416 votos em relação ao segundo colocado, o deputado Tony Gel. No total, João Lyra teve 46.456 votos (44,87%) e Tony Gel 45.040 votos (43,50%). Adolfo José, candidato do prefeito José Queiroz, somou apenas 9.211 votos, índice já previsto pelas pesquisas. Após o anúncio oficial, João Lyra Neto disse que a eleição foi difícil e que a tentativa do prefeito José Queiroz de criar uma terceira via não surtiu efeito. Segundo Lyra, Queiroz foi o grande derrotado daquela eleição e a fragorosa derrota de Adolfo demonstrava que “o povo de Caruaru não aceitava a maneira de José Queiroz fazer política”. Ao comentar a derrota, Adolfo José apenas lamentou o fato de não ter conseguido empolgar o eleitorado e manifestou o desejo de que alguns itens de seu programa de governo fossem postos em prática pelo vencedor. Num discurso pronunciado através da Rádio Liberdade, Tony Gel admitiu a vitória de seu adversário e declarou que avaliava o resultado das urnas como um suposto desejo do povo para que continuasse deputado. Em entrevista para o livro, Tony Gel também reconheceu a derrota. “Foi uma eleição muito difícil. Aceitei e continuei como deputado”. O prefeito José Queiroz veiculou mensagem na TV, à noite, juntamente com o deputado Wolney Queiroz, pregando “paz” e parabenizando o eleito pela vitória. Uma particularidade da eleição de 1996 é que João Lyra Neto contou com um tempo de programa eleitoral muito inferior aos de Tony Gel e Adolfo Jo-
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sé. Lyra Neto explicou ao autor do livro que a decisão de José Queiroz ao lançar um candidato naquela eleição foi exclusivamente para derrotá-lo. “Ele [Queiroz] sabia que o candidato dele não ganharia, mas tiraria votos meus, para que eu pudesse perder a eleição”, comentou. Em seu livro de memórias, o juiz Demóstenes Veras, candidato a vice-prefeito na chapa derrotada de Tony Gel, definiu a eleição municipal de 1996 como uma batalha travada pelo povo contra o poder econômico “que se amparou, ainda, no governo do Estado, dito popular e socialista, rotulado de esquerda erroneamente, o qual uniu a máquina administrativa, o dinheiro dos precatórios, para torcer o resultado das urnas, conseguindo-o a duras penas”, acusou. “Dou semelhante depoimento, porque a tudo assisti e porque participei de todos os atos da campanha, na qualidade de candidato a vice-prefeito na chapa encabeçada por Tony Gel, pessoa de quem discordei no início, quando ele, ainda imaturo ou noviço no ramo, perdida a eleição municipal de 1988, saiu ‘atirando’ adoidadamente, para justificar a derrota”, continuou. O caso dos precatórios, ao qual Demóstenes Veras se refere, foi um escândalo que ganhou proporção nacional e quase arruinou a vida pública de Eduardo Campos. Em 1996, Eduardo era secretário da Fazenda do seu avô, Miguel Arraes, então governador do Estado, e membro do Conselho de Administração do Bandepe. Pernambuco tinha dívidas vencidas de R$ 253 milhões, o que serviu de justificativa para a emissão de R$ 480 milhões em títulos, entre junho e novembro daquele ano. No ano seguinte, como deputado federal, Eduardo Campos depôs na CPI do Congresso Nacional que investigou irregularidades com títulos públicos para pagamento de precatórios. Eduardo foi inicialmente condenado por assinar documentos que “permitiram a fraude da emissão de títulos a pretexto de pagamento de precatórios judiciais em valores muito acima do débito” – conforme processo administrativo do Banco Central. O Conselho teria considerado, com base em pareceres da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional que, como secretário da Fazenda, ele conhecia “toda a operação e permitiu ou deliberadamente provocou” o envolvimento do banco no “negócio lesivo” ao Estado. O escândalo dos precatórios levou Eduardo Campos a enfrentar a pior
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fase de sua vida pública, levando à vitória de Jarbas para o governo estadual em 1998. Eduardo passou a ser visto como uma espécie de “leproso”. Aos poucos amigos que permaneceram ao seu lado, Campos costumava repetir que aprendeu com o avô Miguel Arraes que o político deve ser um “ser paciente”. “E paciência eu tenho de sobra”, completava. Somente em 2003, Eduardo Campos foi inocentado das acusações de falsidade ideológica e crime contra o Sistema Financeiro Nacional pela Justiça. Em dezembro de 2009, com Eduardo Campos ocupando o cargo de governador de Pernambuco, o caso dos precatórios voltou a assustá-lo. Campos e outros dois diretores do extinto Bandepe – Wanderley Benjamin de Souza e Jorge Luiz Carneiro de Carvalho – foram proibidos de integrar a direção administrativa de instituições financeiras fiscalizadas pelo Banco Central por três anos – prazo que vigorou até dezembro de 2012. O motivo: “infração grave” na negociação irregular de títulos públicos. O assunto veio à tona, em 2009, após publicação da revista Época. Por meio de nota, o Governo de Pernambuco disse que o assunto estava “vencido pelos fatos” e que a revista tentava dar “ares de escândalo a matéria julgada, por unanimidade, pelo STF”. Destacava ainda que o STF “inocentou de maneira inequívoca, definitiva e irrecorrível o ex-governador Miguel Arraes e o atual governador Eduardo Campos”. A revista Época enfatizou que a absolvição pela Justiça livrou Eduardo Campos do problema penal. Mas ele não conseguiu a mesma certidão de “nada consta” em outro julgamento, de natureza administrativa. Em seu livro de memórias, Demóstenes Veras, ao rememorar a eleição de 1996, também se rendeu aos encantos do radialista que se transformou numa das principais lideranças políticas de Caruaru. “Tony Gel foi como Chico do Leite outro fenômeno caruaruense, só que Chico do Leite foi um meteoro, e Tony Gel se transformou numa estrela, ou seja, veio para ficar, não desmoronou politicamente e tem, hoje, um futuro promissor em Pernambuco”, avaliou. Segundo Demóstenes Veras, Tony Gel “veio do povo, tem cheiro de povo e não foi alavancado por outra força que não a do seu próprio destino e essa característica é o que intriga e revolta muita gente em Caruaru”. E acrescentou: “Rapaz simples, locutor de rádio que se fez por mérito próprio, ex-fave-
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lado, Tony Gel, no começo rejeitado pelas elites, vem se impondo”. Para o juiz, a ascendente trajetória de Tony Gel representava um termômetro das transformações sociais e da evolução de Caruaru. “Não é um fogo de palha que queima intensamente e logo desaparece, como pensávamos muitos, no início, chegando-se a dizer que ele não passaria do primeiro mandato parlamentar, como aconteceu a Paulo Marques, locutor recifense, candidato a deputado federal, mas de um só mandato”, comparou. Em analogia, traçou um perfil quase messiânico de Tony Gel. “Só quem convive com ele, ou faz campanha ao seu lado, como ocorreu comigo, sabe o carinho que o povo humilde lhe dedica. É verdadeira devoção, comparável, em certos aspectos, até à que o povo demonstrou em relação ao Padre Cícero e a Frei Damião”. O resultado da eleição deixou muitos insatisfeitos em Caruaru, entre eles o vereador José Rabelo, que até bem pouco tempo antes da disputa era líder do governo José Queiroz na Câmara Municipal. Sentindo-se injustiçado por não haver sido reeleito, Rabelo fez virulentas críticas ao próprio Queiroz, na tribuna da Casa Legislativa. A reunião, aliás, transformou-se numa noite de lamentações para os vereadores não reeleitos. Rabelo condenou o fato de o prefeito ter ido à televisão com seu filho, Wolney, parabenizar João Lyra Neto pela eleição. Segundo o vereador, Queiroz não tinha João como adversário, mas como inimigo. “E inimigo não se felicita. Elogiar inimigo não é atitude de homem”, esbravejou. Rabelo afirmou ter dito a José Queiroz que iria “descobrir o processo pelo qual eu e outros companheiros ficamos fora da Câmara”. A ameaça do vereador baseava-se na certeza de que Queiroz usara a máquina administrativa de maneira escusa para eleger membros de seu governo e outros colaboradores, tirando votos até de aliados tradicionais, como ele próprio. Raivoso e irônico, o vereador argumentou ainda que Queiroz errou os cálculos políticos e acabou sendo o responsável pela derrota de Tony Gel, ao comprar o voto dos mais humildes. “Ele queria deixar de ser a terceira força política do município, para se tornar o opositor nato de João Lyra Neto, mas não conseguiu”. Nem mesmo Drayton Nejaim, seu antigo líder e responsável por inserir Rabelo na política, escapou das críticas. Para Rabelo, José Queiroz agira
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como Drayton no passado, “que acabou com as forças da direita no município pensando em se tornar, ele sozinho, a própria direita”, condenou, chamando o candidato Adolfo José de “simples marionete, que teve até o nome mudado para essa campanha”. (Antes da eleição, o candidato era conhecido na cidade apenas como Adolfo, ou Adolfo da Modinha, nome de uma loja de discos que ele tinha no centro de Caruaru). Dias depois, o prefeito José Queiroz respondia às acusações em entrevista à rádio Liberdade. Ele chegou à emissora acompanhado pelo filho Wolmer, alegando que queria “desfazer boatos” sobre a saúde do rapaz. Disse ainda que não houve ingratidão do eleitor para com seu governo, referindo-se à inexpressiva votação obtida por Adolfo. O prefeito explicou que não se considerava perdedor porque ofereceu a melhor proposta e fez um parêntese em relação à eleição de 1988, quando apoiou um candidato “pesado” na figura de João Lyra Neto. “Naquela eleição, apesar de ter 95% de aprovação, ganhei a eleição por apenas 80 votos”, declarou Queiroz, textualmente, creditando apenas para si uma vitória que, no mínimo, pertenceu a todas as forças que se uniram em torno da candidatura de João Lyra. O prefeito, que dias antes foi à TV com seu filho, Wolney, parabenizar João Lyra Neto pela vitória, tentou minimizar a vitória do rival, apontando que ele obteve “apenas um terço dos votos do município”. Em relação a José Rabelo, Queiroz disse esperar que ele tivesse “esfriado a cabeça” e reconsiderado suas posições. Antes que o mês de outubro findasse, João Lyra Neto era recebido pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, em audiência, no Palácio do Planalto. Também esteve presente ao encontro o líder do PSB na Câmara dos Deputados, Fernando Lyra. Na ocasião, João Lyra Neto solicitou do presidente uma interferência no sentido de que fosse agilizada a liberação de verbas da Caixa Econômica Federal para a construção da adutora do Rio do Prata. João Lyra e seu vice, Antônio Vieira, foram diplomados pela Justiça Eleitoral na tarde de seis de dezembro. A cerimônia de diplomação ocorreu na Câmara Municipal e contou com as presenças do vice-governador Jorge Gomes e do deputado Fernando Lyra. Horas antes da cerimônia, conduzida pelo juiz José Maria de Carvalho,
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o prefeito eleito teceu severas críticas a José Queiroz, acusando-o de crime de responsabilidade, pelo não cumprimento da Lei Orgânica do Município – já que Queiroz não repassara ao sucessor o relatório financeiro final de sua administração. Lyra argumentou ainda que não iria arcar com despesas feitas por Queiroz em final de mandato, segundo ele, contas altas o suficiente para inviabilizar o governo municipal a partir de janeiro de 1997. Ele contou à imprensa que há menos de duas semanas para o término do mandato, José Queiroz enviou mensagem à Câmara Municipal concedendo aumento ao funcionalismo, com percentuais que variavam de 8% a 230%. Irritado, o novo prefeito classificou a mensagem de aumento como “inoportuna” e “irresponsável”, pois, em sua visão, Queiroz deveria ter se preocupado com a situação salarial dos servidores no início do governo. “Ele agora tenta me passar um município ingovernável, realizando obras de última hora, concedendo aumentos fora da realidade”, desabafou. Antes que o ano de 1996 acabasse, Anastácio Rodrigues aproveitou as economias que fizera enquanto ocupou o cargo de diretor da agência caruaruense do IPSEP para realizar uma segunda viagem internacional. Desta vez, o destino era oriental e místico: o Norte da África, com direito a passagem por Israel. Com o dinheiro guardado na poupança, viajou para mais um passeio marcante e inesquecível, que teve início em fins de dezembro de 1996 e durou até o início de janeiro de 1997. Anastácio conheceu Istambul, na Turquia e a cidade bíblica de Cafarnaum, na margem norte do Mar da Galileia. Em Jerusalém visitou templos e seguiu para Tel Aviv, também em Israel. Andou de camelo no Egito e divertiu-se em passeio de barco pelo Rio Nilo, de onde avistava os templos históricos que resistiram ao tempo. Em seguida, pegou um avião rumo a Luxor, no sul do Egito. Quando a viagem chegou ao fim, Anastácio voltou ao Brasil com as energias renovadas.
Cinco dias antes da posse, João Lyra Neto voltou à Assembleia Legislati-
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va de Pernambuco para renunciar ao mandato de deputado estadual e agradeceu o apoio recebido de seus pares e do governo Miguel Arraes, de cuja bancada foi vice-líder. Com mais de três horas de atraso, a cerimônia de posse do novo prefeito começou na Câmara Municipal e teve fim no bloco A da Prefeitura de Caruaru, em 1º de janeiro de 1997. As vaias, toda vez que o nome do ex-prefeito José Queiroz era mencionado, foram o ingrediente que apimentou a solenidade. José Queiroz, além de não comparecer para transmitir o cargo a João Lyra Neto, deixou a maioria dos servidores municipais sem receber os salários de dezembro. Apenas um seleto grupo de secretários e assessores recebeu o pagamento. Conforme foi noticiado pela imprensa, no último dia de seu governo, Queiroz retirou dinheiro da conta da Prefeitura Municipal para pagar e gratificar pessoas escolhidas a dedo, enquanto 90% do funcionalismo passou o final de ano de bolso vazio. O dinheiro também serviu para pagar dívidas com publicidade. Coube a João Lyra Neto assumir o compromisso de pagar em dia o mês de janeiro e liberar aos servidores o mês anterior. No tradicional discurso de posse, João Lyra Neto fez um retrospecto de sua trajetória política e observou a correlação de forças antagônicas durante a eleição de 1996. O novo prefeito enfatizou que sua candidatura manteve-se coerente com as forças progressistas e com os partidos de esquerda. “Não traímos princípios, nem renegamos valores”, disse, em crítica velada ao ex-prefeito José Queiroz. João Lyra afirmou que seu programa de governo tinha como meta o desenvolvimento econômico e social de Caruaru, conclamando o povo à participação. Prometeu que em breve divulgaria a situação financeira do município e assegurou que o novo governo uniria forças para ultrapassar os obstáculos. Queria um governo “sem ódio e com amor”. Em maio, o deputado Fernando Lyra concedeu uma histórica entrevista ao programa “Mesa Redonda”, da Rádio Cultura. Ainda sob o clima de acirramento e de vitória após a eleição municipal de 1996, Fernando não poupou críticas aos adversários. Naquele período, Caruaru era representada na Câmara Federal por quatro deputados: Tony Gel, Roberto Fontes, Wolney Queiroz e o próprio Fernando.
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[1] Anastácio, à frente de João Lyra Filho, em solenidade na Câmara, pouco antes da morte de Lyra [2] Em foto dos anos 90, Anastácio ainda secretário administrativo da Câmara de Vereadores [3] Lourival Vila Nova e esposa em conversa informal com Anastácio, no Hotel Village [4] Inauguração da Policlínica do Salgado: Anastácio, o prefeito João Lyra Neto, o deputado José Queiroz e Wolney Queiroz [5] O centenário do trem em Caruaru é comemorado por iniciativa de Anastácio. Na imagem, o vice-governador Jorge Gomes e o deputado estadual João Lyra Neto [6] Anastácio foi uma das 150 personalidades agraciadas com o Colar do Sesquicentenário de Caruaru
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[1] O abraço do bispo Dom Antônio Soares Costa [2] A artesã Marliete Rodrigues, parente e figura querida por Anastácio [3] Exibindo a Medalha José Rodrigues de Jesus, ofertada por solicitação do ex-vereador José Rabelo [4] Fernando Florêncio, Carlos Toscano e Anastácio, durante exposição [5] Discursando na Câmara de Vereadores [6] Populares ouvem a fala de Anastácio durante exposição de arte [7] Confirmando o seu voto, na eleição de 2006, no Colégio Municipal Álvaro Lins [8] Iolanda, esposa de Celso Rodrigues, abraça Anastácio em 18 de maio de 2007, quando Caruaru celebrou 150 anos [9] A fé é traço marcante da personalidade de Anastácio
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[1] Neco Affonso, Jorge Gomes, Anastácio e Lourival Vila Nova [2] Anastácio lê seu longo discurso ao receber homenagem do Legislativo caruaruense [3] Lançamento da biografia de João Lyra Filho. O jornalista Celso Rodrigues ladeado por sua esposa, pelos filhos e pelo primo Anastácio [4] O ex-prefeito posa ao lado do então vice-governador João Lyra Neto [5] Reencontro com a elegante Miss Dione Oliveira [6] Anastácio na plateia do Fórum das Esquerdas, ouve a fala do prefeito João Lyra Neto [6]
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Tony era “o lado de lá”, Wolney e Roberto estavam “no limbo”, classificou Fernando. “Eles fizeram tudo para somar votos com Tony, para derrotar João, mas não conseguiram. Eles são sublegenda ao contrário, se somam para perder. São a sublegenda burra”, avaliou, em defesa do irmão João Lyra Neto. Fernando Lyra – que era procurador da Câmara dos Deputados – criticou o fato de Adolfo ter-se lançado, na campanha de 1996, com o nome de Adolfo José. “A vaidade de Queiroz é de tal ordem que o candidato dele tinha que rimar com o nome dele”, disse, com ironia. Também não citava o nome de Wolney. Referia-se a ele como “o menino, filho de Queiroz”. E justificava: “Ele está no início da carreira. Para mim, não é um nome citável”. Quando citou Tony Gel, foi ainda mais duro. “Minha briga é com Tony, porque ele é agressivo e mistificador. Tony me cumprimenta alegremente lá em Brasília, com respeito porque sabe quem eu sou, e quando chega aqui solta panfleto por debaixo dos panos, sem assumir responsabilidade. É um irresponsável”, cravou. E prosseguiu: “Aqui em Caruaru nós temos adversários e inimigos. Quando chego aqui, eu tenho que bater em Tony Gel e Zé Queiroz, porque são nossos adversários. São mesmo.” – No caso de Zé Queiroz, não tem nenhum constrangimento? – questionou o radialista Victor Vargas. – Nenhum. Com traidor eu não tenho nem perdão, quanto mais constrangimento – respondeu Fernando. Fernando Lyra também esclareceu ao eleitorado que costumava chamá-lo de “deputado Copa do Mundo”, porque, segundo a opinião pública, só ia a Caruaru a cada quatro anos, em época de eleição. “Sempre fui criticado por não vir muito a Caruaru. Aí, tá certo. Mas, por faltar à Câmara, não. Não era possível eu ser escolhido um dos 100 deputados mais atuantes do Brasil se não frequentasse a Câmara. O povo sabe que sempre fui um deputado federal competente e assíduo”, argumentou. “Não sou dos 10 mais, porque não participo de um grande partido político, modéstia à parte”, completou, com a vaidade que lhe era peculiar. O ponto alto da entrevista foi o telefonema, no ar, de uma ouvinte pedindo que João Lyra Neto liberasse o INP (Instituto de Previdência dos Servidores de Caruaru) e não mais sacrificasse os funcionários, “para não bene-
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ficiar Tony na eleição seguinte”, condicionou a mulher. Quando chegou sua vez de falar, Fernando Lyra foi impiedoso. Começou dizendo que acompanhou o problema de perto. Em seguida, culpou José Queiroz por ter deixado o cargo sem pagar o mês de dezembro. “Deixou rombo aí, rombo. ROMBO. Deixou a prefeitura com muitos débitos. Mas eles são muito organizados, entre as aspas. É difícil você, inclusive, conseguir provas das coisas erradas que eles fizeram. Gente inteligente é assim; faz a coisa errada e ninguém pega porque é muito inteligente”, esbravejou. Adiante, disparou: “João Lyra Neto recebeu o INP com 800 mil reais de dívidas e depois vocês vão saber quanto foi gasto do INP na época da eleição do filho dele (1994) e na de Adolfo (1996). Não é possível que os funcionários adoeceram mais nos meses da eleição do que antes”, ironizou. Fernando Lyra era um dos principais críticos da eleição de Wolney Queiroz para deputado federal. “A forma de eleições, na minha opinião, está totalmente equivocada. Hoje, a gente sabe como foram feitas eleições aqui, em 1994. Foram milhões e milhões de dólares gastos para eleger filho de prefeito. Muito dinheiro público”, acusou. Durante a entrevista, também aproveitou para esclarecer ao povo que sempre questionava o que ele trouxera para Caruaru, em tantos anos de mandato. “Primeiro, eu trouxe para Caruaru a perspectiva da formação de um grupo político que todo esse tempo vem ganhando eleições e pelo qual passaram Anastácio, Zé Queiroz, João Lyra Neto, Jorge Gomes e essas figuras todas que fazem esse grupo chamado de grupo Lyra”, comentou. “Se eu não tivesse feito nada por Caruaru, materialmente, só em participar, ativar e dar condições para que esse grupo existisse para servir a Caruaru, eu já estaria gratificado”, enfatizou. De acordo com o deputado e ex-ministro da Justiça, as obras que trouxe para o município nunca foram registradas devidamente. “Eu trouxe para Caruaru o Espaço Cultural Tancredo Neves, quando ministro [denominação dada pelo vereador Zino Rodrigues, por sugestão do próprio Anastácio]. Trouxe o viaduto próximo ao Hotel do Sol. Consegui, no primeiro governo Zé Queiroz, um milhão de dólares para reestruturação da feira. Construí, como Ministro da Justiça, a penitenciária. Nós fizemos o Teatro João Lyra Filho. Afora, tudo o que foi feito em Caruaru, nesse período, teve mi-
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nha participação, porque eu faço parte do grupo”, elencou. Cada deputado teve direito a indicar R$ 1,5 milhão, em 1996, para obras em seus Estados; Fernando Lyra disse que destinou, naquele ano, R$ 1,2 milhão para ajudar a Prefeitura de Caruaru na relocalização de favelas. Conseguiu também, junto ao Ministério do Planejamento, emendar no orçamento mais R$ 1 milhão para aplicar no Distrito Industrial de Caruaru. Em 1997, Anastácio Rodrigues voltou à cena política, ao aceitar o cargo de secretário da Câmara Municipal de Caruaru. O convite veio do presidente da Casa, vereador Leonardo Chaves, após entendimentos com o deputado Tony Gel. Sua nova passagem pela Câmara – onde no passado fora combativo vereador de oposição – foi mais tumultuada do que curta. Chegou, inclusive, a ser tachado de racista por um dos vereadores daquela legislatura. Certo dia, Anastácio pediu que uma funcionária limpasse o chão da copa. Mas ela não gostou nada da ideia e lembrou que fora contratada para servir café e água aos vereadores. A ordem não cumprida levou o vereador Joel da Gráfica, que indicara a funcionária para o cargo, a afirmar que Anastácio não gostava de negros. No exercício da função, Anastácio se deparou com situações que o incomodaram bastante. Algumas delas pareciam ferir seus princípios. Desencantado, foi embora sem comunicar que não voltaria mais. “Fiz um ofício e pedi que minha filha Virgínia entregasse. Um dia antes, avisei que não trabalharia no dia seguinte porque iria ao médico. Peguei todos de surpresa”. As decepções no cargo não o impediram de fazer amigos entre os servidores da Câmara, a exemplo de Maria da Penha Farias e Armando Nascimento, por quem nutre carinho e consideração. Longe da Câmara, Anastácio passaria a se dedicar a um novo projeto: a fundação do Partido Verde em Caruaru. O ex-prefeito, é claro, tinha interesse direto naquela tarefa. Inicialmente, ele pensou em reunir no diretório uma turma de jovens idealistas. Visionário, queria formar na cidade uma nova geração de políticos. Mas sua intenção principal era novamente disputar o cargo de vereador nas eleições previstas para o ano 2000. Antes, porém, no ano de 1998, os brasileiros voltaram às urnas para eleger deputados, senadores e o presidente da República. A eleição presiden-
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cial de 1998, ao contrário da anterior, apresentava um quadro diferenciado. FHC fazia um governo de sucesso na economia, com amplo apoio no Congresso e na sociedade. Modernizou o Estado brasileiro ao privatizar empresas estatais que funcionavam mal e que serviam como cabides de emprego para apadrinhados políticos. Criou as agências reguladoras e a Lei de Responsabilidade Fiscal, que acabava com os gastos desmedidos e impunes de governantes. A única esperança petista, portanto, repousava em que Fernando Henrique não tinha um sucessor natural e na possibilidade de que a disputa pela candidatura governista rachasse os três principais partidos de sua base: PSDB, PFL e PMDB. Esse alento, contudo, acabaria em outubro de 1996, quando o deputado Mendonça Filho, do PFL de Pernambuco, apresentou uma emenda constitucional que permitia a reeleição de prefeitos, governadores e presidente, aprovada com facilidade no ano seguinte. O PT então sentiu que perderia mais uma vez. Lula – que inicialmente expressara o desejo de não disputar aquela eleição – entrou na disputa, tendo Leonel Brizola como vice. Jamais, porém, chegou a ultrapassar FHC nas pesquisas, e seria de novo derrotado no primeiro turno. O pernambucano Marco Maciel foi eleito vice-presidente na chapa de FHC. Assim que terminou a campanha, Lula disse que registraria em cartório um documento se comprometendo a nunca mais disputar uma eleição para presidente. Foi convencido pelo presidente do PT, José Dirceu, a não tomar decisão precipitada, na ressaca da derrota. Anastácio Rodrigues seguiu a maioria da população e votou em Fernando Henrique. Anos depois, iria mudar radicalmente a sua opinião sobre o tucano. “Votar em FHC foi um dos maiores erros que cometi contra o nosso País. Eu não acreditava em Lula. Achava que o Brasil era grande demais para ser governado por um analfabeto. Lula me surpreendeu. Na História do nosso país, ele foi o maior presidente”, afirma, convicto. Em Caruaru, José Queiroz e Jorge Gomes foram eleitos deputados estaduais. Fazendo dobradinha com Tony Gel, Roberto Liberato também garantiu uma vaga na Assembleia Legislativa. Tony Gel foi reeleito para um ter-
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ceiro mandato na Câmara dos Deputados, sendo o deputado federal mais votado do município e consagrando seu nome para disputar a Prefeitura dois anos depois. Wolney Queiroz não teve votos suficientes para renovar seu mandato, ficando na suplência do PDT e Fernando Lyra encerrava sua trajetória na Câmara Federal naquele ano, optando por não disputar a reeleição em 1998. Jarbas Vasconcelos é eleito governador de Pernambuco derrotando Miguel Arraes por uma diferença superior a um milhão de votos. Para o Senado, Pernambuco elegeu José Jorge, do PFL. O grupo de Tony Gel saía totalmente fortalecido, após o resultado daquelas eleições. Quando foi secretário da Câmara de Vereadores de Caruaru, Anastácio aproveitou as férias do ano de 1998 e as economias que fez do salário mensal de R$ 2 mil para fazer a terceira e última viagem internacional que programou até aqui. Desta vez, passaria 21 dias visitando Alemanha, Áustria e países do leste europeu, como a Polônia, Hungria, Eslováquia e República Tcheca. Na segunda passagem pela Alemanha, Anastácio esteve em Berlim, Baviera, Nuremberg, Heidelberg e Frankfurt. Na Polônia, passou por Varsóvia, pelo campo de concentração de Auschwitz e pela Cracóvia. Depois, seguiu em direção à Eslováquia, país da Europa Central que faz fronteira com a República Tcheca, onde passou por Banská Bystrica. Anastácio conheceu ainda Budapeste, na Hungria e Viena, na Áustria. Viena não deixou as melhores recordações em Anastácio. “Uma cidade que me decepcionou foi Viena. É uma cidade ocidentalizada”, cita. Ele também reclama que não teve o prazer de ouvir uma orquestra tocar valsa em Viena. Gostaria de ter dançado, em que pese o fato de ser um péssimo dançarino. O tour levou o ex-prefeito de Caruaru a Praga, na República Tcheca e, por fim, a uma extensão de seis noites na Rússia. A passagem por Moscou e São Petersburgo marcou para sempre Anastácio Rodrigues. “Moscou, que cidade! São Petersburgo, que cidade! As coisas lá são muito grandes, até me perdi dentro do hotel. As ruas também são muito largas”, recorda. Contemplou os memoriais a Lênin e outros líderes russos. E também ao astronauta Yuri Gagarin, o primeiro russo a pisar na lua. Esta viagem também permitiu um roteiro sentimental a Atenas, na Grécia. Anastácio sempre sonhou visitar aquele país. O desejo foi despertado por
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João Condé Filho, que, ao visitar algumas ilhas gregas e retornar encantando, sugeriu que o ex-prefeito também o fizesse algum dia. “João Condé fez uma viagem às ilhas gregas, acompanhado por seu querido amigo Carlos Lacerda e ficou encantado. Comentou comigo e eu gravei. Realizei o meu sonho, estive em Atenas”, destaca. Anastácio jamais imaginou que, ao chegar à Rússia, observaria uma orquestra executando o Hino Nacional Brasileiro, como também nunca se viu jogando num cassino, no Principado de Mônaco, ou caminhando livremente por um campo de concentração na Polônia, oportunidades que as viagens que fez ao exterior lhe proporcionaram. Num dos passeios, Anastácio foi eleito Mister Soletur, fato que muito o alegrou. A agência de turismo Soletur, com sede no Rio de Janeiro, decretaria falência em outubro de 2001, após 38 anos de atividades, com dívidas que chegavam a R$ 30 milhões. O eterno prefeito de Caruaru tem como um de seus principais hobbys o gosto por viagens, embora tenha feito apenas três para o exterior ao longo de sua vida, sobretudo por limitações financeiras. Mesmo assim, viajou praticamente todo o Brasil. Conheceu de São Luiz do Maranhão até o Rio Grande do Sul e o Centro-oeste. Também esteve no Pantanal. Jamais esqueceu a hospitalidade da cidade de Goiânia e a fria Campo Grande, que ele não apreciou. O gosto pelas viagens é tanto que ele afirma que se pudesse, compraria um avião só para viajar. Ao longo dos anos, as possibilidades de conhecer outros lugares foram diminuindo, inclusive pelo avançar da idade. Mesmo assim, Anastácio diz que ainda sonha conhecer a África do Sul, “em homenagem a Nelson Mandela”. A passagem de Anastácio pela Rússia rendeu uma nota na coluna política do Jornal do Commercio, em 23 de maio de 1999. O texto citava que “Viajando pela Rússia, no ano passado, Anastácio Rodrigues, ex-prefeito de Caruaru, entrou numa loja em São Petersburgo e ficou meio espantado ao deparar-se com um pôster de Ronaldinho, com a camisa da Seleção Brasileira”. “Logicamente, o sentimento brasiliano-futebolístico de Anastácio – um discreto torcedor do Santa Cruz – aflorou. Por alguns segundos, ele sentiu-se em casa”, concluía a nota.
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No dia 30 de setembro, no Salão Nobre da Câmara de Vereadores de Caruaru, o jornalista Celso Rodrigues lançou o livro “João: um homem sem cansaço”, uma biografia do ex-prefeito João Lyra Filho, que participou do acontecimento. Anastácio Rodrigues também foi prestigiar o lançamento. Eram os últimos dias de vida de João Lyra. Em 16 de novembro, Caruaru recebia com muito pesar a morte do ex-prefeito. O patriarca do grupo Lyra morreu às 5h10, na Unidade de Tratamento Intensivo da Casa de Saúde Santa Efigênia, vítima de insuficiência respiratória, depois de mais de 20 dias de internamento. Nesse tempo, ele teve inúmeras complicações de saúde, devido a uma grave insuficiência cardíaca. Quarenta anos depois de tomar posse na Câmara Municipal de Caruaru, como prefeito, João Lyra Filho voltou à Casa, dessa vez para receber as últimas homenagens da cidade que administrou por duas vezes. Milhares de pessoas compareceram ao velório. O deputado federal Tony Gel, que estava em Brasília e por isso não pôde comparecer, foi um dos primeiros a ligar para os familiares do ex-prefeito. O deputado estadual José Queiroz, lançado na vida pública por João Lyra Filho, deixou as diferenças de lado e foi até o local cumprimentar a família. Às 17h, o caixão foi coberto com as bandeiras de Pernambuco, Caruaru, Lagoa dos Gatos (terra natal do político) e do Central. A família, em volta do corpo, rezou o Pai Nosso e o cortejo seguiu no carro da Polícia Rodoviária, acompanhado pelo caminhão do Corpo de Bombeiros. Nas ruas por onde o cortejo passou, o trânsito engarrafou e as pessoas nas calçadas aplaudiam e acenavam. No Cemitério Parque dos Arcos, o toque de silêncio foi a despedida para o homem que confundiu sua História com a da cidade que adotou. João Lyra Filho estava casado com Rosa Maria Kirillos Pimentel Lyra, sua segunda esposa, com quem não teve filhos. João Lyra Filho foi um visionário, um homem à frente de seu tempo, em muitos sentidos. E fez escola na política de Caruaru. Tinha tudo para não ser ninguém. Se dependesse da criação e da vontade do pai, o velho Janoca, talvez fosse no máximo um esperto e bom jogador de baralho. Foi alfabetizado pela esposa, dona Guiomar, já adulto. Saiu cedo de casa, num mundo imenso e desconhecido. Trabalhou como garçom no Mercado de São José. Transportou feirantes de Lagoa dos Gatos
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para feiras de outras cidades da região Agreste. Foi caminhoneiro. A facilidade para fazer amizades o fez cair nas graças do revendedor Ford da época. Abriu a própria revenda em Caruaru, que anos depois se chamava Itaúna Veículos. De origem pobre, João Lyra Filho era um homem educado, fino, elegante e namorador. Estava sempre ajeitando os cabelos ao primeiro sinal de desalinhamento. Discordou do regime militar que eclodiu no Brasil em 1964. Teve seus direitos políticos suspensos pela ditadura. Lançou e apoiou muitas pessoas na política, entre eles Anastácio Rodrigues e José Queiroz. Nutria um respeito muito grande a Anastácio, reconhecia seus méritos de prefeito e administrador. Mas tinha ressentimentos em relação a ele. Tornou-se grande amigo de José Queiroz, deu-lhe as primeiras oportunidades para melhorar sua condição de vida e torná-lo deputado estadual e prefeito de Caruaru. Quis dele uma lealdade que a certa altura lhe foi negada. Amargou a ingratidão. O jornalista Celso Rodrigues observou que do coronel João Guilherme de Pontes – longa oligarquia entre a democracia, antes e depois do Estado Novo –, apenas um só filho herdou a vocação do velho cacique: Gercino Malagueta de Pontes. Com João Lyra Filho, foi diferente. Seu filho Fernando Lyra alcançou projeção nacional na política, como nome de resistência e combate à ditadura. Chegou a ocupar o cargo de Ministro da Justiça e pôs fim à censura e ao entulho autoritário. João Lyra Neto alcançou o cargo de governador de Pernambuco durante os nove meses finais do governo Eduardo Campos, do qual ele foi vice, em duas gestões. Na nova geração, sua neta Raquel Lyra conquistou dois mandatos de deputada estadual, presidindo a Comissão de Justiça, a principal do Legislativo. E tornou-se a primeira mulher eleita prefeita de Caruaru, em 2016. João Lyra Filho é, talvez, o mais visionário dos políticos caruaruenses. Aquele que ultrapassou Drayton Nejaim exatamente por ter uma visão maior de comunidade. Drayton tinha muito ímpeto político e muita força pessoal, mas João Lyra tinha a mesma força pessoal e uma visão um pouco mais ampla, mais larga, na qual cabia gente como José Queiroz, desenvolvimentista também, e Anastácio Rodrigues visionário, desenvolvimentista, mas também preocupado com a comunidade.
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Como político de sua época, João Lyra Filho manteve hábitos assistencialistas que o aproximavam da população. Gostava de fazer feira e, aos sábados, num Toyota da Caruaruense, ia até a feira de Caruaru, onde comprava muitos alimentos para distribuir com a população mais pobre, que ia até a sua casa receber a ajuda. Nos últimos anos de vida, mesmo sem mandato, continuou participando das conversas e dos palanques em torno da política caruaruense. Era presença sempre percebida em comícios, ao lado de seus filhos e aliados, muitas vezes sem querer usar o microfone. Tinha a consciência de que seu tempo havia passado. Além de tudo, sempre foi um homem muito sério. Chegou à conclusão de que envelhecer era algo muito difícil, “porque o homem envelhece vendo os amigos morrerem”.
O cenário para as eleições de 2000 começou a ser desenhado já a partir de 1998. E tudo indicava que haveria um novo duelo entre Tony Gel e João Lyra Neto – este pretendia disputar a reeleição, agora permitida pela Constituição brasileira. Mas, a certa altura, José Queiroz também anunciou que era candidato. Depois de muitas negociações e de pouco entendimento, José Queiroz e João Lyra Neto decidiram “dar as mãos” em torno de uma candidatura dos grupos de esquerda. Foi a saída encontrada para não permitir que Tony Gel chegasse ao poder. Pregando uma união que era mais verdadeira nas fotos do que na prática, anunciaram o nome de Jorge Gomes. Após longa e dura campanha, Tony venceu com mais de 11 mil votos de diferença. A primeira pesquisa sobre o quadro sucessório em Caruaru mostrava que a disputa pela Prefeitura Municipal seria de fato acirrada. Tony Gel tinha 28% das intenções de voto, o prefeito João Lyra Neto 23%, o deputado José Queiroz 20% e Jorge Gomes 1%. O levantamento do Instituto Vox Populi mostrava também que a administração João Lyra Neto era aprovada por 77% da população. Logo em seguida, José Queiroz assumiu sua candidatura. “Sou candidato, estou nas ruas com o povo e é pra valer”, declarou, em entrevista à Rádio
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Jornal. Disse ainda que pretendia superar qualquer tipo de divergência que pudesse haver na análise do conjunto dos partidos de esquerda. O deputado afirmou que esperava que os partidos esquerdistas que estavam se reunindo considerassem que sua candidatura representava uma proposta de consenso. Queiroz informou que já estava inclusive preparando um plano de governo para Caruaru. De fato, quando iniciaram as discussões em torno da eleição de 2000, várias siglas se uniram e passaram a promover debates frequentes no Fórum de Partidos de Esquerda. A iniciativa englobava PT, PV, PDT, PSB, PCdoB, PPS e PSL. Assim que o Fórum iniciou suas primeiras reuniões, uma presença importante foi notada na plateia. Rompido politicamente com Tony Gel, Anastácio Rodrigues – presidente municipal do PV – passaria a apoiar a Frente Popular e a lutar pela união de José Queiroz e João Lyra Neto. Em 1988, Anastácio havia participado ativamente da campanha de Tony Gel para prefeito. Como orador nos palanques somou mais desavenças do que votos. Depois de quase ir às vias de fato com Bibiu do Paraíso das Louças e de se sentir desprestigiado, abandonou a campanha. Em 1996, mesmo distante dos comícios, declarou publicamente voto em Tony Gel, que perdeu novamente a eleição para João Lyra Neto. Estava agora afastado politicamente do sobrinho, de quem foi um grande entusiasta e mestre, no início da vida pública. Com a memória voltada para o passado, Anastácio passou a trabalhar contra a vitória de Tony Gel. Muito mais pelos seus aliados do que pelo próprio Tony, que ficou magoado com a postura e o discurso nada favorável do tio, naquele período. Tal como fizera em 1963, ao negar voto a seu primo Celso Rodrigues em favor de Drayton Nejaim, nas eleições de 2000 Anastácio foi um dos principais defensores da candidatura de Jorge Gomes. Derrotar Tony Gel, em sua visão, era impedir que antigos aliados de Drayton Nejaim e José Liberato, a quem ele combatera no passado, voltassem a comandar Caruaru. “Eu temia o amanhã de Caruaru. O meu medo era dos que o cercavam. E onde eles estão? Eu estava certo!”, justifica. Os dias passavam e os partidos de esquerda não chegavam a um consenso sobre quem seria o candidato escolhido para enfrentar Tony Gel. No mês de maio, em reunião extraordinária no Fórum de Esquerda, o prefeito João
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Lyra Neto confessou publicamente que estava disposto a manter um relacionamento político com o deputado José Queiroz, em nome da unidade dos partidos. Era um passo importante para superar uma desavença que se arrastava há quase uma década, quando houve o rompimento entre ambos. Lyra pediu pressa na definição do nome de consenso e o estabelecimento de critérios para a escolha do candidato. Acrescentou, todavia, que as diferenças pessoais deveriam ser superadas. Além de mostrar-se como favorito em praticamente todas as pesquisas de opinião, Tony Gel tinha a seu favor o apoio de um governador recém-eleito e muito bem avaliado. Naquela altura, Jarbas Vasconcelos já havia deixado clara sua disposição em apoiar a candidatura de Tony Gel – fato que preocupava, e muito, os adversários. João Lyra Neto chegou a condenar o fato de Jarbas ter cedido às pressões de Gel e não ter resolvido o problema do abastecimento d’água em Caruaru, que seria a construção, no prazo mínimo necessário, da adutora do rio Camevô, necessária para reforçar o sistema do Prata. Para o prefeito, era notório que o governador estava lutando em defesa dos interesses das forças que o apoiavam. Mesmo com o medo da derrota batendo à porta, a união dos partidos de esquerda não era fácil. A falta de consenso entre as várias tendências parecia levar mais a um racha do que à união que alguns desejavam. A poucos dias do prazo final para definição das candidaturas, que era 30 de junho, José Queiroz e João Lyra Neto ainda não se entendiam e os interesses pessoais não permitiram um consenso. Cada um continuava defendendo o seu próprio nome e impondo condições ao processo, embora falassem em unidade. “A unidade pode acontecer, desde que ocorra um fato novo, mas estou trabalhando a 200 quilômetros por hora na minha candidatura”, disse José Queiroz, em entrevista. Na segunda quinzena de maio, João Lyra Neto se reuniu com José Queiroz e Wolney Queiroz para tratar da eleição. A reunião ocorreu na agência de publicidade Makplan, em Recife. Também participaram do encontro o ex-deputado Fernando Lyra e os publicitários José Nivaldo e Marcelo Teixeira. Coube a Fernando Lyra convencer José Queiroz de que João Lyra Ne-
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to tinha prioridade como candidato. “Você tem que compreender que João tem a precedência, porque ele está terminando o mandato. Tem direito à reeleição. E a gente queria lhe fazer um apelo para que João fosse candidato”, disse, textualmente, ao deputado José Queiroz. Queiroz aceitou de imediato. Ele e Wolney chegaram a reconhecer publicamente que João deveria ser o candidato. Mas, num segundo momento, surgiram novas divergências. Queiroz bateu o pé e passou a exigir que Wolney fosse o candidato à vice. João Lyra, entretanto, resistiu. Acreditava que como candidato deveria ter a liberdade de escolha dentro dos partidos para uma unidade também na chapa. Em entrevista para este livro, José Queiroz revelou os motivos que o levaram a defender a composição da chapa com o nome de Wolney. “Eu achava que era o melhor entendimento. Porque depois das desconfianças do eleitor conosco, como é que eles poderiam acreditar que nós estávamos juntos pra valer? Tendo uma aliança! E um filho é uma aliança. Eu acho que é”, observou. Segundo Queiroz, a aceitação do nome de Wolney proporcionaria a “fundição do material”. “Ou seja, fazer com que o eleitor acreditasse que a gente estava voltando pra valer”, explica. Ele lembra que o adversário tratou logo de contestar a suposta aliança. “A primeira coisa que Tony Gel disse foi: ‘isso é de mentirinha. Eles estão brigados. Isso não é verdade’. Se o filho [Wolney] tivesse entrado [na chapa], ninguém poderia dizer que era de mentirinha”, avalia José Queiroz. (Wolney acabou coordenando a campanha de Jorge, ao lado de Mércia Lyra). Anastácio Rodrigues, presidente do PV, era um ardoroso defensor da proposta e afirmou que os partidos deveriam lutar até a última instância pela unidade. Ele lembrou que, com muito sacrifício, foi construído o palanque que o lançara candidato vitorioso nas eleições de 1968. “Esse palanque tem que ser recomposto para que esse projeto administrativo continue”, defendeu. Anastácio também criticou candidatos que só queriam chegar ao poder por vaidade. E não escondia sua preferência pela candidatura de João Lyra Neto. Mas exatamente no último dia do prazo estabelecido para as definições – 30 de junho –, o prefeito João Lyra Neto retirou a candidatura, “em nome da unidade das esquerdas”. No mesmo dia, José Queiroz também renunciou. A renúncia do prefeito João Lyra Neto foi anunciada em entrevista co-
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letiva, na sede do PPS, um dia antes da convenção. João Lyra estava visivelmente emocionado. Quando o radialista Rubens Júnior, então presidente do PPS, comunicou a Anastácio Rodrigues, na sede do partido, na galeria do campo do Central, que João Lyra Neto havia retirado a candidatura, Anastácio, emocionado, chorou literalmente. “Tudo está perdido”, foi o que conseguiu dizer, em meio ao silêncio que pairava. Depois de um dia de intensas negociações nos bastidores, o deputado estadual Jorge Gomes foi anunciado como candidato dos partidos que formavam o Fórum. Jorge prometeu fazer uma campanha limpa e lutar contra as forças que apoiavam o projeto neoliberal do governo FHC, representadas em Caruaru, segundo ele, pelo deputado Tony Gel.
JORGE GOMES: FRUTO DOS MOVIMENTOS ESTUDANTIL E SINDICAL Jorge José Gomes nasceu na Maternidade do Derby, no Recife, em 03 de março de 1946. Nasceu na capital, mas fora concebido em Cumaru, de onde seus pais saíram poucos meses antes de ele nascer. Seu pai, José Gomes Irmão, agricultor, nasceu em Cumaru, que no passado fora vila de Limoeiro, cidade natal de sua mãe, a professora primária Gilda Bertino de Paula. O pai decidiu tentar a vida no Recife. Deixou Cumaru com a pretensão de abrir uma mercearia na capital. A mãe foi grávida e Jorge terminou nascendo no Recife. “Oficialmente, sou de Limoeiro. Mas nasci em Recife”, explica. Os pais ainda tiveram tempo de batizá-lo na Igreja de Casa Amarela. Passaram apenas seis meses no Recife e, diante das dificuldades, retornaram para Cumaru. Muitos anos depois, quando o vereador João Arraes decidiu homenageá-lo com o título de Cidadão do Recife, Jorge brincou que estava recebendo o título de uma cidadania que ele tinha de fato, mas não de direito, já que foi registrado como limoeirense. José Gomes e Gilda Bertino tiveram três filhos: Juáres, Jorge e Juarez. A mãe, por ser professora, sempre se preocupou com a educação dos filhos. Em 1951, foram morar em Caruaru. Jorge havia aprendido as primeiras le-
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tras em Cumaru. Em Caruaru, cursou o Preliminar A na escola de Dona Julieta, na Rua Bahia. Estudou no grupo Escolar Professor José Leão e depois no Colégio de Caruaru, atualmente Diocesano. O último ano de ensino médio Jorge concluiu no Colégio Carneiro Leão, no Recife, em 1964, ano em que os militares assumiram o comando do país instaurando uma nova ditadura. Nesse mesmo ano, Jorge Gomes fez cursinho preparatório para o vestibular, na então Universidade do Recife, atual UFPE. Em 1965, foi aprovado no curso de Medicina da instituição. “Nosso ‘trote’ do curso de Medicina foi dissolvido pela polícia pelas críticas à ditadura”, recorda. O envolvimento de Jorge com a política começou por meio do movimento estudantil, na época em que estudava no Colégio Diocesano. A União Estadual dos Estudantes Secundaristas (UESC) era a entidade que congregava os estudantes de Caruaru. “Não participava da liderança, mas convivia com a turma que encabeçava os movimentos”, cita. A atuação de Jorge Gomes no movimento estudantil foi intensificada na universidade. Em plena ditadura, no ano de 1967, ele foi vice-presidente do Diretório Acadêmico de Medicina, na UFPE. “Fiz parte do Diretório desde o primeiro ano”, recorda. Em 1968, Jorge Gomes e Luciano Siqueira (médico, escritor e político pernambucano) foram os representantes dos estudantes na Congregação da Universidade, que reunia administradores, professores e estudantes da instituição. Nos anos em que viveu como universitário na capital, Jorge Gomes morou em pensões e repúblicas, no centro da cidade, na Tamarineira e na Ilha do Retiro. “Foi onde fixei minha formação política, participando ativamente do movimento estudantil. Algumas coisas marcaram esse movimento. Fomos para uma conversa com o reitor da Universidade do Recife e conseguimos deixá-lo quase 24 horas trancafiado na sua sala, com a Universidade cercada pelo exército”, recorda. Mesmo vivendo na capital pernambucana, Jorge Gomes não se desligava de Caruaru. Ia praticamente todo fim de semana para a cidade e estava sempre informado em relação à política do município. “Assim pude acompanhar a administração de Anastácio e o seu esforço, reconhecido até hoje pela população, no sentido de Caruaru se desenvolver, em todas as áreas
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possíveis”, explica. Ele recorda, inclusive, as dificuldades com que Anastácio governou, sendo um prefeito de oposição ao regime militar. “No MDB, à época, num período difícil da democracia, ou melhor, falta dela, com a ditadura, procurou se articular com o Governo do Estado para trazer benefícios para Caruaru. Sem dúvida Anastácio está marcado na nossa história como um grande prefeito”, cita. Jorge Gomes formou-se em Medicina no ano de 1970. Nessa época, seu grande sonho era tornar-se professor universitário, talvez inspirado pelo irmão, Juáres Gomes, que era professor. Juáres também participou do movimento estudantil, tendo sido sequestrado pelo DOI-CODI, em 17 de agosto de 1973, quando estudava Agronomia na Universidade Rural de Pernambuco. Foi liberado da prisão ilegal em oito de outubro e enviado para o Departamento de Ordem Política e Social, o Dops. O sonho de se tornar professor não se concretizou, deixando em Jorge Gomes uma frustração. “Nessa época não havia concurso público para professor. Precisava do QI [Quem Indique] e o meu QI era baixo”, explica. Em março de 1971, Jorge Gomes se tornou funcionário do Hospital da Restauração, por meio de concurso público. Dois meses antes, passara a integrar o Sindicato dos Médicos de Pernambuco, cujas atividades nesse período eram sufocadas pela ditadura. Jorge Gomes se especializou em Ortopedia e Traumatologia. Durante o curso de formação, o professor lhe convenceu da necessidade de atuar no interior, pela carência de médicos ortopedistas nessa região do Estado. Jorge Gomes casou com Laura Mota, em dois de fevereiro de 1974, na Paróquia de Camaragibe, Região Metropolitana do Recife. O casal se conheceu em eventos do movimento estudantil na capital. Ele, estudante universitário. Ela, secundarista. A aproximação definitiva ocorreu na Prontoclínica, no bairro de Boa Viagem, do médico Fernando Viana, que Laura considerava como tio. Jorge foi trabalhar como ortopedista nessa clínica, onde Laura era recepcionista. No ano de 1976, Jorge Gomes foi aprovado no concurso do extinto Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), criado pelo regime militar dois anos antes. Em junho do mesmo ano, ainda não ha-
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via sido nomeado para o novo emprego, quando voltou para Caruaru. “Vim com o vínculo do Hospital da Restauração. Fui transferido para o São Sebastião”, comenta. Jorge e Laura chegaram a Caruaru em pleno período eleitoral. José Queiroz e Drayton Nejaim duelavam pela Prefeitura da cidade. “Participamos de todos os comícios. O último, idealizado por Fernando Lyra, começou às 20h e terminou na manhã do dia seguinte, quando ‘pegamos o sol com a mão’, na Praça do Rosário”, recorda Jorge. Quando retornou a Caruaru, já formado, Jorge Gomes foi bem aceito pela sociedade, sobretudo pela classe médica. “Fui muito bem recebido pelos médicos. Comecei a me envolver na política local e na Sociedade de Medicina de Caruaru. Tive uma intensa atividade médica logo que cheguei, pois havia uma carência muito grande de ortopedistas em Caruaru”, afirma. Entre 1979 e 1983, Jorge Gomes foi membro titular do Conselho Regional de Medicina. Até então, era o primeiro médico do interior a se tornar membro efetivo do Conselho. Assumiu também a presidência da Sociedade de Medicina de Caruaru. No ano de 1982, Jorge Gomes disputou a primeira eleição de sua vida pública, em Caruaru, como candidato a vice-prefeito na chapa encabeçada pelo médico João Miranda. Disputaram pela sublegenda dois do PMDB. José Queiroz foi candidato pela sublegenda um e Anastácio Rodrigues pela sublegenda três do mesmo partido. Quando José Queiroz foi empossado prefeito, em janeiro de 1983, convidou Jorge Gomes para assumir o cargo de Secretário de Saúde do município. Como já vimos, Jorge ficou apenas oito meses no comando da pasta, sendo exonerado pelo prefeito por problemas de ordem política. Na época, declarou à imprensa que seus métodos de trabalho não combinaram com os de Queiroz. Em entrevista para este livro, Jorge Gomes explicou os motivos de sua saída da Secretaria de Saúde. “Nós vínhamos de uma administração terrível de Drayton Nejaim. A sala do secretário de Saúde funcionava na Prefeitura. Não tinha nada. Juntei uma equipe jovem de estudantes, junto com o padre Pedro Aguiar. Fizemos várias reuniões nos bairros de Caruaru para ouvir o que a população queria na área de saúde”, lembra.
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Jorge recorda que o trabalhou incomodou os vereadores da base aliada. Insatisfeitos, eles influenciaram o prefeito a demiti-lo. “A versão dos vereadores era de que Queiroz estava criando uma cobra para engoli-lo”, revela Jorge Gomes. Diante do impasse, José Queiroz conversou com ele, numa sala do bloco A da Prefeitura. “Jorge você foi um secretário brilhante, a divergência é de métodos. Peça para sair”, propôs. Jorge Gomes recusou o pedido de Queiroz. Não pediria exoneração. O prefeito que o exonerasse. E foi isso o que ocorreu, em agosto de 1983. “Queiroz foi influenciado pelos vereadores. Houve uma não combinação de métodos entre a gente”, assegura. Em 1986 Jorge Gomes candidatou-se a deputado estadual. Apesar da boa votação em Caruaru, não conseguiu se eleger. “Eu não tinha estrutura nenhuma. Foi uma candidatura hercúlea. Tive mais votos que Roberto Fontes, que foi eleito. A mesma média de votação de Drayton Nejaim e João Lyra Filho. João Miranda estourou [a média], mas não foi eleito. Adolfo José se elegeu”, comenta. Um dos eleitores de Jorge Gomes na eleição de 1986 foi o então radialista Tony Gel, que fazia enorme sucesso na programação da Rádio Liberdade. Inicialmente, Tony também cogitou a possibilidade de disputar um mandato de deputado estadual naquele ano, sendo convencido pelos tios Anastácio e Zino Rodrigues a se preparar para a eleição de prefeito, marcada para o ano de 1988. Fora da disputa, Tony votou em Jorge. Curiosamente, os dois disputariam a Prefeitura de Caruaru no ano 2000. Ainda em 1986, Miguel Arraes foi eleito governador de Pernambuco pela segunda vez e Jorge Gomes assumiu a direção da Regional de Saúde, em Caruaru. Em 1988, Jorge foi convidado por João Lyra Neto para ser candidato a vice-prefeito em sua chapa. “João me chamou para participar do diretório do PMDB com ele. Era um grupo fechado. Comecei a fazer parte do grupo a partir daí”, explica. Jorge diz que João Lyra Neto fez uma administração muito boa. “Queiroz abriu os segmentos de Caruaru e João continuou”, define. Em 1990, na condição de vice-prefeito, Jorge Gomes disputou pela segunda vez uma vaga na Assembleia Legislativa, dessa vez sendo eleito. “Seu João [Lyra Filho] estava deixando a vida pública e eu fui convidado para ser candidato, inclusive com o consentimento de Queiroz”, afirma.
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Ao longo do mandato, Jorge Gomes se aproximou de Eduardo Campos e do grupo que fazia oposição ao governador Joaquim Francisco na Assembleia, que incluía deputados como Humberto Costa e Roldão Joaquim, além do próprio Eduardo. Jorge também foi vice-presidente da Assembleia no biênio 1993-1994. Ao final do mandato, elegeu-se vice-governador de Pernambuco na chapa encabeçada por Miguel Arraes. O primeiro contato de Jorge Gomes com Arraes ocorreu em 1981, por intermédio de Luciano Siqueira e do padre Pedro Aguiar. A ligação com a esquerda pernambucana fez com que Jorge fosse sondado naqueles tempos para se filiar ao PCB. “Roberto Freire chegou a conversar comigo. Mas eu não aceitava alguns dogmas do partidão”, explica. Jorge se filiou ao PSB no dia 27 de março de 1992, quando deixou o PDT. O convite para ser vice de Arraes foi feito por Eduardo Campos, em 02 de abril de 1994. A conversa aconteceu na granja do sogro de Eduardo, no povoado de Bonança, na cidade de Moreno. Ele disse a Jorge Gomes que Arraes estava expressando a vontade de tê-lo como vice. E pediu segredo. Jorge foi vice-governador de 1995 a 1998, quando se elegeu novamente deputado estadual. No segundo ano do mandato, foi surpreendido com a indicação de seu nome para disputar a Prefeitura de Caruaru. A convenção partidária que lançou Jorge Gomes candidato também foi um caso à parte. O evento teve início às 9h com uma particularidade incomum: até aquele momento, os partidos de esquerda não tinham um candidato. Os bastidores estavam a mais de mil por hora. As emissoras de rádio transmitiam ao vivo a reunião. João Lyra Neto, na Fazenda Macambira, fazia suas próprias articulações, enquanto José Queiroz aguardava uma decisão na sede do PSB. A proposta foi levada a Queiroz pelo próprio Jorge. O clima era totalmente desconfortável e a imprensa passou a noticiar o caso, reforçando a ideia de que a união era oportunista. Jorge Gomes se apresentou a Queiroz como candidato consensual. E com a condição de ele próprio escolher o candidato à vice. Queiroz concordou. Não havia mais tempo para alimentar discórdias e duelar por propostas individuais. Em entrevista para o livro, Jorge Gomes rememorou as articulações e di-
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ficuldades daquela eleição. “Na minha cabeça não se passava nenhuma candidatura. Houve a reconciliação entre João Lyra e Zé Queiroz, mas foi tumultuada. Fizemos várias reuniões na Makplan, na casa de Fernando Lyra e em Caruaru, pela reconciliação. A ideia era a candidatura de João à reeleição, com o apoio de Queiroz”, explica. Jorge comenta que nesse período teve uma conversa com Miguel Arraes, no Recife. Contou-lhe que mesmo com a reconciliação entre João e Zé, o processo político estava muito tumultuado na cidade. “Vai terminar sobrando pra você”, foi a advertência que ouviu do velho líder socialista. Na madrugada de 30 de junho, o telefone de Jorge Gomes tocou. Era Fernando Lyra. O motivo da ligação: informar que Jorge seria o candidato a prefeito pela Frente Popular em Caruaru. “A escolha do vice [Anselmo Pereira] foi outra briga. Escolhemos o vice na noite da votação. Queiroz terminou abrindo mão”, conta. Até hoje, José Queiroz acredita que o nome de Jorge Gomes foi uma imposição de João Lyra Neto. “Ele [Jorge] diz que não, mas eu acho que João escolheu o nome de Jorge. Mas isso não faz diferença”, esquiva-se. O relógio já marcava 13h quando, enfim, todos saíram e deram as mãos para que os jornalistas fotografassem. “Ninguém questionou as circunstâncias que estava havendo de irregularidades. Inscrição de chapa e tudo”, recorda José Queiroz. Ele diz que saíram de mãos dadas “para fazer com que se acreditasse na proposta”. Mas, foi tarde demais. O povo não acreditou – ou, não se deixou enganar. A coluna confidencial do Jornal Vanguarda registrou o alívio de Anastácio Rodrigues após a definição do nome de Jorge Gomes. De acordo com a publicação, o ex-prefeito – que participou intensamente de todas as reuniões do Fórum das Esquerdas, movido pelo objetivo da candidatura única – sorria aliviado após o anúncio da candidatura consensual. “Montamos um palanque amplo”, resumiu Anastácio. No início da campanha, Tony Gel passou a creditar suas duas derrotas anteriores a equívocos no marketing eleitoral utilizado. O jornalista Inaldo Sampaio, do Jornal do Commercio, publicou em sua coluna que o deputado não daria mais um passo em matéria de marketing sem consultar o professor Antônio Lavareda, “expert” na questão. O marqueteiro foi “um presen-
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te” que Tony recebeu do próprio Jarbas Vasconcelos. No discurso de lançamento de sua candidatura, Tony Gel apelou ao eleitorado popular e condenou a permanência de seus adversários no poder por quase duas décadas: “Completam-se 18 anos que meus adversários revezam-se no poder municipal, daí a necessidade da mudança. Não sou candidato a prefeito por vaidade e sim para vencer as eleições. Vou ganhar as eleições com o apoio de todos os manés e manecas. O povo de Caruaru vai ter orgulho em dizer: dá-lhe, Mané!”. A campanha de 2000 teve suas particularidades. Começando por um incêndio que destruiu parte do estúdio da produtora Hobby Vídeo, no bairro Indianópolis, onde era produzido o guia eleitoral da coligação “União para renovar”, do candidato Tony Gel. E não parou por aí. Até um suposto plano de sequestro foi denunciado pelo deputado José Queiroz na Assembleia Legislativa de Pernambuco. O plano, segundo o deputado, era transformar o candidato do PFL, Tony Gel, em vítima de um atentado ou de um sequestro, mexendo emocionalmente com o eleitorado. “É inacreditável que, na entrada do século XXI, uma cidade de porte médio como Caruaru tenha que conviver com expedientes deploráveis no seu embate eleitoral”, criticou o deputado, na Casa Joaquim Nabuco. Segundo José Queiroz, o plano era uma tentativa de conter o crescimento da campanha de Jorge Gomes. “Em 30 de junho, Jorge Gomes estava com 2% das intenções de voto. Dia 23 saltou para 25% e neste momento as pesquisas apontarão novos pontos para Jorge, enquanto contabilizarão perda de pontos para o adversário”, conjeturou o deputado, à época. A verdade é que Tony Gel aparecia à frente em praticamente todas as pesquisas, inclusive no levantamento que o Ibope divulgou no final de agosto, em que Tony somava 43% das intenções de votos, Jorge Gomes 36% e Rivaldo Soares 3%. Na reta final, as presenças de Miguel Arraes e Jarbas Vasconcelos nos palanques dos dois principais candidatos acirrou a disputa. Arraes acompanhou Jorge Gomes, João Lyra Neto e José Queiroz, em visita a várias comunidades da zona rural. Já o governador Jarbas Vasconcelos compareceu à Caminhada das Mulheres, promovida pela coligação de Tony Gel, no bairro do Salgado. Jarbas permaneceu apenas 20 minutos no
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local, tempo suficiente para fazer um rápido discurso e seguir para outros compromissos em cidades próximas. No mês de setembro, o prefeito João Lyra Neto inaugurou a Policlínica do Salgado. Fernando Lyra, José Queiroz e Wolney Queiroz participaram do ato. Anastácio Rodrigues também compareceu à solenidade. Ficou entre a multidão, mas logo foi observado e convidado a subir na plataforma onde estavam o prefeito e seus aliados. Subiu sob aplausos calorosos da população que prestigiava a inauguração. A eleição de 2000 representou a última tentativa de Anastácio Rodrigues retornar à política. E mais uma vez, não foi satisfatória. Depois de fundar o Partido Verde em Caruaru, o ex-prefeito se lançou como candidato a vereador. Queria novamente retornar à Câmara Municipal, onde já havia exercido um mandato na década de 1960. Anastácio nem chegou a fazer campanha. Antes da eleição, participou de um encontro do Partido Socialista Brasileiro (PSB), ao qual é filiado, na Assembleia Legislativa de Pernambuco. Anastácio discursou na tribuna da Casa, propondo a candidatura de Arraes para o Senado contra Jarbas Vasconcelos, em 2002. Emocionado, sentiu-se mal e enfartou. Assessores de Jorge Gomes o levaram à casa de sua filha Tatiana que o conduziu até o Hospital Oswaldo Cruz, onde passou cinco dias. Anastácio não tinha plano de saúde e foi atendido pelo SUS. Ficava numa maca. Precisou de muitos cuidados, pois já tivera antes uma obstrução numa das artérias. “Foram os maiores dias da minha vida. Nunca vi tanto calor humano”, define. Por não ter feito campanha, somou apenas 45 votos nas urnas. Já recuperado, entregou o comando do partido quando descobriu que o PV estava ligado a Jarbas Vasconcelos, no Estado. Anastácio acredita que seria eleito se tivesse feito campanha. O debate promovido pela TV Asa Branca, afiliada da Rede Globo, no dia 28 de setembro de 2000, marcou o encerramento da campanha. A pesquisa Ibope divulgada na mesma data apontava um empate entre Jorge Gomes e Tony Gel, ambos com 46% das intenções de voto. O levantamento também indicava uma aprovação de 85% do governo João Lyra Neto. Foi o único debate a que Tony Gel compareceu durante a campanha. Visivelmente nervoso, contestou, por três vezes, o resultado da pesquisa Ibo-
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ANASTÁCIO O ETERNO PREFEITO Dezembro de 1996. Anastácio faz sua segunda viagem internacional. Conheceu Istambul, na Turquia, e a cidade bíblica de Cafarnaum. Em Jerusalém visitou templos e seguiu para Tel Aviv. Andou de camelo no Egito, conheceu as pirâmides e passeou pelo rio Nilo. Esteve também em Luxor. A viagem durou até o início de janeiro de 1997
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Em 1998, passou 21 dias visitando Alemanha, Áustria e países do leste europeu, como Polônia, Hungria, Eslováquia e República Tcheca. Também incluiu seis noites na Rússia, país que conquistou Anastácio. A viagem o levou a um roteiro sentimental em Atenas, na Grécia. O eterno prefeito foi eleito Mister Soletur
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pe, divulgado poucas horas antes, dando a eleição empatada. Franco favorito no início da campanha, Tony Gel tinha o dobro das intenções de votos de Jorge Gomes, conforme pesquisa da Arconsult, que apontava 52% para ele e 25% para Jorge, no final do mês de julho. O nervosismo de Tony Gel era justificável. Depois de duas derrotas disputando eleições majoritárias para a Prefeitura de Caruaru, a terceira poderia ser fatal para qualquer pretensão política do candidato. Apesar da insegurança da militância e de o diretor-presidente do Ibope, Augusto Montenegro, numa entrevista a uma rádio do Recife, ter afirmado que as chances em Caruaru eram de Jorge Gomes, Tony Gel venceu a eleição daquele ano, com 53,7% dos votos, contra 43,9% de Jorge Gomes. Tony Gel estava radiante pela realização de um sonho que parecia inalcançável e por haver derrotado todos os seus adversários de uma só vez. “Prevaleceu o sentimento de mudança da população. Esta foi a maior vitória da História política do município. Isso aumenta a minha satisfação, mas também a responsabilidade. Vou me empenhar para fazer o máximo por Caruaru”, disse o prefeito eleito, após a divulgação do resultado. “Respeitamos a vontade do povo”, declarou Jorge Gomes, após a derrota. João Lyra Neto seguiu a mesma linha. “Respeito a decisão do povo e espero que ele [Tony Gel] cumpra todas as suas promessas de campanha”. Na opinião de José Queiroz, era hora de fazer uma avaliação do comportamento da população que, segundo ele, na véspera da eleição, se inclinou para o candidato adversário. “Respeitamos o resultado, mas temos a consciência de que oferecemos a melhor proposta”, destacou. O vice-prefeito de Tony Gel, o médico Valter Souza, afirmou que o resultado era esperado – e confirmou os resultados de pesquisas internas que a coligação realizava quinzenalmente. O editorial do Jornal Vanguarda, de propriedade da família Lyra, lamentou o fato de Caruaru escolher “a proposta da direita conservadora”. A publicação definiu como “regressiva” a opção da maioria do eleitorado “que arriscou tudo num político sem experiência executiva”. Tony Gel, Valter Souza e os 21 vereadores eleitos no mês de outubro foram diplomados pelo juiz eleitoral Saulo Fabiane, em 19 de dezembro, no Fórum João Elísio Florêncio. Após a solenidade, o prefeito falou das prioridades de
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seu mandato, elegendo saúde e educação como áreas prioritárias. “Depois de ter a consciência de que quem assume a prefeitura é o gerente do povo, a partir daí vamos cuidar do que é emergencial”, ressaltou.
POSSE Numa cerimônia marcada por muita expectativa e atraso, o ex-prefeito João Lyra Neto transmitiu o cargo ao prefeito eleito Tony Gel, no dia 1º de janeiro de 2001, na Sala de Reuniões da Prefeitura de Caruaru. A transmissão do cargo só ocorreu após as 20h, pouco depois de Tony Gel tomar posse e receber o título de cidadão caruaruense na Câmara Municipal de Caruaru. O vice-prefeito Valter Souza e o novo secretário de Serviços Urbanos, o ex-vereador José Rabelo, também receberam o título de cidadania caruaruense. Num dia considerado histórico para o PFL, vários representantes do governo participaram da solenidade e da festa de posse. Políticos como o vice-presidente Marco Maciel, o líder do PFL no Congresso Inocêncio Oliveira, além do deputado federal André de Paula, foram saudar o prefeito Tony Gel. O atraso se deu exatamente pela espera da chegada de Marco Maciel, o convidado mais ilustre da festa. Acompanhado por todos os secretários e pelas três filhas – Nara, Paula e Raquel –, João Lyra Neto fez questão de entregar pessoalmente o cargo a Tony Gel. “Deixo a prefeitura em perfeitas condições, pronta para a realização de um bom governo. Sinto-me gratificado com isso”, discursou, desejando boa sorte ao novo prefeito. Por sua vez, Tony Gel propôs a soma de esforços pelo bem da cidade. João Lyra saiu da prefeitura acompanhado pelo vereador Antônio Liberato e pelo filho do prefeito, Tonynho Rodrigues. Lá fora, os militantes do novo prefeito comemoravam euforicamente a vitória. A grande estrela da posse, conforme a imprensa noticiou, foi o ex-prefeito Drayton Nejaim, que chegou de surpresa à solenidade. Drayton retornou a Caruaru em grande estilo, citado com referências especiais pelo prefeito Tony Gel e aplaudido pela militância.
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José Queiroz reconhece que a briga entre ele e João Lyra Neto cooperou para a derrota de Jorge Gomes. “Eu acreditava na vitória de Jorge. Fui para a rua com ele, de corpo e alma. Eu dei para ele o duro que um candidato pode dar”, assegura. Queiroz cita que a poucos dias da eleição, o Ibope divulgou pesquisa que apontava um empate entre Jorge Gomes e Tony Gel, ambos com 46% das intenções de voto. De acordo com Queiroz, o debate transmitido pela TV Asa Branca também foi decisivo e, segundo ele, Jorge Gomes não se saiu bem no confronto. “E depois Tony manipulou como quis e inventou uma pesquisa que foi publicada no sábado [um dia antes da eleição], com ele ganhando por 10 pontos. E o resultado foi que ele ganhou a eleição. E ganhou bem. Mas a gente poderia ter ganhado aquela eleição”, acusa José Queiroz. Jorge Gomes diz que perdeu a eleição no dia da votação. “Não entrei desmotivado, mas a cidade ficou surpresa com a minha candidatura. Louve-se o empenho de Queiroz, foi a pessoa que mais andou comigo. Comecei com 2% nas pesquisas. Na última, divulgada pela Globo, eu e Tony Gel estávamos empatados. Perdemos a eleição no dia”, acredita. Ele reconhece que no confronto final foi vencido pelo adversário. “Eu perdi o debate da TV Asa Branca para Tony Gel. Além disso, não houve mobilização da nossa coordenação de campanha no dia da eleição”, reclama. Por se tratar de um fato privado, pouquíssimas pessoas souberam, na época, o que ocorreu exatamente na noite do último debate transmitido pela Rede Globo, em Caruaru. Antes de seguir para a sede da emissora, no bairro Pinheirópolis, Jorge Gomes participou do último comício da campanha, no populoso bairro do Salgado. A meia boca, nos bastidores, passou-se a cogitar a possibilidade de Jorge ser indagado por Tony Gel sobre a existência de uma filha que ele teve fora do casamento. A ideia assustou Jorge e afetou seu equilíbrio emocional. De fato, ele tinha uma filha fruto de um relacionamento extraconjugal. Mas sua família não sabia nada sobre o caso. Assim que saiu do comício, Jorge seguiu para casa e decidiu contar toda a verdade para a mulher, Laura Gomes, e os três filhos: Marcelo, Guilherme e Maria Laura. Estavam os quatro deitados na cama do casal quando ouviram a notícia desagradável. Foi um choque para todos. Marcelo, atualmen-
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te vereador em Caruaru, ficou indignado ao ouvir a traição do pai, confessada por ele mesmo àquela altura, premido pelas circunstâncias. Foi uma conversa muito dura e Jorge Gomes se desestruturou completamente, indo para o debate trucidado. A fraca atuação também contribuiu para a derrota, num processo que começou errado e que foi, particularmente, uma experiência ruim para Jorge, que perdeu, mesmo com o apoio de toda oposição e por uma ampla margem de votos. Depois de perder duas eleições para prefeito, Tony Gel finalmente subiria a rampa do Palácio Jaime Nejaim. “Já estava maduro para ser. O povo quis me dar uma chance e quis mudar. Eu seria eleito disputando com qualquer um deles, tanto é que João não topou a reeleição. Porque ele tinha esse direito, mas sabia que perderia. Aquele momento era realmente meu”, afirma, convicto. Tony Gel diz que votou a favor da reeleição no Congresso Nacional, mesmo sabendo que beneficiaria João Lyra Neto. “Eu queria que ele viesse como candidato”, revela, consciente de que seria eleito de qualquer forma. A eleição de Tony Gel também pôs fim ao ciclo de 18 anos em que José Queiroz e João Lyra Neto se revezaram no poder. No ano de 2001, Anastácio Rodrigues lamentou a morte de duas figuras importantes para a História de Caruaru. Em cinco de junho, morria o ex-prefeito Manoel Affonso Porto Filho, o Neco Affonso. “O prefeito da minha adolescência”, recordou Anastácio. O tabelião era também Comendador da Ordem Marechal Rondon. A última eleição que Neco disputou foi em 1968, quando tentou retornar à prefeitura, ficando na terceira colocação, no pleito vencido por Anastácio. Em três de novembro ocorreu o falecimento de Lourival Vila Nova, uma das grandes inteligências de Caruaru, cuja capacidade ultrapassou as fronteiras da cidade. Humanista de formação, o professor de Lógica e Direito em várias faculdades do Recife, também foi professor-fundador da cadeira de Introdução à Ciência do Direito, na atual Asces-Unita, de Caruaru. Radicado no Recife, Vila Nova foi secretário estadual de Educação e Cultura no governo de Cid Sampaio e foi responsável pela implantação, a partir de 1958, de escolas estaduais em Caruaru. Até sua administração, a cidade só tinha unidades municipais com pro-
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fessores do Estado. Construiu o Adélia Leal – em homenagem a sua primeira professora –, Antônia Cavalcanti, Mário Sette, Escolas Reunidas Rio Branco e, ouvindo o reclamo da juventude pobre de sua época, instalou o Colégio Estadual, primeiro de ensino médio gratuito no município. Anastácio Rodrigues teve participação efetiva na luta pela implantação do Colégio Estadual de Caruaru, conforme já vimos em capítulo anterior. Lourival Vila Nova falava dez idiomas e era conhecido como um amante dos livros. Devido aos inúmeros afazeres no Recife, ia pouco a Caruaru. Sua última visita foi em 1997, quando recebeu da Câmara Municipal a Medalha de Ouro José Rodrigues de Jesus. “Caruaru não tem ideia do que perdeu. Era para a cidade estar de luto”, disse Anastácio, quando morreu Vila Nova.
UM ANO DEPOIS... As eleições de 2002 foram um marco na História do Brasil. No segundo governo FHC, iniciado em 1999, o real passou por uma forte desvalorização e a economia se deteriorou, derretendo a popularidade do presidente. Em 2002, Lula disputava sua quarta campanha a presidente da República. Depois da metamorfose que transformou o PT – um partido radical e intransigente – em uma máquina eleitoral com o objetivo de conquistar o poder, em 27 de outubro, Lula foi eleito em segundo turno, com 52,7 milhões de votos – 61% do total, derrotando José Serra, Ministro da Saúde do governo FHC. Na festa de posse, na Avenida Paulista, Lula soltou uma frase que se tornaria célebre: “A esperança venceu o medo”. Aos 22 anos de vida, o PT finalmente chegava ao poder. Em 2002, o cenário começaria a mudar novamente. O presidente Lula foi eleito e uma onda vermelha tomou conta do Brasil, mas em Pernambuco Jarbas Vasconcelos elege Marco Maciel e Sérgio Guerra para o Senado. José Queiroz e Roberto Liberato representam Caruaru na Assembleia Legislativa. Jorge Gomes obtém uma grande votação, mas fica com a vaga de suplente na Câmara Federal. (Ele acabaria assumindo o cargo temporariamente, com a ida de Eduardo Campos para o Ministério da Ciência e Tecnologia do
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governo Lula e, depois, em definitivo, com a morte de Miguel Arraes, em 13 de agosto de 2005). Pela primeira vez em muitos anos, Caruaru não tinha deputado federal. Tony Gel estava no exercício de seu mandato como prefeito e Wolney, que perdera a eleição em 1998, não disputou um novo mandato. Mesmo assim, chamou a atenção da imprensa. Não sendo candidato, Wolney Queiroz obteve uma votação que os jornalistas definiram como “fantasma”. Antes de a campanha começar, Wolney desistiu de candidatar-se. Não apareceu no guia eleitoral, não imprimiu santinhos nem cartazes, não subiu em palanque para pedir votos, não teve cabo eleitoral, não deu entrevista, não teve boca-de-urna e mal saiu de Caruaru durante a campanha. Ao fim da apuração, porém, teve cerca de 12 mil votos. Mais: foi votado em todos os municípios do Estado. O problema é que ele desistiu, mas não oficializou no TRE a desistência – seu número e nome continuaram valendo na urna eletrônica. A coligação (PDT-PTB-PSL) não lançou um nome forte e não esperava ter a quantidade de votos necessária para garantir um mandato de deputado federal. Houvesse a coligação obtido cerca de 40 mil votos a mais, Wolney teria sido eleito. Segundo seu pai, José Queiroz, se ele tivesse feito campanha teria sozinho obtido estes votos que faltaram. Mas, já que não fez campanha, de onde surgiram 12 mil votos? Ninguém sabe. A especulação mais plausível é que eles se devem ao excelente número de sua candidatura: 1234 (que, a propósito, era o número que originariamente pertencia à deputada Cristina Tavares, hoje falecida). Wolney não foi candidato, em 2002, por conta de acordo que juntou as oposições de Caruaru. Ele apoiou a candidatura de Jorge Gomes (PSB) a federal, que, em troca, apoiou a candidatura do seu pai, José Queiroz, para deputado estadual. O acordo previa, ainda, que estariam todos juntos na eleição municipal de 2004. Após o primeiro mandato de Tony Gel, as eleições de 2004 sinalizaram para uma nova disputa entre os principais adversários. De um lado, João Lyra Neto, filiado ao PT, apostava na força do nome do presidente Lula. Do outro, Tony Gel se amparava na figura do governador Jarbas Vasconcelos. A eleição foi marcada pela tensão e por um inesperado resultado: a vitória
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da chamada “marcha silenciosa”, como definiu Tony Gel. Mesmo com um grande otimismo da esquerda, o democrata surpreendeu e venceu a eleição por pouco mais de 700 votos. Na época, João Lyra Neto denunciou que houvera fraude por parte do grupo adversário. Ele acusou que muitas pessoas teriam votado no lugar de faltosos ou de eleitores já falecidos. Em 2004, Caruaru enfrentou a maior enchente de sua história. Outros acontecimentos refletiram negativamente no governo Tony Gel. Um avião atolou no aeroporto Oscar Laranjeira e foi motivo de críticas ao prefeito, mesmo não sendo o responsável pelo fato. Também repercutiu de forma nada favorável uma invasão ao autódromo, que quase impediu a realização da Fórmula Truck naquele ano. Tony Gel foi pessoalmente retirar os invasores. Mas os estragos causados pela cheia de 2004 tornaram-se o calo do governo no final da gestão. O clima gerado entre a população e as críticas da oposição perturbaram Tony Gel. “Achei que não reunia condições para ser candidato”, revela. O momento era desfavorável ao anúncio de sua campanha para a reeleição e Tony questionou se deveria entrar na disputa “porque tudo de ruim aconteceu”, justifica. A situação era difícil. Todavia, analisando o contexto, o prefeito entendeu que o trabalho realizado nos últimos quatro anos lhe respaldava para o pleito. Reuniu o secretariado e informou: “O guerreiro vai à luta”. E foi. “Fui para a rua e o povo entendeu que o que aconteceu não era culpa minha. Aconteceu naturalmente. Tudo o que eu falava na televisão o povo conferia que era verdade. No decorrer da campanha, em setembro, eu tinha a convicção de que seria eleito”, afirma. Na campanha pela reeleição, Tony Gel – apesar da avaliação nada favorável ao governo em sua reta final – contava com apoios estratégicos. Além de estar no controle da máquina municipal, tinha a seu favor as benesses do Governo Estadual, a começar pelo marqueteiro, o famoso Antônio Lavareda, indicado pelo governador Jarbas Vasconcelos. Outra facilidade consistia no apoio, gratuito, dos servidores contratados que, para garantir seus empregos, se engajavam em setores da campanha. Na eleição de 2004, os adversários estariam juntos novamente e desta vez mais fortes e críticos. O candidato, ao contrário do anterior, fora prefei-
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to duas vezes derrotando Tony Gel, em 1988 e 1996 e parecia responder aos anseios da população por mudança. Ao contrário do que aconteceu quatro anos antes, dessa vez houve de fato uma aliança política entre João Lyra Neto e José Queiroz, de modo que as circunstâncias levaram Wolney Queiroz a ser candidato a vice-prefeito. Pela terceira vez, Tony Gel iria enfrentar João Lyra Neto numa eleição municipal. Mas, desta vez, o resultado não seria o previsto. “Foi uma eleição que eles achavam que ganhariam de todo jeito. Foi memorável aquela eleição de 2004!”, gaba-se Tony Gel. Ao contrário de Tony Gel, que tinha vantagens por estar no poder e contar com apoio de um governador bem avaliado, seus adversários enfrentaram muitas dificuldades para fazer a campanha de oposição e acusaram o prefeito de usar descabidamente a máquina política a favor de sua reeleição. Mesmo com uma administração mal avaliada, Tony Gel conseguiria reverter o processo a seu favor. João Lyra Neto acompanhou a apuração em sua residência, na Rua Rodrigues de Abreu, no bairro Maurício de Nassau. Cerca de 30 pessoas estavam ao seu lado naqueles instantes de apreensão. Em outra casa, na mesma rua, tudo estava pronto para a festa de comemoração que duraria a noite inteira e entraria pela madrugada. À tarde, o Ministro da Saúde, Humberto Costa, telefonou para o colega petista. Ouviu de João Lyra Neto que este venceria a eleição com uma frente de pelo menos cinco mil votos. Por volta das 17h30, a Avenida Agamenon Magalhães foi tomada por uma multidão vestida com a camisa da campanha petista. Em pouco tempo, a principal rua da cidade estava tomada pelo “mar vermelho”, como a imprensa passou a informar. Os eleitores de Tony Gel, acuados, ficaram em suas casas esperando o resultado. À medida que os votos começaram a ser contados, a situação foi se tornando cada vez mais favorável ao prefeito. Quando as urnas da zona rural foram reforçando a votação de Tony Gel, o mar vermelho começou a se desfazer. Eleito com uma diferença de apenas 753 votos, Tony Gel tornava-se o primeiro prefeito reeleito da história política de Caruaru. Uma das músicas de campanha do prefeito dizia, em tom de deboche, que o adversário iria chorar. O jingle se mostrou premonitório. Amigos, assessores e correligionários que estavam em sua residência, na-
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quela noite, viram João Lyra Neto chorar, literalmente, a derrota. Abatido, ele conversou rapidamente com um dos advogados da campanha e com Mércia Lyra, num dos cômodos da casa; depois, sem se despedir de ninguém, se retirou da sala. As pessoas, em seguida, começaram a esvaziar a residência. Poucos metros dali, no Edifício Gisele, na Rua Pastor Rubem Prado, uma multidão invadia o apartamento do prefeito Tony Gel para comemorar a vitória. Nem mesmo o elevador do prédio suportou a pressão e terminou a noite sem funcionar. Apesar do sufoco e de um pleito radicalizado, Tony Gel ganhou nas urnas por apertados 773 sufrágios e conseguiu vencer, novamente e de uma só vez, todos os seus maiores adversários – além de garantir o comando do município por mais quatro anos. Como em política as histórias e as guerras tendem a se repetir, assim como Tony Gel fizera em 1988 ao perder a eleição, João Lyra Neto passou a acusar uma suposta fraude no resultado das eleições de 2004. Na época, o candidato derrotado procurou a Justiça e a imprensa para denunciar que ao observar os boletins de urna, sua assessoria jurídica chegou à conclusão de que 85% dos mesários haviam sido trocados no dia da eleição. Segundo a denúncia, onde houve troca de mesários, a vitória de Tony Gel foi acima da média. A oposição chegou à conclusão de que a substituição dos mesários permitiu que as urnas fossem abertas sem a presença dos eleitores. Disseram mais: que muitos mesários votaram por eleitores que não compareceram às urnas no dia da eleição. As denúncias tinham um caráter de conjectura e por ausência de provas não ocasionaram qualquer medida judicial, como ocorrera em 1988, quando houve recontagem de votos. O juiz eleitoral da época, Dr. Brasílio Guerra, negou que tenha havido mudança dos mesários e não acatou a denúncia. A oposição recorreu ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e o processo se extinguiu por falta de objeto. José Queiroz, um dos que reforçaram o coro de fraude após a eleição, anos depois mudaria o discurso, afirmando que a campanha de João Lyra Neto foi “mal feita” e contou com um marketing “equivocado”. “Nesta eleição de 2004 cometemos a estupidez de bater, bater e bater. Pra quê? Deu no que deu. João perdeu a eleição. Um erro de marketing muito cruel. Eu acho que todos nós contribuímos, porque batíamos sem necessidade”, reconhece.
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O político diz que aprendeu a lição. “Observe que a minha campanha de 2008 não houve quem conseguisse me provocar. A de 2012 a mesma coisa. Propostas, análise, uma mensagem que até o tom de voz foi calculado pelo pessoal de Duda Mendonça e eu sou seguidor. Eu cumpro”, revela Queiroz. Além de reconhecer que utilizaram um marketing errado na eleição de 2004, Queiroz também atribui a vitória de Tony Gel aos esforços do Governo do Estado. “A gente pegou um governador que era super aprovado, Jarbas Vasconcelos, que foi o âncora da campanha de Tony, o avalizando. Dois fatores que contribuíram para a vitória de Tony Gel. Ele estava péssimo na avaliação”, argumenta Queiroz. Em fins de 2005, Anastácio Rodrigues foi patrono da turma concluinte “País de Caruaru”, das unidades I e II do Colégio Dimensão. Emocionado, ele discursou para uma multidão de jovens, ressaltando as dificuldades de seu tempo de estudante. “Há, hoje, um universo de oportunidades que ontem não existiam. As portas das Universidades estão abertas para as novas gerações”, citou. Anastácio também comentou a importância de ser reconhecido pela população da cidade que administrou. “É muito bom o turbilhão de emoções que é provocado em uma pessoa que já exerceu várias funções no caminhar de sua existência e após algum tempo ser surpreendido com este convite”. Adiante, falou de seu amor por Caruaru. “Reconheço que sou um saudosista incorrigível. O passado de Caruaru tem sido alimento do meu viver”.
Nas eleições de 2006, acontece uma nova reviravolta na política pernambucana. Eduardo Campos vence Mendonça Filho e assume o governo de Pernambuco. O grupo liderado pelo prefeito Tony Gel consegue eleger sua esposa, Miriam Lacerda, deputada estadual, com uma grande votação, mas Roberto Liberato fica na suplência da Câmara Federal e, após anos de união, rompe pessoal e politicamente com Tony. José Queiroz consegue a reeleição à Casa de Joaquim Nabuco, Wolney Queiroz volta a ser o representante de Caruaru no Congresso Nacional e Jarbas Vasconcelos se elege senador.
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João Lyra Neto – que havia sido derrotado por Tony Gel dois anos antes – é eleito vice-governador do Estado, reforçando a tradição que Caruaru vinha mantendo, desde os anos 1990, de fazer-se representar no comando estadual através do cargo de vice. Primeiro com Roberto Fontes, vice de Joaquim Francisco; depois com Jorge Gomes, vice de Miguel Arraes. Jorge Gomes foi candidato ao Senado na chapa de Eduardo Campos, mas perdeu a eleição para Jarbas Vasconcelos. Inicialmente, Jorge se organizou para ser candidato à reeleição de deputado federal. “Eduardo era engenhoso e armou tudo para lançar a candidatura dele. Ele me consultou em relação à candidatura de João Lyra Neto para vice-governador”, revela. O encontro ocorreu na sala do Ministério da Ciência e Tecnologia, em Brasília. “Eduardo me disse que um dos nomes que ele pensava era o de João. E perguntou o que eu achava. Eu aprovei. Eduardo me pediu o número de João e ligou na mesma hora para ele, marcando um encontro no Talude, próximo de sua casa, em Dois Irmãos”, conta. Jorge Gomes cita que naquela eleição Jarbas era imbatível como candidato a senador, já que estava se despedindo de seu segundo mandato como governador de Pernambuco. Por isso, ninguém queria enfrentá-lo. “Eu estava indo sozinho para Recife, dirigindo meu carro, quando Eduardo Campos me ligou. Parei próximo de Gravatá para atendê-lo. Ele me disse que já havia decidido a questão do vice e queria agora resolver o senador. Disse que estava naquele momento reunido com vários líderes em sua casa e queria que eu participasse”, recorda. Jorge Gomes seguiu direto para a casa de Eduardo, em Dois Irmãos, no Recife. “Lá, me tornei candidato a senador”, explica. Inicialmente, a pretensão de Eduardo Campos era ter o escritor Ariano Suassuna como candidato ao Senado. “Ele havia insistido para Ariano ser candidato, mas a família não concordou pela idade já avançada dele”, explica Jorge Gomes. Ariano acabou indicado como suplente de Senador ao lado de Jorge Gomes e teve uma participação fundamental na campanha de Eduardo Campos. Nos comícios da capital, ele era presença constante, puxando o coro de “Madeira que cupim não rói”, de Capiba, que se tornou a trilha sonora da campanha vitoriosa de Eduardo. “Jarbas ganhou a eleição e eu me tornei Secretário de Saúde de Eduardo”, afirma Jorge Gomes.
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Aproximava-se o ano de 2007, quando a cidade de Caruaru comemoraria em grande estilo o seu sesquicentenário. Por sua História e contribuição para o desenvolvimento social, econômico e cultural do município, Anastácio Rodrigues foi uma das 150 personalidades homenageadas no 18 de Maio. Há alguns anos, Anastácio estava recluso ao silêncio de sua residência. Não mais participava dos acontecimentos da cidade, muito menos de eventos políticos. Coube ao contabilista Bernardo Barbosa retirar Anastácio do esquecimento a que estava condenado, ou como ele mesmo diz, foi o responsável pelo descaramujamento de Anastácio. Na condição de presidente do Comitê Gestor do Sesquicentenário, Bernardo Barbosa foi ao encontro de Anastácio em sua casa, no bairro Maurício de Nassau. Inicialmente, várias pessoas tentaram desencorajá-lo, entre elas o jornalista Souza Pepeu – que conhecia Anastácio o suficiente para saber que não seria tarefa fácil convencê-lo. Persistente, Bernardo foi três vezes ao encontro de Anastácio Rodrigues até conseguir retirá-lo de casa. “Levei-o muitas vezes, em meu carro, para as reuniões do Comitê do Sesquicentenário. Sempre ia pegá-lo em casa. Lá, Anastácio viu que precisava sair de casa e participar”, afirma. Bernardo Barbosa conta que a medalha dedicada a Anastácio, entre as 150 ofertadas a personalidades ilustres, também foi um voto pessoal seu. O grande evento do Sesquicentenário de Caruaru aconteceu na sexta-feira, 18 de maio de 2007, no Marco Zero da cidade. A medalha de honra ao mérito, intitulada Colar do Sesquicentenário de Caruaru foi instituída pela Lei 4.536, de 14 de agosto de 2006, para ser outorgada a personalidades, vivas ou em memória, que tenham contribuído para o desenvolvimento de Caruaru em qualquer área de atuação, seja política, cultural, empresarial, educacional, religiosa, militar, musical e de saúde, entre outras. Depois das comemorações do Sesquicentenário de Caruaru, Anastácio Rodrigues voltou a participar ativamente dos acontecimentos sociais da cidade. No ano seguinte, daria mais uma importante contribuição à História de seu município, com a fundação do Instituto Histórico de Caruaru – órgão que apesar de jovem, já se consolidou na cidade. Um sonho antigo do eterno prefeito.
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Incansável na luta pela preservação da memória de Caruaru, Anastácio Rodrigues decidiu materializar um sonho antigo, no ano de 2008. Distante da política, a criação do Institu-
to Histórico de Caruaru (IHC) era a forma ideal de continuar contribuindo com o município, de uma forma efetiva. Apesar de recente, o Instituto Histórico é hoje órgão reconhecido socialmente, que muito tem feito pela memória cultural do município. Fundado em 1º de março de 2008, está localizado no primeiro andar do antigo prédio da Estação Ferroviária, espaço cedido provisoriamente, que se tornou a sede do Instituto e abriga seu acervo. O Instituto aniversaria na mesma data em que Caruaru comemora sua emancipação política. “A data foi escolhida justamente pela importância em nosso contexto, afinal foi em 1º de março de 1893 que Caruaru emancipou-se politicamente”, explica Anastácio. A ideia de criar um órgão que pudesse resgatar a rica história cultural de Caruaru é antiga. Nasceu há décadas, quando Anastácio Rodrigues era prefeito. Voltou com mais força durante as reuniões do Comitê Gestor do Sesquicentenário de Caruaru, mas só em 2008 a iniciativa saiu do papel. Através do órgão, Anastácio, juntamente com os demais membros, pretende apoiar iniciativas específicas que englobam diversas áreas ligadas à cultura, a fim de resgatar e preservar a identidade da terra do Mestre Vitalino. Apesar das conquistas, o ex-prefeito destaca que há muito por fazer e que a cidade está atrasada meio século em relação à criação do órgão. “O Instituto ainda está dando seus primeiros passos, mas já é um órgão bem aceito pela sociedade. A verdade é que estamos atrasados quanto ao tempo e não será um trabalho fácil. Temos que resgatar a história e conscientizar as pessoas”, explica. Anastácio afirma que a participação da população também é fundamental. “Se você tem um documento ou objeto importante acerca de nossa história e quiser acreditar em nossa proposta, poderá doá-lo ao arquivo do Instituto”, diz. A tarefa da instituição não ficará restrita apenas à coleta e preservação de materiais. “Pretendemos tombar elementos importantes, como a Casa-Museu do Mestre Vitalino e o Cemitério São Roque, onde estão sepultadas figuras ilustres de nossa história, como o Vigarinho, o pro-
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fessor Machadinho, os pais de Álvaro Lins e dos irmãos Condé e tantos outros”, explica. O Instituto Histórico de Caruaru está localizado na antiga sede da Estação Ferroviária, onde funcionou a Biblioteca Pública Municipal. Possui estatuto, personalidade jurídica, brasão e foi, inclusive, reconhecido pela Prefeitura de Caruaru como entidade de utilidade pública. O IHC é formado por um grupo de profissionais liberais, dentre os quais: historiadores, pesquisadores, escritores, arquitetos, advogados, médicos, empresários, professores e comerciantes. Dentre as principais ações realizadas pelo Instituto estão a incorporação da Casa-Museu do Mestre Vitalino e do túmulo do artista, localizado no cemitério Dom Bosco, ao patrimônio histórico e artístico do município. O Brasão do Instituto Histórico é de autoria do doutor Darley de Lima Ferreira, especialista em Heráldica, com o desenho de Ilda Duque de Souza Ferreira. O símbolo compõe-se de representações da origem, fundamentação cristã e evolução sócio-cultural da cidade. Encontra-se devidamente apoiado em armas da comunidade, desde sua origem aos dias atuais. Essas estão inseridas em um escudo de formato português, esquartelado. O seu brasonamento obedece à seguinte ordem: à altura do chefe, no quartel de canto destro, aparece a estátua de José Rodrigues de Jesus, fundador da cidade; no quartel do canto sinistro, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, edificada nos primórdios da cidade. No contrachefe, no quartel destro, barracas que simbolizam a Feira de Caruaru, que surgiu em derredor da casa-grande do primeiro povoado; no quartel sinistro, imagem da Torre do Tempo, marco do nascedouro da vida universitária em Caruaru. O escudo é encimado por uma coroa mural, de cinco torres, característica de uma cidade, conforme a heráldica portuguesa. O escudo se encontra guarnecido por paquife que, não contornando um elmo, ornamenta a coroa, destacando-a com as cores da Bandeira de Caruaru. Sob o escudo, vê-se um listel com a expressão latina: Historia Testis Temporis, Lux Veritatis (A História é a Testemunha do Tempo, Luz da Verdade). No aniversário de 152 anos de Caruaru, 18 de maio de 2009, o Instituto Histórico fez uma homenagem ao seu patrono e fundador da cidade, Jo-
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sé Rodrigues de Jesus. O reconhecimento ocorreu após missa em Ação de Graças, na Igreja de Nossa Senhora da Conceição. Em seguida, houve o descerramento do Marco da Passagem do Século XIX para o XX. No mesmo dia, na Câmara de Vereadores, o prefeito José Queiroz sancionou a Lei nº 4.787, que declara o Instituto Histórico de Caruaru como de utilidade pública municipal. O reconhecimento também veio por meio do Governo de Pernambuco. Em 13 de maio de 2013, o governador Eduardo Campos sancionou a Lei nº 14.983, que declara de utilidade pública estadual o Instituto Histórico de Caruaru. O projeto que originou a Lei é de autoria do deputado estadual Tony Gel. Em 2014, cinco anos após fundar e presidir de forma democrática o Instituto Histórico de Caruaru, Anastácio Rodrigues passou o comando do órgão para o historiador Walmiré Dimeron, eleito pela maioria dos membros do órgão para presidi-lo no exercício de 2014/2016, sendo reeleito. O Instituto Histórico também apresentou ao público uma galeria dos ícones de Caruaru, que passou a ilustrar as paredes de sua sede. O espaço conta com fotografias de caruaruenses que se destacaram em vários segmentos e que enalteceram a cidade ao longo dos anos. O IHC tem participação efetiva no Conselho Municipal de Políticas Culturais de Caruaru e atende estudantes, pesquisadores, cineastas e outros interessados, para elaboração de pesquisas escolares, trabalhos de conclusão de curso e documentários acerca da História de Caruaru.
ELEIÇÕES 2008 Em 2008, ano de fundação do Instituto Histórico de Caruaru, os eleitores caruaruenses foram às urnas para eleger prefeito e vereadores. Chegava ao fim o ciclo de oito anos do prefeito Tony Gel no comando da cidade. O deputado estadual José Queiroz era, de longe, o favorito para vencer a disputa. Inicialmente, o PSB anunciou que a vereadora Laura Gomes seria candidata a prefeita com apoio da sigla e chancelada pelo governador Eduar-
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do Campos. Laura queria ser candidata e fez, inicialmente, todas as movimentações necessárias. Mas o nome de José Queiroz era favorito e o próprio PSB tratou de tirá-la da disputa. O vice-governador João Lyra Neto foi um dos maiores defensores da candidatura de José Queiroz junto a Eduardo Campos, por entender que era o candidato com reais condições de vitória. Nos bastidores, Queiroz já havia escolhido o empresário Douglas Cintra como seu candidato a vice. Douglas convocou partidos, financiou pessoas e foi criando as condições para ser candidato a vice-prefeito. Mas coube ao governador Eduardo Campos decidir os rumos daquela eleição. Na Secretaria de Saúde do Estado, Jorge Gomes não vinha dando as respostas que Eduardo gostaria de ter. A essa altura ele já tinha um plano em mente: tirar Jorge do cargo e entregar a pasta ao vice-governador João Lyra Neto. Esse foi, talvez, o maior desafio da vida pública de João Lyra, que assumiu a Secretaria num momento crítico, marcado por greve de médicos, e com a missão de organizar a pasta, possibilitar o cumprimento das promessas de campanha na área de saúde e desmontar um esquema de arrecadação ilegal no interior da Secretaria, que fugia do controle de Jorge Gomes e do próprio Palácio das Princesas, e preocupava o governador. Eduardo exonerou Jorge, mas garantiu que ele fosse candidato a vice-prefeito de Caruaru, nas eleições daquele ano. Antes, porém, era preciso tirar Douglas Cintra da jogada. E o governador tratou diretamente com o empresário para fazer a intervenção. Como tudo na política gira em torno de um ou mais interesses, prometeu a Douglas que ele seria candidato na eleição de 2010. Quando a candidatura de Queiroz ganhou força na cidade, Tony Gel percebeu que era hora de agir. Inicialmente, precisava de um nome para lançar como candidato à sucessão, mesmo sem chances reais de vitória. Depois, era preciso encontrar uma forma de participar diretamente das discussões que o novo governo levantaria. Tony Gel previa uma radical caça às bruxas e estava convicto de que José Queiroz faria com seu governo o mesmo que fizera com Drayton Nejaim ao assumir por sete meses a Secretaria de Administração no governo Anastácio. Ele, porém, estaria de pé e pronto para defender o seu legado.
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Alegando ter o sonho de ser vereador em Caruaru, Tony Gel renunciou ao cargo de prefeito, se desincompatibilizando no prazo determinado pela Justiça Eleitoral, para estar apto à disputa. Ao repassar o cargo para o presidente da Câmara de Vereadores, Manoel Teixeira – que legalmente assumiu o cargo, face à renúncia do vice-prefeito Roberto Liberato – Tony Gel jamais imaginou as consequências desastrosas que se sucederiam. No final da manhã do dia quatro de abril de 2008, o prefeito Tony Gel se reuniu com secretários, adjuntos, diretores de departamentos e assessores especiais, no escritório político da primeira-dama e deputada estadual Miriam Lacerda. Foram quase duas horas de conversa, até que, às 14h, foi feito o anúncio oficial de renúncia. Ao comunicar a decisão aos jornalistas, o prefeito mostrou-se muito à vontade, mesmo realizando uma manobra política nunca antes vista na cidade: deixar o cargo de prefeito antes de concluir o mandato para se candidatar a vereador. Quando questionado, Tony Gel disse que disputar uma vaga na Casa Jornalista José Carlos Florêncio, sempre foi um projeto pessoal, ou, como ele classificou, “um sonho”. “Sempre tive um sonho de ser vereador e o destino quis que eu me candidatasse primeiro a prefeito”, explicou. Ele disse ainda que se reuniu com a bancada de vereadores que o apoiavam e estava cumprindo a promessa de uma candidatura “puxadora de votos”, com capacidade para conquistar pelo menos 10 mil sufrágios, ajudando a reeleger os vereadores de sua base e mais alguns. Tony Gel afirmou que sua candidatura não era um golpe eleitoral e lembrou que a opção está prevista na Constituição Federal. Ao presidente da Câmara, Manoel Teixeira de Lima, o Neguinho Teixeira, o prefeito enviou a seguinte carta-renúncia: Ao Exmo. Sr. Manoel Teixeira de Lima Presidente da Câmara de Vereadores de Caruaru Casa José Carlos Florêncio. Senhor Presidente, Com fulcro e na forma dos Arts. 301 e 303 do Regimento Interno dessa res-
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peitável Casa, invocando ainda a constitucional e legal legitimidade conferida a este Gestor para representar o município em suas relações jurídicas, políticas e administrativas, na forma prescrita no Art. 55, I da Lei Orgânica Municipal, comunico a Vossa Excelência minha inequívoca, irretratável e irrevogável, livre e desembaraçada decisão de RENUNCIAR – como de fato renuncio – ao Cargo Eletivo de Prefeito do Município de Caruaru, conferido soberana e honradamente pelo Povo de Caruaru e que vinha, até a data de hoje, desempenhando com total respeito ao Ordenamento Jurídico em vigor. Certo de ter cumprido com meus deveres funcionais durante esses sete anos e três meses de governo, e de ter efetivamente colaborado para a melhoria da qualidade de vida do meu povo, trabalhando com eficiência para o desenvolvimento de minha cidade querida; considerando ainda que meu compromisso de homem público com os munícipes e com esta terra abençoada e amada não se encerra com este ato, pelo contrário, renova-se, solicito a Vossa Excelência seja este expediente recebido e processado, na forma da Lei, para que produza seus jurídicos e legais efeitos. Renovando meus protestos de permanente respeito a todos que fazem a Câmara de Vereadores de Caruaru. Atenciosamente. Antonio Geraldo Rodrigues Durante a entrevista de despedida, Tony Gel afirmou que seu candidato à sucessão seria Roberto Liberato (eleito vice-prefeito em 2004, renunciando em seguida para reassumir seu mandato de deputado estadual e deixando Tony Gel sem vice). O prefeito ressaltou ainda que não havia entrado de cabeça para pedir votos para o correligionário porque não queria ser acusado de usar a máquina administrativa. Em seguida, chamou Liberato de “coitado”. “Meu candidato seria Roberto Liberato, mas ele recuou sem conversar comigo, coitado”, disse. “Agora alguns nomes começam a surgir, mas vamos esperar. Temos até junho para escolher”, completou. Sobre seu sucessor, Neguinho Teixeira, Tony Gel disse que ele precisaria surpreender os adversários. “Ele tem que prezar pela ética e ser um gestor que dê exemplos. Estou deixando a Prefeitura com todas as suas con-
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tas em dia e ainda verba de R$ 1,5 milhão para o prefeito que vai assumir no ano que vem”, afirmou. Na Câmara, Neguinho utilizou a tribuna para se despedir e prometeu ser fiel ao ex-prefeito. “A marca da minha administração será a marca de Tony Gel, nosso líder maior. Não pretendo mudar ninguém, inclusive o prefeito colocou à disposição todos os cargos de secretários, mas eu não aceitei. Vou manter todos”, disse, antes de assinar o termo de posse. Ao contrário da promessa de que daria “o máximo para ajudar a cidade a crescer”, Manoel Teixeira passaria a colecionar uma série de processos e acusações que em pouco tempo o levariam à prisão. Neguinho foi preso na manhã do dia 25 de março de 2010 por coação a duas testemunhas. Na ocasião, ele respondia a dez processos, sendo oito nas Varas Criminais e dois na Vara da Fazenda Pública. A prisão cautelar foi decretada por ele ter ameaçado duas testemunhas. Os mandados de prisão foram expedidos pelo juiz Pierre Souto Maior, da 2ª Vara do Crime, e pelo magistrado Gleydson Gleber Lima, da 3ª Vara. Segundo o Ministério Público, as ameaças às testemunhas vinham acontecendo desde a época em que o Tribunal de Contas do Estado investigava as contas da Câmara de Vereadores no período em que foi presidida por Neguinho Teixeira – entre janeiro de 2007 e abril de 2008, quando ele assumiu a prefeitura. Nesse processo, Neguinho responde por gestão fraudulenta. O TCE detectou o desvio de 80 telhas, fato que fez os auditores rejeitarem as contas daquele ano e enviarem as denúncias à Justiça. Em sua decisão, o juiz Glaydson Lima cita três fatos: uma denúncia de dois de janeiro de 2007, quando, na qualidade de presidente da Câmara, Neguinho contratou um eletricista para o prédio da Casa Jornalista José Carlos Florêncio pagando R$ 7,8 mil. Acontece que a pessoa contratada tinha necessidades especiais. No segundo fato apresentado pelo juiz, está a manutenção preventiva de pintura do prédio da Casa. O contratado teria recebido R$ 650 mensais, mas o dinheiro não foi pago. O profissional recebeu, de janeiro a maio, apenas R$ 150 mensais e, nos últimos sete meses, não recebeu mais nada. Segundo o juiz, de junho a dezembro de 2007, “Neguinho Teixeira locupletou-se das sete últimas parcelas de R$650”.
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O último fato, o mais grave, ocorreu em 24 de agosto de 2007, quando Edivan Vila Nova prestava depoimento na 2ª Promotoria de Defesa da Cidadania e foi ameaçado. A testemunha ainda recebeu uma mensagem de texto (SMS) com o seguinte teor: “Se você falou contra mim, vou lhe dar uma pisa. Neguinho”. A mensagem foi enviada do telefone de uma pessoa ligada a Teixeira. Ao todo, na época da prisão, havia oito processos contra Neguinho Teixeira, distribuídos nas 2ª, 3ª e 4ª Varas Criminais, além de mais dois na Vara da Fazenda Pública. As acusações eram praticamente as mesmas: crimes na Lei de Licitações e contra a Ordem Tributária e a Administração da Justiça, e peculato. Em março de 2010, antes de ser preso, Teixeira teve seus bens bloqueados em mais de R$ 740 mil, por ter renovado contrato de concessão de 15 anos com uma empresa de ônibus sem licitação. Curiosamente, a Justiça determinou o bloqueio, mas não encontrou nada em nome de Neguinho Teixeira. A prisão de Neguinho ocorreu por volta das 11h15, no Fórum Demóstenes Veras, onde estava depondo em outro processo criminal, sobre o processo de liberação de concessão de transporte coletivo da linha Caruaru-Pau Santo. Ao final do depoimento, recebeu voz de prisão e foi conduzido por dois delegados à 1ª Delegacia de Polícia. Em seguida, foi levado ao IML para exame de corpo de delito e depois encaminhado à Penitenciária Juiz Plácido de Souza. A prisão sepultava seu projeto de ser candidato a deputado estadual pelo PSDC. Após a detenção, a direção nacional do partido tratou de afastar Neguinho da presidência do diretório municipal. Manoel Teixeira teve uma rápida ascensão na política. Foi eleito vereador por três vezes (1996, 2000 e 2004), como empresário do setor de móveis e com o nome de “Neguinho do Sofá”. Seu principal reduto era o bairro Riachão, onde morou por muitos anos. No final de 2006, alguns vereadores da base de Tony Gel, irritados com o então presidente Leonardo Chaves, resolveram se unir à oposição e de última hora votar contra a indicação do prefeito, que era manter Chaves na presidência da Câmara. O acordo entre a oposição e parte da situação insatisfeita acabou sendo um duro golpe para Tony Gel e culminou na eleição de Teixeira para presi-
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dente do Legislativo municipal, apoiado por vereadores como Marco Casé, Laura Gomes e Gilberto de Dora. Foi graças aos grupos dos ex-prefeitos João Lyra Neto e José Queiroz que Neguinho chegou à presidência da Câmara. No comando do Legislativo, Neguinho teve uma gestão conturbada e marcada por uma série de denúncias de irregularidades, como má utilização e desvios de recursos públicos, pagamento indevido de diárias, compras sem licitação e nomeação de funcionários públicos que recebiam, mas não exerciam seus cargos. Uma viagem de Neguinho a Buenos Aires, na Argentina, para participar de um congresso de vereadores foi manchete nos principais telejornais do país. O encontro foi cancelado por falta de quorum e o então presidente da Câmara foi flagrado por um repórter, que possuía uma câmera escondida, afirmando que todas as suas despesas estavam sendo pagas com dinheiro público. As imagens foram transmitidas pelo Jornal Nacional, na TV Globo. Depois que deixou a prefeitura, Teixeira estava se movimentando para se eleger deputado estadual pelo PSDC. Ele chegou a abrir um escritório político no bairro Maurício de Nassau e a reunir algumas lideranças do interior em torno de seu projeto. Antes de entrar no presídio, reafirmou que continuaria candidato. No mês de agosto de 2013, Neguinho Teixeira seria condenado a 21 anos, um mês e 22 dias de prisão, por peculato e coação no curso do processo. A sentença foi proferida pelo juiz da 3ª Vara Criminal de Caruaru, Gleydson Gleber, no julgamento de ação penal pública de autoria do Ministério Público. De acordo com a denúncia, Neguinho Teixeira apropriou-se de dinheiro público, em contratos que vigoraram em 2007, quando era presidente da Câmara de Vereadores de Caruaru. Ele também teria ameaçado uma testemunha através de uma mensagem de texto enviada pelo celular. Pelo crime de peculato, o acusado foi condenado a 18 anos, quatro meses e um dia de reclusão. Em relação à coação da vítima, Neguinho foi condenado a três anos e 20 dias de reclusão. Como ele foi preso durante o processo por um período de 29 dias, esse tempo foi deduzido da pena e ele pôde recorrer em liberdade. Atualmente, vive longe do cenário político. Neguinho Teixeira não se tornou prefeito de Caruaru pela vontade pessoal de Tony Gel – embora este tenha pago indiretamente o ônus de haver
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deixado o cargo para um homem que terminou preso por corrupção no exercício de cargos públicos, inclusive por ações durante os nove meses em que foi prefeito de Caruaru. Embora pertencesse ao grupo político de Tony Gel, Neguinho não foi seu candidato a presidente da Câmara em 2007. A intenção de Tony era manter Leonardo Chaves no cargo. Mas, como ocorreu com vários prefeitos ao longo da história, vereadores insatisfeitos se uniram à oposição e elegeram outro vereador presidente, como forma de protesto, neste caso o próprio Neguinho Teixeira. Constitucionalmente, após a renúncia do prefeito, o vice assumiria o cargo. Ocorre que o vice de Tony Gel, eleito em 2004, era o deputado Roberto Liberato, que renunciou ao cargo pouco tempo depois da eleição, para continuar na Assembleia Legislativa de Pernambuco. Na ausência do vice, a lei determina que o presidente da Câmara assume o cargo. E o presidente da Câmara, em 2008, era Neguinho Teixeira. Apesar de tudo, Tony Gel enxerga de forma positiva sua passagem pela Câmara Municipal. “Eu queria ser vereador. Quem não quer ser vereador numa cidade como Caruaru? Anastácio Rodrigues foi um excelente vereador. Celso Rodrigues, Zino Rodrigues, Aristides Veras, Souza Pepeu. Excelentes vereadores. Eu deixei nos anais da Casa o meu nome como vereador. Fui o mais votado da história política de Caruaru. Uma marca que vai demorar para ser superada”, afirma. Outro fator positivo de sua passagem pelo Legislativo Municipal foi a oportunidade de mostrar sua habilidade oratória na tribuna da Casa. “Quando fui deputado federal, não tive a oportunidade de praticar a tribuna, porque cuidei muito da história de Jucazinho. E eu gosto da tribuna. O povo entendeu. Tive uma missão boa como vereador”, acredita. Ao anunciar sua candidatura à Câmara de Vereadores de Caruaru, o ex-prefeito tinha, na verdade, uma missão que ninguém, além dele próprio, poderia executar com empenho e utilizando estratégias e discursos contundentes. “Eu sabia que haveria perseguição a mim”, revela Tony Gel. Acreditando que teria mais de 20 mil votos, ele calculou que ajudaria a eleger mais três vereadores. Naturalmente, seria o líder da oposição na Câmara e teria o espaço necessário para a defesa que se acostumaria a fazer ao
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longo do governo José Queiroz. “Eu teria a tribuna e realmente a utilizei. Foi uma experiência muito importante. Sei que muita gente não entendeu, mas foi uma experiência valiosíssima”, enfatiza. Ao entrar na disputa, Tony Gel esperava “movimentar” a eleição no município e “dar gás” ao seu partido, o Democratas, e aos coligados. Sabia que dificilmente faria o sucessor, uma vez que teria pela frente um candidato apoiado pelos governos estadual e federal e que já havia administrado a cidade por duas vezes, o deputado José Queiroz. Tony Gel tomou, certamente, uma das decisões mais difíceis de sua vida, quando renunciou ao cargo de prefeito. E pagou um alto preço pela escolha. Alguns anos depois, o ex-governador Jarbas Vasconcelos encontraria o empresário Luiz Lacerda, sogro de Tony Gel, num restaurante no Recife, e definiria a estratégia de Tony como “um tiro no pé”. No momento em que tornou pública a sua renúncia, o DEM vivia em Caruaru uma crise interna, com a desistência de Roberto Liberato de concorrer à prefeitura. Ele alegou falta de apoio de Tony Gel e de aliados ao seu projeto. A pretensão de Liberato, mesmo contando com o respaldo da direção estadual do DEM, não foi discutida e, consequentemente, não empolgou o grupo de Tony Gel, que, com sua saída, ficou livre para indicar um nome. Os mais cotados eram o secretário de Saúde Oscar Capistrano e a secretária de Educação Ivânia Porto. No mês de junho, Tony Gel confirmou Ivânia como pré-candidata do DEM à Prefeitura de Caruaru. Era a primeira vez na história política da cidade que uma mulher disputaria o Executivo municipal. A ex-presidente da Fundação de Cultura, Edileuza Portela, foi candidata a vice, formando uma chapa inédita, encabeçada por mulheres. Ivânia revelou que há mais de um ano recebera o convite de Tony Gel. “Estava me preparando. Foi uma decisão em conjunto com ele e com a minha família”, disse. Tony fez questão de anunciar que muitos prêmios conquistados na sua gestão eram fruto do trabalho desenvolvido por Ivânia. Oscar Capistrano, que desistiu da postulação, se disse decepcionado com a política. O secretário se ressentiu principalmente com boatos de que tinha deixado um “buraco” na Saúde e que as possíveis irregularidades seriam alvo de uma auditoria. “São coisas que nunca existiram, mas isso me decepcionou muito porque eu vi um lado da política que eu não gosto. Então achei
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melhor apenas ajudar a campanha de Ivânia”, argumentou. Maria Ivânia Almeida Gomes Porto disputou o cargo de prefeita aos 48 anos. Casada com o médico caruaruense Manoel Afonso, de quem ficou viúva, é mãe de três filhos. Formada em Ciências Sociais pela Fafica, tem especialização em gerenciamento de cidades pela Universidade de Pernambuco. Em 1991, assumiu a Fundação da Criança e do Adolescente (Fundac) em Caruaru. Após quatro anos, chefiou o Instituto de Previdência dos Servidores de Pernambuco (Ipsep). Coordenadora e estrategista de várias campanhas em Caruaru, no primeiro mandato do prefeito Tony Gel, foi secretária de Ação Social. No segundo, assumiu a Secretaria de Educação. Após a derrota na eleição municipal, Ivânia se tornou mestre em Gestão Pública pela Universidade Federal de Pernambuco e atuou como consultora política do Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau e da empresa Contexto Estratégia. Atualmente, possui sua própria agência de consultoria política e é professora universitária. Na Asces-Unita, em Caruaru, leciona no curso de Administração Pública. José Queiroz venceu a eleição de 2008 com mais de 50 mil votos de frente, assumindo a Prefeitura de Caruaru pela terceira vez, em 1º de janeiro de 2009. Nos primeiros dias do novo governo, tratou de divulgar na imprensa que seu antecessor havia deixado um rombo de R$ 80 milhões nos cofres municipais (essa foi a expressão utilizada). Anunciou uma série de supostas irregularidades e, exatamente como previra, Tony Gel tornou-se o alvo dos governistas. A onda de denúncias não foi alardeada apenas pela imprensa, mas, logo chegou ao Judiciário, onde os processos contra o ex-prefeito foram se acumulando, a ponto de fazê-lo perder noites de sono e desenvolver hipertensão, decorrente do estresse. Em abril de 2009, o Secretário de Fazenda de Caruaru, André Alexei, confirmou a jornalistas, no Recife, que a gestão do ex-prefeito Tony Gel, deixou um rombo de R$ 80 milhões nos cofres municipais. Segundo ele, haveria indícios de irregularidades, como pagamento a fornecedores e funcionários fantasmas. De acordo com o balanço divulgado, deste total, R$ 11 milhões seriam referentes a restos a pagar, enquanto R$ 18 milhões correspondiam a dívidas
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da prefeitura com a caixa de previdência dos servidores. A soma completa, segundo a nova gestão, era de R$ 51 milhões em renegociações com o INSS. O Secretário da Fazenda questionou o fato de a gestão Tony Gel ter pago R$ 18 mil por um banheiro em praça pública. “Com R$ 4 mil já estava bem pago. Isto é superfaturamento”, acusou. Curiosamente, quando José Queiroz passou o cargo para Raquel Lyra, em 1º de janeiro de 2017, a equipe de transição da prefeita anunciou ter recebido de Queiroz R$ 138,8 milhões a pagar da Prefeitura de Caruaru e de dívidas previdenciárias. O balanço apontou outras irregularidades como o não cumprimento do percentual mínimo de 25% da receita em Educação (o valor aplicado foi de 17,18%), serviços essenciais como a coleta de lixo, o fornecimento de merenda e a iluminação pública estavam sem contratos válidos no início do ano. Enquanto restos a pagar somavam R$ 35,8 milhões, a prefeitura teria R$ 26,2 milhões de saldo. O texto também apontou que 62% do quadro de pessoal da prefeitura possuía contrato temporário. A gota d’água para Tony Gel veio no início de março de 2010, quando o juiz Pierre Souto Maior, da 2ª Vara Criminal de Caruaru, determinou o bloqueio dos seus bens junto aos de Neguinho Teixeira. A decisão atendeu a um pedido do Ministério Público e ainda atingiu o Secretário de Finanças na gestão do Democratas, Manoel Herculino, quatro advogados do escritório Montenegro & Ferreira Advogados Associados, do Recife, além de dois empresários do setor de transportes. O MP questionou o fato de Tony Gel e Neguinho Teixeira haverem dispensado licitação, irregularmente, em dois casos distintos. O primeiro processo envolvia a contratação de um escritório de advocacia para cobrança e recuperação de créditos. O escritório receberia 20% de tudo que estivesse envolvido. Nesse processo, além de Tony Gel e seu secretário, quatro advogados tiveram as contas e bens bloqueados. Os advogados são citados no processo como “advogados-réus”. “Nota-se que os advogados foram diretamente beneficiados de tais dispensas licitatórias, agindo diretamente em co-autoria”, disse o juiz em sua decisão. O bloqueio dos bens seria para garantir o pagamento, no caso de condenação dos réus, e ressarcimento do dano. O segundo processo diz respeito à renovação da concessão, por 15 anos, da
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empresa de transporte coletivo Tabosa. Nesse caso, além de Tony Gel e Neguinho Teixeira, os donos da empresa tiveram os bens bloqueados. A principal infração é a mesma nos dois processos: ausência de licitação. Foi um choque para Tony Gel. A partir de então, os processos foram se sucedendo e tirando seu sossego. A atuação de sua assessoria jurídica, entretanto, seria decisiva para inocentá-lo das muitas acusações. Deputado estadual, Gel hoje comenta a situação de forma menos desconfortável. Diz que não cometeu qualquer ato ilícito quando foi prefeito, e não esconde o desapontamento com a situação em que foi envolvido. Em agosto de 2013, Tony Gel concedeu entrevista à Rádio Liberdade e questionou o número de processos contra ele, junto ao Ministério Público de Pernambuco. O ex-prefeito lembrou que uma das ações é decorrente da ausência de licitação de linhas de ônibus durante seus dois mandatos, de 2000 a 2007. “Em vez de se oferecer uma licitação só, o Ministério dividiu esse caso em seis processos. Nós iniciamos o processo da licitação, mesmo assim, estou sendo processado porque não foi feita a licitação. E olha que os empresários me pressionaram para renovar o contrato de cada empresa por mais 15 anos. Eu não renovei porque é inconstitucional. Eu disse que encontraria uma maneira de dar um prazo para fazer os levantamentos e iniciar o processo. Nem o Ministério Público teve a boa vontade de observar esses documentos, nem a Justiça até agora checou isso direitinho. Mas nós vamos ter tempo para provar tudo isso, haverá testemunhas e documentos suficientes. Vamos derrubar tudo com a verdade”, ressaltou. Tony Gel voltou a expressar seu descontentamento com a postura do Ministério Público. “Eu estou sendo massacrado, acusado de algo que não cometi, porque há muito tempo meus antecessores concediam 10, 15 anos de contrato às empresas, eu concedi apenas 5 anos, enquanto o processo licitatório era resolvido. Serei o primeiro a ser condenado por isso, porque no Brasil ninguém fez, nem Dilma”, argumentou. Adiante, ironizou: “E o que é pior: o mesmo Ministério Público que ofereceu a denúncia contra mim, fez um TAC [Termo de Ajustamento de Conduta] com a atual administração [José Queiroz]. Dois pesos e duas medidas? Por que não fez um TAC comigo? Por que não entenderam a comple-
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xidade do caso comigo?”, questionou. Tony Gel diz que todas as suas contas foram aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado. Para ele, existe uma perseguição por parte do Ministério Público. “Eu não tenho medo de investigação. Nenhum ex-prefeito na História de Caruaru é mais perseguido por alguns membros – não são todos – do Ministério Público de Caruaru do que eu”, disse. Questionado sobre quem são os seus inimigos políticos, Tony não pensa duas vezes ao responder. “Quem tem inveja e má vontade comigo é o atual prefeito [José Queiroz]. Ele nunca aceitou que eu fosse prefeito de Caruaru. Na verdade, se for analisar e comparar o meu governo com o dele, a diferença é grande”, tripudia. Tony Gel também acredita que sua atuação como deputado federal supera o desempenho de Wolney Queiroz, filho do prefeito. “O que eu fiz como deputado federal, em relação ao filho dele, não tem comparação. Então, há muita inveja”, afirma.
Para marcar os 152 anos de Caruaru, a Câmara Municipal realizou, em 18 de maio de 2009, sessão solene para a entrega da Medalha 18 de Maio a doze personalidades. Como manda a tradição e o protocolo da Casa, cada vereador indicou uma pessoa, que tenha prestado serviço relevante ao desenvolvimento sócio-econômico e cultural da cidade. Anastácio Rodrigues recebeu a comenda pelo vereador Demóstenes Veras. Entre os homenageados estavam o ex-deputado e ex-ministro da Justiça Fernando Lyra, o compositor Onildo Almeida e o teatrólogo Vital Santos. No mês de dezembro daquele ano, Anastácio chegou num carro de época à Rua Duque de Caxias, no centro de Caruaru, para a solenidade de reabertura do Memorial da Cidade. O equipamento estava fechado há quase sete anos. No mesmo carro, estava Onildo Almeida. Uma exposição sobre os 50 anos de vida pública do ex-prefeito João Lyra Filho marcou a reabertura do museu. A notícia da morte do ex-prefeito Drayton Nejaim, ocorrida na noite de 14 de agosto de 2010, foi sem dúvida o assunto mais comentado pela socie-
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dade pernambucana, principalmente em Caruaru e cidades circunvizinhas. O ex-prefeito, de 80 anos, faleceu às 21h15, no Hospital Santa Joana, em Recife, vítima de problemas respiratórios, decorrente de câncer no pulmão. Na manhã do dia seguinte, o corpo de Drayton chegou, por volta das 11h30, ao hall do Palácio Municipal Jayme Nejaim, conjunto de prédios que abrigam a administração municipal, construídos em seu governo e que levam o nome de seu pai. A guarda municipal fez o deslocamento para a área do velório no meio de centenas de populares e autoridades que se revezaram no espaço, ao longo do dia. Às 12h30, horário da missa de corpo presente, a multidão de populares se misturava às autoridades. A cerimônia foi celebrada pelo bispo de Caruaru, Dom Bernardino Marchió. Drayton Nejaim foi sepultado no Cemitério Parque dos Arcos, numa área destinada ao sepultamento de autoridades; sepulcro doado à família pela Prefeitura de Caruaru. Em razão de sua morte, o governador Eduardo Campos cancelou a carreata e as inaugurações de comitês que faria no dia do sepultamento. O prefeito José Queiroz decretou luto oficial por três dias no município e preferiu deixar de lado as diferenças agudas que teve com Drayton no passado. O vice-governador João Lyra Neto também manteve uma postura cordial com os familiares do ex-prefeito. Anastácio Rodrigues, ao contrário, parece nunca ter superado as mágoas do antigo adversário. Movido pela curiosidade, pegou um táxi e passou nos arredores da prefeitura para observar a movimentação. Não desceu do carro. Pensou ser incoerente de sua parte prestar homenagens a alguém de quem sempre discordou em vida.
O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, foi reeleito no primeiro turno das eleições de 2010. Segundo a Justiça Eleitoral, ele registrou 3.450.874 votos, o equivalente a 82,83% dos votos válidos. O segundo colocado, Jarbas Vasconcelos (PMDB), obteve 585.724 votos, ou 14,05%. Para muitos, o resultado surgiu como revanche à derrota imposta por Jarbas a Arraes, na eleição de 1998.
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[1] Anastácio e Onildo Almeida, que compôs a marcha de sua campanha de prefeito [2] Anastácio subiu ao palanque do candidato Tony Gel, em 2016, junto com Jarbas Vasconcelos, antigo desafeto político [3] Dom João Henrique de Orléans e Bragança encantou Anastácio, durante visita ao Instituto Histórico de Caruaru [4] Entrevista para documentário que o aponta como um dos grandes prefeitos do Brasil
Na campanha eleitoral, Eduardo Campos liderou desde o início as pesquisas de intenção de voto. Como principais propostas de campanha, ele defendeu a conclusão da Refinaria Abreu e Lima, a instalação de 800 câmeras de monitoramento, a construção de 47 escolas técnicas e implantação de ao menos uma escola de tempo integral em cada município pernambucano. A Frente Popular de Pernambuco também elegeu dois senadores: Humberto Costa (PT) e Armando Monteiro Neto (PTB), este último tendo como suplente o empresário caruaruense Douglas Cintra (Eduardo Campos cumpria a promessa feita a Douglas em 2008, quando não o deixou disputar o cargo de vice-prefeito para dar a vaga a Jorge Gomes. Douglas assumiu o cargo de senador em julho de 2014, quando Armando Monteiro se afastou do Congresso para disputar o governo de Pernambuco. Armando reassumiu o mandato no mês de novembro, após uma licença de 120 dias).
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Na pré-campanha, houve uma mobilização para que o candidato a vice fosse substituído. O próprio PDT, partido ao qual o vice-governador João Lyra Neto estava filiado, fez inúmeras gestões para que Eduardo Campos fizesse a troca. Houve também quem defendesse sua permanência. Até então, especulava-se que a vaga poderia ir para o PSB, para que Campos pudesse fazer no futuro um sucessor de seu partido. Além do status e das benesses inerentes ao poder, havia uma grande possibilidade de o nome escolhido ser o candidato governista em 2014 – motivo pelo qual a vice foi tão disputada. Outro motivo para a tentativa de exclusão de João Lyra Neto da chapa estaria na candidatura de sua filha, Raquel Lyra, lançada por ele como candidata a deputada estadual naquele ano. Diante das especulações, o PSB emitiu uma nota pública dizendo que o
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governador desautorizava quem quer que fosse a tratar sobre a vice em 2010 e tomava para si a missão de coordenador do processo sucessório. Como a escolha, nesse caso, era pessoal, Eduardo decidiu manter João Lyra no cargo. A favor do vice pesou a fidelidade com que vinha desempenhando o cargo. A confirmação foi feita pelo governador no fim de junho, depois que enchentes causaram estragos em áreas do Estado, desviando o foco do processo pré-eleitoral. Nas eleições de 2010, Jarbas Vasconcelos convidou para compor sua chapa a então deputada caruaruense Miriam Lacerda, no entanto, Eduardo Campos venceu o pleito com ampla margem de votos e João Lyra entrou para a história como o primeiro vice-governador caruaruense reeleito. Tony Gel, que estava no segundo ano do mandato como vereador, se desincompatibilizou para disputar um mandato de deputado estadual. O suplente Louro do Juá, do Democratas, assumiu a vaga na Câmara Municipal. “O partido me convocou para ser deputado estadual no momento em que compomos com Jarbas para governador e Miriam vice”, explica Tony Gel, que fez dobradinha com um desconhecido no município, o candidato a deputado federal Augusto Coutinho. Caruaru elegeu três deputados estaduais: Raquel Lyra, estreante na política, recebeu 49.610 votos. A ex-vereadora Laura Gomes, apoiada pela estrutura da Prefeitura de Caruaru, conquistou 40.969 votos. Tony Gel, ainda marcado fortemente pela imagem negativa depois da renúncia ao cargo de prefeito e de acusações e processos, garantiu uma vaga na Assembleia Legislativa de Pernambuco somando 38.323 votos. O prefeito José Queiroz lançou em 2010 dois candidatos para fortalecer a reeleição de Wolney Queiroz: Laura Gomes e Rogério Menezes, este último romperia com ele algum tempo depois da eleição. Raquel Lyra foi lançada pelo pai, o vice-governador João Lyra Neto e também fechou com Wolney. A soma dos votos obtidos pelos três candidatos a estadual é exatamente a votação obtida por Wolney naquela eleição. Mesmo tendo seu padrinho político ocupando o cargo de vice-governador, Raquel Lyra fez campanha com dificuldades financeiras. Laura e Rogério, embora contassem com apoio oficial do prefeito, também tiveram dificuldades. Na realidade, ao final da eleição, o resultado transparecia muito
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mais o esforço individual de cada um do que o apoio de José Queiroz. Laura foi eleita, Rogério Menezes não. Raquel Lyra também se elegeu, mas assim que a campanha chegou ao fim a insatisfação gerou novas divergências entre os Lyra e os Queiroz. Primeiro, os Lyra enxergaram uma posição dúbia do prefeito em relação à candidatura de Raquel. Depois, os compromissos acertados previamente em troca do apoio à reeleição de Wolney não foram cumpridos, como haviam combinado. Entre os Lyra ficou a certeza de que, se José Queiroz pudesse ter derrotado Raquel Lyra naquela eleição, teria feito. Raquel se elegeu sem uma dependência do prefeito e da máquina municipal. Isso iria repercutir na eleição de 2012, conforme trataremos adiante. Ainda em 2010, Wolney Queiroz foi reeleito para o quarto mandato na Câmara Federal, com mais de 100 mil votos. O jornal O Estado de São Paulo noticiou, no mês de julho, que o único pedido de impugnação de candidatura por irregularidade na declaração de bens, feito pela Procuradoria Regional Eleitoral em Pernambuco, foi contra Wolney Queiroz. Na sua declaração, o deputado caruaruense avaliou seus bens – incluindo três apartamentos – em R$ 1,00 cada um. “Na verdade, as declarações de bens são em sua grande maioria, peças de ficção, mas esta causou espécie pelo valor ridículo fixado”, ironizou o procurador eleitoral Sady Torres em entrevista ao jornal. Na ocasião, Wolney explicou tratar-se de um equívoco motivado pela pressa para entregar a documentação. Mas que já estava tratando de corrigir. Assim que assumiram seus mandatos, as deputadas Raquel Lyra e Laura Gomes se licenciaram dos cargos para integrar o governo Eduardo Campos. Raquel foi nomeada Secretária da Infância e Juventude e Laura Gomes Secretária de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos. A notícia desagradou muitos eleitores que discordaram das nomeações, pois queriam vê-las assumirem os cargos para os quais foram eleitas. Anastácio Rodrigues vibrou naquele ano com a eleição de Dilma Rousseff, primeira mulher a ocupar a presidência da República no Brasil. O ex-prefeito tornou-se grande admirador de Dilma, ministra da Casa Civil do governo Lula, eleita no segundo turno, com 56,05% dos votos, após derrotar o tucano José Serra. Na campanha eleitoral, Dilma contou com o enga-
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[1] Tradicional fotografia de família, no final dos anos 60 [2] Reencontro emocionante com Sebastião Biano, em Caruaru [3] Visita nostálgica ao Monte Bom Jesus, após sua pacificação [4] Anastácio recebe do vereador Demóstenes Veras a Medalha 18 de Maio, em 2009
jamento de Lula, cujo governo registrou recordes de aprovação. Lula participou de vários comícios e declarou repetidamente seu apoio à candidata, o que inclusive rendeu a ele multas por propaganda antecipada. Antes da deflagração da campanha, o presidente também se empenhou em montar uma grande aliança política, que, além da adesão de aliados históricos do PT, como PSB e PCdoB, incluiu o PMDB, um dos maiores partidos do país. (Esse mesmo PMDB iria romper com a presidenta em 2014 e orquestrar o seu impeachment, aprovado pelo Senado, em 31 de agosto de 2016). O PMDB indicou o vice de Dilma, o deputado federal Michel Temer, presidente da Câmara. Nos últimos dias da campanha do primeiro turno, Lula chegou a dizer que esteve em mais eventos do que quando ele próprio disputou a reeleição em 2006. Em 31 de janeiro de 2012, Anastácio participou da cerimônia de inau-
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guração das reformas da Casa da Cultura José Condé (relatada no primeiro capítulo deste livro). A Prefeitura de Caruaru afirmou ter investido R$ 500 mil no projeto. O evento de entrega da Casa foi marcado pela alegria, afinal o espaço, que estava inutilizado desde o ano 2000, é um dos mais importantes para os artistas do Agreste. Apresentações culturais e uma encenação especial do esquete teatral “Recortes de Condé”, dirigida por Walter Reis, uma adaptação das obras de José Condé, marcaram a reinauguração. Reconhecido com o descerramento de um quadro em sua homenagem, Anastácio discursou durante a cerimônia e recebeu o cumprimento e afeto de muitos admiradores – embora aos mais próximos não deixasse de comentar sua decepção em relação à utilização do espaço para outras finalidades diferentes do que ele pensara no passado.
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No início de 2012, a política pernambucana perdeu uma militante histórica. A ex-deputada Aracy de Souza, 84 anos, faleceu na madrugada do dia 15 de março, vítima de parada cardíaca. Seu corpo foi velado na Assembleia Legislativa de Pernambuco e o sepultamento aconteceu às 9h do dia 16, no cemitério Parque das Flores, no Recife. No início da reunião plenária da quinta, foi feito um minuto de silêncio em homenagem à ex-deputada, na Assembleia. Em Caruaru, cidade que a adotou, Aracy também foi lembrada pela Câmara Municipal, que aprovou um voto de pesar em nome de todo o Legislativo. A missa de sétimo dia aconteceu no dia 21, às 19h, na Igreja Matriz da Iputinga. Ex-mulher de Drayton Nejaim, Aracy foi a primeira parlamentar reeleita deputada estadual em Pernambuco e a disputar uma vaga na Câmara Federal, destacando-se na luta pelos direitos da mulher. Aracy estava na casa do filho, Nelson Nejaim, quando se sentiu mal. “Eu estava em São Paulo com a minha esposa. Mamãe ficou na minha casa, com minha tia Aci e meu filho Eduardo. Ela sentiu-se mal e eles desceram pelo elevador para pegar um táxi. No corredor do prédio, ela desfaleceu. Minha tia acredita que ela faleceu dentro do táxi”, recorda Nelson. A notícia surpreendeu a família, porque Aracy aparentava estar bem. Nas últimas consultas que havia feito, os médicos atestaram a boa condição. Além disso, ela se alimentava muito bem e tinha a pressão normal. Nos últimos cinco meses, antes de sua morte, Aracy estava morando com Nelson. Ela deixou o apartamento onde vivia, em Piedade, devido ao comportamento de seu outro filho, Jayme Nejaim Neto, que sofre de esquizofrenia e passara a agredi-la fisicamente. A enfermidade de Jayme acabou deixando-a ausente de si mesma. “Mamãe tinha profundos traumas, que se acentuaram com a doença do meu irmão. Eu fiz tudo que podia, mas ela deixou de viver a sua vida para viver a vida de Jayme e não suportou isso”, desabafou Nelson. No aniversário de 155 anos de Caruaru, completados em 18 de maio de 2012, o prefeito José Queiroz, rompido com João Lyra Neto, convidou Anastácio Rodrigues para hastear a bandeira de Pernambuco, junto com a deputada Laura Gomes, durante a programação oficial do evento, no centro da cidade.
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O presidente da Câmara Municipal, vereador Lícius Cavalcanti, cuja relação com o prefeito também estava estremecida, ficou enciumado e disparou contra Queiroz, por não haver sido convidado para hastear nenhuma das bandeiras. Anastácio também participou de sessão solene em homenagem à Livraria Estudantil, na Assembleia Legislativa de Pernambuco, e da solenidade que marcou a passagem dos 80 anos do Jornal Vanguarda, na Câmara Municipal de Caruaru. Também em 2012, Caruaru vivenciou uma eleição muito disputada, num embate protagonizado pelo prefeito José Queiroz, disputando a reeleição para seu quarto mandato, e a ex-deputada estadual Miriam Lacerda. Miriam de Miranda Lacerda Rodrigues da Silva nasceu no dia nove de janeiro de 1956, na Rua Felipe Camarão, em Caruaru, na casa onde hoje funciona a popular lanchonete Rosa Doceira. É a primeira filha do casal Luiz José de Lacerda e Josefa de Miranda Lacerda (falecida). Cursou o primário no extinto Instituto Santo Antônio, que pertenceu ao Dr. Luiz Pessoa da Silva e o ginásio no Colégio Diocesano. Em seguida foi morar em Boa Viagem, na capital pernambucana, e estudou, durante dois anos, no regime interno do Colégio das Damas, o curso Científico – equivalente ao Ensino Médio de hoje. Formada em Nutrição pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em 1977, passou um tempo trabalhando na Casa do Estudante de Pernambuco e, em 1978, foi para São Paulo, onde trabalhou durante um ano no Instituto do Coração. Em seguida, voltou para Caruaru. Dois gerentes do Armazém Lacerda haviam se aposentado e seu pai, Luiz Lacerda, precisava de alguém para administrar os negócios da família. Miriam Lacerda deixou a profissão para gerenciar o armazém – atividade à qual se dedicou durante 17 anos. Ela casou com o radialista e bancário Tony Gel, no dia oito de outubro de 1982. Tony trabalhava na Rádio Liberdade e no Bandepe. Era um bom profissional e Luiz Lacerda sempre teve por ele profunda admiração. Comentarista esportivo, Tony Gel participava da transmissão de jogos no Campo do Central e foi lá que Miriam começou a paquerá-lo. Um dos cupidos do casal foi o ex-vereador capitão José Luiz. Com um ano de namoro, eles se casaram. Miriam casou grávida. Em 25
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[1] Reinauguração simbólica do busto de Zino Rodrigues, no centro de Caruaru [2] Com o amigo Carlos Toscano, que foi seu secretário de Administração [3] Na solenidade de posse do quarto mandato do prefeito José Queiroz, em 2013 [4] Inauguração da galeria Anastácio Rodrigues, do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito de Caruaru (Asces-Unita)
de maio de 1983, nasceu a primeira filha do casal, Karlla Lacerda Rodrigues. Em seguida, nasceram Antonio Geraldo Rodrigues da Silva Filho, o Tonynho, em 16 de agosto de 1984, e Karoll Lacerda Rodrigues, em seis de abril de 1987. Miriam é avó da adolescente Marina Lacerda, que nasceu em 25 de julho de 2001 e tem 16 anos. A trajetória de Miriam Lacerda na política teve início quando Tony Gel disputou a Prefeitura de Caruaru pela primeira vez, no ano de 1988. Miriam militou durante o pleito, participando de atividades como a entrega de panfletos ou a organização de caminhadas com as mulheres. Em 2000, esteve na coordenação da campanha que elegeu Tony Gel prefeito de Caruaru. Foi adquirindo experiência e, na condição de primeira-dama do município, assumiu a coordenação geral da campanha de reeleição de Tony Gel, em 2004. Na primeira gestão do marido, Miriam atuou como
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voluntária, desenvolvendo importantes trabalhos sociais. Aliás, as questões sociais sempre preocuparam Miriam, sensibilidade que herdou da mãe, dona Zefinha, conhecida por sua generosidade com os menos favorecidos. Em 2005, Miriam Lacerda assumiu a Secretaria de Governo da Prefeitura de Caruaru e se destacou através do programa Prefeitura Junto de Você, que lhe possibilitava ouvir os anseios da população e levar os serviços da administração para as comunidades, de forma itinerante. Nesse mesmo ano, presidiu o Comitê Gestor do São João de Caruaru, que obteve um dos mais altos índices de aprovação da História. Ficou um ano no cargo. Em 2006, se desincompatibilizou para disputar uma vaga de deputada estadual. Foi, naquele ano, a deputada mulher mais votada da História de Pernambuco, com 67.830 votos. Na Assembleia Legislativa, presidiu a Comissão Parlamentar do Comércio Varejista, foi vice-presidente da Comis-
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são de Saúde e vice-líder da oposição. Em 2010, mesmo com a reeleição garantida, deixou a Assembleia Legislativa para disputar a vice na chapa de Jarbas Vasconcelos pelo Governo de Pernambuco. Em 2012, Miriam Lacerda disputou a Prefeitura de Caruaru, obtendo 66.700 votos e ficando em segundo lugar na disputa. O prefeito José Queiroz foi reeleito com 57,69% dos votos para governar o município pela quarta vez. O pedetista pontuou mais de 30 mil votos à frente da segunda colocada, que alcançou 40,31% dos votos, enquanto o candidato do PSOL, Fábio José, marcou apenas 2%. José Queiroz acompanhou a apuração dos votos no escritório da campanha, no bairro Maurício de Nassau, junto aos familiares e amigos. Após a confirmação da vitória, o prefeito saiu em carreata. Centenas de eleitores vestidos de vermelho lotaram as principais ruas da cidade até a madrugada. Queiroz atribuiu a vitória à transparência e às propostas. “Vencemos porque respeitamos o povo caruaruense, mostramos o que estamos construindo, sem baixarias, sem mentiras”, declarou. No início da campanha eleitoral, as pesquisas apontavam uma diferença nas intenções de voto, em favor de Miriam. José Queiroz estava num momento difícil e a avaliação de sua gestão não era das melhores. Havia se indisposto com o vereador Rogério Meneses, com o presidente da Câmara, Lícius Cavalcanti e com outros vereadores de sua base, de modo que o relacionamento entre Executivo e Legislativo era conturbado. No Palácio das Princesas, acreditava-se que José Queiroz perderia a eleição para o deputado Tony Gel, de modo que o prefeito não viu outra saída senão contratar por altas cifras a equipe do marqueteiro Duda Mendonça, cujo trabalho mostrava uma Caruaru perfeita, às mil maravilhas, bem diferente da realidade. O programa eleitoral apresentava Queiroz como o administrador ideal e que Caruaru precisava dele para garantir seu progresso. Explorava negativamente a adversária, estabelecendo um antagonismo entre as duas forças, classificando Miriam Lacerda como a candidata do atraso, que queria colocar Caruaru para baixo. José Queiroz, ao contrário, era mostrado como o gestor moderno, de visão ampla e progressista, respaldado pelo apoio do governador Eduardo Campos, do ex-presidente Lula e da presidenta Dil-
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ma Rousseff. Como capitão da máquina pública, o prefeito também soube utilizá-la a favor de sua reeleição. Ao longo de sua administração, Queiroz adotou uma estratégia no mínimo incoerente, mas que trouxe resultados positivos. Trouxe para o governo elementos-chave da gestão Tony Gel, como Edileuza Portela e Reginaldo França, pessoas que conheciam bem o mapa político do adversário. O resultado foi a desidratação eleitoral dos adversários e a redução da votação de Miriam Lacerda na zona rural do município. Sabendo que Caruaru é uma cidade personalista no quesito político, em que os eleitores votam em nomes e não em projetos, José Queiroz promoveu a personalização daquela eleição e mostrou que a força financeira é também fundamental para decidir os processos eleitorais. Miriam Lacerda começou a campanha muito bem, mas foi atropelada pelo adversário, sobretudo, pela ausência de estrutura econômica. Em determinado momento da campanha, metade da equipe responsável pela produção do guia eleitoral pediu demissão. Tony Gel foi forçado a assumir a direção do programa, feito por uma equipe reduzida de pessoas. Não bastava ter boa intenção. Faltava dinheiro. E os empresários que haviam se comprometido a financiar a campanha da oposição, aos poucos, foram sumindo, muitos deles incentivados pelo governador Eduardo Campos. Faltou também qualidade ao debate político. As questões fundamentais do município ficaram em segundo plano. Enquanto José Queiroz prometia “céus e terra” em seu programa eleitoral, a oposição apontou tímidas propostas de campanha, aproveitando a maior parte do tempo para criticar impiedosamente o prefeito e seu governo, inclusive com o quadro humorístico Mané Lanca, personagem vivido pelo ator pernambucano Walmir Chagas, que mais desagradou do que somou. A necessidade de retirada de uma pedra que impedia a passagem de moradores no bairro do Salgado e a propriedade de um restaurante fechado no Alto do Moura estavam entre as pautas principais do debate. O programa de Miriam entrevistou um suposto comerciante chamado Roberto Rosendo da Costa, que culpou a administração municipal por um prejuízo de R$ 500 mil. O acusador, que se apresentou como proprietário do restaurante no Alto do Moura, disse que fez grandes investimentos no estabelecimen-
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to confiando no projeto Revitalino, apresentado por Queiroz, anunciando melhorias e investimentos para o bairro. Em resposta, José Queiroz disse que “a acusação foi uma fraude grosseira”. Segundo o guia do pedetista, o verdadeiro dono do lugar era o empresário Carlos Araújo, que gravou para o programa do prefeito desmentindo o episódio. “Meu sentimento é de indignação. Comprei o terreno a esta pessoa [Roberto], mas o espaço é meu. O investimento foi feito por mim. Ao ser informado do teor do guia e depois, ao ver na TV, fiquei perplexo”, disse Carlos, no programa. José Queiroz passou a tratar o guia adversário como uma farsa e as acusações refletiram nas pesquisas seguintes. Quando Miriam Lacerda conseguiu provar judicialmente que seu guia não mostrava inverdades sobre a propriedade do restaurante, a campanha já estava no final e sua recuperação parecia impossível. Assim que Queiroz reverteu o jogo a seu favor, políticos e analistas passaram a comentar que Tony Gel errou ao indicar Miriam Lacerda como candidata. “Tony deveria ser o candidato”, acredita o radialista Rubens Júnior, que na época era chefe de gabinete do vice-governador João Lyra Neto. “O marketing político e a fragilidade da adversária levaram José Queiroz à vitória”, avalia Rubens Júnior, hoje Secretário de Governo da prefeita Raquel Lyra. Depois de reeleito, Queiroz enfatizou que sua postura diante das acusações feitas pela adversária foi fundamental para aumentar a diferença de votos. “Clássico é clássico, quem faz a diferença no jogo são os jogadores”, frisou o prefeito. Miriam Lacerda acompanhou a apuração em seu apartamento, no bairro Maurício de Nassau. “Seja o que Deus quiser, eu nunca tive sede por poder”, repetia. Na cozinha, seu pai, Luiz Lacerda, sozinho e com aspecto triste, tomava uísque e acompanhava a apuração com um radinho. Apesar da confiança demonstrada pela manhã, Miriam sabia que seria difícil vencer as eleições. Horas depois da apuração dos votos, já consciente da derrota, ela abraçou Tony Gel e disse que no dia seguinte iriam para Recife, comemorar 30 anos de casamento. “É lógico que queríamos ganhar, mas Deus preparou para a gente o melhor”, disse, na ocasião.
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Tony Gel não parecia muito conformado com a derrota. “A elite votar em massa, tudo bem. Mas a pobreza não poderia votar nele”, desabafou, enquanto fazia previsões. “Nada melhor do que o tempo. Espere o tempo”, aconselhava a um correligionário. A inconformação de Tony Gel era decorrente de sua própria ligação com os segmentos populares e as camadas mais humildes da população. Além disso, Miriam Lacerda também foge do estereótipo “mulher classe média”; é uma pessoa com profunda identificação com as camadas populares. Em determinado momento, Miriam mostrou desânimo pela derrota. “Eu não quero mais saber de política. Vou viver minha vida”, disse ela. Adiante, reconsiderou o pensamento. “Há um plano maior de Deus e as pessoas precisam entender isso. Eu acredito nisso”, repetiu. No final da noite, ela recebeu a imprensa em casa e revelou que se sentia vitoriosa “porque lutei contra a máquina da prefeitura e do Governo do Estado”, disse. Miriam confessou estar repensando sua participação no Democratas e admitiu que deveria se desfiliar, indo para uma legenda mais robusta. Analistas atribuíram a derrota de Miriam em grande parte à metodologia da campanha e à ausência de um projeto político. Sua campanha foi marcada por críticas pontuais. Além de gozar de razoável saúde financeira, uma candidatura de oposição precisa de uma plataforma eleitoral sedutora aos ouvidos e aos olhos do eleitorado – no que a campanha de Miriam deixou a desejar. A força do governador Eduardo Campos, que foi três vezes a Caruaru durante a campanha e participou do guia eleitoral, a associação do prefeito às imagens de Lula e Dilma, o engajamento de secretários do governo de Pernambuco, ministros e até do escritor Ariano Suassuna também reforçaram a preferência por José Queiroz. Some-se a isso a produção caríssima de um guia eleitoral fantasioso, com uma enxurrada de promessas que não seriam cumpridas. A estratégia planejada pela equipe do marqueteiro Duda Mendonça convenceu, sobretudo no sentido de mostrar Miriam Lacerda como uma candidata fraca, com uma assessoria que ele classificou como despreparada. A partir daí, as pesquisas divulgadas acabaram desanimando cada dia mais a militância oposicionista. Outra particularidade daquela eleição foi
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o papel que a judicialização do processo eleitoral teve no resultado do pleito, após um grandioso volume de ações impetradas pelas duas principais coligações adversárias. Miriam Lacerda, entretanto, acredita que as dificuldades financeiras foram o fator decisivo para sua queda nas pesquisas e o crescimento do adversário. Outro aspecto importante da campanha foi o fato de João Lyra Neto ter se negado a apoiar José Queiroz. Uma decisão “difícil”, como ele descreveu, e polêmica, informada através de carta aberta divulgada nos jornais da capital e de Caruaru. O vice-governador informou que não subiria no palanque de José Queiroz porque o prefeito “não correspondeu às expectativas administrativas e políticas” durante o mandato. Era a primeira vez, em mais de quatro décadas, que João Lyra Neto se ausentava de uma campanha política em Caruaru. A deputada Raquel Lyra também assinou a carta e não participou dos atos de campanha – embora no dia da eleição ambos tenham declarado publicamente que votariam em Queiroz. Após as eleições de 2010, as diferenças entre os Lyra e os Queiroz se acentuaram, principalmente por José Queiroz não ter cumprido as negociações que foram feitas antes da campanha. Ao longo do governo, o prefeito praticamente excluiu João e Raquel de todos os acontecimentos da gestão. Não havia qualquer diálogo e nenhum dos dois era convidado para nada. Essa, aliás, foi uma das justificativas de João Lyra Neto, ao anunciar que estaria fora da campanha de reeleição do prefeito. Como ir para as ruas defender um governo do qual ele não participou e do qual discordou publicamente em mais de um momento? Na noite anterior à convenção que homologou a candidatura à reeleição do prefeito José Queiroz, João Lyra Neto mostrou o conteúdo da carta que anunciava sua ausência da campanha ao governador Eduardo Campos, que se mostrou contrário à decisão do vice. Campos entendia que as diferenças deveriam ser colocadas de lado em torno dos interesses da Frente Popular. Em Caruaru, Queiroz fustigava João Lyra. Estava consciente de que Eduardo Campos o traria para seu palanque de qualquer maneira. Afinal, Eduardo era o líder e sabia ser um conciliador persuasivo. Queiroz, entretanto, estava equivocado. João não só publicou a carta nos jornais de Recife e de Caruaru, como cumpriu a palavra de não participar de nenhum ato de
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campanha naquele ano. Esta decisão é apontada como um dos fatores que fez Eduardo descartá-lo como candidato à sua sucessão dois anos depois. Da não participação de João Lyra Neto na campanha restaram duas dúvidas: primeiro, se José Queiroz realmente queria a sua participação, já que não o procurou em momento algum para manter um diálogo em torno de seu apoio. Depois, e não se pode descartar, Queiroz pode ter errado na condução desse processo ao apostar todas as fichas em Eduardo Campos, subestimando a capacidade e vontade própria de João Lyra. Em 2012, o vereador petista Rogério Menezes, rompido com o grupo político do prefeito José Queiroz e sem chance de reeleição na Câmara Municipal, decidiu disputar o cargo de prefeito de Imaculada, na Paraíba, sua cidade natal. Seu desempenho não foi nada satisfatório. Obteve apenas 93 votos (1,41% do total de votos). No mês de novembro, pouco antes de concluir seu mandato de vereador, usou a Tribuna da Câmara Municipal de Caruaru para fazer um desabafo. Dizendo que não era um vereador “lambe-botas”, fez severas críticas ao deputado federal Wolney Queiroz, a quem fez um desafio: uma disputa eleitoral em Caruaru “para ver quem tem mais prestígio na cidade”. O petista disse que Wolney Queiroz “é antipático e só se elege com a estrutura financeira e a história política do seu pai”. E foi além: “Tire o dinheiro dele. Coloque ele na rua liso como eu. Tire a história do pai dele da jogada e vamos concorrer em Caruaru, para ver quem é mais popular e quem tem mais prestígio. Tire tudo isso e vamos disputar”, desdenhou. Enquanto vereadores da base criticavam o petista pelas críticas, na cidade, muitas pessoas comentavam sua coragem ao citar publicamente características de Wolney Queiroz, figura que é vista por muitos como pouco simpática, arrogante, nada popular, dificilmente visto na cidade a não ser em período eleitoral e muitas vezes inacessível à imprensa, sobretudo caruaruense, que ele costuma tratar com certo desdém. Adiante, Rogério concluiu: “Comigo, se dá flores, recebe flores. Se dá espinhos, recebe espinhos e se dá bala, recebe bala”. Rogério Menezes foi eleito vereador em 2008. Ocupou a presidência da Câmara e foi destaque na imprensa nacional após ter economizado R$ 1 milhão no primeiro ano de sua gestão à frente do Legislativo.
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O valor foi devolvido à Prefeitura de Caruaru para que o prefeito José Queiroz aplicasse em obras. Rogério também chamou a atenção para si ao acabar com a verba indenizatória na Casa, que servia para custear os gastos dos vereadores com seus gabinetes e sempre deixava margem para o uso indevido do dinheiro público. Candidato a deputado estadual na eleição de 2010, Rogério Meneses teve pouco mais de 12 mil votos, não conseguindo se eleger. Depois do resultado, decidiu romper politicamente com José Queiroz, reclamando falta de apoio e se referindo ao político como um prefeito “sem palavra”. Ele também condenou a falta de diálogo com o chefe do Executivo e disse que Queiroz não cumpriu as promessas feitas ao bairro das Rendeiras, reduto eleitoral do petista. Anastácio Rodrigues participou da cerimônia de diplomação do prefeito José Queiroz, no Fórum Demóstenes Veras, e também da posse, ocorrida em 1º de janeiro de 2013. Na manhã do dia 31 de janeiro, ele fez uma visita sentimental à Casa da Cultura José Condé, no Parque 18 de Maio, “para matar a saudade”. Há exatos 40 anos, Anastácio havia inaugurado a obra futurista que é uma das principais já erguidas na cidade. O Diretório Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário Tabosa de Almeida (Asces-Unita), que tem o nome de Gilberto Freitas de Araújo, completou 54 anos de existência com comemorações no dia 21 de maio de 2013. O presidente do DA, Washington Luiz e o vice-presidente Roberto Liberato Filho, promoveram um resgate da história dos gestores que ficaram à frente do diretório, de 1959 a 2013, inaugurando uma galeria que recebeu o nome de Anastácio Rodrigues. Por meio dela, o DA presta homenagem a todos os presidentes, com nomes e fotografias. A inauguração contou com a presença do ex-prefeito, que foi presidente do diretório de 1964 a 1965, enquanto estudante de Direito da instituição. O reconhecimento deixou Anastácio muito emocionado e satisfeito. No início de 2013, Pernambuco e Caruaru, de forma especial, sentiram a perda de outro grande líder político. Fernando Lyra morreu às 17h03, do dia 14 de fevereiro, no Instituto do Coração (Incor), em São Paulo, aos 74 anos.
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O velório do ex-deputado federal e ex-Ministro da Justiça aconteceu na Assembleia Legislativa de Pernambuco, com visitação aberta ao público. O sepultamento foi marcado para as 17h, no cemitério Morada da Paz, em Paulista, na Região Metropolitana do Recife. Em nota oficial, o Incor informou que a causa da morte foi falência de múltiplos órgãos. “O ex-Ministro estava internado para tratamento de descompensação de insuficiência cardíaca congestiva grave (que o acometia há aproximadamente 20 anos), associada a quadro de infecção sistêmica e à insuficiência renal aguda”, informou a nota. Fernando foi internado no dia 29 de dezembro de 2012, no Real Hospital Português, no Recife, com infecção urinária e problemas cardíacos. Ele foi transferido no dia 5 de janeiro para o Incor, em São Paulo. O político havia saído da UTI no dia 9 de janeiro, após a infecção urinária ser tratada, mas voltou em menos de 48 horas para a unidade de cuidados intensivos. Na época, o vice-governador de Pernambuco, João Lyra Neto, irmão de Fernando, informou que o coração do ex-Ministro estava funcionando com 30% da capacidade. Outro ponto que preocupava a equipe médica era a retenção de líquido, que resultava em aumento de peso e mais dificuldade para a função cardíaca. O último cargo público que Fernando ocupou foi o de presidente da Fundação Joaquim Nabuco, de 2003 a 2011. Anastácio Rodrigues não compareceu ao velório de Fernando Lyra, mas participou da missa de sétimo dia, na Igreja do Rosário. Ao término, abraçou afetuosamente João Lyra Neto, consolando-o pela perda do irmão. Em entrevista à imprensa de Caruaru, em maio de 2013, Anastácio afirmou que a mentalidade administrativa tem atrapalhado o progresso da cidade e que ela precisa ser olhada com mais amor. “Aqui só se pensa no voto. O voto é para ser pensado no período da campanha. Fora isso, é trabalhar. Nossa meta foi o amanhã de Caruaru. Administrar é prever o amanhã”, disse. O ex-prefeito também questionou o descaso com as questões ambientais. “Não se planta nesta cidade. O porquê eu não sei”. E revelou: “Se eu fosse prefeito novamente, faria duas obras importantes: atacaria o rio Ipojuca, que é hoje uma chaga, e criaria o Centro Administrativo de Caruaru para reunir prefeitura, câmara e fórum num só lugar”. Não ter construído o Teatro Municipal é uma de suas frustrações como prefeito.
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[1] e [2] Com os netos Lívia e Gabriel [3] Torcedor apaixonado pelo “Santinha”, seu time do coração [4] Leuraci, Gabriel e Lívia [5] Admirando o Brasão do Instituto Histórico de Caruaru [6] Virgínia e Tatiana, filhas de Anastácio [7] Victor e Lavínia no colo do vovô [8] Anastácio se diverte em Campina Grande, cidade que ele também admira
Ele também comentou a expansão do ensino superior na cidade. “Olho com tanto otimismo, que me emociona. A juventude alegre, cheia de esperança, com seu futuro garantido. Eu me formei aos 40 anos de idade. Faço parte de uma geração sacrificadíssima”, disse. Para ele, o maior avanço registrado em Caruaru nos últimos anos está na infraestrutura do município. Apesar dos avanços, Anastácio acredita que a cidade está carente de amor. “Precisam olhar para Caruaru com amor, doar-se. Não colocando a política como primeiro item, mas visando o bem comum”, cravou. Em 20 de janeiro de 2014, a família Rodrigues lembrou os 26 anos da morte do ex-vereador Zino Rodrigues, irmão de Anastácio. Às 9h, familiares li-
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derados por Anastácio, se reuniram no largo que leva o nome do ex-vereador para uma reinauguração simbólica de seu busto, cujas placas de bronze haviam sido furtadas. A família se cotizou e mandou confeccionar placas idênticas às que tinham sido fixadas pela Prefeitura de Caruaru, na administração Tony Gel. Amigos e familiares se reuniram no local. Anastácio disse que Zino era “o homem das mãos estendidas e que em seu vocabulário não existia a palavra ‘não’. Ninguém que ia até ele voltava de mãos vazias”. Frei Lopes abençoou o espaço e todos rezaram de mãos dadas. Em seguida, foram visitar o túmulo de Zino, na Quadra L, jazigo 59, no Cemitério Parque dos Arcos. Era manhã de sol forte. Frei Lopes fez algumas orações e
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relembrou a figura caridosa de Zezé, esposa de Zino. Diante do túmulo do irmão, Anastácio confessou: “No meu velório, se fizerem festa, eu me levanto do caixão. Não quero ser velado na Câmara Municipal. Que façam o velório na Capelinha do Dom Bosco. Frei Lopes faça a cerimônia e depois me sepultem junto aos meus pais”. Disse, ainda, que estava prestes a concluir seu mandato como presidente do Instituto Histórico e que não poderia encerrá-lo sem homenagear o irmão. Lembrou com carinho a figura de Zino, que costumava repetir: “Com esse eu vou até o fim do mundo”, sempre que se referia a Anastácio. A ligação entre os irmãos se estreitou ainda mais quando Anastácio passou vinte dias em sua companhia no Hospital das Clínicas, em São Paulo, enquanto Zino esteve doente. Zino Rodrigues faleceu em Caruaru, no dia 20 de janeiro de 1988.
Depois das eleições municipais de 2012, a imprensa passou a especular sobre as mudanças que ocorreriam no Estado, no pleito eleitoral de 2014. A possibilidade de o governador Eduardo Campos disputar a presidência era concreta. Além disso, jornalistas abordavam-no constantemente sobre a sucessão estadual. Mas o governador se negava a falar, repetindo sempre que 2014 seria discutido apenas em 2014. O vice-governador João Lyra Neto nutria o desejo de disputar o Palácio das Princesas e apostava na força da experiência política. Para ser o sucessor de Eduardo Campos, ele iniciou uma série de contatos com líderes e partidos políticos. Também trocou o PDT de José Queiroz pelo PSB, em outubro de 2013. Sua atuação foi quase sempre discreta, mas não logrou êxito. Cumprindo a promessa de que trataria da eleição no momento correto, Eduardo anunciou o nome do secretário da Fazenda, Paulo Câmara, como candidato à sua sucessão. O anúncio ocorreu durante os dias de Carnaval. A chapa contava ainda com o deputado federal Raul Henry, do PMDB, na vice e o ex-Ministro da Integração, Fernando Bezerra Coelho, candidato ao Senado. Raul Henry foi indicado por Jarbas Vasconcelos, maior adversário de Eduardo nos últimos anos e agora seu aliado. Enquanto correligionários estavam em movimentação pró-Paulo Câ-
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mara, nas prévias carnavalescas, João Lyra ficou recluso junto à família. E a imprensa tratou de divulgar a insatisfação do vice, por haver sido preterido. Especulou-se, inclusive, a possibilidade de Lyra não assumir o governo após a renúncia de Eduardo. Para surpresa de todos, João Lyra Neto participou do lançamento da candidatura de Paulo Câmara, em um hotel na Zona Sul do Recife. Tentou evitar a imprensa, mas no final admitiu a insatisfação. “É natural do processo”, disse, rapidamente, aos jornalistas. Eduardo Campos assinou, no dia 3 de abril de 2014, a carta de renúncia aos meses finais do mandato, para se dedicar à campanha presidencial. No dia seguinte, João Lyra Neto foi empossado no cargo de governador. No discurso que pronunciou na Assembleia Legislativa, disse que chegava ao comando do Estado “com a vontade de ir além. Com os olhos voltados para o futuro”. Afirmou a intenção de avançar, levando de forma pioneira a interiorização da tecnologia e inovação, aliada à economia criativa, com o desembarque do Porto Digital nas diversas áreas do Estado. Também noticiou a criação da Secretaria da Micro e Pequena Empresa, para apoiar os pequenos empreendedores. Resgatou traços marcantes da história de seu pai, João Lyra Filho, e do irmão, Fernando Lyra. E fez um retrospecto de sua própria vida pública. “Reafirmo meu entusiasmo em ter a oportunidade de governar os destinos do meu Estado. Grande é a vontade de trabalhar. Sei que o tempo é curto. Precisamos fazer agora”, concluiu. Em seguida, caminhou a pé até o Palácio das Princesas, onde Eduardo fez a transmissão do cargo. Quando João Lyra Neto assumiu o Governo de Pernambuco, o prefeito José Queiroz e o vice, Jorge Gomes, foram os primeiros gestores municipais recebidos em audiência, no Palácio do Campo das Princesas. Queiroz entregou a João Lyra uma pauta, elencando obras e ações de responsabilidade do Estado, algumas em andamento, outras a implantar. Após os nove meses de governo, assim que João Lyra transmitiu o cargo a Paulo Câmara, José Queiroz criticou com veemência a atuação de Lyra, citando que, embora seja natural de Caruaru, ele não fez “absolutamente nada em favor do seu desenvolvimento ao longo dos nove meses de gestão”. “João não fez nada por Caruaru”, afirmou.
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Também lamentou que o governador não tenha acatado qualquer sugestão por ele levada em audiência, no primeiro dia de seu mandato, em abril. “Apresentei um conjunto de 14 obras e nenhuma saiu do papel”, comentou. José Queiroz também acusou João Lyra de atrapalhar o processo de transferência da feira da Sulanca, do Parque 18 de Maio, para um terreno de 60 hectares, na frente do Polo Comercial de Caruaru. A desapropriação custou R$ 10 milhões, cujo repasse foi garantido pelo governo Eduardo Campos. Antes de renunciar ao cargo, Eduardo autorizou o pagamento de R$ 5 milhões. João Lyra não pagou a outra metade. Assim que assumiu o cargo, no início de 2015, Paulo Câmara efetuou o pagamento dos R$ 5 milhões que faltavam. João Lyra Neto reconheceu que não conseguiu fazer muito pelo município, mas culpou José Queiroz, afirmando que Caruaru estava inadimplente no CAUC (Serviço Auxiliar de Informações para Transferências Voluntárias). Com isso, o município ficava impossibilitado de receber convênios através de recursos da União e do Estado. “A culpa por esta situação não é minha, mas do prefeito que tem que dar explicações sobre a situação de insolvência financeira do município”, rebateu. Eduardo Campos foi lançado oficialmente, na manhã de 28 de junho de 2014, candidato à presidência da República. O anunciou ocorreu em Brasília. A ex-senadora Marina Silva foi anunciada como vice. Ela se filiou ao PSB após a Justiça Eleitoral ter negado o pedido de registro de seu novo partido, a Rede Sustentabilidade. A união de Marina e Campos criaria uma terceira via na disputa pelo Planalto, em contraposição à candidatura à reeleição da presidenta Dilma Rousseff e à postulação do tucano Aécio Neves. Em 13 de agosto, mesmo dia em que se completaram nove anos da morte de Miguel Arraes, o jato Cessna, que conduzia Eduardo para um evento de campanha, cai na cidade de Santos (SP), matando o postulante e seus assessores, numa tragédia que comoveu o Brasil. Eduardo foi velado no dia 17, no Palácio das Princesas, e sepultado no Cemitério de Santo Amaro, em um ato de comoção nunca antes visto no Estado. Marina Silva aceitou substituir Eduardo Campos na disputa. O deputado federal Beto Albuquerque ocupou a vice. Apesar da comoção, o PT centrou
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fogo contra a ex-ministra para desqualificá-la, do ponto de vista das condições de governabilidade. A meta era levar o tucano Aécio Neves ao segundo turno, pois, na visão do partido, seria mais fácil garantir a vitória de Dilma tendo o PSDB como adversário. E foi isso o que aconteceu. Antes do primeiro turno, a imprensa pernambucana divulgou que o governador João Lyra Neto teria discutido a substituição de Paulo Câmara com o candidato ao Senado Fernando Bezerra Coelho, temendo uma derrota para o senador Armando Monteiro. Apesar de negar a manobra para substituir Câmara, Lyra convocaria a imprensa, no final do mandato, para argumentar que o grande desafio do partido seria encontrar um líder do porte de Eduardo Campos. Em virada histórica, Paulo Câmara desbancou Armando Monteiro Neto e se elegeu no primeiro turno como governador de Pernambuco. O crescimento do pessebista nas intenções de voto começou após a morte de Eduardo Campos (antes disso, Armando liderava com folga). Com 100% das urnas apuradas, Paulo conquistou 68,08% dos votos válidos, contra 31,07% do adversário. O PSB também venceu a disputa pela vaga no Senado, com a eleição do ex-ministro Fernando Bezerra Coelho. Caruaru não conseguiu repetir nas eleições de 2014 o mesmo desempenho demonstrado quatro anos antes. Embora tenha mantido uma vaga na Câmara Federal, com a reeleição de Wolney Queiroz, na Assembleia Legislativa de Pernambuco apenas Raquel Lyra e Tony Gel conseguiram reeleger-se, com o município perdendo a vaga, até então ocupada por Laura Gomes (ela retornaria à Alepe em janeiro de 2017, depois que alguns deputados renunciaram aos cargos por terem sido eleitos prefeitos em 2016. Laura estava ocupando a Secretaria Executiva de Direitos Humanos do governo Paulo Câmara). Wolney teve uma votação bem menor que a de 2010, foram apenas 86,7 mil votos para Câmara Federal. Mesmo assim foi o deputado federal mais votado no município, com 46.143 votos (33,28%), contra 29.662 votos (21,31%) dados ao senador Jarbas Vasconcelos (PMDB), que dobrou com Tony Gel. Raquel Lyra foi privilegiada pela posição política de seu pai, João Lyra Neto, que assumiu o cargo de governador após a saída de Eduardo Campos. Ela obteve uma votação de 80,8 mil votos no Estado, enquanto Tony Gel conquistou 42,1 mil.
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Em Caruaru, entretanto, a situação se reverteu. Tony Gel foi o deputado estadual mais votado no município, com 31.426 votos (21,47%), seguido por Raquel, que somou 28.820 votos (19,69%). Laura Gomes obteve somente 14.519 votos (9,92%) em Caruaru, enquanto o vereador Demóstenes Veras contabilizou 12.148 votos (8,3%). Laura recebeu 34.427 votos em todo Estado. Ela atribuiu a derrota a uma concorrência maior na coligação pela ampliação da base partidária. A pessoas mais próximas, Laura não escondia a decepção. Confessou que Raquel Lyra contribuiu mais para sua derrota do que Tony Gel, que era de grupo político adversário. Apesar do racha entre João Lyra Neto e José Queiroz, na campanha municipal dois anos antes, eles estiveram juntos em vários palanques, ao longo da campanha de 2014. Queiroz defendendo a reeleição de Wolney e João a reeleição de Raquel. O processo político da Frente Popular e a união dos grupos políticos de Caruaru em torno da candidatura de Eduardo Campos levaram à aproximação entre os dois líderes. Estavam juntos cumprindo a tarefa da campanha de Eduardo, mas, na verdade, apenas aparentavam estar unidos, pois o diálogo entre eles era cada vez mais difícil. Muitos viram como oportunismo a aliança de última hora. Raquel Lyra não distribuiu um adesivo de Wolney ao longo da campanha. Wolney, ao contrário, utilizou a imagem de Raquel em seu material de campanha, sem autorização dela. A deputada ficou indignada, mas não reclamou. Em alguns eventos, João Lyra Neto pediu votos para Wolney. Mas, o que estava ruim, só piorou. Após a apuração dos votos, Wolney Queiroz deu uma entrevista polêmica à rádio Cultura de Caruaru. Primeiro, se antecipou à decisão da Frente Popular e declarou apoio à reeleição de Dilma Rousseff no segundo turno. Imediatamente, os socialistas colocaram em xeque se ele realmente votara em Marina Silva no primeiro turno. Ao contrário de seu pai, Wolney não participou dos atos em favor da campanha de Aécio Neves e pessoas próximas ao deputado garantem que ele votou em Dilma nos dois turnos, como gratidão pelos recursos trazidos para Caruaru em seu governo. Wolney também fez várias críticas à deputada estadual Raquel Lyra, afir-
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mando que houve desestruturação do conjunto, diferente do que ocorrera em 2010. “Raquel resolveu não me apoiar, trouxe deputados de fora. Em alguns locais, dobrou com Mendonça Filho (DEM), em outros com João Fernando Coutinho (PSB). Eu pedi votos para ela e ela não pediu para mim. Fez o que pôde para dificultar minha reeleição aqui”, acusou. O deputado disse ainda que, se estivessem integrados, a votação da deputada seria maior, fazendo com que fosse a estadual mais votada de Caruaru, o que ocorreu com o deputado Tony Gel. Aliados do governador João Lyra Neto reagiram, afirmando que Raquel não tinha qualquer acordo com Wolney e que a crise já denotava as primeiras manifestações das eleições municipais na cidade. Ainda de acordo com os socialistas, todo mundo perdeu votos em Caruaru. Wolney caiu de 60 mil para cerca de 40 mil votos. Raquel, de 31 para 29 mil. Laura Gomes, de 22 mil para 11 mil votos. Rubens Júnior, um dos assessores da campanha de Raquel, garante que a afirmação de que a deputada não pediu voto para Wolney é falácia. “Os vereadores Rosemary da Apodec e Duda do Vassoural apoiavam Mendonça Filho. Em reuniões com eles, Raquel naturalmente pediu votos para Mendonça”, justifica. Segundo Rubens, a falta de articulação e de discussão derrotou os candidatos do prefeito José Queiroz. “Ele lançou dois candidatos: Laura e Demóstenes. Os dois perderam. Um ‘matou’ o outro”, opina. Depois de uma campanha dificílima, marcada por agressões, por tragédia e pouca discussão dos reais problemas do país, Dilma Rousseff venceu Aécio Neves na disputa em segundo turno e foi reeleita para um novo mandato como presidente da República. Com 100% das urnas apuradas, Dilma obteve 54.501.118 votos (51,64%) e o tucano, 51.041.155 votos (48,36%). Uma hora depois da confirmação do resultado, Dilma fez um discurso de agradecimento, com 26 minutos de duração, em um hotel de Brasília. Saudou o ex-presidente Lula, a quem chamou de “militante número 1 das causas do Brasil”, afirmou que estava “disposta ao diálogo” e conclamou os brasileiros a se unirem em favor do país. “Não acredito que as eleições tenham dividido o país ao meio”, defendeu. Anastácio Rodrigues foi um dos maiores entusiastas da campanha de
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Dilma Rousseff em Caruaru. Mesmo sem engajamento direto, onde quer que chegasse fazia defesa da presidente e de seu governo. Costumava repetir que se tivesse a mesma saúde e o mesmo vigor da juventude, iria para a praça pública fazer comícios pró-Dilma. Permitiu, inclusive, que colocassem uma bandeira vermelha da candidata no alto de sua casa – que um ano após a eleição ainda era vista esvoaçando com o vento. Quando Paulo Câmara assumiu o Governo de Pernambuco, em janeiro de 2015, Laura Gomes foi nomeada Secretária Executiva de Direitos Humanos e Miriam Lacerda assessora especial do gabinete do governador. Tony Gel foi escolhido por Câmara para ser o vice-líder do governo na Assembleia Legislativa e assumiu a presidência da Comissão de Ética da Casa. Meses após a eleição, em entrevista ao programa Mesa Redonda, da rádio Cultura, Wolney Queiroz reafirmou a divergência e o distanciamento entre o grupo liderado pelo prefeito José Queiroz e o do ex-governador João Lyra Neto e descartou qualquer aliança para a eleição municipal de 2016. O deputado federal fez uma análise da atuação da família Lyra nos últimos anos e ressaltou que João e Raquel Lyra fizeram mais oposição ao governo do prefeito José Queiroz do que o deputado Tony Gel. A eleição de 2014 alterou o panorama político em Caruaru. Uniu os três principais grupos políticos da cidade na base de apoio ao governador Paulo Câmara e, ao mesmo tempo, evidenciou a independência de cada um dos grupos, no âmbito municipal. O prefeito José Queiroz, que não superou a falta de apoio de João Lyra Neto à sua reeleição em 2012, enxerga no antigo aliado uma figura ingrata e, nos bastidores, costuma defini-lo como um “traidor”. Em entrevista à rádio Jornal Recife, no mês de setembro, Queiroz insinuou que João Lyra Neto só se elegeu e reelegeu vice-governador por sua chancela de presidente do PDT. “Eu tinha maioria, e aprovei o nome dele. Em 2010, João tinha muitas dificuldades junto ao PSB, do Agreste ao Sertão, e novamente o apoiei para a indicação, indo até a Executiva Nacional do PDT, para declarar apoio e conseguimos que ele ficasse”, disse. Adiante, fez um desabafo. “Em 2012, João fez críticas e não me apoiou, eu não sei se ele imaginava que eu perderia a eleição e pensou: ‘vou empurrar de ladeira abaixo’. Isso favoreceu a Tony Gel e Miriam Lacerda, mas os
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avanços na minha gestão me permitiram que eu desse uma enfiada de 30 mil votos em João, Raquel, Miriam e Tony. Foi uma vitória expressiva e fala por si só”, vangloriou-se. O ex-prefeito de Caruaru passou a defender que não existiria qualquer possibilidade de nova aliança com os Lyra, já que os grupos estavam em campos opostos. “Quando chegou em 2014, eles fizeram charme e não apoiaram Wolney. Não há como conviver desse jeito. Ele [João Lyra] diz que a cidade precisa discutir um projeto, mas em torno de Raquel, esse é o projeto dele... peraí!”, disparou. João Lyra Neto, ao contrário, procurou adotar um discurso mais ameno após a eleição de 2014, afirmando que lutaria pela unidade da Frente Popular em Caruaru, visando à eleição de 2016. Assegurou, inclusive, que buscaria um diálogo com José Queiroz e com Tony Gel. Uma fonte entrevistada para o livro, cujo nome omitiremos neste caso, garante que José Queiroz mente ao dizer que lutou para que João Lyra Neto permanecesse na chapa de Eduardo, na campanha pela reeleição, em 2010. “Queiroz fez um trabalho tremendo para que Wolney fosse o vice-governador”, acusa. E complementa: “Num momento de irritação, Eduardo não se conteve e disse a João Lyra: ‘Você sabe que esse filho da puta desse Queiroz quer tirar você para colocar Wolney’. João Lyra respondeu: ‘Eu não sou seu candidato. Quem tem que escolher é você’”. Apesar das constantes trocas de farpas, José Queiroz convidou João Lyra Neto e Tony Gel para a inauguração do parque construído no bairro Nova Caruaru e que recebeu o nome do ex-prefeito Drayton Nejaim. O nome foi sugerido oficialmente na Câmara Municipal pelo vereador Ricardo Liberato, mas a imprensa destacou a decisão de Queiroz em homenagear seu principal adversário político do passado. João Lyra Neto compareceu ao evento. Tony Gel, considerado herdeiro político do eleitorado de Drayton, não. José Queiroz citou Tony várias vezes e lamentou a sua ausência. O prefeito disse que gostaria de ter reunido todos os ex-prefeitos durante o ato. Mas não convidou Anastácio Rodrigues. No dia seguinte, Anastácio recebeu em sua casa um telefonema de João Lyra Neto, perguntando se ele havia sido convidado para a inauguração. Ao
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que ele respondeu de forma objetiva: “Não fui convidado e mesmo que tivesse sido não iria”. Por questão de curiosidade, Anastácio foi visitar o parque alguns dias depois, mas não o encontrou. “Gostaria de ter encontrado”, confessa. Isso denota certa estranheza, porque o equipamento localiza-se na rua principal do bairro. O Parque Prefeito Drayton Jaime Nejaim é, na verdade, uma ampla e moderna praça, construída numa área de 11 mil metros quadrados, com pista de caminhada, duas quadras, playground, pista de skate, entre outros. Circulando pela Nova Caruaru, Anastácio viu uma rua com o nome de Evita Perón. Ficou irritado. Bairrista, diz que quando esteve na Argentina, não encontrou nenhum logradouro público em homenagem aos geniais Álvaro Lins e Austregésilo de Athayde. Em discurso durante a inauguração do parque Drayton Nejaim, João Lyra Neto lembrou Anastácio Rodrigues. Ele reconheceu que seu pai, João Lyra Filho, foi eleito prefeito com o apoio de Drayton Nejaim, em 1959. “Depois, quando aconteceu o golpe de 64, cada um foi para um lado e, desde então, nos tornamos adversários”, frisou. E citou o conjunto de políticos que, em sua visão, transformou Caruaru. “Eu fui prefeito duas vezes, Queiroz quatro vezes, Tony Gel duas e Anastácio também”, citou. “Cada um, dentro de suas possibilidades e condições, fez o melhor que podia para o desenvolvimento da cidade”, completou. Anastácio Rodrigues fez questão de recepcionar o príncipe Dom João Henrique Maria Gabriel Gonzaga de Orléans e Bragança, neto da Princesa Isabel e trineto de Dom Pedro II, que visitou Caruaru no dia 12 de setembro de 2015. Figura carismática, o “Príncipe à Brasileira” esbanjou simpatia e conquistou a todos que o foram cumprimentar, na sede do Instituto Histórico, onde aconteceu troca de presentes e o descerramento de uma placa que assinalou sua visita. Dom João também visitou o Alto do Moura e levou dezenas de peças, cuidadosamente separadas nos ateliês de Luiz Antonio, Marliete Rodrigues e Manoel Eudócio, enquanto falava da ansiedade em provar uma boa carne de sol nordestina. Ele levou na bagagem “recortes” de Caruaru e prometeu voltar para uma visita especial à feira de Caruaru e ao atelier de J. Borges, em Bezerros, e à Casa da Cultura José Condé, a maior obra cultural da ad-
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ministração Anastácio Rodrigues. “Sou um monarquista”, disse Anastácio ao membro da antiga família real. Junto ao presidente do Instituto, o historiador Walmiré Dimeron, e a outros membros do órgão, Anastácio Rodrigues participou, sorridente e com o coração agradecido, daquele momento. O Instituto Histórico de Caruaru é uma realidade sonhada por ele. Um projeto que nasceu da coragem e da ousadia do eterno prefeito; nome registrado na História do município, por meio de obras estruturais, zelo pelo dinheiro público e seriedade administrativa, traços cada vez mais raros no universo político.
REENCONTRO A Câmara Municipal de Caruaru realizou, na noite de 15 de setembro de 2016, reunião solene para a entrega do “Título de Cidadania” aos irmãos Biano – Benedito (in memoriam) e Sebastião, de 97 anos, da histórica Banda de Pífanos de Caruaru. A homenagem das bandas de pífanos foi prestada através de Anderson do Pife, da Banda de Pífanos Zé do Estado. No sábado, dia 17, Sebastião Biano participou de uma roda de diálogo, na Casa do Pife, no Polo Cultural da Estação Ferroviária. Anastácio Rodrigues foi a primeira pessoa a chegar ao local, pontualmente. Estava ansioso para rever os amigos que não via há mais de quatro décadas. Levou a tiracolo uma fotografia de 1972, quando os integrantes da Banda de Pífanos regressavam do Rio de Janeiro, onde gravaram o primeiro LP pela gravadora CBS, por iniciativa do próprio Anastácio. Sebastião Biano demorou quase uma hora para chegar à Casa do Pife. Além do atraso no horário do almoço, precisou voltar à residência onde estava hospedado, para tomar uma medicação controlada. Enquanto isso, um grupo de capoeira se apresentou, sendo aplaudido de pé pelo ex-prefeito. Depois que um dos integrantes da Banda de Pífanos Zé do Estado fez uma homenagem a Anastácio, este discursou, falando sobre sua ligação com a cultura caruaruense. Falou, foi aplaudido, falou novamente. Depois, brincou com a demora de Sebastião Biano: “parece que o homenageado está fa-
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zendo charminho”. Todos sorriam. Enfim, o músico chegou. Vestindo calça jeans, camisa pólo verde e com chapéu preto na cabeça. O reencontro entre Anastácio e Sebastião Biano foi emocionante. Quando adentrou a Casa do Pife, o músico foi aplaudido com entusiasmo. Anastácio o observava com ternura e com um sorriso de satisfação. Assim que o viu, Sebastião virou-se até ele e falou, com a voz branda e singular: “Anastácio!” Sob a forte luz do intenso sol que invadia as janelas do espaço, os dois se abraçaram com carinho. Anastácio exclamava palavras elogiosas ao músico. Disse a Biano que a partir de agora ele era “cidadão do mundo”. Nesse instante, alguém tirou o chapéu de Sebastião Biano e pôs na cabeça de Anastácio. Antes que o músico sentasse para participar de uma roda de diálogo com os presentes, Anastácio exclamou em alta voz: “Biano, você é uma baraúna!”. O ex-prefeito fez uso da palavra e contou detalhes de quando decidiu enviar a Banda de Pífanos para gravar seu primeiro LP, no Rio de Janeiro, em 1972. Além disso, assegurou que o Título de Cidadão Caruaruense, outorgado pela Câmara Municipal, era mais que merecido, pois, ao contrário de pessoas que pagaram a vereadores para receberem a cidadania honorária, Sebastião Biano faz jus à homenagem. Anastácio também criticou a demora com que o título lhe foi concedido. E disse que não foi à Câmara por não ter sido convidado. Sebastião Biano contou detalhes de sua trajetória, desde quando sua família foi para Caruaru, fugindo da seca, até a ascensão da Banda de Pífanos. Várias vezes, ele e João Biano, também presente ao encontro, ressaltaram a importância de Anastácio para o crescimento do grupo. “Devemos tudo a você”, disse João. Anastácio respondeu que eles nada lhe deviam e que o mérito de tudo aquilo era deles mesmos. A simplicidade e a simpatia do quase centenário Sebastião Biano chamou a atenção de todos. Em determinado momento, Anastácio o questionou sobre os tempos em que ele trabalhou na Fábrica de Caroá, em Caruaru. Biano respondeu que foi funcionário da empresa durante 20 anos e que, ao sair, não recebeu qualquer direito remuneratório. “Mas tudo bem, até hoje minha barriga tá cheinha”, disse, arrancando risos dos que participavam daquela tarde cultural tão rica. E pouco prestigiada. A ausência de autoridades e o pequeno público presente não diminuiu o
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brilho do momento. Mas não passou despercebida. “Nós consideramos você, Anastácio, o nosso prefeito. Pois foi quem sempre nos apoiou e hoje está aqui com a gente”, disse João Biano. Outros artistas também destacaram a importância de Anastácio Rodrigues para a classe artística e o prefeito dedicado às questões culturais que ele foi. Quando a roda de diálogos chegou ao fim, Anastácio pediu que Sebastião Biano tocasse algo para encerrar. Ele atendeu de imediato. João Biano ainda perguntou qual música Anastácio sugeria, e ele respondeu: “o que sair, será de coração”. Depois de testar vários pifes, Sebastião finalmente deu o seu show, ante o olhar admirado da pequena plateia. Em alguns momentos, parecia que iria lhe faltar o fôlego. Ele parou e recomeçou algumas vezes. Depois, pegou o embalo e só parou quando João Biano acenou para que finalizasse. Em seguida, os aplausos vigorosos. Anastácio deixou a Casa do Pife no início da noite, agradecido e feliz com aqueles momentos fraternos e de reencontros significativos. Na saída, beijou a mão de Sebastião Biano que retribuiu com o mesmo gesto. “Deus abençoe você, Anastácio, sua família, a todos nós”, desejou o músico ao prefeito amigo da cultura. Anastácio entrou no táxi, de volta para casa, totalmente diferente de como havia chegado. Às 15h, quando pisou na Estação Ferroviária, estava irritado com uma discussão que tivera em casa, com a esposa, Leuraci. Discussão boba. Quando desceu do táxi, machucou um dedo ao fechar a porta. “A pressa é uma porra”, reclamou, enquanto mostrava o machucado. Entrou na Casa do Pife e ficou admirado com a organização e decoração do espaço. Só não gostou de ver que as bandeiras do Brasil e de Pernambuco forravam uma cadeira. Pediu que alguém as retirasse. Era inaceitável. Fora isso, gostou de tudo o que viu. “Essa é uma gente de boa fé, faz a coisa com amor”, reconheceu o ex-prefeito. Aquela era uma tarde para recordar, histórica, conforme o próprio Anastácio enxergou. “Eu amo Caruaru, é por isso que continuo resistindo, só por isso. Porque amo Caruaru”, falou, com o coração. É período eleitoral, mas em sua fala Anastácio não cita candidatos, nem governantes. Em determinado momento, dirigindo-se aos artistas, fala que “alguma coisa está errada em Caruaru”. Diz que ele próprio não pode resolver nada; olha para os artistas e comenta que deles também depende o amanhã. Todos ouvem atentos quando o ex-prefeito enfatiza que “falta
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amor por esta cidade”. E relembra que administrou Caruaru encontrando “uma prefeitura arrasada”, sem recursos e com muitas dificuldades. “Falta amor por esta cidade”, volta a dizer. Esse contexto evidencia o quanto Anastácio é ligado às questões culturais – algo raro em se tratando de gestores públicos. No meio dos artistas ele se sente a vontade. É tido como um apoiador de primeira hora, um político sério. Tal como ocorreu lá atrás, nos idos de 1968, quando esse mesmo movimento cultural gritou a sua candidatura para prefeito. Tudo isso o envaidece. O reconhecimento e a gratidão da classe artística parecem o revigorar. Como um abraço afetuoso. “Eu não vou agora, vou demorar. Eu não vou agora”, diz, sorrindo, referindo-se à sua morte carnal.
PROMESSA QUEBRADA No dia 27 de outubro de 2016, Anastácio Rodrigues quebrou uma promessa que havia feito no passado; a de que não mais subiria em palanques políticos em Caruaru. No Marco Zero da cidade, ao lado da Igreja da Conceição, ele foi presença marcante no palanque do candidato a prefeito Tony Gel (PMDB), a três dias da eleição. Pela primeira vez na História, o município vivenciou o segundo turno na eleição municipal. Anastácio chegou poucos instantes antes de Tony Gel discursar. Assim que subiu ao palanque, sua presença foi anunciada com entusiasmo pelo locutor do evento. Tony Gel o abraçou, segurou sua mão e ergueu ao alto, enquanto a multidão aplaudia. Anastácio estava sorridente e impressionado com a quantidade de pessoas que lotavam a principal rua comercial de Caruaru. Certo momento, Anastácio foi cumprimentado pelo deputado federal Jarbas Vasconcelos. Rápido aperto de mãos e nada mais. Quando chegou sua vez de falar, Tony Gel dedicou alguns minutos ao tio que estava ali para apoiá-lo: “Minhas amigas, meus amigos. Aqui está uma legenda desta cidade. Eu tinha 13 anos de idade, apenas 13 anos, e eu acompanhei nas ruas de Caruaru, nos bairros desta cidade, uma linda campanha liderada pelo doutor Anastá-
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cio Rodrigues. Foi prefeito eleito em 1968, pelo MDB. Saiu da prefeitura, meu tio Anastácio Rodrigues, com aprovação de 95%. É um dos patrimônios vivos – e bem vivos – desta terra. Conhece muito bem a história de Caruaru. Tem dado aulas falando de Caruaru, falando das coisas boas desta terra. Ainda esta semana eu estava dizendo aos amigos, ele ofereceu a oportunidade para que a nossa querida Zabumba Caruaru, a Banda de Pífanos, Sebastião Biano, gravasse o seu primeiro disco. Foi no seu governo, o apoio à cultura. Por isso que nós vamos lutar pela cultura de Caruaru, aos artistas dessa terra, aos que fazem as artes cênicas, aos que são da música, da dança, da arte plástica, do Alto do Moura do já saudoso Manuel Eudócio e de sua família que continua sua arte. Do Mestre Vitalino, do Mestre Galdino, de Zé Caboclo, de Zé Rodrigues e de tantas legendas lá do Alto do Moura. Para quem não sabe, Dr. Anastácio, o pai dele – meu avô –, o meu pai, todos nós temos nossas origens ali no Alto do Moura e nas Taquaras”, disse Tony. Quando desceu do palanque, Anastácio atendeu a vários pedidos de populares que queriam uma foto com ele. “Vou cobrar um real de cada uma”, falava, simpático e agradecido. Ao seu encontro veio um casal de moradores do bairro Indianópolis, que tiveram o então prefeito Anastácio Rodrigues como padrinho de casamento no ano de 1972, fato que ele já nem recordava. Outros populares o cercaram, quando o ex-vereador José Rabelo – que também estivera no palanque minutos antes – foi cumprimentar Anastácio e passou a rememorar aspectos de sua vida política. Rabelo lembrou que fez oposição ferrenha a Anastácio na Câmara Municipal, derrotando até orçamento encaminhado por ele para aprovação. Rememorou a eleição de 1982, quando ambos disputaram o cargo de prefeito e, em seguida, sentenciou: “você foi o maior prefeito em questão de honestidade e dignidade, entrou puro e saiu mais puro da prefeitura, entrou andando a pé e está a pé até hoje. Os outros têm erros e acertos, mas você eu fiz questão de homenagear, pois foi o prefeito mais honesto da História”. Anastácio Rodrigues votou em Tony Gel nos dois turnos da eleição, ergueu um mastro com bandeira do sobrinho em sua residência, na Rua Saldanha Marinho, reclamou da posição às vezes dispersa e passiva de Tony diante de sua concorrente, Raquel Lyra, nos debates. “Guerra é guerra. Ele tem que partir pro ataque. Ela representa uma dinastia que está há 60 anos
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no poder. Caruaru não é propriedade de dinastia, é propriedade do povo”, aconselhava o ex-prefeito. Anastácio também ficou irritado com alguns poucos familiares que optaram pelo voto a Raquel na eleição. Também se chateou ao ver o artesão Severino Vitalino no programa eleitoral de Raquel, pedindo votos para ela. No dia seguinte, telefonou para a artesã Marliete Rodrigues. Em sua visão, os artistas do Alto do Moura deveriam votar em Tony Gel, também como gratidão a tudo que o próprio Anastácio, seu tio, fizera pela cultura municipal. Durante a campanha, Anastácio vibrou como se ele próprio fosse candidato. Os laços sanguíneos sempre falam mais alto. Tony Gel fez uma campanha bonita, com um programa eleitoral muito bem produzido na TV. Contrariando as pesquisas de intenção de votos, que apontavam a sua vitória, e surpreendendo grande parte da população, Tony não repetiu no segundo turno o êxito que teve no primeiro. Desde o início da apuração, era evidente que Raquel Lyra obteria a maioria dos votos. Ela contou, no segundo turno, com o apoio do prefeito José Queiroz e do deputado federal Wolney Queiroz. Contrariando o discurso que alimentavam há alguns anos, de que não havia chances de uma nova aliança entre eles, mais uma vez deram as mãos às vésperas de uma eleição. O anúncio foi feito em coletiva de imprensa, no comitê do candidato derrotado Jorge Gomes. Seguindo a orientação do PSB, que apoiou Tony Gel no segundo turno, Jorge e Laura não participaram da campanha de Raquel. Apesar do apoio anunciado, José Queiroz e Wolney não foram vistos no programa eleitoral de Raquel nem em seu palanque, durante os comícios. Segundo a Justiça Eleitoral, Raquel Lyra recebeu 93.803 votos, o que corresponde a 53,15% dos votos válidos (excluindo brancos e nulos). Tony teve 82.679 votos (46,85%). Foram registrados, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, 2.891 votos brancos (1,55%), 7.491 votos nulos (3,99%) e 23.073 abstenções (10,99%). Nessa eleição, Caruaru teve um total de 209.897 eleitores aptos a votar. No primeiro turno, Raquel somou 44.776 votos (26,08%). Tony Gel foi o mais votado e recebeu 63.697 votos (37,10%). O Delegado Lessa (PR) ficou em terceiro, com 23,94% dos votos. Jorge Gomes, candidato do prefeito José Queiroz, ocupou a quarta posição, com 11,62% dos votos. Os outros can-
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didatos contabilizaram ínfimas votações: Rivaldo Soares (0,60%), Eduardo Guerra (0,45%) e Jefferson Abraão (0,20%). Formada em Direito e pós-graduada em Direito Econômico e de Empresas, Raquel Teixeira Lyra nasceu no Recife, no dia 02 de dezembro de 1978. É a terceira filha de João Lyra Neto e Mércia Lyra. “Nasci em mês de férias, passei 30 dias na capital e vim para a minha casa, em Caruaru, já em janeiro de 1979. Morei na Rua Pedro Jordão, na Rua Gouveia de Barros e, hoje, na Rua Rodrigues de Abreu”, registrou Raquel, em discurso, ao receber o Título de Cidadã de Caruaru, na Câmara Municipal, em maio de 2013. Mércia Lyra, sua mãe, diz que as três filhas – Nara, Paula e Raquel – nasceram no Recife porque seu médico era de lá. “Fui registrada em Caruaru, no cartório de Terezinha Dowsley, assim como minhas irmãs”, ressalta Raquel. “Na Escolinha de Babu, passei os meus primeiros anos de pré-escola. Depois fui estudar no colégio de Altair Porto, grande amigo de minha família e meu amigo, o Centro Educacional Montessori. Lá, foram mais de dez anos. Por fim, minha vida acadêmica em Caruaru se encerrou no Colégio Exatus, no bairro Petrópolis”, recordou a prefeita. Ela explicou que é oriunda de famílias que adotaram Caruaru como terra. “Minha avó materna, Guiomar, veio do Rio Grande do Norte junto com a linha de trem, meu bisavô trabalhava na empresa que construía ferrovias. Aqui conheceu meu avô João Lyra Filho, natural de Lagoa dos Gatos, mas que muito jovem veio tentar a sorte nesta cidade, onde se tornou grande empresário e líder político”. Segundo Raquel, a família de seu avô materno, Zé Teixeira, veio de Surubim. “Ele nasceu no bairro do Cedro e era profundo amante desse lugar. Sócio do Centro Elétrico, com o seu irmão Manoel, fazia as iluminações da Festa do Comércio. Era torcedor e foi presidente do Central, motivo de maior orgulho de sua vida. Casou com minha avó Lindalva, filha de seu Amaro, que vendia queijo na feira, como sempre me contou a minha mãe”. Ainda sobre a sua genealogia, Raquel Lyra contou que seus pais nasceram em Caruaru. “Aqui construíram suas vidas e a nossa família. Eu casei com um caruaruense, Fernando Lucena, meu companheiro de todas as jornadas”. Com Fernando, Raquel teve dois filhos: João e Fernando. A prefeita iniciou a vida pública como advogada concursada do Banco do
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Nordeste. Em 2002, também por concurso, assumiu o cargo de delegada da Polícia Federal, que ocupou até 2005. Naquele ano, foi aprovada em mais um concurso, da Procuradoria Geral do Estado, à qual continua vinculada. Raquel foi responsável, de 2007 a 2010, pela chefia da Procuradoria de Apoio Jurídico e Legislativo do governo de Eduardo Campos. Em 2010, estreou na política, elegendo-se deputada estadual. A convite do governador, licenciou-se do cargo para assumir a Secretaria da Criança e da Juventude. Regressou à Alepe antes do fim do mandato e foi reeleita, em 2014. No Legislativo Estadual, presidiu a principal comissão da Casa, a de Justiça. Raquel quebrou um paradigma, ao se tornar a primeira mulher eleita prefeita de Caruaru. Entretanto, não foi a primeira a assumir o cargo. Em 1989, a presidente da Câmara Municipal, Sylvia Antunes Porto, comandou a cidade na ausência do ex-prefeito João Lyra Neto, pai de Raquel, que fora submetido a um procedimento cirúrgico. O vice, Jorge Gomes, era candidato a deputado estadual e não pôde assumir.
NACIONALMENTE Dar as boas vindas aos prefeitos eleitos em 2016 e mostrar que suas ações podem repercutir por muitas gerações. Esse foi o principal objetivo de um vídeo produzido pela empresa Betha Sistemas, com ex-prefeitos que marcaram época em suas cidades. Entre os escolhidos, está o eterno prefeito de Caruaru, Anastácio Rodrigues. Com sede em Criciúma (SC), a Betha Sistemas é especialista em software para gestão pública e possui sete filiais e 19 revendas por todo o Brasil. Para participar da campanha, a empresa escolheu três ex-prefeitos: Virgílio Galassi (Uberlândia/MG, já falecido), Ruy Hulse (Criciúma/SC) e Anastácio Rodrigues, cada um representando uma região do país. Samira Pereira, analista de marketing da Betha Sistemas, conta que pediram sugestões de nomes de ex-prefeitos às filiais e fizeram pesquisas. “Chegamos ao Anastácio pela internet. Pesquisando, li muita coisa interessante sobre ele, inclusive sobre a biografia dele que está sendo escrita pelo jor-
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nalista Fernandino Neto. Entramos em contato com Fernandino e depois com Anastácio”. Uma equipe esteve em Caruaru no dia 17 de novembro, para entrevistar Anastácio Rodrigues e colher imagens. Encontraram o ex-prefeito, às 9h, na Igreja da Conceição, e seguiram a pé até a Casa da Cultura José Condé, considerada a principal obra de sua gestão. No caminho, populares paravam o ex-prefeito para cumprimentá-lo. Todos comentavam sobre o período em que ele administrou a cidade e destacavam sua integridade. Já na Casa da Cultura, por quase três horas Anastácio Rodrigues falou de sua vida, da família, de política, decepções, sobre sua trajetória pública e do amor que tem por Caruaru. A filha de Anastácio, Virgínia Lúcia, também participou das gravações. Em seu consultório odontológico, relembrou memórias da vida familiar e do período em que o pai foi prefeito. “Fui um prefeito rígido, austero, duro, mas sem praticar injustiça. No dia da minha posse eu disse que ninguém tocaria no dinheiro do povo. Nunca usei o poder em meu benefício ou de minha família. Fiz uma administração voltada para o bem comum. O lado político não existiu. O foco era Caruaru. Desagradei muita gente, meu sucessor [João Lyra Filho] me denunciou ao Tribunal de Contas alegando ‘falcatruas’. Uma injustiça. Mas nada tenho a reclamar. Só tenho a agradecer a Deus. Estou muito feliz”, ressaltou Anastácio. Samira Pereira disse que o vídeo também tem a intenção de mostrar que, independentemente da região, o trabalho realizado pelos prefeitos é importantíssimo para os municípios. “Escolhemos três ex-prefeitos que até hoje são lembrados pelo legado que deixaram. Os três são unanimidade e deu muito certo”. O documentário tem poucos minutos e utiliza atores parecidos com os prefeitos para encenar suas histórias. O vídeo foi feito pela produtora Casa na Árvore Filmes e divulgado na primeira semana de janeiro de 2017, quando os novos prefeitos tomaram posse. Todos os eleitos receberam o material por mala direta. Uma ampla divulgação também aconteceu na internet e nas redes sociais, a fim de chegar ao maior número possível de brasileiros. Anastácio recebeu em sua casa uma cópia do vídeo, enviada pela empresa. Ficou orgulhoso pelo reconhecimento. E, assim, a fama do eterno prefeito se espalha por todo o Brasil...
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Quando, à tarde do dia 29 de fevereiro de 2016, viu o prefeito José Queiroz chegar em sua residência, no bairro Maurício de Nassau, Anastácio Rodrigues comentou, em tom de brincadeira: “Essa alma quer reza”. No mesmo tom,
Queiroz respondeu: “Essa alma veio trazer reza”. Minutos depois, os dois foram até o São João da Escócia. Depois de apresentar as instalações da creche que o município construiu no bairro, Queiroz revelou a Anastácio que o espaço receberia seu nome. O ex-prefeito, aos 87 anos, não conteve a emoção. “Prefeito, o senhor quer matar o velho? Eu não mereço tanto!”, expressou, na ocasião. No dia seguinte, 1º de março, Anastácio Rodrigues participou das comemorações da Data Magna de Caruaru. Pela primeira vez, em 123 anos de emancipação política, o fato histórico foi lembrado oficialmente na cidade. No térreo da prefeitura, apenas Anastácio e o prefeito José Queiroz discursaram. Enquanto relembrava aspectos de sua passagem pelo governo, Anastácio agradeceu as homenagens e sentenciou: “Prefeito José Queiroz, eu critico seu governo pelo excesso de amor que tenho a Caruaru”. Duas datas assinalam momentos fundamentais da História social e política de Caruaru. Uma é festejada. A outra, esquecida. Tradicionalmente, as duas têm sido confundidas como se representassem um só acontecimento. A primeira delas, o 18 de Maio, é feriado municipal desde 1972 e comemora o aniversário da cidade. Foi nesse dia, no ano de 1857, que a então Vila de Caruaru conquistou o título de Cidade. Caruaru foi a primeira vila do interior de Pernambuco a conquistar a posição de cidade. A conquista foi importante, mas o município continuou subordinado aos poderes da Assembleia Legislativa Provincial e da Presidência da Província. A cidade, sem autonomia oficial, estava submissa à Vila de Bonito. A independência política só ocorreu 36 anos depois, em 1º de março de 1893. Caruaru conquistou sua autonomia política a partir da assinatura da Lei Estadual nº 52, no ano de 1893. Em 1º de março daquele ano, o Conselho Municipal reuniu-se em sessão extraordinária para receber o primeiro prefeito eleito da cidade, o major João Salvador dos Santos. Começava, a partir daí, a funcionar legalmente a Prefeitura Municipal e a tão almejada emancipação política estava em pleno vigor.
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Nascido em 1835, João Salvador dos Santos governou Caruaru no período de 1893 a 1895. Antes dele, a cidade chegou a ter dois prefeitos, Manoel Rodrigues Porto (que teve seu mandato cassado antes de tomar posse) e o capitão Juvêncio Taciano Mariz, também cassado. No entanto, o município ainda não era autônomo, por esse motivo João Salvador dos Santos é considerado o primeiro prefeito eleito. Até a década de 1970, as duas datas permaneceram praticamente desconhecidas em Caruaru. Foi na administração de Anastácio Rodrigues que o 18 de Maio tornou-se feriado municipal. Desde então, os caruaruenses passaram a comemorar a data como o aniversário da cidade, sem dissociar o fato de que ela não diz respeito à emancipação política. Dessa forma, o 1º de Março continuou esquecido. Por não conseguir separar os momentos históricos, até mesmo a imprensa e as instituições oficiais passaram a se referir, equivocadamente, ao 18 de Maio como a data da emancipação política de Caruaru. Apesar da importância histórica do dia para o município, ele ainda é pouco lembrado. Praticamente não existe menção ao 1º de Março em Caruaru, com exceção de uma rua no bairro Caiucá. Também não existia comemoração oficial, apesar de uma Lei municipal determinar, desde 2012, que ações culturais e cívicas ocorram neste dia como homenagem ao fato histórico. Foi por solicitação do Instituto Histórico de Caruaru que a Prefeitura incluiu a data no calendário de festividades do município. A sugestão foi aceita pelo prefeito José Queiroz, que sancionou a Lei nº 5.233, de 17 de julho de 2012. O texto institui o 1º de Março como Data Magna do município e orienta que tenha seu valor reconhecido, com comemoração no primeiro domingo do mês, por meio de ações culturais e cívicas. A lei determina ainda que a Câmara Municipal inclua em seu calendário a realização de sessão solene alusiva à data e que o calendário letivo das redes de ensino mencione o registro histórico dos fatos relativos à emancipação.
CEMEI PREFEITO ANASTÁCIO RODRIGUES Um amplo terreno baldio, no bairro São João da Escócia, foi transforma-
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do numa creche para atender 120 crianças, até cinco anos de idade, em Caruaru. A obra custou em torno de R$ 1,5 milhão e foi construída com recursos do governo Dilma Rousseff. O novo Centro Municipal de Educação Infantil (CEMEI) recebeu o nome de Prefeito Anastácio Rodrigues e foi inaugurado no dia 04 de abril de 2016. A creche funciona em tempo integral, permitindo que os pais das crianças possam trabalhar durante o dia. Sua estrutura conta com berçário, refeitório, lactário, anfiteatro, brinquedoteca, playground, além de salas onde os alunos têm acesso a atividades pedagógicas e acompanhamento nutricional. A solenidade de inauguração foi marcada por discursos e emoção, já que, ao contrário do que ocorre tradicionalmente, a creche recebeu o nome de uma personalidade viva, o ex-prefeito Anastácio Rodrigues, que compareceu ao evento. O presidente da Câmara Municipal, Leonardo Chaves, foi o autor do requerimento que deu nome à creche. “Em 1963 eu cheguei à Câmara para servir de office-boy e Anastácio se elegeu vereador. Depois, em 1968, eu presidente do grêmio estudantil do Colégio Municipal, fui perseguido na Câmara porque trabalhei para Anastácio. Fiquei no governo dele como chefe de gabinete do secretário de Finanças, Edson Barros. Sei o grande trabalho que Anastácio fez em Caruaru”, justificou. Durante a inauguração, o vice-prefeito Jorge Gomes definiu como “justíssima” a homenagem. “Anastácio Rodrigues consegue ao longo de sua vida se caracterizar como uma pessoa simples, uma pessoa do povo, mas que governou com competência, dedicação e amor a Caruaru. Sou testemunha da grandeza do governo que Anastácio fez”, expressou. Em sua fala, o prefeito José Queiroz ressaltou a importância do equipamento para a população. “Essa creche é um fato novo na vida de Caruaru. Ela espera de portas abertas fazer aquilo que os trabalhadores não podem oferecer aos seus filhos. Representa um compromisso maior com o futuro”, explicou. Dirigindo-se a Anastácio, o prefeito também comentou a denominação do CEMEI: “Quero matar as saudades dos tempos quando Caruaru começou a ouvir: ‘Amigos meus, e repetia: amigos meus, acreditem que eu sonho em mudar esta
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Momento em que Anastรกcio foi informado de que seria nome de creche em Caruaru
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Imagens da inauguração do CEMEI Prefeito Anastácio Rodrigues
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cidade’. Era o grito de guerra do nosso querido prefeito Anastácio Rodrigues. Então, Anastácio, a homenagem que a gente lhe presta ela tem um sentido especial, porque ela é em vida. Para que você sinta que ninguém lhe esqueceu. Para que você perceba que seus companheiros se orgulham do tempo em que você foi prefeito. Para lembrar às gerações de hoje que, lá atrás, no passado, havia um prefeito comprometido com o futuro que essas gerações experimentam. Para acreditar no futuro tendo como exemplo políticos da sua extirpe. Você foi isso. E por isso, onde quer que você chegasse, nas minhas solenidades, eu sempre lhe saudei e quero lhe lembrar como eterno prefeito de Caruaru. Esperei, então, Anastácio, a hora de lhe fazer uma homenagem. E o tempo ia passando e a gente preocupado. Até que, conversando com o nosso presidente da Câmara, Leonardo Chaves, decidimos que chegou a hora. Você foi Secretário de Educação dedicado, compenetrado, querendo mudar a História da educação. E teve um encontro com a cultura que nada mais é que a simbiose com a educação. Colocar seu nome aqui, neste totem, significa Caruaru mais forte e orgulhosa por reverenciar o seu passado digno como grande prefeito desta terra”. Anastácio Rodrigues costuma ser lembrado como um prefeito que olhou de forma diferenciada para as manifestações culturais, nos cargos públicos que ocupou. Em reconhecimento ao trabalho do ex-prefeito, nomes de peso da cultura caruaruense fizeram questão de participar da inauguração da creche que leva seu nome, entre eles o compositor Onildo Almeida, a atriz Arary Marrocos e os artesãos Severino Vitalino, Marliete Rodrigues e Ademilson Eudócio, filho do Mestre Manuel Eudócio (morto em 13 de fevereiro de 2016, aos 85 anos, no Hospital Mestre Vitalino, em Caruaru). Visivelmente emocionado e orgulhoso, Anastácio Rodrigues discursou durante a solenidade. “Eu jamais poderia imaginar. Vim até aqui e fiquei encantado com o projeto. É assim que se constrói um país, através da educação. O que nós fizermos por esta cidade é pouco, ela merece muito mais. O amor que eu tenho por esta terra é passional. Muito obrigado, prefeito, pela homenagem. Não mereço tanto. As emoções são incontáveis e de uma dimensão extraordinária”, finalizou. Adepto do adágio de que nem toda verdade deve ser dita, Anastácio às vezes abre mão de ser contido e fala o que pensa, principalmente se a mágoa for antiga. Em 28 de dezembro de 2016, poucos dias antes de o prefeito
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José Queiroz se despedir da Prefeitura de Caruaru pela quarta vez, Anastácio foi ao seu gabinete, cumprimentá-lo pelo fim do mandato e agradecer a homenagem que recebeu. Quando avistou o Secretário de Governo, Rui Lira pensou: “é hoje que vou pegá-lo!”. Aproximou-se de Rui, que foi seu assessor de imprensa quando administrou Caruaru, e questionou o motivo de, em campanhas passadas, candidato a vereador, Rui Lira ter circulado mensagem, em carro de som, o detratando. Fez questão, inclusive, de repetir o conteúdo da mensagem que dizia algo assim: “Figuras da extirpe de Drayton Nejaim, Anastácio Rodrigues e Marco Maciel deveriam ser extirpadas da política pernambucana”. Rui Lira mudou de cor e desconversou. Anastácio voltou para casa satisfeito. Não tem em Rui Lira um desafeto. Era apenas a vontade de passar o assunto a limpo. Posturas que um homem aos 88 anos toma sem muitas preocupações.
ATÉ AQUI... Na política há dois momentos fundamentais: a hora de entrar em cena e a de sair. Anastácio Rodrigues entrou na hora certa. Mas, talvez, não saiu na hora em que deveria. Sua falta de motivação nada tinha de gratuita. Decorreu da série de frustrações já narradas até aqui. Anastácio foi, sem dúvida, um grande administrador. Seu perfil era de gestor. O político estava em segundo plano. Prova disso é que, na Prefeitura de Caruaru, não soube como lidar com certas divergências junto aos seus aliados – terminando por gerar um rompimento pessoal e político com seu grupo, que se arrastou por mais de duas décadas e que culminou com o fim de sua vida pública na cena política. Embora não fosse algo esperado, tivesse sido ele mais político e articulador, ao final da gestão os efeitos do rompimento teriam sido menos nocivos a ele próprio. Sua trajetória política é curta porque Anastácio nunca foi político no sentido efetivo da palavra, que é comumente dado. Sua política era ideológica e de princípios. Uma ideologia que convém chamar de Caruaru. Sim,
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porque a cidade tornou-se, na visão dele, o seu partido e o seu ideal. A transformação da fisionomia caruaruense, um município de feições tipicamente rurais ainda, nas décadas de 1960 e 1970, resultou, ao longo dos anos, no desabrochar de uma cidade industrializada e urbanizada, que consolidou sua posição de destaque no Interior pernambucano. Muito desse progresso deve-se, em parte, ao governo Anastácio Rodrigues. Se a forma como administrou desagradou aliados e as classes produtoras da cidade, a integridade pessoal, o zelo e intransigência com que tratou a coisa pública o fizeram respeitado por todos eles, até mesmo pelos maiores adversários. Anastácio é um tipo raro na política: honesto. Não enriqueceu exercendo mandato público. Nem acumulou bens ou riquezas incompatíveis com o exercício das funções que ocupou. Este conceito de honestidade e comprometimento ainda hoje está associado à figura do ex-prefeito caruaruense, de tal forma que a ele se credita o mérito de ter moralizado a administração municipal – e de haver sido um dos poucos casos na História do município. Quem via de perto a forma como Anastácio governou, a primeira coisa que saltava às vistas era a figura de homem de absoluta correção com o dinheiro público e de correção pessoal. Um bancário de classe média, simples, mas uma pessoa que se prezava, que se respeitava, dono de uma dignidade quase agressiva – traço que impressionou e encantou muitas pessoas que conviveram a seu lado. Seu governo foi muito cioso e dedicado à cidade de Caruaru, tanto do ponto de vista da infraestrutura quanto do grandioso destaque cultural. Anastácio investia em todas as promoções culturais do município, inclusive na arte do barro. De modo que os artistas caruaruenses tiveram no prefeito um suporte realmente dedicado. O amor pela arte é uma particularidade de Anastácio Rodrigues, que é um poeta. Basta observar o teor dos seus discursos e de suas falas para encontrar nele também um idealista. Mas um idealista telúrico, como ele próprio determina. Telúrico do ponto de vista de seu apego às coisas da terra, da sua origem e da sua gente. É ao mesmo tempo um visionário. Um homem que sempre tentou ver além da sua época. Anastácio Rodrigues, o visionário, desenvolvimentista, preocupado com
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a comunidade, foi austero com as classes econômicas de Caruaru. Governou sob dificuldades financeiras, decorrentes da cultura que imperava no município baseada na sonegação e na cobrança de baixíssimos impostos de quem tinha alta renda. Problemas que ele atacou com coragem e, por isso, também encurtou sua permanência na política. À medida que o governante confronta determinado poder, sobretudo o poder econômico, limita as possibilidades publicitárias, de financiamento de campanha e até de adesão de pessoas, ainda mais na Caruaru daquele tempo. Hoje o candidato encontra espaços como o guia eleitoral, a própria imprensa, a chamada mídia espontânea e o respaldo das associações. Mas, naquele tempo, o político era figura quase isolada e que precisava estar bem sustentada, bem apoiada. Caruaru é uma cidade de corte político mais conservador do que progressista, conforme atesta o curso de sua História. Isso explica em grande parte por que Anastácio enfrentou essas dificuldades de arrecadação e a falta de apoio de determinados setores poderosos do empresariado, que não iam dar “colher de chá” a um prefeito que ia de encontro aos interesses da elite. Anastácio também não foi um líder populista ou popular, começando por seu nome, que não era facilmente assimilado como é João, Zé ou Tony, por exemplo. Além disso, a política populista em Caruaru, que teve em Chico do Leite, por exemplo, um de seus maiores expoentes, sempre teve um passo mais curto na figura dos líderes que se chamavam “da poeira”. O eterno prefeito também não tinha o carisma e a desenvoltura de um Drayton Nejaim, seu maior adversário político, cuja habilidade de tratar com o povo, de se envolver com os eleitores e de ajudar a quem recorria a ele era inquestionável. Numa época em que falar de corrupção política está na moda e nos noticiários de imprensa, Anastácio Rodrigues é considerado o “prefeito mais honesto que Caruaru já teve”. Algo difícil de mensurar, já que honestidade é qualidade que se possui ou não. Analisando sua figura, é possível perceber que a relação entre Anastácio e o poder não era só uma questão de honestidade, mas uma questão de integridade, de dignidade. O ínfimo patrimônio que possui e a posição que ele ocupa em Caruaru é um atestado de que entrou limpo na política e dela saiu sem mácula. Era um governante que tinha horror, ojeriza aos picaretas da política e aos corruptos
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que estavam infiltrados, inclusive na Câmara de Vereadores. Se estivesse no poder nos dias atuais, não há dúvida de que estaria contribuindo com operações e outros mecanismos de investigação e punições. Uma linha de frente na qual ele continua atuando, de coração, no silêncio de sua casa. Mesmo assim não passou ileso a críticas. A postura neutra que adotou em relação ao regime militar, enquanto administrou Caruaru, foi criticada por aliados e adversários. Postura neutra em política quase sempre é sinônimo de problema, porque quem se assume de tal modo vai ser acusado de favorecer a quem estiver na hegemonia. Ser neutro em relação à hegemonia é permitir que essa hegemonia se mantenha. Então, a crítica nesse caso era natural. Ocorre que Anastácio Rodrigues era mais amante de Caruaru do que da ideologia. E pelo bem do município e para garantir sua própria manutenção no cargo para o qual o povo o elegera, preferiu manter com o Governo do Estado a melhor relação possível. E Caruaru só ganhou com essa aproximação, conforme foi narrado neste livro. Não há dúvida de que Anastácio foi um amante de Caruaru. E, como amante, foi mais fiel ao seu amor pela cidade do que ao amor ideológico. Hoje é possível entender dessa forma. Na época, para muitos, o prefeito emedebista não passava de adesista e traidor. Quando, na condição de prefeito de oposição ao regime militar, Anastácio Rodrigues consegue aglutinar em torno de seu governo o apoio de dois governadores arenistas, aliados dos militares, deu, talvez, a maior demonstração de sua capacidade política, quase sempre questionada. Não se tratava apenas de divergências partidárias superadas. Eram, sobretudo, diferenças ideológicas. Numa fase em que um regime ditatorial imperava ao lado de um pequeno partido de oposição consentida, o MBD, pelo qual Anastácio fora eleito em 1968, quebrando paradigmas. Um bancário, classe média, vereador, filho de um feirante e de uma analfabeta, homem de pouquíssimos recursos materiais, porém muito ligado às questões culturais, conseguiu vencer a eleição para um vereador de posses, apoiado por um líder político de peso como Drayton Nejaim. Sua eleição foi, no dizer de Fernando Lyra, uma revolução para a Caruaru daquela época. Como prefeito, Anastácio não fez valer a lógica dos dois lados da moeda, da percepção maniqueísta do bem e do mal em torno das visões políticas vigen-
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tes. Soube reverter a seu favor e a favor de Caruaru um apoio que as circunstâncias do momento naturalmente lhe teriam negado. Caruaru ganhou. Foi a maior beneficiária da aproximação entre os governos municipal e estadual – e particularmente do prefeito Anastácio com os governadores Nilo Coelho e Eraldo Gueiros Leite. Um prefeito que soube ser político num dos momentos mais contrários da História. Que enxergou além da mera lógica provinciana. O que Anastácio não fez foi politicagem. E, por isso, sua habilidade política costuma ser mérito de discussão entre os que ainda persistem em enxergar a atividade política também como campo de troca de favores, de benesses e de satisfação de interesses pessoais, contrários ao bem coletivo. O prefeito apaixonado por sua terra, pela cultura, pela poesia, queria mais da vida, mais do universo, mais do que aquilo que o mero contingente material ou a ocasião possibilitam. Era alguém que estava sonhando sempre com algo mais amplo, mais vivo, mais largo. Um político numa posição liberal, buscando um equilíbrio dificílimo, quase impossível de conseguir. Como administrador, foi além da expectativa do que a Caruaru daquela época, com todas as suas limitações, permitia. Já dissemos que Anastácio não era o político nos moldes de Drayton Nejaim, que frequentava o Café Rio Branco, na Rua da Matriz, ou passava noites jogando e bebendo com eleitores e amigos. Não tinha essa inserção, essa facilidade, esse tipo de contato. Era uma pessoa muito mais contida, na sua, no sentido de manter certa reserva. Anastácio era, de fato, muito sério e sisudo. E na medida em que o político é sério, cria problemas, temor e acanhamento para quem está perto. Até mesmo seus assessores, quando chegavam à prefeitura, deparavam-se com o sentimento do ambiente sagrado, que era o gabinete do prefeito. Se ele não estivesse lá, praticamente ninguém entrava. E se estivesse, só entraria com autorização concreta, além de simplesmente bater à porta. Autoritarismo? Narcisismo? Muitos nomes podem definir. A verdade é que Anastácio respeitava o poder. O poder conferido pelo povo. E essa seriedade afastou muita gente. Afastou um bom pedaço da política que já na época se locupletava e manipulava os interesses financeiros e econômicos que estão em torno do município, mas que era uma base importante. Agir na li-
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nha divisória que separa o interesse público do partidário foi tarefa desgastante para Anastácio. No sentido popular, ele também não foi tão bem sucedido quanto seria um José Queiroz alguns anos mais tarde. Estava entre os bons oradores de Caruaru no seu tempo, mas não era um Fernando Lyra, quando segurava um microfone durante um comício. E jamais políticos como o próprio Fernando, Queiroz e Anastácio teriam um perfil parecido com o de Tony Gel, por exemplo, que é um perfil mais leve do ponto de vista dessa inserção popular, de chegar junto das pessoas. Não necessariamente beber com as pessoas. Mas saber chegar, ter jeito para tal coisa e fazê-la naturalmente. Há uma diferença entre popular e populista. Populista é quem se faz de popular. E popular é quem procura saber os interesses do povo para atendê-los. Logo, nem sempre o populista está cuidando dos interesses do povo que ele representa. E muitos políticos têm se comportado assim na História de Caruaru. Anastácio nunca procurou fazer esse tipo de concessão. Ia para as solenidades, estava nos acontecimentos populares, nos comícios, inaugurações, mas não era de sair de casa num dia de domingo para tomar cachaça e comer galinha fria num boteco, somente para ser agradável ao eleitor. Sério e tímido, certamente teve muita dificuldade nessa linha. Sua postura atrapalhou a imagem que algumas pessoas queriam que ele tivesse. Mesmo assim, nunca abriu mão do seu modo de ser. É um homem de pavio curto em circunstâncias adversas. Não abre mão de sua verdade, de seus princípios, em razão de nada. Conquistou inimigos no poder. Quase sofreu agressões físicas no interior de seu gabinete por contrariar interesses privados. Também foi um prefeito centralizador. Seu secretariado era composto por pessoas de bom conteúdo, independentes. Mas Anastácio era cioso no poder. Tinha o controle. Um perfil bem parecido com o de José Queiroz. Quer saber de tudo e quer ter o conhecimento de tudo para poder administrar. Há um lado ruim nesse tipo de postura. O líder às vezes acaba emperrando a máquina. Mas há um lado muito bom: alguém é responsável. Não existe espaço para falta de seriedade e para falta de compromisso com as decisões tomadas e assumidas. Alguém responde pela administração. E nesse sentido Anastácio foi muito bem.
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Além de centralizador e de não possuir um apelo carismático e popular, do ponto de vista puramente político, Anastácio Rodrigues era do tipo “eu vou até aqui e acabou. Então quem estiver aliado comigo, venha até aqui”. E a dignidade de preservar quem se é às vezes incide ou desvia para certa inflexibilidade, a falta de maleabilidade que geralmente é pessoal, narcisista. Esses desvios psicológicos, comuns a qualquer ser humano, podem ter acontecido em alguma medida na hora em que Anastácio batia o pé e dizia: “eu só vou até aqui”. Quando impunha esse perfil de exigência. Em algumas horas, ele fechou demais o espaço, fechou demais a porta e afastou pessoas, criou problemas. Fez muita gente concluir que ele não soube ser político. Que deixou a desejar nesse sentido. Como administrador, todavia, é raro encontrar algo que aponte para um lado negativo de Anastácio, porque ele era extremamente responsável. Não em relação a si mesmo, mas responsável com o dinheiro público, com o que o governo tinha que fazer. Prefeito com um senso de responsabilidade muito grande, de uma austeridade notável. E austeridade é excelente para a questão administrativa, mas é prejudicial para a imagem política. Por isso mesmo, fugiu de problemas e acusações como enfrentou o ex-prefeito Drayton Nejaim, que, segundo a tradição, era capaz de mandar fazer qualquer coisa de seu interesse pessoal com dinheiro público, sem nenhum constrangimento. Anastácio, ao contrário, era rígido. Não admitia mistura do público e do privado de modo algum. O rompimento com a família Lyra e com o grupo político do então MDB foi um distanciamento crucial no fim da trajetória política de Anastácio. Em 1974, mesmo com as relações estremecidas, João Lyra Filho quis que Anastácio Rodrigues fosse seu candidato a deputado estadual. Mas este não aceitou. Estava ferido em sua honra, e o orgulho falou mais alto. E foi esse orgulho um dos responsáveis pelo fim de sua trajetória política. Tivesse ele aceitado o convite, seria eleito deputado estadual, ampliando sua ação política no contexto do Estado. Atitudes assim têm um lado positivo, evidentemente, de estar pautado em sua dignidade, de fazer valer sua opinião. Mas tem o outro lado da rigidez, que nem sempre é a melhor coisa em política; o indivíduo muito rígido, muito fechado, acaba gerando mais oposição sistemática e radical contra si mes-
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[1] O amigo e compadre Humberto Fonseca foi seu chefe de gabinete na Prefeitura de Caruaru [2] Edson Tavares autografa para Anastácio exemplar de seu livro “O nome do autor: o caso José Condé” [3] Abraçando o cantor Azulão
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mo do que adesões leais e mais leves. Esse, aliás, é o dilema de qualquer líder, de qualquer condutor na política: ter o controle do poder e ao mesmo tempo ser uma pessoa afável e leve. Um dos exemplos mais recentes que tivemos foi Eduardo Campos. O ex-governador de Pernambuco tinha tanto a imagem da leveza e do contato direto e muito agradável com as pessoas, como tinha também a mão firme e forte de administrador que controlava sua estrutura política e administrativa como ninguém. Eduardo era rígido inclusive com os secretários. Reclamava asperamente, muitas vezes, com as pessoas que estavam no imediato para que fizessem um trabalho bem feito. Era duro quando necessitava, deixando de lado a sutileza e a leveza a que os eleitores estavam acostumados. Falava direto, olho no olho. Quem testemunhou reuniões de secretariado e monitoramento durante seu governo sabe disso. Mas Eduardo Campos tinha essa força e ao mesmo tempo a facilidade de chegar a qualquer ambiente e se colocar como um a mais, como um igual até– e as pessoas se encantavam com isso naturalmente. Essa facilidade não é algo que fez parte do repertório, da formação de Anastácio. Que era muito bom em aspectos centrais até, mas deixava a desejar nesse sentido. Dele, o ex-prefeito João Lyra Filho guardou a imagem do homem íntegro e honesto e do excelente administrador. Mas não escondia o desapontamento pelo homem que, segundo ele, “não soube reconhecer os amigos”. Sem que se desmereça a figura de João Lyra e sua contribuição para o progresso de Caruaru, inclusive apoiando e financiando os mandatos de vereador e prefeito que Anastácio ocupou, sua declaração reduz um projeto político e de interesses coletivos a questões pessoais e numa das fases mais críticas de Caruaru. É aquela velha lógica: alguém lança um candidato e depois da vitória, em troca, quer que o candidato faça o governo de quem o apoiou. Anastácio não fez o governo dos Lyra, nem do MDB. Nunca faria. Talvez os Lyra esperassem dele a mesma postura de quando foi vereador, combatendo Drayton Nejaim e defendendo os interesses do ex-prefeito João Lyra Filho na Câmara. Evitando, inclusive, que suas contas fossem reprovadas e que ele perdesse sua fortuna, conforme narramos neste livro. Tratava-se de circunstâncias diferentes. E o grupo devia ter enxergado que Anastácio Rodrigues nunca seria um instrumento de quem o apoiou, ao assu-
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mir o cargo de prefeito. Poderiam ter escolhido outro candidato mais maleável e mais manipulável. Anastácio não é desse tipo. E por isso mesmo sua relação com os Lyra não fez valer a máxima da panela e do texto. A relação trouxe mágoas talvez nunca superadas. “Eu me considero um injustiçado por eles”, disse, certa vez, em tom de desabafo. “Eu nasci para servir, mas não nasci para ser um serviçal. Nem corrupto, nem corruptor. Não comprei vereadores”, continuou. Sua visão é a de um homem que aposta acima de tudo na humildade. “Seja humilde, mas não seja serviçal. A humildade é a arma dos fortes. A arrogância, a prepotência é a arma dos fracos”, filosofa. Anastácio fugia completamente aos padrões e aos costumes dominantes na política, longamente aceitos e partilhados. Motivos, portanto, não faltavam para os rancores e os ódios que aliados insatisfeitos e adversários passaram a dedicar ao prefeito. Diretor de Educação e Cultura, vereador e investido na própria Prefeitura de Caruaru, Anastácio conhecia o aparelho burocrático do município, seus meandros e descaminhos. Por isso mesmo, o fisiologismo, o empreguismo e o uso da máquina estatal com fins políticos foram alijados de sua administração. Austero e por vezes radical, Anastácio chocou e desagradou ao deixar de trilhar os caminhos da negociação política nos termos tradicionais da classe política brasileira, da qual Caruaru não poderia ser uma exceção, antes ou depois dele. Anastácio não se contentou apenas em construir uma Caruaru nova. Sozinho, ele também quis fazer uma nova política. Sua curta permanência no cenário político talvez se justifique por isso mesmo, também por uma questão de época: nenhum líder pode transcender muito sua época, andar muito na frente, pois de alguma maneira pode ser atropelado pela dinâmica daquele momento histórico. Cioso de sua autoridade, Anastácio abominava ser desafiado. Mostrava-se igualmente inacessível a negociatas. Tomou medidas impopulares, que considerava importantes para o bem de Caruaru e do povo. Bateu de frente com os empresários da cidade, para fazer valer a lei. Sabia que em Caruaru quase ninguém contribuía para as despesas do município na proporção dos seus haveres. O pobre pagava mais impostos, o rico quase nada. Autorizou a revisão do imposto territorial para cobrar valores
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justos e compatíveis com o tamanho da propriedade e a condição financeira do proprietário. Outra vez, Anastácio bateria de frente com os interesses das classes economicamente privilegiadas. Era complicado agir dessa forma sem abrir feridas e provocar ressentimentos. A manutenção de Anastácio na vida pública encontrou obstáculos políticos intransponíveis e o isolamento foi inevitável. Prosseguir em seu estilo pessoal de governo o fez afrontar interesses gerais e ambições de grupos e de indivíduos. Suas ações, embora intransigentes, são bons exemplos do trato da coisa pública. A clareza das posições é rara no fazer político. Há, no entanto, deslizes e cerceamentos hoje tidos como inaceitáveis. Se não justificáveis, ao menos compreensíveis no cenário da época. Por tudo isso, Anastácio pagaria um preço muito alto: o de ser banido da política caruaruense, nunca mais conseguindo retornar ao poder. Anastácio Rodrigues da Silva concluiu seu mandato de prefeito em 31 de janeiro de 1973. No ano seguinte, seria o candidato do prefeito João Lyra Filho a deputado estadual. Certamente venceria a eleição. Rompido politicamente com o prefeito, não aceitou a indicação. Em 1976, foi candidato a vice-prefeito na chapa encabeçada por Roberto Fontes, mas forçado a renunciar no início da campanha, por decisão de Roberto. Em 1982, foi novamente candidato a prefeito. Seus pouco mais de 500 votos garantiram a vitória de José Queiroz, que havia sido derrotado por Drayton Nejaim na eleição anterior. Participou ativamente da campanha de Tony Gel para prefeito, em 1988, deixando o palanque por divergências com correligionários do candidato. Novamente votou em Tony Gel no ano de 1996, mas não participou da campanha. Em 2000 foi presença marcante no fórum das esquerdas que culminou com a candidatura de Jorge Gomes, derrotado por Tony Gel. Nos quase oito anos de governo do sobrinho, Anastácio nunca foi até o seu gabinete. Ainda em 2000, disputou o último cargo: o de vereador, pelo Partido Verde. Era a derradeira tentativa de retornar à política e à Câmara Municipal, onde ocupara uma cadeira, na década de 1960. Sofreu um enfarte e ficou fora da disputa. Oito anos depois, fundou o Instituto Histórico de Caruaru. Reformador incansável, seu governo foi marcado por realizações importantes em várias frentes. Suas ações eram planejadas de forma meticulosa.
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Persistia na ação pública com objetivos impessoais e pelo bem da coletividade. Não dividia o comando com ninguém. A intransigência ao administrar Caruaru foi vista por muitos como instrumento de sua legitimação no poder. Mas se nele havia tal intenção, o resultado foi exatamente o oposto. Ao se negar a atuar como representante do grupo que o elegera, ao contrariar os interesses da elite, dos que detinham o poder econômico, Anastácio acabou por selar seu destino, sepultando seu futuro político. Político sem sustentação desmancha-se no ar. De qualquer maneira, governou como queria: com autonomia e com a ética que lhe são peculiares. Não permitiu que “tocassem no dinheiro do povo”, como prometeu, ao ser eleito. Por algumas medidas adotadas inicialmente, Anastácio parecia comandar um governo fadado a ser impopular. Ocorreu o contrário. Resgatou a autoestima do município. Implantou as bases de sua infraestrutura. Na década de 50, Campina Grande, na Paraíba, já possuía o serviço de esgotamento sanitário. Caruaru, duas décadas depois, ainda era uma cidade sem saneamento, com pouca água e energia elétrica. Ele também moralizou a administração e as contas públicas, atacou com eficácia o problema secular da falta de água, iluminou a cidade antes escura, implantou seu Distrito Industrial, valorizou a cultura e o homem do campo, para quem dedicou um expediente exclusivo aos sábados. Despediu-se da prefeitura aclamado pela população. Elegeu o sucessor. Deixou seu nome marcado na galeria dos grandes prefeitos de sua terra. “Caruaru era o meu mundo, governava com amor. A infraestrutura desta cidade foi montada no nosso governo”, sintetiza. Se for possível resumir Anastácio Rodrigues da Silva numa visão única, diríamos que o comportamento austero trouxe as vantagens que toda austeridade traz e todas as desvantagens políticas que isso acarreta. Entretanto, como homem público dedicado à sua cidade, administrador cioso da sua responsabilidade e do seu compromisso, a História política de Caruaru viu e verá poucos iguais a ele. Apesar das decepções e frustrações que a política lhe trouxe, Anastácio também costuma relembrar com orgulho os cargos públicos que ocupou em Caruaru, principalmente como diretor de Educação e Cultura, verea-
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Fotografia do século XIX mostra o major João Salvador dos Santos (segundo, à esquerda) e seus familiares. Ele foi o primeiro prefeito de Caruaru
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dor e prefeito. “Deus é mesmo extraordinário. Eu digo sempre que quando o time entra em campo para vencer, até o adversário faz gol contra”, comenta. Quando recebeu da Câmara Municipal de Caruaru, em 1996, a Medalha José Rodrigues de Jesus, Anastácio finalizou seu longo discurso com uma oração – de autoria desconhecida – que transparecia um importante aspecto de sua personalidade: a fé. O texto, que transcrevemos a seguir, demonstra uma intimidade entre o homem imperfeito e Deus, sinônimo de perfeição e misericórdia no cristianismo. “Senhor, por que me mandaste amar todos os homens, meus irmãos? Tentei, mas volto a Ti, aterrado, perdido... Senhor, estava tão tranquilo em minha casa, tinha-me organizado, já me achava instalado, meu lar mobiliado, e lá dentro sentia-me tão bem, sozinho, estava de acordo comigo mesmo. Ao abrigo do vento e da chuva, e da lama. Puro teria ficado, na minha torre encerrado. Mas, na minha fortaleza descobriste, Senhor, uma brecha, obrigaste-me a entreabrir a porta, como uma rajada de chuva em pleno rosto, o clamor dos homens despertou-me, como um vento de borrasca, uma amizade veio sacudir-me. Assim como se filtra uma réstia de sol pelo vão da janela, assim me inquietou a Tua graça, e deixei minha porta entreaberta, imprudente que fui. Senhor, agora estou perdido! Lá fora os homens me espreitavam. Não sabia que andavam tão perto: nesta casa, nesta rua, neste escritório, meu vizinho, meu colega, meu amigo. Logo que entreabri, eu vi mãos que se estendem, olhar que se estende, alma que se estende, a esmolar, como mendigo à porta da Igreja! Entraram os primeiros em casa, Senhor, havia, é natural, um lugarzinho no meu coração. Acolhi-os, teria tratado deles, tê-los-ia acarinhado, acariciado, meus cordeirinhos, só meus, meu pequeno rebanho. Ficaríeis contente, Senhor, bem servido, bem honrado, claramente, polidamente. Até aí era razoável!... Mas os que vinham depois, Senhor, os outros homens, eu não tinha visto, ocultos por trás dos primeiros! Eram muito numerosos, eram miseráveis, invadiram-me sem se anunciar, sem pedir licença. Fomos obrigados a nos apertar, foi preciso arranjar lugar dentro de mim. E, agora, vieram de todos os cantos, em vagalhões sucessivos, um empurrando o outro, atropelando o outro. Vieram de toda a parte, da cidade inteira,
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do país, do mundo; inúmeros, inesgotáveis. Não são mais isolados, vêm em grupos, em cadeia, ligados uns aos outros, misturados, soldados como pedaços de humanidade. Já não estão sós, mas carregados de pesadas bagagens; bagagens de injustiça, bagagens de rancor, e de ódio, bagagens de sofrimento, e de pecado... Arrastam o Mundo atrás de si, com todo o seu material enferrujado e torcido, ou muito novo e mal adaptado, mal empregado. Senhor, fazem-me mal. Atravancam tudo, invadem tudo, têm fome demais, me devoram. Nada mais posso fazer, quanto mais chegam, mais empurram a porta e mais a porta se abre... Ah! Senhor, minha porta está escancarada! Não posso mais! É demais para mim, isto já nem é vida! E minha família? E minha tranquilidade? E minha liberdade? E eu? Ah! Senhor, tudo perdi, não me pertenço mais, não há mais lugar para mim, no que é meu. Nada temas, diz Deus, ganhaste tudo, pois enquanto os homens entravam em tua casa, Eu, teu Pai, Eu, teu Deus, de mansinho, me esgueirei no meio deles”. A religiosidade, por sinal, é um traço que se tornou ainda mais forte em Anastácio Rodrigues aos 89 anos - ou 70 mais 19, como ele cita, fazendo menção à passagem bíblica de que “a duração de nossa vida é de setenta anos”. Aos domingos, ele acorda com o sol. Às cinco e meia, pontualmente, a sobrinha Lúcia Rodrigues para em frente à sua casa e lá dentro o telefone toca, como sinal de sua chegada. Muitas vezes, Anastácio passa a noite de sábado sem conseguir dormir bem. Mas, assim que Lúcia chega, está pronto para ir ao Convento de Caruaru. “É obrigação de todo cristão ir à santa missa no dia do Senhor”, comenta. A missa começa geralmente às 6h30 e acaba às 8h, quando Anastácio vai, religiosamente, tomar café e bater papo em uma padaria na Avenida Agamenon Magalhães. Nas quintas, ao meio-dia, é a vez da missa da misericórdia, “para afastar maus espíritos”. Em casa, também assiste programação religiosa pela televisão e acende velas de sétimo dia, num pequeno altar com várias imagens de santos, que ele cultua na parte alta de sua residência. As velas são para os mortos, por quem ele sempre reza. E para os vivos também. Tanta “beatice” ao tempo em que lhe faz bem, incomoda a esposa, Leu-
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Pela primeira vez, a Data Magna de Caruaru ĂŠ comemorada pelo municĂpio
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raci. Católica, ela diz que tem repensado a religião “pelas reações dentro de casa”. Irritada, às vezes pergunta ao marido “para que servem essas missas”, mas Anastácio se esquiva. “Ele se entrega à Igreja. Acho que é medo de morrer. Eu não aceito”, desabafou, certa vez, ao telefone, quando o autor do livro ligou para sua casa, num dia de domingo, a procura de Anastácio. A insatisfação de Leuraci nada tem a ver com apostasia. É apenas irritação pela exagerada religiosidade do marido, inclusive dentro de casa, de onde ela quase nunca sai, por problemas na visão que lhe deixaram praticamente sem enxergar. Por isso mesmo, sua “vidinha” é levada “da sala para o quarto, do quarto para a cozinha”, como ela define. Anastácio nega que seja beato. “Eu acho que a gente tem que se preparar, porque não sabemos a hora que a morte chegará”. Também confessa que em alguns momentos quase perdeu a fé e já houve tempos em que deu pouca importância à religião. Até que seu irmão Zino Rodrigues adoeceu e ficou vários dias no Hospital das Clínicas de São Paulo. Anastácio o acompanhou durante esse período. Foi na Igreja de Nossa Senhora da Consolação, onde entrou por acaso, que ele diz ter se reencontrado com a religião e se tornado um novo homem. O responsável pela mudança, que Anastácio conta de forma quase sobrenatural, foi o padre José Augusto Margarido, que celebrava missa todas as terças-feiras, às 14h, na Igreja da Consolação. Atraído pela curiosidade, Anastácio entrou naquele templo e uma senhora que lá estava o incentivou a conversar com o sacristão. Ele recusou, afirmando que estava em São Paulo por um curto período. Poucos instantes depois, estava conversando com o padre José Augusto Margarido. Comentou com o religioso que o irmão estava enfermo no Hospital das Clínicas e que o sogro, José Santino, passaria por uma cirurgia, quando ouviu do padre as seguintes palavras: “Coitadinho, não deveriam operá-lo, ele vai sofrer muito”. A impressão que José Margarido deixou em Anastácio foi de que era alguém com capacidade de enxergar além. Seu sogro foi operado e sentia dores terríveis. Pouco tempo depois, José Santino – que era diabético – teve um choque anafilático e morreu. Antes de deixar a Igreja da Consolação, Anastácio Rodrigues disse ao padre que gostaria de se confessar. Quando finalmente foi embora, enquanto caminhava pela rua sentiu algo estranho
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tomar seu corpo, dos pés à cabeça, um calor estranho o invadia. Sozinho, ele parou, temendo que algo fosse lhe acontecer. “A partir daí minha vida se transformou. Alcancei uma graça fantástica. Passei a ser outro Anastácio. Me reencontrei graças ao padre José Augusto Margarido”, comenta. Às vezes, Anastácio sai de casa, ao cair da tarde, para comprar algum item em um supermercado próximo de casa. Vai sozinho. Quando encontra um amigo para conversar, passa horas e horas, deixando Leuraci preocupada. Como raramente leva o aparelho celular, à esposa cabe apenas esperar que ele volte. Quando a demora é exagerada, ela telefona para a filha Virgínia, que acalma a mãe, pois sabe que o pai é um falastrão. “Ele não escuta ninguém”, reclama Leuraci, talvez se justificando pelo fato de o marido sair sozinho de casa, voltando à noite pelas ruas pouco movimentadas do Maurício de Nassau. Anastácio também leva a religião ao pé da letra quando o assunto é o casamento. Ao contrário da Leuraci, ele continua usando aliança, porque o matrimônio deve seguir “até que a morte os separe”.
Em 15 de agosto de 2017, Anastácio Rodrigues me telefona para dizer que estava pensando em escrever um testamento, não de partilha de bens, mas para deixar registrado como quer que aconteça seu velório e sepultamento. Fiz questão de anotar cada detalhe, como transcrevo a seguir: “O meu velório será na Capelinha do [cemitério] Dom Bosco. Celebrem uma missa, com caixão fechado. Meu pedido: não façam do meu velório uma festa. Se mandarem coroas de flores, distribuam as coroas nos túmulos mais humildes do Dom Bosco. Na lápide, quero que registrem: ‘Anastácio Rodrigues - Amou Caruaru!’. Coloquem também a logomarca do nosso governo e uma cruz. Quero ser sepultado no túmulo de Padre Zacarias Tavares [construído na administração Anastácio Rodrigues e que ele, pessoalmente, cuida até os dias de hoje]. Fica lá atrás, nos fundos, ao lado da Capela. Não quero ser velado na Câmara. Não quero [enfatiza várias vezes]! Quero um velório altamente cristão. A Santa Missa, de corpo presente, essa não abro mão. Depois tirem-me da capela e já bota onde vou ficar pro resto da vida. Não quero dar trabalho a ninguém. E que rezem pela minha pobre alma”.
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Nesse instante, digo para ele que já anotei cada informação. “Já escreveu? [pergunta, surpreso]. Não brinque com a imprensa”, acrescenta, aos risos, com uma de suas frases recorrentes. Para finalizar, eu lhe questiono: “Na sua lápide é para escrever também que o senhor foi ex-prefeito de Caruaru?”. Rapidamente, Anastácio retruca: “Ex-prefeito, não. Eterno prefeito!” (risos). Após horas tantas de conversas, a pergunta inevitável: “O senhor acredita que será esquecido após a sua morte?” “Olho pro céu e digo: Obrigado, Senhor, por ainda estar aqui! Mas não esqueço os que partiram. Não tenho medo de morrer, temo o caminho que vou percorrer para encontrar-me com ela [a morte]. Esse encontro irreversível. Peço a Deus que eu nunca perca a fé. Eu não quero ir! Vou quando o Pai me chamar. E que não me façam injustiças. Dom Paulo [de Sousa Libório, primeiro Bispo Diocesano de Caruaru], meu eterno amigo, disse-me: ‘Anastácio, quem quiser ser bom, morra ou se mude’. Em vez de orar, as pessoas criticam. Não falam das virtudes. O homem tem suas virtudes e seus defeitos. Um homem nunca deve ser julgado pelos seus defeitos, mas pelas suas virtudes. O bem comum me custou caro. Poucos compreenderam. Desagradei. Fiz amigos e perdi amigos. Os que foram à praça pública para me ouvir e aplaudir viam na minha humilde pessoa a presença da esperança. A maneira de administrar foi um verdadeiro apostolado. Trabalhei pensando num mundo melhor. Na minha pele, as marcas do ontem. Tudo foi difícil, mas venci. Deus iluminou o meu caminhar. Há na Bíblia Sagrada uma expressão: os homens e as suas obras serão esquecidos. Eu não posso ser uma exceção. Em qualquer tempo, quando se escrever a História de Caruaru, terá de se levar em conta, na perenidade de sua glória de cidade destaque, a figura de Anastácio Rodrigues. E este, apontando para o mapa de Caruaru, poderá repetir a frase de Tácito diante das planícies de Roma: eis o meu poema. FIM
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Posfácio Feliz o homem que ao perpassar de sua existência tem uma enaltecedora história para narrar, plena de páginas éticas, de lições dignificantes de um elevado altruísmo, com um invejável corolário de regras humanísticas que enaltecem a espiritualidade do ser vivente. Anastácio é um deles. Sua trajetória de vida é uma vitória sobre as barreiras do tempo e as intempéries circunstanciais da existência.
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Sempre revelou-se um homem que se fez por si mesmo (a self made man – como dizem os ingleses). O respeito, que lhe é tributado pelos caruaruenses e pelas instituições da terra, é mais do que um diploma de Honoris Causa. Hoje, através da pena do escritor e jornalista Fernandino Neto, a vida de Anastácio é traçada de forma clara, precisa, de uma extrema objetividade, penetrante acuidade. O autor do livro, por meio de um estilo compreensível, ameno e agradável, atrai a atenção e interesse do leitor para a desenvoltura do seu trabalho, que evidencia uma perspicácia ímpar, cristalina e de fácil assimilação. No seu delinear literário, que conduz a um histórico evolutivo, cujas etapas retratam a postura da personalidade analisada, aponta o escriba emanações positivas do caruaruense Anastácio Rodrigues, desde os seus primórdios aos dias atuais. A obra de Fernandino Neto, que recebeu o título de Anastácio: o eterno prefeito descreve, com detalhada realidade, aquele Anastácio que todos nós conhecemos. Foi menino pobre da Rua Preta, mas, desde o berço, rico em sentimentos e grandeza espiritual. Nunca se deixou influenciar pelas limitações do meio onde deu os primeiros passos. A busca pelo saber tornou-se uma de suas características primordiais, adentrando, desde cedo, aos espaços das veredas do conhecimento, do profissionalismo são e das virtudes elevadas. Normalmente, quem elabora uma biografia, destaca ações, fatos e uma extensão pragmática daquele de quem se fala. No caso do caruaruense epigrafado, o autor penetra em diferentes campos da cosmovisão, em busca de suas linhas descritivas. Aponta para as atitudes realísticas de caráter sociológico do analisado, como modesto jovem de uma classe menos favorecida, alisando os bancos das escolas públicas, procurando assenhorear-se das melhores mestras de sua época. Identifica, mais adiante, a figura do sonhador que iria crescer, ingressando na casa das letras, o jornal Vanguarda, como tipógrafo. Aquele que imprime com os tipos de chumbo, cujo artífice teria que reunir, letra por letra, para formar uma palavra, uma sentença e parágrafo, compondo em seguida a matéria: artigos, anúncios, propaganda, etc. Foi assim que Anastácio se realizou, por ato próprio, na busca da consecução do fato. O caminho de Anastácio é longo, passando por várias profissões, dentre elas a de bancário. A responsabilidade, seriedade, no exercício de suas funções, fizeram-no merecedor de um convite do então prefeito João Lyra Fi-
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lho, homem probo e de edificante personalidade, para o cargo de Diretor de Educação do Município. Seu desempenho foi exemplar e de abrangente tirocínio, merecendo, por isso, o respeito e consideração da sociedade caruaruense. Tal comportamento o conduziu a uma eleição na Câmara Municipal de Caruaru. Na qualidade de representante do povo, credenciou-se como destacado edil, sendo merecedor dos mais elevados encômios. Seu trabalho atingiu diversificados segmentos sociais. Estava, dessa forma, vinculado ao espaço da práxis política. Para Aristóteles, quem do campo político se aproxima, aprende a indagar, a meditar, passando a ver de forma diferente o mundo e sua organização governamental administrativa. Isso ocorreu com Anastácio, que visualizou uma maneira correta de administrar a coisa pública. Uniu o saber e o conhecimento a resultados de alcance social, quando no exercício do primeiro cargo público, demonstrando uma persecução a um objetivo primordial no sentido de atingir a vontade coletiva. Esse fato o levou a aceitar o apelo de uma vontade da maioria, tornando-se prefeito da cidade que o viu nascer. Como chefe do governo municipal, ele colocou em evidência sua formação política voltada para o interesse comum, com normas condizentes à realidade do povo. Preconizou sobre essa situação, o pensador cristão Francisco Suarez: “A Lei é o preceito comum, justo como estável, adequadamente promulgada”. Em sua indiscutível sabedoria, ensinava Salomão que onde não há governante, dissipa-se o povo. Havia, na verdade, no biografado, mais amor por sua terra e por sua gente do que mesmo a visualização de um proselitismo político. Logo, naquele pensamento de Salomão, existia mais racionalidade, no ato do homem político, do que simples interesses mesquinhos. Anastácio se tornou um grande prefeito, merecendo, por essa razão, um acréscimo ao seu nome de batismo: eterno prefeito. Seu comportamento reveste-se de atos equilibrados, uniforme, com uma filosofia e princípios básicos da vida. O ato, em um conceito psicossocial, é um exercício material e espiritual do poder. Alguns dos seus atos, sempre coerentes com sua maneira de ser, fazendo recusar vantagens de ordem pessoal, foram vistos por uns poucos como intransigências de um irredutível cidadão. Anastácio é responsável por vários atos de real valor, de marcantes fases na vida da urbe caruaruense. O filósofo Wittengestein dizia: “O mun-
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do é a totalidade dos fatos não das coisas”. Pelo muito que fez por sua terra, pela extensão de sua conduta plena de uma racionalidade universal, Anastácio se eternizou em vida pelos seus conterrâneos. ECCE HOMO. Como prefaciadores da obra, trabalho de fino esmero e de inteligente elaboração, cabe-nos externar o prazer e a honra de participar do todo, pois nosso nome também ficará em memória perpétua (ad perpetuam rei memoriam). Caruaru, 05 de julho de 2017 Darley Ferreira, jurista e educador
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Agradecimentos
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ESTE LIVRO Fui juntando os pedaços deixados por Anastácio Rodrigues ao longo de quase noventa anos, cujo resultado final é este Anastácio: o eterno prefeito. Não tenho como propósito endeusar ou demonizar ninguém. Cada prefeito, a seu modo e lidando com dificuldades próprias de seu tempo, contribuiu administrativamente para o progresso de Caruaru. Todos têm seus méritos e devem ser reconhecidos por isso. Dito isto, é preciso lembrar que ao escolher um personagem central para uma narrativa não-ficcional, que trabalha com a História e com fatos, deve-se levar em conta as características desse indivíduo enquanto ser histórico, social e cultural, mas, sobretudo, sua condição humana; sujeito com virtudes e defeitos, com acertos e erros, imperfeito, afinal, o que nos diferencia dos ‘deuses’ é exatamente a imperfeição. Eternizar um prefeito na História de sua cidade não é fazer juízo acerca de que este tenha sido “o melhor”, “o principal”, “o imbatível”. O que eterniza um gestor público na memória de sua cidade, além das obras de concreto que deixa para o coletivo, é o seu exemplo, as suas ideias, as ações que o movem e o cristalizam no imaginário popular. Afinal, os homens são na política aquilo que são as suas ideias. A palavra escrita, neste livro, não eterniza o que o autor pensa sobre Anastácio Rodrigues da Silva ou qualquer outro personagem citado ao longo da narrativa. Deixará para a posteridade fragmentos das histórias de vida que cada um viveu, as decisões que tomaram, a maneira particular como agiram na vida pública. Narrei fatos, não os inventei. Tampouco criei para Anastácio qualquer título ou definição elogiosa que já não fossem assuntos consagrados publicamente; citações costumeiras em qualquer ambiente desta cidade, ao caminhar com ele pelas ruas. Tudo isso respaldado pela pesquisa cansativa que fizemos e pelas muitas entrevistas. Mais do que uma biografia, este livro é uma grande reportagem sobre a política caruaruense e os bastidores do poder, dos anos 1950 até os dias atuais, revisitando fatos e acontecimentos ocorridos desde as primeiras décadas do século passado. Diante da robustez de informações, meu desafio maior foi escrever um texto agradável e interessante de ser lido - e não apenas consultado.
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AGRADECIMENTOS
TENHO TANTO QUE AGRADECER... Ninguém realiza sozinho. Sem os apoios que recebi, estaria como Nelson Barbalho esteve em vida, com seus livros prontos e impossibilitados de publicação por não dispor de recursos para tal. Cito Nelson, porque além de fonte de informação valiosa, vejo nele um exemplo a ser seguido de alguém que pensou no amanhã, consciente de que um povo sem memória é um povo sem História. Agradeço, portanto, aos profissionais, às empresas e às instituições que acreditaram nesse trabalho e apoiaram a sua publicação. Sem vocês eu não teria conseguido: Bernardo Barbosa Filho (você foi como luz na escuridão, o primeiro a quem recorri, braço forte nessa luta! Mil vezes, obrigado!), Manoel Florêncio Diagnósticos (Dr. Manoel Florêncio), Asces-Unita (Reitor Paulo Muniz), Cespam (Bernardo Barbosa), Fiepe (Andrerson Porto), Condomínio Monteverde e Original Copiadora (Ricardo Montenegro, Severino Montenegro e Newton Montenegro), Gueiros Assessoria Contábil (Neto Gueiros). A vocês, obrigado pela sensibilidade e preocupação com a memória de Caruaru.
AGRADEÇO... À CEPE Editora, na pessoa do presidente Ricardo Leitão, por entender a importância desse projeto e apoiar a sua publicação. Ao amigo deputado Antonio Geraldo Rodrigues, Tony Gel, ex-prefeito de Caruaru, de quem fui assessor de imprensa, pela confiança em meu trabalho e por nos ajudar a viabilizar este sonho que não é só meu, mas do próprio Anastácio Rodrigues, seu tio e um de seus mestres no início de sua vida pública. Obrigado, amigo! Edson Tavares (pela revisão do texto, pelas observações que somaram ao trabalho e pelo prefácio), Darley de Lima Ferreira que brilhantemente escreveu o posfácio, Carlos Toscano de Carvalho e Paulo Muniz Lopes pelos textos fundamentais que escreveram de apresentação desse livro. Fauzia Emanuelly, minha irmã, pela parceria na busca por apoio e a to-
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da minha família por acreditar em mim e vibrar com as minhas conquistas. Amo vocês!!! Estamos muito felizes com a chegada do nosso Leuwertton Lorenzzo, meu lindo sobrinho. Aos meus amigos, com quem compartilhei cada etapa dessa maratona, nos últimos anos, gracias! Não vou citar nomes, para não esquecer ninguém. Almir Vila Nova e Arnaldo Dantas de Barros, os primeiros leitores deste livro. Ao jornalista Sandemberg Pontes, pelo projeto gráfico e diagramação. Fotógrafo Ricardo Henrique, pela imagem da capa do segundo volume. À imprensa de Caruaru e do Recife, pelo apoio na divulgação desse trabalho. E à jornalista Brena Vila Nova, minha amiga, pela assessoria de imprensa. A todas as pessoas entrevistadas para esse livro, que contribuíram com depoimentos e informações fundamentais para o texto. Aos amigos advogados Marcelo Cumaru, Marcelo Rodrigues e Marcilio Cumaru pelo apoio em alguns pontos da pesquisa. E a Bruno Chagas, servidor do Fórum de Caruaru, pela ajuda na busca de informações. A você, que adquiriu esse livro e que está lendo agora, que juntos possamos conhecer um pouco de nosso passado para, quem sabe, construirmos uma Caruaru melhor para todas as pessoas. Espero que gostem. Boa leitura! Este livro é para você, Caruaru, cidade amada! Para o seu amanhã. Para as futuras gerações. Fernandino Neto Caruaru, agosto de 2017
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Suplemento
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O que fez por Caruaru o prefeito Anastácio Rodrigues Neste suplemento, listamos as realizações do governo municipal, no período de 31 de janeiro de 1969 a 31 de janeiro de 1973, que marca o ciclo administrativo de Anastácio Rodrigues da Silva à frente dos destinos de Caruaru.
FUNCIONÁRIOS Regularização do funcionário diarista junto ao INPS, proporcionando a percepção de benefícios previdenciários; Aumento de salário para o pessoal contratado sob o regime CLT; Elevação de padrões de vencimentos das pensões pagas pela Prefeitura; Equipamento dos extranumerários na referência M-10, passando de Cr$ 34,00 para Cr$ 70,00; Elevação de vencimentos dos inativos; Isenção e perdão de impostos a funcionários; Extinção da condição do funcionário extranumerário, determinando o seu aproveitamento no quadro de funcionários; Regularização do funcionalismo municipal junto ao IPSEP, com pagamentos atrasados e contribuições mensais, proporcionando a percepção dos benefícios previdenciários; Participação da Prefeitura de Caruaru no Programa de Formação de Patrimônio do Servidor Público; Participação de funcionários em cursos de aperfeiçoamento e treinamento, promovidos pela FIAM, CRAM, IBAM e CERTAM; Aumento de 50% nos vencimentos do funcionalismo municipal; Assinatura de seguro em grupo para funcionários.
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SUPLEMENTO
INCENTIVOS À INDÚSTRIA Lei de incentivo às indústrias em funcionamento, em reestruturação ou a serem instaladas no município; Criação do Parque Industrial de Caruaru, com desapropriação de área e realização das obras iniciais de infraestrutura, em convênio com o BNB e assistência técnica do Diper; Doação de terrenos às indústrias que desejassem se instalar no Parque Industrial de Caruaru; Concessão de isenção de impostos às indústrias: Algodoeira Nunes Indústria e Comércio Ltda.; Fio Elásticos do Nordeste S.A. (Fenesa); Irmãos Coutinho, Indústria de Couros S.A.; L. Monteiro S.A.; deixando em andamento pedidos de isenção para as fábricas: Indústrias São Francisco S.A.; Companhia Industrial de Caruaru e Refrescos do Agreste S.A. (Coca-Cola, reaberta no governo Anastácio); Gestão junto à Celpe, Banco do Nordeste, Ministério do Interior e outros órgãos, para reabertura das indústrias: Companhia Industrial de Caruaru, Refrescos do Agreste S.A. (Frevo Limão), M. Pinheiro e Filhos, J. Garrido e Filho, entre outras.
TRANSPORTES URBANOS Deslocamento dos pontos iniciais das linhas do transporte coletivo urbano, localizados na Avenida Rio Branco; Instalação de abrigos, bancos e iluminação nos pontos iniciais de ônibus, na Praça José Martins; Colocação de grades protetoras e placas luminosas em acrílico nos pontos iniciais, em colaboração com as firmas particulares; Cadastramento das firmas concessionárias e dos empregados das empresas que exploram o transporte coletivo urbano;
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Colocação de abrigos para passageiros em paradas intermediárias e finais das linhas dos coletivos; Fiscalização permanente do tempo nos percursos, situação dos veículos e apresentação externa e tratamento dos motoristas e trocadores; Fixação dos locais de estacionamento de aluguel na cidade e do número de veículos.
SAÚDE E ASSISTÊNCIA SOCIAL Restauração do plantão obrigatório das farmácias; Construção de privadas nos bairros Centenário e São Francisco, em convênio com a 5ª Região de Saúde; Colaboração com entidades da cidade, na repressão à mendicância; Atendimento, pela Assistência Social, a casos comprovadamente necessitados de passagens, transporte de doentes mentais, medicamentos, funeral e outros; Aplicação de milhares de doses de vacina anti-tífica, contra sarampo, anti-variólica, Sabin, tritoxóide e tríplice, na zona rural e na cidade, em convênio com a Ancarpe e a 5ª Região de Saúde; Aquisição de um equipamento odontológico, para atendimento à zona rural do município; Bolsas de estudo no curso de Odontologia; Atendimento dentário a milhares de pessoas nos postos de saúde do Salgado, Indianópolis, Centenário; Fiscalização permanente aos bares, restaurantes e casas de lanche; Atendimento médico e em medicamentos a funcionários da Prefeitura e seus familiares;
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SUPLEMENTO
Fiscalização da venda de peixe nos frigoríficos e bancos, durante a Semana Santa; Instalação de escola na Cadeia Pública, para os recolhidos.
EDUCAÇÃO Concurso para provimento de vagas no magistério primário municipal; Construção de vinte novas unidades escolares na zona rural, com o oferecimento de mil matrículas; Construção de unidade escolar, na Barra de Taquara, com a participação da comunidade; Reabertura e restauração de escolas em localidades rurais; Recuperação de unidades escolares da cidade e iluminação de escolas no interior, para funcionamento à noite; Cursos de treinamento e aperfeiçoamento para professoras leigas e diplomadas, em convênio com a 5ª Região de Saúde, Ancarpe e Núcleo de Supervisão Pedagógica de Caruaru; Instalação de três vacas mecânicas e fornecimento de merenda escolar a toda a rede de ensino primário, em convênio com a Campanha Nacional de Alimentação Escolar; Aumento dos vencimentos do professorado primário de Cr$ 35,00 para Cr$ 185,00 com recursos do Fundo de Participação dos Municípios; Aquisição de 1.200 bancas escolares para unidades novas e antigas; Celebração de datas nacionais, através de palestras e manifestações externas, notadamente as datas 18 de Maio e 7 de Setembro; Reuniões de pais e mestres, nas unidades da cidade e do interior, para trato de assuntos de interesse dos alunos e da comunidade;
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Obtenção de livros escolares junto à Colted, para distribuição com as escolas primárias; Ampliação da biblioteca municipal, com aquisição de novos volumes e outros doados pelo INL, além do recebimento do acervo bibliográfico do escritor Álvaro Lins, doado pela família do extinto; Convênio com o Certe para educação pelo rádio; Convênio com o Mobral, para alfabetização de adultos, tendo sido entregues mais de cinco mil diplomas; Aumento de salário-aula para o professorado do Colégio Municipal Álvaro Lins; Construção do muro e quadra do Colégio Municipal Álvaro Lins; Aumento de 700 para 1.500 matrículas no Colégio Municipal Álvaro Lins, com a criação de novos turnos nos cursos ginasial e científico para jovens carentes; Instalação do curso técnico gratuito no Colégio Municipal Álvaro Lins; Construção do Gimnasium do Estudante, no Colégio Municipal, com capacidade para 4.500 pessoas; Criação da Banda Marcial do Colégio Municipal Álvaro Lins; Funcionamento da Escola de Datilografia no Colégio Municipal; Doação de um terreno à Secretaria de Educação do Estado, para ampliação do Grupo Escolar Felisberto de Carvalho e construção da Escola Mário Sette; Desapropriação de terrenos para construção de quadras esportivas dos colégios Nicanor Souto Maior e Padre Zacarias Tavares. Criação das Escolas Reunidas Dom Paulo de Sousa Libório, no bairro Centenário; Fardamento, material didático e merenda escolar aos alunos da rede municipal;
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SUPLEMENTO
Eliminação de escolas isoladas, transformadas em Escolas Reunidas, com condições pedagógicas.
PLANEJAMENTO Envio e aprovação, pela Sudene, de Carta Consulta para instalação do Matadouro Industrial de Caruaru; Gestões satisfatórias junto à Afisa – Comércio de Industrial S.A. para Grupo Líder na implantação do Matadouro Industrial; Elaboração de Cartas de Informações, contendo dados informativos sobre Caruaru e elementos para instruir pedidos de localização industrial; Gestões junto ao Depa para construção do Conjunto de Abastecimento Rural Simplificado na vila de Gonçalves Ferreira; Elaboração de Carta de Informação à firma Wit- Olaf Prochnik, que fixou o roteiro preliminar para o Desenvolvimento do Plano de Turismo de Caruaru; Convênio com o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo e elaboração dos Termos de Referência para o Planejamento Integrado de Caruaru; Levantamento aerofotográfico de Caruaru, pela Base Aérea do Recife (destruído pelas gestões que o sucederam); Elaboração da Carta Planimétrica da cidade de Caruaru, pelo Dnocs – Ministério do Interior; Levantamento dos recursos minerais de Caruaru, pelo professor João de Deus de Oliveira Dias, do Itep, à disposição da Prefeitura de Caruaru; Elaboração, pelo escritório do arquiteto Artur Lima Cavalcanti, do projeto arquitetônico do Grande Hotel de Caruaru.
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DOAÇÕES E DESAPROPRIAÇÕES Doação de uma linha telefônica ao 4º Batalhão da Polícia Militar, sediado em Caruaru; Doação de terreno ao Ministério da Saúde, para funcionamento da sede da Sucam; Doação de um terreno ao Ministério de Agricultura, para instalação da estação Meteorológica de Caruaru; Doação de terreno ao Ministério dos Transportes, para construção da sede do 4º Distrito Rodoviário do Departamento Nacional de Estradas e Rodagens (DNER); Doação de terrenos à Secretaria de Interior e Justiça para construção de casas para juízes e promotores; Desapropriação de terreno para construção do Grande Hotel de Caruaru; Doação de terreno ao Sindicato dos Bancários de Caruaru, para construção de sede própria; Doação de dois terrenos ao Clube de Diretores Lojistas de Caruaru, para construção de sua sede social; Desapropriação de prédios para construção das obras do Canal do Salgado, pelo DNOS, em convênio com o município de Caruaru; Desapropriação e doação de terrenos para o Parque Industrial de Caruaru; Doação ao Detran, de um terreno para construção do Posto de Trânsito de Caruaru; Desapropriação de imóveis para construção da via de acesso ao Monte do Bom Jesus, pelo Detelpe; Doação de terreno ao Estado de Pernambuco, para construção do Terminal Rodoviário de Caruaru.
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ATIVIDADES DE CULTURA, TURISMO E ESPORTES Exposição de pinturas, com participação de artistas de Caruaru e do Recife; Exibições do Coral do Carmo do Recife e concerto com violinistas do Departamento Cultural da Universidade Federal de Pernambuco; Promoção da 1ª Exposição de Fotógrafos Profissionais de Pernambuco, com oferta de prêmios aos classificados; Exibição de filmes culturais e recreativos, em colaboração com os Consulados Alemão, Americano e Francês; Criação e promoção do primeiro e segundo Festivais de Folclore de Caruaru; Ajuda e incentivo à Banda de Pífanos de Caruaru, inclusive para gravação de seu primeiro LP; Promoção do I Festival Nacional de Teatro Amador de Caruaru, com participação de grupos da região e do Sul do país (quando Diretor de Educação e Cultura e quando prefeito); Ajuda e incentivo aos grupos teatrais, principalmente ao Grupo Teatral de Caruaru (GTC), para participação em festivais no Sul do país; Publicação do livro “Caruru-Caruaru”, do escritor caruaruense Nelson Barbalho; Instituição do Hino Oficial e da Bandeira de Caruaru, criações dos professores José Machado Neto (Machadinho) e Amaro Matias, respectivamente; Incentivo e apoio aos ceramistas de Caruaru, através de divulgação, aquisição de peças e exposições; Construção dos mausoléus do Mestre Vitalino, do padre Zacarias Tavares e de Luiz Jacinto, o Coroné Ludugero, no cemitério Dom Bosco; Recepção a congressistas, autoridades federais e estaduais, membros dos corpos diplomáticos sediados no país ou em visita, escritores e jornalistas, cinegrafistas e pessoas de expressão na vida nacional ou em visita à cidade;
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Promoção do I Festival de Música Popular de Caruaru, com ofertas de prêmios aos classificados; Promoção dos festejos juninos, carnavalescos, festas civis e religiosas, com excepcional brilhantismo; Colaboração com as festividades de bairros, religiosas e as Festas do Comércio; Colaboração com a Liga Desportiva Caruaruense, com promoção das Corridas de Pedestrianismo Heráclito Ramos; Colaboração com a Empetur na realização de promoções turísticas, com o envio de peças de artesanato e de integrantes da Bandinha de Caruaru e Bacamarteiros; Promoção do I Curso de Comunicação e Turismo, em convênio com o Instituto de Comunicação e Pesquisas e a Associação de Bacharéis em Jornalismo de Pernambuco; Montagem do esqueleto do megatério, pelo professor João de Deus de Oliveira Dias, do Itep, para instalação do Museu de História Natural do Centro Cívico 18 de Maio; Construção da Casa da Cultura José Condé, com bibliotecas adaptadas com salas de aula para crianças e adultos, auditório, salas para instalação do Museu da Imagem e do Som e de Arte Popular; Construção do Centro da Juventude Josepha Coelho, com piscinas para crianças e adultos e prédio para administração; Colaboração com o Central Sport Clube, para participação no Campeonato Estadual e Campeonato Nacional de Clubes; Promoção, com grêmios estudantis, dos Jogos Ginásio-Colegiais de Caruaru; Pagamento das contas de luz do Estádio Pedro Victor de Albuquerque, quando de jogos do Central e da Liga Desportiva Caruaruense e de promoções e concentrações estudantis.
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OBRAS E PROVIDÊNCIAS ADMINISTRATIVAS Construção de casa para a viúva do Mestre Vitalino, no Alto do Moura, adquirindo a casa original que seria transformada em Casa-Museu; Isenção de impostos às viúvas reconhecidamente pobres; Instalação da Engraxataria Mirim, na Avenida Rio Branco, em colaboração com a Febem e Mobesc; Restauração da Semana Inglesa (proibindo a abertura do comércio nas tarde de sábado); Instauração do Dia do Comerciário junto a esses trabalhadores; Doação de vinte cadeiras aos engraxates localizados nas artérias centrais da cidade; Construção da Capela, no cemitério São Roque, e restauração do túmulo do Vigarinho; Instalação do Parque Infantil na Praça Getúlio Vargas e posteriormente no Centro Cívico 18 de Maio; Instalação da Estação Repetidora do Canal 13 e manutenção das estações dos Canais 2 e 6; Construção da estrada de acesso ao Monte Bom Jesus; Reequipamento e melhorias do Corpo de Bombeiros de Caruaru; Implantação do Cadastro Imobiliário do Município, corrigindo injustiças na cobrança do imposto predial e territorial urbano; Implantação do Cadastro de Prestadores de Serviço, não existente; Criação do Departamento de Material e Bens, para controle do setor de compras e fornecimento; Levantamento patrimonial, por técnico da Sudene, dos bens pertencentes ao município, com tombamento, avaliação e registro;
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Atualização da ficha funcional dos funcionários municipais, com registro e levantamento de antecedentes; Reforma e melhorias nos setores de Protocolo e Arquivo, com satisfatórias condições de atendimento às partes e funcionamento; Concessões de abatimento de até 40% na cobrança de impostos devidos à Prefeitura; Instalação de oficina mecânica para atendimento aos veículos da Prefeitura; Instalação da fábrica de tubos para saneamento; Aquisição pioneira na região de um caminhão “Kuka” para o Departamento de Bem-Estar, melhorando as condições de recolhimento do lixo; Melhorias na limpeza pública, com a recuperação de caminhões e tratores, aquisição de novos instrumentos de trabalho, fardamento aos funcionários e remoção de lixeiros; Assistência Jurídica gratuita a centenas de pessoas reconhecidamente pobres; Defesa, no Judiciário, dos direitos do município, quando necessário.
PARTICIPAÇÃO COM ÓRGÃOS E SERVIÇOS Manutenção do cartório eleitoral e fornecimento de refeições dos mesários das eleições e convenções partidárias realizadas; Pagamento do aluguel do prédio onde era instalada a Agência Municipal de Estatística; Fornecimento de material e funcionários para a Junta do Serviço Militar e conservação e transporte para o funcionamento da TG 266; Pagamento do aluguel, água e luz do prédio onde era instalado o Serviço de Proteção a Menores; Pagamento do aluguel, água e luz do prédio, funcionários e transporte para
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o Setor Regional da Campanha Nacional de Alimentação Escolar; Pagamento do aluguel, luz e água do prédio do 4º Distrito Rodoviário do Departamento Nacional de Estradas e Rodagem; Contribuição financeira à Agência Nacional para divulgação dos serviços de interesse do Município; Pagamento do aluguel, água e luz do prédio onde se localizava a sede da Fiam, órgão de assistência aos municípios; Pagamento de água e luz da Casa dos Pobres e Sociedade dos Vicentinos; Manutenção da Unidade Municipal de Cadastramento do Incra.
ILUMINAÇÃO PÚBLICA Convênio com a Cooperativa de Melhoramentos de Caruaru para cobrança da taxa de iluminação pública; Pagamento de débito do consumo à Cooperativa, no montante de Cr$ 329.502,65; Instalação de luz pública em vários bairros da cidade, beneficiando centenas de ruas; Recuperação da iluminação pública de ruas centrais e de bairros; Colocação de postes nas Praças Getúlio Vargas, Pedro de Souza e no extinto Jardim Siqueira Campos; Instalação de 12 mil lâmpadas incandescentes de 100 watts, tipo flora de 160 watts e a vapor de mercúrio de 400 watts, fazendo com que a cidade fosse considerada a mais bem iluminada do interior do Nordeste naquele período; Substituição de postes de madeira por postes de cimento em centenas de ruas; Instalação de fonte luminosa na Praça Getúlio Vargas; Iluminação dos templos católicos e evangélicos e da escadaria do Monte
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Bom Jesus.
ATENDIMENTO À ZONA RURAL Convênio com a Ancarpe e Departamento de Assistência ao Cooperativismo, para assistência técnica à Cooperativa Mista de Jiquiri Ltda.; Gestões junto à Missão Suíça para o Exterior e obtenção, em doação, de tratores, planadeiras e outros implementos agrícolas; Restauração dos poços tubulares de Lages, Juá, Jacaré Grande e Riacho Doce; Pontilhão sobre o rio Ipojuca, no Alto do Moura, ligando o povoado à BR-232; Construção de cemitérios em Lages, Peladas e Dois Riachos; Eletrificação rural nas localidades do Cedro, Jacaré, Terra Vermelha, Alto do Moura e Barra de Taquara, na zona rural, e avenidas da cidade; Aquisição de moderna motoniveladora, para abertura e conservação de estradas, além de recuperação de máquinas que estavam inutilizadas; Colaboração com os Clubes 4-S, incentivando e promovendo o seu trabalho em favor dos jovens da zona rural; Promoção de concentrações cívicas no interior do Município, quando das comemorações de datas nacionais; Reforma e ampliação do cemitério de Itaúna; Construção da Praça José Mendes, em Terra Vermelha; Construção de um açude em Serrote dos Bois e pequena açudagem em outras localidades da zona rural; Construção e conservação de centenas de quilômetros de estradas na zona rural; Criação das linhas de transporte coletivo para as localidades Serrote dos Bois e Lagedo do Cedro;
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Fornecimento de tratores e implementos ao homem do campo; Construção de vinte novas unidades escolares, com casa de professora anexa e reabertura de antigas escolas, aumentando em mais de mil o número de matrículas; Atendimento odontológico, através de equipamento adquirido pela administração; Construção de dezenas de bueiras em várias localidades da zona rural.
URBANIZAÇÃO E SERVIÇOS PÚBLICOS Desapropriação e demolição de dezenas de imóveis, permitindo o alargamento de várias artérias, entre as quais as Ruas e Avenidas: Rui Barbosa, Visconde de Inhaúma, Sergipe, Paraná, Raul Leoni, Godofredo de Medeiros, João José do Rego, Barão de Caruaru, Júlio de Melo, Coronel Limeira, Agamenon Magalhães, Barão de Suassuna, Alferes Jorge, Travessa Piauí e outras; Capeamento asfáltico com início na Ponte Nova até a bifurcação com a BR-104; Asfaltamento das Ruas 13 de Maio, Duque de Caxias, Joaquim Távora, Tobias Barreto, Expedicionários, Vigário Freire, Travessa dos Expedicionários, Vera Cruz, Rio Branco, Praças Getúlio Vargas, Coronel Porto e outras; Retiradas de barracas, em número superior a 100, que enfeavam a paisagem urbana e eram ameaças à saúde pública. Também acabou com os barracos da antiga Rua da Tripa; Urbanização da Avenida Rio Branco, com retirada dos pontos iniciais dos coletivos e barracas, dotando-a de asfalto, disciplinamento do trânsito e feérica iluminação, deixando moderna a Praça Deputado Henrique Pinto; Construção do Giradouro Major Clementino, para disciplinamento do trânsito na confluência das Avenidas Rio Branco, Manoel de Freitas e Agamenon Magalhães, Ruas Visconde de Inhaúma e Cleto Campelo; Construção de calçamento em centenas de ruas do centro e dos bairros da
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cidade; Recomposição do asfalto das Ruas Bahia e Coronel Limeira; Construção de centenas de galerias pluviais e reforma da rede de esgotos no centro e nos bairros da cidade; Pontilhão sobre o rio Ipojuca, ligando os bairros do Riachão (que Anastácio afirma se chamar Bairro dos Guararapes, antigamente chamado de Farrapo), Salgado, Cedro e Alto da Balança, com o bairro Indianópolis e adjacências; Estudos e gestões junto ao 2º Distrito Rodoviário de Pernambuco, do DNER, para asfaltamento do trecho que liga a Avenida Agamenon à BR-104; Contatos, junto ao Banco Nacional de Habitação (BNH) e Cohab, para asfaltamento das vias de acesso ao bairro Kennedy; Desapropriação e demolição do extinto prédio número 98, da Rua Cleto Campelo, permitindo alargamento e urbanização de área contínua à Rede Ferroviária Federal e 22ª CSM; Convênio com o DNOS para construção do Canal do Salgado, com participação financeira da Prefeitura na ordem de Cr$ 500.000,00 e desapropriação de imóveis;
SECRETARIA DE AGRICULTURA E ABASTECIMENTO, PRAÇAS E JARDINS Aquisição de mais um caminhão, com caçamba apropriada, para o transporte de carne abatida; Instalação de sementeiras na Fazenda Caruaru, para plantio e distribuição; Plantio de bananeiras na Fazenda Caruaru, para distribuição às unidades escolares e entidades assistenciais; Recuperação do Matadouro Público, com aquisição de cinco talhas e vinte canchos;
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Construção de 21 pias em azulejo, instalação de varandas protetoras para magarefes, abrigos para suínos e caprinos, saneamento, reservatório d’água, piso geral, recuperação de calçadas, muros e porteiras, e pintura do Matadouro Público; Repressão ao abate clandestino de bovinos, suínos e caprinos; Rigorosa fiscalização na carne abatida, fornecida para consumo público; Recuperação de portões, retelhamento, limpeza interna e pintura nos mercados de farinha, açougue e carne seca; Recuperação de cercas e conserto de porteira no Curral do Cajá; Arborização da cidade, com o plantio de mais de 12 mil mudas e recuperação de outras já existentes; Distribuição de mudas e grades protetoras; Volta da Feira ao seu local de origem, disciplinamento e fiscalização permanente; Construção da Praça do bairro São Francisco, com bancos, ajardinamento e iluminação; Construção de Praça na Rua Nunes Machado, em continuação à Praça Getúlio Vargas, com ajardinamento e arborização; Recuperação total das Praças Getúlio Vargas, Coronel Porto, Nova Euterpe, Severino Menezes e Pedro de Souza; Conservação das demais praças da cidade; Criação de dezenas de jardins, inclusive o da Rua Cleto Campelo (22ª CSM).
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O governo Anastácio Rodrigues também conquistou junto aos governos Nilo Coelho e Eraldo Gueiros Leite: Instalação do Centro Cirúrgico do Hospital São Sebastião; Agência do Bandepe; Construção da Barragem Antônio Menino; Instalação do Colégio Nicanor Souto Maior; Instalação do Ginásio Padre Zacarias Tavares; Grupo Escolar José Carlos Florêncio; Centro Politécnico Reverendo Júlio Leitão; Instalação do 4º Batalhão de Polícia Militar; Instalação da Agência do Ipsep; Doação do Campo de Monta ao município; Terminal Rodoviário; Sistema de Repetidoras de TV e micro ondas, em execução no Monte do Bom Jesus; Abastecimento d’água, através da construção das barragens Antônio Menino e Gercino de Pontes (Tabocas) e obras da adutora, que à época colocaram um ponto final no problema histórico do problema da falta d’água em Caruaru.
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REVISTAS E SUPLEMENTOS Caruaru, há um século, viu o trem chegar. Caderno especial. Jornal Vanguarda. Caruaru, 2 a 8 de dezembro de 1995. Texto escrito por Anastácio Rodrigues. José Queiroz: vida e obra. Informe especial. Diario de Pernambuco. Recife, 4 de junho de 2010. Revista Negócios PE. Recife (PE): Nejaim e Aguiar, ano IV, edição 18, outubro-novembro/2010. Álbum Revista de Caruaru (1937). Organizado por José Carlos Florêncio e Orlando Vanderlei LINS, Raul e LEÃO, Hilton Carneiro. Documentário ilustrado do primeiro Centenário da cidade de Caruaru: 1857 – 1957
JORNAIS, ÁUDIOS E ARQUIVOS Vanguarda A Defesa Século XX Jornal do Commercio Diario de Pernambuco Edição Extra Correio Braziliense Jornal do Brasil
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BIBLIOGRAFIA
Folha da Manhã Rádio Cultura do Nordeste Rádio Liberdade de Caruaru Arquivo Público do Estado de Pernambuco Assembleia Legislativa de Pernambuco Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco Arquivo Público da Câmara Municipal de Caruaru
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Entrevistados
ENTREVISTADOS
Arary Marrocos Argemiro Pascoal Bernardo Barbosa Carlos Toscano Edileuza Portela Ednaldo Lyra Humberto Fonseca João Dutra João Lyra Neto Jorge Gomes José Carlos Rabelo José Queiroz José Torres Marcia Nejaim Miriam Lacerda Nabor Santiago Ney Maranhão Rubens Júnior Rui Lira Tavares Neto Tony Gel Inclui depoimentos de: Aracy de Souza Drayton Nejaim Fernando Lyra João Lyra Filho
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Este livro foi composto em formato 27/23,5 e impresso pela Companhia Editora de Pernambuco sobre o papel Polen Soft em janeiro de 2018
“Meu caro Fernandino, No caminhar da vida há um fio de esperança. Sempre fui otimista, nunca desanimei. Você vai realizar um dos meus sonhos. Ainda sonho. A sua ideia de escrever sobre a minha vida, um pouco do meu existir, é um gesto de grandeza. Como lhe agradecer, como lhe agradecer? O amanhã dirá. A minha gratidão será eterna. Espero que Caruaru tenha conhecimento da história, da minha história. O livro sob o título de Anastácio, o eterno prefeito, denominação ao título dada por aqueles que me conhecem. Anastácio 18/10/2014” ISBN: 978-85-65180-01-6