JÚL I O LIM A
Acontecências PAISAGENS NOS CAMINHOS DO TEMPO
Vicente Júlio Barbosa de Lima ILUSTRAÇÕES TIAGO SIQUEIRA
A
Acontecências PAISAGENS NOS CAMINHOS DO TEMPO
Vicente Júlio Barbosa de Lima
Caruaru-PE
FICHA TÉCNICA PRODUÇÃO GERAL: Carlos Maciel PROJETO GRÁFICO, DIAGRAMAÇÃO E CAPA: Sandemberg Pontes ILUSTRAÇÕES: Tiago Siqueira PRODUÇÃO EXECUTIVA, PREFIXO E ISBN: Walmiré Dimeron Tiragem: 2.000 exemplares
© 2015, Júlio Lima __________________________________________________________________ L732a
Lima, Júlio Acontecências: paisagens nos caminhos do tempo / Vicente Júlio Barbosa de Lima; ilustrações: Tiago Siqueira. – Caruaru, PE: WDimeron, 2015. 177p.: il. 1. CRÔNICAS BRASILEIRAS – PERNAMBUCO. I. Siqueira, Tiago. II. Título. CDU 869.0(81)-94 CDD B869.8
PeR – BPE 15-546 __________________________________________________________________ ISBN: 978-85-65180-01-6
Todos os direitos desta edição reservados ao autor.
Caruaru-PE, 2015
Impresso no Brasil Foi feito o depósito legal
Este livro ĂŠ dedicado a todas as pessoas que cruzaram meu caminho.
Ă?ndice
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105
35
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DISCURSO PROFERIDO PELA DRA. VERA LOPES NA CERIMÔNIA DE CONCESSÃO DE TÍTULO DE CIDADÃO DO RECIFE (TRAJETÓRIA DE JÚLIO LIMA) 168 DISCURSO PROFERIDO POR JÚLIO LIMA NA CESSÃO DE RECEBIMENTO DE TÍTULO DE CIDADÃO DO RECIFE 174
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77 ILUSTRAÇÕES TIAGO SIQUEIRA
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José, para onde? 17 A dor e o prazer da leitura 23 Deficiente? Quem? 29 Desconfio 35 Dicionário médico segundo o matuto 41 O paradigma humano 45 Geração “X” versus Geração “Y” 51 No dia de minha morte 55 Quem é o corrupto? 59 Viver ou existir? 65 Nova ordem 71 A mulher que engravidou de um abacaxi 77 De que lado você está? 85 Êxodo às avessas 93 Os paradigmas de um chefe 101 O protótipo do puxa-saco 105 Volúpia do amor moderno 113 Eu e você 117 Eu e Deus 121 O samba da minha terra 125 A percepção do belo 133 A desvalorização da classe médica no Brasil 139 Cadê tu, Artur? 145 Desenvolvimento para quê? 151 O avesso do avesso do avesso 157 Redescobrir-se 165
Apresentação
VICENTE JÚLIO BARBOSA DE LIMA
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Compreendo a vida como uma viagem de trem. Um trem com muitos vagões, cada um com suas fantasias e agruras, no qual por vezes somos sorteados e, em outras, escolhemos em qual ou quais deles seguiremos nossa viagem. Muitas são as estações, muitos são os viajantes que nos acompanham em pequenos trechos ou longa estrada e que deixam em nós muito de si e levam muito da gente consigo. No caminho dessa viagem são muitas as paisagens, muitos os acontecimentos. Carregamos em nós a força e o humor da primavera, do verão, do outono e do inverno; do fogo, da água, do ar e da terra, elementos e estações que talham em nós muito do que somos. Nessa viagem, posso apenas visualizar sem envolvimento algumas paisagens ou vivenciá-las, e assim expor o que vi e o que senti. Sendo eu um sujeito absurdamente sinestésico e medular, inquieto por natureza, sinto necessidade de me expressar, informar sobre o que mexe comigo para o bem ou para o mal, dizer o que
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penso. Assim, tenho uma necessidade superior á minha volição de dizer ao mundo o que percebo sobre o que me adjacencia, ou seja, as “acontecências” cotidianas da vida. Não ser morno, não ser omisso, isso é o que me traz o real significado de estar vivo. Este livro é um filho querido escrito ao longo de seis anos, tempo de existência do Blog do Júlio. Traz impresso em suas páginas parte do meu DNA codificado em minhas crenças e minhas verdades. Não o fiz com propósitos nem rigores literários. Fí-lo por pura necessidade de me expressar, de ir além de mim, de interagir e criar um elo com quem o ler. Primo por textos curtos para que, entre uma tarefa e outra, uma fila de banco ou consultório, o leitor possa viajar comigo uma ou várias estações.
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José, para onde?
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Hoje a caminho do trabalho, no trânsito lento e enfadonho do Recife, ouvia música para não sentir tanto o peso da viagem. Chico perguntava-se para onde vai o amor quando o amor acaba. Belchior diz que o passado é uma roupa velha que não nos serve mais. Bethânia reverencia Iemanjá e Oxum com devoção; até que Paulo Diniz, com a voz que cala as buzinas externas dos estressados, indaga a José: José, para onde? José para onde? José para onde? José para onde? Para onde, José? Para que terra? Para que porto? Para que braços? A quem você obedece? Em que você acredita? Com quem você se importa? O que te arranca gargalhadas? O que te fecha o peito? O que você almeja? Procura? O que tens feito para conseguir? Quanto tem te custado para chegar lá? Que tipo de chão tens preparado? Eita, José? Onde te enxergas no menino que foste? Que valores passados por teus pais te impregnaram a alma? Que amigos plantados no meio do caminho vingaram a frutos? Voltando-me ao som, Gil convida-me para fugir desse lugar. Fugir? Quantas vezes não pensamos em soltar o caçuá que carregamos e sairmos sem rumo, sem lenço, mas com documento, porque hoje em dia anda tudo muito perigoso? José? E agora, José? Imaginavas, quando eras jovem, estar onde está hoje?
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Ligas o rádio pela manhã para ouvir Mauro Ralfeld ensinar a poupar ou como ganhar o primeiro milhão? Você conversa consigo? Quem te é guia: padre, pastor, pai de santo ou cartomante? Quando foi a última vez que contemplou a lua, que tomou sorvete num domingo cinzento, andou descalço, virou a noite numa farra e bebeu todas? Que regras você segue? Para quê? Qual seu palavrão predileto? Já o proferiu hoje? Foi bom para você? O que você pensa dos idosos, dos pobres, das bichas, dos paulistanos? Você retribui um bom dia, solicita licença, pede desculpas, comete gentilezas, toma a benção aos seus pais? Ou tudo isso lhe parece cafona? Qual sua relação com seu corpo? Você o acaricia por completo ao banho? Olha-se no espelho e consegue enxergar algo mais que rugas, gordura localizada ou desidratação da pele? Você já tentou enxergar a alma? Tentou identificar-se nas mandalas da família, dos amigos e do trabalho? Quem eu sou? Quem é você? Quem somos nós? Quem? Já te indagaste? Quando parou diante de si e se questionou, sem passionalismo, que tipo de homem, filho, colega de trabalho, chefe, subalterno, companheiro, vizinho, desconhecido você é? Sigo sobre a ponte do Pina, uma curva, um sinal. Frejat deseja que eu tenha dinheiro, pois, segundo ele, é preciso viver também; mas pede que eu diga a ele quem é mesmo o dono de quem. Qual a sua relação com dinheiro, José? Com o poder e com os olhares? Quantas máscaras você possui? O que tem te deixado feliz? E quanto tens feito para conseguir? Tens compartilhado os louros de tuas vitórias com alguém? O que possuis de bom?
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Você pratica o bem, José? Aproximando-me do meu destino, Zizi nos redime a nós, José; ao cantarolar, como um passarinho que anuncia chuva, “Meninos de Braçanã”. Revela-nos de maneira suave e iluminada que quem anda com Deus não tem medo de assombração; e conclui: eu ando com Jesus Cristo no meu coração.
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A dor e o prazer da leitura VICENTE JÚLIO BARBOSA DE LIMA
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No mundo globalizado não há lugar para iletrados, certo? Essa é uma afirmativa escatologicamente verdadeira, a qual praticamente não é contestada. Observando a evolução da educação (entendida aqui como ensino) associada às novas teorias metodológicas, novos recursos materiais e tecnológicos, não se entende por que não houve proporcional desenvolvimento na qualidade do alunado atual em relação aos de outrora. A educação fundamental e ensino superior se tornaram, nas últimas décadas, pagãos. Hoje as escolas religiosas são minoria. O ensino desde cedo se tornou mais agressivo, competitivo, com objetivo muito claro: inserir o jovem no novo mercado de trabalho surgido com a globalização. Vejo com certa preocupação esse “novo” modo de “ensinar”. Lembro-me, enquanto aluno de escola de bairro, a atenção com a hora de chegar à escola; assim como com o uniforme, sempre limpo e engomado. Ao chegarmos ao colégio, ouvíamos uma sirene que indicava que devíamos dirigir-nos a uma fila. Ali cantávamos o hino nacional (não tínhamos ideia do período político que atravessávamos, pelo menos a maioria, mas ali se aprendia a ter disciplina) e em seguida íamos para sala de aula. Lá ainda rezávamos um Pai Nosso e uma Ave-Maria para que se iniciasse a aula. A professora? Ora, nós a víamos com admiração, carinho, medo (às vezes) e muito respeito. Para pronunciar-se: licença, professora? Para ausentar-se da sala: posso, professora? No final da aula: até logo, professora! Os recursos didáticos antes disponíveis: livros pessoais, cadernos, lápis, borracha e livros da biblioteca. Para o professor: giz e, quando muito, retroprojetor e mimeógrafo (é o novo!!!). A leitura participava ativamente de nossas manhãs e tardes. Quem
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revisava nossas tarefas eram nossos pais. Para se fazer um trabalho de pesquisa, um seminário ou outras apresentações não se dispunha de xerox, impressão a laser, internet, etc. Reforço escolar? Isso não existia. Dislexia, hiperatividade, também não. Então, será que o aprendizado daquelas crianças e jovens era comprometido com tão parcos recursos? Surpreendentemente, acredito que não. Obviamente o modelo de ensino aqui exposto era o das classes B, C e D. A realidade nas classes A e E eram bem diferentes. O número de escolas superiores era reduzido. Existiam as escolas públicas e algumas poucas escolas particulares. A partir da segunda metade de década de 1990 até os dias atuais, houve uma grande proliferação de escolas públicas e particulares de nível superior. O vestibular, temido outrora, atualmente diminuiu sua importância. O acesso à universidade ou faculdade agora é facilitado, até pelo número de possibilidades encontradas em sua forma de execução. Hoje, na maioria das aulas, usam-se recursos audiosvisuais de última geração. No entanto, o que será que está havendo com o aluno que ingressa atualmente numa faculdade? Observamos, em número considerável, alunos dispersos, com nível de educação doméstica e institucional de base precário. É certo que, antes, o aluno não possuía tantos recursos, mas também não tinha tanto com que se dispersar. Nesses novos tempos há um bombardeio de estímulos sobre nossas crianças e jovens: jogos eletrônicos, internet, celular, equipamentos eletrônicos etc. Chega a ser perverso, considerando que o ato de ler e ler para aprender é algo solitário e que demanda tempo. Tempo pre-
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cioso que divide a atenção e o interesse dessa nova geração pósglobalizada. O certo é que está faltando mais leitura por parte dos nossos estudantes, horas de convívio com o amigo livro. Quando esse jovem está na universidade, e após deixá-la, a falta de leitura pode ser extremamente danosa à sociedade. Não se pode e não se deve pretender concluir um curso universitário estudando por gravações de “MP3” ou “slides” de aula. A leitura é fundamental. As instituições, em sua maioria, investem na quantidade e qualidade de seu acervo bibliográfico. Acervo este que carece ser acessado e utilizado pelos acadêmicos. O estímulo à leitura deve se fazer presente por toda a vida, desde a primeira infância. A criança precisa descobrir o seu fascínio, e o jovem o seu valor.
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Deficiente? Quem? VICENTE JÚLIO BARBOSA DE LIMA
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Vivemos em um mundo de superlativos, onde a grande e avassaladora maioria de todas as estruturas são pensadas e preparadas para os indivíduos “hígidos”. Os índios fazem a seleção não natural logo no nascimento, destruindo todo e qualquer indivíduo diferente. No Havaí, bastava o recém nato apresentar um nevus para ser descartado como impuro, serviria de lanche aos tubarões (Fábio Castor). Modernamente, o darwinismo encontra respaldo no mundo gerido pelo capital e, dessa forma, é estabelecido o modelo físico e psicológico dos que deterão o provimento de cidadão e cidadã. Essa hierarquização se dá a partir do que o modelo liberal entende como adequado e apto para viver sob sua égide, ou seja, mão de obra produtiva com força motriz ligada no botão da capacidade máxima, e os que estarão à margem de sua ordem social. Segue-se, nesse contexto, a construção de um verdadeiro mosaico onde se classifica ou estigmatiza o indivíduo por alguma característica física ou mental compreendida como “inadequada” e “ não hígida”. O indivíduo, agora alheio de suas características outras, recebe uma espécie de marca, ferro, carimbo, etiqueta. Como a sociedade é dinâmica e se diz evoluída, dinâmica também é a maneira como os “hígidos” balizam os deficientes. Cego passa a ser deficiente visual, aleijado agora é portador de necessidades especiais, e por aí vai. A mim causa náusea a nossa hipocrisia social e só desnuda, aos meus olhos, que não há interesse, além do escambo etimológico, em provocar mudanças reais, práticas e profundas no centro da questão no que concerne, além de direitos subsistenciais, a direitos de autogestão e participação de processos e decisões. Há apenas uma maquiagenzinha para que não nos incomedemos com o que vemos ou ouvimos das “limitações” alheias. A hipocrisia humana é, sem sombra de dúvidas, o maior aleijo da humanidade. Lidamos com os “não hígidos” ou deficien-
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tes da mesma forma com lidamos com a morte: negando-os. As valas comunitárias de cadáveres na Idade Média foram substituídas, primeiramente por catacumbas, depois por jazigos em mármore e oponentes, porém em cercado distante dos centros, e por fim, lápides em belos jardins floridos. Tudo como forma de negar a existência da morte. Assim, o perneta se torna portador de necessidades especiais. Não consigo visualizar políticas governamentais consistentes de atenção a essa fatia da população. No Brasil, historicamente os deficientes são assuntos de igrejas, associações e entidades privadas filantrópicas com o governo atuando aí como terceira pessoa, alheio e com envolvimento totalmente superficial. Diariamente questiono-me quem realmente é aleijado, deficiente ou portador de necessidades especiais. O chefe tirano de uma repartição é o quê? O capacho lambe-botas que se anula como pessoa é o quê? Quem deseja sempre o impossível ou o que a outro pertence, como o denomino? Quem não consegue enxergar a dor, a fome, a miséria, paisagem da janela de seu cotidiano, o que é? Não é cego quem não enxerga um palmo além do umbigo? O sujeito indisponível por excelência, sem tempo nem interesse para ouvir um amigo, um conhecido ou um transeunte que o chama não é surdo? Um verme que silencia diante de uma injustiça ou se beneficia dela. O porco que não fala a verdade e usa a mentira para iludir, enganar, ludibriar alguém, seja por trocados, facilidades ou posição social, não é um mudo? O parasita que sem o menor pudor quer viver à custa de outra pessoa, sugando-lhe energia e o seu melhor, não é ele um paralítico? O indivíduo que amanhece amargo e destila seu azedume, e
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não apresenta a capacidade de emitir uma palavra gentil, otimista e doce a alguém, não é um diabético descompensado? Quem por inveja, maldade ou incompetência elimina ou impede o crescimento de alguém não é um anão? Quem frequenta a igreja, debulha terço, esquenta bíblia em suvaco, vive em semáforos na campanha do quilo ou nos sons dos tambores de origem africanas, mas se comporta como o sete-pele em seu convívio social, não é um miserável e aleijado da alma? Então, senhoras e senhores, quem realmente são os deficientes? Os aleijados? Os portadores de necessidades mais do que especiais? São os que não andam, não falam, não ouvem, os mutilados de um membro ou órgão por ausência do Estado, contingência da vida ou situações externas e alheias às suas vontades, ou são aqueles citados anteriormente que apresentam deformidades na alma e no caráter, por opção ou dolo? Sonho com o dia em que nós, de maneira honesta e imparcial, encararemos o “portador de necessidades especiais” por causas externas não como incapaz, mas como alguém que pode ser o que quiser dentro de suas habilidades. Quando será que teremos governos sérios que não insistirão em dificultar o trabalho dos que realmente agem? A esperança se agiganta com a teimosia de todos que praticam o bem e no respeito ao próximo, pois tenho infinita certeza, que os maus e mentirosos, verdadeiros aleijados, tropeçarão sempre em suas maldades e mentiras, e que aqueles que visivelmente são deficientes por intempéries serão vistos não com os olhos da desconfiança e do desdém, mas possam ter oportunidades, autonomia e respeito nesse mundo conservador.
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Desconfio
VICENTE JÚLIO BARBOSA DE LIMA
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Hoje, deparei-me com um desses textos atribuídos a gente famosa. Sim, digo isso porque se não o ler no livro do autor, não tenho a certeza da sua autoria. Como diz Alceu: “eu desconfio dos cabelos longos de sua cabeça que você deixou crescer de um ano prá cá”, desconfio da beleza estampada na capa da revista, do sabor do bolo de prateleira, da inocência da menina, da voz que jura amor, do “pastor” que cura e batiza. Desconfio das linhas polares, dos raios solares e seus efeitos, da prata azul da lua, da estrela de pouca luz, do rio que seca fácil, da chuva que molha e nem poça faz. Desconfio do sujeito de voz mansa, do calado demais, do sonso nem se fala, do “caba” que só agrada e não contradiz. Desconfio do sim sem porquê? Do não sem dizer, do talvez sem nem querer saber. Desconfio da esmola aumentada, da mercadoria muito em conta, da amizade pegajosa, do menino de bucho cheio demais, da fruta mal lavada, da carne mal passada, do azeite de bar e do gás da cozinha. Desconfio do telefone que na madrugada toca, do confeito de porta de escola, de mulher apaixonada, de homem que nada tem e nem tem nada a perder, do pano comprado na feira, do pão feito depois do “esporro” do patrão, da mala com segredo e do peito grande demais. Desconfio de mim, na hora do sono e da fome, depois de três doses ou mais, corro o risco de dizer o que penso, nem sempre o que quero, muito menos o que devo. Desconfio quando “tô arretado”, quando sou injuriado ou quando querem me tomar. Não agrado defunto ruim, nem choro em velório de ditador, não faço graça pra doutor e vomito no arrogante, no pedante e no babão. Na desconfiança traço linhas, traço curvas, subo ladeira e desço rio. Consumo o que posso, sem esperar por gentileza ou caridade de ninguém. Teço verso, faço oração, busco remissão do
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mal feito sem querer. Diante do altar me redimo, me confesso e peço perdão. Na fé marcada em mim, desconfio que busco adjetivos que me tragam paz à alma e alegria no estradar: verdade, lealdade e amizade e todos os seus bons derivados. O substantivo do amor com a força do verbo amar. Desconfio que, matutinho João griliano que sou, gasto a vida que ganhei devagarzinho, sem pressa, sem agonia, pedaço por pedaço, cuidando, lustrando para brilhar, para durar, sabendo que felicidade não se busca, se tem. E desconfio mais, de que você que está lendo também deve desconfiar, morder de mansinho e até lamber a vida que Deus te deu e da qual você tem que cuidar.
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Dicionário médico segundo o matuto VICENTE JÚLIO BARBOSA DE LIMA
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Um agricultor, 42 anos, residente e natural do sítio Tabocas, distrito de Brejo Grande, Santana do Cariri, na Chapada do Araripe (Cariri cearense), acomoda-se diante do jovem médico, recém-formado e chegado da Capital. - Bom dia, dotô? - Bom dia, seu Joaquim, o que o senhor tem? - Bem, dotô. Tenho uma casinha no pé da serra, duas vaquinha (que tão inté maga), duas cabrinha e umas galinhazinhas sortas pelo terrêro. Ah! Tem tumbém uma cachorra – a Safira, e quatro fí que tão só o coro e o osso. - Não, seu Joaquim, o que o senhor está sentindo? - Ói, dotô. Na verdade, na verdade, tô sentino vontade de vedê tudo e ir me’ bora. Assim começou o diálogo entre o jovem médico e seu Joaquim – cabra sertanejo que visita a cidade só em dia de feira, trabalhador de roça em tempo de inverno e de frente de serviço na seca. - Seu Joaquim, o senhor veio procurar o médico por quê? - Bem dotô! Ói! Vim percurá o sinhô promode num sô mais o mermo. Anda vingano umas maledicência n’eu que to sem agüentá Meio desorientado com o vocabulário apresentado pelo agricultor, mas acreditando ter que manter sua postura de doutor, o médico continuou a consulta. - Pois então diga: o que é? - Pra cumeçá, to c’uma dô nas pá – bem nas ponta das cruz- descendo no êxo do tronco partindo pros fecho dos quarto. Chegano nas cadêra se espáia pra bacia, descendo pras perna, passando por trás das canela – mermo nas batata da perna- indo inté o rejeito. Seu Joaquim ainda continuou não dando chance ao médico de interrompê-lo. - Inda tô apresentano um arguêro na menina dos zói que num tem picinêz que dê jeito (inté já recebi um do vereador Zé de Biu e ôto d’um cumpade meu, mas mermo que naaaaaaada!).
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- Ói, tô c’uma pereba na cantarêra que coça que só a mulesta. A guela e a campainha é inchada direto. É um roncado na boca do estambo, um gosto azedo na boca, um aperrei no juízo, as oiça curta. - Seu dotô, o sinhô me imagina que inté na hora de fazê as obrigação é uma peleja da peste. Boto força, fico rochim...prá saí uma coisinha de nada e, tem mais, pôde que num tem cristão que aguente. Na hora de vertê água é ôtro aperrei – o mijo sai de pingo em pingo- parecendo conta de rosário na mão de beata. - Os dotô do Crato já passaro uns caxete – é cada píula que dá medo. A gente sente inté uma miora, más é pôca. E o sinhô, qué que diz? A essa altura, o jovem letrado médico, mostrava certo pânico no olhar, diante do queixoso seu Joaquim. Pouco entendera o que se passava com aquele homem diante de si. - Bem, vamos solicitar uns exames e depois o senhor volta, ok? Naquele dia, o Jovem médico viu-se frustrado por não ter sido apresentado, ainda na faculdade, a um certo dicionário médico segundo o matuto.
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O paradigma humano VICENTE JÚLIO BARBOSA DE LIMA
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A burrice humana está nas atitudes que invariavelmente chegam ao vazio, à inércia, à depressão, a um fim pouco glamoroso de quem coloca no dinheiro sua razão de viver. A cada dia que passa me convenço, mais e mais, de que o grande mal da humanidade é a própria raça humana, ou seria, desenvolvendo o pensamento, o fato de o ser humano obrigatoriamente converter-se de criança a adulto. Sim, penso que o humano adulto, macho ou fêmea, é a razão da desordem ecológica e moral de nossa raça. Se bem observarmos, as crianças, pelo menos aquelas ainda não contaminadas por pais negligentes, permissivos ou perversos, possuem em sua essência a afabilidade, a confiança no próximo, a ausência de maldade, artimanha ou subterfúgios, a sensibilidade na percepção do outro, seja no cuidado ou na solidariedade. Junte algumas crianças da mesma faixa etária e deixe-as livres. A amizade brotará fácil como grão em chuva. A disputa de espaço, quando há, se dá por reprodução de atitudes geralmente observadas nos seus cuidadores. A criança não aprende somente com palavras; mas, principalmente, pela observação dos gestos e comportamentos dos adultos que a rodeiam. O pequeno aprende com o exemplo. Assistindo ao espetáculo da cantora Maria Rita em homenagem à sua mãe Elis, deparamo-nos com a prática sobre a teoria interessante de Belchior, na qual se sugere que, mesmo a despeito de todos os nossos esforços e estímulos do mundo, reproduzimos o que vemos em nosso lar. Então, o que dizer de uma família com dois ou mais filhos? Sabidamente as personalidades são diferentes. Sim, são diferentes porque cada um captou, sintonizou ou simplesmente foi tocado por uma fatia também diferente de todo o espectro de atitudes, emoções e regras cotidianas apresentadas pelos adultos de sua convivência. Não se pode esquecer, nem tão pouco, des-
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merecer, o papel da escola e dos grupos sociais nesse contexto, porém sua abrangência ocorre principalmente na esfera superficial, agindo de forma limitada sobre a essência. Por outro lado, ser adulto é na maioria das vezes enfadonho, cansativo, sem muita graça. É cinzento. O homem adulto se torna sem brilho quando a ele é apresentada a noção de dinheiro, do ter e do que isso pode fazer com sua vida. É apresentada uma falsa ideia ao jovem e posteriormente assumida pelo adulto, que felicidade só poderá ser encontrada e será diretamente proporcional ao montante de moedas e de poder que acumular. É imposto a esse adulto uma perversa corrida pelo acúmulo de bens, pela obrigatoriedade de uma posição social de destaque, ou do contrário, estará condenado a ser um mero “cidadão comum”. Essa ideia doentia disseminada pelos tempos e gerações chega ao inconsciente coletivo gerando uma legião de almas perdidas em busca do nada ou do sei-lá-o-quê? Nessa busca sem fim, afogam-se em vícios lícitos como o trabalho exagerado, o álcool, o fumo, os ansiolíticos e antidepressivos; enquanto outros caem na contravenção ou perversão. São os doentes de alma socialmente saudáveis e, por vezes, bem sucedidos. Paga-se um preço muito caro pela perda da ingenuidade. Homens e mulheres mutilados de sua pureza e inteligência emocional e espiritual amargam o purgatório da falsa felicidade do glamour. A busca incessante por algo que não possuem, por imaginarem que será bom, e a posterior insatisfação após terem conseguido a posse, são fatos que alimentam os adultos de vazio. Recordo-me de quando morrera o humorista cearense Chico Anísio, que suas cinzas foram distribuídas entre dois lugares nos quais ele teria sido mais feliz. Um deles era sua terra natal, que representava sua infância, sua fonte de vida, sua fortale-
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za, preferida dentre tantos lugares festivos e “chiques” que frequentara e convivera. Acredito plenamente que a maneira de se encontrar alguma lucidez nesse picadeiro que é o mundo, onde não passamos de palhaços tristes, é procurar promover um reencontro com a criança que fomos. Trazer para o cotidiano e para as relações a liberdade do menino, da menina, juntamente com sua espontaneidade e capacidade de dar gargalhadas, chorar quando doer, ser breve em esquecer as quedas e as amarguras, dar pulos em calçada quadriculada, cantarolar sem propósito somente pelo fato de estar vivo, com saúde e possibilidades a explorar, sem preocupação com os olhares e/ou julgamentos alheios. Temos de rir mais e perceber que é inteligente sermos gentis, buscar um equilíbrio entre trabalho e lazer, usar terno e andar descalço, correr no sol e banhar-se na chuva, ser firme nos seus propósitos e nunca perverso, ser competitivo, sendo também leal, ter posses e não ser avarento, ter poder e não ser tirano, gostar do azul mas respeitar quem prefere o vermelho. Ao invés de sermos adultos, por que não brincamos de sermos adultos?
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Geração “X” versus Geração “Y” VICENTE JÚLIO BARBOSA DE LIMA
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Outro dia, ao assistir a um jornal televisivo, deparei-me com uma reportagem que se referia à geração “X”,”Y” etc. Confesso que até aquele momento desconhecia tais termos e suas definições. A tal reportagem ativou-me a curiosidade de observar mais atentamente, por alguns dias, o comportamento dessas gerações. Recordando alguns fatos do nosso cotidiano, impressionoume a velocidade das transformações sociais ocorridas nas últimas décadas. Percebi que temos muito a aprender com os jovens de hoje e lamentei por eles terem deixado de viver algumas situações “sui generis” a geração “X” (nascidos nas décadas de 60 e 70 e início dos anos 80 – até 1982). As cidades incharam, a zona rural se esvaziou, o mundo hoje é eminentemente urbano. As crianças perderam espaço físico e a inocência, ganharam “joy sticks”. Não sabem o que são brincadeiras de roda, bandeira, pião, bila (bola de gude); quando muito, praticam esporte em escolinhas, entre paredes e alambrados. Os adolescentes não caem mais no poço; senão na vida, pois o tempo urge. Em contrapartida, confesso que cheguei a sentir inveja de algumas nuances dos jovens de hoje, os “Y” (nascidos no início dos anos 80 até meados dos anos 90). Achei-os muito mais valentes. Os mais empolgados chegam a ser atrevidos. Percebo neles mais atitude, mais certeza do que querem ainda cedo; e absurdamente libertários. Alguns chegam a se perder buscando essa liberdade na droga. Hoje já não sei o que é disciplina e se ela realmente serve. Renato Russo a definiu como liberdade. Será? A geração “X” parece-me valorizar mais as relações pessoais (relacionamentos duradouros, estáveis, mesmo que estejam ruins); enquanto os “Y” acompanharam a velocidade dos processos, e, sendo mais afoitos, usam suas fichas todas em uma única
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jogada, sem medo, tornando as “partidas” mais curtas, porém mais emocionantes, ou seria “adrenalizantes”? A geração “X” ainda me parece mais família, mais crente, mais afetuosa. Se considerarmos que família é carma, crença é medo e afeto demais é entrave, podemos afirmar que, na teoria evolucionista, os “Y” estão mais adaptados e aptos a sobreviver nesse mundo moderno virtual global. No entanto, caso consideremos que a família é a coluna de sustentação do indivíduo, a crença é o alimento da alma e o afeto, o complemento da existência do homem, olhamos para o “X” com um pesar, uma náusea, uma dor ao perceber nossos jovens “tecno-secos”, velozes, intensos, avulsos. Todavia, se nem tanto ao céu, nem tanto ao mar, caso as gerações “X” e “Y” estudem mais uma a outra, se permitam mutuamente e intercambiem experiências, conhecimentos e atitudes, quem sabe não cheguem a um equilíbrio que possibilite a melhoria das relações sociais e interpessoais em busca do tão sonhado mundo sustentável.
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No dia de minha morte VICENTE JÚLIO BARBOSA DE LIMA
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No dia de minha morte despertarei disposto e tranquilo. Tomarei um café da manhã com sabor de infância feliz. Vestirei uma roupa leve e sem camisa. Estará chovendo. Darei a mão à chuva e dançarei com ela. A água que alimenta também equilibrar-me-á os humores, removerá a tristeza, eliminará o restinho de melancolia, os nãos rejeitados, os sins infelizes, os porquês não explicados. No dia de minha morte viajarei pelas mais belas paisagens terrestres e planetárias; comerei sem preocupação com o açúcar ou o colesterol, e cantarolarei rouco, desafinado e firme. Em voz alta, claro! A água que do céu viaja trará consigo a força antípoda da energia do fogo que me faz queimar, arder de satisfação por ter vivido, sentido e encontrado todos aqueles com quem convivi, por quem senti e compartilhei fluídos quânticos de prazer e/ou ideias, conduzindo-me à excelência de ser um homem que faz de seus medos a arma mais combativa e eficaz na caminhada terrena. Esse fogo que tanto me aquece o coração, por tantas e tantas vezes, lançou-me, sem escrúpulos moralistas, ao sabor do não, bem aceito, do sim, certeiro, sem explicações vis. Esse fogo em mim aceso pelo vento norte, vento sul, vento de todas as direções e que me aproxima dos pássaros, fomentando diuturnamente em mim, vivendo e degustando o sentimento que mais amo e venero – a liberdade! No dia que eu morrer, quero cinzas de mim. As cinzas? Que sejam distribuídas nos banquetes dos corruptos, insensatos e maus de coração, tirando-lhes a risada falsa, a alegria maldita, a volúpia infame. Noutra parte, entreguem cinzas minhas nos braços do mar, no colo de Iemanjá, onde repousarei. O tiquinho que sobrar, juntem às sementes de flamboyants e as semeiem nos solo de minha terra querida, perto de minha
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gente e dos meus. No dia de minha morte, quero festa. Sanfona, zabumba e triângulo tiniiiinndo. Aos presentes, bolo de fubá, milho e batata doce. Para não engasgar, suco de qualquer coisa. Não deixem faltar cachaça da branca e da amarela, esta última, curtida no carvalho. Aos amigos de vida, peço apenas um brinde com os dizeres: - Morreu né, caba véi? Faça graça!!!, certamente alguém ainda dirá: Pense n’um caba arretado, esse fí d’uma mãe! Sei não, viu!!!! A morte é a primeira gota de vida, é o passo seguinte, é a renovação diária, é o que afasta da ignorância, da estagnação e da inércia; é aprendizado, é maturidade, é sabedoria. É cada dia. A morte é quem dirige o belo espetáculo da vida.
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Quem é o corrupto? VICENTE JÚLIO BARBOSA DE LIMA
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Ultimamente, folheando jornais, revistas, vendo sites, recebendo mensagens eletrônicas, tenho me deparado com constantes notícias de suspeita ou deflagração de corrupção. É o executivo que “nunca sabe de nada”. O legislativo que se aglutina e se emuralha na defesa dos iguais, mensaleiros, petroleiros, bilhões são as cifras desviadas. O Judiciário, através do Supremo Tribunal Federal, tem causado câimbra no braço e bursite no ombro daquela coitada cega, muda e surda colocando naquela balança pesos e medidas diferentes entre quem é amigo da “côrte” e usa de manobras jurídicas, como alguns mensaleiros, e um Silva ou Souza qualquer povim. Para esses últimos, baixa o chicote e bate mais nêgo que é pouco, mostrando toda autoridade e arrogância da magistratura. Mas, espere um pouco, falamos sempre na classe política quando o assunto é corrupção. Encerra-se aí nossa majestosa gama de corruptos? Livrando-nos dessa corja, estamos livres dessa famigerada miséria humana? Pois bem, gostaria que meu ilustre leitor (obrigado por estar dedicando seu tempo a mim) me ajudasse a detectar quem é o corrupto. E, uma vez fazendo-o, dê sua colaboração para tratarmos esse câncer nacional. Seja refletindo, seja multiplicando atos positivos, seja começando em casa, educando os seus. Na escola, ainda cedo (não sei se ainda é assim), quando iniciávamos o estudo da história de nossa brava gente brasileira, nos era informado que somos frutos do refugo, do bagaço, do resto que não prestava na Europa. Bandidos, degredados filhos de Eva, porcos mal-educados, que aqui chegando se juntaram a um bando de nativos preguiçosos que só queriam viver de sombra e água fresca, acrescentando-se aí os “sem-almas” animalizados como força motriz de trabalho, vindos da África. Criava-se ali a nossa identidade nacional como povo, raça mestiça, para alguns, bando de pés-duros, para outros.
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Quem chegou aqui do continente velho veio para saquear, enriquecer e deixar para trás as sobras, a esmola, a miséria, a lascívia e as doenças. Mas, mesmo assim, o “negócio” se sustenta, equilibra-se na corda bamba e se cria como uma nação. Honestidade ou a falta dela estaria impregnada no nosso DNA nacional? Estaria aí a explicação dessa variedade de tipos de ética e corrupção? O Brasil é o orifício excretor moral do mundo? Falta de vergonha só existe aqui? Recentemente, presenciamos em todo o país a marcha contra a corrupção. A revolta estava direcionada aos que estão estampados nos meios de comunicação, os que têm os holofotes sobre si, ou seja, nossos inestimáveis representantes dos três poderes. Será corrupção ultrapassar pelo acostamento, quando existe uma fila quilométrica de carros numa autoestrada? Será corrupção valer-se ou esperar que colegas em uma repartição lhe deem preferência em detrimento de quem chegou cedo e aguarda há horas? Será corrupção enfiar meu “pen drive” no computador da repartição para imprimir documentos particulares, uma folhinha que seja? Será corrupção usar a máquina de xerox do trabalho para copiar atividade ou livreto do meu filho? Será corrupção não pagarmos os direitos trabalhistas de nossos empregados domésticos, quando exigimos seu recebimento à empresa que trabalhamos? Será corrupção “molhar” a mão do guarda quando flagrados numa infração? Será corrupção comprarmos CD’s , DVD’s, roupas , sapatos, perfumes e “souvenir” pirateados sob alegativa de que não se compra o original porque o preço é muito alto? O que é corrupção? Existe o ato mais ou menos corrupto? Fazer corpo mole em seu emprego sob justificativa de que recebe salários vis ou trabalha em situações insalubres poderia ser classificado como corrupção? Assim como, submeter profissionais qualificados a condições inadequadas e salários vexamino-
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sos, em nome da mais valia, levando o trabalhador a condições cada vez mais descompensatórias do ponto de vista emocional, isso não é corrupção? Meu Deus, quem é o corrupto? Contra quem estamos nos indignando? Ou nossa indignação se faz em benefício próprio? Por que não somos nós que ali estamos? É preciso lembrar o que Rui Barbosa que afirmou: De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto. (Obras Completas. Rio de Janeiro: Senado Federal, 1914. v. 41, t. 3, p. 86). O que podemos fazer para evitar que cheguemos a esse estágio a que se refere o ilustre jurista? Fazer algo é preciso, pois não aceito a ideia de que a corrupção seja nata e hereditária. A falta de educação, assim como a desvalorização daquele que é correto e que valoriza o lícito, sendo muitas vezes vítimas de bullyng, para usar termo da moda, essas atitudes negativas devem ser desestimuladas e, por que não, combatidas. Temos de lutar todos juntos, para realizarmos a mudança do paradigma da lei da vantagem para o paradigma da lei da ética, da justiça e da honestidade. Vamos pluralizar o singular. Preparar nossas crianças não para o enfrentamento, não para a busca do mercado, do para mim, por mim; mas para a cooperação, para condutas retas e atos que favoreçam não ao indivíduo, mas à coletividade que o circunda, beneficiando a todos. Que tal revermos nossos valores, procurando realizar atitudes pró-ativas, com seriedade, humanismo e amor ao próximo? É preciso entender que fazer o correto é mais que uma boa ação. É uma questão de inteligência.
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Viver ou existir VICENTE JÚLIO BARBOSA DE LIMA
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Viver não é uma das atividades mais fáceis de realizar. Saber viver, então, nem se fala. Muitas pessoas na realidade apenas existem. Não sabem a que vieram e, sabe de uma coisa?, nem estão preocupadas com essa questão ou não têm consciência de que pode haver algo além da simples existência. Viver é muito mais complicado. Requer atributos inatos, que em alguns estão atrofiados pelo desuso, além de atributos adquiridos a cada janeiro vivido. Poderíamos empiricamente listar como atributos inatos: capacidade para desenvolver a sensibilidade, a gentileza, o perdão, a inteligência emocional para o bom convívio com os demais seres e a natureza, entre outros. Os atributos adquiridos, a meu ver, dependem de alguns fatores mais específicos, os quais farão a grande diferença durante a vida do homem, muitas vezes, determinando seu lugar na família, comunidade, sociedade ou até na história. Poderíamos listar: clã de origem, religião de escolha ou imposta, país onde nasceu, momento histórico e por aí vai. Lembremos que, para Jean-Jaques Rousseau, o homem nasce bom e é corrompido pela sociedade. Mas quem a constituiu, se não os homens? Se considerarmos as diferentes raças humanas, cada uma com características sociais que lhes são peculiares? Poderíamos imputar a formação das sociedades como as conhecemos hoje à preservação das diferentes raças humanas. Algumas vezes, a humanidade teve de lutar contra as ideias de Darwin, interpretadas inadequadamente por representantes de algumas nações, para as quais algumas raças, ao invés de terem sido subjugadas bélica e moralmente, poderiam ter sido dizimadas definitivamente pelos mais “fortes e aptos” na luta, não pela sobrevivência, mas pelo poder e riquezas existentes em nosso planeta. Viver requer bom senso, uso coerente de seu aparelho de jul-
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gamento, ética com os pares e com a humanidade e a natureza. O imposto que a vida cobra pela aquisição do aprendizado sobre como viver não é pequeno, porém o investimento que se faz, com certeza ainda vale a pena. A construção das sociedades foi e é muito importante para a evolução organizacional e tecnológica da humanidade; porém, a imposição na forma e no estilo de viver, feita pelo modelo socioeconômico vigente em determinada época, favorece o desenvolvimento da “matrix” social. Dessa forma, contribui pouco, nada ou negativamente para a evolução natural dos aspectos emocionais e espirituais dos indivíduos e de como eles podem efetivamente viver. A passagem da infância para a fase adulta tira do indivíduo o riso fácil, a espontaneidade, a verdade sem subterfúgios, diminui sua capacidade de recuperação diante das frustrações, de fazer amigos e de mostrar-se confiável e confiante diante do outro. Ser adulto na “matrix” social criada pelo homem é ser refém das exigências, imposições e controle oficial ou do inconsciente coletivo, realizado pelos órgãos ali constituídos e que marcham, muitas vezes, em direção contrária ao crescimento individual. O “corpo” social se faz viril à custa do padecimento da sua unidade celular básica: o homem. Se fizermos um comparativo, mesmo que subjetivamente e sem o rigor do estudo científico milimétrico, entre a evolução econômica, tecnológica, acúmulo de riquezas, organização social e até comunitária, e o crescimento de valores altruístas de solidariedade, gentileza, afeto e ética do ser humano individual ou coletivamente, teremos uma grande impressão, mesmo que subjetiva, de uma considerável diferença a favor dos primeiros. As riquezas mundiais se multiplicaram, enquanto o homem continua ceifando a vida de um par por motivos banais. Estamos entrando no terceiro milênio e perfazemos mais de
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seis séculos de hegemonia do pensamento crítico e científico. A Idade Média, conhecida como Idade das Trevas, foi assim condenada por sua “estagnação” na evolução econômica da humanidade. Não quero e nem posso negar o benefício que é uma expectativa de vida próxima de cem anos em algumas sociedades, as facilidades de deslocamento e informação, o conforto que hoje gozamos todos esses frutos do raciocínio e rigor metodológico. Não proponho o retorno aos feudos. No entanto, proponho uma discussão: não estaria na hora de fazermos com que a ciência, hoje preconceituosa, vaidosa e arrogante, buscasse contribuir não apenas para o crescimento das nações, mas também para acelerar descobertas sobre formas de garantir que os atributos inatos sejam utilizados por todos em benefício do todo e do planeta?Dessa forma o homem deixaria de ser apenas fragmento descontínuo da sociedade. Não falo de psicologia com explicações técnicas das sensações humanas. Falo de encontrar maneiras que estimulem a gentileza, como um bom-dia entre pessoas ao se encontrarem, solidariedade com a dor e dificuldade do outro, do amor franciscano e não do que barganha (se te ofereço, quero em dobro), da ética em casa e no trabalho, da libertação dos preconceitos, aprendendo a conviver bem com as diferenças entre os pares, ou mesmo, com os diferentes. Até quando teremos nações ricas, organizadas e eficientes com pobres homens bárbaros?
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Nova ordem
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O capitalismo é o sistema econômico dominante no mundo ocidental desde o final do feudalismo. O termo capitalismo foi criado e utilizado por socialistas e anarquistas (Karl Marx, Proudhon, Sombart), no final do século XIX e no início do século XX, para identificar e criticar o sistema político-econômico existente na sociedade ocidental porém, o nome dado pelos idealizadores do sistema político-econômico ocidental, os britânicos John Locke e Adam Smith, já desde o início do século XIX, é liberalismo. O liberalismo se sustenta pela ideia da escassez. O pleno, o satisfatório, o suficiente são projeções que não interessam aos ideais liberalistas. Dessa forma, ele nos sufoca, asfixia-nos, toma-nos o tempo para que não possamos ter discernimento e que sejamos apenas objetos de trabalho e de consumo. Assistimos, impotentes, à tomada do planeta pelas grandes corporações financeiras que têm deixado governos reféns e cidadãos doentes. O câncer, a depressão, o diabetes são algumas patologias que possuem suas bases nas frustrações humanas. Você só vale o que pode consumir. Nada mais. Querem transferir ao cidadão comum a responsabilidade dos desastres naturais por precedente destruição da vida não humana na terra. Insistem em intuir a ideia que você deve jogar seu resíduo plástico em depósito apropriado e tomar banho com menos água para salvar o planeta das intempéries e desastres naturais, quando eles continuam despejando produtos químicos nos mares e rios em volume exorbitante. Devastam reservas florestais urbanas, dizimando o que lá vive e existe, para construção de “casas de pombos” com área de lazer completa. Modificam geneticamente alimentos para aumentar a produção. Utilizam, sem data para acabar, energia fóssil em suas desventuras gananciosas. O universo caminha para uma entropia. Nós marchamos rumo à autodestruição por mesquinhez insana e adoração ao di-
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nheiro dos que estão assumindo o poder do mundo, como procederam todos os que assumiram até hoje. Como diz uma amiga “...mesmo havendo conhecimento de que no final de tudo não leva a nada, mesmo assim são danadamente desesperados”. Esse desespero pelo poder, pelo controle, pela mais valia, pelo sei-lá-o-quê? A humanidade vive uma corrida alucinada, porém sem rumo. Somos como uma manada tresloucada sem direção ou sentido, em que alguns poucos bossais fazem jogatina nas bolsas de todo o mundo. Servimos apenas de peças em um grande jogo, no qual a sua, a minha, a vida de todos está à mercê de um lance, uma jogada de ficha. Enquanto poucos se divertem nessa mesa de jogo sem propósito ou fim, a maioria cá na base se mantém areada sobre quem dá o ritmo da música que estão dançando. O analista econômico vai à rádio e TV tentando adivinhar a próxima cartada dos bossais. Os políticos procuram uma maneira de, sufocando o sujeito da “ralé” minguando-se salários e serviços, garantir seu “caixa dois” para próxima campanha eleitoral, mas sempre encontrando um tempinho para dar aquela lambidinha no saco escrotal do sujeito que lhe financiou o pleito e utilizando-se da velha máxima: massacrar os pequenos e amiudar-se aos grandes. O advogado tenta ao seu modo servir quem lhe der mais. O juiz, ah! Esse quer férias, pois se sente muito cansado de tanto trabalho e responsabilidade. Os padres, depois que perderam prestígio social, lavaram suas mãos. Os pastores estão mais preocupados com os dízimos. Os médicos, ora, esses estão de plantão, não sabem de nada do que está acontecendo no mundo e, quando têm algum tempo, correm para se escravizarem em algum financiamento de mármore ou automotor numa disputa com os demais, que também nada sabem além de sua subespecialidade. E o restante? Peças, peças e
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mais peças. O poeta sonha; o operário bate ponto; o jovem está bombando em alguma rave ou rede social; o soldado prende; o ladrão furta; o bandido mata e o dia não acaba mais porque a noite é criança. A vida passa, os homens passam. Claro que em todas essas categorias citadas, e nas demais existentes, há pessoas indignadas e inquietas que nadam contra a corrente e maré bravia, que não entregam os pontos e que buscam vida além do poder e do metal. Falo do liberalismo porque é o sistema que está no comando de nossas vidas, no entanto, dentre os que existem, não vejo alternativa que se apresente de forma mais justa. Com certeza, o totalitarismo e a situação de exceção e falta de liberdade da China e Cuba não constituem parâmetros mínimos para que possam entrar nessa discussão. Certo é que o que queremos ainda não existe na prática, nas mentes de alguns poucos visionários. E, assim, marchamos matando Cristo na Páscoa e festejando seu nascimento no Natal renovando esperanças e sonhos a cada volta da Terra em todo do astro rei. Possuímos uma vista curta para enxergarmos além do óbvio, uma mente preguiçosa demais para analisarmos a realidade em que vivemos e pernas muito pequenas que limitam nossa marcha enquanto humanidade. Confesso, senhores, que mesmo com algumas divagações e outras contestações, não sei como quebrar a corrente da ignorância, da subserviência, da aceitação do status quo me imposto nesse cenário. Sei apenas que me inquieto, como muitos, e assim sendo não paro, não me acomodo, não abro mão da esperança. Quero deixar de ser pedra para me tornar água.
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A mulher que engravidou de um abacaxi VICENTE JÚLIO BARBOSA DE LIMA
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Era o ano de 1998, eu estudava em Campina Grande, na minha querida Paraíba. Comecei a fazer parte de um projeto de pesquisa bastante interessante, vinculado ao CNPq, sob orientação daquela que seria o divisor de águas em minha vida acadêmica, professora Norma Montalvo de Soler. Propomo-nos a investigar sobre a Saúde Humana e Ambiental de Pequenos Produtores Rurais do semiárido Paraibano. Eu e meu grande amigo Isaac Newton, além de um grupo de estudantes da Sociologia e Educação. Passamos um mês inteiro entre as cidades de Pedra Lavrada e Nova Palmeira, em pesquisa de campo. A professora era a capitã dessa turma que estava acampada em uma casa, com tarefas e afazeres domésticos divididos. Não existiam regalias, porém o pessoal de Humanas achava que eu e Isaac éramos os queridinhos da professora, mas na verdade éramos, mais ele do que eu, estranhos no ninho da Sociologia. No fantástico, para mim, ninho da Sociologia. Saíamos cedo de casa diariamente. Inicialmente, percorremos toda área rural de Pedra Lavrada mapeando casa por casa. Em seguida, iniciamos a fase de colheita de dados, visitando família por família. Algumas faziam festa, outras eram indiferentes a nós e outras corriam com a gente de suas casas. Algumas coisas ficaram marcadas: sanduíche com atum preparado com limão e cebola bem picadinha, suco de manga e sombra de umbuzeiro. Nessas cidades, assistimos ao adoecimento e morte prematura de trabalhadores de minas de quartzo rosa e branco pela pneumoconiose. Certo dia, chegamos à casa de uma jovem de aproximadamente 30 anos de idade, que chamarei de Maria Santa. Fomos cordialmente recebidos. Iniciamos a aplicação do questionário: - Dona Santa, quantas pessoas moram nesta casa? - Óia, mora eu, pai e esse minino (apontando para um garo-
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to de uns 10 anos de idade). - De quem é esse menino? - Óia, esse minino é meu. - A senhora é casada? - Sô não sinhô. - Separada? - Não sinhô. - E esse menino? - Óia, esse minino, me queixo d’um abacaxi que comi. - Como?!?!?!?!?!?!? (em voz alta, indagamos todos a único tempo). - Isso mermo, seu dotô. Esse minino me quexo d’um abacaxi que me fez má. Silêncio no ambiente, olhares cruzados e a dúvida: estaria essa jovem senhora zombando de nossa pesquisa? Caçoando desses aprendizes de pesquisadores? Tirando onda com nossa cara? Se divertindo às nossas custas? - Calma (falei com voz compassada e gestos com as duas mãos). A senhora conheceu homem com que idade? - Nunca conheci homi não sinhô. Sô limpa. (Em voz altiva e firme). - A senhora nunca teve momentos mais íntimos com um homem? - Não, sinhô. Num tô dizeno (aumentando o tom de voz e franzindo a testa). - Háááááá!!!! A senhora adotou esse menino, não foi? - Óia, o senhô é dóido ou se faz? Já num dixe que esse minino é meu. E agora? Perguntávamos uns aos outros diante dessa inusitada situação. Como iria constar esse dado no relatório final da pesquisa? Membro de uma família filho de um abacaxi. Respira-se fundo e tenta-se por outro caminho descobrir a verdadeira identidade desse “abacaxizinho”. Pense num abaca-
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xi que pegamos! - A senhora vai sempre à feira na cidade? - Não sinhô, tá pra mais de 10 anos que num vô. - Esse tempo todo a senhora não saiu daqui? - Não sinhô. Derna que mãe morreu, num me lembro de tê saído dessas bandas, não. - A senhora votou em quem para presidente? - Votei não, sinhô! - Sabe quem é Fernando Henrique Cardoso? - Conheço não, sinhô. Óia, acho que num é dessas bandas de cá não, visse! - E a apresentadora Xuxa? - Qué que tem? - A senhora gosta? - Óia, nunca comi não, ví! Nesse momento, dirigi-me a Isaac e comentei que a estória estava criando forma. Aquele menino poderia mesmo ser de um abacaxi. Continuamos em busca da identidade secreta do pseudofruto. - D. Santa, veja bem. Nunca nenhum homem chegou nem perto da senhora? - Óia, o povo daqui diz que esse minino é de Zé de Chico Amâncio do baxí grande. Mái eu mermo digo que num é não. As veiz, acho que ele tem inté umas aparência com Zé, mas né não, minino, oxeeeeee! Se fosse eu já sabia, tá veno não? - A senhora nunca “brincou” com Zé? (Me atrevi). - Óia, gosto de inxirimento não, visse. Mái vô te dizê uma coisa: tinha vêiz que, quando eu ia dêxar o cumê de pai na roça, Zé acumpanhava eu. Me dava frô, leite de rosa, inté um sabunete palmolive ele já me deu, tá veno? Adispôis, vinha c’umas lorotas besta, mas eu num tava nem aí, dava cabimento não, ví? Mái teve vez que Zé perdeu a paciência com eu, me deitarra nas
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capuera e se inxiria. Mas vô logo dizeno que num foi isso não, ví esse minino? Prumode meu bucho começô a crecê adispois que comi um abacaxi quente do sol que pai trove da fêra. Isso já fazia quaje trêis mês que Zé num via eu. Foi Zé não, minino. Já dixe a pai, foi aquele abacaxi. Realizamos nossas anotações em um caderninho à parte e seguimos para a casa seguinte. E então, caro leitor? O menino é de quem? Arrisca-se a dizer?
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De que lado você está? VICENTE JÚLIO BARBOSA DE LIMA
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Existe uma lei da física que nos fala que o universo caminha para uma entropia. De fato, conseguimos, por exemplo, desorganizar um ambiente com bem mais facilidade do que deixá-lo organizado. Além disso, o ato de organizar traz consigo uma sensação de trabalho e racionalização do processo, enquanto, muitas vezes, nem percebemos como instalamos o caos onde estamos. A raça humana tem se superado cada vez mais na tarefa da autodestruição e destruição do planeta que habita. Guerreiam-se no atacado por expansão de territórios e subjugação de outro povo, por fanatismo religioso e pela aquisição ou manutenção de poder quase absoluto, destruindo inclusive sua gente. Guerreiam-se no varejo pela vaga da fila do pão, vaga do estacionamento, da ficha no guichê, pelo espaço privilegiado no cunhão do chefe, por trocados nem sempre lícitos, por fantasias consumistas. O homem aprendeu e se apegou com força à hipocrisia. O marketing lhe trouxe a ferramenta precisa e tudo é passivo de maquiagem. Da atitude distante do discurso e da aparência à negação da morte, vivemos um enfadonho e nebuloso baile de máscaras social. Lobos camuflam-se de cordeiros, catacumbas disfarçam-se de belos jardins floridos e bem cuidados. O sistema vende a todo o momento a ideia de felicidade plena, a ser alcançada na necessidade do acúmulo, do ter mais bens, ter mais roupas (de marcas), ter o carro mais caro, ter mais lugares visitados, ter mais “amigos” nas redes sociais, ter mais, ter mais, ter mais.... Se você não tem, você não é. Para fugir da ideia e da nódoa demoníaca criada na sociedade de consumo, do não ter e, logo, não ser, o sujeito tem sido doutrinado a permanecer o tempo inteiro armado e pronto para o embate e para a vantagem que pode tirar de qualquer situação criada. Observa-se cada vez mais e por motivos cada vez mais banais, não sem perplexidade e pavor, e em idades mais breves, as pes-
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soas perderem sua compostura e lançarem-se em ataques verbais, gestuais ou físicos. Impressiona a pressa com que alguns têm passado da “educação” para o gesto insano de agressividade. Para isso, basta a pessoa ser contrariada, então toda sua carga de desgostos, frustrações e desgraças é ligeiramente vomitada em frações de segundos sobre o oponente da vez, geralmente incrédulo do espetáculo parvo que presencia. Cena bastante frequente feita por acompanhantes de pacientes em hospitais, por exemplo (o paciente quase nunca o faz); em bancos, restaurantes e locais públicos. A busca insana pelo padrão de felicidade e facilidades vendido pelo mercado também tem fabricado legiões de indivíduos isentos de qualquer energia para o trabalho ou imbuídos de qualquer preceito moral. Comportam-se como hienas em busca da caça alheia, sem considerar o esforço do caçador ou urubus que fazem festa sobre o defunto já frio e em decomposição. Nem as carcaças da presa deixam para trás. Mercenários, estelionatários, espertos de plantão saem todo dia de casa para te encontrar. A ordem do dia é lutar e vencer, vencer, vencer. Sinto muito pelo rumo que deram à palavra vencer, tão forte e significativa e tão usurpada de seu sentido. Espero que não esteja muito à maneira de Auguto dos Anjianos e que tão pouco veja generalização torpe em minhas palavras. Até que gostaria de estar exagerando, pois seria menos surreal. É claro. Também existe o contraponto. Não gosto da ideia da luta do bem contra o mal, mas da existência de um movimento entre a entropia e sua antípoda que é a organização, o ato produtivo, a estabilidade. Mares bravios é que formam bons marinheiros, sofrimento traz maturidade, tragédias pessoais trazem a realidade. Muitas vezes, o aprendizado ou algum aprendizado chaga-nos pela dor; outras vezes não, como é o caso da educação pelo exemplo, que é
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aquela na qual eu mais acredito. Pessoas fortes e solidárias vão se moldando e é nos encontros que se unem e, juntas, buscam a harmonização e trazem um equilíbrio na balança da existência. Certamente não é fácil nadar contra a maré, contra a sedução das facilidades, dos atrativos do menos trabalhoso e mais vantajoso. Resistir a isso torna o ser humano diferente e os diferentes quase nunca são tolerados. A oração, a ética, a lealdade, a caridade e a solidariedade são antídotos, atributos com altíssimos graus de complexidade e que exigem imensuráveis investimentos pessoais. Resistir à tentação do pequeno delito, para muitos, é como uma criança resistir a uma guloseima em festa de aniversário do coleguinha. Crescemos ouvindo aqueles que enfrentaram tsunamis ou tiveram a inteligência de aprenderem com os exemplos, muitos desses sem estudo algum, dizerem: “o mundo dá, mas também ensina”, “quem encontra besta não compra cavalo”, “quem se mete a redentor termina crucificado”, “diz-me com quem andas que direi quem és” e “todo dia sai de casa um besta e um sabido”.Noutra face desse prisma, santos, avatares, ativistas, humanistas, filósofos nos transmitiram, por sua trajetória de vida ou pelo verbo, alternativas para que não se entre no redemoinho do mundo material, amoral e frio. Não me canso de expressar, embora sem nenhum conhecimento técnico ou dados que comprovem, que a educação religiosa cumpre um papel social que as escolas pagãs que vem lhes sucedendo não estão conseguindo fazê-lo, na contribuição da formação ética e moral dos nossos jovens. Porém, entendo que o papel principal e primordial da educação de civilidade, moral, ética também é dos pais, que têm se excluído do processo e cobrado das escolas, as quais, por sua vez, no mundo regido pelo capital, se propõem a preparar o jovem apenas para o mercado de
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trabalho. Este fica no desamparo. O jovem só gostará de rezar, orar ou ir a ritos religiosos se for estimulado. O jovem só tratará bem o idoso, o mendigo, o doente, o diferente, com delicadeza e igualdade, se tiver o exemplo próximo, de quem é sua referência. Acredito que vivemos uma paranoia coletiva pelo trabalho e pela luta das nações e das grandes corporações por crescimento econômico, que ocorreem detrimento da saúde coletiva e individual. Somos um exército de escravos adestrados a acreditar que a felicidade está no ter, no poder e no ser social. Estamos tão doentes que condenamos e discriminamos quem, enxergando um palmo além do nariz e do umbigo, encoraja-se e rompe com essa insanidade coletiva, essa maconha estragada eterna que cega e deixa letárgico e sem energia para reação aquele que está institucionalizado nesse processo. O bem x o mal; o Yin x Yang; o fogo x água; o sol x chuva; o ego x superego; ética x imoralidade; solidariedade x individualismo; eu x meus fantasmas. Como diria Chico Science: de que lado você samba? De que lado, de que lado, de que lado você vai sambar?
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Êxodo rural às avessas PARA PROFESSORA NORMA MONTALVO DE SOLER E JÚLIO LUÍS BARBOSA
VICENTE JÚLIO BARBOSA DE LIMA
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O Brasil é um país de dimensões continentais e possui diferentes biomas em seu território. Há mais de cinco século éramos deflorados pelos europeus ávidos por riquezas alheias. Impuseram-nos economicamente uma vocação meramente extrativista e monoculturista. Sofremos vários ciclos produtores que, em seu período de vigência, traziam alguma prosperidade para a região contemplada. Foi assim com a cana-de-açúcar no Nordeste, com a borracha na Amazônia, com o ouro nas Minas Gerais e com o café em São Paulo e Sul do país. Quando nossas reservas eram dizimadas, por exemplo, o ouro de Minas, que ainda hoje é posto à mesa da corte e alta sociedade inglesa por incompetência lusitana, ou quando nosso produto perdia valor no mercado mundial, buscava-se nova cultura em outra região. Naquela área ficava o espasmo, o vazio, a decadência e parcas lembranças daqueles que tinham os pés fincados na terra como raízes. Restava ali uma população à mercê da própria sorte. Política Social? Do que se trata? Nada que resgatasse os que ficavam para fechar a porteira ou permaneciam dentro dela. Não havia política alguma no Brasil colonial, Império ou República que não estivesse para o benefício da medíocre classe dominante. A região Nordeste, de bioma mais instável, sempre “pagou o pato” pelas confusões no céu, fosse pelo choro das virgens celestiais chovendo muito em pouco tempo, fosse pela escassez de algodão nos ares para converterem-se em água. Secas devastadoras, como em 1879 e 1915, traziam miséria, fome, desnutrição e doença a uma população há muito abandonada e esquecida pelo poder central. A vaca leiteira da vez, nessa época, eram os cafezais nas grandes fazendas do interior de São Paulo. Nesse período houve um grande êxodo do Nordeste ao in-
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terior de São Paulo e Rio de Janeiro, minguado logo depois pela chegada dos imigrantes europeus, mais “robustos, afeiçoados e espertos”. Com o início da industrialização esse contingente populacional, expulso dos cafezais, busca trabalho nas crescentes cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Esse povo miúdo, feio e miserável aos olhos dos gabolas aristocratas servia agora de lenha aos fornos das olarias recém-surgidas. Passam a povoar as encostas, morros e margens daquelas cidades. A esse povo só restava a dignidade pessoal, já que a social lhe era furtada, e a lembrança do amanhecer e pôr do sol de sua terra seca, de onde vingaram as gentes prontas para a labuta e o sofrimento. No final da década de 1950 dá-se início, no planalto central brasileiro, à construção da nova capital do país, Brasília. Dessa vez, gente de todos os pontos do país, cearenses (como meu avô Júlio Luís Barbosa), potiguares, pernambucanos, mato-grossenses, capixabas, fluminenses, paroaras, bandeirantes migraram para a terra das plantas baixas em busca do que o Estado se fazia incapaz de lhes oferecer em sua terra natal – emprego e comida. Nas décadas seguintes, de 1960, 1970 e primeira metade da década de 1980, há uma retomada da industrialização, do chamado milagre brasileiro, na verdade propaganda enganosa dos governos militares e que atraiu a população pobre com a promessa de trabalho e renda. Mais uma vez, os nordestinos foram recrutados para os subempregos e a indigência foi inchando, cada vez mais, as grandes capitais do país, primordialmente as do Sudeste provocando uma crescente “favelização” nesses lugares. Desse período trago fortes lembranças, principalmente da seca de 1983. Ano em que perdi parte dos amigos que seguiram empurrados pela força gravitacional da miséria para o sul com suas famílias. Igualmente a eles, milhares de conterrâneos se-
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guiram em paus-de-arara, coletivos clandestinos ou pela Itapemirim rumo aos subúrbios. No entanto, muitos foram os teimosos que se negaram a romper o cordão umbilical com sua terra e sua gente. Para esses restava a lida em frentes de serviços, como construções de açudes subsidiados pelo governo, cuja ajuda concreta se limitava a uma tímida feira básica, na qual o feijão já vinha rico em gorgulhos. Muitas famílias de homens bravos, íntegros, honestos e acima de tudo crentes, cuja palavra dada tinha força de assinatura em cartório, caíram no “conto do vigário” e na ilusão do “sul maravilha”. Esses homens e mulheres partiam levando suas “ninhadas” de pequenos, pois poucos eram aqueles que possuíam menos de seis filhos dependentes. Essa gente, arrancada pela miséria e pela fome, trocava seus roçados secos por casebres amontoados em morros do sudeste. Mal desembarcavam em terra estranha com gente esquisita, como diria Renato Russo, partiam em busca de um serviço para alimentar o bucho, pois serviço foi só do que a maioria sempre sobreviveu, já que, sem estudo, emprego para eles não existia. Seus filhos agora brincam entre becos e sobre lamas e lajes. Na ausência dos pais, logo aprendem o caminho do asfalto. Os anos passaram e esses pais já não tinham controle sobre suas crias que, vivendo na miséria urbana, já não são regidos pelos mesmos preceitos de hombridade e subserviência de seus pais e avós. O retirante que chegara adulto na cidade grande nunca se homogeneizara com aquele universo e vive a ilusão de retornar a suas origens. No entanto, essa mesma gente, agora submetida às leis e regras urbanas de sobrevivência, há muito perdera sua ingenuidade e também já não se homogeneízam com aqueles que não partiram. São brasileiros híbridos e sem identida-
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de, pois não se veem completamente urbanos; tão pouco se veem como camponeses que foram. Nesse meio tempo, seus filhos e os filhos dos seus filhos nascidos e formados nos morros e favelas e na inércia perversa do governo, com ausência de políticas públicas e sociais efetivas, aliados a uma sociedade de consumo excludente e de valores morais e prioridades questionáveis esses filhos passam a serm presas fáceis dos grandes cartéis e financiadores do tráfico de drogas e, por vezes, atores do jogo de violência de toda sorte. No final dos anos 90 e, por toda última década, presenciamos enfim um início de distribuição do avanço econômico vivenciado pelo país, que pela primeira vez em sua história apresentou progressos significativos em todas as regiões. Com o favorecimento do cenário mundial, aliado às políticas públicas (ainda deficitárias, mas presentes) há uma melhoria substancial na qualidade de vida das cidades de pequeno e médio porte em todos os estados do Nordeste. Nas grandes metrópoles observa-se também o aumento da repressão à violência, com melhoria do aparato tecnológico dessas cidades e de suas polícias. Essa conjuntura, dentre outros fatores, desencadeou na última dezena de anos um êxodo rural às avessas, fazendo com que houvesse nas cidades nordestinas menores e medianas, assim como na zona rural, um aumento da violência, uso de drogas e criminalidade sem precedentes em nossa história. Essa violência qualificada formada nos subúrbios paulistanos, cariocas e de outras metrópoles pelos descendentes daqueles que partiram para o sul, em revoada de retorno, em fuga ou em busca de oportunidade, tem gerado o caos, onde outrora existia uma vida pacata e segura. O cidadão interiorano camponês tem sido saqueado em seus bens, sua vergonha e dignidade por “mutantes” emigrados que
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não conhecem nem valorizam alguma coisa de suas raízes. São homens contaminados pela perversidade e barbárie tão comuns nos lugares de onde partiram. Temos, sem dúvida, grandes exemplos de superação e vitória de parte daqueles que se foram e de seus formados. Cidadãos que superaram todas as dificuldades e venceram em terra alheia muito mais por méritos pessoais e não pela regência do Estado. Será que o preço do progresso passa inevitavelmente pela perda da paz e da segurança, pela frieza burocrática das relações, pela escassez de tempo para projetos e ações pessoais, pelo desequilíbrio emocional de nossos cidadãos? De tudo que caracteriza o progresso, talvez a violência sofrida pelo homem comum seja de longe o principal item que nos leva a questionar a real vantagem desse tal negócio de “desenvolvimento”. Até onde vale a pena esse modelo de crescimento e modernização vigente em nosso país? Será possível a tal da sustentabilidade também para nossa região e nosso povo ou isso é retórica de românticos? O ser humano é corrompido com o caminhar dos anos ou traz em si a voracidade do lobo sobre os iguais? Devemos apenas assistir da geral às transformações sociais a que estamos sujeitos ou nos cabe o dever de lutar para participar da engrenagem que faz funcionar essa máquina? Já não está na hora de maturar nossa democracia e deixarmos de lado o discurso de que ainda estamos engatinhando ou somos muito jovens nesse processo? Como diria Nelson Rodrigues: aos jovens peço apenas que cresçam e tornem-se adultos (sem perder a alegria, por favor!). A todos, peço apenas que descruzem os braços!
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Os paradigmas de um chefe VICENTE JÚLIO BARBOSA DE LIMA
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A palavra chefe deriva do francês chieef, que por sua vez tem sua origem do latim caput,ítis = cabeça, parte superior. Muitas são as maneiras pelas quais os chefes são conhecidos: cabeça, cabo, capitão, condutor, diretor, dirigente, general, guia, líder, mentor, principal, e por aí vai... Você escolhe ser chefe ou é recrutado a sê-lo? O chefe necessariamente possui a mesma ideologia de sua empresa? Características individuais de liderança, organização, conhecimento técnico profundo, empreendedorismo são suficientes para tornar alguém um bom comandante? O humor, por exemplo, é necessário a um líder? Muitas vezes, observamos alguns diretores amáveis, leves, bem humorados; outras, observa-se alguns que possuem um “humor” tão afiado quanto um esmeril de pedreira, daqueles que só quem consegue rir de seus comentários é ele e seus comandados puxa-sacos mais próximos (desses falarei em texto futuro “O protótipo do puxa-saco”). Há diversas formas de adquirir respeito e motivação para o trabalho pelos comandados: pela força (tirania, perseguição, intimidação), pelo exemplo (cobrar do outro o que se pratica), pela coerência (não generaliza, não favorece, não acossa), pela Justiça (ninguém espera que um chefe seja bom; apenas justo). Viver sob a espada de um tirano dói o corpo e a alma, causa depressão, impotência, hipertensão, diabetes... O sujeito que persegue geralmente o faz no intuito de encobrir, esconder suas limitações e fraquezas e, ainda, sua incompetência, sendo geralmente capacho e subserviente de seu superior. Aquele que intimida traz impregnado em seu DNA o gene da covardia. Ser trabalhador, gostar do que faz, conhecer o trabalho e seus comandados, ser exigente com coerência, reconhecendo as limitações de cada um, procurando estimular as qualidades individuais; saber posicionar-se com firmeza, com gentileza, com seriedade e
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com afeto faz brotar nos convives de trabalho um senso de responsabilidade e vontade de acertar. Faz o funcionário sentir-se parte de uma engrenagem que necessita de sua força; ou paciência; ou inteligência; ou sensibilidade; ou destreza. Atribuições pessoais que só gerarão bom resultado, caso o trabalho seja realizado em equipe, com valorização de todos, pois não acredito que alguém consiga deter todas aquelas qualidades sozinho. Imaginar um mentor que não possua inteligência emocional deveria ser um absurdo, pois acredito que faz parte das qualidades básicas de um superior. Pena que não é e, mais pena ainda, é que a maioria dos cabeças não sentem essa necessidade para o seu dia a dia. Manter-se coerente não é tarefa fácil. Os vários funcionários de um mesmo setor não produzem de maneira uniforme. A motivação, a criatividade, o esforço, a tolerância, o conhecimento técnico não são iguais e isso deve ser considerado pelo comandante, não para dar privilégios, mas para resgatar, estimular e fortalecer os menos hábeis. De outra forma, colocar o preguiçoso, o indisponível, o limitado no mesmo balaio do esforçado, do paciente, do que tem iniciativa poderá gerar insatisfações e queda na qualidade do trabalho. Cuidado maior se deve ter para não tratar os iguais de forma diferente, gerando injustiças. Da mesma forma que nenhum bom funcionário espera que um chefe seja bom, e sim que ele seja justo, cabe ao mentor não esperar ou exigir que o comandado seja submisso, subserviente, sem opiniões próprias. Um chefe não pode ter medo da contestação, da sabatina, da contra-argumentação. Humildade através do reconhecimento de suas limitações torna o homem sábio e forte. Um bom timoneiro não procura glórias individuais. Ele deve reconhecer que seu sucesso é resultado de um trabalho de todos. Querer a glória sozinho minará sua liderança e o tornará um rei solitário.
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O protótipo do puxa-saco VICENTE JÚLIO BARBOSA DE LIMA
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Sempre que se aproxima uma eleição em nosso país, presenciamos tempos de euforia civil. É bastante comum vermos, acompanhando os candidatos ao pleito maior e os pretendentes às cadeiras das câmaras legislativas uma figura emblemática, enigmática, quase mística: o puxa-saco. Acredita-se que o termo puxa-saco teve sua origem ainda no Brasil colônia. Tratava-se de sujeitos que sempre procuravam carregar os sacos de pano com os pertences de militares do exército, recém-chegados no lugar, de olho na gorjeta que poderiam receber. Pois bem, apesar de estarem mais à vista nessa época do ano de eleição, indivíduos dessa espécie podem ser encontrados e reconhecidos em todos os lugares onde a hierarquia esteja presente. Traçar um perfil desses elementos não é tarefa fácil, pois possuem várias nuances e diferentes representações. Observamse desde os sujeitos folclóricos subservientes por admiração e amor, até aqueles que nutrem raiva e rancor sobre quem bajulam. Existem os mais empolgados, que não se envergonham, mostram-se em qualquer lugar e ainda levantam bandeira de suas condutas. Alguns gostariam até lançar uma parada como o dia nacional do orgulho dos puxa-sacos. Outros por sua vez, absurdamente perniciosos, são enrustidos, dissimulados, mais camuflados que pebas em buraco, e mudam de máscaras a cada vento ou evento, a cada interesse. Não podemos, contudo, acreditar que a maioria das relações onde o quociente de poder esteja presente siga esse modelo. Claro que há em muitas relações equilíbrio da ligação entre o comandante e o comandado, que, por vezes, atua como amigo e conselheiro, porém, sem abrir mão de suas verdades e convicções e sem fazer disso uma moeda de troca. A interseção entre todos os lambe-botas de carteirinha parece-me ser a pura falta de pensamento e vontade própria com-
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binada com uma permissividade canina, acomodando-se falsamente a qualquer situação, desde que se tire dela algum proveito momentâneo ou tardio. O sujeito bajulador é altamente competitivo. Consome muita massa cinzenta nas incontáveis tentativas de saber o que poderia agradar o seu chefe. Se não consegue fazê-lo, ou pior, se alguém o faz mais rápido, ele chega a se angustiar, consumirse, sofrer intensamente. Não porque não agradou seu superior, mas porque alguém ousou, mesmo não intencionalmente, fazer algo que ele tanto desejava antecipadamente. O baba-ovo é antes de tudo um sujeito com parca autoestima. Aquele explicitamente lisonjeador talvez o seja por excessiva admiração ou por acreditar ser incapaz de realizar as tarefas que lhe são atribuídas e, com medo de perder seu posto, lança-se sem pudor aos pés de quem exerce ou representa poder. De outra forma, o dissimulado, o mascarado é um elemento isento de valores morais. Absurdamente ambicioso e que, percebendo-se incompetente, não hesita em gastar seus dias procurando agradar, das mais simples às mais sórdidas formas, aquele que possua algum atrativo para a conquista de seus objetivos. Na verdade, há uma proporcionalidade entre o número de lacaios e de chefes bossais que, sem possuírem luz própria, necessitam desse tipo de holofotes. Há um verdadeiro comensalismo entre esses seres anômalos. Existe uma ligação tão intensa de antropofagia energética que ambos criam um campo magnético que os mantém sempre próximo um do outro. Não há subserviente sem tirano. O capacho não mede esforços para agradar seu amo: mente, falseia, faz intrigas, apropria-se de ideias alheias, dá gargalhadas das piadas xenofóbicas, racistas e homofóbicas. Apoia os discursos e pensamentos sem nexos e, se duvidar, ainda dá uma abanadinha no rabo. Tudo pelo pífio ofício de agradar seu supe-
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rior em troca de ambições vis. O puxa-saco orgulha-se de ser apolítico, pois apoia quem possa lhe trazer alguma vantagem. Não torce por nenhum time em especial nem possui religião, não possui uma cor preferida nem estilo musical próprio. É um animal (com perdão aos animais, sem querer ofendêlos) apaixonado pelo dinheiro, sem alma, sem pudor, sem fé. Assemelha-se às mais peçonhentas serpentes, pois leva a vida rastejando e destilando veneno. Quando se encontram numa situação conflituosa, como quando diante de dois hierarquicamente superiores e discordantes, o cara lisa apenas balança a cabeça com sinal de concordância e em hipótese nenhuma emite seu parecer. Esse tumor social, na grande maioria das vezes, é absurdamente perverso e debochado sobre seus subordinados. Possui mórbido prazer diante da dificuldade de um colega e é incapaz de ajudar alguém que não tenha nada a oferecê-lo. Um tipo de xeleléu bastante frequente é o puxa-saco de si mesmo. Esse é terrível, pois acredita piamente que é a última freira virgem do planeta. Acredita-se o fodão. Vive gabando-se de seus feitos ou malfeitos; do quanto, à sua vista curta, é garboso, inteligente, isso e aquilo. Por outro lado, geralmente é solitário, pois seu narcisismo lhe impede de enxergar qualquer pessoa além de si mesmo. Como afirmou Plutarco, filósofo grego, quem gosta de bajulação está perdidamente enamorado de si. O que nos deixa bastante tristes é que esses indivíduos são altamente viris socialmente, ocupam postos estratégicos e interferem na vida de muitos. Com seu ardil e veneno destroem reputações, amores, sonhos, lares, carreiras e amizades. Assim como para cada veneno há um antídoto, para cada puxa-saco há alguém com luz própria e fortaleza de espírito.
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Acredito que uma forma eficaz de defender-se desse tipo de verme é, como aprendi desde cedo com minha mãe, rezar um credo nas costas do sujeito que queira engoli-lo e desejar-lhe o bem”. Pois sim, a oração e o bem são as vacinas contra os miseráveis de espírito. Por isso, “ore e vigie”, pois sempre valerá a pena ser coerente com seus princípios. A verdade expressa no verbo e no olhar foi antes construída na alma, por isso, ouros, pratas, louros e títulos, apesar de serem muito bons, são, antes de qualquer coisa, vírgulas, e devem ser conquistados com lisura e trabalho. Escreva sua história. Honre sua biografia.
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Volúpia do amor moderno VICENTE JÚLIO BARBOSA DE LIMA
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Amar dói. Se não correspondido ou platônico, é ferida úmida inflamada, é roça de cactos no sertão ardente. Se compartilhado, é dor mansa, açucarada, flor de boneca de milho no inverno alegre e chuvoso. Até quantos podemos amar simultaneamente sem preterir? O sexo está para o amor assim como o pulmão está para o coração. O tesão tem prazo de validade e não aceita desaforo. E o amor? Também? Quem ama o fogo, dança com vontade, não força sensualidade, pode ter certeza: fode bem! Mas, não sabe amar. A intensidade é sua marca, mas da maneira que aparece, vai embora. Chega avassalador, mas se despedindo. Quem ama o vento é intenso ou superficial. Não esquenta cangote de ninguém. Muda de humor com facilidade, podendo no mesmo dia ser doce ou grosseiro, ser alegre ou triste na mesma rodada de copo. Quem traz seus pés na terra ama, porém parece não amar ou é meloso demais. Pode ser seco e arenoso ou pantanoso, desdém ou excessos são comuns. É um sujeito de extremos. Os de água são os que conseguem chegar aonde querem e levar consigo seu amor, maleáveis por natureza, porém forte quando precisam. São doces ou salinos a depender da forma como os tratam, pois como são facilmente moldáveis, dançam conforme a música. Não, senhores, não sou astrólogo, nem estudei os elementos, no entanto, gosto de intuir, imaginar e testar minhas elucubrações sobre a maneira como as pessoas e os elementos da natureza se entrelaçam e se mostram em prazer sinestesiado pelos sentidos traduzidos em luxúria e buscam incansavelmente por orgasmos intensos e frequentes. Onde tem prazer, tem endorfina, onde tem endorfina tem tudo pouco, tem gosto de quero mais. E assim, paladar, olfato, audição, tato e visão vivem procu-
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rando e testando fórmulas com quantidades diferentes de fogo, ar, terra e água que os satisfaçam. Uma busca incessante pelo par perfeito. No final, restam os experimentos. Podemos então acreditar que não se ama por volição. Você não escolhe o amor; se não, ele a você. Por isso, deixe-se levar nas águas mansas ou bravias do amor, torne-o marinheiro do ser e do fazer-se companhia para todas as horas, momentos, tempos. O tempo? Flerta com o amor por difusão dos sentidos e elementos há milênios, sem ousar afagá-lo ou sentir o calor, a intensidade, a dureza ou sua leveza, por isso, vive o tempo a perambular em ciclos sem destino, em busca de um porto onde, quem sabe, possa um dia, beijar a face do amor, sentir sua respiração, seu baticum cardíaco, sua fraqueza muscular, entregando-se sorrateiramente ao encontro, ao cheiro, ao paladar... Do prazer.
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Eu e vc...
VICENTE JÚLIO BARBOSA DE LIMA
Acontecências 117
Tanto amor ...em vão. Tanto sonho ...e não. Tanta dor ...sem fim. Tanto querer ...só em mim. Querer você ...início do fim. Cambiar prazer ...foi sempre assim. Deixar você ...corrói em mim. Saudade existe ...até o fim. Voltar por cima ...fiz por mim. Cinzas para trás ...deixei sim. Olhar você ...não pulsa em mim. Respirar o ar ...até que enfim. Deixar você ...assim sou um. Você pra quê? ...não é pra mim. Fazer o quê? ...deixa assim. Melhor viver ...assim, assim. Às vezes penso, de que estará cheio o coração de quem esvaziou o meu?
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Eu e Deus
VICENTE JÚLIO BARBOSA DE LIMA
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Amar a Deus. É ser fiel como ele o é. É ter afeição e cuidado pelo mundo. É coragem para muitos nãos. É agir mais do que esperar. É agradecer mais do que aperrear. Acreditar em Deus. É estado de vigília. É fazer por onde. É vencer-se. É ir além. É persistir sempre. Seguir a Deus. É enxergar além de um palmo. É viver com ética em tempo integral. É arregaçar as mangas para labuta. É ter o pé no chão e leveza na alma. Ter Deus. É compartilhar conhecimento. É ter a justiça como norte. É ter o coração firme e forte. É oferecer o verbo, o ombro, o abraço. É enxergar-se num irmão. Estar com Deus. É ter paz.
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PESSOAS QUE CRUZARAM MEU CAMINHO
O samba de minha terra PARA RAIMUNDO MATIAS, JOANA MATIAS E FÁBIO CASTOR
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Acontecências 125
Tive uma infância muito festiva e alegre. Parte dela vivenciada entre o sertão dos Inhamuns e o Cariri cearense, na fazenda Cacimbas, município de Assaré. Quando criança, a principal atividade agrícola daquela região era a cultura do algodão, que convivia com a pecuária e plantio de subsistência do arroz, feijão, milho e frutas diversas. A semana era de muito trabalho, a qual se iniciava logo que o sol, expulsava a madrugada e se estendia até à tardinha, quando o sol já cansado, se recolhia. Não existia nas Cacimbas, nessa época, energia elétrica. À noite, todos se reuniam na casa grande para uma boa rodada de prosa à luz da lua e vigiada pelas estrelas. No oitão da frente ficavam os adultos, que papeavam enquanto debulhavam vagem de feijão ou desencaroçavam o algodão que seria vendido em arrobas. No oitão de trás ficava a moçada jovem com violão a cantarolar, jogo de baralho, brincadeiras como “cai no poço”, na qual o rapaz e a moça ensaiavam um enamoramento. E, por fim, no meio da casa, nos terreiros e no meio do povo dando conta de tudo que se passava e se conversava, estavam os meninos e meninas provocando peraltices. Nos finais de semana, noite de sábado mais precisamente, existiam os sambas, como eram chamadas as noitadas de forrós do lugar. Não se comentava outra coisa que não fossem os acontecimentos do samba passado e a expectativa do samba que viria. O cenário dessas festas era um espetáculo à parte. No terreiro das casas montavam-se as bancas de comidas, bebidas e de jogos. Tudo sob a luz do lampião a gás e lamparinas com querosene espalhadas por todos os lugares. Boa parte da alegria da festa estava no terreiro. No bolo pão de ló feito na lata de sardinha como fôrma e no forno à lenha, nos filhós de goma saindo quentinhos do óleo fervente, da gali-
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nha de capoeira feita na hora para tira-gosto dos consumidores de aguardente de cana (cana de cabeça) ou cerveja enterrada e refrigerada em balde de terra. O jogo preferido, de longe, era o bozó (caipira), onde os jogadores apostavam seus trocados em números ou símbolos de times de futebol organizados em duas fileiras sobre uma mesa, cujo comando era do dono da banca de jogo, que lançava dois dados sequenciados. Aquele que acertasse os dois valores saia vencedor naquela rodada. No salão de dança, outro cinema (como se referiam as coisas consideradas bonitas). As mulheres de saia ou de vestido, boca pintada e de pó forte no rosto colocavam-se nas arestas do salão formando uma espécie de círculo mal feito à espera do convite pelo cavalheiro para uma parte de dança. Era uma festa extremamente democrática, tinha pirralhos, jovens, adultos e idosos balançando as cadeiras e mostrando os dentes de felicidade. Em cima de uma mesa ou n’um canto da sala estava o sanfoneiro, acompanhado do zabumbeiro, “triângueiro” e tocador de pandeiro. O termômetro da festa era a poeira no meio do salão. Se assim ocorresse, o sanfoneiro era bom. E tome samba a noite toda, o fole roncava, triângulo tinia, pandeiro piava e zabumba amanhecia rouca e de couro fino. Nessas festanças, com essa gente gaiata cheia de felicidade no rosto e nos pés, sempre ocorriam fatos que viravam “causos”. Era o sujeito que dançava abufelado no cangote de uma nega a noite todinha e que se escondia na hora da paga da quota do sanfoneiro; era o caboclo que torava as correias das japonesas de tanto arrastar o pé; eram as caboclas polidas, “educadas”, que despachavam seus pretendentes que não lhes interessavam, com uma delicadeza sui generis. Uma das maiores riquezas do povo nordestino, principalmente da população mais humilde, é a espontaneidade. É a verdade sem entrelinhas. Eufemismos não existiriam se dependes-
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sem dessa gente. Certa vez, num samba de Loló (D. Gulora, epônimo de Glória), estavam Tonô de Jorge, cabra bom, e Antonieta, cabocla polida, educação britânica perdia feio!!! Tonô tinha uma fama um tanto quanto “injusta”. Diziam que ele era danado pra acabar samba com as bufas que soltava no meio do salão. Como diziam: - Pôôôôde, caba véi!!! Pois bem, estava Nieta em pé no canto da sala, braços cruzados e acompanhando a música com a cabeça pra lá e pra cá de forma ritmada, quando Tonô se aproxima, pega no ombro da moça e faz o convite: - Nieta, vamos dançar? Antonieta se ajeitou toda, puxou o vestido ajustando-o bem, descruzou os braços levando-os a cintura, inclinando levemente a cabeça, olhou bem para Tonô de Jorge e disparou em voz altiva: - Deixou o cú em casa? Tonô, sem pestanejar, sem ungir nem grunhir, balançando a cabeça e seguindo o ritmo do xote, ensaiou alguns passos solitários, enquanto deixava o campo de visão da morena da pele de jambo e olhos agatanhados. Nos sambas da minha terra também marcavam presença as moças que vinham da cidade. Essas usavam salto alto com traseira do sapato fino e longo feito um punhal. Aquilo era uma arma. Itim (apelido de Adailton), muito enxerido, convidou uma dessas moças para dançar. A nêga peituda e rabuda, mais enxerida do que ele, rebolando as cadeiras num vai e vem frenético e desajeitado, pisou tanto no pé do usurado que mal o sanfoneiro deu o último acorde da música, o caboclo largou-se da dançarina faceira e partiu, mancando, em direção à cozinha, onde se encontrava Loló (a dona da festa). - D. Gu-Gu-Gulora (ele era meio gago), a senhora tem um remédio para botar nos meus pés que estão ardendo de dor que
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uma impestada do Assaré pisotiou o coitado todim? Tá doendo deeemais, homi! Lóló era uma espécie de “Bombril” sertaneja: comerciante, curandeira, enfermeira, conselheira, pau pra toda obra... - Tenho meu fí, pera que vou buscar. Loló foi ao quarto, revirou toda medicação que tinha e encontrou uma pomada já antiga e cujo nome estava meio apagado. - Pronto, meu fí, passe isso aqui que você fica bonzim. Itim, se vendo de dor, pegou a pomada e passou-lhe nos pés, quando, da sala, se ouve o grito: - Aaaaarri muleeessta, que peste é essa que a senhora me deu, D. Gu-gu-gulora? Tá ardendo deeemais, homi!!!! Loló aperreada com a reação causada pela medicação foi ler o nome da danada da pomada, que estava incompleto, apenas com as iniciais. Uma letra “F” e uma letra “E”. Loló olhou pra Itim com firmeza e disparou: - Ah meu fí, deixe de froxura, sujeito!!! Essa pomada é uma rilíquia, tá veno não? - E c’umé o nome dela, pelo amor de Deus? - O nome? É...é...é Fe-fe-fe...ah! (faltando-lhe a paciência) É Fe - ó – Fó, passe na perna, pronto! E deixe de pergunta difícil. N’um já dixe que era pra isso! Itim com pé pisado e intoxicado perdeu o resto da noite em um canto de cerca esperando a dor passar. Muitas são as lembranças, muitas são as histórias, muitos foram os sambas inesquecíveis, muitas foram as alegrias e risadas. A maneira encontrada pelo povo nordestino, e em especial, o cearense, para se manter com a mente sã a despeito de todo sofrimento e descaso do Estado foi rir, rir muito e rir de si mesmo, de suas qualidades e defeitos suavizados na alegria de viver, amor ao próximo, nas festanças, na devoção sempre presente e em boas gargalhadas.
VICENTE JÚLIO BARBOSA DE LIMA
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A percepção do belo VICENTE JÚLIO BARBOSA DE LIMA
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A existência da preocupação com a aparência provavelmente tem sua origem no período paleolítico e coincide com a própria existência humana. Certo é que esse conceito é mutante e obedece ao período histórico que se observa, assim como, a cultura social de determinado povo. Para artistas como Da Vinci, a beleza residia na simetria. Platão afirmava que a beleza tornava visível o espírito. Para os pensadores medievais, sob influência do cristianismo, era atribuída a uma criação divina. A subjetivação da beleza tem sua origem na Idade Moderna. Para Kant, ela se traduz no juízo que se exprime no sentimento de prazer. De outro modo, e contrapondo-se ao conceito do belo, há a ideia e o conceito de fealdade. Enquanto o belo era formoso e harmonioso, o feio era disforme e desfigurado. Mas quem estabelece esses limites? Tornando o que é considerado bonito agradável aos olhos de quem o vê e o feio que provoca náusea e dissabor? Todos indistintamente podem exercer a característica do belo ou isso é reservado a poucos, aos “diferenciados”? Os olhares sobre esse binômio são uniformes ou a concepção da beleza é resultado de experiências individuais e/ou ideológicas? Pretensamente vivemos em uma sociedade ocidental democrática na qual o trânsito entre as diversas classes sociais é, mais que uma possibilidade, uma realidade. Pergunto-me se esse trânsito também ocorre entre o que angustia e o que excita os sentidos. Percebo um desconforto, por que não, um confronto entre as diversas classes sociais na identificação do que é “chique” e entendido como luz aos olhos, e o que é brega, algo renegado e não aceito, obscuro. Acostumamo-nos a uma realidade em que as novidades sempre surgiam na corte e eram copiadas pelo povão, pejorativamente chamado de plebe, ralé, mundiça. Pois é, atualmente, não saberia colocar se essa assertiva é verdadeira
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ou falsa. Percebemos um nivelamento das novidades. A estética da periferia faz hoje uma espécie de “pororoca” com o que é produzido nos grandes salões. No entanto, há uma faixa de nossa população, que não é pequena, que além de não aceitar a liberdade da estética procura a todo custo descredenciar o que a seus olhos parece ousado demais ou distorcido. Freud colocava o cultivo da beleza como uma das fontes de sofrimento incontornáveis no qual havia algo de indomável que poderia voltar-se contra nós mesmos. Nesse contexto, pergunto-me quem é realmente livre, aquele ou aquela que vive segundo critérios próprios de beleza ou quem segue padrões pré-determinados? Até onde o messianismo da beleza ou o ceticismo a ela determina o padrão de comportamento, conduta e até de competência dos indivíduos? Por sermos um povo mestiço de raça, uma verdadeira salada de genes deveríamos ter essa questão das diferentes faces da estética muito mais resolvida, mas isso não é bem assim. Parafraseando Cazuza, temos muitos caboclos pretendendo-se ingleses entre nossa gente. Para esses, esse negócio de democracia da estética é retórica para boi dormir, e que não existe qualidade nem beleza em nada que não saia de sua tribo. Uma das maneiras de diferenciar, estratificar e, mais ainda ,deixar bem claro o posicionamento de cada um nessa cadeia social e pirâmide da aparência surgiu no final do século XIX, com a revolução industrial na Inglaterra e com a criação do fardamento profissional. Cada profissão de acordo com sua posição no escalonamento social teria seus hábitos e tecidos diferenciados, instituindo e convencionando como o belo, obviamente, o mais bem sucedido. Dessa forma, se espera que cada um, por gentileza, reconheça seu lugar e assuma seu papel. Obviamente, muito antes da revolução industrial, alguns gru-
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pos se destacavam por sua vestimenta própria, como, por exemplo, os cavaleiros templários durante as cruzadas, os militares e o próprio clero hierarquizado. Dessa maneira, o uso do uniforme profissional segundo seus criadores teria como objetivo, além do charme, organizar as diversas funções, facilitando o reconhecimento e o bom exercício de cada profissão. No entanto, pergunto-me sinceramente se na coxia dessa intenção não se esconde o interesse de separar os indivíduos numa espécie de casta disfarçada, instituindo a forma com que cada indivíduo deverá ou merecerá, na ótica de quem tem o poder de ditar as regras, ser respeitado e tratado. O conceito de beleza e organização a serviço da hierarquia entre as classes sociais. Ora, salvo engano, todos são iguais perante a lei, certo? Então por que choca tanto a algumas pessoas se um advogado soltar o paletó preto ou azul e se vestir com macacão vermelho de um estivador? Louco, inapropriado seriam os melhores adjetivos que lhe atribuiriam. Perigosas se tornam as relações sociais quando o continente é mais importante do que o conteúdo. Quando a embalagem é mais valorizada do que o produto está havendo um profundo desvirtuamento do que realmente importa. Portanto, o fato de alguém possuir maior escolaridade ou maior conta bancária que outro não deveria jamais ser parâmetro indicativo de diferenciação de beleza, da maneira de se dirigir a alguém ou do tipo e cor e qualidade de pano com que possa se cobrir. Quem disse que branco é da paz e o preto da morte? E se a paz quiser se revestir de preto? Se o sol encher-se do amarelo? Se a freira ousar num salto Luís XV e a mulher da esquina barbarizar na botina? Onde está o disforme ou desfigurado dessas situações?
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Talvez eu seja um cego social, pois não enxergo a feiura no fato de pessoas não seguirem rótulos. Salve, salve a anarquia da beleza...
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A desvalorização da classe médica no Brasil VICENTE JÚLIO BARBOSA DE LIMA
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Há algum tempo ando me questionando o que de fato está acontecendo na coxia da política de desvalorização e desqualificação da classe médica. Campanha fortemente abraçada pelos meios de comunicação que quase diariamente nos acorda com fatos denunciativos e condenatórios de visão unilateral, sem crítica das condições, ambientes e fatores que contribuíram para o fato relatado e sem o devido levantamento do acontecido e pronunciamento das partes envolvidas, na maioria das vezes. Outro dia reproduzi nas mídias sociais uma frase muito bem colocada do amigo Rodrigo Moraes, que dizia que o maior sonho dos políticos, governantes e da imprensa é substituir o artigo 196 da Constituição Federal que diz que a “Saúde é direito de todos e dever do Estado” para a “Saúde é direito de todos e dever dos médicos”. Entra ano sai ano, entra mandato sai mandato, entra governante sai governante e nada acontece de novo, para melhor, no sistema e na qualidade de gestão e otimização da saúde oferecida à população e àqueles que trabalham na ponta do sistema, seja na atenção primária, seja nas portas das emergências. Sofremos todos: usuário, médicos, enfermeiras, auxiliares, técnicos. São horas trabalhadas sob tensão. Vejo, com imenso pesar, amigos plantonista, que após 25, 30 anos de dedicação de suas vidas, submetidos a condições adversas no ambiente de trabalho, e antes da tão sonhada aposentadoria, se veem presos a máquinas de hemodiálises, vítimas de câncer, coronariopatias, diabetes, síndromes neurológicas e de estresse psicológico intenso. A população, por sua vez, carente, abandonada, desinformada, sem a básica noção de cidadania e de direitos, assim como, deveres, sem educação para o uso coerente do capenga sistema de saúde que lhe é oferecido, por vez, procura assistência em lugares e horários inapropriados e se desespera. O sistema privado de saúde em atividade em nosso meio pou-
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co se destaca ou é melhor que o sistema público na sua relação com o profissional médico e da saúde em geral? Para o usuário, mostra-se apenas com algum diferencial nas tecnologias oferecidas, mas seu acesso é exaustivamente dificultado. Na prática, vale o jargão popular que o conceitua como “SUSão plus”. Observa-se grande desrespeito e inoperância da maioria dos planos e seguros de saúde que há muito se colocaram como terceira pessoa na relação médico-paciente. Atualmente, os pensadores deveriam modernizar tal conceito para relação plano-médico-paciente. Isso mesmo! E nessa mesma ordem, pois o médico encontra-se espremido entre os dois. Há muito tempo que, do médico, vem sendo subtraída sua autonomia na condução de casos clínicos dos mais simples aos mais complexos. O neoliberalismo não confirmou a tão proclamada teoria da harmonização do sistema, que defendia que haveria melhora cada vez maior dos serviços e da qualidade de vida do cidadão, quanto maior fosse à competitividade entre as empresas. No meio do caminho, o “caldo desonerou” e o que se observa é o canibalismo entre empresas e o “corporafagismo” entre as empresas (meio corporativo) e seus empregados, chamados no dicionário politicamente correto de “colaboradores”. Parte desse esfacelamento social sofrido pela classe médica, que se tornou a “Geni” social nos últimos tempos, deve-se a nós mesmos, os médicos. Tivemos uma escola na qual a hierarquia e submissão só se assemelham aos militares que, por “coincidência” no meu entender, é a outra classe mais combatida e desprestigiada pelos governantes e pela imprensa. No início de carreira nos submetemos a trabalhar até para o poder público, no caso de muitas prefeituras do interior, com contratos verbais sem nenhum direito trabalhista ou de insalu-
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bridade. Submetido a carga horária abusiva, condições de trabalho inexistentes e tendo de suprir a falta do Estado na vida das pessoas quando o médico sai dessa situação, leva consigo uma sensação de que já saiu tarde. Não raro, ouvimos colegas lançarem a mão ao peito e verbalizar com ar de orgulho: “Terminei um plantão de 24h e vou para outro de 12h, 24h ou 36h”. Isso faz parte do condicionamento e subserviência psicológica para não contestarmos situações desumanas de trabalho, pois parecer contestador mexe com os brios dos médicos, que não podem ser vistos ou percebidos como baderneiros ou como alguém que também possui fraquezas ou limitações. Por outro lado, os salários estão cada vez mais vergonhosos, fazendo com que o médico multiplique a necessidade de horas de trabalho para manter um mínimo padrão de vida exigido pela sociedade. É o famoso aperta de um lado e estica do outro. E, dessa forma, muitos de nós exercemos a profissão, exaustos e desestimulados. O paciente exige o exame, o plano não autoriza o internamento, o acompanhante exige pressa, este, menos por preocupação com o moribundo e mais por ficar furioso por ter de esperar que o exame seja processado, o medicamento faça efeito, o médico reexamine o paciente. O Conselho Federal de Medicina não consegue se fazer ouvir em suas diretrizes de piso salarial, condições e horas de trabalho, redistribuição dos médicos nas cidades e regiões do país. Um exemplo do pouco caso que a maioria dos gestores faz com o que diz o Conselho Federal de Medicina é quando este afirma que seus filiados deveriam atender uma média de 36 pacientes em um período de 12 horas de plantão. Na prática, a maioria dos diretores dos serviços cria uma logística no qual assediam moralmente o profissional médico para atender mais e mais rápido, submetendo o profissional a tra-
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balhar sob pressão, tenso e vulnerável a cometer algum equívoco. Quando este acontece é o número de registro do conselho (CRM) do profissional que ali está. Então chega a imprensa ofegante e salivando por mais um escândalo. Os mesmos diretores que forçaram aquela situação, chamados para se pronunciarem, saem ensacados em seus paletós com a patética cara de indignação ou perplexidade a alegar: “Vamos apurar os fatos e punir severamente os culpados”. Seria isso, um possível roteiro de um pastelão mexicano, se não fosse parte da realidade vivenciada por muitos profissionais de saúde, médicos em especial. Vivenciamos tempos de desvirtuamento, desorganização e descaso com a profissão médica, talvez a mais antiga, e tão nobre quanto todas as demais.
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Cadê tu, Artur? PARA ARTUR AZEVEDO
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Passaram-se sete dias desde que Artur Eugênio fora chamado para uma urgência no céu, como disse Carla Rameri. Só não passa a saudade, o hiato, a ausência que teima em doer. Há exatos 18 anos, a vida promoveu o encontro de 32 jovens cheios de sonhos e vindos de várias partes do Nordeste na cidade de Campina Grande, Paraíba. Foram seis anos intensos de convivência. Juntos enfrentamos obstáculos, juntos superamo-los e consolidamos o que chamamos de família da UFPB - Campus II, turma 96.1. - E aí? Escapasse? Esse era o código de saudação mais utilizado nessa nossa família, que como toda família possui os mais exaltados, os mais calados e os que, de forma madura, tramitava fácil entre todos, assim era Artur. Não me recordo um só momento em que Artur protagonizasse algum tipo de desavença. Ele sempre foi, antes de qualquer coisa, um conciliador. Através de seu temperamento calmo e educado, próprio dos sábios, defendia seu ponto de vista com firmeza e lealdade. Impensável um grito, uma palavra mais dura ou fria pronunciada pelo amigo. Talentoso que sempre foi, idealizou um grupo de forró pé de serra para que nossos encontros fossem festivos. Ensinou zabumba a Rodrigo, Sanlio no triângulo, Fabrízio no contrabaixo, Júlio no agogô e Manoel em qualquer coisa (o importante era estar lá), e ele, Artur, na sanfona e regência. Isso é que era gostar de desafios, viste? Por mais impossíveis que lhe parecessem. Os ensaios eram nas madrugadas após os estudos no estúdio de música em sua casa. Assim nasceu “Artur e os cabras da peste” como ele gostava de dizer, ou os “ Doutores do forró”. Esse fato demonstra a imensa generosidade que ele possuía.
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A capacidade de agregar, somar, construir. Demonstra o tamanho de sua solidariedade e disposição para ensinar o que sabia ao próximo. Demonstra parte de sua grandiosa capacidade de amar. Quantas festas? Anéis dos Brejos, onde tudo começou. Quantos encontros?! Sabiás, fuás nas casas de Cabral, imbalanças, imbalanças, imbalançás... Quantas gargalhadas, agora silenciadas pela covardia e desamor. Artur, estrela que era, tinha a vocação para o brilho e para as alturas, mesmo que com discrição. E assim, obedecendo a sua necessidade de grandes desafios, segue, como todo nordestino de fibra e valente, para São Paulo e lá se torna Dr. Artur Azevedo. Foram anos de dedicação e perseverança alicerçados pelo amor incondicional de sua companheira e esposa, Carla Rameri e depois por Tomás, sua cria. Sabendo também que tudo pelo qual lutava só era possível de ser concretizado porque antes, lá no começo e em toda sua jornada, teve o braço forte e coração sensível e amável de S. Alvino e D. Vaninha. Por volta de 2011 retorna, como um bom filho sempre faz, para sua gente. Queria ele, de fato, retornar para sua terra natal, no entanto, ela ainda não o comportava pela complexidade de sua graduação. Correndo o risco de ser subutilizado, ele segue então para o Recife. Na Veneza brasileira logo conseguiu algum espaço e que ainda iria galgar muito, muito mais, se não fosse a mão perversa do homem, do infeliz que lhe ceifou a vida, mas que jamais tirará sua obra, sua grandeza, sua magnitude, sua genialidade. Artur está agora ao lado dos bons e do Pai, consolado, como nós, pela Virgem Mãe Sagrada, e estará sempre muito vivo para todos que tiveram a felicidade de tê-lo em seu convívio em algum momento de nossas vidas.
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Desenvolvimento para quê? VICENTE JÚLIO BARBOSA DE LIMA
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Quase concomitantemente, vejo duas notícias que me chamaram a atenção nessa semana que se passou: mais um massacre de civis inocentes, na maioria crianças indefesas, nos Estados Unidos da América, por um louco fortemente armado e a outra notícia é de que o nordestino é o povo mais feliz no Brasil. Se o Nordeste Brasileiro fosse um país estaria entre os dez mais felizes do mundo. Esses fatos podem nos levar a várias reflexões, de toda e qualquer ordem. Como gosto muito de geopolítica, economia e relações humanas, trilharei esse caminho. Observamos uma perseguição doentia dos países pelos indicadores de crescimento econômico, receio de recessão, medo de cair no “ranking” dos mais bem sucedidos e corrida frenética, patética e patológica por aumento da produtividade em todos os setores. As cidades (principalmente as do continente americano e asiático) buscam cada vez mais crescimento e progresso. Vendenos a ideia de que felicidade é diretamente proporcional à posição que assumimos no grupo social com o qual convivemos, nossa conta bancária, quantidade de metal que possuímos, grifes que vestimos, automóveis que usamos, ambientes que frequentamos. Imagino, no entanto, que está tudo errado. O que era para ser, simplesmente não é. Essa conta matemática não fecha. Venderam e compramos a mentira de que o progresso e o poder aquisitivo trazem felicidade. Se assim fosse, não era para ocorrer suicídios em demasia no Japão e países nórdicos, bandidos sem causa nos EUA que matam e morrem por coisa nenhuma, infelicidade e terror em São Paulo, maior e mais rica metrópole brasileira. Pergunto-me que ganho teve o cidadão comum das grandes cidades com seus crescimentos desordenados e chegada do progresso. No Nordeste, o que diriam os filhos de Fortaleza, Recife e Salvador, por exemplo?
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Questiono-me mais ainda por que cidades como João Pessoa, Natal e Aracaju estão caminhando para o mesmo destino. Já que encontrarão em um futuro muito próximo a mesma dificuldade de mobilidade com trânsito insano, lento e violento, favelização dos morros e encostas, aumento do índice de criminalidade, pedintes e miseráveis em todos os semáforos, aumento do custo de vida, maior distanciamento entre a residência e o trabalho ou estudo, menor tempo para dedicar-se aos seus, desvalorização dos produtos locais e regionais em favor dos importados de menor qualidade, degradação das relações pessoais que passam a ser impessoais e burocráticas demais, burocratização crescente dos serviços públicos, verticalização dos bairros jogando o cidadão comum para as periferias, destruição, desertificação e violência das regiões centrais. Na Europa, a maioria das cidades possui porte mediano e há uma preocupação local para deter a expansão predatória que certamente desaguaria na perda da qualidade de vida. Sua viabilidade econômica é garantida na medida em que descobre sua principal vocação (fomento de pesquisa e tecnologia, gastronomia e turismo, industrial, etc) e se dedica a ela de forma sustentável. No entanto, assistimos, há algum tempo, essa mesma Europa enfrentar uma das maiores crises de sua história. Atribuímos, parte desse sufoco enfrentado pelo velho continente ao crescimento de países que, juntamente com os Estados Unidos, impõem uma rotina acelerada de trabalho, priorizando a produção de bens de consumo duráveis e/ou descartáveis, e de serviços com extensa carga horária de trabalho que leva à degradação do material humano, furtando-lhe os melhores e mais saudáveis anos de sua vida. Óbvio que queremos progresso e desenvolvimento, no entanto, essas conquistas não podem vir à custa da saúde e da vida de nosso povo. Estamos fazendo o país crescer e morrendo a
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cada dia de solidão, desapego, indiferença com os demais, doenças laborais e depressão. O ritmo de produção nos parques industriais e a competitividade no mundo corporativo nas empresas dos países com crescimento acelerado têm aumentado proporcionalmente ao número de doenças e doentes ocupacionais e psicossociais. Há uma tentativa obscena de mecanização do homem. Nunca o homem foi tão lobo do homem como nesse nosso tempo. Estamos com nossas vidas entregues nas mãos de grandes organizações corporativas, muitas delas europeias inclusive, que ,impondo ao mundo o modelo de economia canibal, principalmente nos países ditos em desenvolvimento, se veem diante e vítima do monstro por eles criado. Ganha mais quem especula, ou seja, o feitiço recai sobre o feiticeiro. No entanto, não creio que a perda de direitos trabalhistas e arrocho salarial e fiscal sobre a população europeia seja a solução para o problema que eles mesmos criaram. Temos de fazer a hora e aproveitarmos a oportunidade, ao invés de apenas assistirmos à agonia do outro lado do Atlântico e combater esse modelo de política e economia imposto ao mundo, no qual o ser humano é o maior perdedor. Não só garantir a manutenção dos direitos e desenvolvimento sustentável para eles, mas também, fazer com que essa conquista seja compartilhada com os filhos dos demais continentes. Os países asiáticos, com sua disciplina cega, se ergueram como verdadeiros dragões e agora lançam fogo para todo o planeta fomentando, juntamente com os Estados Unidos, a concepção de grandes metrópoles como símbolo de crescimento e virilidade econômica. Nessa guerra monetária e modelo desenvolvimentista de megacidades e aglomerados humanos, perde o cidadão comum. Este vê sua liberdade subtraída, passa a residir em celas gradeadas
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e portões altos ou deixam o chão e trepam-se em prédios esteticamente bonitos e pouco confortáveis. Verticalizam-se inclusive as relações, cada vez mais educadas, formais e pouco humanas. Você então diria: e o nordestino, onde se encaixa nesse contexto? O nordestino é um povo que traz em sua constituição genética o gene da resistência. Mesmo com o que foi feito com Recife, Salvador e Fortaleza e querem fazer com outras cidades. Esse povo, mesmo assim, luta e se nega a abrir mão de sua alegria, de sua força mansa, de sua visão e crença do que é felicidade e do que necessita para encontrar-se com ela e dela ser companhia. No Nordeste, o sol aquece os corações derretendo a frieza, o gelo dos modelos americanos, europeus e asiáticos de enxergarem e viverem a vida nos quais o lucro, a mais valia e a baixa temperatura das relações humanas imperam. Muita cordialidade e muito distanciamento entre os homens. O Nordeste brasileiro estampa para o mundo que nem todo rico é necessariamente normal ou feliz. Que o trabalho de sol á sol carece de festança à luz da lua. Nesse canto brasileiro encontra-se beleza no que parece feio, luz aonde parece escuridão. Um povo que consegue rir até do próprio sofrimento sem, no entanto, sucumbir. A burocratização das relações humanas e o desvirtuamento de valores, com hipertrofia das questões materiais em detrimento do bem-estar social e humano, criam monstros solitários e homicidas que matam e morrem por nada.
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O avesso do avesso do avesso VICENTE JÚLIO BARBOSA DE LIMA
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Ultimamente ando tendo a impressão de que estamos vivendo no estágio da desorganização universal da moral. Desde as manifestações de 2013 no Brasil, sinto na pele, pelo fato de ser médico, o apedrejamento político e social de minha categoria. No entanto, alargando um pouco mais o campo de visão, além do meu umbigo ferido, estou convencido de que apenas somos a “bola de vez”, nada mais. Respeitando a importância das demais profissões, acredito que o país funciona sobre quatro pilares profissionais: os Agentes Sociais, os Profissionais da Educação, os responsáveis pela Segurança Pública e os Agentes da Saúde. Se olharmos pela janela da nossa recente história, observamos que, em um passado não longínquo, possuíamos uma educação pública que se destacava, pois servia à classe dominante. Quantos de minha geração tivemos um bom professor que relatara sua origem acadêmica na escola pública, assim como, do valor social que possuía um educador? No instante em que ue a educação teve de ser estendida para todas as classes sociais, por pressão do desenvolvimento externo, iniciou-se um completo desmantelamento nas escolas e desvalorização profissional do professor, que se percebe, desde então, despido e desamparado pelo Estado. Na política, dá-se início a um jogo de empurras, demagogias, discursos hipócritas e promessas vazias em nome da Educação. Essa queda ladeira a baixo deixa o professor vazio de prestígio social e ridícula remuneração salarial. Como se diz no popular, “além da queda, o coice”. Os nossos mestres ainda acumularam a obrigação de oferecer educação doméstica aos alunos, pois os pais, na maioria ausentes de seus lares na maior parte do dia, não impõem mínimo limite às suas crias para um convívio social minimamente aceitável, e ainda cobram esse serviço da es-
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cola, seja ela pública ou privada,. Não distante de semelhante realidade estão os agentes sociais. Na universidade, as ciências humanas não possuem o mesmo “glamour” de outras áreas de conhecimento, nem tão pouco, recebem o mesmo carinho em incentivo e estrutura. Os profissionais dessa área, assim como o professor, o policial e o médico que atuam na ponta do sistema, absorvem toda gama de revolta e desestrutura individual, familiar e profissional do cidadão comum por sua invisibilidade pelo Estado. Assim como os demais, o agente social (Sociólogos, Assistentes Sociais, Psicólogos, etc.) sofrem com o desprestígio e baixos salários, além de trabalharem sobrecarregados por uma demanda crescente de uma população órfã da presença do poder público. Diariamente trabalham desarmando ou tentando desarmar verdadeiras bombas prestes à explosão. Não conseguem ser ouvidos ou vistos na sua angústia do exercício limite de sua profissão, pois trabalham com serem invisíveis aos olhos dos que, de fato, tomam as decisões sobre as políticas públicas a serem executadas. A segurança Pública é, no meu entender, um adequador das relações entre os cidadãos e na sociedade de forma geral, assim como a Medicina é guardiã da promoção de saúde e bem estar, e prevenção e recuperação das doenças sofridas por este mesmo cidadão, sendo portanto, a segurança e a saúde bens “imprescindíveis” para que a engrenagem social de fato funcione. Seguidas vezes nos últimos anos, presenciamos nos jornais matinais, vespertinos e noturnos notícias e fatos que denigrem a imagem dos policiais e médicos. Numa narrativa nem sempre amistosa, e descrições de estórias quase sempre tratadas de forma unilateral, tornamo-nos espectadores de uma campanha imoral financiada principalmente pelo governo, haja vista as ações do mesmo nessas áreas, e
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endossada por uma imprensa que insiste em tentar passar uma imagem de que são livres, mas que nos parece depender, e muito, da ajuda e/ou parceria do governo central, estadual ou local. As políticas públicas na área de segurança têm se mostrado ineficientes no condizente à repressão e recuperação do infrator comum que, muitas vezes, acaba nos presídios, verdadeiras universidades do crime, por questões banais nas quais o infrator poderia ser inserido em programas específicos, caso existissem. Ou, de outra forma, recolocam-no na rua para a reincidência contínua sem nenhuma punição. Há uma perversidade com o homem comum e com o profissional militar ou civil que se encontra no outro extremo das decisões. O desvirtuamento moral, com defesa por seguimentos diferentes da sociedade, de bandidos políticos corruptos condenados, grupos que se intitulam justiceiros e outros de marginais que praticam “pequenos furtos”, estes defendidos por políticos e entidades que mais procuram holofotes e autopromoção sobre a desgraça desse “pequeno marginal” do que com uma política e propostas que mudem suas realidades tem gerado um estado de caos social e de verdadeira barbárie em nossas cidades. O policial trabalha com uma sensação de “chover no molhado”, além de sofrer desprestígio social, má remuneração, estar mal equipado e submetido a condições extremas de estresse cotidiano (mesmas condições dos demais citados), ainda recai sobre si toda sorte de culpa e crítica da imprensa que, vendendo verdades superficiais sem nunca buscar a ponta do novelo, pois para a notícia o tempo é o agora, acaba por influenciar o cidadão comum a ter a crítica fácil na ponta de sua língua. Esse desmantelamento de Agentes Sociais, Professores e Policiais não é fato recente e vem acontecendo nos governos independentemente de sigla partidária e ideologia política. Como diz minha amiga Mazé: políticos não se arranham. Não nos ilu-
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damos, jogam todos no mesmo time, o deles. Pois bem, o governo petista decidiu trazer para si a tarefa da derrubada do último dos pilares da coluna de sustentação social no meu entendimento – os profissionais Médicos. A aproximação ideológica com o regime de exceção da ilha da América Central e a sua condição falida justificou, para o governo, a evasão de divisas nacionais para o financiamento e manutenção da ditadura. Combinada coincidentemente com a quase única matéria prima de exportação dos irmãos Castros, “médicos” (ou seriam “práticos”?), fez com que ainda no início do governo petista, o povo brasileiro fosse contemplado com doses diárias televisivas de estórias mal-contadas sobre os médicos e o exercício da medicina no Brasil. Ali estava sendo gerado o embrião para o que vínhamos mais tarde a conhecer como o plano de governo para a saúde no Brasil. Aproveitando-se do calor das manifestações de Junho/13, o governo apressa-se para realizar o parto a fórceps do seu plano para ajuda à ditadura da ilha e desmantelamento da profissão médica. Promove, através de publicidade milionária e em parceria com os empresários da comunicação um verdadeiro desmonte de uma categoria profissional, assim com já havia acontecido em outras circunstâcias com outras categorias, como as já citadas, e outras, tais como os bancários que também sofreram o mesmo desmonte pelos donos do capital financeiro sob a batuta dos governos. A corrupção, ineficiência e ausência do Estado colocam os profissionais que estão na ponta do Sistema como muro de lamentações e pancadas pelos cegos, desassistidos e analfabetos funcionais. Vivemos o avesso da história, da moral e da ética. Estamos marchando na contramão do mundo, sem norte, sem rumo.
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Redescobrir-se
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A cada janeiro vivido, mais um ano parte e vai ocupar seu lugar na memória. Muita ou alguma risada, muito ou algum choro, mas certamente a sensação de mais algumas estações ultrapassadas. Pois é! E o mundo nem acabou. O olhar mira o horizonte, que nada nos revela, a não ser incertezas. Hoje, na estrada, entre carros e canaviais refletia sobre o que desejaria a alguém a cada virada de ciclo e, refletindo, lembreime de uma canção de Gonzaguinha, imortalizada por Elis, chamada “Redescobrir”. Isso aí, encontrei o que quero desejar a todos que respeitam sua caminhada e buscam melhorar enquanto pessoa a cada virada de ano. Desejo que você se redescubra. Desejo que a alegria de uma brincadeira de roda lhe reencontre quando a fadiga se aviste. Que suas mãos produzam tanto quanto acariciem. Que o amor por alguém seja um crescente e uma constante, e que possa ser refletido em momentos intensos e felizes. Que a vida nunca seja morna, que a face do outro seja refletida na sua e que faça sempre pelo outro o que seria de sua vontade que fizessem consigo. Que fareje o perigo e que dele possa desviar com a força do amor, da fé e da oração. Que cuide de seu corpo como seu templo e sopro de vida; Que beije muito, que sensualize e se mantenha em dia com seus hormônios e humores. Que você cante sem se importar com o tom ou afinação, mas com alegria, e que dance com movimentos largos e livres. Que a meditação seja diária e que aprenda a ouvir o que o coração desejar-lhe falar. Que sonhos sejam realizados, projetos concretizados e ambições refeitas.
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Que a consciência de nossa condição humana traga a certeza de que devemos cuidar de nossa casa que é o planeta, assim como de seus habitantes. Que tenha a força de uma fênix, superando todas as dificuldades que vierem. Que enxergue que essa força de superação está e sempre esteve em nós mesmos. Que se lembre diariamente que somos filhos de Deus e que temos responsabilidade sobre isso. Que tenha força suficiente para oferecer a mão a um irmão, amigo ou transeunte. Que o tempo lhe seja mãe e lhe traga juventude na alma e no agir. E que a vida chegue a doer de tanto prazer. Inspirado na canção “Redescobrir” de Gonzaguinha.
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Discurso proferido pela Dra. Vera Lopes na cerimônia de concessão de título de cidadão do Recife (Trajetória de Júlio Lima). O Dr. Vicente Júlio Barbosa de Lima é Cearense, nascido na terra do padre Cícero, Juazeiro do Norte. Quarto filho de seis, de José Ivan Ribeiro de Lima (Motorista da Companhia de Eletricidade do Ceará – Coelce) e Maria Lalis Barbosa de Lima (costureira). Possui também uma segunda família, cujos patriarcas, Raimundo Matias dos Santos e Joana Matias de Souza, o acolheram ainda nas fraldas, convivendo com as duas famílias simultaneamente, as quais são responsáveis por sua formação. Viveu sua infância entre sua cidade natal e a fazenda Cacimbas no município de Assaré, aonde aprendeu suas primeiras letras com tia Lúcia, professora dos agricultores. No Juazeiro do Norte, Dr. Júlio iniciou seus estudos no Ginásio Monsenhor Macêdo, colégio religioso de freiras muito importante em sua formação moral e religiosa. Aos 10 anos, mudou-se com toda família para a capital cearense, pois seus pais buscavam uma melhor educação para os filhos. Em Fortaleza, completou seu 1° grau em um colégio no bairro que morava, Escola Medalha Milagrosa da Casa de Nazaré. No seu último ano na instituição foi inscrito pela diretora, irmã Luiza, de surpresa, na Olimpíada Cearense de Matemática. Fato este que fora um divisor de águas em sua vida estudantil, pois logrando o terceiro lugar daquele concurso, recebera uma bolsa de estudos para todo o segundo grau em um dos maiores colégios da cidade – Colégio Farias Brito. Foi um estudante atuante política e culturalmente, sendo presidente do grêmio estudantil e integrante do grupo de teatro do colégio. Dr. Júlio, como todo bom caririense, nutria uma grande admiração pela Zona da Mata Nordestina. Após participar da peça “ Mor-
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te e Vida Severina” do grande João Cabral de Melo Neto, essa admiração se convertia em verdadeira paixão. Veio fazer seu primeiro vestibular no Recife, atraído pela grandiosidade cultural de nossa terra e o sangue quente de nossa gente, como costuma dizer. Foi aprovado no curso de Medicina da antiga FESP, no entanto perdeu o período de matrícula e a vaga na universidade. No ano seguinte, não lograra o mesmo êxito na Medicina, iniciando Fisioterapia na Universidade de Fortaleza e Administração na Universidade Estadual do Ceará. Fez grande parte do curso de Fisioterapia, chegando a estagiar no Núcleo de Tratamento e Estimulação Precoce da Universidade Federal do Ceará. Iniciava ali mais uma grande paixão: a reabilitação de pessoas deficientes e com comprometimentos neuromotores. No entanto, Dr. Júlio, tinha na Medicina sua grande paixão e vocação. Mais uma vez deixa sua terra e vai fazer o curso de Medicina na cidade de Campina Grande, na Paraíba. Também com grande atuação política. Foi presidente do Diretório Acadêmico e membro do CINAEM (Comissão Nacional Interestadual de Avaliação do Ensino Médico). Durante seu curso, Dr. Júlio atraído pelo Recife, inicia uma caminhada semanal para realizar estágios no Hospital da Restauração e Hospital Oswaldo Cruz. Nesse período, a paixão pelo Recife sedimentara em amor por nossa cidade. Após a conclusão da graduação de Medicina, Dr. Júlio segue mais uma vez para o Cariri cearense para, segundo ele, quitar um pouco da dívida de gratidão que possui por sua terra e sua gente. Trabalha por um ano e meio na cidade de Santana do Cariri na chapada do Araripe, de onde recebeu homenagem da câmara dos vereadores daquela cidade por sua atuação junto às crianças e aos idosos no Programa de Saúde da Família do distrito de Brejo Grande. Seu retorno ao Recife definitivamente, como gosta de afirmar, foi
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para realização da Residência Médica em Traumatologia e Ortopedia no Hospital Getúlio Vargas, preterindo cidades como São Paulo e Brasília aonde também havia sido aprovado. No Hospital Getúlio Vargas ainda fizera mais uma Residência Médica em Ortopedia Pediátrica. Atualmente, Dr. Júlio é professor da disciplina de Fisiopatologia em Traumatologia/Ortopedia e Medicina desportiva da UNINASSAU, exerceu no último ano, assessoria e gestão em sua área junto à Secretaria de Saúde da cidade de João Pessoa. Faz parte do corpo clínico da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente), Real Hospital Português, Hospital de Fraturas e Hospital Belarmino Correia, em Goiana. - Por seu trabalho junto aos pacientes da AACD, aonde atua na clínica de reabilitação de amputados exercendo com muito amor, humanismo, dedicação e competência; - Pelos inúmeros relatos dos pacientes que chegam aos meus ouvidos sobre a forma com a qual foram acolhidos, respeitados e valorizados por esse profissional; - Pela resolubilidade que dá aos casos e situações enfrentadas; - Por minha já conhecida e constante luta, pelos direitos desses cidadãos, tão sofridos e , por vezes, esquecidos pelo próprio Estado; Fui conhecer mais de perto esse homem, esse médico, esse cidadão que abraçou minha causa como sua causa; nossa cidade, como sua cidade e nossa gente, como sua gente.
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Discurso proferido por Júlio Lima na cessão de recebimento de título de cidadão do Recife. “Sou de uma terra que o povo padece, mas não esmorece e procura vencer”. Dizem os versos do poeta Patativa do Assaré. Sou da região do Cariri Cearense, do lado de lá da Chapada do Araripe, Sul do Ceará. Devido à proximidade com o Pernambuco, nossa região sempre sofreu uma forte influência acadêmica, social, cultural e até linguística do lado de cá da Chapada. Lembro-me, ainda criança, de ouvir histórias do Recife contadas por aqueles que vinham aqui estudar. Boa Vista, Rua do Sol, Rua da Aurora, Rua do Príncipe eram nomes que, desde muito cedo, povoavam o meu imaginário. Achava incrível os lugares serem nominados dessa forma. No Juazeiro do Norte, todas as ruas possuem nomes de santos: Padre Cícero, São José, Santa Rosa, Santa Luzia, Todos os Santos e por aí vai. Como todos daquele lugar, sou de uma família muito religiosa, estudava em colégio de freiras e morava numa cidade que recebia milhares de romeiros anualmente. Pessoas de todos os recantos do Nordeste que, ao nos visitar, nos presenteavam com suas oralidades, maneiras de ser e agir. O encontro com toda essa gente, que ia frequentemente à terra do meu Padim, vindas principalmente da Paraíba, Pernambuco e Alagoas, acabava trazendo uma maior identidade nossa com esse povo; até mesmo, maior que o restante do Ceará central e do Norte, onde fica a capital. Muito jovem, fomos morar em Fortaleza levados por meus pais. Pessoas com pouco estudo e no entanto com vista larga. Um casal que abriu mão de alguma estabilidade que tinha para oferecer possibilidades aos seus filhos. Pais extremamente amorosos, porém bastante disciplinadores. Costumo dizer que a criança, o jovem, na educação doméstica até
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aprende com os ensinamentos verbais, mas aprendem principalmente com os exemplos de quem representa autoridade. Como hoje estou sendo adotado por essa magnífica cidade, também fui, na infância, por uma admirável família que juntamente com meus pais conduziram minha formação humanista, ética e moral. Nessas famílias, aprendemos sobre tudo, a respeitar e valorizar o Ser Humano; O valor de ser verdadeiro, ser honesto consigo mesmo e com o outro. Aprendemos que rir mais, traz felicidade e percebermos que é inteligente sermos gentis, buscar um equilíbrio entre o trabalho e o lazer, poder usar terno e andar descalço, correr no sol e banhar-se na chuva. Ser firme em seus propósitos, mas nunca perverso. Ser competitivo, sendo também leal. Buscar posses sem ser avarento. Exercer o poder e não ser tirano. Gostar do azul, mas respeitando quem prefere o vermelho. Aprendemos, ainda, que nunca se chega a um objetivo sozinho e que devemos diuturnamente reconhecer e agradecer àqueles que nos ajudaram e ajudam. Aprendi que não há equilíbrio sem uma forte ligação com o ser divino, com a fé, pois ela é a matéria-prima para o grande enfrentamento desse fantástico espetáculo que é a vida. Para nós, Cearenses do Cariri, Fortaleza era uma terra longínqua. Só quem subia a ladeira do Juazeiro à terra do sol eram aqueles, como foi meu caso, cujos pais trabalhavam em empresas estatais e não lhes restava outra solução. Recordo-me da boa inveja que sentia quando encontrava minha prima, aqui presente, Val, e ouvia atenciosamente seus relatos sobre a efervescência da cena cultural da Zona da Mata pernambucana. Tudo aqui era muito bom em seu discurso. Recife já era, nos anos noventa, o segundo polo médico do País e, também por isso, para mim era um sonho, um objetivo a ser conquistado. Ainda em Fortaleza, estive presente ativamente nos movimentos estudantis e culturais da cidade. No último ano do ensino médio, an-
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tigo segundo grau, participei da montagem da peça “Morte e vida Severina” e assisti, em praça pública, a um espetáculo que reunia Antonio Nóbrega e Alceu Valença, no qual mostravam várias vertentes da cultura Pernambucana. Essa superdosagem de pernambucanidade, aliada à excelência da Medicina aqui praticada, foram decisivas para vir ao Recife fazer meu primeiro vestibular. Era aqui no Recife que eu queria morar. Não cheguei pelo mangue como o Severino de João Cabral, mas visualizei a beleza do Rio Capibaribe e me apaixonei. Quem conhece Recife e de sua fonte urbana bebe, jamais a esquece, jamais consegue deixá-la por completo. Como diz o poeta Nilo Pereira – “Essa cidade é mágica, meio bruxa, enfeitiça, quebranta, tira as forças”. Anos depois, viria estudar e morar definitivamente nesta cidade tão bela, tão rica de recursos humanos e tão cosmopolita. Aqui fiz muitos amigos, vivi grandes paixões e também aqui plantei minha semente profissional. Fiz residência médica no Hospital Getúlio Vargas, lugar pelo qual cultivo grande apreço e ainda sinto como minha casa, pois lá ainda se encontram grandes mestres. Viver em Recife, trabalhar nos lugares em que trabalho, conviver com as pessoas com quem convivo faz de mim um homem feliz e realizado. Agradeço a Deus e a Maria Santíssima por ter me dado as famílias e os amigos que me deram; e por terem colocado as pessoas certas em minha trajetória. Agradeço ao Real Hospital português (pela credibilidade em meu trabalho), a universidade Maurício de Nassau (por permitir-me que faça parte de sua história), a AACD (por conceder que eu realize um trabalho no qual tanto acredito e amo tanto) e ao Hospital de Fraturas (por ter sido o primeiro a acreditar em mim e me estender a mão após a residência). Agradeço ao povo do Recife que só o bem tem me feito e alegria
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tem me dado. Agradeço a Vereadora Dra. Vera Lopes pela sensibilidade, amizade e pelo reconhecimento ao amor e sacerdócio com que exerço minha profissão. Agradeço aos meus pacientes, aos quais dedico meu ofício, meu amor e meu respeito profundo. E, finalmente, obrigado a cidade do Recife por me acolher como filho e por tanto júbilo ter me dado.
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Este livro foi composto em Xtreem Fat Demo e Bell Mt e impresso em papel Chambril Avena 70g e cartĂŁo Ningbo gloss c1s 250g.
A vida é uma estrada que trilhamos desde os primeiros passos. Nessa caminhada, muitas são as paisagens, diversos são os terrenos por onde trilhamos, inúmeros são os atalhos que avistamos. Dias e noites doces e amargos nos imprimem uma bagagem que de certa forma nos moldam, nos lapidam. O tempo, nosso trem de viagem, alinhava lugares, pessoas, sorrisos, prantos, toda sorte de imagem e sensação em um grande mosaico no qual estão impressas nossas experiências e aprendizados. Acontecências é um breve diário de viagem até a estação 40, com gritos, cantos, murmúrios, algumas lembranças, impressões, críticas, inquietudes enfim.
ISBN: 978-85-65180-01-6