anastácio o eterno prefeito_volume 1_fernandino neto

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FERNANDINO NETO LIVRO BIOGRAFIA

VOL.1

ANASTÁCIO O ETERNO PREFEITO

SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA POLÍTICA RECENTE DE CARUARU

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ANASTÁCIO O ETERNO PREFEITO

SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA POLÍTICA RECENTE DE CARUARU


FICHA TÉCNICA PRODUÇÃO GERAL: Fernandino Neto PROJETO GRÁFICO, DIAGRAMAÇÃO E PRODUÇÃO DE CAPA: Sandemberg Pontes FOTOGRAFIA DE CAPA: Ricardo Henrique EDIÇÃO DE IMAGEM, CAPA: Ricardo Moreira FOTOGRAFIA: Pissica, Antônio Foto Paulista, Lyro Foto, Priscila Fontinele, Rafael Lima, Arquivo Instituto Histórico de Caruaru e Arquivo pessoal Anastácio Rodrigues PRODUÇÃO EXECUTIVA, PREFIXO E ISBN: Fernandino Neto Tiragem: 1.000 exemplares

© 2018, Fernandino Neto _______________________________________________________________________________________ L732a

Neto, Fernandino Anastácio: o eterno prefeito /Subsídios para a História política recente de Caruaru; ilustrações: Sandemberg Pontes. – Caruaru, PE: WDimeron, 2015. 177p.: il. 1. CRÔNICAS BRASILEIRAS – PERNAMBUCO. I. Siqueira, Tiago. II. Título. CDU 869.0(81)-94 CDD B869.8

PeR – BPE 15-546 _______________________________________________________________________________________ ISBN: 978-85-65180-01-6

Todos os direitos desta edição reservados ao autor.

Caruaru-PE, 2018

Impresso no Brasil Foi feito o depósito legal


FERNANDINO NETO LIVRO BIOGRAFIA

ANASTÁCIO O ETERNO PREFEITO

SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA POLÍTICA RECENTE DE CARUARU



A José Fernando do Nascimento, meu pai (in memoriam), que se foi deixando uma lacuna no meu existir e a saudade que não se dissipa; Aos meus familiares. Porque família é tudo; Àqueles que acreditam na amizade e são leais aos seus amigos. Porque ser amigo é um dom e ter amigos, um privilégio; Aos que se revoltam contra as injustiças e lutam por um mundo com menos desigualdades e mais respeito às diferenças.


Sumário 34

CAPÍTULO 1

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CAPÍTULO 2

CAPÍTULO 3

A Casa da Cultura e o encontro de gerações

Ao meio-dia de maio

O filho do feirante

37 O NASCER DA CASA DA CULTURA JOSÉ CONDÉ 41 O NOME 42 INAUGURAÇÃO 55 39 ANOS DEPOIS... O RENASCER DA CASA DA CULTURA

77 ESCOTEIRO

89 DEMÓCRITO E A DITADURA DE VARGAS 98 DENTISTA PREFEITO


17 PREFÁCIO 21 PRÓLOGO

120 142 162 CAPÍTULO 4

CAPÍTULO 5

CAPÍTULO 6

Em busca de oportunidades

O movimento estudantil revela o líder

O político desponta


VOL.2

192 246 294 CAPÍTULO 7

CAPÍTULO 8

CAPÍTULO 9

Anastácio é eleito vereador. A Câmara vai incendiar

Quando o prefeito personifica a esperança

O desafio de reconstruir Caruaru

224 CASAMENTO


CAPÍTULO 13 ROMPIMENTO E OSTRACISMO CAPÍTULO 14 O DISSIDENTE E A ALIANÇA RENOVADORA NACIONAL CAPÍTULO 15 FERINDO A REDE DO ADVERSÁRIO CAPÍTULO 16 MOLDANDO UM NOVO LÍDER CAPÍTULO 17 OS PAPÉIS SE INVERTEM CAPÍTULO 18 O CENTENÁRIO DO TREM PROMOVE RECONCILIAÇÃO CAPÍTULO 19 O GUARDIÃO DA MEMÓRIA DE CARUARU CAPÍTULO 20 UMA HISTÓRIA SEM PONTO FINAL POSFÁCIO AGRADECIMENTOS SUPLEMENTO BIBLIOGRAFIA ENTREVISTADOS

348 398 472 CAPÍTULO 10

CAPÍTULO 11

CAPÍTULO 12

“Procuro ser um bom administrador. E é só”

Colocando a casa em ordem

Fazer o sucessor e sair com o povo

415 O CASO NEJAIM

505 A ELEIÇÃO


ANASTÁCIO O ETERNO PREFEITO

C A P Í T U L O

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A Casa da Cultura e o encontro de geraçþes 13


ANASTÁCIO O ETERNO PREFEITO

Um avião decola do aeroporto de Brasília com destino a São Paulo. É noite chuvosa no distante mês de julho de 1971 e os passa-

geiros daquele voo enfrentarão fortes turbulências no ar. Muita turbulência. Na tripulação, está o prefeito da cidade de Caruaru, interior de Pernambuco, Anastácio Rodrigues, acompanhado por sua esposa, a primeira-dama Leuraci. Ele deixa a Capital da República, onde estava resolvendo assuntos oficiais do município e segue para São José do Rio Preto. A viagem duraria cerca de 1 hora e 40 minutos. Ao lado do casal, estava um engenheiro da empresa Constran S/A, responsável pela construção da barragem de Tabocas, com quem Anastácio dialogou durante o trajeto. Os passageiros viveram instantes de sufoco durante o voo. Leuraci era, sem dúvidas, uma das mais temerosas e não escondia o medo diante do trajeto cada vez mais turbulento. Deveriam aterrissar no aeroporto de Cumbica, mas o piloto foi orientado a seguir para Viracopos, em Campinas. Passado o pesadelo, o casal ficou hospedado num hotel daquela cidade. No dia seguinte, pegaram um ônibus com destino a São José do Rio Preto. Chegaram às 23h e foram direto para o teatro da cidade, onde o grupo do teatrólogo pernambucano Vital Santos ensaiava o espetáculo Auto das Sete Luas de Barro, cuja apresentação ao público seria dias depois, durante o Festival de Teatro local. – Anastácio chegou! – gritou Biuzinho, um dos integrantes do grupo. Todos ficaram surpresos! Afinal, qual prefeito se deslocaria de tão longe apenas para prestigiar um grupo de artistas de sua terra?! No dia da apresentação do grupo de teatro caruaruense, telefonou pontualmente às 20h, desejando a Vital e sua equipe sucesso na apresentação. O Grupo de Cultura Teatral foi o segundo colocado do festival naquele ano, trazendo para Caruaru um total de 10 prêmios e a aclamação da crítica paulista. O prefeito de Rio Preto, Adail Vetorazzo, recebeu Anastácio com toda pompa. Levou-o, inclusive, para conhecer a grandiosa obra da Usina Hidrelétrica de Três Marias. A cidade de São José do Rio Preto estava implantando o seu parque industrial e Anastácio solicitou ao chefe do Executivo municipal cópia da lei de incentivo à implantação de indústrias. O texto seria futuramente adaptado para a implantação do Distrito Industrial de Caruaru, iniciado em sua gestão.

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A CASA DA CULTURA E O ENCONTRO DE GERAÇÕES

Passeando pela cidade, Anastácio avistou um prédio que chamou a sua atenção. A Casa da Cultura de São José do Rio Preto – a primeira erguida no Brasil, três anos antes, em 1968 – despertou nele o desejo imediato de construir um projeto como aquele em Caruaru. Empolgado, Anastácio começou a pensar em como viabilizar recursos para construir uma Casa da Cultura em Caruaru. Recorreu ao Conselho Federal de Cultura, contando que ajudaria financeiramente. Foi ao Rio de Janeiro solicitar ajuda, mas o Conselho não aprovou a liberação dos recursos. Sem apoio dos governos estadual e federal, restou a opção de erguer a obra com recursos municipais. Na época, a Prefeitura de Caruaru possuía ações na Petrobras e Anastácio decidiu vendê-las para erguer a obra. “Recorri à Bolsa de Valores do Recife. Alguns secretários [municipais] sempre me questionavam sobre a venda e eu dizia que só quando estivessem em bom valor, pois oscilava. Naquela época, todas as prefeituras tinham ações e venderam, pois estavam falidas. Mesmo assim, o dinheiro não foi suficiente para construir a Casa da Cultura. Não sei onde fui arranjar dinheiro. Foi um milagre”, reconstituiu Anastácio.

O NASCER DA CASA DA CULTURA JOSÉ CONDÉ A Casa da Cultura de Caruaru foi construída no período de um ano. O projeto e o lugar onde seria concretizado, idealizado pelo arquiteto Jonas Arruda, pernambucano de Surubim, foram considerados futuristas para a época. Sempre preocupado com as questões culturais, a ideia de Anastácio era suprir a lacuna deixada na história da cidade após a demolição do Museu de Arte Popular, que nascera através do esforço de João Condé Filho. No início dos anos 50, João Condé teve a ideia de construir um Museu de Arte Popular em Caruaru. Inspirado pela cena cultural do Rio de Janeiro, quis que sua terra natal abrigasse o primeiro museu do segmento em toda a região Norte/Nordeste. Iniciou uma intensa campanha na imprensa carioca e do Recife e mobilizou a sociedade caruaruense. Condé contou com o apoio decisivo do paisagista Abelardo Rodrigues na idealização do Museu. E buscou apoio e auxílio financeiro junto às autoridades governamentais.

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ANASTÁCIO O ETERNO PREFEITO

[1] Palácio Municipal construído após a demolição do Museu de Arte Popular [2] Anastácio segura a planta da Casa da Cultura José Condé [3] O prefeito apresenta a João Condé a área onde será erguida a Casa da Cultura. A seu lado, o jornalista Souza Pepeu [4] O Museu de Arte Popular de Caruaru prestes a ser demolido

A ideia de João Condé vingou, tomou forma. O Governo do Estado sancionou uma verba consignada pela Câmara Estadual, como ajuda ao Executivo caruaruense para construção da obra. A planta do projeto foi elaborada pelo renomado arquiteto brasileiro Aldacy Tolêdo, através do esforço de Condé. O projeto de lei nº 366, que aprovou a construção do Museu, foi apresentado em 16 de fevereiro de 1954, na Câmara Municipal, pelo vereador José Carlos Florêncio, fundador do Jornal Vanguarda. Em 17 de março do mesmo ano, o prefeito Abel Menezes sancionou a Lei nº 310, criando o Museu de Arte Popular de Caruaru, que seria construído na Praça Juvêncio Mariz (atual Teotônio Vilela, no centro da cidade). Um crédito especial no valor de 20 mil cruzeiros foi destinado à construção da obra. O projeto iria se arrastar por sete anos. Abel Menezes concluiu seu mandato em 1955 e foi substituído pelo prefeito Sizenando Guilherme de Azevedo, que, quatro anos mais tarde, passaria o comando da cidade para João Lyra Filho. Em 16 de novembro de 1961, uma quinta-feira, Caruaru finalmente inau-

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gurava o seu Museu de Arte Popular. O local abrigava peças dos artesãos do Alto do Moura, sobretudo do Mestre Vitalino, que participou da solenidade. Havia também diversos objetos de artesanato popular em madeira, rendas, tecidos e metal. Muitos anos depois, João Condé iria relembrar a inauguração do museu, em texto escrito para o Jornal do Brasil, no qual definiu Vitalino como um “autêntico matuto da minha terra, honesto, analfabeto, corajoso e bom”: “Consegui, então, com o governador de Pernambuco, Etelvino Lins, uma verba para construir um museu de arte popular em Caruaru onde as esculturas de Vitalino seriam o centro da atração. Na véspera da inauguração, comprei um terno alinhado, uma camisa e uma gravata para Vitalino. Queria aprumar-lhe a figura. Mas, quando fui entregar-lhe as roupas ele me perguntou se eu tinha trazido também ternos e camisas para seus companheiros de ofício. Diante de minha negativa, recusou-se a comparecer à festa. “Doutor Joãozinho, se não tiver roupa para meus amigos, não vou, não!” Tive de sair às pressas comprando vestuários para manter aquela bela solidariedade sertaneja”,

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ANASTÁCIO O ETERNO PREFEITO

descreveu Condé, demonstrando ternura e saudosismo. João Condé nutria por Vitalino uma admiração que vinha desde os tempos de adolescente. “Interessei-me pelos seus bonecos e foi amizade à primeira vista. Daí por diante, mantivemos uma fraterna camaradagem até sua morte”, contou. Morando no Rio de Janeiro, sempre que voltava a Caruaru o escritor, que se tornaria famoso por seus Arquivos Implacáveis, fazia questão de visitar o artesão. “Gostava de sua conversa original, colorida, de matuto inteligente. Apelidei-o de Mestre Vitalino e ajudei-o quanto pude”, afirmaria, décadas depois. Dois meses após a inauguração, o espaço recebeu o nome de Museu de Arte Popular João Condé, através da Lei 1.209, promulgada pelo prefeito João Lyra Filho. O fato inquietou Condé. Sobre isso, ele escreveu, à época: “Bom, inaugurado o museu, puseram lá o nome Museu João Condé. Aí eu escrevi uma carta pedindo que tirassem meu nome, que aquilo era o Museu de Arte Popular Mestre Vitalino. Eu não tinha nada com isso, apenas fui aquele veículo que consegui o dinheiro para fazer o museu, mas a homenagem é para o Mestre Vitalino, não para mim, eu não tinha nenhuma importância”, escreveu, demonstrando uma humildade pouco comum. O sonho durou pouco. Perseguindo o projeto pessoal de construir uma sede para o governo municipal, o ex-prefeito Drayton Nejaim – que sucedeu João Lyra Filho –, tratou de demolir o museu, causando indignação a muitos, inclusive à família Condé e aos irmãos Abelardo e Augusto Rodrigues, que romperam com Caruaru após o ato. Drayton utilizou o argumento de que, em poucos anos, o prédio começou a apresentar infiltrações na estrutura e rachaduras no teto. Anastácio era vereador e contestou. Antes da demolição, Nejaim e seu secretário de Educação, Severino Galindo, tentaram transformar o local num ponto de comercialização de artesanato e bonecos de barro, para que os artesãos deixassem a Feira de Cerâmica e se localizassem num único espaço. A decisão teve a influência da pintora Luisa Maciel. A solenidade que transformou o Museu em centro comercial ocorreu em 21 de novembro de 1963. A transferência da Feira de Cerâmica para o espaço do Museu foi formalizada por projeto de lei do vereador Aristides Veras, que também isentava de quaisquer impostos municipais os artigos à venda. O mesmo vereador

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A CASA DA CULTURA E O ENCONTRO DE GERAÇÕES

enviou projeto à Câmara, mudando o nome do Museu de João Condé para Mestre Vitalino. Como o edifício havia sido inaugurado por João Lyra Filho, Drayton acabou não cuidando do prédio e a estrutura ficou comprometida. João Lyra Filho havia sido eleito em 1959 com apoio do então deputado estadual Drayton Nejaim. Quando seu mandato acabou, Drayton quis o apoio de Lyra para ser eleito prefeito de Caruaru pela primeira vez. João Lyra negou e os dois romperam politicamente. Quatro anos depois de inaugurado, o Museu de Arte Popular de Caruaru começou a ser demolido. O sentimento da maioria da sociedade daquela época pode ser entendido através de comentário do jornalista Antônio Miranda, publicado pelo Jornal Vanguarda: “Tudo ia bem. Veio o prefeito Drayton Nejaim e acabou com tudo, derrubou. Por um lado por ignorância, por outro por ruindade. Cabra ruim, acabou com o Museu e parece que deram fim, perderam muitas peças de Vitalino. Destruíram, quebraram, sei lá. É massacre, é. Massacre cultural, perfeitamente. Sim, houve a crítica, berrou-se, gritou-se pelo jornal, mas... é assim mesmo...”. Estava acabado o sonho. O Museu de Arte Popular de Caruaru era o único do Brasil com sede própria e daria lugar ao Palácio Municipal que recebeu o nome do ex-prefeito Pedro de Souza e depois passou a se chamar Jaime Nejaim. A indignação arrastou-se pelos anos seguintes, o que explica o motivo da obstinação de Anastácio ao construir a Casa da Cultura, apesar das limitações de tempo e de recursos.

O NOME O ano de 1971 foi marcado pela morte precoce do escritor caruaruense José Condé. Amigo pessoal dos irmãos Condé, Anastácio decidiu dar à Casa da Cultura o nome do romancista. Era uma forma de homenageá-lo e de reatar os laços da família com a Caruaru que eles tanto amaram e divulgaram. A estrutura da Casa da Cultura era composta por biblioteca, museu, auditório e uma sala que recebeu o nome de José Condé e abrigava um acervo doado pela viúva do escritor, Maria Luísa. Ao contrário da Casa de Rio

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Preto, a obra caruaruense não foi projetada para abrigar um teatro. Nunca houve recursos técnicos para tal. O auditório recebeu o nome de Abelardo Rodrigues, que contribuiu para a elaboração dos projetos da Casa da Cultura e do Museu de Arte Popular. Tempos depois, de forma equivocada, o auditório passou a se chamar Teatro Joel Pontes. “Não fizemos a Casa da Cultura para ter teatro. Lá não há condição técnica para isso”, defende Anastácio. Uma cabine para projeção de filmes e documentários também foi implantada no espaço, inspirada no Museu da Imagem e do Som, no Rio de Janeiro. A ideia era convidar jornalistas e personalidades para contarem suas vidas e formar um grande arquivo. No centro da Casa, foi fixado o busto em memória de José Condé, obra de Abelardo da Hora. “A Casa da Cultura será o cérebro de Caruaru. Aqui, ninguém derruba!”, bradava o prefeito Anastácio. O projeto futurista da segunda Casa da Cultura do Brasil acabou se expandindo. Muitos prefeitos foram a Caruaru conhecer o espaço, inaugurado em 31 de janeiro de 1973, último dia da gestão Anastácio Rodrigues na Prefeitura Municipal. A título de registro, vale a pena citar que a Casa da Cultura de Pernambuco, no Recife, foi inaugurada depois da de Caruaru, ao longo do ano de 1973. E com uma diferença crucial: foi instalada no prédio onde funcionou a antiga Casa de Detenção. Construída segundo os modernos padrões da época, tinha capacidade para duzentos presos. Sua pedra fundamental fora assentada em 1850. Em 1973, foi restaurada e adaptada como espaço cultural e centro comercial de artesanato, no governo Eraldo Gueiros. Caruaru, ao contrário, construiu seu próprio prédio cultural e com finalidade específica. “O projeto da Casa da Cultura é antes de tudo uma bela obra arquitetônica, projeto do arquiteto Jonas Arruda com a participação de Abelardo Rodrigues”, define Anastácio.

INAUGURAÇÃO Na manhã quente da quarta-feira, dia 31, típica de janeiros ensolarados,

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A CASA DA CULTURA E O ENCONTRO DE GERAÇÕES

Anastácio deu seu último expediente no gabinete até as 11h30. O deputado Fernando Lyra não parava de ligar para saber detalhes da eleição da mesa diretora da Câmara. Anastácio fora o primeiro prefeito de Caruaru a fazer o sucessor. À tarde, passaria o comando da cidade para João Lyra Filho, que assumiria o cargo pela segunda vez. Daí a inquietação de Fernando. Mas Anastácio não estava preocupado com a eleição para a presidência do Legislativo, já que esta era uma competência do prefeito eleito. Sua expectativa era a inauguração da Casa da Cultura José Condé. Uma caravana viera do Rio de Janeiro, com as despesas pagas pela prefeitura, e havia sido recepcionada no aeroporto de Recife pelo próprio João Condé, que há dias estava na capital pernambucana, pelo prefeito Anastácio Rodrigues, os jornalistas Souza Pepeu e Celso Rodrigues e o publicitário Pedro Alencar. A comitiva foi recebida no local da inauguração, ao som da Banda de Pífanos de Caruaru e dos tiros quentes dos bacamarteiros. Elysio Condé, João Condé, Maria Luísa Condé e os três filhos do escritor – Maria Regina, Vera Maria e Fernando Antônio Condé – vieram participar da homenagem póstuma ao pai. A caravana trouxe também Carlos Perry, amigo dos Condé, Marcos Vinícius Vilaça (à época secretário de Estado) e Heloísa Lins, viúva do jornalista e crítico literário caruaruense Álvaro Lins – acompanhada pelos filhos Pedro e Tereza Lins. Figuras como Rui Limeira Rosal, Ênio Silveira (por muito tempo diretor da Editora Civilização Brasileira, que publicou boa parte da obra de Condé), o poeta Mauro Mota (então presidente da Academia Pernambucana de Letras), o escritor e teatrólogo caruaruense Joel Pontes (na ocasião editorialista do Diário de Pernambuco) e Augusto Rodrigues também se fizeram presentes à solenidade. O prefeito eleito João Lyra Filho (sucessor de Anastácio Rodrigues) e seu filho, o deputado federal Fernando Lyra, também compareceram. Estava lá o conhecido Cacho de Coco, figura popular dos carnavais caruaruenses, imortalizado na obra Terra de Caruaru. O folião José Romão da Silva era líder do bloco Sou eu o teu amor, que desfilou durante 52 anos no carnaval de Caruaru. Ele morreria em oito de novembro de 1975, aos 93 anos, vítima de AVC. Anastácio chegou à Casa por volta do meio-dia. Em seu discurso, afirmou nunca ter visto tanta ternura e sensibilidade em um homem, como vi-

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Imagens da inauguração da Casa da Cultura José Condé, em 31 de janeiro de 1973











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ra em Condé. “Zé era uma criança grande. Ele nunca esqueceu a sua terra”. A direção da Casa da Cultura foi entregue à pintora Luisa Maciel. Naquele mesmo dia, Caruaru recebeu outro grandioso presente. Heloísa Lins decidiu doar a biblioteca de Álvaro Lins – verdadeiro patrimônio material e cultural do Brasil –para compor o acervo da Casa da Cultura. Algum tempo depois, os livros chegariam à cidade em caixotes. Os discursos continuam. Maria Luísa fala do amor de José Condé por Caruaru, registrado em suas obras. Um discurso belo, que retrata o sentimento nobre do amor, sem esconder a saudade e a dor ocasionadas pela perda irreparável. “Hoje, tenho certeza, Zé está aqui conosco. Vibrando, qual criança que sempre foi, com o cheiro de Caruaru, as árvores de Caruaru, o vento de Caruaru, o céu de Caruaru. Zé Condé era avesso à tristeza. Hoje, mais do que nunca, ele está alegre, recebendo a homenagem de sua querida cidade. E, se ele está feliz, eu também estou”, afirmou, emocionada. Marcos Vilaça lamenta também a morte de Abelardo Rodrigues (advogado, paisagista, poeta e pintor, morto em 1971, irmão de Augusto Rodrigues, que estava na solenidade de inauguração da Casa da Cultura), Vitalino e Álvaro Lins. Rui Rosal, num discurso megalomaníaco, destaca os potenciais de Caruaru. “Anastácio amou, ama, propaga e tem um bairrismo enorme por essa terra”, decretou. Elysio Condé, fundador do Jornal de Letras, definiu a Casa da Cultura como uma “obra da perseverança de Anastácio”. E comentou a trajetória de seu irmão, José Condé, que fez de Caruaru o tema central de sua literatura. “Esta Casa da Cultura é uma compensação pelo pouco que fizemos por Caruaru e pelas letras nacionais”, disse. Ao término da solenidade, o prefeito Anastácio recebeu os convidados no campus universitário da Faculdade de Direito para um almoço de confraternização. Sem que ninguém esperasse, o governador Eraldo Gueiros Leite apareceu no local. Reclamou que demorou a encontrar a Casa da Cultura. Na cidade, perguntou a várias pessoas onde ela estava localizada e ninguém sabia dizer. Mas, considerou que se tratava de um equipamento novo. Eraldo não resistiu aos Condé, de quem era amigo. E quis prestar sua homenagem ao prefeito. “Vim lhe abraçar pelo governo que você fez. Parabéns, Anastácio”, disse-lhe o governador. Ao fim da festa, estava inaugura-

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A CASA DA CULTURA E O ENCONTRO DE GERAÇÕES

da a Casa da Cultura José Condé, obra maior da gestão administrativa, que eternizou Anastácio na História política de Caruaru. Enquanto circulava pelo interior da Casa da Cultura, Eraldo perguntou a Anastácio: “Cadê o João?”. De imediato, Anastácio perguntou pelo prefeito eleito a seu filho, Roberto Lyra, que respondeu num tom jocoso: “Papai lá quer conversa com esse bosta”. E ficou preocupado, afinal, João Lyra precisaria do apoio do governador para tocar a frente seu governo. Em 16 de setembro de 1973, sete meses após a inauguração, o teatrólogo e diplomata brasileiro Paschoal Carlos Magno, considerado o papa do teatro brasileiro, visitou a Casa da Cultura José Condé. Em depoimento prestado no auditório da Casa e gravado pelo Museu do Som, ele destacou a grandeza da obra, que, em sua visão, honrava não só a cidade de Caruaru, mas também o Brasil. “Para os que muito viajaram como eu viajei, e continuo viajando, a gente raras vezes encontra numa cidade do interior da Itália, da Grécia, França, Alemanha, Inglaterra, uma Casa como esta, condicionada, preparada com o espírito de acolher a cultura em seus diferentes aspectos. É essa uma vitória que eu preciso ressaltar e aplaudir”, descreveu Paschoal Carlos Magno.

39 ANOS DEPOIS... O RENASCER DA CASA DA CULTURA Emocionado, Anastácio volta à Casa da Cultura José Condé para sua reabertura. Quase quatro décadas se passaram e ele não é mais prefeito de Caruaru. Seus cabelos são brancos e o seu rosto tem rugas – aquelas que o tempo esculpe com cuidado em quem tem história e cuja história dá identidade à essência humana. No final da tarde do dia 31 de janeiro de 2012, exatamente 39 anos após aquela manhã ensolarada em que inaugurou a obra futurista, a Prefeitura de Caruaru, através da Fundação de Cultura e Turismo, reabriu as portas da Casa numa solenidade muito prestigiada. Infelizmente, ao longo do tempo a Casa da Cultura foi se descaracterizando e estava fechada há mais de sete anos, quando foi reativada, com nova roupagem e equipamentos.

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Elysio, João e Maria Luísa Condé já não estão mais entre nós. Nem Heloísa Lins, Augusto ou Abelardo Rodrigues. Não vemos mais a Banda de Pífanos ou bacamarteiros. Mas logo chega Anastácio. Elegante, em seu terno preto, com aparência plácida e ao mesmo tempo apreensiva. Assim que a fita é cortada pela primeira-dama Carminha Queiroz e pelo presidente da Associação dos Artistas, Jô Albuquerque, o prefeito José Queiroz inicia a visita ao prédio, seguido pela multidão. “Anastácio, quanto é grande esta Casa”, comenta Queiroz. No hall de entrada, um painel é descerrado em homenagem a Anastácio Rodrigues, eternizando-o como o prefeito amigo da Cultura. A pintora Luisa Maciel, primeira diretora da Casa, participou do momento do descerramento. Anastácio não conteve a emoção. O quadro foi produzido pelo biógrafo autor deste livro, a convite da Fundação de Cultura e Turismo. Imagens da inauguração e um texto biográfico compõem o trabalho idealizado com duas finalidades: homenagear o responsável pela construção da Casa, ao passo em que o apresenta para as novas gerações. Já no auditório, antes de discursar, Anastácio confessou haver pensado muito no que falar e começou agradecendo. Em seguida, leu trechos do depoimento do escritor, teatrólogo e diplomata brasileiro Paschoal Carlos Magno que destacava, à época da inauguração, a importância da Casa da Cultura para o Brasil. O ceramista Luiz Antônio, compadre de Anastácio, presenteou-lhe com uma peça de barro de sua autoria. É provável que a alegria demonstrada por Anastácio naquele dia tenha sido motivada mais pelas demonstrações de carinho e reconhecimento, do que pela própria reabertura da Casa da Cultura que ele mandou erguer. A amigos, o ex-prefeito não esconde seu desapontamento com a descaracterização da obra e a finalidade com que vem sendo utilizada nos últimos anos. Mesmo assim, Anastácio teve verdadeiro dia de glória: recebeu o carinho dos conterrâneos, posou para fotografias, concedeu entrevistas e disse estar colhendo naquela noite o que plantara no passado. Em entrevista ao radialista Tavares Neto, da Rádio Cultura do Nordeste, definiu aquela data como o renascer da Casa da Cultura. “A iniciativa partiu do prefeito Zé Queiroz, mas nesta noite eu estou sendo homenageado por Caruaru. Tan-

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O prefeito JosĂŠ Queiroz reativou a Casa da Cultura, em 2012, ao lado de AnastĂĄcio


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ta gente a me abraçar, com calor humano, com afeto, é isso que me faz estar vivendo, este gesto de amor”, resumiu, com ternura. Com esta homenagem, o prefeito José Queiroz além de fazer justiça ao idealizador da Casa da Cultura, também parecia reparar um erro cometido no passado. Em 1994, durante seu segundo governo, quando anunciou a demolição do bloco B do Espaço Cultural, para construir o Pátio de Eventos, Queiroz contou com a indignação de vários segmentos da sociedade caruaruense. Um dos críticos ferrenhos foi justamente Anastácio Rodrigues, na época diretor da agência do IPSEP em Caruaru. O prédio fazia parte do complexo fabril da extinta Caroá e abrigava a escola de música da cidade, um museu e outros departamentos da Fundação de Cultura e Turismo. Após a demolição, foi erguida a Vila do Forró, também demolida sob protestos, inclusive judicial, pelo mesmo José Queiroz, em sua terceira administração. Quando da demolição do bloco B, Anastácio Rodrigues – que tem pavor a tratores da mesma forma que luta pela preservação da memória da terra dos Condé –, fez um desabafo ao Jornal Vanguarda e não escondeu seu desapontamento: “José Queiroz não deve limitar-se a demolir o bloco B do Espaço Cultural. Deve demolir o prédio inteiro, ou melhor, Caruaru inteira: o Palácio do Bispo, a Igreja da Conceição, a Igreja do Monte, a Casa da Cultura José Condé... tudo, enfim, que seja da memória do povo, pois ele se dedica até a remover as placas alusivas às obras de seus antecessores... como fez com minhas placas da Casa da Cultura e do Giradouro Major Clementino. Parece que tudo o que diz respeito aos outros o ofende. Ele poderia remover o próprio Morro Bom Jesus, ou cobri-lo com uma de suas placas... Mas a memória sempre existirá: como disse o primeiro bispo de Caruaru, Dom Paulo Libório, um povo sem tradição é um povo sem alma”. Terminada a solenidade de reabertura da Casa da Cultura, Anastácio é um dos últimos a deixar o lugar. Vai embora, sem ir, de fato. A Casa da Cultura tem a sua alma, portanto, enquanto ela existir, ele não morrerá. Uma história só merece aplauso se for uma história de amor. E quem julga se há amor ou não é a centelha divina que nos ilumina e a que damos o nome de consciência. A história de Anastácio é uma história de amor por Caruaru. De forma única, ele é aficionado pela cidade.

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Ao meio-dia de maio 39


ANASTÁCIO O ETERNO PREFEITO

A humilde família crescia. Os frutos, extraídos da terra, eram insufi-

cientes para manter os quatro filhos do casal Cícero e Amélia Rodrigues da Silva: Geraldo, Ambrósio, Maria e José. Preocupados com o amanhã, os pais resolveram deixar o pequeno mundo onde nasceram. Os campos do Alto do Moura e da Barra de Taquara, às margens do Rio Ipojuca, em Caruaru, tinham as suas limitações. Muitas limitações. Sentiam na pele as dificuldades. Era preciso vislumbrar novos caminhos, encaminhar os filhos para a vida. Cícero e Amélia Rodrigues casaram no dia 25 de janeiro de 1923. Cícero foi o único dos filhos de José Rodrigues da Silva que aprendeu a ler. Não se sabe como. Os demais só sabiam fazer conta. Forçados, pelas circunstâncias, decidiram vender o taco de terra e partiram para morar na rua. Adquiriram uma simplória casa num arruado, chamado naquela época de sítio, na atual Rua Leão Dourado. Na fachada da casa: porta e duas janelas. Sala, quintal um pouco espaçoso. Piso de tijolos. Com eles, vieram os dois irmãos de Cícero: Florentino, conhecido como “seu Flor” e Joaquim. Florentino era casado com Ana, irmã de Amélia, esposa de Cícero. Dois irmãos casados com duas irmãs. Seu Flor e Dona Ana eram pais do jornalista Celso Rodrigues. Também foram morar na cidade dona Benvinda Santina da Purificação e seu João Zeferino Dias, pais de Amélia e Ana. Florentino e Joaquim compraram as casas ao lado da nova residência de Cícero – que era a da esquina. Dona Benvinda foi morar adiante, numa pequena casa do lado direito da Rua Leão Dourado, onde muitos anos depois passaria a funcionar a Fábrica de Chumbo Juriti, no caminho de acesso à Vila Kennedy. O sítio, na histórica Rua Preta, era um arruado triste. Caminho para o Sertão. O seu silêncio era quebrado pelo cantar das rodas dos carros-de-boi a caminho do Rio Ipojuca ou o estralar dos relhos dos tropeiros e passagem dos agricultores que traziam, aos sábados, produtos para serem comercializados na feira de Caruaru. Nas manhãs, o vozerio dos operários rumando para o Curtume Souza e Irmãos. Rua sem luz. Descalça. A monotonia do arruado era quebrada nas noites juninas. As enormes fogueiras, o soltar dos balões e craveiros e a batalha dos busca-pés deixavam as suas marcas negras nas fachadas das residências ao redor. Ouvia-se um grito forte e repetido: quebrou, quebrou! Vozes dos desafiantes. As mo-

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cinhas, no terreiro da rua, cheias de sonhos e ingênuas, cantavam: “Capelinha de melão E de São João É de rosas e de cravos De manjericão” Nas casas, as brincadeiras de roda. O “Olê Laurinda” e o batido forte da mazurca. Comemorava-se um São João popular, terno. Cícero Rodrigues, homem festeiro, puxava o fole. Aprendeu de oitiva. Gostava de cantorias. O repentista Pinto, na casa do sítio, com a sua inteligência incomum, encantava e deleitava os convidados. A fogueira ardia, aquecendo, como uma lareira, a noite fria de São João. Ouvia-se, vez por outra, o estampido do ofegante bacamarte. Era Cícero saudando o “Senhor São João”. A mulher, Amélia, na cozinha, preparava canjica, pamonha, milho cozinhado, pés-de-moleque e bolo de mandioca para o café, tipicamente regional. Foi no sítio da Rua Leão Dourado, que precisamente ao meio-dia de 11 de maio de 1928 nasceu o quinto filho do casal. Maio era tradicionalmente o mês das flores, das noivas e dos grandes casamentos em Caruaru. Dona Amélia sempre colocava o nome dos filhos de acordo com o santo do dia. Mandava consultar a folhinha, no calendário do Sagrado Coração de Jesus e o que lá estivesse escrito, receberia e seria batizado. Com o nome de Anastácio Rodrigues da Silva a criança foi levada à Pia Batismal da Matriz de Nossa Senhora das Dores, para receber o Santo Sacramento do Batismo, no dia 05 de agosto do mesmo ano, pelas mãos do coadjutor, Padre João Barbalho, que foi assistente eclesiástico da Força Expedicionária Brasileira, durante a Segunda Guerra, e que o garoto conheceria muitos anos depois. Apadrinhou o pequeno Anastácio, Eloy Pereira de Menezes e Santina Gomes, amigos de seu pai e proprietários de uma gráfica, na Rua Vigário Freire, onde era editado o jornal de orientação católica A Defesa, em sua primeira fase. A madrinha de apresentação foi Terezinha Menezes, filha do casal Eloy e Santina. Eles moravam na Rua Duque de Caxias, em frente ao atual Memorial da Cidade.

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No antigo livro de batismos da Matriz de Nossa Senhora das Dores a data de nascimento de Anastácio Rodrigues foi registrada de forma errônea. Segundo consta, o garoto nascera a 11 de junho de 1928, equívoco que os padrinhos cometeram no momento em que informaram a data de nascimento do afilhado. É importante, todavia, citar que todos os seus documentos registram que ele nasceu em 11 de junho e não em maio; a data está assim citada em suas certidões de nascimento e de casamento.

A Rua Preta era um dos recantos mais antigos e movimentados de Caruaru. Nascera às margens da “estrada do Sertão” e, ao que se sabe, seus primeiros habitantes foram escravos africanos, que lá construíram mocambos e palhoças, formando a primitiva Rua dos Pretos, conforme registro do escritor Nelson Barbalho. Após a abolição da escravatura no Brasil, através da Lei Áurea de 13 de maio de 1888, assinada pela Princesa Isabel, a Rua dos Pretos foi-se enchendo de casebres “meia-água” com as frentes não rebocadas, “em preto”. Assim, o povo passava a tachar a área de Rua Preta, nome mantido até hoje, embora em caráter não oficial. Do arruado na Leão Dourado, o garoto Anastácio guardaria para sempre, na memória, recordações de seus primeiros passos, a exemplo do malhar do ferro pelo ferreiro Tô, que chegava aos ouvidos da família. Magro, moreno claro, óculos de armação de arame, suspensórios. Figura singular. Os garotos ficavam encantados quando ele movimentava o fole, despertando as brasas que dormiam. O que saía era transformado em facas de mesa, adornadas de cabos de osso de boi, na oficina de taipa e barro. O velho Tô foi o primeiro artesão que Anastácio conheceu. A presença dele e de seus irmãos não incomodava o velho. Tanto que juntavam ossos e vendiam ao artesão por uma moeda de 500 réis. Não se sabe por que, vive, também, na mente de Anastácio o palacete do senhor Olegário, conhecido, naquela época, como um dos homens ricos de Caruaru. A fachada da mansão, no lado direito da Rua Leão Dourado, próximo ao Grupo Escolar Augusto Tabosa, era por demais imponen-

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Fac-símile da certidão de nascimento de Anastácio Rodrigues


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te; nos moldes de um Panteon, bem ao estilo grego. As suas colunas, robustecidas, sinuosas, pintadas de vermelho e verde. Olegário costumava hospedar autoridades em sua residência. Rico e garanhão teve que deixar a cidade após ameaças. Em 1928, quando Anastácio nasceu, Caruaru tinha apenas 70 anos e era administrada pelo prefeito Leocádio Rodrigues Duarte Porto, filho do Coronel Manuel Rodrigues Porto, que foi prefeito por vários mandatos, e de dona Ana Adelaide Duarte Porto. Tenente-coronel da Guarda Nacional, caruaruense nascido em nove de dezembro de 1881, Leocádio era tabelião desde o ano de 1903, quando o então governador de Pernambuco Antônio Gonçalves Ferreira sancionou a Lei Estadual nº 613, criando o 3º tabelionato do município de Caruaru. O elegante salão de seu Cartório funcionava na Rua Vigário Freire, 166. Quando o Coronel Leocádio Porto foi prefeito, a cidade viveu um alegre período de festas. Ele foi um dos grandes amigos do escritor Mário Sette – um apaixonado por Caruaru. Homenzarrão, alto, voz forte, Leocádio morava nos fundos do Cartório de sua propriedade. Dizia-se que era mandão e jogou duro com os filhos homens. Teve 10 filhos: cinco com a primeira esposa, a recifense Carlota Viana de Magalhães Porto, que morreu por volta dos 34 anos, em 1917; e cinco com segunda mulher, Maria José Anacleto Porto, com quem casou quando ela tinha apenas 15 anos. Leocádio faleceu no Recife, em 22 de julho de 1954. Ao longo dos anos, Caruaru passou de fazenda a vila e, depois, a cidade de comércio pujante, destacando-se como líder no Agreste pernambucano. Na Caruaru da década de vinte, o algodão fazia as primeiras fortunas e começava a impulsionar o crescimento do município, como narra o escritor José Condé em seu livro, Terra de Caruaru: “Da caatinga – brotando, nativo, entre mandacarus, xiquexique, e palmatórias – vinha a seiva que lhe dava vigor ao corpo: o algodão. Fortunas começaram a surgir da noite para o dia: ergueram-se palacetes na Rua da Matriz, surgiram novas ruas; os primeiros automóveis e caminhões começaram a varar as estradas poeirentas abertas nos carrascais. Os caminhões que vinham das plantações para o burgo, desembocavam diretamente nos escritórios dos intermediários ou nos armazéns de beneficiamento, onde maquinarias esta-

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vam sendo instaladas em ritmo acelerado. - O algodão é mãe generosa – diziam os novos ricos. Com o dinheiro ganho, coronéis erguiam residências suntuosas, janelas abertas para jardins floridos, mobiliário das melhores lojas da capital, cortinas de seda pura, tapetes, cristais; compravam carros “Ford” e “Overland”; adquiriam patentes da Guarda Nacional e se faziam fotografar envergando fardas de major ou coronel. Mal sabiam ler e falar, porém os filhos estudavam nos colégios do Recife e do Rio. A fazenda de gado passara a ser lugar de recreio. Se antigamente vinham do campo para a cidade apenas uma vez por semana – ver a feira de sábado e ouvir a missa de domingo – agora faziam exatamente o contrário: moravam na rua; o campo se transformara em pouso tranquilo: para dias de ócio, banhos de açude e pescarias, para o leite ao pé da vaca e o requeijão fresco, para as grandes tachadas de canjica de milho verde. (...) Mas tudo isso era apenas o começo. Porque Caruaru, com seus trinta mil habitantes, conservava o aspecto antigo de burgo nascido entre mil e uma dificuldades na boca do sertão; plantado em pedra, embora seu povo possuísse, também, muita resistência de pedra para abrir caminho nas adversidades. Muita pobreza atravessando secas terríveis e invernos brabos; muita fibra para enfrentar a natureza e sobreviver”. Cícero Rodrigues não enriqueceu com o comércio do algodão; no entanto, gostava de fazer uma fezinha no jogo do bicho e acabou acertando no milhar. Recebido o prêmio, juntou com os trocados que possuía e comprou a casa 41 da Praça Governador José Bezerra, atual Praça Nova Euterpe. Mais uma vez, juntaram os teréns e partiram. Já não eram mais quatro filhos, mas seis. Além de Anastácio, havia nascido também, Ademar. Ficaram no sítio da Rua Leão Dourado os irmãos de Cícero e seus sogros, Benvinda e João, que haviam acompanhado a família na fuga do campo. Dona Benvinda era uma exímia rendeira e devota do padre Cícero. A parede da sala de sua casa ostentava uma foto do Padim Ciço. Trabalhava com alfinetes e espinhos de mandacaru. Tinha grande agilidade. Anastácio ficava impressionado ao ver a avó trabalhando. Esguia, cabelos longos e brancos era chamada pelo neto de “Madrinha Benvinda”. Ficou viúva ao ir morar na cidade. Seu marido, João Zeferino tinha os olhos

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[1] Dona Amélia Rodrigues, mãe [2] Geraldo Rodrigues, irmão mais velho [3] Zino Rodrigues, ex-vereador, irmão [4] Cacilda Santos, professora no Joaquim Nabuco

azuis e as pessoas diziam que Anastácio parecia muito com ele. Amélia dera assistência à mãe até os seus últimos instantes de vida. A família chegou à noite na Praça José Bezerra. Às escuras. Os pés de fícus-benjamin, plantados em 1922, pelo então prefeito Celso Galvão, quando da construção, pareciam, na ótica do menino Anastácio, enormes assombrações. No interior da casa, candeeiros garantiam uma fraca iluminação. Também não havia água encanada. A água era vendida em latas, em três chafarizes espalhados pela cidade: um na Rua Martin Afonso, localizada na Rua Preta; outro na Praça Maciel Pinheiro, nos fundos da casa onde Anastácio morava e o último na Rua Dr. José Mariano, no Centro. Um número pequeno e insuficiente. Água da Serra dos Cavalos trazida para a cidade através do empenho de um visionário, chamado Antônio Menino, empresário no ramo de cerâmica. Somente no ano de 1911, o poder público começou a executar o antigo projeto de trazer água encanada para a cidade e acabar com a cultura da lata d’água na cabeça. Naquele ano, o então prefeito Manoel Rodrigues Porto contratou por dois contos de réis os serviços do engenheiro Gastão Pinto da Silveira, para elaborar a primeira planta da cidade, junto a um projeto de captação, canalização e distribuição de água.

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[5] Ademar Rodrigues, irmão [6] Dona Amélia ainda jovem [7] José Rodrigues (Dedé), irmão [8] Cícero Rodrigues, pai

O projeto foi pensado para atender a necessidade de uma população estimada em 10 mil pessoas e incluía a utilização das fontes de água existentes em Serra dos Cavalos, com a construção de uma barragem para o armazenamento, 14 km de canalização através da estrada da Mata Negra, uma caixa receptora no Morro do Bom Jesus e três chafarizes, citados anteriormente. No entanto, o custo total da obra impediu a sua execução. Além disso, a canalização parecia sugerir que a obra de trazer águas longínquas seria longa, complexa e talvez inviável. Em 1920, o prefeito João Guilherme de Pontes contratou o industrial e oleiro Antonio Joaquim Alves Menino, que propagava ser capaz de trazer água para a sofrida Caruaru. O prefeito lhe deu um crédito de confiança e o desafio estava lançado. O pragmático Antônio Menino via motivos para otimismo. Utilizando canos de cimento fabricados em sua própria cerâmica, aproveitando a ideia já existente, porém sem seguir os fundamentos técnicos do projeto elaborado pelo engenheiro Gastão Pinto, iniciou a sua aventura. O historiador Nelson Barbalho escreveu que o trabalho foi um desastre, porque os canos de cimento não suportavam a pressão da água e sempre arrebentavam. Para evitar que o problema fosse agravado, pequenos furos foram feitos na parte superior dos canos. Apesar da forma rudimentar e com

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os canos estourando em diversos pontos, a água chegou aos chafarizes, chamados pelo povo de “suspiros”. Antônio Menino vivia no mundo prático, não no das ideias. E apesar das falhas, a água chegou até a cidade por uma iniciativa sua. O poder público foi mero coadjuvante nessa empreitada. De forma que não é exagero algum reconhecer nele um homem inteligente, dadas as inúmeras limitações da época para a realização de uma obra como aquela – pensada por ele e sempre adiada pelos governos que passaram pela prefeitura. Mediante pagamento, a população enchia as latas d´água e as transportava no lombo de jumentos ou em carros de mão para as residências. A família Rodrigues, no entanto, recorria ao Rio Ipojuca cujas águas passavam a poucos metros da casa nova. O Ipojuca que saciava a sede e banhava a população também era transmissor de doenças, através de verminoses e sistosomas. Quando as águas estavam paradas, era perigoso tomar banho. O caramujo, que passava a habitar o rio, transmitia a doença que atacava o fígado. A população menos favorecida, no entanto, não sabia disso. E pela condição de vida, sem água encanada em casa, sem esgoto, procurava o rio para limpar a sujeira do corpo. No dia seguinte à mudança para a nova casa, Anastácio foi o primeiro a levantar. Ao abrir a porta, o sol iluminava o novo mundo da família. Havia desaparecido a imagem da noite. Algum tempo depois, houve choro novo na casa 41. Nascia Cacilda Rodrigues, a irmã caçula. Estava formada, então, a família Cícero Rodrigues, que deixando a agricultura, passou a negociar farinha no antigo Mercado da Rua Duque de Caxias. A casa 41, da Praça José Bezerra, era bem maior que a do arruado na Leão Dourado. Possuía área, cinco quartos, quintal grande e cozinha. Na sala, um relógio que Cícero havia comprado durante viagem com o irmão Florentino (Seu Flor) ao Recife. Anastácio guarda o relógio em sua casa até hoje. Incrivelmente, o aparelho está funcionando há um século. Para melhorar a estrutura, Cícero construiu lavador de roupas e banheiro. Anastácio dormia num berço de ferro, substituído, tempos depois, por uma rede. A casa também tinha muitos espelhos, mania de dona Amélia que desagradava sua irmã, Maria, habitante da Barra de Taquara. Mulher de estatura alta, casada com o agricultor José Alves, Maria dizia não gostar da ca-

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sa de Amélia porque tinha muitos espelhos. O quintal espaçoso servia para a família cultivar frutas – herança dos tempos em que sobreviviam da agricultura nos campos do Alto do Moura. Havia pés de banana-maçã, muito doces; manga e romã. Dona Amélia também costumava criar leitões que eram cevados com cuidado. Quando se aproximava o final do ano, os porcos eram vendidos. Com o dinheiro, a mãe comprava roupas novas para os filhos usarem na noite de Natal. A Praça José Bezerra foi o cenário do teatro da infância de Anastácio. A sua localização, no centro da cidade, concorria para o brotar de acontecimentos enternecedores e inesquecíveis. Tudo ou quase tudo enchia o seu espaço bucólico. Os fícus, ainda tenros; o poste de ferro, na área central, com quatro lâmpadas, mas apenas uma funcionava; canteiros sem relva e sem flores. O silêncio tomava conta do espaço. Logradouro sem pavimentação, vez por outra a poeira subia e rodopiava. Muitas vezes o garoto Anastácio fez, com os dedos, o sinal da cruz para afugentar o “demônio” que vinha impetuoso, de ladeira acima. Não era o demônio, apenas um redemoinho. A Praça era seu mundo, mas a vigilância paternal o impedia de ultrapassar suas fronteiras. Do batente da casa 41 contemplava o alvorecer e os amanhãs, num existir cheio de limitações, quase nunca contestadas. Ali, o mundo vinha a seu encontro, alimentando sonhos e fantasias. Anastácio era um menino pobre e sonhador, mesmo sem entender o significado de sonhar. Sempre sentado no batente de cimento, assistia a passagem dos carros de boi com rodas que pareciam cantar; levas de retirantes fugindo da seca, a caminho do Sul, para trabalhar na palha da cana nas usinas e nos engenhos; as “peladas” na Praça, quando os colegas disputavam uma bola de borracha ou de pano, das quais ele nunca participou. Viu a chegada dos primeiros canos de ferro para o abastecimento d’água, jogados a poucos metros da casa 41 e depois sepultados; a demonstração dos cossacos russos, com trajes típicos, a fazerem evoluções magistrais em belos animais de raça. Foi na Praça José Bezerra que Anastácio conheceu o cinema pela vez primeira, por meio de uma Komby equipada, a exibir filmes de desenhos animados. Após a exibição eram distribuídos pequenos tubos da pasta “Kolynos”, introduzida no país em meados da década de 20 e líder

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absoluta de vendas. “Hoje tem espetáculo? Tem, sim, senhor. Às oito horas da noite? Tem, sim, senhor. Arrocha negrada.” Assim cantava o palhaço perna de pau e assim respondia a garotada, com uma cruz vermelha em um dos braços, que era o “ingresso” para assistir ao espetáculo logo mais à noite. A “negrada” a cantar e a sorrir deslumbrada com a imagem do palhaço, que ficara no centro da Praça, transformando-o num picadeiro, a abrir braços e pernas, como se fosse um espantalho, cercado pelo verde dos fícus e aplaudido pela garotada simples que vivia instantes de felicidade. Os olhos de Anastácio reluziram e dos seus lábios saíram sorrisos de um menino triste que queria estar entre a “negrada”, com a cruz no braço e à noite sentado no “poleiro” para assistir ao espetáculo, que a garotada contemplou de perto e ele não. A monotonia da Praça José Bezerra, nos carnavais, era quebrada pelos ensaios do Bloco Lira de Ouro, agremiação de pau e corda presidida por Zé Raimundo, um dos grandes caixeiros de Caruaru, a abrilhantar os carnavais na Rua da Matriz. Subir até o Morro Bom Jesus, com a sua ladeira íngreme, era o lazer das famílias simples que para ali iam aos domingos ou nos dias dedicados a Santa Luzia. O pipocar dos fogos era sinal das graças alcançadas. Os batalhões dos bacamarteiros, vestidos de mescla e bacamarte aos ombros, rumavam para o Morro e se extasiavam com seus tiros bombásticos. A colina era também o lazer dos homens simples. Lá do alto mostravam a seus filhos a cidade que caminhava a passos lentos para o amanhã. Havia um amanhã... Ignorando a dimensão do mundo, existia dentro do menino Anastácio um anseio incontido de liberdade. Ficava a esperar sem saber o que estava para acontecer. O tempo não tinha pressa. Contemplava o alvorecer fitando os amanhãs sem saber que eles existiam. As tardes dos domingos davam outra feição àquele mundo tão particular. Como era delicioso para ele ouvir

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o silêncio que reinava na Praça. Ouvia-se também o dolente sino da Igreja do Morro Bom Jesus, acompanhado pelos sinos da Matriz das Dores e da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, na Hora do Angelus. A tudo o menino assistia do batente da casa 41, sem poder ultrapassar suas fronteiras. Anastácio Rodrigues faz parte de uma geração sacrificada. Em 1930, às 5h30 do dia três de outubro, começava a revolução. Getúlio Vargas assumia a Presidência da República, por vias não legais. Em Pernambuco, o governador Estácio Coimbra é deposto. O usineiro Carlos de Lima Cavalcanti, tendo sido designado como líder civil da revolução em Pernambuco, logo após a vitória dos revolucionários foi nomeado por Vargas interventor federal no estado. Em Caruaru, o prefeito Leocádio Porto, eleito em 1928 também é deposto do cargo e impedido de continuar exercendo a função de tabelião público. Em 16 de outubro, no Salão Nobre do edifício do governo municipal, o professor José Florêncio Leão é nomeado prefeito pelo novo interventor do Estado. Durante a Revolução de 30, o policiamento de Caruaru foi feito pelo Tiro de Guerra 114. E houve até um enterro simbólico de Leocádio Porto, tendo atuado como padre o escrivão José Ferrer, e como viúva o popular José Xarope. Somente em 1936, por meio de ato do governador Lima Cavalcanti, Leocádio Porto voltaria a abrir seu cartório, no antigo prédio número 166, da Rua Vigário Freire, sendo muito cumprimentado por amigos, que comemoravam com ele o reparo à injustiça cometida anos antes. No ano de 1932, o povo paulista vai às ruas defendendo a constitucionalização do país. Em 1935, explode a revolução comunista, sendo sufocada. Aos 10 dias do mês de novembro de 1937, Getúlio dá o golpe. Sufoca as liberdades democráticas. Implanta o Estado Novo. Surge o populismo. O povo brasileiro é massificado, através do Departamento de Imprensa e Propaganda, o temido DIP. A crise, em 1937, no comércio de farinha, fez com que Cícero Rodrigues mudasse de ramo. Passou a negociar queijo, na feira de Caruaru, instalando a sua barraca entre o velho sobrado do Coronel Porto, um dos ex-prefeitos de Caruaru, que viu o trem chegar à cidade em 1895, e a Pharmacia Franceza, do Major Sinval, na Rua do Comércio. Na juventude, quando ainda vivia nos campos do Alto do Moura, Cícero ia até a cidade, nos dias de feira, para vender alho – que ele levava em tranças espalhadas pelos ombros.

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Durante décadas, na feira de Caruaru, Cícero e seus irmãos Florentino e Joaquim exploraram o mesmo ramo, a venda de queijo, garantindo, assim, a manutenção de suas famílias. Juntou-se ao grupo, Virgulino, irmão de Amélia, que também comercializava o produto. Na década de 30, existia na Rua Vidal de Negreiros uma escola municipal isolada, na qual Anastácio foi matriculado. Sua primeira professora foi Severina Batista da Silva. Os irmãos mais velhos estudavam no Grupo Escolar Joaquim Nabuco, fato que perturbava o menino Anastácio. O Joaquim Nabuco foi a primeira escola pública estadual de Caruaru, construída na gestão do governador Barbosa Lima, em 1895. Era localizado no Parque Sérgio Loreto, atual Praça do Rosário. Por que não o haviam matriculado, também, no Joaquim Nabuco? Não entendia. Anastácio reagia, emperrava. Foi o seu primeiro protesto; reação, comprada, em seguida, com um bolo. Ele voltou à escola em soluços. A professora, num gesto de ternura, colocou a cabeça do menino sobre seu colo e acariciou-lhe os cabelos, que não eram brancos como hoje. Gesto que Anastácio nunca esqueceu. Mesmo assim, continuava a batalha. O menino queria estudar na escola de “Aía”, como carinhosamente chamava a irmã Maria. Anastácio e Maria sempre mantiveram grande afinidade, rompida somente após a morte dela. Foi Maria quem ensinou ao irmão as primeiras orações. Após a resistência, Anastácio venceu a batalha. Maria levou ao conhecimento de sua professora o desejo do irmão de estudar no Joaquim Nabuco. Conseguiu. A entrada no novo educandário foi para Anastácio um grandioso dia. Parecia estar adentrando um templo sagrado. O grupo escolar possuía três salas grandes. Os circos recém-chegados à cidade armavam suas lonas numa área próxima ao Joaquim Nabuco, para alegria de crianças e adultos. A diretora do Grupo Escolar Joaquim Nabuco era Luzia Belmira Monteiro Azevêdo, a professora Sinhazinha. Estava no cargo desde 1929, quando foi nomeada por influência do então prefeito coronel Leocádio Porto. Ali, a professora Sinhazinha realizou boas festas, promoveu júri histórico, reuniões e passeatas cívicas. No primeiro ano, a professora de Anastácio era a pintora, poetisa, pianista, oradora e catequisa Cacilda Santos, filha do Major Sinval de Carva-

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lho, velho boticário. Sem saber ler ou escrever, Anastácio ficava na última banca da sala de aulas. As suas lições eram sempre tomadas na hora do recreio, pacientemente, pela professora Cacilda Santos, a quem Anastácio refere-se como “Cacilda Santa”. O menino sentava na última banca e a mestra abria mão do intervalo para ensinar-lhe. Em um ano, graças ao método da professora, o menino venceu duas cartilhas. Alfabetizado, passou a ser aluno de Aurora Limeira. A professora era alta, esguia e de voz sonora. Vez por outra, não se sentia bem na hora das aulas, que eram suspensas. Anastácio sempre a acompanhava, levando os livros e cadernos dos colegas até a Rua da Estação, onde a professora morava. Ficava triste quando isso acontecia. Anastácio estudou o 2º e 3º anos primários com a professora Antonina Monteiro, filha do professor Vicente Monteiro. Demasiadamente austera, mas generosa. Quando levantava a voz na sala de aulas, advertindo um aluno, o Joaquim Nabuco ficava em silêncio. Sem dúvidas, os momentos mais marcantes eram as solenidades promovidas pela professora Sinhazinha, diretora do grupo escolar. Autoridades da cidade prestigiavam os atos. Cícero e Amélia, pais de Anastácio, compareciam ao ato solene, para receberem o boletim de notas do filho. Naquela época, os alunos que portassem boa conduta e conseguissem bom rendimento escolar recebiam nota 10, com distinção e louvor. Durante o 2º ano, Anastácio permaneceu um aluno aplicado, até que chegou ao Joaquim Nabuco, vindo da cidade de São Bento do Una, um galeguinho chamado Jório Valença. As bancas do colégio eram duplas e Jório acabou sentando ao lado de Anastácio. Logo fizeram amizade. O novo companheiro de estudos não era, porém, uma peça muito boa. Indisciplinado. Anastácio navegou nas águas de Jório e passaram a ser a dupla que dava trabalho à temida professora. Certa vez, Antonina Monteiro os colocou de joelhos, olhando para o quadro-negro. Um não ia sem o outro. Os bilhetes intimatórios começaram a chegar às mãos de dona Amélia e do pai de Jório, Pedro Valença, levados pela servente Maria Rosa, já de terceira idade, estrábica e de voz fanhosa. Lá se foi o 10 com distinção e louvor. A nota, no final do ano, foi sete. Um resultado justo, uma vez que o comportamento de Anastácio não era o mesmo.

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[1] O menino Anastácio, nos tempos de escoteiro, em fotografia coletiva nos anos 1930 [2] Igreja do Monte, inaugurada em 1902 [3] Atual Praça do Rosário. Do lado direito, ao centro, o Grupo Escolar Joaquim Nabuco [4] Rua Vigário Freire, ainda descalça. Aos fundos, a antiga Catedral [5] Subir ao Monte, nos domingos, era diversão das famílias caruaruenses

Até empurrões num negrinho, Eduardo, que costumava apanhar dos colegas na hora do recreio, Anastácio também dera. Em meio às bofetadas, o pobre Eduardo gritava: - Ô professora! - Eu já disse a você que saísse daí, respondia Antonina. Mesmo assim, estudar no Joaquim Nabuco, para Anastácio, era viver momentos inesquecíveis, instantes de felicidade. Os alunos amavam o grupo escolar. “No Joaquim Nabuco eu não tinha dinheiro para lanchar. Vanderlei dividia comigo um pão francês recheado com carne”, recorda Anastácio. Em casa, o menino Anastácio costumava estudar de joelhos ao chão, com o caderno sobre um pequeno tamborete.

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Havia, naquela época, uma séria disputa entre os estudantes do Joaquim Nabuco e os das Escolas Reunidas do Município. O Joaquim Nabuco era chamado de “Cumbuco” e a do município de “Ruída”. Uma não podia passar pela outra devido às hostilidades. Os apupos saíam naturalmente.

ESCOTEIRO Durante a passagem de Anastácio pelo Joaquim Nabuco, foi criada a Tropa de Escoteiros Padre José Anchieta. Certo dia veio a Caruaru o chefe Ger-

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mano, que conversou com a professora Sinhazinha para implantar o projeto no grupo escolar. Acompanhado pela diretora, Germano foi até a sala da professora Antonina, responsável pela indicação dos futuros escoteiros. Anastácio foi um dos alunos apontados pela professora para integrar o grupo, assim como Jório Valença e Valderedo Vasconcelos, irmão de Vera Vasconcelos, conhecida como Vera Veneno, grande amiga de Anastácio. Para sua surpresa, Anastácio assumiu a chefia da 2ª Patrulha, como monitor. Cada patrulha era composta por sete escoteiros. Ficaram sob a sua responsabilidade os alunos Edson Marinho, Osvaldo Galvão, Eraldo de Castro, Walter Lira, Ivanildo Pastor e Belarmino, o “Belo”. Os seis companheiros da Patrulha foram as primeiras pessoas lideradas por Anastácio Rodrigues. O chefe Germano fora substituído, em seguida, pelo chefe José dos Passos Ribeiro. Leônidas, um passador de jogo do bicho, era o corneteiro da Tropa. Excelente. Os passos eram guiados pelo inconfundível som da corneta. Certa vez, Zé dos Passos, numa noite de lua, gritou: “deitar corpo!”. Anastácio caiu sobre um formigueiro. Os escoteiros também praticavam esporte, atletismo. Seguiam à risca os 10 mandamentos do escotismo. Por coincidência, a 2ª Patrulha era justamente a que se destacava entre as demais, recebendo os elogios nas reuniões que ocorriam às segundas-feiras. “Ninguém passava a perna na nossa patrulha”, brinca Anastácio. No dia 4 de setembro de 1939, os garotos viajaram de trem, com destino ao Recife, para participar do desfile da juventude. Era a primeira vez que Anastácio saía de Caruaru. Chegaram à tarde e ficaram acampados no Parque 13 de Maio, durante uma noite chuvosa. Como bons escoteiros, armaram suas barracas. Por precaução, o monitor da 2ª Patrulha fez uma vala no entorno da barraca. Não deu outra. Choveu e todas as outras ficaram molhadas. Orgulhosos, desfilaram pelas ruas do Recife, no dia seguinte. Os velhos sobrados da capital pernambucana impressionaram o menino Anastácio. De volta a Caruaru, ele comentou com a mãe, Amélia, o fato de haver, no Recife, tantas casas “uma em cima da outra”. A sede da Tropa de Escoteiros começou na Rua Vigário Freire, que passou a ser o cartório do ex-prefeito Manoel Affonso Porto Filho, o Neco Affonso. Em seguida, a Tropa foi para a Rua da Matriz, no prédio ao lado da mansão

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do comendador José Victor de Albuquerque. “Foi uma fase boa da minha adolescência. Menino pobre!”, comenta Anastácio que na época, mandou fazer uma caixa de primeiros socorros para a equipe que liderava. Ideia copiada pelos outros escoteiros. Foi nos tempos do Grupo Escolar Joaquim Nabuco que Anastácio descobriu uma de suas grandes paixões: o amor pelo Santa Cruz Futebol Clube, do Recife. Junto com ele, passaram a amar o tricolor seus colegas Jório Valença e João Miranda que, adiante, trocaram o Santa pelo América. “Depois de morto, ainda vou continuar torcendo pelo Santinha. O time foi criado em 1914, quando nasci ele tinha 14 anos”, diz o fervoroso tricolor. O mundo, em 1939, foi surpreendido com o início da Segunda Guerra. Aos 11 anos, Anastácio fez a primeira comunhão, também na Matriz de Nossa Senhora das Dores. Era a Páscoa dos Militares, onde se fez presente o Tiro de Guerra 114 – criado em agosto de 1910, através dos esforços do advogado Bartolomeu Anacleto do Nascimento. Lá estava o escoteiro Anastácio. Muito cedo, seu lado religioso já despontara. O pai, Cícero, o tio Joaquim e o cunhado de Anastácio, João Moraes, pertenciam à secular Irmandade do Santíssimo Sacramento. Logo cedo, o garoto começou a frequentar, muitas vezes sozinho, a missa na Matriz de Nossa Senhora das Dores, que era celebrada em latim. Lá, Anastácio foi catequizado. Alunas do Colégio Sagrado Coração eram enviadas ao Grupo Escolar Joaquim Nabuco para darem aulas de catecismo. A catequista do pequeno Anastácio foi Zita Tabosa. Dona Amélia não costumava frequentar a missa, mas era devota de Frei Damião. Procissões costumavam passar pela rua onde moravam, às 5h30, convocando os fiéis para a missão. À Hora do Angelus, Amélia parava suas atividades domésticas dirigindo, de mãos postas, o seu olhar para a Igreja do Morro do Bom Jesus. Muitos anos depois, a mãe de Anastácio teria um sério problema de visão. O filho, já político de destaque, conseguiu um encontro entre dona Amélia e o religioso, através de Frei Tito de Piegaio. Anastácio acompanhou a mãe, que se confessou com Frei Damião, no Convento de Caruaru. Ele pôs a mão sobre sua cabeça e disse: “Jesus cura!”. Segundo Anastácio, ela foi curada. Ainda em 1939, Anastácio, acompanhado de sua irmã “Aía”, foi à casa da professora Lupércia Barros Coelho, filha de José de Barros Coelho, rico co-

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merciante português. Ouviram a transmissão, pela Rádio Clube, do Congresso Eucarístico Nacional, que aconteceu no Parque 13 de Maio, no Recife. Lupércia e sua irmã Maria Eugênia (Geninha), as irmãs Barros Coelho, mantiveram até os anos 1980, em Caruaru, o tradicional Externato Nossa Senhora Auxiliadora. Com a Tropa de Escoteiros Padre José Anchieta, o pequeno Anastácio também participou da cerimônia de inauguração do Hospital São Sebastião, construído pelo povo de Caruaru, em 14 de maio de 1939. O então interventor Agamenon Magalhães participou do ato solene. “Em casa, meus pais diziam que Agamenon não gostava de Caruaru, por isso eu não gosto dele”, revela Anastácio. Ele costuma contestar o fato de Agamenon Magalhães ser nome de avenida, bairro e escola no município. Apesar da empolgação, os dias no Joaquim Nabuco estavam contados. Naquele ano, o Ministro da Educação, Gustavo Capanema, determinou que todo aluno que tivesse feito o 3º ano primário poderia considerar-se concluinte. Medida do Estado Novo que acabou prejudicando Anastácio e todos os garotos de sua época. Os que podiam pagar os seus estudos foram para o Ginásio de Caruaru, entre eles Jório Valença, João Miranda e Valderedo Vasconcelos. Deixaram com profunda saudade o Grupo Escolar Joaquim Nabuco. Veio a dispersão. “Há dentro de nós o eco das vozes de todos eles e a grandeza da alma das nossas inesquecíveis mestras, inclusive Guiomar Lyra (mãe de Fernando Lyra e João Lyra Neto). Procuramos o velho Joaquim Nabuco e não o encontramos. Ficaram reminiscências dos maravilhosos dias vividos”, diz um nostálgico Anastácio. O Grupo Escolar Joaquim Nabuco foi demolido na década de 1940, com autorização do então prefeito Manoel Affonso Porto Filho, o Neco Affonso. Em seu lugar, foi erguido um posto de gasolina. Coisas de Caruaru, que não tem a mínima sensibilidade para preservar seus prédios históricos. Anastácio Rodrigues ficaria longo tempo sem estudar. Somente aos 25 anos, iniciaria o curso ginasial, no Colégio de Caruaru. Durante este período – mais de 13 anos –, dedicou-se ao trabalho, inicialmente na feira de Caruaru, aos sábados, quando ajudava o pai a comercializar queijo, em nome da sobrevivência. Depois, no Jornal Vanguarda, sua segunda escola de vida.

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De costas para o Monte do Bom Jesus, a Praça José Bezerra, no centro de Caruaru, serviu de cenário para a infância e adolescência de Anastácio Rodrigues. Feio, magri-

cela, cabelos pretos, o menino Anastácio era muito tímido e foi criado com base numa educação rígida. Sempre que completava ano, a mãe mandava tirar um retrato do garoto. Dona Amélia não permitia que os filhos brincassem na Praça e eles ficavam no batente da casa. O único treloso foi Zino. Era peladeiro e não gostava de estudar. Por causa da criação austera, Anastácio não desfrutou de atividades comuns às crianças. Não sabe, por exemplo, nadar ou andar de bicicleta. Aprendeu, no entanto, a dirigir, anos depois, com seu cunhado José Laudenor, hoje médico e residente na cidade de Formosa (GO). Mesmo assim, aproveitou a fase infantil e dela guarda boas lembranças. Naquele tempo, as crianças se divertiam soltando papagaios, brincando com pequenas pedras ou castanhas de caju, jogando pitelo. O papagaio de Anastácio não tinha cauda, além disso, a mãe não permitia que ele fosse fazê-lo voar na Praça. A saída era subir na janela de casa. O papagaio apenas rodopiava. Sem a cauda, nada de levantar voo. O garoto ficava decepcionado. O carrinho de Anastácio era uma lata de doce, pregada num pedaço de madeira. Infância de menino pobre, mas feliz. Mesmo que ele não soubesse que o era. Não podia ser diferente. Quando parava de chover, ele fazia barquinhos de papel que a água levava e destruía ao longo do caminho. Nos tempos de tanajura, a diversão era garantida. O garoto apanhava as formigas gigantes e a mãe torrava-as em casa com banha de porco. “Cai, cai, tanajura que na tua bunda tem gordura”, sorri Anastácio. Ele também jogou futebol. Até o dia em que levou uma bolada na cara. “Fui com uma turma de amigos jogar uma pelada num campo de futebol que havia no final da atual Rua João Condé, onde hoje funciona um posto de gasolina. Formaram uma turma e me colocaram para ser goleiro”, recorda. Durante o pênalti, a bola acertou o seu rosto. “Impedi o gol e vieram me abraçar porque defendi o pênalti. E eu disse: – Defendi pênalti nada, levei uma bolada na cara!”, conta, aos risos. Ainda habitam na memória de Anastácio cenas inusitadas que ocorreram durante a infância na Praça José Bezerra. Como a revoada de borbo-

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letas de asas amarelas que vira, certo dia, passar em direção ao norte ou ao sul, não sabe, deixando eufóricas as crianças que como ele tentavam pegá-las. Quase um acidente ecológico, termo desconhecido naquela época. Também não esquece os retirantes que por ali passavam. – Minha mãe, quem é aquela gente? – São retirantes que vão para o sul, trabalhar na palha da cana. É a seca, meu filho. A seca! “Cenas que Vitalino retratou em suas peças passavam em frente à minha casa. Retirantes, carros de boi que iam para o Rio Ipojuca”, compara Anastácio. Tanto no arruado da Rua Leão Dourado quanto na Praça José Bezerra, o menino tinha o Ipojuca aos seus pés. Apelidos ele diz não ter. “Nunca gostei”, vai logo dizendo. Foi na infância que ele teve o primeiro contato com a morte. Sentado no batente da casa 41, observou passar um enterro. O morto era levado numa rede para ser enterrado no cemitério São Roque. Outra vez, a cena se repetiu. Seis homens com camisa de saco e alpargata de arrasto conduziam ao cemitério um caixão rústico. Anastácio decidiu acompanhá-los. Não conhecia o morto, mas descobriu que se tratava de uma mulher, cristã. Ela vestia saia longa, colorida e emendada com sobras de pano. Chegando lá, abriram o caixão e viraram o corpo da anciã na vala, no lado esquerdo do São Roque. “Uma vala comum, sem cruz e sem um nome”, cita Anastácio. Nem um cravo, nem uma flor. O ataúde da caridade pertencia à Prefeitura. Fecharam e levaram-no de volta. A primeira vez que a população de Caruaru viu a energia elétrica, na cidade, foi na data em que o trem chegou pela primeira vez ao município, em dois de dezembro de 1895. Na ocasião, o então prefeito Manoel Rodrigues Porto recebeu em grande estilo a comitiva do governador Alexandre José Barbosa Lima. Depois de recepcioná-los em sua residência, na Rua Quinze de Novembro, com direito a cardápio escrito em francês, o prefeito abria as portas do Paço Municipal, oferecendo-lhes um sarau dançante, não à luz de candelabros e lamparinas, mas à luz elétrica, inaugurada ao cair da tarde. Entretanto, era algo muito limitado. A população caruaruense daquela época convivia com a escuridão e a ausência de água encanada. Caruaru foi uma das primeiras cidades do in-

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terior a ter luz própria, alguns meses depois que o general Dantas Barreto assumiu o comando de Pernambuco. A luz passou a ser fornecida por 1$300 (trezentos réis) o quilowatt/hora. Dantas Barreto chegou ao poder após as intervenções que o Governo Federal fez em vários Estados do Brasil, a partir de 1911, e que ficaram conhecidas como “Salvações”. Em Pernambuco, resultou na queda de Rosa e Silva (cuja oligarquia já dominava o Estado há 15 anos, centralizando também a Polícia, o Tesouro e o Fisco) e na ascensão de Dantas Barreto. Em Caruaru, houve a queda do coronel Neco Porto, substituído pelo coronel João Guilherme de Pontes. Em virtude dos graves acontecimentos verificados na política estadual daquela época e do clima reinante no município, Neco Porto renunciou ao cargo em 21 de fevereiro de 1912, “por não contar com as garantias precisas para o desempenho de seu cargo”, conforme ofício dirigido ao Conselho Municipal e ao então governador Dantas Barreto. As atas da Câmara registram que o Conselho Municipal, a contragosto, viu-se obrigado a aceitar a renúncia pedida. O coronel Manoel Rodrigues Porto pertencia ao antigo Partido Conservador, cuja orientação em Pernambuco, ao tempo do Império, era do Conselheiro João Correia de Oliveira, e com o advento da República, passou à orientação política de Francisco de Assis da Rosa e Silva. Nas lutas políticas de 1911, Neco Porto se manteve ao lado de seu chefe, tendo suportado por esse motivo longo ostracismo. No dia oito de maio de 1912, o coronel João Guilherme de Pontes foi empossado prefeito de Caruaru. Com o desenvolvimento do município, cerca de dez anos mais tarde, fez-se necessária a aquisição de novos motores, adquiridos através da importação de duas unidades suecas, com as quais ficaria Caruaru servida por muitos anos. O engenheiro Gercino de Pontes, filho do coronel João Guilherme de Pontes e secretário de Viação e Obras Públicas de Pernambuco, no governo Agamenon Magalhães, registrou em artigo publicado no jornal Folha da Manhã, de 1942, que quando se inaugurou a última unidade, o liberalismo do governo Estácio Coimbra, iniciado em 1926, mandava novo dirigente para Caruaru.

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Em poucos anos, o patrimônio municipal foi aniquilado e contratou-se o fornecimento de energia através da firma algodoeira J. Vasconcelos. Sob o regime desse contrato, já vinha sendo precário o serviço de iluminação pública, o qual se agravou após 1938, quando a administração municipal resolveu ampliar a rede distribuidora para estender o serviço à maior parte da população. Para atender à demanda, a empresa tentou adquirir uma nova unidade, o que não se realizou, devido à elevação de fretes resultantes da guerra na Europa. Ao longo de décadas, a população iria conviver com a precariedade dos serviços de água e luz. Nos tempos da infância de Anastácio Rodrigues, o Paço Municipal funcionava no atual Palácio Episcopal, na Praça Henrique Pinto. O imponente e majestoso edifício do Governo Municipal foi construído na administração do coronel Manoel Rodrigues Porto, em 1898, com um só pavimento e reconstruído pelo prefeito Henrique Pinto em 1922, que mandou erguer o pavimento superior. No térreo funcionavam, do lado direito, o júri e audiências do Juiz de Direito. Do lado esquerdo, a Câmara Municipal. No primeiro andar, o Salão Nobre da Prefeitura, gabinete do prefeito, gabinete do secretário, tesouraria, arquivo e outras dependências do governo municipal. Tímido, porém curioso, o menino Anastácio adentrou o Paço para assistir a um júri. Na tribuna, o brilhante advogado Pedro Eustáquio Vieira defendia um de seus clientes. O menino disse a si mesmo que quando crescesse seria igual àquele homem. Quase uma previsão, pois, em 1968, aos 40 anos, ele iria concluir o curso na Faculdade de Direito de Caruaru. Outra memória que permanece viva em Anastácio Rodrigues aconteceu na noite de 24 de fevereiro de 1941. Era domingo de Carnaval. A cidade comemorava euforicamente a festa, quando às 20h, faleceu em sua residência o ex-prefeito Manoel Rodrigues Porto. O velho coronel morava no sobrado número 90, da Rua Quinze de Novembro. Quando anunciaram a morte de Neco Porto, os tambores e clarins silenciaram. Os estandartes foram baixados. “Ele era muito querido”, recorda Anastácio, que presenciou a cena aos 12 anos de idade. O ex-prefeito conta que o coronel, já idoso e afastado da política, costumava ficar sentado em fren-

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te à sua residência, vestido com seu terno branco. E era dado a travessuras. “Ele tinha uma cobra de miolo de mulungu. Quando as meninas estudantes do Colégio das Freiras passavam pela calçada, ele apontava a ‘cobra’ e elas começavam a gritar”, puxou da memória. Anastácio ressalta que Neco Porto foi o prefeito que viu o trem chegar a Caruaru no ano de 1895. Nelson Barbalho registrou que fora Neco “dono de Caruaru durante mais de 20 anos”. Para se manter tanto tempo no cargo, utilizava-se, segundo o historiador, de um imoralíssimo sistema eleitoral. Os mandatos municipais eram trienais e o prefeito eleito era sempre ele mesmo. Como não podia ser sucessor dele próprio, Neco Porto renunciava ao cargo um ano e um dia antes da eleição, entregando a prefeitura ao sub-prefeito, que ele comandava, sem receio de contestação. Assim, continuava sendo prefeito de fato. Afastado legalmente do cargo, ele se candidatava a prefeito para o novo triênio, realizava a eleição a bico de pena e saía eleito tranquilamente. Durante a Segunda Guerra, Anastácio costumava sair de casa e ir até a Farmácia de João Napoleão, na Rua da Matriz, ouvir o noticiário pelo rádio. João Napoleão foi uma figura importante para a Caruaru da década de 1940. Além de ser o fundador do bairro Divinópolis, criou a primeira linha de ônibus urbano da cidade, que recebeu o nome de “O Pioneiro”. A população chamava o transporte de “sopa”. O percurso, bastante curto, tinha início na antiga Baixinha do Capitão Ioiô, como era conhecida a área da atual Praça Pedro de Souza, até o colégio Sagrado Coração. A título de registro, João Coriolano de Oliveira, o Capitão Ioiô da Baixinha, foi delegado de polícia na Caruaru do início do século XX. Naqueles tempos, João Napoleão teve a ideia de instalar uma confeitaria em Caruaru. O povo criticava-o porque fora até São Paulo comprar bombons produzidos pela Renda Priori, do Recife. “João casou-se com a irmã do vereador Abel da Farmácia. Sonhava alto e foi para o Rio de Janeiro. Um visionário naquela época, numa cidade totalmente atrasada”, avalia Anastácio. Seu irmão, Zino, admirava o fato de todos os filhos do empresário terem nomes iniciados com a letra “E”. Casou-se e fez o mesmo. Quando a Guerra acabou, os sapateiros suspenderam o trabalho, fecharam suas tendas e saíram em passeata, soltando fogos em frente à Igreja da Conceição. “Eu trabalhava no Jornal Vanguarda e vi a cena, eles soltando

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fogos, eufóricos. Era maio de 1945”, comenta. O fim da guerra representou a vitória das nações democráticas e socialistas. Fim do nazifascismo. Ressurreição da democracia. Alvorecer de novos tempos. O Brasil, em 1945, assiste à queda do ditador Getúlio Vargas. A chama da liberdade aquecia a alma do povo brasileiro.

D E M Ó C R I T O E A D I T A D U R A D E VA R G A S Sempre que recorre às memórias para falar sobre acontecimentos políticos da ditadura do Estado Novo, Anastácio Rodrigues evidencia a morte do estudante de direito Demócrito de Souza Filho, assassinado em três de março de 1945, enquanto estava ao lado de Gilberto Freyre, na sacada do antigo prédio do Diario de Pernambuco, em Recife. “É uma figura que eu não esqueço”, crava. Demócrito era um líder estudantil sempre presente nas manifestações cada vez mais comuns que antecederam o fim da ditadura de Getúlio Vargas. Em 1944, esteve preso por quatro dias por envolvimento em manifestações estudantis contra o ditador. Na véspera de seu assassinato, estudantes se refugiaram na redação e nas oficinas do Diario de Pernambuco, depois de um incidente no restaurante “Lero-Lero”. Demócrito de Souza Filho e Jorge Carneiro da Cunha retiraram da parede um retrato oficial de Getúlio Vargas, rasgaram e distribuíram os pedaços da fotografia entre os colegas presentes. Em poucos minutos, a Praça da Independência estava cercada pelos agentes da polícia civil. Os estudantes não foram presos porque o delegado de polícia logo chegou ao local e mandou que os policiais se afastassem dali. Os estudantes haviam anunciado para a tarde do dia três de março de 1945, um comício em frente à Faculdade, em favor da candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes à Presidência da República e uma passeata que terminaria na Praça da Independência, onde prestariam uma homenagem ao Diario de Pernambuco, grande aliado na luta pela redemocratização do País. Quando os integrantes da passeata se concentraram em frente ao pré-

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dio do Diario, o estudante Odilon Ribeiro Coutinho iniciou seu discurso de exaltação ao jornal. Nessa ocasião surgiram na Praça da Independência os primeiros disparos de armas de fogo efetuados pelos falsos trabalhistas que estavam no meio do povo. Houve correrias e dispersão, mas depois se reagruparam os estudantes e o povo para ouvir os oradores que falariam da sacada do primeiro andar do edifício do Diario. Duma das sacadas, Gilberto Freyre começa a falar, mas teve seu discurso interrompido à bala. Foi nesse momento que o estudante Demócrito de Souza Filho cambaleou e caiu no primeiro andar do Diario, na sala da redação, apresentando um ferimento na testa, produzido por arma de fogo. Demócrito foi socorrido, mas morreu no antigo Hospital do Pronto Socorro do Recife. Houve quem culpasse o interventor Etelvino Lins pela ação violenta que culminara na morte do estudante de Direito. Mas muitos o inocentaram. Em 1945, Etelvino assumiu o governo de Pernambuco, quando Agamenon Magalhães foi nomeado por Getúlio Vargas para o Ministério da Justiça e Negócios Interiores. O Diario de Pernambuco também sofreu repressão. Policiais invadiram a redação, no mesmo dia do assassinato, destruindo as páginas já prontas da edição de quatro de março de 1945. Houve proibição de circulação nos dias seguintes e apenas em nove de abril o jornal voltava a circular. Na manchete, o aviso: “Continuaremos a denunciar os crimes à Nação”. No mês de setembro, Getúlio Vargas assinou um decreto anistiando os acusados do assassinato de Demócrito de Souza Filho. Assim como não esqueceu a morte do estudante, Anastácio Rodrigues também mantém viva na memória a sua indignação pessoal em relação a Etelvino Lins. Em 1955, Etelvino candidatou-se à Presidência da República pela UDN, mas renunciou em favor do general Juarez Távora que concorreu com Juscelino Kubitschek. Na condição de candidato, Etelvino Lins chegou ao aeroporto do Recife na comitiva de Carlos Lacerda, inimigo figadal de Getúlio Vargas. “Lacerda, o que nos separava era a ditadura”, disse Etelvino, que ao contrário de Lacerda, não só apoiou a ditadura de Vargas como se beneficiou politicamente dela. A frase nunca foi esquecida por Anastácio e lhe causa a

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mesma repulsa até hoje.

O curioso jovem Anastácio saiu de casa, na Praça José Bezerra, pelo menos três vezes no ano de 1945, para observar a importantes atos públicos no centro de Caruaru. Com o término da Segunda Guerra Mundial e a redemocratização do país pós-Estado Novo, o município recebeu a visita de importantes figuras políticas. A que mais impressionou o menino Anastácio foi a chegada do Cavaleiro da Esperança, Luiz Carlos Prestes. O líder comunista discursou numa das janelas dum velho sobrado da Rua Quinze de Novembro. Prestes subiu o Beco do Major Sinval e entrou pelos fundos. A praça estava lotada. Quando ele começou a discursar, os comunistas acenderam tochas que iluminavam a multidão. Naquele momento de êxtase, ouvia-se uma voz feminina. Era Maria, irmã de João Belmiro, comunista famoso na cidade. Com voz forte, ela gritava sem parar: Prestes! Prestes! Prestes! Anastácio também recorda, com saudosismo, dos domingos, quando, às 6h, ia a pé ao Alto do Moura, acompanhando dona Amélia, para visitar os parentes que lá ficaram. Uma parte da família morava nos campos do Alto do Moura, a outra na Barra de Taquara. O garoto gostava muito do passeio. Ficava à beira do Ipojuca, água cristalina, observando os peixes. No mês de junho, caminhava por entre os milharais. Voltavam sempre no final da tarde. As raízes de Anastácio são do Alto do Moura. Lá ainda vivem integrantes da família Rodrigues, a exemplo dos familiares de Manuel Eudócio e de Marliete, famosos artesãos do vilarejo onde viveu o Mestre Vitalino. Família humilde que deu a Caruaru artistas e políticos de destaque, como: Manuel Eudócio Rodrigues, José Rodrigues, Marliete Rodrigues, Socorro Rodrigues, Carmélia Rodrigues, Antônio Geraldo Rodrigues da Silva (Tony Gel), Zino Rodrigues e o próprio Anastácio. A infância de Anastácio Rodrigues foi marcada também pela necessidade precoce de trabalhar para ajudar na manutenção da casa. Aos sete anos, nos dias de feira, estava sempre ao lado do pai, comercializando queijo. O produto vinha das cidades de Jataúba e Santa Cruz do Capibaribe e era trans-

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[1] Leuraci, Anastácio e o padre Sebastião [2] Encontro de prefeitos: Anastácio e Neco Affonso [3] Coronel Neco Porto: importante líder político de Caruaru no século passado [4] O ex-prefeito Celso Galvão e sua esposa, Sylvia

portado em caixas de querosene. Um fazendeiro, conhecido por seu Duda, trazia o queijo em caixas que continham as latas de querosene, com a logomarca Jacaré. Cícero chegou a instalar outro banco, ao lado do seu, para que Anastácio vendesse e aumentasse a lucratividade. “Meu pai pegava queijo de segunda e vendia por 500 réis o pedaço. O meu ponto era ao lado do banco dele, em frente à Pharmácia Franceza”, rememora. Logo cedo, Anastácio percebeu que o comércio não era o seu lugar. Ao contrário do seu primo, Francisco, cujo banco estava localizado de costas para a Pharmácia Franceza do Major Sinval, um antigo sobrado da Rua da Frente, atual Quinze de Novembro. “Eu não nasci para o comércio. Sempre sobrava queijo”, reclama. Quando a família Rodrigues foi morar na Praça José Bezerra, os tios Flor e Joaquim deixaram o sítio da Rua Leão Dourado e foram morar na futura Praça Coronel Porto. Era assim, sempre acompanhavam Cícero. Se por um lado eram inseparáveis, quando o assunto era política, eles rezavam em car-

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tilhas diferentes. Cícero era adepto da Aliança Liberal e, em casa, tinha um pôster de João Pessoa na parede. Coligação oposicionista de âmbito nacional, caracterizada pelo uso do lenço vermelho, a Aliança Liberal foi formada no início de agosto de 1929, por iniciativa de líderes políticos de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, apoiados pelo pequeno Estado da Paraíba, com o objetivo de apoiar as candidaturas de Getúlio Vargas e João Pessoa para presidente e vice-presidente da República, respectivamente, nas eleições de 1º de março de 1930. O resultado do pleito deu a vitória a Júlio Prestes e Vital Soares, eleitos com 57,7% dos votos. A fraude, dominante na época, verificou-se dos dois lados. Em 19 de março de 1930, Borges de Medeiros, líder do Partido Republicano Riograndense (PRR), reconheceu a vitória de Prestes, dando por encerrada a campanha da oposição. No entanto, as articulações dos oposicionistas prosseguiram, vindo a resultar, no mês de outubro, na Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder, por vias não legais.

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Poucos meses depois, em 26 de julho, João Pessoa foi assassinado pelo advogado João Dantas, com dois tiros à queima roupa, na Confeitaria A Glória, no centro do Recife. Em seu sepultamento, o jornalista e político Arnon Afonso de Farias Melo, pai do ex-presidente Fernando Collor, disse a célebre frase: “João Pessoa: vivo ninguém te venceria”. O fato teve grande repercussão no país, motivando muitas manifestações populares e é considerado como um dos fatores que desencadearam a Revolução de 1930. No mês de setembro, durante o governo Getúlio Vargas, a capital do Estado da Paraíba passou a chamar-se João Pessoa, em homenagem ao político assassinado. Algum tempo depois, um vizinho, chamado Diógenes Vasconcelos, alfaiate, convenceu Cícero Rodrigues a vestir a camisa verde, da Ação Integralista Brasileira (AIB). Estão vivos, na memória da velha guarda caruaruense, os embates entre comunistas e integralistas, que mobilizavam grande parte da população. Nos anos 30, por exemplo, havia na cidade um pequeno núcleo da AIB, organização de inspiração nazifascista liderada pelo escritor paulista Plínio Salgado. Organização que mobilizou intelectuais, clero e homens do povo. Os integralistas eram facilmente identificados pelo uso de camisas verdes, calças brancas e um distintivo com a letra grega sigma, além de uma típica saudação “anauê” – vinda da língua indígena tupi. Mas em Caruaru – como em grande parte do Brasil – eles eram chamados pejorativamente de “galinhas verdes”, e muitos moradores da cidade recitavam pelas ruas: “Galinha verde aqui não bota ovo/se botar não choca/se chocar não tira/se tirar não cria/se criar a gente mata!”. Por aí se vê o clima de animosidade que reinava contra os integralistas, na infância de Anastácio. “Lembro-me quando chegou a camisa verde do meu pai. Ele perguntou se eu queria vestir e olhei desconfiado. A sede da Ação era na Rua da Matriz, próximo à casa do comendador José Victor de Albuquerque”, recorda Anastácio. Com o fechamento da Ação Integralista, por Getúlio Vargas, houve em Caruaru perseguição aos integrantes do movimento. Cícero passou a ser pressionado por um oficial do Exército Brasileiro. “Passamos momentos difíceis. Meu pai chegou a ser preso. O oficial cochichava na frente de casa

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com o meu pai. Ninguém ouvia. O comentário era de que as casas dos integralistas seriam revistadas para ver se havia armas”, conta. Amedrontado, Cícero recorreu ao coronel João Guilherme, homem de prestígio e chefe político de Caruaru naquela época. “Cícero, vá para casa, ninguém toca em você”, assegurou-lhe o coronel. O oficial desapareceu e a paz voltou a reinar no convívio daquela família. Ainda aflita, dona Amélia pegou todos os livros da biblioteca do marido e levou-os para a casa de sua mãe, Benvinda, onde fez uma triste e melancólica fogueira. Anastácio levou o saco na cabeça. “As ditaduras sempre tentam incinerar a memória dos homens”, ressalta, ao lembrar aqueles momentos de aflição. O mesmo coronel João Guilherme que cumpriu a missão de “proteger” Cícero, deixou em seu filho Anastácio uma impressão que contrariava a do chefe político influente e poderoso. Nos tempos em que Anastácio era criança, a cidade inteira sabia que João Guilherme tomou como amásia uma mulher, que todos conheciam como Santa. Ou, Santa de João Guilherme. Mesmo sendo apenas a amante do coronel, Santina Eulália Lopes aproveitava-se de seu poder para mandar e desmandar na cidade. Casava e batizava, no dizer de Anastácio. “Ele não tinha força moral para ela”, argumenta. Anastácio era um menino quando viu Santa chegar ao Largo do Chafariz (atual Praça Maciel Pinheiro), nos fundos da casa onde morava, acompanhada por João Guilherme, para despejar a rameira Maria Augusta. O motivo: Santa teria vendido a casa em que morava a rameira a um cidadão vindo de São José do Egito, seu Brasil, que viera morar em Caruaru para trabalhar no Curtume Souza Irmãos. Dizia-se na cidade que Santa de João Guilherme possuía mais de 100 imóveis. Recolhia aluguel de todos eles, mas não pagava qualquer valor de imposto predial. De repente, deu-se a discussão no meio da rua. “Eu sou uma rameira, mas sou uma rameira decente. Pago minhas contas em dia”, defendia-se Maria Augusta, prestes a ser posta na rua. A gente curiosa foi-se chegando para ver aquela cena. O menino Anastácio parou quase ao lado do coronel João Guilherme, a quem define como “homem de estatura mediana, que usava cachecol e parecia sofrer de asma”. Enquanto Santa e Maria Augusta batiam boca, o velho coronel não

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deu uma palavra. O Largo do Chafariz era a segunda zona de meretrício da cidade. A primeira era a Rua 10 de Novembro, a antiga Rua da Matança, atual Porto Alegre. Santa “casou e batizou” em Caruaru, até um distante sábado, em que promoveu um escândalo na Rua Saldanha da Gama, onde morava, numa mansão. Comentava-se na cidade que se descontrolara por ciúme do velho coronel. Vira João Guilherme conversando com outra mulher e não gostou. A tradição oral registra que, depois disso, os filhos de João Guilherme de Pontes expulsaram de Caruaru a amásia do pai. Santa foi morar em Recife e nunca mais voltou.

A política foi assunto presente na vida de Anastácio desde muito cedo. Os pais gostavam do tema. A primeira campanha de que ele se recorda foi a do prefeito Celso Galvão, em 1936. Na verdade, a eleição aconteceu no dia oito de outubro de 1935, mas a conclusão dos trabalhos de apuração só foi feita em 16 de maio do ano seguinte, porque o PSD, inconformado, recorreu à Justiça Eleitoral para anular o resultado. Houve, inclusive, uma eleição suplementar, apenas para a 10ª seção eleitoral, que foi anulada pela Junta Apuradora. Celso Galvão só pôde tomar posse depois que o Tribunal Eleitoral de Pernambuco julgou o último recurso interposto pelo partido situacionista, negado unanimemente, que pedia a nulidade da eleição complementar. O Tribunal justificou que ainda que houvesse caso de nulidade, o resultado anterior não alterava a vitória da Liga Cívica, modificava apenas a colocação dos vereadores dos dois partidos. Nessa época, o eleitorado caruaruense era composto apenas por 3.629 pessoas. Concorrendo pela Liga Cívica Caruaruense, Celso Galvão obteve 1.466 votos, derrotando Sizenando Guilherme de Azevedo, por uma diferença de apenas 87 sufrágios. Sizenando era o candidato do Partido Social Democrático (PSD), do interventor Carlos de Lima Cavalcanti, que assumiu o Governo de Pernambuco após a Revolução de 1930. Não havia, naquela época, a figura do vice-prefeito. A ata inaugural registra que a Liga Cívica Caruaruense foi criada em 1º

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de agosto de 1935, em reunião na residência do Dr. Celso Galvão, para pleitear os cargos de prefeito e vereador nas eleições daquele ano. A abertura da sessão foi feita pelo coronel João Guilherme de Pontes, que explicou os motivos da reunião e convidou os presentes a aclamarem o diretório da Liga. A primeira diretoria da Liga Cívica foi composta pelo próprio João Guilherme, José Florêncio Leão (também ex-prefeito de Caruaru), Manoel Joaquim da Silva, João Maria de Vasconcelos e Pedro Victor de Albuquerque. Organizado o diretório, João Guilherme apresentou a chapa a ser sufragada pelas forças congregadas no novo partido, com Celso Galvão indicado para o cargo de prefeito. Assinaram o documento figuras da sociedade caruaruense como Antônio Nunes de Barros (ex-prefeito do município), Abel Menezes (que seria eleito prefeito de Caruaru muitos anos depois, em 1951), Jayme Nejaim (pai do menino Drayton Nejaim, então um garoto com apenas cinco anos), além do escritor Limeira Tejo, que se revelaria na literatura do país. Um nome que Caruaru precisa redescobrir. A campanha eleitoral de 1935 continua viva na memória de Anastácio. Celso Galvão já havia ocupado o cargo de prefeito, sendo nomeado no período de 1922 a 1925. Desta vez, retornava através do voto popular, mas não concluiria o mandato. Em 10 de novembro de 1937, o presidente Getúlio Vargas deu o golpe, instaurando o Estado Novo. Agamenon Magalhães assume o comando de Pernambuco como interventor federal e nomeia Celso Galvão prefeito de Garanhuns. Um fato curioso envolve as figuras de Anastácio Rodrigues e Celso Galvão. Anastácio era um menino de oito ou nove anos quando sua mãe, Amélia, mandou que ele fosse tomar banho. Depois, saiu de casa e foi brincar na Praça José Bezerra. Pequeno e magro, subiu num dos pés de fícus-benjamim e sentou-se em um galho que parecia um braço. Inesperadamente, sentiu que alguém pegou em seu pé. O dia já havia escurecido quando o menino Anastácio olhou para o homem que segurava sua perna. E ouviu uma ordem: “Fique aí, mas não maltrate as plantas”. Era o prefeito da cidade, Celso Galvão, cuidando diretamente das árvores que mandara plantar quando construiu a praça. Muitos anos depois, em 1971, já investido no cargo de prefeito, Anastá-

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cio Rodrigues convidou Celso Galvão para participar das comemorações do aniversário da cidade, em evento realizado no Clube Intermunicipal. Naquela noite, contou a lembrança ao ex-prefeito: “O senhor pegou no pé do futuro prefeito de Caruaru”. Celso Galvão, idoso e com cabelos brancos, sorriu. Coisas da vida...

DENTISTA PREFEITO Celso Galvão nasceu no ano de 1889, a 17 de abril, na cidade de Garanhuns, nos tempos finais do Brasil Império. Veio ao mundo na casa número 215, da Avenida Santo Antônio. Meses após o seu nascimento, o país entrava numa nova fase política, com o advento da República, que baniu a oligarquia imperial. Ainda jovem, o moço Celso Galvão rumou para a cidade de Olinda, para estudar e se aprimorar intelectualmente. Passou pouco tempo em Olinda e mudou-se para o Rio de Janeiro, naquele tempo capital da República. Lá, concluiu o curso de Odontologia. Celso Galvão chegou a Caruaru em 1907. Assim, o município ganhava seu primeiro dentista diplomado. Seu consultório odontológico funcionava na Rua 15 de Novembro. “Assisti à transformação (de Caruaru) em todo sentido, basta dizer que no fim da Rua da Matriz, depois da estrada de ferro, não havia nenhuma casa e sim um prado, para corrida de cavalos e a lagoa da porta”, recordou, muitos anos depois. Procedente de família política, tendo seu pai sido subprefeito em Garanhuns, foi na cidade de Caruaru que Celso Galvão ingressou na política. Filiado à Liga Cívica Caruaruense, ocupou o cargo de prefeito por duas vezes: a primeira, por nomeação do governador Sérgio Loreto, no período de 15 de novembro de 1922 a 15 de novembro de 1925; a outra, democraticamente, por meio de eleição, quando governou de 15 de agosto de 1936 a 06 de dezembro de 1937. Celso Galvão deveria administrar a cidade até 15 de agosto de 1940; no entanto, em 1º de novembro de 1937, o presidente Getúlio Vargas deu um golpe de estado, instaurando a ditadura do Estado Novo. Nesse período,

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Agamenon Magalhães foi nomeado interventor de Pernambuco e nomeou Celso prefeito de Garanhuns. “Certa vez, quando Agamenon se achava no Governo de Pernambuco, em comício, em praça pública de Garanhuns, eu disse que não era prefeito da ditadura e sim da democracia, pois tendo sido eleito pela segunda vez prefeito de Caruaru, fui cumprir o meu mandato em Garanhuns, onde fui também por duas vezes prefeito”, rememorou Galvão. O jornal “O Momento”, que circulou em Caruaru nessa época, dedicou a edição nº 13, de 15 de agosto de 1936, à posse de Celso Galvão, candidato eleito pela Liga Cívica Caruaruense, saudado como o “primeiro Prefeito Constitucional de Caruaru na Segunda República”. Na primeira página, logo abaixo do grande retrato do novo prefeito, está escrito: “Celso Galvão, que se empossa hoje pomposamente como Governador deste Município. A sua conduta moral, a sua inteligência cultivada, o seu largo tirocínio administrativo, são qualidades que o recomendam no elevado cargo confiado com justiça pelo povo caruaruense”. Na condição de prefeito realizou obras importantes no município de feições mais rurais que urbanas. Melhorou e abriu rodovias que ampliaram as divisas, interligou a cidade com outros municípios do Agreste, calçou a Rua da Matriz e melhorou a iluminação elétrica da cidade. Construiu e deu condições para funcionamento do Mercado de Farinha, na Rua Duque de Caxias (atual Memorial da Cidade), construiu praças, um dos mirantes do Monte do Bom Jesus, arborizou ruas e avenidas. Em sua primeira administração, construiu a Praça do Rosário, com um palanque no centro, no qual se faziam festas e danças. “Depois, construíram a Igreja que poderia ser edificada mais para trás e tiraram o palanque”, afirmou o ex-prefeito. Nesse período, também construiu a Praça Juvêncio Mariz, atual Teotônio Vilela, onde está a prefeitura. A terceira praça construída por ele foi a Governador José Bezerra, que atualmente tem o nome de Nova Euterpe, onde morou Anastácio Rodrigues durante a infância e adolescência, saindo de lá apenas quando se casou, em 1964. Outra obra importante de Celso Galvão em sua primeira passagem pela Prefeitura de Caruaru foi a construção da estrada de rodagem para São Caetano, que naquele tempo fazia parte do município de Caruaru. “Posso dizer que as primeiras rodovias de Caruaru foram construídas na minha ad-

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ministração”, enfatizou. Ao terminar seu primeiro mandato de prefeito, recebeu do governador do Estado o seguinte telegrama: “Dr. Celso Galvão – Caruaru. Agradeço cordialmente o seu telegrama e aceite minhas felicitações pela forma digna, correta com que desempenhou o cargo que acaba de deixar cercado da estima de seus conterrâneos. pt. Sergio Loreto. Governador do Estado.” Na segunda administração, interrompida pela ditadura do Estado Novo, Celso Galvão governou apenas 15 meses. Nesse período, calçou a tradicional Rua da Matriz e planejou demolir algumas casas na largura da rua, para fazer desaparecer o beco da Matriz para o comércio, “transformando-se numa avenida de impressionar”, em seu dizer. Essa avenida partiria da Rua do Comércio (Quinze de Novembro), passando pela Rua da Matriz, encontrando a Avenida Manoel de Freitas, até a Rádio Difusora. “E muito lamentei não poder realizar este melhoramento”, confessou Celso Galvão. “Iniciamos um horto florestal, nas proximidades do Matadouro, com o plantio de mais de duas mil árvores, bastante crescidas, e o escritor Mário Sette, que visitou esse horto, escreveu, nos jornais do Recife, um artigo com o título ‘Horto Florestal em Caruaru’, mas, infelizmente para Caruaru, esse horto florestal foi criminosamente destruído”, criticou. Ao tomar posse pela segunda vez, Celso Galvão encontrou uma dívida no valor de 3.990$54, das administrações passadas. “Paguei esta dívida e Vanguarda publicou com destaque: ‘Caruaru em primeiro lugar’”. O texto da reportagem apresentava dados estatísticos divulgados pelo Departamento Geral das Municipalidades, sobre as finanças de todos os municípios de Pernambuco. Caruaru aparecia em situação privilegiada, demonstrando o equilíbrio e o bom senso administrativo do prefeito Celso Galvão, que, além de pagar a dívida do município, não aumentou qualquer imposto. Caruaru era o município com maior saldo em cofre, seguido por Paulista. Exatos 14 dias depois de haver expirado o seu mandato como prefeito de Caruaru, Celso Galvão foi designado pelo interventor Agamenon Magalhães para administrar sua terra natal, Garanhuns. Novamente, conquistaria dois mandatos, um por nomeação (1937/1945) e outro pelo voto direto (1951/1955). Representava a Aliança Democrática de Garanhuns, integrada pelo PTB, UDN e dissidência do PSD.

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Quando prefeito de Caruaru, Celso Galvão era solteiro. Casou alguns anos depois com a senhora Sylvia Miranda Galvão, natural de Santos (SP). O casal foi apresentado no ano de 1945, precisamente em 19 de agosto, por ocasião de um almoço na residência de um amigo, o advogado Carlos Maurício da Rocha. O enlace aconteceu no ano seguinte. Casaram no civil e na Igreja. O ato religioso foi celebrado em Maceió pelo Arcebispo D. Ranulfo, em 11 de abril de 1946. No dia seguinte, 12 de abril, Sylvia Galvão se mudou para Garanhuns, onde passou o resto de sua vida, vindo a falecer em 1993. O ex-prefeito foi responsável pela construção do atual prédio da Prefeitura de Garanhuns, que hoje leva o nome de Palácio Celso Galvão. Em 1968, foi convidado pelo partido governista, Arena, para ser novamente candidato a prefeito na Cidade das Flores. Mesmo tendo absoluta certeza de que seria eleito, recusou, devido a sua avançada idade. Ele faleceu em 01 de fevereiro de 1975, aos 86 anos. A população de Caruaru só tomou conhecimento de sua morte dias depois, quando o empresário Galvão Cavalcanti comunicou o fato ao Rotary Club. A imprensa lamentou que as Câmaras Municipais de Caruaru e de Garanhuns não registraram a morte do ex-prefeito em suas reuniões. Ressaltou, entretanto, a homenagem tardia que Caruaru lhe fez, ao entregar-lhe o Título de Cidadão, aos 81 anos. Apesar de ter deixado Caruaru em 1937, Celso Galvão nunca se desligou da cidade. “Eu não querendo desvincular-me de Caruaru, onde passei a minha mocidade, não quis desfazer-me da casa da Rua da Matriz, onde residia e tinha um consultório odontológico. Esta casa está alugada. Apesar de ter tido boas propostas para vender. E ainda mais, para nas minhas vindas a Caruaru, a fim de não hospedar-me em hotéis, ou em casa de amigos, comprei uma pequena casa na Rua Porto Alegre, na qual ocupo sempre que venho a Caruaru”, disse o ex-prefeito, em discurso de agradecimento ao receber o Título de Cidadão Caruaruense.

De 1937 a 1945, período em que vigorou o regime ditatorial de Vargas, Caruaru foi administrada por vários prefeitos - nomeados para o cargo, já

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que as eleições estavam suspensas pelo Estado Novo. Somente em 1947, Caruaru voltaria a eleger um novo prefeito. O processo de redemocratização, iniciado em 1945, foi deflagrado após a queda de Getúlio Vargas. O prefeito da adolescência de Anastácio foi Manoel Affonso Porto Filho, o Neco Affonso, que assumiu a prefeitura pela primeira vez em 19 de maio de 1938, pelo ato n° 1.198, de 17 de maio daquele ano. Tomou posse para responder pelo expediente, durante o impedimento do titular, o coronel João Guilherme de Pontes, que se encontrava enfermo. Neco permaneceu no cargo até 22 de novembro de 1945, quando o juiz Edmundo Jordão de Vasconcelos chegou até o gabinete do prefeito com um ofício do interventor federal, autorizando-o assumir o cargo, em caráter provisório, por força do Decreto-Lei nº 8.188, de 20 de novembro de 1945, que determinava o seguinte: “São afastados do exercício de seus cargos, desde a data da presente lei até 3 de dezembro do corrente ano, todos os Prefeitos municipais, que eram, no mês de outubro último, membros de diretórios locais de partidos políticos. Os juízes de direito vitalícios responderão pelos expedientes das Prefeituras nos municípios”. Neco Affonso voltou a reassumir o cargo em sete de dezembro de 1945, por determinação do desembargador interventor federal, dessa vez exercendo por um curto período as funções. Anastácio diz que o fato de ter sido prefeito nomeado, administrando uma cidade pequena e com poucos recursos, não lhe permitiu realizar uma grande administração. Mesmo assim, Neco deixou obras importantes para o amanhã de Caruaru, uma delas foi o Lactário Amélia de Pontes, em cujo prédio funcionou a antiga cadeia pública da cidade. Um fato curioso é que Anastácio, adolescente, gostava de observar as obras que eram erguidas em Caruaru naquele período da História. Como se inconscientemente imaginasse que um dia seria prefeito de sua cidade. “Eu tomava café e antes de ir para o Vanguarda eu ia olhar a obra do Lactário”, recorda. Outra ação do governo Neco Affonso que ele ‘fiscalizava’ era o calçamento do Beco de João Piston, apelido que o alferes João Celestino Gonçalves conquistou, por suas excepcionais qualidades de pistonista da banda Comercial. O prefeito Neco alargou o beco, transformando-o na Rua dos Expedicionários. Também construiu o cemitério Dom Bosco, que para

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a época era um grande equipamento público. Já adulto, Anastácio gostava de dizer a Neco Affonso que foi um fiscal de seu governo. O adolescente Anastácio, tipógrafo do jornal Vanguarda, também ouvia pelas ruas da cidade comentários sobre a vida boêmia do prefeito. Era de conhecimento público que Neco frequentava assiduamente a Matança, onde ficavam os cabarés da cidade. Ia sempre acompanhado por oficiais. Lá, fechavam o Lanterna Verde, o mais famoso dos bordéis, para noitadas de farra que nem sempre acabavam pacificamente. “Caruaru era pequena, todos ficavam sabendo. Mas, quem ia falar contra o prefeito e os oficiais do Exército?”, comenta Anastácio. Sua curiosidade de menino encantado pelo erguimento de obras públicas o levava a seguir pela Rua da Matriz com destino à Avenida Manoel de Freitas, onde começava a nascer o Bairro Novo [que deu origem ao Maurício de Nassau]. “Eu ia olhar aquelas construções, os palacetes do Bairro Novo. Vi aquelas mansões nascerem”, descreve. A família de Anastácio gostava de política e discutia o assunto em casa. Durante o Estado Novo (1937-1945), temendo a ditadura de Getúlio, Cícero mandava a mulher e os filhos falarem baixo, para que o assunto não fosse ouvido por quem passasse pelo oitão da casa, a caminho do chafariz. Amélia Rodrigues não sabia ler nem escrever. Nasceu nos campos do Alto do Moura, em sete de setembro de 1898. Formada na universidade da vida, tinha visão do futuro e costumava repetir aos filhos que “O homem só é homem se tiver uma arte”. O filho não sabe onde Amélia ouvira tal expressão. Mas, a verdade é que ela não queria ver qualquer um deles ocioso. Com o marido tinha uma relação muito tradicional. Era uma mulher submissa e totalmente dedicada à família. Submissa ao ponto de só servir almoço aos filhos quando Cícero chegava para comer. Se o marido estivesse em alguma bodega, tomando “uma caninha”, os meninos ficavam “amarelos” de fome e imploravam que a mãe desse comida para eles. Em vão, pois Amélia, inflexível, dizia sempre que esperassem o pai chegar. Ao deixar o Grupo Joaquim Nabuco, Anastácio não pôde ingressar num educandário privado, a fim de continuar os estudos – em que pesem as recomendações da professora Antonina Monteiro ao seu pai. Somente em 1953, aos 25 anos, ele faria o curso de Admissão ao Ginásio. Sua segunda escola foi o Jornal Vanguarda de Caruaru.

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Além de galanteador, Cícero era esperto e falastrão. Quando estava embriagado, falava ainda mais. Hábito que Anastácio certamente herdou do pai. Cícero Rodrigues saiu de casa, no número 41 da Praça José Bezerra, para nunca mais voltar. O motivo: ele havia construído outra família. As coisas ficaram ainda mais difíceis e dona Amélia foi forçada a colocar um banquinho na feira de Caruaru, para comercializar queijo e garantir o sustento dos filhos. Anastácio ficava ao lado da mãe, tal como fizera com o pai. A ingenuidade da infância o fez questionar os sentimentos de Amélia. – Se papai quiser voltar, a senhora aceita? – Aceito, porque eu gosto dele. Mas Cícero nunca voltou. Filho de José Rodrigues da Silva e Maria Francisca da Conceição, Cícero nasceu em sete de janeiro de 1894. Era um feirante que sabia ler. Tinha excelente memória e usava linho irlandês para manter a linha de conquistador. “Meu pai era inteligente, mas nunca se preocupou com a nossa educação”, lamenta Anastácio. O filho do feirante era muito diferente do pai. “Meu pai arranjou uma namorada e deixou a família. Foi uma fase muito difícil. Ele teve um casal de filhos. Sofremos um bocado. Ele dava a feira, mas tudo mudou”, comenta, com pesar. A caminho do Grupo Escolar Joaquim Nabuco, o menino Anastácio passou no banco onde Cícero vendia queijo na feira. Queria alguns trocados para comprar uma cocada. O pai negou. Enfurecido por saber que Cícero havia abandonado a família e agora por negar-lhe dinheiro, Anastácio não se segurou. Visivelmente alterado, disse umas verdades ao pai. Falou tudo o que queria e sentia. Foi embora para nunca mais voltar. Somente no leito de morte de Cícero Rodrigues, o filho iria visitá-lo. Convencido pelo padre Sebastião a perdoá-lo, Anastácio foi até a residência onde o pai convalescia, na Rua Afonso Pena, no centro de Caruaru. Cícero jamais esperou vê-lo ali. Mas, prevalecia o apelo cristão do padre Sebastião, que lhe exortou, dizendo: “Anastácio, ele é seu pai”. Também fez as vezes de filho no sepultamento de Cícero. Foi o único dos filhos a levá-lo até a última morada, no mausoléu que Dona Amélia mandara construir. Perdoou mas nunca esqueceu o abandono. E isso fez seu amor e admiração por dona Amélia aumentarem ainda mais. “Minha mãe segurou o barco sozinha”,

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costuma dizer. Anastácio conta que seus pais saíram dos campos do Alto do Moura e vieram até a cidade a cavalo para casar. Da residência de uma família amiga na Rua da Feira, a atual Quinze de Novembro, saíram a pé para a cerimônia, na Matriz de Nossa Senhora das Dores. Casaram-se jovens. Amélia deveria ter uns 17 anos. “Mãe dizia que pai era amostrado e eu perguntei por que ela não voltou no meio do caminho”, cita. A resposta foi a mesma. Ela amava Cícero. Cícero Rodrigues era um homem namorador e vaidoso. Amélia referia-se ao esposo como ‘bandoleiro’. Ela lavava, engomava e passava ferro em seu terno, para que ele fosse namorar no Cine Avenida, na Rua da Matriz. Ia ao cinema praticamente todos os dias. Sabia o nome de todos os artistas. “Que memória meu pai tinha! Eu lavava o queijo com ele, colocava no sol até que a manteiga escorria. Ele tinha uma grande freguesia, de José Victor de Albuquerque à minha sogra, Laura”, lembra Anastácio. A casa 41 da Praça José Bezerra teve sua numeração alterada para 45, depois que o escritor Nelson Barbalho construiu uma residência naquela artéria. Além de Nelson, com quem Anastácio manteria uma relação de amizade para o restante da vida, o ex-prefeito se recorda de uma vizinha conhecida por dona Mariquinha, viúva para quem trabalhou durante a infância. Magra, olhos miúdos, Mariquinha costurava e gostava de ler os jornais Vanguarda e A Defesa aos domingos. Anastácio passava boa parte de seu tempo na residência de Mariquinha, com seus filhos. Isso fez com que Amélia sentisse segurança para pedir à costureira que desse trabalho ao filho. “Minha mãe me botou para ser alfaiate. Chulear peças. Para nenhum filho ficar ocioso”, conta Anastácio. Nesse período, fez outra de suas previsões. Pegou um pedaço de papel de embrulhar pão, rabiscou um desenho e prometeu a dona Mariquinha: se chegasse a ser prefeito de Caruaru, melhoraria a Praça José Bezerra. Promessa que ele iria cumprir muitos anos depois. À mãe, Amélia, o menino Anastácio também falou como quem prevê o futuro. Certa vez, saíram de casa para visitar parentes no Alto do Moura, quando passavam pela Rua 13 de Maio, no centro. Em frente à residência do empresário Elias de Oliveira Lima, ele comentou que quando crescesse iria arranjar um emprego na prefeitura. Só não imaginava que futuramen-

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[1] O Paço Municipal, onde funcionavam a Prefeitura, a Câmara e o Fórum de Justiça. Hoje é o Palácio Episcopal [2] A feira de Caruaru na antiga Rua da Frente (Quinze de Novembro) [3] Praça Governador José Bezerra, onde Anastácio viveu até se casar. Vê-se a casa 41 (segunda, da esquerda para a direita)

te seria o próprio chefe do Executivo Municipal. Os filhos jamais pisavam a grama da Praça José Bezerra. Dona Amélia tinha ciúmes do equipamento público. Se um garoto se atrevesse a caminhar sobre a área verde, ela gritava de dentro de casa, repreendendo-o. Nessa época, ela chegou a procurar um telegrafista da Great Western, para ensinar o serviço a Anastácio. Ele trabalhava com o Código Morse, mas o garoto não assimilou. Na juventude, Anastácio chegou a ser bodegueiro. Seu cunhado, João Moraes, comprou uma bodega na Rua Cristóvão Colombo e colocou-o pa-

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ra negociar. Outro fiasco. Anastácio vendia fiado a todos os clientes e o prejuízo era grande. Anotava as compras numa caderneta com lápis comum. Percebeu que alguns fregueses, agindo de má fé, passavam a borracha diminuindo os valores devidos. “Vendi fiado aos presos, eles não me enganaram, mas os que estavam em liberdade me trapacearam. Muitas pessoas me enganaram. Depois, eu fui para Campina Grande e meu irmão Ademar passou a tomar conta da bodega”, narra. Tradicionalmente, perto de completar 18 anos, quis servir ao Exército Brasileiro. Mas o peso não batia com a altura. Era magricela demais e foi dis-

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pensado pelo Dr. Celso Cursino. Restou-lhe a lembrança dos tempos de escoteiro, que Anastácio define como “a melhor fase da adolescência”. No Jornal Vanguarda, Anastácio Rodrigues, ainda muito jovem, conseguiu o seu primeiro trabalho formal. Dona Amélia costumava ir todas as noites à casa de sua mãe, Benvinda. Anastácio ia junto, visitar a avó rendeira. Durante o trajeto, Amélia sempre parava na casa de uma amiga, na Rua 13 de Maio, cujo filho, Manoel Bezerra, trabalhava no Vanguarda. Por intermédio dele, Anastácio cruzou os batentes do semanário. A colocação demorou a sair, pois não dependia somente do amigo. Diariamente, Anastácio estava lá, e venceu o proprietário da tipografia, o jornalista José Carlos Florêncio, pelo cansaço. Ainda estudante de Direito, José Carlos protagonizou a seguinte conversa com o adolescente Anastácio: – Você quer trabalhar? – Sim, quero. – Você conhece Mário Bruaca? – Sim. Ele foi meu colega no Joaquim Nabuco. – Não queira negócio com ele. Mário Queiroz era o cabeça da “revolução” dentro do Vanguarda. Um grande contador de anedotas por quem Anastácio tinha grande estima. Irineu de Pontes Vieira gostava de ir até a redação do jornal para fazer gozação com Mário e o tirava do sério, dizendo que suas irmãs eram “gostosas”. Irritado, Mário chegou a cortar com uma faca peixeira o guarda-chuva de Irineu. “Não é que o filho da puta cortou!”, expressou, surpreso, o neto do coronel João Guilherme de Pontes. Anastácio iniciou sua trajetória no jornal Vanguarda como cobrador de assinaturas. Também varria o chão do prédio. Começou ganhando cinco mil réis por semana. Mário Bruaca lhe dava ordens: “Vá varrer!”. Novato, Anastácio também saia para comprar lanche a pedido dos colegas. Não achava ruim, afinal, sempre ganhava um pedaço e ficava feliz, pois não tinha dinheiro para comprar nada. O trabalho de cobrador não era nada agradável. Anastácio não sabia cobrar e Zé Carlos dizia que ele era “muito mole”. Voltava com nenhum tostão. Ninguém pagava. Mas o chefedeve ter gostado do garoto sério e lhe fez uma proposta. Passaria a lhe pagar mensalmente, em compensação lhe da-

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ria 500 réis por semana. Anastácio aceitou. O dinheiro da semana servia para ir ao cinema. O ingresso na matinê do cinema de Santino Cursino custava 300 réis. Com os 200 réis restantes, ele comprava confeitos. Estava garantida a diversão do fim de semana. Veio o primeiro mês. Zé Carlos anotava numa caderneta comprida. No ato do pagamento, na conta do patrão o funcionário deveria receber 20 mil réis. Na conta do funcionário, ele teria direito a 25 mil réis. É vinte. É vinte e cinco. A discussão continuou. “Mas, doutor, esse mês não é de cinco semanas?”, questionou Anastácio. Zé Carlos havia se equivocado. Pagou os 25 mil réis. Diariamente, o garoto era acordado pela voz forte de dona Amélia, ordenando: – “Levanta, vai para o Vanguarda!”. “Eu ia todos os dias. Venci Zé Carlos pelo cansaço. Mário Queiroz me mandava varrer. Fazia mandados. Comprava papel na livraria para imprimir o jornal”, comenta Anastácio. A redação do jornal Vanguarda funcionava na Rua Quinze de Novembro, nº 111, ao lado do tradicional “Beco da Mijada”. “O prédio da esquina era a alfaiataria de Dorgival Vasconcelos, ao lado, ficava o Vanguarda. Lá havia um balcão com prateleiras vazias, adiante ficavam as oficinas”, descreve. Os funcionários do Vanguarda sonhavam com o 1º de maio, data de fundação do periódico, aniversário da razão de ser de Zé Carlos. O telúrico, o sonhador, apaixonado por Caruaru. Viravam a noite. Ninguém dormia. O “Jardim da Infância” em plena atividade. “A ansiedade, de todos nós, era incomum”, define Anastácio. A direção do jornal oferecia almoço no Hotel de Zé Fortuna aos amigos, anunciantes e funcionários. Após os discursos, Zé Carlos conduzia todos até a residência de Elias de Oliveira Lima, era o seu aniversário. Feita a visita, todos rumavam para o cinema de Santino Cursino. Ninguém pagava nada. Zé Carlos, à frente de todos, parecia um menino-grande. Feliz. Realizado. Vanguarda havia vencido mais uma etapa. Mais um ano de glórias. No dia seguinte, todos retornavam ao trabalho. Parecia que havia passado pela tipografia um terremoto, devido ao desmantelo. Mas, todos felizes, comentavam o 1º de maio do jornal Vanguarda, fundado no ano de 1932. “Ninguém reclamava. Nós tínhamos uma estima para com Zé Carlos. Não ganhávamos dinheiro, mas era divertido”, reflete.

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O tempo passava e, recebendo as lições de Manoel Bezerra e José Thiers, Anastácio foi decorando as caixetas. Passou a formar palavras. Tipo por tipo. Logo chegou ao cargo de paginador. “Decorei as caixetas e passei a compositor. Havia a parte das letras maiúsculas, letras minúsculas, acentuadas e números. Colocava as peças no componedor. Eu era muito ágil. Os colegas me chamavam de linotipo humana”, recorda. O trabalho consistia em compor os artigos, letra por letra. Anastácio passou a ser o compositor e diagramador do Jornal Vanguarda. Formou milhares e milhares de palavras, tipo por tipo, num prelo da marca Leipzig, que seria vendido muitos anos depois pelo segundo proprietário do semanário, Gilvan Silva. Anastácio aprendeu rapidamente a tarefa. Meses mais tarde, seu primo, Celso Rodrigues, ingressava no Vanguarda. Aprendeu, com Anastácio, a juntar os tipos e formar palavras. Tempos depois, seu irmão Ademar também cruzou os batentes do Vanguarda para trabalhar. Anastácio costumava receber na redação do Vanguarda os figurões de Caruaru, que iam até lá levar textos para serem publicados. Um deles, o tabelião Leocádio Porto, exatamente o prefeito que administrava a cidade no ano em que Rodrigues nascera. “Quando ia ao Vanguarda levar matéria para ser publicada, ele sempre chegava atrasado. Eu ficava irado, porque dava muito trabalho compor letra por letra”, recorda Anastácio. Sobre a agilidade do tipógrafo do Jornal Vanguarda, escreveu muitos anos depois o jornalista Calinício Silveira, em artigo publicado no Diario de Pernambuco,a 11 de abril de 1971: “Vanguarda foi e continua sendo uma escola de tipógrafos e jornalistas. O atual prefeito de Caruaru, Dr. Anastácio Rodrigues da Silva, se encontra entre aqueles, por sinal um compositor velocíssimo. Com o componedor em movimento, dava a impressão de um ágil linotipista. Compunha sem erros a matéria que lhe era entregue. Até mesmo a que era ditada. Realmente admirável”. Naquela época, a composição do jornal era feita pelo sistema de caixas tipográficas, com a utilização de letras cunhadas e alinhadas à mão, uma a uma, até formarem uma palavra completa. A impressão era manual. O telex também não existia, assim as notícias nacionais e internacionais chegavam aos leitores com certo atraso. Anastácio foi, durante muito tempo, tipógrafo do Jornal Vanguarda. “Eu

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digo sempre que o Vanguarda foi minha segunda escola, porque eu trabalhava lendo”, cita o ex-prefeito, que nessa época ainda estava sem estudar. Com sua figura magra, ele era sempre muito reservado. Um tipo quase esquisito. Além de pouca conversa, era muito competente. Sempre perfeccionista, queria tudo “nos conformes”. Cuidando do jornal, Anastácio alimentava a própria intelectualidade, a partir da leitura dos variados textos, alguns assinados por grandes escritores. Já dominando a técnica, passou por outras redações. “Percorri outros caminhos após o Vanguarda. Cruzei, também, os batentes do Jornal de Caruaru, de Pedro de Souza, onde criei e mantive uma página literária denominada A Província, dando espaço aos jovens que gostavam de ler e escrever”, comenta. Em Caruaru, ele também trabalhou no jornal A Defesa, fundado pelo Cônego Júlio Cabral. Como dito, o presidente Getúlio Vargas havia chegado ao poder em 1930, no comando de uma revolução contra as oligarquias rurais. Em 1935, ele colocou os comunistas na cadeia, sob tortura, quando eles tentaram um desastrado levante militar. Dois anos depois, a pretexto de evitar um golpe da direita integralista, criou sua própria ditadura, o Estado Novo. Foi deposto em 1945, quando o Brasil, uma república de quase 60 anos, adotou finalmente eleições livres e uma Constituição democrática. Desde o início dos anos 40, o mundo vivia o prenúncio da Segunda Guerra Mundial. O Brasil sofria a escassez dos produtos importados, impedidos de chegar ao país, com o afundamento de navios brasileiros na costa do Nordeste e ao redor do mundo, pela Alemanha nazista. Era necessário, portanto, aumentar a produção para atender ao mercado interno. A indústria nacional viu-se diante de um desafio, foi convocada para o esforço de guerra e respondeu positivamente. O processo de industrialização deu uma importante guinada e o operariado sofria na pele as horas trabalhadas para dar curso à industrialização no país. A situação política do Brasil, por sinal, não era menos turbulenta do que a vida econômica. O Estado Novo ainda dava as cartas, antes de ser derrubado pelo processo de redemocratização em 1945, com a eleição de Eurico Gaspar Dutra, do PSD. Em Pernambuco, a situação não era diferente, pois, de 1937 a 1945, o Estado foi governado pelo interventor Agamenon Maga-

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lhães, indicado por Getúlio. Antes de tornar-se governador através de eleições livres, em 1950, Agamenon Magalhães ficou conhecido por ter instaurado uma regra não escrita, a Lei do Mandacaru, aquela que não dava sombra nem encosto, especialmente aos adversários políticos. No plano nacional, os jornais eram alvo de intensa censura do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). A campanha da redemocratização de 1945 teve como marco, em Caruaru, a eleição de Pedro Joaquim de Souza, dois anos depois. Saindo de uma ditadura, por mais de 15 anos marginalizados do processo político, os candidatos eram reciprocamente achincalhados. Não se defendiam ideias, visavam-se homens. De ambos os lados, havia acusações de acordo com comunistas. A Coligação que apoiava Pedro de Souza dizia que Neco Affonso estava aliado aos comunistas, incluindo na chapa do PSD três fichados e dois simpatizantes. Neco, por sua vez, dizia que a Coligação foi quem fez tal acordo, por intermédio de Pedro de Souza e do deputado Tabosa de Almeida. Na briga pelo poder, tudo era válido – ou quase tudo. Até uma senhorinha popular na cidade, Maria Alice, foi usada na campanha do PSD para dizer que os padres de Caruaru, entre eles Arruda Câmara, Públio Calado e José Augusto, eram comunistas. Também usavam o padre Petrônio Barbosa para ir à praça pública detratar Pedro de Souza e outros membros da Coligação Caruaruense – que reagiam à altura. Estes acusavam o padre Petrônio de “desvirtuado de sua religião, destituído das virtudes sacerdotais, de vida irregular, amasiado e com filhos espúrios, simpatizantes do comunismo”. Diziam também que era “autor de negócios desonestos, a soldo do dinheiro de Gercino de Pontes”. No palanque da Coligação Caruaruense ouvia-se dizer que o padre Petrônio estava destituído de suas ordens sacerdotais, não podendo mais celebrar missas nem dar a Sagrada Comunhão. Também asseguravam que Petrônio estava “a caminho da excomunhão papal”. Neco Affonso, que já havia ocupado o cargo de prefeito nomeado pelo governo ditatorial de Vargas, durante o Estado Novo, desta vez disputava o cargo de forma democrática. E tornava-se alvo dos adversários, tendo sua vida íntima exposta em praça pública. Diziam que Neco, quando prefeito, comungava hipocritamente de manhã e à noite se embriagava com mulhe-

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res da vida fácil, nos cabarés da Matança (zona de meretrício à época, atual Rua Porto Alegre). O fato era público e notório na cidade, ressaltavam os adversários. Também questionavam sua capacidade administrativa e duvidavam de sua honestidade. A Coligação Caruaruense citava que Neco Affonso vendia terrenos da Prefeitura por preços três vezes inferiores ao seu valor real, enquanto recusava ofertas muito mais proveitosas para o município. As críticas não paravam por aí. Seus adversários gritavam em comícios que o prefeito Neco Affonso dava atestados falsos a seus apaniguados, dizendo que eles possuíam motores, os quais não funcionavam, a fim de obterem gasóleo pelos preços da Coordenação, sendo depois vendido à população pobre pelo triplo do preço, resultando grandes lucros dessas negociatas – divididos com Neco, segundo os adversários. Neco Affonso era acusado de permitir a venda de gasolina na cidade no câmbio negro, sacrificando o povo e os motoristas, obtendo lucros pessoais. Outro agravante era o fato de que um cunhado de Gercino de Pontes atuou como tesoureiro da Prefeitura no governo Neco Affonso, sendo o único fornecedor do município, sem concorrência pública; comprando, vendendo, extraindo as notas de venda, conferindo-as, pagando e recebendo ao mesmo tempo. “Eram várias pessoas distintas em uma só verdadeira, que terminou muitas vezes milionário às custas do povo, e está hoje no Rio de Janeiro gozando o clima agradável de Copacabana”, dizia um informativo distribuído pela Coligação ao povo de Caruaru. Os correligionários de Pedro de Souza também espalhavam pela cidade que Gercino de Pontes, quando Secretário de Viação e Obras Públicas do Estado, recebera treze milhões de cruzeiros para serviços diversos “e nunca olhou para Caruaru, negando até o empréstimo à Cooperativa de Luz desta cidade e deixando que o povo continuasse sem luz e sem nada”. Afirmavam que, até então, Gercino não prestara contas à Assembleia Legislativa da vultosa soma, “que o deputado Justino Alves considera em grande parte extraviada para fins ilícitos”. O texto “Porque Gercino e Neco serão derrotados” enfatizava que o general Eurico Dutra, Presidente da República, o ilustre brigadeiro Eduardo Gomes, o General Ministro da Guerra, as Forças Armadas, a Santa Igreja

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Católica e os cristãos em geral estavam com o povo de Caruaru, “ajudando-o a libertar-se da oligarquia gercinista, que está apoiando e sendo apoiada pelo comunismo, enquanto procura enganar o povo esfarrapado e humilde, que também está conosco”. O primeiro voto de Anastácio Rodrigues para prefeito de Caruaru foi ao industrial Pedro Joaquim de Souza, que nasceu na Fazenda Acauã, no município pernambucano de São José do Egito, em 20 de fevereiro de 1893. Filho de pais pobres – Inácio Joaquim de Souza e Joaquina Francisca de Souza –, desde cedo teve que lutar pela vida. Muito moço foi para Gravatá, onde começou as suas atividades de humilde comerciante. Em 1922, atraído pelo comércio do couro, estabeleceu-se em Caruaru, com um pequeno curtume, que, mais tarde, seria um dos maiores parques industriais do Nordeste. Ao lado de seus irmãos, deu impulso admirável ao Curtume Souza Irmãos, fundado a 18 de abril daquele distante ano, sob regime de sociedade, com capital social de R$ 25 milhões de cruzeiros, todo integralizado. Homem de visão ampla, Pedro de Souza chegaria a ocupar duas vezes a Prefeitura de Caruaru, além de representar o município na Câmara Federal, após eleger-se deputado. Também participava ativamente da vida social da cidade. Era benemérito das instituições locais, tendo presidido quase todas elas, inclusive a Cooperativa de Melhoramentos, onde se empenhou pela melhoria do problema de energia elétrica. A campanha de 1947 foi uma verdadeira “guerra” entre a Coligação Caruaru (UDN-PDC) e o PSD. De um lado, Pedro de Souza candidato a prefeito pela Coligação. Do outro, Neco Affonso, pelo PSD. Aos 18 anos, Anastácio organizou um comício para seu candidato na Praça José Bezerra, onde morava, com direito a discurso e girândola de fogos. “Falei com seu Pedro e ele aprovou. No dia, chegou com sua comitiva”, rememora Anastácio, então funcionário do Jornal de Caruaru, que pertenceu ao industrial. Um compadre de Pedro de Souza, residente à Rua Vidal de Negreiros, nos arredores da Praça José Bezerra, foi o responsável pela girândola que coloriu o céu naquele domingo de 1947. Anastácio discursou, em nome das famílias da localidade. Apoiado pelas classes produtoras, Pedro de Souza, can-

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[4] [1]

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[1] Celso Galvão, em 1936 [2] Pedro de Souza: prefeito visionário [3] Coronel João Guilherme de Pontes: longa oligarquia na política caruaruense [4] Mestre Vitalino e seus bonecos na feira de Caruaru


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didato pelo Partido Democrata Cristão (PDC) enfrentou naquela eleição o escrivão e tabelião do 4º ofício Manoel Affonso Porto Filho, o Neco Affonso. Neco era apoiado por Gercino de Pontes, filho do coronel João Guilherme de Pontes, ex-chefe político local, cujo poderio fora fundamentado na propriedade da terra e na submissão do trabalhador do campo à velha lógica do curral eleitoral. Gercino costumava saudar os eleitores de maneira nada usual, dirigindo-se ao povo com o tratamento jocoso de “meus queridos mulambudos”. Tendo como vice-prefeito João Elísio Florêncio, Pedro de Souza não apenas venceu a eleição, como derrotou a oligarquia dos Pontes Vieira na cidade. A UDN, que era tida como o partido “amar e sofrer”, parecia, daí por diante, ter consolidado a sua posição no município. Teria derrubado, para sempre, o “império” dos Pontes Vieira. O velho e sólido regime coronelista, que, por décadas, manteve o poder relativamente estável, estava agora arruinado no município. Pedro de Souza tomou posse em 16 de novembro de 1947, na Câmara Municipal. Ele fez uma administração que revolucionou Caruaru, à época, e seu governo passou a ser considerado o melhor que a cidade já tivera até então. Investimento na modernização urbana, com abertura de importantes ruas e avenidas; reconhecimento dos valores artísticos e literários, com amparo às iniciativas culturais. O jornalista Celso Rodrigues contou que Pedro de Souza era um empresário progressista e assinalava consigo mesmo um pacto de honra em favor da renovação dos quadros políticos e culturais de Caruaru. Ganhou, inclusive, a preferência do eleitorado comunista ao disputar a Prefeitura de Caruaru. “Os seguidores de Luiz Carlos Prestes declaravam que o candidato que apoiavam, mesmo com o Partido Comunista na ilegalidade, e apesar de patrão, não pregava a doutrina reacionária. Ao contrário: gerava riquezas, em Caruaru e parte do Agreste hostil e abandonado pelos eventuais donos do poder”, reforçou Celso, que foi funcionário do ex-prefeito e entrou na política por incentivo dele. Anastácio Rodrigues afirma que no dicionário de Pedro de Souza não existia a palavra ‘não’. “Ele sempre apoiava as iniciativas sociais. Não era caruaruense, mas administrou Caruaru pensando no amanhã”, assegura.

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“Projetou-se como um líder municipalista do hoje e do amanhã. Um benemérito legítimo das instituições da comunidade, um incentivador de todos os movimentos sociais e culturais de Caruaru”, completa Celso. Caruaru possuía como canteiros centrais, até 1947, a Rua da Matriz e a Avenida Manoel de Freitas, até o Hospital São Sebastião. O prefeito Pedro de Souza adquiriu um trator de esteira e estendeu a Avenida Agamenon Magalhães do São Sebastião até a Rua João Cursino. Abriu a Rua Professor José Leão e outras artérias laterais. [Somente no governo Anastácio Rodrigues, mais de vinte anos depois, a Agamenon Magalhães seria estendida até a BR-104]. Administrando uma população ainda pequena e com poucos automóveis, o prefeito Pedro de Souza estreitou a Rua Duque de Caxias, onde havia residências, consultórios médicos e o Mercado de Farinha [atual Memorial da Cidade]. Também abriu as Ruas Capitão João Velho e Coronel Limeira. E a fisionomia central de Caruaru ganhava outra forma. “Seu Pedro inaugurou outro estilo de governar. João Lyra Filho, no primeiro governo, foi o segundo Pedro de Souza, em Caruaru”, avalia Anastácio. A atenção dedicada aos menos favorecidos também pautou o governo Pedro de Souza. Uma das inovações foi a assistência jurídica gratuita aos pobres. O advogado Bertino Silva foi o primeiro profissional contratado para auxiliar juridicamente a população. Ele era filho do conceituado médico Adolfo Silva Filho, o Dr. Silva Filho, idealizador do Hospital São Sebastião, figura que Anastácio considera injustiçada pelo esquecimento a que foi legado na história de Caruaru. O industrial Pedro de Souza já ocupara o cargo anteriormente, por via indireta, através de ato do interventor Carlos de Lima Cavalcanti. Em 26 de janeiro de 1933, tomara posse na Prefeitura de Caruaru dizendo não ser político, nem ter inimigos políticos e com o propósito de “dar continuidade aos ideais revolucionários”. Substituíra Cezar de Barros Barreto, que vinha ocupando o cargo interinamente. A eleição de Pedro de Souza, em 26 de outubro de 1947,também representou a ruptura do sistema coronelista no município de Caruaru. Em junho de 1952, eleito deputado federal, ele pronunciaria na Câmara dos Deputados discurso reprovando o processo dos capitalistas e coronéis, que compravam votos para vencer as eleições.

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José de Pontes Vieira o rebateu no Parlamento Nacional, afirmando que quando o interior estava totalmente entregue à sua sorte e esquecido pelos governantes, era socorrido pelos coronéis. Seu discurso foi transmitido pela Rádio Difusora de Caruaru. Pedro de Souza morreria no dia oito de fevereiro de 1956, aos 63 anos de idade. Em busca de melhores condições de trabalho, Anastácio deixou Caruaru em 31 de agosto de 1948, para trabalhar na redação do jornal católico A Tribuna, na Rua do Riachuelo, no Recife. O diretor do jornal era o professor da Faculdade de Direito do Recife, Luiz Delgado. Homem de semblante austero e calvície alongada. “Eu era doido para puxar assunto com ele, mas era apenas um peão. Ele me intimidava pelo jeito introspectivo e fechado. Homem de admirável formação cristã, nunca o esqueci. O chefe das oficinas era Diógenes Prado, que havia sido um dos grandes goleiros do Santa Cruz”, lembra. Na capital pernambucana, Anastácio ficou numa hospedaria na Rua da Praia, no bairro de São José. Seu irmão mais velho, Geraldo, pai do deputado estadual Tony Gel, já era hóspede do local. Geraldo trabalhava na firma Esso. Usava macacão e consertava a parte elétrica de um micro posto de gasolina. “Ele era inteligente, não sei como aprendeu!”, comenta Anastácio. Os dois irmãos tomavam café no Mercado de São José. Na hospedaria, próximo à Matriz de São José, Geraldo dormia na cama e Anastácio numa rede. Foi nesse período que AnastácioRodrigues conheceu a linotipo – máquina que funde em bloco cada linha de caracteres tipográficos, e que provocou uma “revolução”, porque venceu a lentidão da composição dos textos executada na tipografia tradicional. Passou cerca de três meses no Recife e adoeceu de saudade. O gerente Diógenes implorou que Anastácio não o deixasse. Já estava na “sopa”, como eram chamados os ônibus naquela época, quando Diógenes quis levá-lo para sua residência. Anastácio não recuou. Prometeu, em vão, que voltaria. A saudade de casa o fez regressar a Caruaru. O Jornal Vanguarda lhe abriu as portas novamente. Mas Anastácio passaria pouco tempo no semanário caruaruense. Em 1951, ele deixaria o Estado para tentar a vida na cidade paraibana de Campina Grande.

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Cinco anos depois de ser escorraçado do Palácio do Catete – deposto pelos mesmos militares que o colocaram no poder, após a Revolução de 1930 – Getúlio Vargas voltou à Presidência da República “nos braços do povo”, nas eleições de três de outubro de 1950. Através de uma campanha que defendia a industrialização e a ampliação da legislação trabalhista, o ex-ditador derrotou Cristiano Machado (PSD) e o brigadeiro Eduardo Gomes (UDN), sendo reconduzido ao poder através do voto. Na Paraíba, dois candidatos de peso disputaram o governo, naquele ano. De um lado, José Américo de Almeida, senador eleito pela Paraíba em 1945, homem de letras, escritor premiado, autor do romance “A Bagaceira” (1928), que “abriu nova fase na história literária do Brasil”, segundo Otto Maria Carpeaux. Do outro lado, encontrava-se o deputado Argemiro de Figueiredo, nome de grande importância na política paraibana, tendo ocupado o cargo de interventor estadual, nomeado por Getúlio Vargas, de 1935 a 1939. A campanha até hoje é considerada a mais radical e cruenta já disputada na Paraíba. O Estado encontrava-se dividido em dois blocos distintos, com forte engajamento da população nos comícios e passeatas. José Américo, aos poucos, foi se tornando o grande nome da campanha. Seu desempenho político sempre esteve indissoluvelmente ligado à figura de Vargas, de quem foi Ministro da Viação e Obras Públicas. José Américo tornou-se conhecido nacionalmente pelo combate à seca que castigou o Estado em 1932, recebendo apoio da intelectualidade e da população paraibana em geral. O escritor José Lins do Rego, um de seus grandes amigos, foi à Paraíba durante a campanha e discursou em vários comícios. Getúlio Vargas, em visita ao Nordeste, não só recomendou José Américo para governador, como também discursou a seu favor em praça pública. Em pouco tempo, o pleito de 1950 foi se tornando profundamente desagregador, com o clima de guerra se espalhando nos comícios. Embora os conflitos tenham sido de proporções alarmantes em todo o Estado, o maior confronto se deu em Campina Grande, mais precisamente na Praça da Bandeira. No domingo, nove de julho de 1950, um grande comício da UDN, em parceria com o Partido Republicano, levou uma multidão ao local para assis-

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tir aos discursos políticos e apresentações de vários artistas de rádio, entre eles Luiz Gonzaga e Emilinha Borba. O evento tinha a autorização das autoridades competentes, na forma da legislação em vigor na época. Perto dali se formava uma passeata americista, composta de elementos da “Coligação Democrática Paraibana”, constituída de membros do Partido Social Democrático e do Partido Libertador, que percorriam as ruas adjacentes. Em pouco tempo o grupo foi se avolumando, percorrendo as calçadas em direção à Praça da Bandeira. Segundo relatos, a multidão, ao longo do caminho, dirigia insultos contra os adversários, chegando a tentar invadir algumas residências. Não conseguindo o que pretendia, o grupo se dirigiu à Praça da Bandeira – onde ainda se encontrava grande aglomerado de pessoas que haviam assistido ao comício da UDN. Chegando até lá, tentaram realizar um comício paralelo, em outro palanque, embora contra a determinação policial, que já havia negado permissão para tal. Quando o delegado de polícia de Campina Grande convidava as pessoas do palanque a não insistirem com o comício, surgiram disparos de arma de fogo em várias direções. O saldo da tragédia: onze pessoas atingidas, uma em estado grave e duas mortas. Anastácio Rodrigues chegou a Campina Grande pouco tempo após o metralhamento na Praça da Bandeira. As concentrações públicas estavam suspensas. A bandeira branca de José Américo e a amarela de Argemiro Figueiredo sob a sombra da coação. Era a primeira vez que o jovem Anastácio, aos 23 anos, deixava o Estado de Pernambuco em busca de trabalho. Passado o clima de terror e violência, por determinação superior, as passeatas e comícios voltaram. Anastácio jamais tinha visto tanto calor humano, entusiasmo e civismo como nos comícios da Rainha da Borborema, como é conhecida a cidade de Campina Grande. A política esteve desde cedo em seu sangue. Herança dos pais, que sempre gostaram do assunto. Mesmo sem qualquer ligação com a História de Campina Grande, o jovem Anastácio Rodrigues vestiu a camisa de José Américo, participando de suas concentrações históricas. Embora o retrospecto da campanha eleitoral não tenha sido favorável a um ambiente de paz e tranquilidade, na Paraíba as eleições transcorreram de forma pacífica e José Américo foi o gran-

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de vitorioso, no pleito de 1950. Foi em Campina Grande que, em parceria com seu primo, o jornalista Celso Rodrigues, e o amigo Jaime Menezes, Anastácio participou do lançamento do jornal “O Momento”. Ele assumiu a função de compositor e diagramador. A Hospedaria Paraibana, no Centro da cidade, tornou-se sua nova casa. E tinha a vantagem de estar localizada em frente à oficina gráfica onde o jornal era impresso. A hospedaria e a gráfica ficavam na mesma rua da Rádio Borborema. O jornal “O Momento” surgiu através de uma sociedade entre Celso Rodrigues e Jaime Menezes. Era semanário e circulava com uma tiragem de mil exemplares. Além disso, era impresso em papel verde e surgiu num momento em que a população campinense estava fortemente envolvida com a política, de forma que, na segunda-feira, todas as edições já estavam esgotadas. “Foi uma novidade para Campina Grande”, avalia Anastácio. Anastácio observa que, naquele período, a cidade tinha um ou dois jornais que registrassem sua História cotidiana. “A minha peregrinação, como tipógrafo e diagramador, me fez chegar até a cidade de Campina Grande, onde Celso Rodrigues e Jaime Menezes fundaram o jornal “O Momento”. Jovens matutos de Caruaru fazendo imprensa na Rainha da Borborema, a qual, em se falando de imprensa, era carente, o que não ocorre nos dias atuais”, ressaltaria, muitos anos depois. Apesar da iniciativa e das tentativas de modernizar a produção, o jornal teve poucos meses de vida. “Jornal impresso em papel verde, com diagramação moderna. A edição, semanal, esgotava-se, como se esgotaram as finanças. O novo semanário, de coloração verde, foi uma esperança que não sobreviveu”, cita, em tom poético. Segundo Anastácio, jornal não dá lucro e Celso ficou devendo a gráfica que comprou, a juros, em sociedade com Jaime Menezes, cunhado do jornalista Antônio Miranda. Com poucas esperanças, Anastácio voltou mais uma vez para Caruaru. Mas a busca por oportunidades continuava. Um dos sonhos do jovem Anastácio era morar no Rio Janeiro. E ele foi. Partiu no mês de outubro de 1951 para a cidade que não era violenta, com um colega tipógrafo, José Simões. Dois visionários, em plena juventude. Tomaram o navio Almirante Alexandrino, levando na bagagem várias

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cartas de apresentação. Partiram otimistas, apesar das limitações. Do navio, contemplavam os acenos dirigidos para os que partiam, por parte dos que ficavam. Como se uma revoada de pombos brancos lhes saudassem. As aves marinhas sobrevoavam o espaço, à procura de seu habitat. O Recife fugia aos olhos dos dois jovens. Era tarde-noite. As luzes cintilavam como estrelas. O Almirante Alexandrino, pequena cidade embalada pelas águas do mar. Após dois dias e meio de viagem, chegaram ao porto de Salvador. Seis horas da manhã. A cidade parecia dormir e ainda não havia sido violentada pelos espigões. Anastácio e Simões percorreram as ladeiras de Salvador e suas ruas estreitas e históricas. Contemplaram o monumento a Castro Alves. Visitaram o Panteon de Rui Barbosa. Tomaram conhecimento de que as cabeças dos líderes do cangaço, Lampião, Maria Bonita e Corisco, estavam no Instituto Nina Rodrigues. Foram até lá. Encontraram-nas expostas numa simples prateleira, ressequidas e deformadas, num autêntico desrespeito à pessoa humana. Símbolo maior da figura do cangaço, Virgulino Ferreira da Silva, mais conhecido como Lampião, foi caçado por anos pela polícia. Responsável por inúmeros saques e mortes por onde passou, Lampião não resistiu a uma emboscada das tropas do exército do então presidente Getúlio Vargas, e foi morto, aos 41 anos, junto de mais 10 membros de seu grupo. O massacre aconteceu em 28 de julho de 1938, na Grota de Angicos, no sertão sergipano, depois que uma força volante descobriu onde eles estavam acampados. O bando foi mutilado e teve suas cabeças expostas, como mostra uma foto histórica. Na imagem, cuja autoria é desconhecida, a cabeça de Lampião é colocada em destaque, isolada; logo abaixo, parte do corpo de Maria Bonita. Ao lado, os principais membros do grupo, mortos na emboscada, e os pertences do bando. De Salvador, Anastácio e José Simões partiram para o Rio de Janeiro. Chegaram à noite na Cidade Maravilhosa. No dia seguinte, foram procurar a Rua São Joaquim, na Glória. No endereço, funcionava a pensão de dona Marieta. Anastácio tinha, em mãos, uma carta de apresentação do amigo Waldemar Porto, que já havia sido hóspede do local. Dona Marieta os recebeu. Hospedados, entraram em ação. Mas os cartões de apresentação não serviriam. Decidiram, então, recorrer à seção de empregos do Jornal do Bra-

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sil. Nas manhãs de segunda, estavam de olho nos anúncios. Tomavam café com leite, comiam um pão com manteiga e saíam para procurar emprego. Muitos dos jovens hospedados na pensão de dona Marieta eram filhos de fazendeiros e cultivadores de café, em São Paulo. A maioria estudantes de Direito. “Folgados”, comenta Anastácio. Conversavam muito sobre política. Afinal, estavam na capital da República (Brasília ainda não havia sido construída). Anastácio sempre fez previsões que assustaram a ele próprio. Da pensão, era possível avistar o Palácio do Catete, sede do Governo Federal. Certa manhã, conversando com um dos rapazes, Anastácio apontou e previu: “O Catete será a sepultura de Getúlio”. Três anos depois, em 24 de agosto de 1954, Vargas cometeria suicídio, no local. A pensão era dividida em duas partes: o refeitório, localizado na residência de dona Marieta, na Rua Benjamin Constant, à frente da Igreja de São Joaquim, onde assistia à missa, e o dormitório, na Rua Santo Amaro, ambos na Glória. Anastácio pagou 30 dias de hospedagem. Dormida, roupa de cama e refeições. Dona Marieta, vendo a sua necessidade, indicou-o a um hóspede português, para trabalhar no crediário de uma empresa chamada Mesbla. A função era de datilógrafo e Anastácio ainda não dominava. Se soubesse datilografar, teria começado a trabalhar naquele instante. Saiu arrasado. Outro dia, surgiu uma oportunidade no Liceu de Artes e Ofícios. Generoso, Anastácio cedeu a oportunidade a Simões, que havia levado pouco dinheiro na viagem. Os dias se passavam, as oportunidades não apareciam e os trocados diminuindo. Pelo menos o amigo já estava empregado. Era uma preocupação a menos para Anastácio, que passou 30 dias sem arranjar trabalho. Às vezes, perdia uma oportunidade por segundos. Era tão imaturo que não havia levado sequer um componedor, instrumento de trabalho dos tipógrafos. Chegou, inclusive, a procurar Plínio Salgado (líder da Ação Integralista Brasileira, da qual seu pai fez parte) para pedir-lhe emprego, porém sem sucesso. O tempo passava e nenhuma porta se abria. Anastácio queria ficar no Rio de Janeiro. Amava aquela cidade. Conseguiu viajar na primeira classe do navio que o levou até a Cidade Maravilhosa. Não era tarefa fácil conseguir as passagens. João Moraes, cunhado de Anastácio, foi ao Recife e falou

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[1] Monumento a José Rodrigues de Jesus, fundador de Caruaru [2] Estação Ferroviária nos tempos em que o trem circulava por Caruaru [3] Hospital São Sebastião, inaugurado em 14 de maio de 1939


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com seu amigo, o engenheiro Gercino de Pontes, filho do coronel João Guilherme de Pontes, que era superintendente da Rede Ferroviária do Nordeste (REFESA). Gercino assinou um cartão e Anastácio conseguiu comprar as passagens com as economias que fazia. Após somar dificuldades e fracassos, Anastácio desanimou. A Cidade Maravilhosa havia encantado o caruaruense de 23 anos, que viajara à então capital da República para conseguir trabalho e, quem sabe, retomar os estudos. O Rio de Janeiro, porém, não lhe abriu as portas. Imerso naquele mundo de profundas mudanças e sentindo-se totalmente deslocado, Anastácio terminou descobrindo onde morava o brigadeiro Eduardo Gomes, que disputou duas vezes (1945 e 1950) a Presidência da República, pela União Democrática Nacional (UDN). Hábil interlocutor, embora severo, e tido como uma pessoa de fino trato, Eduardo Gomes destacou-se inicialmente na vida nacional por ser um democrata e liberal. Aos 49 anos, em 1945, já era reconhecido dentro e fora das Forças Armadas, especialmente por aqueles que acompanharam os sobressaltos da guerra. Desde o final de 1944, com a vitória do Brasil na guerra na Itália, o nome do comandante Eduardo Gomes já era cogitado como candidato à Presidência da República, uma vez que o Brasil respirava os ares da redemocratização, após a deposição de Getúlio pelos chefes militares, com eleições marcadas para 1945. A juventude e a intelectualidade de meados da década de 40 estavam literalmente hipnotizadas pelo brigadeiro. O fato de ter conseguido promover uma coexistência pacífica entre brasileiros e norte-americanos só aumentou seu prestígio. Eduardo Gomes mediu forças, pela oposicionista UDN, contra o candidato de Vargas, marechal Eurico Gaspar Dutra, o Ministro da Guerra, que disputava como candidato do situacionista PSD. Dutra venceu a eleição com 54% dos votos, apoiado na força do partido organizado nacionalmente pelos ex-interventores de Vargas, mas Eduardo não perdeu o prestígio que conquistara. Derrotado depois por Getúlio Vargas, nas eleições presidenciais de 1950, recusou o convite deste para que assumisse o Ministério da Aeronáutica – cargo que ele ocuparia somente em 1954, no governo Café Filho, que assumiu após a morte de Getúlio. No futuro, Eduardo Gomes seria um dos grandes

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apoiadores de Plínio Pacheco, na construção do teatro de Nova Jerusalém, em Fazenda Nova, no município pernambucano de Brejo da Madre de Deus. Em Pernambuco, o PSD elegeu, nas eleições de 1950, Agamenon Magalhães governador do Estado, contra o candidato udenista João Cleofas, então em sua primeira queda (ele se candidataria outras duas vezes, sendo sempre derrotado, o que lhe rendeu o apelido de João Três Quedas). Aliado fiel de Getúlio Vargas, o sertanejo Agamenon já havia ocupado o cargo, como interventor, no período de 1937 a 1945. Em 1937, Agamenon era Ministro do Trabalho de Vargas, quando se tornou interventor federal no Estado de Pernambuco, em substituição ao governador Carlos de Lima Cavalcanti, seu antigo aliado, a quem acusara de conivência com o levante comunista deflagrado em novembro de 1935, em Recife, por membros da Aliança Nacional Libertadora (ANL). Deixou o governo de Pernambuco em março de 1945, quando foi reconduzido por Vargas ao Ministério da Justiça, passando então a coordenar o projeto governamental de redemocratização do país. Cinco anos depois, retomaria o comando do Estado de Pernambuco, desta vez eleito pelo voto popular. Ao assumir o governo de Pernambuco, após as eleições de 1950, Agamenon Magalhães convocou para o cargo de Secretário da Fazenda o deputado estadual Irineu de Pontes Vieira, importante liderança caruaruense naqueles tempos. Nascido em Caruaru, a 26 de junho de 1920, Irineu era neto do coronel João Guilherme de Pontes, chefe político da cidade, nas primeiras décadas do século XX. Bacharel pela Faculdade de Direito do Recife, promotor público da Comarca de São Caetano, ingressou na política elegendo-se deputado estadual pela legenda do PSD, em 1946, sendo o terceiro mais votado do Estado. Nas eleições de 1950, foi reeleito com expressiva votação, licenciando-se para assumir a Secretaria da Fazenda. No cargo, Irineu lutou para elevar a receita do Estado e realizou uma obra de soerguimento das finanças públicas. Mandou construir a Coletoria Estadual de Caruaru e mais 25 prédios para instalação dos serviços fazendários, em dezenas de municípios do interior. Agamenon Magalhães, no entanto, não concluiria o mandato. Falece-

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ria, subitamente, no dia 24 de agosto de 1952, no Recife, sendo sucedido por Etelvino Lins. O PSD continuaria dando as cartas no Estado também nas eleições de 1954, ao eleger o general Osvaldo Cordeiro de Farias. Sua hegemonia só seria desmontada nas eleições de 1958, quando a UDN sairia vitoriosa com a candidatura de Cid Feijó Sampaio. Anastácio Rodrigues tornou-se eleitor aos 18 anos, em 1946, exatamente por intermédio de Irineu de Pontes Vieira. Candidato a deputado estadual e estreando na política, ele andava com uma pasta, buscando registrar novos eleitores na cidade. Preenchia os dados e levava ao cartório. O fato aconteceu na redação do Jornal Vanguarda. Apto, Anastácio votaria em Eduardo Gomes na eleição de 1950. Os estudantes e intelectuais simpatizavam com a candidatura do Brigadeiro e havia até um refrão: Eu voto no Brigadeiro/é bonito e é solteiro. “O preço da liberdade é a eterna vigilância”, dizia um pôster do brigadeiro exposto na sede da UDN, na Rua Quinze de Novembro, em Caruaru. A frase, atribuída ao político conservador inglês Edmund Burke, que viveu no século XVIII, foi o lema da campanha de Eduardo Gomes, em 1950. Era o período da redemocratização, após a Segunda Guerra Mundial. Colocaram alto-falantes boca de sino nos postes centrais de Caruaru. Adolfo Silva Neto era o locutor, mesmo sem uma voz radiofônica. As pessoas ficavam ao redor do poste, ouvindo as mensagens do brigadeiro, inclusive o jovem Anastácio. Eduardo Gomes morava no Edifício São Salvador, na praia do Flamengo, e a irmã dele, uma loira alta e feia, atendeu o jovem magro e tímido, vindo do interior de Pernambuco. Anastácio se identificou, disse que havia votado no brigadeiro, e que queria uma passagem para voltar a Caruaru. O pouco dinheiro que tinha, havia acabado. Mas a mulher foi grosseira, disse que muitas pessoas apareciam lá afirmando ter votado em seu irmão e pedindo algo em troca. Mas que ele não fora eleito. Poucos dias depois, recebeu uma carta de dona Amélia. A mãe mandou-lhe o dinheiro para retornar. Chegando ao Recife, pernoitou na pensão onde vivia seu irmão, Geraldo, e pegou o trem no dia seguinte, com destino a Caruaru. Quando o maquinista, no “S” da saudade, puxou o apito do trem, Anastácio fechou os olhos e só os abriu quando a máquina parou. Era de-

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zembro, sol ardente. Em sua alma, a tristeza se fazia presente. Assim como Recife e Campina Grande, o Rio de Janeiro não abriu as portas para Anastácio. Na verdade, o tempo mostraria que ele teria uma missão importante a cumprir, em Caruaru. Anastácio retornou em seguida para a terrinha amada, deixando na cidade grande o amigo José Simões, que, tempos depois, mudou-se para São Paulo e é hoje um senhor ladeado de netos. “Só muitos anos depois, entendi por que voltei. Eu tinha uma missão a cumprir em Caruaru”, reconhece. Ainda em 1951, os caruaruenses elegeram seu novo prefeito, Abel Menezes, filiado ao Partido Social Democrático (PSD). Ao obter 7.523 votos, ele venceu o adversário, João Elísio Florêncio, por uma diferença de 341 sufrágios, nas eleições de 1º de julho. João Elísio era padrinho de crisma de Anastácio Rodrigues e, alguns anos depois, seria o responsável por inseri-lo na vida partidária, pela legenda do Partido Democrático Cristão (PDC). Abel Menezes tomou posse em 16 de novembro de 1951, junto com o vice-prefeito Alberto Guilherme de Azevedo Lira. Aos dois dias do mês de janeiro de 1952, Anastácio reingressava na tipografia do Jornal de Caruaru, que pertenceu ao ex-prefeito Pedro de Souza. Já havia estado lá em 1947. A redação do semanário estava localizada na Rua Vigário Freire. Seu retorno trouxe ganhos importantes para o periódico. Toda a sua diagramação foi modificada e o jornal passou a ser impresso em duas cores. Nessa época, Anastácio começou a assinar uma página literária com o título de “Província”, onde dava oportunidade a novos escritores e pessoas que gostavam de escrever. Intitulada “A. Rodrigues”, a mesma página literária foi publicada durante muitos anos pelo jornal Vanguarda. Impresso em duas cores, o Jornal de Caruaru dava muito trabalho a Anastácio – seu compositor e diagramador. Para dinamizar o noticiário, ele se baseava esteticamente no jornal Última Hora, bastante moderno para a época. “Eu caprichava. Não ganhava dinheiro, mas trabalhava com amor. E era disputado”, afirma, orgulhoso de sua atuação. Existia uma rivalidade entre o Jornal de Caruaru e o Jornal do Agreste, de Nelson Barbalho, Luiz Torres e Azael Leitão – semanário que teve poucos meses de existência, perdendo a batalha para o arquirrival. As andan-

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ças de Anastácio pelos jornais de sua terra tinham a ver com a questão da luta pela sobrevivência. Por melhores salários. Ele precisava ajudar na manutenção da casa. Quando trabalhava no Jornal de Caruaru, certa vez Anastácio sentiu dores e um mal estar. Pensou que estivesse tuberculoso. Comunicou seu estado ao redator do jornal, Azael Leitão, que o orientou a ir até o consultório de Dr. Silva Filho. Anastácio ficou inseguro, afinal, o médico era mais conhecido na cidade por atender mulheres. “Não, vá, ele resolve”, insistiu Azael. O médico Adolfo Silva Filho já havia ocupado o cargo de prefeito de Caruaru, nomeado por ato do então governador Carlos de Lima Cavalcanti. Tomou posse em 10 de julho de 1935, substituindo Sizenando Guilherme de Azevedo, que se desincompatibilizou para disputar a eleição municipal daquele ano. Questionado pela imprensa sobre o que pretendia fazer pela cidade enquanto ocupasse o cargo, Silva Filho respondeu: “Tudo quanto a boa vontade e as possibilidades do município permitirem, não esquecendo o nosso Hospital São Sebastião”.

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O médico também foi candidato a deputado estadual, mas sem êxito. Nessa eleição, mandou uma chapinha pedindo o voto de Anastácio, que ele conhecia apenas pelos escritos veiculados na imprensa caruaruense. Já no consultório, quando perguntou o nome do paciente, Dr. Silva Filho exclamou, com surpresa: “Ah, você é Anastácio Rodrigues?”. Enquanto o examinava, o médico estabeleceu um longo diálogo com ele, a ponto de fazer um desabafo, ao contar-lhe a história do Hospital São Sebastião, do qual fora o idealizador. Silva Filho era ressentido, pois sequer fora convidado para a inauguração da unidade de saúde por que tanto lutou. “Anastácio, o Hospital São Sebastião foi um filho que arrebataram dos meus braços”, definiu o médico, em cuja casa, na Avenida Rio Branco, havia um quintal, nos fundos, onde cultivava orquídeas. Ele recordou que a ideia de construir o hospital surgiu numa das reuniões do Clube Lítero Recreativo de Caruaru, uma espécie de Clube Intermunicipal daquela época. O primeiro dinheiro destinado para a obra foi uma gravata do próprio Silva Filho, leiloada na cidade. Para ver o sonho erguido, as damas da sociedade sa-

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íam aos sábados a pedir doações à população. “Eu me lembro da campanha de 500 réis que era uma moeda pequena”, recorda Anastácio. O São Sebastião foi construído com doações do povo, dos empresários e com ajuda do Governo de Pernambuco, à época de Carlos de Lima Cavalcanti. Na fachada, uma placa de bronze dizia: “Hospital São Sebastião construído pelo povo de Caruaru”. Muitos anos depois, a placa foi furtada. Apesar de seus esforços, Dr. Silva Filho não foi convidado para a inauguração do seu “filho arrebatado” por questões políticas. Médico, higienista, homem culto, de boa escrita, austero, mas também sensível (pintava e escrevia poesias), Silva Filho estava sempre elegante, com ternos feitos sob medida na Alfaiataria João Barbalho, gravatas alinhadas e camisas bem engomadas. A seriedade era deixada de lado pelo menos uma vez ao ano. Exatamente na segunda feira de Momo, quando, logo pela manhã, ele recebia familiares e amigos em sua casa, para desfilarem no seu bloco. Depois do reforçado café, em torno das dez horas, tinha início o desfile. Segundo registrou o historiador Nelson Barbalho, o estandarte do bloco era de papelão. A orquestra, de um músico só, o sanfoneiro José Francisco da Silva, o gordo e pitoresco Zé Tatu, tocava sem parar, com seu fole de oito baixos, a marchinha exclusiva da troça, acompanhada pelo coro de foliões entusiasmados. Adolfo Silva Filho nasceu no Recife. Formado pela Faculdade de Medicina da Bahia, foi nomeado pelo Governo de Pernambuco para atuar no hospital de Pesqueira, quando houve um surto de cólera morbus e varíola. Nessa época, o mesmo surto chegou a Caruaru e como a cidade era maior, o Estado o transferiu para lá. Silva Filho mudou-se para Caruaru em 1915 e logo se apegou à cidade, conquistando amigos e admiradores. Faleceu em quatro de janeiro de 1954. Apesar de sua importância, é figura sem reconhecimento na cidade. Ao deixar o Jornal de Caruaru, Anastácio foi admitido na gráfica do jornalista Cleômenes José de Oliveira, que tempos depois passou todo o acervo para a Diocese de Caruaru. A gráfica editava o jornal A Defesa, semanário mantido durante muitos anos pelo líder católico João Elísio Florêncio, homem de formação cristã, que, como citado, Anastácio tomou como padrinho de crisma. A confirmação no Espírito Santo aconteceu na Matriz de Nossa Senhora do Rosário, no mês de outubro de 1952, ano de sua inauguração. Anastá-

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cio recebeu o Santo Óleo da Crisma das mãos do Arcebispo Metropolitano Dom Miguel de Lima Valverde. Foi graças ao jornal A Defesa que Anastácio conheceu o primeiro Bispo de Caruaru, Dom Paulo Hipólito de Souza Libório, tornando-se figura de grande estima. Um amigo. A amizade perduraria mesmo após a partida de Dom Paulo para sua nova Diocese. Anastácio guarda em seus arquivos várias correspondências mantidas com o religioso. O ex-prefeito lamenta que Caruaru não tenha conhecido seu amigo Dom Paulo como ele conheceu. Engajado em seu trabalho como diagramador e escritor, Anastácio Rodrigues participou ativamente da ACI (Associação Caruaruense de Imprensa), fundada em 1949 pelo atuante jornalista Cleômenes Oliveira, aglutinando interesses da “imprensa matuta” local e se articulando com a imprensa da capital. A ACI patrocinava conferências, congressos de jornalismo, palestras e apresentações de poetas e artistas que circulavam pela cidade divulgando seus trabalhos. Austriclínio Ferreira Quirino, conhecido pelo pseudônimo Austro-Costa, “o poeta do Recife”, fez uma palestra que atraiu muita gente à ACI. A conferência homenageou o médico e cronista Antonio Fasanaro, quando da posse da Diretoria da Associação, em 15 de junho de 1953. Amante dos livros, Anastácio foi bibliotecário da Associação de Imprensa, responsável pela fundação da biblioteca da entidade, que passou a receber mensalmente muitas obras enviadas pelo Instituto Nacional do Livro, inclusive discursos de Rui Barbosa. Na sede da Associação, na Rua Vigário Freire, viam-se pôsteres de Antônio Fasanaro e do poeta Belísio Córdula, fixados na parede por sugestão de Anastácio Rodrigues. Em texto publicado pelo Jornal A Defesa, em 15 de agosto de 1954, Anastácio escreveu: “Jamais pensei que a minha ideia chegasse a tal culminância. Refiro-me às homenagens que foram prestadas a Belísio Córdula e Antônio Fasanaro, pela Associação Caruaruense de Imprensa. Belísio Córdula, o poeta e eterno enamorado da nossa Caruaru, sentia nas suas veias e no seu coração o pulsar apressado e constante, como querendo acompanhar, de toda maneira, o progresso de Caruaru. [...] O grande médico Fasanaro e a grande cultura estavam esquecidos quase totalmente. Antônio Fasanaro, o médico que curava fisicamente e espiritualmente. Foi um grande dia pa-

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ra a Associação de Imprensa”. A iniciativa mostra que muito antes de disputar qualquer cargo político, Anastácio Rodrigues já se mostrava intimamente ligado às questões culturais e preocupado com a preservação da memória de Caruaru e de seus filhos ilustres – traço que levaria para toda vida. Outra biblioteca que ele organizou naquela época foi a do Círculo Operário de Caruaru, no período em que seu primo, José Rodrigues, assumiu a presidência da associação, cuja sede era localizada no bairro São Francisco. Anastácio doou à biblioteca uma coleção de livros de Plínio Salgado pertencente a seu pai, Cícero. O Círculo Operário era uma associação civil de trabalhadores, de inspiração católica, com programa e atividades voltadas ao trabalhador. Em Caruaru, a associação era sempre movimentada. Mas, as andanças pelos jornais editados em Caruaru estavam com os dias contados para Anastácio. Certo dia, um velho amigo lhe contou que havia uma vaga de escriturário no Banco Auxiliar do Comércio e que ele se preparasse para o teste. Anastácio e José Manoel da Silva eram da mesma geração e amantes do Santa Cruz. Moço de origem simples, foi José Manoel quem abriu novos caminhos para o jovem em busca de oportunidades. De um lugar ao sol. Anastácio nunca foi bom em matemática. Fugia de cálculos. No Grupo Escolar Joaquim Nabuco, na hora de ir até o quadro-negro, corria para se esconder no banheiro. Fato que a professora Antonina Monteiro nunca notou. Mesmo assim, a determinação resultou em aprovação. Para isso, estudou bastante regra de três. “Eu era péssimo aluno em matemática”, reconhece. No dia dois de maio de 1955, poucos dias antes de completar 27 anos, Anastácio assumia a função de escriturário de banco. A vida de assalariado, finalmente, se normalizaria. “Até aquela data, eu vivia como uma nau sem rumo, vítima de um lar desajustado”, pontua. Pouco tempo depois, o Banco Português incorporou o Banco Auxiliar do Comércio. Anastácio foi mantido como funcionário. O jovem Anastácio que não fumava, nem bebia, passou a tomar cerveja, quando entrou no Banco Auxiliar do Comércio, durante os encontros com colegas nos fins de semana. Fumar ele até tentou, mas a experiência foi péssima. Dona Amélia fumava e quando ele ia ao cinema, observava os amigos

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tragando antes da projeção. Certa vez, pediram que experimentasse. Ele comprou um maço e acendeu o cigarro. Após a baforada, um rapaz, acompanhado pela namorada, reclamou. “Solte a fumaça pra frente”, disse, incomodado. A cena aconteceu no Cine Caruaru, do empresário Santino Cursino. “Cheguei em casa e dei a carteira de cigarros a minha mãe”, puxou da memória. Somente aos 25 anos, em 1953, Anastácio Rodrigues pôde retomar os estudos, interrompidos após a saída do Joaquim Nabuco. Não por descaso, foram 13 longos anos sem ir a uma escola. Embora trabalhasse lendo e se informando nas redações dos jornais por onde passou. As dificuldades eram tantas que Anastácio havia concluído o terceiro ano primário estudando na cartilha de Jório Valença, colega de turma, com quem trabalharia na Prefeitura de Caruaru, muitos anos depois, ele responsável pela pasta de Educação e Cultura, e Jório pela Administração, no governo João Lyra Filho. Mas o mundo foi clareando e as portas se abrindo. Anastácio começava a viver novas experiências, a ter novas perspectivas. Fez o curso preparatório para o Exame de Admissão ao Ginásio, com a professora Maria do Carmo Queiroz Cabral, grande mestra que formou gerações em Caruaru. Aprovado no exame de Admissão ao Ginásio, ingressou no Colégio de Caruaru, atual Diocesano, para cursar o ginasial. O acesso foi possível graças às bolsas escolares distribuídas pelo deputado Tabosa de Almeida, conseguidas ao tempo do governador do Estado, Cordeiro de Farias. Tabosa conseguira aprovar a Lei 1.723, intitulada Lei de Matrículas Gratuitas, a primeira de Pernambuco, que criou 550 bolsas escolares no Colégio de Caruaru, de propriedade do professor Luiz Pessoa, beneficiando estudantes do município e igualmente de cidades como Limoeiro e Garanhuns, entre outras. O deputado conquistou as bolsas escolares enfrentando o combate de muitos caruaruenses, inclusive da Câmara Municipal – quando seus opositores políticos sobrepuseram interesses partidários aos de centenas de famílias que seriam, e foram, beneficiadas. Anastácio cursou os quatro anos no turno da noite e concluiu o ginásio em 1958, aos 30 anos, festivamente. A comemoração uniu as turmas do dia

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[1] Da esquerda para a direita: o ex-vereador Aristides Veras e os ex-prefeitos Sizenando Guilherme de Azevedo, Abel Menezes e Celso Galvão [2] Anastácio reivindicando ao candidato Cid Sampaio um colégio estadual para a população pobre de Caruaru. Ao lado Cid está o deputado Drayton Nejaim. A foto é de 1958

e da noite. Paraninfou os concluintes o Dr. João Elísio Florêncio, seu padrinho. Mostrando desde cedo ser um líder nato, Anastácio foi escolhido, por unanimidade, orador das turmas. Desta vez, ele não iria parar. Continuou os estudos, ingressando na Academia de Comércio de Caruaru, fundada em 1932, pelo Dr. Luiz Pessoa da Silva, onde cursou Contabilidade. A Academia funcionava no prédio do Colégio de Caruaru. Anastácio conquistou o diploma de Técnico em Contabilidade, após três longos anos nas bancas da Escola Técnica de Comércio de Caruaru, em 1961. A cidade de Caruaru comemorou em grande estilo o seu centenário, no ano de 1957, durante o governo do prefeito Sizenando Guilherme de Azevedo. Uma grandiosa programação marcou as comemorações da data, vividas com entusiasmo e orgulho pela população, inclusive pelo estudante Anastácio Rodrigues. O ano de 1957 também marcou, mas de forma negativa, a família Rodrigues. Naquele ano, Ademar, o filho caçula, morreu de forma trágica, causando muito sofrimento, principalmente a sua mãe, Amélia. Ademar era esquizofrênico, embora a família nunca tenha tomado co-

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nhecimento oficialmente de que ele sofria desse mal. Costumava sair sozinho de casa, quando tinha crises, deixando a mãe e os irmãos preocupados. Anastácio muitas vezes saía para procurá-lo. Quando retornava, cansado, quase sempre o irmão estava em casa. Assim como Anastácio e Celso Rodrigues, Ademar também foi tipógrafo e trabalhou no Jornal Vanguarda. Também como o irmão e o primo, foi tentar a vida na Paraíba, mas ao contrário deles, escolheu a capital, João Pessoa, onde arranjou emprego na redação de um jornal. Lá, também costumava ter crises e certa vez foi encontrado desacordado à beira-mar. O cenário de sua morte foi uma mercearia na praça Pedro Victor de Albuquerque, em Caruaru. Ademar chegou ao local, pediu um refrigerante, em seguida misturou uma substância venenosa e ingeriu, tirando a própria vida. Anastácio foi informado poucos instantes depois, por Aguinaldo Fagundes. Quando chegou ao local, viu o corpo do irmão estirado ao chão. Ademar Rodrigues foi sepultado no cemitério Dom Bosco e somente algum tempo depois, mexendo em documentos que pertenceram a ele, Anastácio tomou conhecimento de que o irmão fora diagnosticado como vítima de esquizofrenia. “Foi horrível, sofremos muito”, recordou Anastácio nu-

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ma das poucas vezes em que falou sobre o assunto. O fato de o irmão ter cometido suicídio é algo que o assusta e assunto sobre o qual definitivamente não gosta de comentar.

A política estudantil sempre perseguiu Anastácio Rodrigues. Os alunos que administravam o Centro Acadêmico do Colégio de Caruaru convidaram-no para compor a chapa à eleição de sua nova diretoria. Ele não aceitou. Mas não resistiria por muito tempo. No ano seguinte, liderou um movimento para reformulação do Centro Acadêmico, que estava amorfo. “Era preciso dar-lhe vida, ressuscitá-lo. Os órgãos estudantis têm que ser dinâmicos, vivos, latentes”, defende Anastácio. Sua chapa venceu, espetacularmente, as eleições. Como candidato a vice, Anastácio fora mais votado do que o candidato à presidência. O Dr. Luiz Pessoa da Silva, diretor do Colégio de Caruaru, sentia-se desencantado, queria se desfazer do educandário. – Dr. Luiz, eu posso lançar o movimento de encampação do Colégio de Caruaru? – Pode. Autorizado pelo diretor, Anastácio lançou, na sessão solene, de posse, o movimento de encampação do educandário, apresentando os considerandos. Gesto que tomou de surpresa os que ali estavam. O estudante Anastácio mobilizou a sociedade. Ouviu figuras de expressão, como o Dr. Amaro de Lira e César, notável Juiz e grande benfeitor de Caruaru, cuja memória é perpetuada no CAIC de Caruaru – num gesto de reconhecimento da Câmara Municipal, por solicitação de Anastácio ao vereador José Rabelo. Ouviu, ainda, seu padrinho, o Dr. João Elísio Florêncio, figura de expressão na política de Caruaru e no mundo católico. Para dar ainda mais projeção à ideia, lançou o jornal “O Estudante”. Pernambuco servia, naqueles instantes, de palco para uma das maiores campanhas políticas de sua História. O engenheiro Cid Sampaio empolgava as massas. Em junho de 1958, Caruaru recebeu o Dr. Cid, que ficou hospedado no Hotel Centenário, no Centro. Anastácio formou uma comissão

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e foi ao seu encontro, reivindicar um colégio para o estudante pobre da cidade. Sabia das dificuldades por que passava a população menos favorecida, afinal, fora vítima das mesmas circunstâncias. Um registro fotográfico comprova o encontro entre Anastácio e Cid Sampaio. Na imagem, o deputado Drayton Nejaim observa atentamente o diálogo. O candidato Cid garantiu que, se eleito, estudaria o pleito com seriedade. Anastácio confiou. Liderou uma passeata com estudantes, que saiu da frente do Colégio para a Rua da Matriz, em apoio à candidatura de Cid Sampaio. O gesto nada tinha a ver com a encampação do Colégio de Caruaru, fez questão de salientar. “Pernambuco já estava cansado de certas figuras políticas. Era preciso mudar”, justifica. Cid Sampaio venceu a eleição, derrotando o candidato do PSD, Jarbas Maranhão. O resultado atacava a invencibilidade do partido que havia elegido anteriormente os governadores Barbosa Lima Sobrinho, Agamenon Magalhães e Etelvino Lins. A eleição de Cid Sampaio para o Governo de Pernambuco trouxe uma grata surpresa para Caruaru, com a nomeação do doutor e professor Lourival Vilanova para a Secretaria de Educação e Cultura. Assumindo os destinos daquela pasta, Lourival – que fora diretor da Faculdade de Direito do Recife – foi a Caruaru e quis ouvir a opinião de Anastácio, enquanto presidente da Comissão de Encampação do Colégio de Caruaru. O secretário questionou se o líder estudantil preferia a encampação do Colégio ou a implantação de um novo educandário na cidade. Pensando no bem comum, Anastácio não hesitou. Nesta época, ele já ocupava o cargo de Diretor de Educação e Cultura do município. “Decidimos por mais um. Não sei se optamos certo. Aí está o Colégio Estadual. Vitória dos que acreditaram no movimento. Nascia, no governo Cid, um espaço para os filhos dos humildes”, cita, orgulhoso. Pouco tempo depois, o departamento da Secretaria Estadual de Agricultura seria transformado no Colégio Estadual de Caruaru, hoje com o nome de Nelson Barbalho. Anastácio concluiu o curso de técnico de Contabilidade – equivalente ao Ensino Médio de hoje – no dia 8 de dezembro de 1961, tardiamente, aos 33 anos. Estava na cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro, num encontro estudantil e não pôde participar das solenidades de formatura. Foi até a Catedral daquela cidade para agradecer a conquista. A vida começava a lhe sorrir.

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A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru (Fafica) foi fundada em nove de agosto de 1960, por Dom Augusto de Carvalho, que, vindo da cidade pernambucana de Pesqueira, onde era Vigário Geral, foi o segundo bispo de Caruaru, sucedendo a Dom Paulo Libório, transferido para a sé episcopal de Parnaíba, no Piauí, em 1959.

A sagração de Dom Augusto aconteceu no dia 25 de outubro de 1959. A posse, em 12 de dezembro do mesmo ano. Em 1960, ele adquiriu, através da Diocese, o Colégio de Caruaru que não fora encampado, vez que os estudantes liderados por Anastácio haviam optado pela construção de uma nova escola. O educandário passou a se chamar Colégio Diocesano de Caruaru. No primeiro andar, inaugurou a Fafica, terceira instituição de ensino superior da cidade. A faculdade estava no segundo ano de funcionamento quando Anastácio foi aprovado no vestibular para cursar Ciências Sociais. Nessa época, a Instituição funcionava no primeiro andar do Colégio de Caruaru, atual Diocesano. O prédio também abrigava a Academia de Comércio de Caruaru. Anastácio tinha a alma de líder estudantil, explicitada no empenho com que se dedicava a essas questões. Assim que chegou à recém-fundada Faculdade, foi convidado por alunas da primeira turma para ser candidato à presidência do Diretório. Não sabia, porém, que havia uma divisão entre os primeiranistas. Choque de ideias. Direita. Esquerda. Relutou, mas terminou aceitando. Foi às urnas. O resultado do pleito seria por demais desastroso. Eleição empatada e o Dr. Luiz Pessoa da Silva, diretor do Colégio de Caruaru, onde Anastácio estudara, presidia a mesa receptora e apuradora de votos. Ao exclamar o resultado e citar Anastácio como vencedor, os situacionistas pressionaram e Luiz Pessoa recuou. Anastácio –apoiado pelo Cônego Sebastião Rodrigues da Silva – foi incentivado pelo amigo Carlos Toscano de Carvalho a protestar, mas silenciou. O padre Sebastião pediu a palavra, dizendo-lhe textualmente: “Dr. Luiz Pessoa, há um princípio comum no Direito: tem direito quem chega primeiro. Neste caso, Anastácio é o eleito, por ser o mais velho”. Surpreendentemente, o religioso foi vaiado de forma veemente por pessoas que se diziam católicas e defensoras da civilização cristã.

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O MOVIMENTO ESTUDANTIL REVELA O LÍDER

Incentivado por muitos colegas e pelo próprio diretor da instituição, o padre Zacarias Tavares, Anastácio recorreu ao Conselho Técnico Administrativo da Faculdade. “Anastácio, nunca se renuncia a um direito. Lute! Você é o presidente do Diretório”, disse-lhe o padre Zacarias. Luiz Pessoa não reconheceu seu direito, votando contra ele no Conselho. O ato foi decepcionante para Anastácio, que conseguiu, ao fim das contas, tomar posse. A Fafica engatinhava e Anastácio estruturou o Diretório Acadêmico, dinamizando-o. O primeiro vestibular da Instituição havia ocorrido no Colégio de Caruaru, onde a Faculdade fora instalada inicialmente, tendo como diretor o padre Zacarias Lino Tavares. Além da luta pelos direitos estudantis e na fiscalização à administração da Faculdade, o DA se destacava na promoção de eventos. Um deles, intitulado “Noite dos Namorados”, foi divulgado pelo Jornal Vanguarda, em junho de 1962. A festa aconteceu nos salões do Clube Intermunicipal de Caruaru. Naquele tempo, havia na cidade certo preconceito na área estudantil. Diziam que a Fafica era uma escola para professoras, não servia para o sexo masculino. Anastácio decidiu encabeçar um movimento de divulgação da instituição, que contou com a participação dos demais colegas do DA e dos outros cursos. A ordem era mobilizar os jovens para o ingresso na Fafica. O resultado foi satisfatório. O padre Zacarias Lino Tavares realizou, no terceiro ano de funcionamento, dois vestibulares. Em junho de 1962, universitários de todo o país iniciaram um movimento grevista. Grande número de faculdades fecharam as portas porque seus alunos decidiram não comparecer às aulas enquanto não fossem atendidos em suas pretensões de participarem dos órgãos direcionais das universidades e das escolas superiores isoladas. O movimento começou no Sudeste e logo se espalhou por todo o país. Em Caruaru, os estudantes também declararam greve. Eles enviaram nota à imprensa, mencionando o artigo 78 da Lei de Diretrizes e Bases, aprovada pelo Congresso Nacional, permitindo que o corpo discente das universidades e escolas superiores tivesse participação, com voto e voz, nos órgãos dessas entidades. A nota dos universitários de Caruaru estava assinada pelos estudantes Anastácio Rodrigues e Rodolfo Monteiro Filho, do Diretório da Fafica, além de representantes dos diretórios

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das faculdades de Direito e Odontologia. “Todas as faculdades do país estavam em greve. Conversei com o padre Zacarias e lhe disse: ‘o senhor é meu amigo e não quero que passe por dissabores’. Disse que se não fechasse, viria um grupo para fechar. As de Direito e Odontologia estavam fechadas. A UNE fechou todas as faculdades. Não ficava bem para mim, eu era presidente do Diretório. Então ele me disse: ‘Feche, Anastácio’,” recorda o ex-líder estudantil. Anastácio concorreu à reeleição para o DA, disputando o cargo com o colega Agostinho Batista. Desta vez, a vitória foi conquistada sem qualquer anormalidade no pleito. Era o ano de 1963 e Caruaru perdia duas figuras importantes: o Mestre Vitalino e o padre Zacarias Tavares. Vitalino Pereira dos Santos faleceu em 20 de janeiro, dia de São Sebastião, às nove horas da manhã, em sua humilde casa, no Alto do Moura, vitimado por varíola. Sua morte gerou uma simples nota de jornal e seu corpo foi sepultado numa vala comum, no cemitério Dom Bosco. Já o padre Zacarias Lino Tavares morreu no dia 25 de agosto, vítima de enfarte do miocárdio. Diretor do jornal A Defesa, o padre português fora o criador do Berçário de Caruaru, atual Casa da Criança, no bairro Indianópolis. Estava no Rio de Janeiro justamente tratando da liberação de verbas para a continuação daquela obra, quando faleceu, aos pés do altar da Igreja Matriz, na Rua Voluntários da Pátria, poucos instantes antes de preparar-se para celebrar a missa. Numa homenagem à sua memória, Anastácio denominou de Padre Zacarias Tavares o Diretório Acadêmico da Fafica. Como prefeito de Caruaru, também daria ao Ginásio do Salgado o nome do religioso e construiria a sua última morada no cemitério Dom Bosco. “Como vereador, solicitei a Drayton a construção do seu túmulo. A Prefeitura dizia que não tinha recursos. Quando prefeito construí três túmulos: padre Zacarias, Mestre Vitalino e Coronel Ludugero. Eu estava preocupado com a memória de Caruaru”, comenta. Após a morte do padre Zacarias Tavares, o Dr. Luiz Pessoa assumiu a direção da Fafica, atendendo a uma convocação de Dom Augusto. Tomou posse no dia 23 de setembro de 1963. Como Anastácio Rodrigues era presidente do Diretório Acadêmico, o novo diretor tratou de procurá-lo na agência

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bancária, enquanto dava expediente. “Anastácio, eu vim lhe comunicar que fui convidado por Dom Augusto para ser diretor da Faculdade de Filosofia”, explicou Luiz Pessoa. Adiante, pediu o apoio do presidente do DA. “Em partes”, retrucou Anastácio, motivado pelas diferenças pessoais que já eram evidentes entre eles. Anastácio afirma que Luiz Pessoa esperava ser o primeiro diretor da Fafica, tendo inclusive colaborado na elaboração de documentos. Mas teve seus planos frustrados quando Dom Augusto nomeou o padre Zacarias para o cargo. “Luiz Pessoa casou-se com uma parenta do deputado Tabosa de Almeida, mas eles tinham suas divergências”, ressalta Anastácio. Amigo do professor José Florêncio Leão, Luiz Pessoa participou da fundação do Ginásio de Caruaru, transformado anos depois em Colégio, com os cursos Científico e Pedagógico. As atividades do Ginásio tiveram início no dia dois de fevereiro de 1927, na Praça Juvêncio Mariz, com os cursos de jardim da infância, primário, admissão e secundário. Eram diretores fundadores o padre Júlio Cabral de Medeiros (que se tornaria cônego) e o professor José Florêncio Leão (ex-prefeito de Caruaru). Luiz Pessoa era secretário/tesoureiro do educandário, tornando-se, anos depois, seu único proprietário. Em 1932, implantou a Academia de Comércio de Caruaru, no prédio do Ginásio de Caruaru, posteriormente funcionando na Rua da Matriz. Dois anos depois, Aluizio Araújo, diretor do Colégio Oswaldo Cruz, tornou-se sócio de Luiz Pessoa. O educandário foi oficializado, equiparado ao Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro, e se mudou para novas instalações, na Rua Sete de Setembro (atual loja Irmãos Sá), onde permaneceu até o ano de 1940. Em fevereiro de 1936,Luiz Pessoa dera um passo importante, fundando, através de sociedade constituída, a Escola de Odontologia e Farmácia de Caruaru, a primeira instituição de nível superior da cidade, que chegou a formar uma turma, porém não obteve reconhecimento do Ministério da Educação e foi fechada. Muitos dos recém-formados complementaram seus estudos e obtiveram o registro do curso em outras escolas superiores, outros acabaram perdendo o tempo e recursos investidos. Também em 1936, o Ginásio Caruaru passou a pertencer unicamente a Luiz Pessoa, que iniciou a construção de um novo prédio. Na década de 1940, o conceituado educandário passou a funcionar em modernas instala-

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Jornal lançado pelo estudante Anastácio para defender a encampação do Colégio de Caruaru

ções, no então chamado Bairro Novo, agora como Colégio de Caruaru, oferecendo à população o primeiro curso pedagógico do interior de Pernambuco; a criação do curso Científico deu-se em 1950, mas sua oferta não duraria muitos anos. Alegando que dava prejuízo ao colégio, o diretor apelou até ao Bispo de Caruaru, Dom Paulo Libório, pedindo auxílio financeiro para sua manutenção. O religioso lhe disse que a Diocese não tinha os meios para ajudar. Quando o Científico foi extinto, houve dispersão dos alunos e muitos deles acabaram prejudicados, principalmente os de origem humilde. No ano de 1960, Luiz Pessoa fundou na cidade o Instituto Santo Antônio, onde encerraria suas atividades como educador. Antes disso, desenvolveu esforços para a criação da Sociedade Caruaruense de Ensino Superior, que resultou na implantação das Faculdades de Direito e Odontologia, crian-

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Anastácio nos tempos de bancário e líder sindical

do seu estatuto e cuidando da parte burocrática. Foi também o responsável pelo primeiro vestibular da nova escola de ensino superior, realizado nas dependências do Colégio de Caruaru, onde funcionou inicialmente a Faculdade de Direito. A concessão para funcionamento da Faculdade de Direito de Caruaru foi autorizada através do Decreto nº 45.816 de 16 de abril de 1959, graças aos esforços do deputado federal Adalberto Tabosa de Almeida, atuante parlamentar que lutou pelo reconhecimento da Faculdade junto ao MEC e deu continuidade à grande obra, tornando-se o seu mantenedor e proprietário. O primeiro vestibular aconteceu nos dias 7, 8 e 9 de maio daquele ano. No dia 12 de maio, ocorreu o lançamento da pedra fundamental do prédio das Faculdades de Direito e Odontologia, com as bênçãos do bispo Dom

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Paulo Hipólito de Sousa Libório, em terreno situado no Jardim Europa, doado pelo deputado Tabosa de Almeida, pelos senhores Heleno Benedito Vieira Torres, José Vieira de Assis e o vereador Jorge Tabosa de Almeida. A Faculdade de Odontologia de Caruaru foi instalada no ano seguinte, em dois de março de 1960. A autoria do projeto de criação das Faculdades de Direito e Odontologia de Caruaru gerou uma verdadeira guerra entre o professor Luiz Pessoa e o deputado Tabosa de Almeida que se arrasta até os dias de hoje, após a morte dos dois. Para defender seu ponto de vista e comprovar ser o pai da obra, Luiz Pessoa escreveu e publicou o livro “História das Faculdades de Direito e Odontologia de Caruaru”, em 1979, provocando a ira do vaidoso Tabosa de Almeida. Em forma de revanche, este publicou em 1981 o livro “Uma lição de moral e civismo”, no qual considera o adversário um “falso educador, que fez da educação o trampolim para criar e ampliar seu patrimônio econômico”. Antes da fundação da Faculdade de Direito de Caruaru, figuras expressivas da imprensa e educação pernambucanas criticaram o fato de uma cidade interiorana, com apenas 60 mil habitantes, possuir uma instituição de ensino superior. Mas as críticas, em parte procedentes, não desestimularam o deputado Tabosa de Almeida, que era primo do jornalista e crítico literário Álvaro Lins, e o procurou, no Rio de Janeiro, para pedir o seu apoio. Inicialmente, foi com a pretensão de conseguir autorização para uma Faculdade de Odontologia. Álvaro não só se declarou disposto a ajudá-lo como o incentivou a lutar também pela implantação da Faculdade de Direito, dizendo-lhe que não custava nada tentar as duas, porque pelo menos uma delas poderia ser criada. “Ele semeou num solo árido a semente do ensino superior. Foi uma luta insana. Tinha que ser um Dom Quixote, sonhar muito. Tabosa era mais do que um guerreiro, ele sofreu porque era vaidoso e tinha mandato. Colocava dinheiro do próprio bolso para construir a Faculdade”, revela Anastácio. “Tabosa me deu todo apoio no diretório da Faculdade de Direito. Numa conversa, eu lhe disse que não tinha procuração para defendê-lo, mas quando diziam que ele era vaidoso, eu respondia ser possuidor de uma santa vaidade, porque senão, não teríamos essa obra”, completa.

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Ao assumir o comando da Fafica, em 1963, o professor Luiz Pessoa da Silva adotou medidas que chocaram o corpo discente: aumentou o valor das anuidades e convenceu Dom Augusto a transferir a Faculdade de Filosofia do Colégio de Caruaru para o Palácio Episcopal– residência que fora instalada com dedicação, zelo e carinho dos diocesanos para receber o primeiro Bispo, embora não possuísse sistema sanitário. Dom Augusto foi transferido para um imóvel sem as mínimas condições de funcionamento. O novo diretor da Fafica argumentou que a Escola não possuía uma diretoria condigna para seu diretor. “Coisa com que o padre Zacarias nunca se preocupou”, diz Anastácio. Naquele momento, ao tomar conhecimento da mudança, ele foi ao encontro do Bispo, como aluno e presidente do DA, levar seu protesto. No dia seguinte, por volta das 8h, Anastácio estava no Palácio Episcopal para contestar a instalação da Faculdade no local. O bispo não o convidou para entrar. Espantado, perguntou a Dom Augusto para onde ele iria. O religioso respondeu-lhe apenas que “depois resolveria”. Anastácio sentiu dó. “Terminaram vendendo tapioca dentro do Palácio do Bispo”, critica. Decepcionado, Anastácio deixou a Fafica após concluir o segundo ano de Ciências Sociais. Antes de deixar a instituição, elegeu Rodolfo Monteiro Filho para sucedê-lo na presidência do Diretório Acadêmico. “Eu perdi o meu curso por causa da política estudantil e graças a Luiz Pessoa da Silva. Até hoje não entendi a razão do que ele fez comigo”, lamenta. A Fafica funcionou no Palácio Episcopal, na Rua da Matriz, até 1973, quando foi transferida para o atual prédio no bairro Petrópolis, onde já funcionava o Seminário Diocesano. A construção foi iniciada por Dom Paulo Libório, em terreno doado pelo prefeito Pedro Joaquim de Souza.

Luiz Pessoa da Silva tinha seus méritos. Assumidamente político de direita, ocupou uma vaga na Câmara de Vereadores de Caruaru e contribuiu para a formação de gerações de estudantes na cidade. Em 1964, quando os militares golpearam a democracia, instaurando uma ditadura no Brasil, Luiz Pessoa escreveu louvores ao golpe.

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As diferenças entre ele e Anastácio Rodrigues eram antigas. Anastácio discordava, por exemplo, de uma atitude tomada pelo professor, no desfile cívico de sete de setembro de 1957, quando Caruaru comemorou o seu Centenário. Naquele ano, foi lançado um concurso para premiar o educandário que fizesse o mais belo desfile. Nomeou-se, inclusive, uma comissão para avaliar os resultados. O industrial Lourinaldo Fontes era um dos membros julgadores. Quando divulgaram o Sagrado Coração (conhecido como Colégio das Freiras) como vencedor, o professor Luiz Pessoa não aceitou a decisão. Acreditava que seu colégio merecia o prêmio. De maneira radical e injustificável, pôs os estudantes do Colégio de Caruaru novamente na rua para desfilar, ante o olhar incrédulo da população, que se perguntava o porquê de tudo aquilo. Na época em que Anastácio estudava no Colégio de Caruaru, como bolsista, o diretor quis que os alunos complementassem a bolsa, alegando prejuízo. Na Fafica, Luiz Pessoa assumiu a direção aumentando as anuidades, haja vista a difícil situação financeira que a instituição enfrentava. Os colegas, então, pressionaram Anastácio para encabeçar um movimento protestando contra o aumento. Em 15 de março de 1964, o Jornal Vanguarda estampou manchete anunciando que a Fafica estava prestes a fechar as portas, por conta de seu estado financeiro deficitário. O diretor Luiz Pessoa fixou anuidades de CR$ 55 mil (cinquenta e cinco mil cruzeiros), taxa considerada muito alta pela maioria dos alunos; mesmo assim, o que era arrecadado não era suficiente para manter a instituição. Em virtude da inexistência de uma solução local, Anastácio Rodrigues, na condição de presidente do DA, convocou uma assembleia geral para debater o problema. Participaram da reunião José Tinoco, presidente da União de Estudantes de Pernambuco (UEP), Luiz Pessoa e muitos alunos. Diante dos debates, formaram-se duas correntes: uns queriam decretar greve geral e imediata, com o fechamento da Escola e pressão sobre os poderes públicos, enquanto outra parte defendia que se tentasse uma solução por meios pacíficos, abrindo um prazo de 60 dias, para que se iniciassem conversações com os governos municipal, estadual e federal. Luiz Pessoa elaborou um demonstrativo das receitas e despesas da ins-

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tituição e Anastácio conseguiu uma audiência com o governador Miguel Arraes, através de Aluísio Falcão, homem da confiança de Arraes. Acompanhado do presidente da UEP e dos colegas Rodolfo Monteiro Filho, Beatilo e Cibele Raposo, chegou ao Palácio do Campo das Princesas, no Recife. Nos corredores, muitos camponeses sentados ao chão. Adentraram o gabinete, que estava lotado. O governador os recebeu. Anastácio entregou-lhe o documento feito por Luiz Pessoa, na tentativa de conseguir recursos para a Fafica. Arraes pôs o documento no bolso, prometeu estudar o assunto quando retornasse do Sul do País e deixou o gabinete. O encontro aconteceu numa quinta-feira, 12 de março de 1964 e foi registrado pela imprensa. Apesar do esforço, os estudantes nunca receberam retorno. Nem tudo estava perdido, porém; atendendo solicitação do deputado Lamartine Távora, o Ministro da Educação autorizou liberação de verba no valor de CR$ 2.100.000.000 (dois milhões e cem mil cruzeiros) para organizar a tesouraria da Fafica, resultado do movimento feito pelos estudantes. A instituição se recuperou e permanece funcionando até os dias atuais, sendo a principal escola superior de formação de professores no Agreste pernambucano. Outro fato inesquecível foi a reação de Luiz Pessoa, ao término da solenidade de instalação da Fafica, com a presença do bispo Dom Paulo Hipólito Libório. Na ocasião, o professor Luiz Pessoa se aproximoude Anastácio, no portão de entrada, e comentou: “Anastácio, mais uma facilidade para Caruaru”. “E acabou se tornando diretor da facilidade, com a morte do padre Zacarias”, ironiza Anastácio. “Eu e Luiz Pessoa não falávamos o mesmo idioma”, conclui. Quando Dom Paulo Libório deixou a Diocese de Caruaru, em 1959, Luiz Pessoa fez um discurso eloquente em sua homenagem. O religioso foi transferido para a cidade de Parnaíba, no Piauí. Antes, porém, disse a Anastácio uma frase que este jamais esqueceu: “Quem quiser ser bom, morra ou se mude”. Dom Paulo sabia que Luiz Pessoa fazia restrições à sua pessoa. Conta Anastácio que o bispo foi uma figura incompreendida pela sociedade caruaruense. Diziam que o seu penico era de ouro. Mas a verdade era outra. Anastácio testemunhou, inclusive, a forma simples como Dom Paulo fazia suas refeições, numa mesa coberta por uma toalha simplória, abaixo da escadaria interna do Palácio Episcopal. Olhando para o jardim, de plantas

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[1] Dom Antônio Soares Costa e Dom Augusto de Carvalho, bispos de Caruaru [2] Anastácio, o ex-governador Cordeiro de Farias e o deputado Tabosa de Almeida, na colação de grau do curso de Direito [3] Padre Zacarias Tavares entre familiares [4] Dom Paulo Libório, primeiro bispo de Caruaru

cultivadas por ele próprio. O mordomo Paizinho, de certa idade e estatura alta, servia ao bispo. A amizade entre Anastácio e Dom Paulo era tamanha que, em 2007, quando o município de Caruaru condecorou Dom Paulo Libório, in memoriam, com o Colar do Sesquicentenário, Anastácio o representou, a pedido de seu sobrinho, Paulo de Tarso Libório. Antes da implantação da Diocese de Caruaru, as paróquias da cidade eram administradas pelo arcebispo de Olinda e Recife, Dom Miguel de Lima Valverde. Ao implantar e assumir a Diocese, na condição de primeiro Bispo, Dom Paulo enfrentou sérios problemas com o clero. A cidade não possuía uma cultura diocesana. Estava acostumada apenas as visitas espo-

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rádicas do arcebispo da capital. O bispo também teve problemas com a Associação Comercial, por causa da Festa do Comércio. Naqueles tempos, os fiéis se ajoelhavam e beijavam o anel do Bispo. Costume que Anastácio mantém até hoje, com Dom Bernardino Marchió. “Aperto a sua mão e beijo o anel”, comenta. Anastácio diz que gostaria que a cidade tivesse conhecido dom Paulo como ele conheceu. “Tabosa de Almeida e Dom Paulo foram dois desbravadores e duas figuras incompreendidas em Caruaru. Dom Paulo foi quem conseguiu com o ex-presidente Juscelino Kubitscheck uma colônia de japoneses para a cidade de Bonito, durante uma reunião da Confederação Nacional dos Bispos, em Natal (RN)”.

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Dom Paulo nasceu na cidade de Picos, no Estado do Piauí, no dia 10 de outubro de 1913. Foi ordenado sacerdote em oito de abril de 1939 e nomeado bispo em 15 de março de 1949. Sua sagração ocorreu em cinco de junho do mesmo ano, na Catedral de Terezina. Passou 10 anos no comando da Diocese de Caruaru, até que, em 21 de novembro de 1959,tomou posse como segundo bispo da cidade de Parnaíba, em seu Estado natal. Voltou a Caruaru, no ano seguinte, para a inauguração da Fafica. Ao reencontrá-lo, Anastácio perguntou como ia a sua Diocese. “Sem problemas”, respondeu-lhe. Ele passou 20 anos no comando da Diocese de Parnaíba, onde faleceu, a 31 de março de 1981. Luiz Pessoa da Silva morreu em 03 de abril de 1985, no Hospital das Clínicas, em São Paulo. Está sepultado no Cemitério Dom Bosco, em Caruaru. Ao deixar a Fafica, Anastácio submeteu-se a mais um vestibular, em 1964, e rumou para a tradicional Faculdade de Direito de Caruaru, hoje AscesUnita. Outra vez, ele iria mergulhar no universo do movimento estudantil. Teria uma experiência amarga e inútil. Chegada a época das eleições para o DA, Anastácio aceitou disputar o cargo de orador. “Entrei, mais uma vez, num túnel escuro”, afirma. Era 1964, ano em que eclodira o golpe militar no Brasil. Formadas as chapas, eleição marcada. Embora considerado por uns como de direita, por ter sido filho de um camisa verde, Anastácio sempre foi um liberal. “Os que assim me tratavam, esqueciam-se de que Dom Helder Câmara e Álvaro Lins vestiram a mesma camisa que pai vestiu”, lembra. “Esta era a nossa resposta. Jamais aceitei regime de exceção, seja de direita, esquerda ou centro. As ditaduras sempre foram e serão maléficas. A minha política sempre foi o bem comum”, avalia. As lideranças estudantis da Faculdade de Direito estavam em plena atividade, quando, certa noite, os integrantes das chapas que concorriam à eleição do DA de Direito foram “convidados” a comparecer à 22ª Circunscrição Militar. Anastácio foi acompanhado pelo professor de Direito Penal, Darley de Lima Ferreira. Ocorre que nenhum candidato à presidência mereceu a confiança do sistema e foram afastados. Para surpresa de todos, Anastácio – que não queria sequer disputar o cargo de orador – é indicado como candidato de “conciliação”. O argumen-

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to do coronel Moss era de que o DA recebia revistas da UNE. Todavia, lamentou o fato de Anastácio estar na chapa dos comunistas. O estudante reagiu, afirmando ao coronel que nenhum deles tinha tendência comunista. Nada adiantou. Anastácio entrou na CSM como candidato a orador e saiu como candidato único à presidência do diretório. O líder estudantil iria organizar mais um DA e com apoio da direção da Faculdade, que cedeu as suas dependências para a instalação da sede. Antes, o DA funcionava numa barraca. Como líder estudantil, passaria também pela União dos Estudantes Secundaristas de Caruaru (UESC), da qual recebeu diploma de Sócio Benemérito. Encerraria sua liderança estudantil no ano de 1965, após exercer vários cargos nas entidades estudantis: presidente, orador, secretário e bibliotecário. Como funcionário do Banco Português, Anastácio se ligou aos problemas da classe. Foi representante eleito e reeleito do Sindicato dos Bancários de Caruaru, junto à Federação. Além de tesoureiro do órgão de classe. No Círculo Operário, foi designado Diretor do Departamento de Assuntos Jurídicos. Como líder estudantil e sindicalista representou estudantes e bancários em vários congressos de âmbito nacional, inclusive o grande congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em fins da década de 1950, na cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro. Sua participação na política estudantil foi registrada pelo juiz Demóstenes Batista Veras, em seu livro de memórias, intitulado Depoimento de um magistrado. Ao destacar o espírito cívico e participativo dos estudantes caruaruenses entre 1950 e 1964, ele citou: “Da UESC (União dos Estudantes Secundários de Caruaru), restaram exemplos como Anastácio Rodrigues, ex-prefeito de Caruaru, Epaminondas Bezerra, líder estudantil, Luiz Gonzaga, ex-vereador de Caruaru, José Carlos Rabelo, político e ex-vereador, orador de mão cheia, Paulo Clemente, brilhante advogado e tantos outros”. Ainda em julho de 1967, quando já era vereador em Caruaru, Anastácio também dividia seu tempo com as atividades de sindicalista. Naquele mês, ele participou, no Rio de Janeiro, da Convenção Nacional dos Bancários. Acompanhado pelo presidente do Sindicato dos Bancários de Caruaru, Gervânio de Oliveira, representou a cidade no evento sindical, sendo eleito, por unanimidade, Presidente da Comissão de Moções.

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[1] Além do movimento estudantil, Anastácio se destacou como líder sindical nos tempos de bancário [2] Turma de formandos da Faculdade de Direito de Caruaru, em 1968. Anastácio colou grau já eleito prefeito [3] Convenção Nacional dos Bancários. Rio de Janeiro, 1967 [4] Aos 40 anos, Anastácio conseguiu diplomar-se advogado [5] Professor Luiz Pessoa da Silva [6] Abraçando o intelectual Austregésilo de Athayde, ex-presidente da Academia Brasileira de Letras

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Em março de 1968, Anastácio iniciava o último ano do curso na Faculdade de Direito de Caruaru. O jornalista e escritor caruaruense Austregésilo de Athayde, então presidente da Academia Brasileira de Letras, pronunciou a palestra “Oração da Sapiência”, na aula inaugural daquele ano. Professores e alunos das escolas superiores de Caruaru, além de grande número de convidados e autoridades, estiveram presentes ao ato. Referindo-se a Caruaru, cidade onde nascera quase por acaso e onde ficou por alguns meses, o escritor afirmou que voltar à sua terra natal, quase 70 anos depois, “é uma emoção a que poucos têm direito”. Acrescentou que, “como Ulisses, depois de longo exílio, eu deveria ajoelhar-me, para beijar a minha terra”. O evento foi marcante para a História da cidade. Anastácio teve oportunidade de conversar com Austregésilo e registrar o encontro em uma imagem que guarda com orgulho até os dias atuais. Após tantas lutas e tantos reveses, viria a bonança. Em 21 de dezembro daquele ano, Anastácio Rodrigues e outros 51 colegas receberiam o diploma de Bacharel em Direito, título concedido pela Faculdade de Direito de Caruaru. A solenidade de formatura e colação de grau aconteceu no pátio da futura Universidade do Agreste, como era chamada a Faculdade naquela época. Toda a área foi tomada por um seleto grupo, que aplaudiu com entusiasmo os oradores e os novos bacharéis e cirurgiões dentistas. A toga usada por Anastácio foi um presente do deputado Tabosa de Almeida. O marechal Cordeiro de Farias, patrono da turma de odontólogos, foi condecorado por Tabosa de Almeida com a comenda da Grã Cruz da Ordem de Mérito da Torre do Tempo. Militar revolucionário, Cordeiro de Farias fora interventor federal do Rio Grande do Sul nomeado por Getúlio Vargas e governador de Pernambuco, eleito em 1954, participando ativamente do golpe militar que, em 1964, depôs o presidente João Goulart. Morreria em 17 de fevereiro de 1981, no Rio de Janeiro. O general Euler Bentes Monteiro, patrono da turma de Direito, fez-se representar pelo Dr. Lincoln Monteiro, diretor do DRH da Sudene. A turma de bacharéis, concluinte daquele ano de 1968, deu ao Nordeste deputados, secretários de Estado, juízes, promotores, assessores jurídicos de empresas privadas, vereadores e um prefeito: o próprio Anastácio, eleito um mês antes da solenidade de conclusão do curso.

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Anastácio Rodrigues iniciou sua trajetória política através do incentivo de seu amigo e padrinho de Crisma, Dr. João Elísio Florêncio, filiando-se ao Partido Democrata Cristão (PDC), cujo diretório funcionava na sede do Círculo Católico de Caruaru. Presidente municipal do PDC, João Elísio

era neto do Capitão João Velho, figura ilustre da Caruaru do passado. Formado em Direito, João Elísio foi um dos diretores do jornal católico A Defesa, onde Anastácio trabalhou. João Elísio foi nomeado prefeito de Caruaru, por um curto período, em 1946. No ano seguinte, elegeu-se vice-prefeito na chapa vitoriosa de Pedro de Souza. Ambos renunciaram antes de concluir o governo, para disputar as eleições de 1951, quando João Elísio foi eleito deputado estadual e Pedro de Souza deputado federal. Em 1959, surgiam as candidaturas para prefeito de Caruaru de João Elísio Florêncio, João Lyra Filho, Lourinaldo Fontes e Francisco Rodrigues Sobrinho – popularmente conhecido como Chico do Leite. Administrava Caruaru, nessa época, o prefeito Sizenando Guilherme de Azevedo, homem que manteve uma vida simplória, apesar de ter ocupado cargos importantes na política. Anastácio manteve sempre com ele bom relacionamento. A campanha de Chico do Leite estava nas ruas. Caruaru jamais tinha visto, até aquela época, tamanha mobilização popular. Chico era o mais novo líder das massas. Moço e inteligente, sabiamente convidou o professor Demóstenes Veras para ser companheiro de chapa. Quando adversários faziam restrições a Chico do Leite, dizendo que era analfabeto, este costumava responder: “sou analfabeto, mas o meu companheiro é um professor de português”. Sua campanha abalava as estruturas palacianas e amedrontava as lideranças locais. Seu principal adversário era o empresário João Lyra Filho, representante da marca de automóveis Mercedes-Benz, em Caruaru, e proprietário da Rodoviária Caruaruense. Sócio do comendador José Victor de Albuquerque, Lyra era homem de poucas letras. Na infância, em Lagoa dos Gatos (PE), em vez de ir para a escola, ia jogar bilhar. Não concluiu sequer o curso primário. No entanto, quando casou com a professora Guiomar da Fonseca Farias Lyra, aprendeu, em casa, a ler e escrever.

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João Soares Lyra Filho foi o segundo filho do casal João Soares Lyra, o Janoca, e Alice de Albuquerque Lyra. Nasceu no dia 12 de março de 1913, na pequena Lagoa dos Gatos, Agreste pernambucano, distante 51 km de Caruaru. Aos 16 anos, começou a trabalhar numa loja, como caixeiro de balcão. Depois, um amigo de infância foi para Caruaru e empregou-se em uma importante loja da cidade. Prometeu-lhe uma vaga, mas quando Lyra chegou o cargo já havia sido preenchido e ele foi trabalhar como mascate, na feira. Seu Lins, proprietário de um armarinho em Caruaru, apresentou o jovem João Lyra Filho a alguns comerciantes, abrindo-lhe crédito no comércio de Pernambuco. Tempos depois, comprou um automóvel e chegou a Lagoa dos Gatos de gravata e colete. Utilizava o automóvel para aluguel. Depois, adquiriu o primeiro caminhão. Não se deu bem. João Lyra Filho casou com dona Guiomar Lyra em 12 de dezembro de 1937. Ele conheceu a professora em Lagoa dos Gatos. O casal teve cinco filhos: Roberto, Fernando, João Neto, Gilberto e Angelice. Durante a Segunda Guerra Mundial, João Lyra trocou uma propriedade, na cidade de Cachoeirinha, por uma bomba de gasolina. O preço do combustível subia e ele ganhou muito dinheiro, pois vendia também álcool e peças de automóvel. Depois de algum tempo, adquiriu um caminhão novo em São Paulo. Trazia peças de lá, todas vendidas na bomba de gasolina. O negócio começou a progredir. A habilidade para fazer amigos e negócios lhe mostrou novos horizontes. O agente da Ford, em São Paulo, de nacionalidade italiana, simpatizou com João Lyra e perguntou se em Caruaru havia agência da marca. “Tem, mas está fechada”, comunicou. Daí por diante, passou a ser representante da Ford, mas sem capital suficiente. Foi quando fez uma sociedade com José Victor de Albuquerque. Cotas iguais: 500 contos para cada. A empresa, intermediária das vendas de automóveis para a região Agreste, funcionava na Praça Juvêncio Mariz (atual Teotônio Vilela), nº 134. A concessão da Ford durou 16 anos, enquanto, ao longo de 11 anos, João Lyra Filho não fez outra coisa, senão dirigir caminhão. Algumas viagens a São Paulo duravam até 25 dias. Às vezes, durante longos trajetos, o comerciante dormia embaixo do caminhão. Muitas vezes, era na estrada que João Lyra recebia a notícia do nascimento de seus filhos.

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Quando comprou a Rodoviária Caruaruense, nos anos 50, trocou a Ford pela Mercedes, ficando como representante da marca por mais de 10 anos. A empresa concessionária da Mercedes-Benz em Caruaru chamava-se Victor, Lyra Comércio S/A, funcionava na Rua São Paulo, nº 2, e era considerada uma das mais belas agências do Brasil. Em 1950, aos 22 anos, sua irmã Maria José Lyra começou a trabalhar a seu lado na concessionária. João Lyra Filho costumava lembrar que, numa daquelas cansativas viagens, não fez a barba durante 26 dias, e, ao chegar em casa, seu filho Roberto Lyra, que tinha 5 ou 6 anos, não o reconheceu. Nem a esposa. E ele precisou lutar para convencê-los. As relações de João Lyra Filho com a política antecedem, porém, a eleição de 1959. No ano de 1945, foi ele um dos patrocinadores do primeiro comício de Luís Carlos Prestes na cidade – sem qualquer intenção de candidatura. No início dos anos 1950, também lutou para eleger um amigo da família. “Guardo na lembrança a figura de seu João elegantemente vestido, tendo a seu lado o jornalista Samuel Soares, parente de Dona Guiomar Lyra, que era candidato a deputado estadual. Ele foi a primeira figura política para quem João Lyra Filho pediu votos em Caruaru, no início dos anos 50”, revela Anastácio. Todavia, seu primeiro contato direto com a política aconteceu um ano antes da campanha que o elegeria prefeito de Caruaru. Em 1958, apesar das divergências entre a classe empresarial de Caruaru, acerca de qual nome apoiar para o Governo do Estado, João Lyra Filho, Armando da Fonte e outros comerciantes resolveram fazer campanha e votar no udenista Cid Sampaio, que combatia o “Código Tributário”, de iniciativa do governador Cordeiro de Farias, cujo candidato foi Jarbas Maranhão (PSD). Neste mesmo pleito, a família Lyra apoiou as candidaturas de Drayton Nejaim para deputado estadual e de Lamartine Távora para deputado federal, este eleito pela legenda do PTB. João Lyra Filho era cidista. A Associação Comercial de Caruaru também se engajou na campanha. Armando da Fonte, que depois foi concessionário no Recife, era o líder empresarial que apoiava Cid. E Drayton, o líder político que comandava a campanha no município. Foi naquela empolgante eleição que Anastácio Rodrigues fez o seu pri-

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meiro discurso político, num pequeno palanque, ao lado da Igreja do bairro São Francisco. Estudante do Colégio de Caruaru, nesse dia o alemão, professor de Inglês, não deu aula. Anastácio e um grupo de colegas foram até a Catedral, na Rua da Matriz, e lá ficaram conversando, quando alguém sugeriu: “Vamos olhar o comício?”. Em seguida, foram de carro até o São Francisco. Chegando lá, um quis empurrar o outro para falar ao público. ‘Vai você!’ ‘Não, vai você!’ Foi aí que Nelson, um dos colegas, tomou dois dedos de cachaça, pegou o microfone e dirigindo-se ao povo, anunciou: “Agora, vai falar o estudante Anastácio”. Foi uma traição. Anastácio certamente estremeceu, mas não recuou. Pegou o microfone e fez um discurso contra o ex-governador Etelvino Lins. Certamente muita gente sorriu e outras pessoas se entusiasmaram quando ouviram aquele rapaz dizer que num museu da Bahia viu de perto a cabeça de Lampião. “E a cara de Lampião era mais bonita que a de Etelvino Lins”. Jamais imaginaram que falava naquele momento o jovem que seria eleito prefeito de Caruaru dez anos depois. Cid Sampaio saiu vitorioso naquelas eleições, inclusive em Caruaru, vencendo por larga margem de votos o candidato do Partido Social Democrático (PSD), cujos líderes em Caruaru eram os Pontes Vieira. “Não era fácil ser comerciante e fazer oposição ao governo, mas nós topamos o desafio”, disse João Lyra Filho, muitos anos depois. Com a vitória esmagadora da UDN, ele teve seu nome cogitado por um grupo de empresários para disputar a eleição de prefeito, no ano seguinte. O grande incentivador de sua candidatura, no entanto, foi o então deputado estadual Drayton Nejaim. Em 1959, com apenas 30 anos, Drayton ocupava o segundo mandato na Assembleia Legislativa de Pernambuco. Ele, junto com Murilo Costa Rego, foram os primeiros deputados a declararem apoio a Cid. Drayton Nejaim lançou a candidatura de João Lyra Filho pela UDN e pela “Coligação Caruaruense”, clube dos ricos de Caruaru, chefiados por José Victor de Albuquerque, adversário do populismo dos Pontes Vieira, descendentes do coronel João Guilherme de Pontes. A Coligação Caruaruense, grupo que reunia a UDN, o PTB e outras agremiações, hoje em dia, poderia ser considerado um grupo de direita, ou uma direita moderna. Foi no campo da direita que a família Lyra iniciou sua trajetória política.

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Antes de ter seu nome homologado, Lyra comentou com aliados não ter condições, em termos culturais, para disputar o cargo. Era um homem de limitada escolaridade, embora possuísse uma bela caligrafia. Para muitos, era “um matuto inteligente”. Consciente de sua escolaridade limitada hesitou o quanto pôde, embora a maioria dos companheiros insistisse na indicação. Entretanto, para ser consagrado como candidato oficial, João Lyra precisaria antes vencer as resistências de Cid Sampaio. Em determinado momento, o comendador José Victor de Albuquerque ensaiou uma candidatura. Aspirante de longas datas, o rico comerciante de café nunca foi conduzido ao comando político e administrativo de Caruaru. Em seu livro, João: um homem sem cansaço, o jornalista Celso Rodrigues diz que, apesar de sua indiscutível fortuna, evaporada após a morte, José Victor não chegou à Prefeitura porque não fez por merecer. “Seu semblante – para quem dele se aproximava – revelava o que friamente funcionava no rei do café: exímio concentrador de rendas e isso numa economia de pulmões já afetados pela agiotagem perniciosa”, escreveu Celso, revelando que o latifundiário era “o terror das viúvas em débitos com o agiota”. Zé Victor era reconhecido pela alcunha de comendador. Foi bastante comentada pela imprensa da época a majestosa viagem que fez à Europa, ocasião em que visitou o Papa, acompanhado pela esposa, dona Grinaura, e uma filha adotiva. O comendador tinha na exportação de café seu próspero negócio. Gabava-se sempre ao dizer que sua caneta só assinava compras de imóveis, nunca vendas. Vivia num belo palacete na Rua da Matriz e sua fidalguia era motivo de comentários elogiosos por onde passava, apesar da arrogância e antipatia. No passado, fora eleito vereador, assumindo a Prefeitura de Caruaru, temporariamente, em 1951, e recebendo críticas por sua defesa do capitalismo. José Victor era alto cotista da Cooperativa Banco Popular de Caruaru, gerida pelo Dr. Clóvis Cursino. Foi este quem levou a João Lyra a notícia da candidatura de seu sócio. Sem merecer, ouviu de Lyra vários palavrões e afirmação de que estava preparado para a disputa. Em conversa a sós, João Lyra afirmou a Zé Victor que a candidatura dele era uma “agressiva e ordinária traição”. A amigos mais próximos, o comendador citara nunca ter ouvido tamanha agressão. Ainda mais de um sócio e compadre.

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Acostumado a artimanhas de bastidores, José Victor recuou do confronto direto, fortalecendo o nome de João Lyra Filho como candidato, de fato, de ponderáveis forças políticas ao governo municipal de Caruaru. Inclusive com o apoio ostensivo do deputado estadual Drayton Nejaim. Mesmo assim, interesses escusos de pessoas e grupos que cercavam José Victor se assanharam com a vertiginosa ascensão política de João Lyra Filho e apelaram, através da intriga, para o confronto entre os dois sócios, conforme narrou Celso Rodrigues. O governador Cid Sampaio, a essa altura, continuava afirmando não ter candidato em Caruaru. João Lyra Filho não o sensibilizava. A articulação ia de encontro aos interesses do governador, que tentou impedir sua consolidação. Cid precisou, então, deslocar-se até a cidade para conciliar as forças que o levaram ao poder e estavam agora divididas. Primeiro, era preciso derrotar os adversários de dentro de casa, para em seguida vencer Chico do Leite. Além de João Lyra, até então um virtual candidato, estavam igualmente na disputa João Elísio Florêncio (pela voz de Anastácio Rodrigues) e Lourinaldo Fontes, popular apenas em Gonçalves Ferreira. O governador manda, então, uma recomendação ao jornalista Celso Rodrigues, um dos responsáveis pela preparação do primeiro grande comício em Caruaru. O evento deveria acontecer no domingo à noite, sem faixas alusivas a João Lyra, prefeito e Ruy Rosal, vice – os nomes haviam sido decididos numa reunião interna do grupo. O slogan era “Cid no governo, João e Ruy na Prefeitura”. Às 14h daquele domingo, uma enorme caravana foi esperar o governador em Encruzilhada de São João. Era ali que se recepcionavam os figurões vindos do Recife. Uma multidão já estava no local quando Ruy Rosal pergunta a Celso Rodrigues: – É feio ‘mijá’ aqui? – Não. O problema é que o governador observava a cena e não acreditou no que viu. Após descer do automóvel, espantado, arregalou os olhos. “Isto é um desrespeito a mim e a todos que estão aqui”, reclamou Cid. Nunca lhe foi tão fácil vetar ostensivamente um candidato de seu partido e correligionário

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de tantos anos. Morria, ali, uma candidatura reivindicada pela juventude da UDN que admirava a inteligência e talento do professor e ator Ruy Rosal. Chegando a Caruaru, os primeiros contatos aconteceram na casa do bancário Pergentino Holanda dos Santos Filho, no Rosário Velho. – Chegaremos ao consenso, disse o governador. – Com João Lyra Filho, impôs o sempre informal Drayton Nejaim. – Ah, assim não. Aqui estou pra conversar com Ferraz, João Elísio, José Victor de Albuquerque e Lourinaldo Fontes. João Lyra não era, evidentemente, o preferido do governador. Sua escolha foi quase imposição dos acontecimentos. Da casa do bancário, Cid partiu para um diálogo com Lourinaldo Fontes, em seu escritório, na Praça José de Vasconcelos. O governador estava tenso. Professor em inabilidade, Lourinaldo Fontes reagiu às primeiras palavras de Cid Sampaio acusando-o de ter ido a Caruaru favorecer João Lyra. Contrariado, ele respondeu: “Agora, sim, ele é o meu candidato. Ele e João Elísio Florêncio. Acompanhe-me, se for meu amigo”. Frases que repetiria no comício da noite, na Rua da Matriz, após discursos de Lourival Vilanova e João Monteiro. A verdade é que, ao contrário do esperado, o posicionamento anterior de Cid Sampaio gerou uma onda de solidariedade a João Lyra, viabilizando uma campanha que, de início, parecia improvável. O governador se viu, então, obrigado a aceitar a candidatura. A resistência inicial, por parte de Cid, ocorreu ao mesmo tempo em relação à candidatura de Miguel Arraes à Prefeitura do Recife, naquele ano. Depois que João Lyra Filho teve seu nome respaldado pelo governador, João Elísio Florêncio foi convidado para a vaga de vice-prefeito. Seria a chapa JJ. Mas o líder católico relutou, passando a indicar o nome de Anastácio Rodrigues. Dizia ao governador Cid Sampaio: “Ele é jovem, fala bem”. Não resistiu, porém, aos apelos do governador e aceitou a dobradinha com João Lyra. O comício aconteceu em frente à Catedral da Matriz, que seria destruída em 1964. Palanque armado, povo na rua. O governador Cid Sampaio anuncia os nomes dos seus candidatos: João Lyra Filho para prefeito e para vice João Elísio, a quem ele chamou João ‘Ilísio’, pegando-o pelo braço e apresentan-

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do-o aos que estavam na praça. “Pela unidade das forças que me apoiam e por Caruaru e Pernambuco, eu recomendo João Lyra e João Elísio Florêncio. São os meus candidatos”, enfatizou. A faixa, posta na manhã daquele domingo, com o slogan “Cid no governo, João e Ruy na Prefeitura” foi logo retirada. No palanque, o sargento Ferraz (presidente municipal do PTB). Distantes, Armando da Fonte (Presidente da Associação Comercial) e José Victor de Albuquerque. E logo se aproximando dos escolhidos, uma velha raposa da política caruaruense: Salvador Sobrinho. Todos observavam o ato. Estava formada a chapa dos homens que iriam enfrentar Chico do Leite, do PST. Cabia a João Lyra sair do círculo fechado da cúpula para conversar com o povo que estava, em sua maioria, com o popular Chico, apoiado eleitoral e financeiramente pelo PSD, grande inimigo de Cid Sampaio. Era questão de honra, para o governador, vencer mais uma vez o histórico partido de Agamenon Magalhães e Etelvino Lins, no principal centro político e econômico do interior de Pernambuco. Assim, confirmaria a sua liderança. O PSD em Pernambuco era um partido dos proprietários rurais, os chamados coronéis, agregando, em geral, pessoas de largo poder econômico ou pequenos proprietários que, no exercício das prefeituras ou na direção das cooperativas, haviam alcançado influência à sombra do poder estatal. Em Caruaru, o partido era liderado pelo engenheiro Gercino Malagueta de Pontes (filho do coronel João Guilherme de Pontes, morto em 1944), o seu sobrinho Irineu de Pontes Vieira e o tabelião Manoel Affonso Porto Filho, o Neco Affonso. O PSD tomou parte da maioria das eleições realizadas no Brasil, entre 1945 e 1965, quando foi extinto pelo Ato Institucional Dois – edição governamental que pôs fim ao pluripartidarismo no Brasil, durante a ditadura militar. Certa vez, numa simples brincadeira, no Café Rio Branco, em Caruaru, Luís da Onça, irmão de Dandão – duas figuras populares da cidade –, subiu num tamborete e lançou a candidatura de Chico do Leite a prefeito. Foi como um rastilho de pólvora, e, de um dia para o outro, a cidade se movimentou e passou a ferver como se fosse um carnaval. Modesto vereador, homem simples, vindo da plebe, semianalfabeto, mas de uma inteligência rara e de

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memória prodigiosa, Chico do Leite logo caiu nas graças do povão. Como exercia forte liderança no meio estudantil, professor jovem, o juiz Demóstenes Veras foi convidado para entrar como candidato a vice-prefeito, dando um colorido intelectual à campanha de Chico. Os comícios se iniciaram e foram se avolumando de tal forma que a imprensa do Estado se voltou toda para Caruaru. Com apoio do PSD, os comícios de Chico eram extraordinários. Enquanto ele reunia cerca de cinco mil pessoas, os comícios de João Lyra não iam muito além de mil, deixando-o preocupado. Anastácio Rodrigues recorda que naquela eleição estava certo dia na casa de seu padrinho, João Elísio Florêncio, na Rua Vigário Freire, quando viu passar uma grandiosa multidão seguindo Chico do Leite. “Não sei de onde saiu tanta gente! Gente humilde”, cita. A inexperiência fazia de João Lyra Filho um nome posto em dúvida, sob o ponto de vista eleitoral. Em seu primeiro comício, Lyra discursou lendo um texto escrito pelo jornalista Celso Rodrigues. O resultado foi um verdadeiro fiasco e os adversários saboreavam o fracasso da cena. A campanha de Chico do Leite assumiu tamanha proporção que o governador Cid Sampaio, pressionado pelas elites econômicas de Caruaru, passou a atuar diretamente em favor da candidatura de João Lyra Filho. “Nosso eleitorado era o povo, o povo contra o poder econômico e contra as falsas elites, inclusive os comunistas de Caruaru que sempre, aliás, aqui, votaram ao lado dos endinheirados”, recordaria Demóstenes Veras, muitos anos depois. Em 1959, a campanha de João Lyra Filho repetia, em Caruaru, a mesma Frente do Recife, que, naquele ano, elegeria como prefeito da capital Miguel Arraes de Alencar. As duas candidaturas contavam com apoio do governador Cid Sampaio. “A força dele como orador era uma coisa extraordinária”, recordaria, muitos anos depois, Fernando Lyra. Arraes e João Lyra foram candidatos apoiados pelo mesmo leque partidário, inclusive com apoio do clandestino partido comunista. Em Caruaru, um dos representantes da legenda era o jornalista Aluízio Falcão, um dos principais locutores da campanha de João Lyra Filho. No calor da memorável campanha, João Elísio lança a candidatura de Anastácio a vereador, pelo Partido Social Progressista (PSP). Aos 31 anos,

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apesar da liderança no movimento estudantil, Anastácio não tinha qualquer experiência em campanha política. João Elísio passou a mobilizar os amigos. Dona Zina, sua esposa, dedicava-se com total empenho à candidatura de Anastácio. O reduto eleitoral de João Elísio Florêncio era o terceiro distrito de Caruaru, especialmente as localidades de Serra Velha e Malhada de Pedras. Ele comprou uma caminhonete creme, da marca Studebaker e confiou a seu sobrinho. Naqueles tempos, dava-se almoço ao eleitor, entregava-lhe a chapinha e levava-o para votar. Foi exatamente isso que ele fez. Mas o dia da eleição não deixaria de ser amargo. Pelo menos em parte. Por volta do meio-dia da data do pleito, dois de agosto de 1959, Antônio Fortunato de Menezes e Joao Epifânio de Oliveira, amigos de João Elísio, levaram a seu conhecimento que a eleição de Anastácio estava perdida, porque o seu sobrinho o havia traído. As chapinhas de Anastácio foram substituídas pelas do vereador Salvador Sobrinho (PR) – que o subornara. Com apenas 391 votos, Anastácio perdia a eleição, mesmo sendo mais votado que os eleitos Aristides Veras e Abel da Farmácia. Salvador Sobrinho foi eleito com 553 votos. Anastácio havia concorrido com cobrões, numa legenda forte. Entretanto, comemorou a eleição de seu primo carnal, Celso Rodrigues, candidato pela UDN, que garantiu um assento na Câmara Municipal, com 476 votos. Apesar da derrota de Anastácio, João Lyra Filho e João Elísio Florêncio foram eleitos para administrar Caruaru no período de 1960 a 1963. O que os teria feito virar o jogo durante a dificílima campanha? “Nos meus comícios, as pessoas eram alfabetizadas e eleitoras. Os analfabetos não votavam. E os de lá não eram eleitores. Votaram quase dezesseis mil eleitores e eu obtive uma vantagem de 1.904 votos”, comentou João Lyra ao autor de sua biografia. Pequeno engano de Lyra, pois a diferença foi de 1.906 votos. Eleito pela coligação UDN e PSP, João Lyra Filho obteve 8.257 votos, contra 6.351 dados a Chico do Leite. Segundo dados do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco, a eleição de 1959 em Caruaru registrou ainda 350 votos em branco e 229 nulos. Até então, o eleitorado municipal somava 18.208 votantes, mas somente 15.187 compareceram às urnas – o percentual de abstenção foi de 16,59%.

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Também disputaram o cargo de vice-prefeito na eleição de 1959 o juiz Demóstenes Veras (PST) e o ex-prefeito Abel Menezes (PR), que ficou na última colocação. Demóstenes Veras comentou, em seu livro de memórias, as particularidades do pleito. “Nesse tempo, o analfabeto, maioria da população, não votava, e o Dr. Lira e César, juiz eleitoral, seguindo a lei, acolitado pelo promotor de justiça, Dr. Júlio Braga, exigia que o candidato a eleitor, para ter deferido o seu pedido de registro, lesse, em sua presença, trechos da Bíblia. Só a elite se inscreveu”. Segundo Veras, o medo de represálias também intimidava o povo. “Na cidade, o cerco se fechou contra nós, as repartições públicas não nos atendiam, o comércio, com medo do fisco, ficava escondido, e quem tinha algo a perder, se retraía, temeroso de represálias do governo e do poderio econômico local. Até as bandas musicais de Caruaru, a Nova Euterpe e a Comercial, sob oferta de boa remuneração, não aceitavam participar de nossos eventos, o que obrigava Dandão, irmão de Luís da Onça, a trazer de Belo Jardim, onde era servidor da Receita Estadual, o conjunto musical do conhecido Mestre Ulisses”, narrou. Na disputa contra as elites econômicas, Chico do Leite também enfrentava a escassez de recursos. “Dinheiro para a campanha não existia, pois, se Chico do Leite era liso, eu era pior, vez que o que ganhávamos mal dava para a feira. Entretanto, ajuda financeira não foi problema: o povo é que se cotizava e pagava tudo, ‘correndo o chapéu’ entre os admiradores e simpatizantes. Nunca vi coisa semelhante em canto nenhum. Era um fenômeno popular cuja interpretação ainda não se faz devidamente”, pontuou o juiz. No dia da eleição, Chico do Leite desapareceu e só foi visto no dia seguinte, nada explicando sobre o sumiço. Nem ao menos a seu companheiro de chapa fez qualquer comentário. Demóstenes, também, nada perguntou. “Existem numerosas versões sobre o comportamento de Chico e entre elas não acredito que tenha recebido um cheque em branco, do grupo Lyra, como também não creio que ele se tenha intimidado com as ameaças do sargento Ferraz, cabo eleitoral e componente da Coligação Caruaruense, célebre pela sua valentia e bravatas”, registrou Demóstenes. A verdade é que, se a legislação eleitoral permitisse, na época, o voto do analfabeto, teria sido grande a derrota de João Lyra Filho. Todavia, é im-

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portante ressaltar que o eleitorado de João Lyra ansiava por uma renovação na forma de administração política na cidade. Seu antecessor, Sizenando Guilherme de Azevedo, ainda governava com soluções à antiga, resquícios da oligarquia João Guilherme de Pontes. A população, pelo menos a mais esclarecida, queria mudar. E Lyra representava essa mudança. Sempre que relembrava aquela campanha, um orgulhoso João Lyra Filho costumava citar que quebrou vários tabus ao ser eleito prefeito de Caruaru. O empresário – que chegou a ser vendedor de gravatas no Mercado de São José, em Recife – iria se revelar um bom gestor, além de político com uma característica essencial: a de revelar novos e importantes quadros para a política caruaruense. João Lyra Filho tomou posse em 16 de dezembro de 1959. O novo prefeito começava a compor os auxiliares de seu governo quando Anastácio Rodrigues foi indicado, pelo vice-prefeito, para sucedê-lo na Diretoria de Educação e Cultura. O prefeito eleito, acompanhado de Jório Valença, fez o convite. Anastácio estava no Banco Português quando recebeu a proposta. Ficou muito satisfeito e disse que a decisão dependeria da gerência. Ele trabalhava dois turnos e conseguiu a liberação. “Isso eu devo a Rildo Assunção, meu gerente. Eu dava expediente na Diretoria e meio-dia e meia eu entrava no banco, pontualmente”, recorda. Coincidentemente, quatro ex-alunos do histórico Grupo Escolar Joaquim Nabuco eram convocados para trabalhar no governo João Lyra Filho: Anastácio Rodrigues, Jório Valença, Fernando Florêncio e João Miranda. Ao assumir o cargo, Anastácio já acenou com a postura que seria adotada nos muitos postos que ocuparia. “Peço aos meus amigos que não interfiram e nem façam pedidos políticos, para não atrapalharem a boa marcha de nossa administração”, disse, perante o prefeito João Lyra, o vice João Elísio e figuras como o comendador José Victor de Albuquerque. “Já mostrei quem era, não enganei ninguém”, argumenta Anastácio. Começou ali a vivenciar os casos que enriqueceriam o folclore em seu entorno. Administrar a Diretoria de Educação e Cultura, sucedendo João Elísio (que fora nomeado pelo prefeito Sizenando Guilherme para o cargo, na gestão anterior), não foi nada fácil para Anastácio, até então um simples estudante da Academia de Comércio de Caruaru. Afinal de contas, ele iria ad-

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ministrar a educação do município, lidando com a categoria dos professores. À frente da pasta, o jovem diretor passou a implantar um novo sistema de trabalho, dentro da filosofia da gestão João Lyra – que era a de revolucionar Caruaru. O fato incomodou a alguns colegas da equipe de governo. Surgiram muitas críticas. “Quase me derrubaram”, revela Anastácio. Ele chegou, inclusive, a entregar o cargo ao prefeito João Lyra Filho, que negou a solicitação de exoneração. O pedido de renúncia foi noticiado pela imprensa em 1960. João Lyra recebeu Anastácio em seu gabinete e conversaram durante longo tempo. Declarou estar satisfeito com a sua atuação e não aceitou a renúncia, solidificando a posição de Anastácio. “Quando entreguei a carta com pedido de renúncia, seu João me perguntou se as críticas haviam partido dele. Respondi que não e ele me disse que não havia motivo, então, para entregar o cargo”, lembra. Anastácio sabia que confiança é algo que se conquista. E ele havia conquistado a confiança do prefeito. “Ele me deixou à vontade. Administrei com autonomia”, cita. Anos depois, João Lyra reconheceria ter acertado na decisão de mantê-lo no cargo, pois, mesmo inexperiente no serviço público, Anastácio se revelaria um gestor dinâmico e comprometido com as causas populares. Premido pelas circunstâncias, o espírito de gestor público de Anastácio começou a se revelar. E ele teve a sorte de contar com uma equipe de funcionárias da melhor estirpe, entre elas a professora Ciomar Leandro, Maria Ester Bezerra, Cesônia Porto, Eunice Tabosa e Maria de Lourdes, além de Creusa Andrade e Almeir Florêncio, inspetoras. Uma das primeiras metas foi o aperfeiçoamento do professorado, que participou de cursos de Nutrição, Cooperativismo, Educação Física, Psicologia do Adolescente e Áudio-visual, além de estágios, semana de estudos, palestras e conferências. Em parceria com a União dos Estudantes de Caruaru (UESC), a Diretoria instalou, em março de 1961, a Cooperativa Cultural de Caruaru, que comercializava livros com grandes descontos para a classe estudantil. Funcionava no salão do Centro Cultural Católico, na Avenida Rio Branco. Outro marco importante foram os grandes desfiles cívicos de Sete de Setembro, em comemoração à da Semana da Pátria, com cerimônias cívico-

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-religiosas. Os desfiles envolviam todos os educandários da cidade. O diretor Anastácio também iniciou um combate às escolas isoladas, aliado à campanha de erradicação do analfabetismo. Criou as Escolas Reunidas do Convento, Pedro de Souza, Círculo Operário e Dom Paulo Hipólito. Quando assumiu a Diretoria, o total de alunos da rede municipal era de 3.459. Ao concluir a gestão, em 1963, o quantitativo era de 4.905 – número considerável para a população caruaruense da época. Outro avanço importante foi a implantação da Cooperativa Escolar, para a venda de material abaixo do custo ou doação ao estudante carente. A Diretoria de Educação também inaugurou uma Escola de Alfabetização na cadeia pública e outra no bairro Centenário, para as mulheres que viviam na zona de meretrício. As nomeações para o cargo de professora não obedeciam a critérios políticos, mas de competência. Foi nesse período que Anastácio viu brotar o seu interesse pela valorização da cultura local e pela preservação da História do município. A Biblioteca Municipal foi totalmente reformada. Quando assumiu o cargo, contava com pequeno acervo de livros, além de estrutura ineficiente e desorganizada. O fichário estava obsoleto e a organização interna sem orientação. Anastácio fechou a biblioteca por um período, e enviou a professora Maria da Glória Lima para participar de um curso de Biblioteconomia na Universidade do Recife. Na oportunidade, Abdias Lé, comunista que durante anos manteve na cidade uma banca de jogo do bicho, foi até o prefeito João Lyra Filho denunciar o Diretor, dizendo que a biblioteca fora fechada porque era frequentada pelos comunistas. Anastácio garante que nunca fechou a biblioteca aos comunistas. E até questiona os que se diziam comunistas na cidade. “Abdias fez fofoca junto a João Lyra. Nós reabrimos a biblioteca. Respondemos com trabalho. Ele nunca foi comunista. Eu não conheço em Caruaru um comunista. Só tomadores de uísque”, confessa. Maria da Glória assumiu, em seguida, o comando da Biblioteca Municipal, reativada em 1961, em novas instalações, com estrutura moderna, na Rua Vigário Freire, no centro da cidade. Quando Anastácio chegou à Diretoria, o acervo era modesto, 775 volumes, ficando com 3.498 obras, entre coleções e avulsos. O então vereador Edgar Bezerra dos Santos apresentou voto de aplauso na Câmara Municipal, pela iniciativa de Anastácio Ro-

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drigues ao reabrir “em ótimas condições” a Biblioteca Municipal. O jornal A Defesa publicou o requerimento, alegando que apenas o vereador Aristides Veras teria votado contra, mas este, imediatamente, enviou nota esclarecendo que fora o segundo a subscrever o requerimento, sendo, portanto favorável ao voto. Alegou ainda reconhecer em Anastácio “vasta capacidade e eficiência”. O registro de leitores cresceu de forma animadora, após a reabertura da Biblioteca. Em agosto de 1961, o balanço mensal apresentou um total de 685 obras consultadas. Em outubro, cresceu para 1.003. Um mês antes, o Círculo Católico de Caruaru comunicara a Anastácio voto de aplauso pela atuação naquela Diretoria. Em 1º de maio do ano seguinte, lhe concedeu diploma de sócio benemérito. Ainda em 1961, Anastácio representou Caruaru no Congresso Internacional de Rearmamento Moral, no Rio de Janeiro. Voltou esperançoso com a notícia de um convênio feito com o Dr. Anísio Teixeira, diretor do Instituto Nacional do Ensino Primário (INEP). No encontro, pediu ao Ministro da Educação, o baiano Antônio Ferreira de Oliveira Brito, recursos para ampliação do Grupo Escolar Professora Sinhazinha e a construção de uma nova unidade escolar, orientada para o trabalho. O projeto da escola técnica não vingou. Mas teria sido fundamental para o progresso da cidade naquela época. Aos domingos, com a equipe de trabalho, o diretor Anastácio participava de reuniões em comunidades da zona rural, com importantes trabalhos de ação comunitária. Esse, aliás, é um ponto que merece destaque: a atenção que a Prefeitura de Caruaru, através da Diretoria de Educação e Cultura, naquela gestão, deu ao homem do campo, com a instalação de várias escolas. Nesse sentido, Anastácio contou com a força de um importante aliado: Frei Tito de Piegaio. O religioso italiano dedicou mais de 25 anos de sua vida ao desenvolvimento rural de Caruaru. Juntaram-se as boas intenções de Frei Tito às de Anastácio e o camponês foi o maior beneficiado. Com uma longa história ligada às comunidades carentes de Caruaru, Frei Tito chegou ao Brasil na década de 50, em uma comitiva que incluía 11 frades, dentre os quais o lendário Frei Damião. Em março de 1958, assumiu a administração da construção do Convento dos Capuchinhos de Caruaru,

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do qual fora diretor, numa área doada pelo senhor Luiz, pai de um dos goleiros do Santa Cruz, Luiz Neto. Comprometido com o social, o franciscano, em mutirão com o povo da zona rural, ainda hoje é lembrado pela construção de capelas, barragens, estradas, postos de saúde e escolas. Através de parcerias, Frei Tito contribuiu decisivamente para a eletrificação rural de Lagoa de Pedra, Serrote dos Bois, Jiquiri, Japecanga, Lajedo do Cedro, Firmeza, Baixio, Xique-Xique, Maribondo, Medeiros e Xicuru. Na zona urbana de Caruaru, atuando na área da educação, Frei Tito foi administrador do extinto Abrigo de Menores Dom Bosco, contribuindo para a formação de centenas de jovens em situação de risco. A Escola Reunida do Convento idealizada, construída e mantida pelo franciscano, hoje é a Escola Dom Vital. No mês de dezembro de 1982, Frei Tito foi convocado pela sua Ordem Religiosa para voltar à Itália e deixou escrito no livro de tombo da paróquia: “A vocês, homens e mulheres do interior, da paróquia e do município, velhos, jovens e crianças, as minhas desculpas se não fiz o que vocês esperavam e precisavam”. Aposentado, ele viveu seus últimos anos de vida no Convento Del Frades Capucino, no Monte San Quirino, na cidade de Lucca, interior da Itália. Faleceu no dia 17 de julho de 2006, aos 86 anos. No início do governo João Lyra Filho, Frei Tito comemorava o fato de que, na área próxima ao Convento, em apenas duas escolas, houve um acréscimo de 1.500 matrículas, no ano de 1960. Na Escola Reunida do Convento, por exemplo, a Prefeitura mantinha 10 professoras. No campo, a Barra de Taquara foi pioneira na construção de uma unidade escolar, com a participação da comunidade, fruto das reuniões que Anastácio promovia na zona rural. Em março de 1963, era inaugurada outra escola em Xique-Xique. Frei Tito levantava o prédio e a Prefeitura fornecia equipamento escolar e nomeava as professoras. Era assim que funcionava a parceria. O compromisso de Anastácio era sempre destacado. Foi ele quem implantou quadros verdes nas escolas da rede municipal. Até então, os quadros eram negros e de madeira, em cavaletes. “Nenhuma unidade escolar do município tinha quadros nas paredes. Implantamos o quadro verde de canto a canto da sala, em todas elas”, ressalta.

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ANASTÁCIO O ETERNO PREFEITO [1] No gabinete da Diretoria de Educação e Cultura [2] O prefeito João Lyra cumprimenta o deputado Drayton Nejaim [3] Visita a comunidade rural de Caruaru [4] Entrevistado pelo padre Zacarias Tavares para o Jornal A Defesa [5] Como diretor, Anastácio deu atenção especial ao homem do campo

[6] Anastácio discursa em sua posse no cargo de diretor de Educação [7] Participando de inauguração [8] O prefeito João Lyra não aceitou exoneração do secretário Anastácio [9] Prestigiando ações das escolas municipais [10] Anastácio recebeu do prefeito João Lyra autonomia para exercer sua função

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O POLÍTICO DESPONTA [1] João Lyra e Anastácio em palanque do desfile cívico de Sete de Setembro [2] Lançamento do livro As Construções, do poeta Lycio Neves (ao telefone) [3] A tradicional Livraria Brasil, que funcionou no Beco da Estudantil [4] Frei Tito de Piegaio que muito ajudou Anastácio [5] A imprensa elegeu Anastácio o melhor secretário do governo João Lyra Filho

[6] Cid Sampaio discursando no comício que lançou a chapa João Lyra e João Elísio [7] Sede da Diretoria de Educação e Cultura, na Avenida Rio Branco [8] O Festival de Cinema Francês promovido por Anastácio fez sucesso em Caruaru [9] Lourival Vila Nova, secretário de Educação do governador Cid Sampaio [10] Anastácio promoveu um movimento de cultura popular em Caruaru

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Poucas eram as escolas do município no início dos anos 60. Além disso, Anastácio precisou intervir para corrigir um grave problema. O Estado nomeava professoras e as localizava nas escolas municipais, obrigando o município a alugar imóveis sem qualquer condição pedagógica e gerando conflitos. Anastácio enviou, então, ofício ao Secretário Estadual de Educação, Lourival Vilanova, informando que não havia convênio entre o município e o Estado nesse sentido e acabando com a prática equivocada. Anastácio ficava profundamente irritado com Marina, uma inspetora do Estado, que mais parecia ter status de secretária e atendia a muitos pedidos políticos. Casava e batizava. Parecia ignorá-lo. A inspetora chegou a Caruaru, num dia de sábado, e foi direto ao Grupo Escolar José Leão, próximo ao Monte, para transformar a área de lazer da escola em uma sala de aula. Os deputados pediam nomeações e ela localizava as professoras nas melhores escolas, enquanto as professoras do município permaneciam em unidades precárias. Foi aí que Anastácio decidiu enviar ofício ao Secretário de Educação para que o Estado não mais lotasse suas professoras nas escolas do município. “Comigo mudou. Lourival Vilanova alugou um imóvel em frente ao INSS, na Avenida Rui Barbosa, e criou a Escola Reunida Barão de Rio Branco para as professoras do Estado”, recorda. Anastácio conta que lutou para levantar o moral das professoras do município, que ganhavam menos que as do Estado, mesmo tendo a mesma formação. Outra ação pensada pelo Diretor de Educação foi a capacitação das professoras sobre temas relacionados à saúde e primeiros socorros. Anastácio firmou uma parceria com o Hospital São Sebastião, em Caruaru, para que as professoras fizessem uma espécie de “residência médica”, aprendendo noções básicas para dar assistência aos alunos. “Foi ideia minha. Eu sempre acreditei na medicina preventiva”, argumenta. Tal como o governo Miguel Arraes de Alencar, no Recife, Anastácio firmou convênio com a Campanha Nacional de Merenda Escolar, garantindo a distribuição nas escolas da cidade e da zona rural de Caruaru, onde o diretor multiplicou as unidades escolares. Mais de 10 escolas foram criadas, naquele período, nos distritos do município. A atenção para com o ensino primário na rede municipal também foi um dos méritos do governo.

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Em parceria com o Instituto Pernambucano de Estudos Pedagógicos, Caruaru sediou, em maio de 1962, o grande Encontro de Educação Primária. O ex-governador de Pernambuco, João Lyra Neto, explica que a maioria das escolas existentes na zona rural de Caruaru foram construídas na administração de seu pai, João Lyra Filho, através da atuação de Anastácio Rodrigues. “Anastácio fez um excelente trabalho. Foi um secretário de Educação muito exitoso, que promoveu a reestruturação da educação municipal no governo João Lyra Filho”, enfatiza. Anastácio Rodrigues também foi responsável por um movimento de cultura popular na cidade de Caruaru. Inspirado no Movimento de Cultura Popular (MCP) que Arraes desenvolvia na Prefeitura do Recife, Anastácio promoveu Feira de Livros, Festival de Teatro, exposições de pinturas e de fotografias, apresentação de filmes culturais e educativos, e a Semana da Criança. Resgatou as retretas, aos domingos, no antigo Jardim Siqueira Campos, do lado direito da antiga Catedral de Nossa Senhora das Dores. As bandas musicais Nova Euterpe, Comercial e do Abrigo de Menores Dom Bosco recebiam incentivos financeiros para tocarem. Promoveu exibição de peças teatrais, nos bairros da cidade, a exemplo do Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, pelo Teatro de Amadores de Caruaru, com figuras como Lídio Cavalcante e Argemiro Pascoal no elenco; exposições de anônimos e profissionais e tardes de autógrafo. Em fevereiro de 1963, por exemplo, a Diretoria apoiou o lançamento do livro As construções de Lycio Neves, impresso pela editora Brasil. “Eu levava a Cultura ao povo”, define Anastácio. Outro grande evento cultural foi o Festival de Teatro de Estudantes Universitários do Nordeste, em parceria com o Teatro Universitário de Pernambuco. Aluísio Falcão e Abelardo Rodrigues, do Departamento de Documentação e Cultura do Recife promoviam o intercâmbio entre a cidade e a capital. A primeira Feira de Livros realizada na cidade foi promovida por Anastácio Rodrigues, em 1960. O evento aconteceu na Rua da Matriz e durou uma semana. Naquele tempo, a Prefeitura funcionava no atual Palácio Episcopal, ao lado da Catedral, cujo templo original ainda não havia sido demolido. Diversas livrarias montaram suas barracas em frente à Catedral e à própria Prefeitura. A Bandinha do extinto Abrigo de Menores Dom Bosco ga-

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rantiu animação à Feira de Livros. “A Feira aconteceu durante uma semana, todas as noites. A editora Jackson vendeu coleções. Galvão Cavalcanti, proprietário da Livraria Estudantil, participou como livreiro. Foi um sucesso”, recorda Anastácio. Também alcançou grande repercussão o Festival de Cinema Francês, que aconteceu de 13 a 20 de janeiro de 1962, no Centro Cultural Católico, exibindo filmes como “Hiroshima, meu amor”. O crítico recifense André Gustavo Carneiro Leão pronunciou palestra na abertura. O Festival foi um sucesso, atraindo numeroso público e a atenção da mídia. Aos 15 anos, o jovem João Lyra Neto foi um dos participantes do evento e nunca esqueceu a programação e a repercussão causada pelo Festival. No gabinete do diretor de Educação e Cultura havia sempre peças de barro que Anastácio adquiria diretamente ao Mestre Vitalino. O artesão, nos dias de feira, saía do Alto do Moura até a cidade, para comercializar seus bonecos e sempre deixava alguns na sala de Anastácio, na Avenida Rio Branco. “Pronto, dotô. Tá aqui”. O diretor costumava comprá-los para presentear autoridades e visitantes. Hoje em dia, Anastácio lamenta o fato de não ter em sua casa uma peça sequer de Vitalino.

Uma nova eleição agitou o Estado de Pernambuco, naquele ano de 1962. Disputaram o cargo de governador o então prefeito do Recife Miguel Arraes, apoiado pela Frente do Recife (composta por dissidentes da UDN); João Cleofas, candidato da UDN com apoio do governador Cid Sampaio; além do usineiro Armando Monteiro Filho, lançado pelo PSD. A história da eleição de 1962 começou a ser traçada, na verdade, em 1957, com as classes empresariais se revoltando contra a política fiscal desenvolvida pelo governador Cordeiro de Farias. Naquele período, detendo o domínio do PSD, esses empresários formaram uma aliança, considerada inusitada, com setores operários, o que deu origem à chamada Frente do Recife. Esta mesma frente apoiou, em 1958, Cid Sampaio como candidato a governador. Com a aprovação do novo Código Tributário estadual, em 1957, até mesmo o empresariado pernambucano rompeu com o governo Cordeiro de Farias,

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promovendo, no dia 9 de novembro, um lockout generalizado, que paralisou desde as grandes indústrias até as bancas de jornais, e recebeu apoio popular. Na ocasião, um manifesto assinado pela maioria dos dirigentes sindicais de Recife hipotecou “irrestrita solidariedade à greve do comércio […] com o apoio da indústria e à luta que vêm empreendendo contra o regime do escorcho fiscal que se pretende implantar no estado de Pernambuco”. Esse movimento, apoiado pela Frente de Recife, reforçou a liderança do usineiro Cid Sampaio, que, em outubro de 1958, elegeu-se sucessor de Cordeiro de Farias. Dois anos depois, em 1960, os brasileiros foram às urnas para eleger seu novo presidente. Aquela foi a última eleição antes do golpe militar que instaurou a ditadura no país. Disputaram o cargo o marechal Henrique Teixeira Lott – ex-ministro que havia se notabilizado por garantir a posse do ex-presidente Juscelino Kubitscheck, cinco anos antes –; Adhemar de Barros, então prefeito de São Paulo e o populista Jânio Quadros. Nesse período, houve um racha entre o prefeito Miguel Arraes e o governador Cid Sampaio, de modo que Arraes apoiou o marechal Lott e Cid votou e pediu apoio para Jânio Quadros. O governador foi até a casa do prefeito João Lyra Filho, em Caruaru. Lá, conversou com ele, Drayton Nejaim e outras lideranças, pedindo apoio para Jânio. Todos fecharam com Jânio Quadros, que, durante a campanha, visitou Caruaru. Ao lado de João Lyra e Drayton Nejaim, fez um comício no centro da cidade. Anastácio estava no palanque. Tabosa de Almeida também apoiou Jânio Quadros. Foi em 1960, na campanha de Jânio, que pela primeira vez a televisão foi associada à eleição. Assim, surgia a primeira propaganda eleitoral da TV. Jânio venceu a eleição com 48,27% dos votos. No entanto, não completou nem sete meses na presidência. Seu governo – que tinha como símbolo uma vassoura e o slogan “varre, varre vassourinha. Varre, varre a bandalheira” – teve fim no dia 25 de agosto do mesmo ano, com uma carta de renúncia. No texto, foram alegadas “forças ocultas” como motivo para a decisão. Na época especulou-se que, na verdade, o presidente pretendia apenas causar uma comoção popular e, em seguida, voltar ao cargo, aclamado pela população. Em entrevista concedida em 1992, Jânio Quadros confirmaria que a sua renúncia era um blefe. Anastácio votou em Jânio, seguindo orien-

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tação do grupo político a que pertencia, mas afirma: “sua renúncia não me surpreendeu”. Após a renúncia de Jânio, o vice-presidente João Goulart, o Jango, assumiu o cargo. Os militares tentaram vetar a chegada de Jango ao posto presidencial. Tendo sérias desconfianças sobre a trajetória política do vice, alguns membros das Forças Armadas alegavam que a passagem do cargo colocava em risco a segurança nacional. De fato, vários grupos políticos conservadores associavam o então vice-presidente à ameaçadora hipótese de instalação do comunismo no Brasil. Jango seria deposto pelos mesmos militares em 1964. A decisão abriu caminho para a instalação do regime militar e a posse do marechal Castelo Branco na Presidência. Já em 1961, Cid Sampaio, que, àquela altura, havia rompido com os representantes das classes trabalhadoras, passou a apoiar a candidatura de João Cleofas para o Governo de Pernambuco. A partir daí, as forças de esquerda começaram a encarar com mais entusiasmo as futuras eleições. Viam que se aproximava uma oportunidade real de trabalhar pelas reformas sociais, desde que firmasse uma estratégia que pudesse lhe proporcionar mais espaço político. Esse clima fazia crescer a mobilização popular. Os setores à esquerda já enxergavam, de maneira mais nítida, a possibilidade de uma candidatura ao Governo, originada das lideranças mais identificadas com as aspirações populares, sair vitoriosa. Avaliados, portanto, os nomes, chegou-se à conclusão de que o do então prefeito do Recife, Miguel Arraes, era o que melhor aglutinava as forças populares. Com os nomes postos para avaliação do eleitorado pernambucano, a campanha foi radicalizada e polarizou-se entre os candidatos Cleofas e Arraes. A campanha deste dava ênfase às questões doutrinárias, enfocava temas como reforma agrária e a importância dos trabalhadores como uma força atuante, capaz de proporcionar mudanças mais profundas no Estado e, consequentemente, no País. Por outro lado, os udenistas procuravam não abordar temas econômicos e sociais, enfocando mais a questão “democracia versus comunismo”. Miguel Arraes era apresentado como um político subversivo e chegado aos

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comunistas. João Lyra Filho, Fernando Lyra, Drayton Nejaim e todo o grupo político do qual faziam parte ficaram na oposição a Arraes e votaram em João Cleofas, na eleição de sete de outubro de 1962. O comitê do Partido Comunista em Caruaru, por meio de suas lideranças e aliados, mobilizou forças e desenvolveu intensa campanha em defesa de Miguel Arraes. Distribuíram panfletos, publicaram artigos e notas nos jornais e realizaram comícios pelos bairros da cidade, divulgando as propostas políticas de Arraes. Em Caruaru, João Cleofas obteve 9.866 votos e Miguel Arraes, 6.374. Mesmo assim, contabilizados os votos no Estado, Miguel Arraes venceu a disputa com mais de 13 mil votos de diferença sobre Cleofas. Graças ao trabalho dos sindicatos e das Ligas Camponesas, que levava o nome do candidato da Frente do Recife às áreas do Interior que detinham maiores concentrações demográficas, Arraes chegava ao Palácio do Campo das Princesas pela primeira vez. Embora não contasse que, tal como Jango, na Presidência, seria deposto do cargo pelos mesmos militares que instauraram a ditadura. Para os demais cargos em disputa em Caruaru, Lamartine Távora e Tabosa de Almeida se elegeram deputado federal, e Drayton Nejaim, deputado estadual. Drayton, uma das maiores lideranças anticomunistas no município, foi reeleito em 1962 para o terceiro mandato de deputado estadual. No ano seguinte, venceria as eleições para prefeito de Caruaru, derrotando o candidato das esquerdas, Celso Rodrigues.

Em março de 1963, o ex-prefeito Celso Galvão – que administrara a cidade nos períodos de 1922 a 1925 e 1936 a 1937 –, doou à Biblioteca Municipal uma coleção de “O Núcleo”, órgão do Núcleo de Diversões Caixeiral de Caruaru, que circulou na cidade, no ano de 1908. O próprio Celso era redator do jornal. A Rádio Cultura fez a transmissão do acontecimento. A realização de tantas atividades chamava a atenção da imprensa para o diretor Anastácio. Naquele mesmo mês, o jornal católico A Defesa estampava entrevista com Anastácio Rodrigues, feita pelo padre Zacarias Tavares, com balanço de suas ações na pasta de Educação e Cultura.

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O diretor de Educação, Anastácio Rodrigues, discursa durante a primeira Feira de Livros de Caruaru, outra ação sua

Na reta final do governo, a imprensa anunciava um importante avanço da educação municipal com a Campanha de Erradicação do Analfabetismo entre os adultos. A Prefeitura assinava convênio com o Colégio Evangélico Agnes Erskine, que enviou orientadores para capacitar os professores. No mesmo período, a cidade conquistava mais nove escolas, junto ao Governo de Pernambuco, através de entendimentos entre Anastácio e o Secretário Estadual de Educação, Lourival Vilanova. Anastácio fez um levantamento das áreas mais populosas, conseguindo doação de terrenos para as construções. Todas na zona rural. Em documento enviado à Câmara Municipal, listando as ações de seu governo, o prefeito João Lyra Filho fez questão de começar citando os trabalhos realizados pela Diretoria de Educação e Cultura. Sem dúvidas, ocupando maior espaço na mensagem. Como Diretor, Anastácio nunca foi presença constante no gabinete do prefeito João Lyra. Ia apenas para despachar. Ficava furioso com um de seus secretários, que costumava colocar uma pasta debaixo do braço e ficava estagnado no interior do gabinete oficial. Anastácio sempre questionava o que ele fazia na sala e mandava que se retirasse. “Eu tinha raiva dele”, revela. Naquele tempo, a sede da Prefeitura de Caruaru funcionava no espaço onde hoje está localizado o Grande Hotel São Vicente de Paula. Deixara o Paço Municipal, na Praça Dep. Henrique Pinto, quando este foi cedido

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à Diocese, para se tornar o Palácio Episcopal, após a chegada do primeiro bispo, Dom Paulo Libório. Certa vez, o prefeito João Lyra agiu como quem previa um fato importante. Anastácio chegou ao gabinete e ambos conversavam. Em certo momento, João Lyra se levantou e disse: “Anastácio, nessa cadeira não sentará um corrupto e um ladrão com o meu voto”, sem mencionar a quem se referia. Em seguida, disse-lhe: “Sente aí, Anastácio”. “Não, seu João. A cadeira é do prefeito”, respondeu-lhe. Ao puxar da memória o episódio, Anastácio comenta que não ficaria bem alguém vê-lo sentado na cadeira do prefeito. Reconhecia suas limitações e sempre soube respeitar hierarquias. “Veja que coincidência. Depois, eu ocupei a cadeira. Eleito”, cita. Tudo o que a Diretoria de Educação e Cultura promovia gerava notícia positiva. Anastácio fez um grande trabalho, através de sua visão construtiva. Não queria decepcionar o padrinho João Elísio, muito menos o prefeito João Lyra Filho. Ao lhe ofertar a revista que documenta as obras de seu governo, João Lyra Filho escreveu: “Anastácio, é dispensável a dedicatória, pois você se constituiu numa das peças mais legítimas na constituição desta Revista”. O documento foi assinado em 13 de março de 1964 e faz parte do acervo pessoal de Anastácio Rodrigues. A imprensa também se curvou ao mérito do Diretor de Educação e Cultura, ao final da gestão. “Se tivéssemos de prestar alguma homenagem administrativa, não duvidaríamos em fazê-la em favor da Diretoria de Educação e Cultura, único órgão que vai deixar saudades aos munícipes e que foi a costa quente do governo João Lyra. Anastácio Rodrigues, embora perseguido por políticos mesquinhos, deu ao governo que se finda uma cobertura eficaz que compensa tudo aquilo que as outras diretorias não souberam desenvolver”, registrou o jornal A Defesa, em novembro de 1963. A destacada atuação do jovem diretor não tardaria a ser reconhecida pela população. O governo João Lyra Filho chega ao fim e novas eleições se aproximam. Anastácio Rodrigues vai disputar pela segunda vez uma vaga na Câmara Municipal de Caruaru. Desta vez, além de ser eleito, vai “tocar fogo” no Legislativo.

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Antes de deixar a Diretoria de Educação e Cultura, Anastácio não tinha qualquer projeto político. Sempre foi assim,

em sua trajetória. As oportunidades surgiam sem que ele as buscasse. Em 1963, haveria nova eleição para prefeito e vereadores. No mês de junho, três candidaturas são lançadas para a sucessão: Celso Rodrigues – indicado pelo deputado Lamartine Távora –, Drayton Nejaim e Lourinaldo Fontes. Os grupos liderados por Irineu de Pontes Vieira, Tabosa de Almeida, João Elísio Florêncio e Severino de Souza Ferraz não quiseram apoiar nenhum dos nomes, por acreditarem que representavam interesses pessoais e de grupos. Além disso, com exceção do fato de Drayton ocupar uma vaga de deputado estadual, nenhum deles obtinha destaque perante a opinião pública, segundo pesquisas. O prefeito João Lyra Filho tinha a mesma opinião. Começaram, então, a discutir um nome para conciliar forças tão antagônicas, agora unidas no propósito de lançar um candidato que estivesse à altura dos anseios da Caruaru daquela época. João Lyra sondou Gercino Tabosa, Neco Affonso e Jório Valença, que não aceitaram, por questões pessoais. O jornalista, advogado e professor Azael Leitão surge, então, como nome para superar os três projetos já anunciados. Apoiado principalmente pelo prefeito João Lyra Filho, que terminava sua gestão com grandes índices de aprovação. Toda a mídia da campanha já estava pronta. Azael foi Secretário de Governo na administração do prefeito Pedro Joaquim de Souza, no final dos anos 40. Era careca e a marchinha oficial destacava “é dos carecas que elas gostam mais”. No dia dois de junho de 1963, na residência de João Lyra Filho, uma casa de esquina, na Rua Capitão João Velho, lideranças políticas se reuniram para o lançamento da candidatura de Azael Leitão como candidato conciliador, em oposição aos três projetos já lançados. Anastácio estava entre os presentes. A Rádio Cultura do Nordeste fazia a transmissão do evento. Para decepção de muitos, aquele que parecia ser o candidato ideal não revelou disposição para a luta. Azael Leitão recuou perante o desafio. Alegou que seu nome foi discutido para uma composição alta, unindo e fortalecendo a posição política de Caruaru. Não tendo, porém, atingido esse objetivo, não deveria participar do processo sucessório como um candidato a

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mais, fracionando em vez de somar. Azael era evangélico e a timidez foi um entrave. Entretanto, o fator decisivo foi o governador Miguel Arraes negar apoio a sua candidatura. O prefeito João Lyra Filho, que não era aliado do governador e dizia que, até então, ele não havia sido capaz de mudar a sua opinião, chegou a manter contato com Arraes. O governador, entretanto, decidiu apoiar Celso Rodrigues. “Eu me lembro que, em 1963, eu fui ao governador Arraes, tentar que ele apoiasse um candidato fora da Coligação e fora do PSD de Caruaru, para que a gente pudesse ter condições de criar uma nova força”, revelaria Fernando Lyra. “Mas o Dr. Arraes terminou não apoiando, porque veio outro nome e o pessoal de Caruaru pressionou, de modo que ele foi para a outra candidatura”. A partir daí, elementos inicialmente dispostos a apoiar o nome de Azael Leitão ficaram retraídos, enfraquecendo sua posição. O deputado Drayton Nejaim ouvia atentamente a transmissão pela Rádio Cultura, direto da residência de João Lyra Filho. Ato contínuo, Nejaim foi até a casa do prefeito. “O candidato sou eu e quero que você me apoie”, impôs, a seu modo. Fez João Lyra lembrar que eram amigos e insistiu em seu apoio. Queria ser prefeito de Caruaru. Sem hesitar, Lyra disse-lhe que não o apoiaria. Minutos depois, estavam rompidos, pessoal e politicamente. Naquele dia, João Lyra disse a Anastácio: “A presença de Drayton para mim não foi surpresa. Ele é assim”. Drayton, por sua vez, decidiu ir à luta, tendo como adversário o seu amigo e compadre Celso Rodrigues – primo de Anastácio. João Lyra Filho bateu o martelo e afirmou que a nenhuma das duas candidaturas ofereceria seu apoio. Algumas pessoas o criticavam pela negativa ao deputado Drayton Nejaim, seu maior aliado na eleição de 1959. “Considero intocáveis nossos laços de amizade. Mas, quando reclama o interesse público, não se pode argumentar em termos de amizade pessoal”, eximia-se. Anastácio Rodrigues, no entanto, revela que a amizade entre João Lyra Filho e Drayton Nejaim era questionável. “Eles não eram amigos. Eram companheiros de papo, de cartas, de jogos. E João Lyra ainda me disse que ele (Drayton) era um péssimo companheiro de cartas. Quando estava perdendo, explodia. Quando estava ganhando, gozava de todos ao redor”.

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Se para chegar à prefeitura era necessário que o candidato impressionasse o eleitorado, através de uma campanha revestida de motivação, Drayton limitava-se a repetir no dia-a-dia o slogan: “Drayton nunca traiu ninguém”, numa crítica indireta a João Lyra. Em seu livro de memórias, Depoimento de um magistrado, o juiz Demóstenes Veras comentou o rompimento entre Drayton e João Lyra. Ele escreveu que Drayton exerceu liderança de ódio e amor, nunca tendo ficado em cima do muro, em virtude do seu espírito brigão. “Cercou-se, porém, de nulidade, de seguidores servis e de correligionários apagados, com medo de criar cobras para o engolir, como ele próprio gostava de dizer, arrependido, talvez, dos Lyra, criação sua, os quais culminaram por lhe tomar o posto e por lhe decretar o ostracismo político”. O juiz também explicou os motivos que uniram e desuniram Drayton e os Lyra. “Ele os procurou e os jogou na vida política porque precisou de verba para alimentar suas campanhas eleitorais, e deles se tornou prisioneiro, tendo dado origem a uma das mais fortes oligarquias da história de Caruaru, ainda hoje representada na figura de João Lyra Neto”, revela, com a franqueza de quem não utiliza subterfúgios para expressar um pensamento. Para Anastácio, a maneira de Drayton gerir os destinos de Caruaru foi “um desastre”. “Drayton viveu por muito tempo cercado de figuras humildes, que não passavam de pobres serviçais”, argumenta. Ao contrário do que muitos afirmam, João Lyra Filho também recusou seu apoio ao jornalista Celso Rodrigues, o candidato da esquerda, nas eleições de 1963. Sobre Celso, João Lyra disse que seu brasão correspondia tão somente ao fato de haver lutado pela vitória de Arraes e que sua candidatura era, portanto, mais uma imposição do deputado Lamartine Távora do que uma realidade popular. O industrial Lourinaldo Fontes, na visão de Lyra era “um homem divorciado da realidade social, vaidoso, que fez da prefeitura uma verdadeira obsessão”. Além de ficar omisso na campanha, o prefeito João Lyra Filho antecipou que seria, ao lado do povo, um fiscal do próximo governo. Em entrevistas, o prefeito era sempre questionado sobre as acusações de traição por negar apoio a Drayton. Em certo momento, Lyra criticou o novo adversário e tratou de inverter os papéis. “Não é João Lyra que hoje faz

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campanha ombreado por homens que já foram vítimas de uma adjetivação violenta e bem aplicada, numa autêntica traição aos princípios outrora defendidos”, afirmou, peremptório. Cinco décadas após a eleição, João Lyra Neto relembrou a campanha de 1963. Em entrevista ao autor do livro, ele revelou os motivos pelos quais seu pai, o ex-prefeito João Lyra Filho, decidiu ficar omisso naquela disputa. “Ele entendia que os dois (Drayton e Celso) não tinham condições políticas nem de gestão para administrar Caruaru. Então, ele não participou da campanha”, esclareceu. Na visão de João Lyra Neto, seu pai queria eleger um candidato que não conseguiu. “Azael Leitão era um grande advogado e professor, que havia sido diretor do Colégio Municipal em sua gestão”, explicou. O ex-vereador José Carlos Rabelo conta que a primeira traição política que Drayton sofreu foi de João Lyra Filho. “Drayton fez João Lyra prefeito. A Rádio Cultura era de Drayton, ele endividou a rádio fazendo pesquisa mentirosa. Chico do Leite ganhava a eleição [de 1959]. Perdeu porque a pesquisa conduziu o eleitorado”, pressupõe. Por conta dessa decepção, Rabelo diz que Drayton costumava repetir que não faria mais sucessor na política. “Não, não faço mais sucessor. Fui traído por João Lyra Filho. Depois da campanha [de 1959], eu estava devendo a Deus e ao mundo. A rádio [Cultura, que pertencia a Drayton] endividada. Ele [João Lyra] ficou com as ações da rádio pelo dinheiro que eu gastei da campanha. Foi covarde comigo. Não apoio mais”, disse Drayton, textualmente, em tom de desabafo a Rabelo. Ele conta ainda que Drayton costumava dizer que João Lyra o traiu “para ser puxa-saco de Arraes”. Analisando o passado e os papéis antagônicos que João Lyra Filho e Drayton Nejaim passariam a desempenhar na política caruaruense, a partir de 1963, é possível enxergar que, já naquele período, tratava-se de duas linhas que não se batiam. Drayton tinha o poder de maneira mais narcisista, o poder era seu, o poder de Drayton. João Lyra, ao contrário, cria uma linha política em Caruaru mais progressista, apontando para mais distribuição de renda, oportunidade de trabalho, investimentos físicos na cidade e numa direção de forças mais modernas, com as quais Drayton nunca teve um grande comprometimento.

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Quem acompanhou sua trajetória sabe que Drayton era muito “toma lá da cá”, muito envolvente, ajudava as pessoas individualmente. Mas não era um prefeito de grandes realizações, de modo que tanto Anastácio Rodrigues quanto José Queiroz, os dois prefeitos que o sucederam no cargo, em 1969 e em 1982, respectivamente, conseguiram se eleger sem grandes esforços e realizar administrações marcantes e com tarefas simples, como combater muriçoca, sanear e calçar ruas e revitalizar praças. Em Drayton o poder tinha uma visão mais pessoal do que pública, era como uma propriedade que ele dividia, no sentido de entregar “fatias” a pessoas de sua confiança, mas sem colocar na cabeça dessas pessoas que elas tinham que trabalhar pelo conjunto, trabalhar para o futuro, construir a cidade. Talvez tenha faltado isso a Drayton, essa visão de conjunto, do bem comum, da coletividade. O ex-vereador Rui Lira explica que Drayton Nejaim fazia política no estilo mais feudal que se possa imaginar. “Ele tinha um cara chamado Abelardo, que era o chefe dos capangas. Igual a um tal Raimundo Jacó, em Belo Jardim, que era o capanga de Zé Mendonça. Que uma vez sentou com um colega nosso, Marconi do Amaral, dentro do estúdio da rádio de Belo Jardim e o ameaçou no olho. Como Abelardo me ameaçou, aqui, no Café Rio Branco”, revela. Segundo Rui, naqueles tempos, quando terminavam as campanhas eleitorais, a cidade presenciava o que popularmente passaram a chamar de ‘caipora’. “Saíam dando surra no pessoal que fez campanha para o outro lado. Dois ou três partidários de João Lyra Filho apanharam. Um caso bem conhecido era o de Fernando ‘carrapato’. Deram-lhe uma surra. Era ‘caipora tá correndo’. E era Drayton quem estava por trás. Drayton era barra pesada”, comenta. A Drayton Nejaim, no entanto, se credite a extraordinária capacidade intelectiva de “sacar”, entender os momentos e saber se mover, saber se colocar e saber envolver as pessoas. Seu discurso deixava qualquer adversário de queixo caído. Quem o ouvia se encantava com sua velocidade mental, a capacidade imediata de dar uma resposta certeira, algo realmente muito forte. E era muito amigo dos amigos, isso também se dizia dele. E bem inimigo dos inimigos.

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As ponderáveis forças políticas de Caruaru ficaram praticamente omissas no pleito de 1963. A campanha estava em plena efervescência e as chapas para eleição à Câmara Municipal estavam completas, quando surge a candidatura de Anastácio Rodrigues para vereador. Arranja-se uma legenda: a do PTB estava sobrando. Adiante, procuram-se os nomes para compor a sigla, entre eles Anastácio e José Rocha, o popular ‘popocrata’, já falecido e grande soldado da campanha de Anastácio a prefeito, sendo um dos que defenderam ardorosamente o seu nome. Anastácio Rodrigues recebeu o apoio do prefeito João Lyra e de seu filho Fernando Lyra, durante a campanha. Até então, ele próprio não havia declarado apoio a qualquer dos candidatos a prefeito – embora Celso Rodrigues fosse seu primo. O prefeito não apoiou Drayton, nem subiu em seu palanque. Fernando, diante daquela situação, mostrava-se inquieto. Em conversa com Anastácio, Fernando Lyra sentenciou: “Temos que apoiar Drayton, porque se ele for eleito, vai dizer que não deve a eleição a ninguém. Nós teremos que dividir o palanque. Só tenho um caminho: apoiá-lo para prefeito”. Fernando tinha uma grande admiração por Drayton e com ele mantinha ligações pessoais. Prova da relação amistosa, mesmo com o desgaste do rompimento entre João Lyra e Drayton, é que Nejaim e sua primeira esposa, a ex-deputada estadual Aracy, foram padrinhos do casamento de Fernando e Márcia Lyra, ocorrido em 17 de novembro de 1963, um mês após a eleição, na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em Caruaru. Os familiares, porém, não viam com bons olhos o apoio do então universitário Fernando Lyra à candidatura de Drayton Nejaim. “Meu pai não participou da campanha de Drayton. Contra a vontade da família, que não queria, eu disse: ‘Não, eu não vou deixar de participar da campanha. Vou participar’. E participei da campanha”, relembraria Fernando Lyra. Apesar da disposição de Fernando, Anastácio resistia, pois nunca foi simpatizante de Drayton. Além disso, Celso era família. Mas Fernando Lyra insistia, repetindo: “Anastácio, você tem que pensar na sua eleição para vereador”. Em frente ao Café Rio Branco, no centro de Caruaru, Anastácio conversou com João Lyra Filho, no interior do Fusca do prefeito. Demonstrava insegurança. Questionava se deveria ou não apoiar Drayton. Celso tinha

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o seu sangue. João Lyra agiu como de praxe. Não emitiu opinião. Fernando Lyra subiu no palanque de Drayton num comício na Rua Mestre Tota, a antiga Rua Amarela. Uma girândola espetacular foi vista por toda Caruaru, naquela noite. Anastácio fez o mesmo, num comício da Praça José Bezerra, onde morava. No dia da eleição, votaram em Nejaim. Carlos Toscano foi outro candidato a vereador que votou em Drayton Nejaim naquela eleição. Ele explica que o pleito contou com a presença de uma turma jovem, sem vinculação com grupos políticos, que disputava o primeiro mandato público. “Eu tinha 21 anos. Éramos eu, Anastácio, Edson Barros e Zezito Florêncio. Nós procuramos, por identidade de pensamento, o grupo do prefeito João Lyra Filho, que foi um homem de grande liderança em Caruaru, um administrador de muita visão e também na descoberta de novos valores para a política. E fomos disputar a eleição sob a liderança dele”, recorda. Naquelas eleições, Celso personificava, como candidato, as forças de esquerda. Com o slogan “Celso para vencer”, ostentava apoio dos governos estadual e federal, aliando sua imagem às de Arraes e Jango. Toda a esquerda estava com Celso, inclusive os comunistas. Drayton era o candidato da direita, com o lema “Um democrata que inspira confiança. Mocidade, dinamismo e trabalho a serviço de Caruaru”. Em outros tempos, Celso acompanhava Drayton pelas ruas da cidade, apresentando-o à sociedade e pedindo um voto de confiança no amigo. Drayton e sua esposa Aracy foram testemunhas do casamento de Celso e Iolanda. Agora, eram rivais em busca do mesmo cargo. Drayton Nejaim marcou a História política de Caruaru por ser um governante polêmico e que agia quase sempre de forma mais emocional que racional. Sua força política e contribuição para Caruaru também são inquestionáveis. Para entender a personalidade e a forma como governou e se relacionou com aliados e adversários, registramos fragmentos importantes de sua história pessoal e política. Drayton Jayme Nejaim nasceu em Caruaru, na casa número 249 da Rua da Matriz, no dia dois de novembro de 1929, Dia de Finados, exatamente nove meses após o casamento de seus pais: o empresário franco-libanês naturalizado Jayme Nejaim e a caruaruense Olindina Ferraz Nejaim.

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A trajetória da família Nejaim em Caruaru tem início em 1913, com a chegada ao Brasil do patriarca Manoel Nejaim, de origem árabe, avô de Drayton. A escassez de recursos foi o principal entrave para a imigração da família, que morava em uma aldeia chamada Kafertain, no distrito de Keserwan, localizado na província de Monte Líbano. A imigração árabe no Brasil teve início em fins do século XIX. No início do século XX, esse fluxo imigratório cresceu e passou a se tornar importante. A maioria é de origem libanesa, enquanto o restante é, predominantemente, de origem síria. Manoel Nejaim nasceu no ano de 1850 na República Libanesa. Casado com dona Medalha Nejaim, tiveram sete filhos. Em Caruaru, o libanês ingressou no comércio, onde permaneceu até poucos anos antes de sua morte, ocorrida em 17 de maio de 1935. O árabe faleceu aos 85 anos, na residência de seu filho Ibrahim Nejaim, na Rua Floriano Peixoto, nº 71. Religioso convicto, morreu recebendo os últimos sacramentos da igreja católica, pelas mãos do cônego Júlio Cabral. O enterro aconteceu às 16h do dia 18 de maio, data que assinala o aniversário da cidade de Caruaru, e foi acompanhado por muitas pessoas. Um dos filhos de Manoel, Jayme Nejaim – pai de Drayton –, chegou ao Brasil por volta de 1920 e também se estabeleceu em Caruaru, tornando-se homem de posses. O agricultor possuía fazendas, engenho, uma fábrica de sabão e explorava minas de cal e cimento, no segundo distrito de Caruaru. Jayme era também proprietário da Fazenda Caruaru – que pertencera a Bento Ferraz, pai de Olindina –, localizada em Serra dos Cavalos, onde plantava café. A propriedade compreendia um engenho de cana e a barragem que abastecia a cidade de água, naquele tempo. Drayton era o filho mais velho e único homem do casal Jayme e Santinha, que conceberam, ainda, Napier, Leila, Nancy e Lilian. Estudou nos colégios Leão XIII e Osvaldo Cruz, na capital pernambucana, e cursou o Científico no Colégio Mackenzie, em São Paulo. O irmão de Jayme, Ibrahim Nejaim, uma das grandes fortunas do Estado, na metade do século passado, teve cinco filhas mulheres e nenhum homem, e desenvolveu certa preferência pelo sobrinho, de forma que, para ajudar Drayton, não media esforço. Além disso, Drayton foi seu único so-

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brinho, o que o tornava alvo de predileção. Agente Ford na região Agreste, Ibrahim inaugurou sua agência na Praça Juvêncio Mariz (atual Teotônio Vilela), em Caruaru, no início dos anos 1930. Ele chegou ao Brasil algum tempo depois do irmão Jayme e veio direto para Caruaru. Antes de tornar-se um exitoso empresário, trabalhou como ambulante, ou mascate – termo utilizado naquela época –, vendendo espelhinhos e bugigangas. Em 1937, trocou Caruaru por Recife, onde se tornou representante da marca de veículos Studebaker. Ibrahim desenvolveu pelo Brasil um sentimento de amor e patriotismo. Durante a Segunda Guerra Mundial, doou ao Exército Brasileiro 50 caminhões Ford zero quilômetro, utilizados no transporte de mantimentos para os submarinos, na costa brasileira, já que o transporte marítimo para o Nordeste era precário, por imposição da guerra. Como recompensa pelo gesto de cooperação, o Exército Brasileiro concedeu a Ibrahim Nejaim a Medalha de Guerra, primeira conferida a um estrangeiro no país, entregue solenemente numa praça pública do Recife. Ibrahim faleceu em três de abril de 1959, vítima de câncer, e foi sepultado no Cemitério de Santo Amaro, em Recife. A arquiteta Marcia Nejaim, filha de Ibrahim, explica que o desejo de ter um filho do sexo masculino era algo comum, principalmente para um árabe, pois significava que o nome da família seria perpetuado através das gerações. “A generosidade sempre foi uma característica marcante na personalidade do meu pai e não seria diferente principalmente em relação ao seu único sobrinho”, destaca. Embora o slogan “O doido” tenha se popularizado na eleição de 1976, quando conquistou o segundo mandato de prefeito em Caruaru, desde cedo Drayton foi um garoto levado e irredutível. “Ninguém chamava Drayton de doido no meio da rua. Se chamasse era bala. Ele tinha o apelido, quando era menino, de bolo de goma. Dona Santinha (mãe do ex-prefeito) me contou depois por que ele não queria. Drayton quebrava as vidraças da Rua 15 de Novembro quando era criança. E o tio era quem pagava, seu Ibrahim, que era doido por ele. Bolo de goma porque era doido”, relata o ex-vereador José Carlos Rabelo, correligionário e amigo. Bem-nascido e coroado pela gentileza constante do tio em satisfazer-lhe

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as vontades, Drayton foi um adolescente rebelde e que não calculava as consequências das próprias atitudes. No início dos anos 40, morando no Espinheiro, na capital pernambucana, ele conheceu um rapaz, dois anos mais velho, que morava no mesmo bairro e de quem se tornaria grande amigo. Ney Maranhão morava na Rua 48 e um de seus hobbys era passear com sua bicicleta da marca WM. Drayton o acompanhava em sua Harley. Os jovens Paulo Roma e Leonardo Lins também integravam o círculo de amizades. Juntos, eles viveram inconsequentes aventuras. Drayton era o sobrinho adorado e sempre tinha um carro à disposição, para transportar os amigos. “O pai dele não lhe dava muita colher de chá, mas o tio lhe facilitava tudo. Fizemos muitas presepadas. Éramos eu, ele, Paulo Roma (irmão de João Roma, chefe de polícia) e Leonardo Lins (parente do ex-governador Etelvino Lins)”, comenta Ney Maranhão. O grupo gostava muito de carnaval, festas de rua – as famosas “festas da gonorreia”, além de muita farra. O destino preferido era, sem dúvidas, o Cadete dos Infernos, cabaré localizado na esquina do Pina, próximo ao Cassino Americano. A chegada ao Cadete era antecedida por perigosos rachas, propostos por Drayton, a fim de se livrar do pagamento da conta ao deixar o local. Drayton possuía uma Ford-42 “envenenada”, como descreve Ney Maranhão. Ele mandava preparar a “barata” na oficina do tio, Ibrahim. “Para não chamar a atenção, era meio amassada, para-lama troncho. As pessoas não davam nada pelo carro, mas era uma bala”, recorda. O grupo de amigos sempre ia para o Varadouro, em Olinda. Lá, encontravam outros rapazes, filhos de pais ricos, todos exibindo carros novos e de luxo. Drayton, Ney, Paulo e Leonardo chegavam na “barata”, a Ford-42, automóvel cuja carcaça de tão amassada recebera esse apelido. Esperto, Drayton sempre procurava um playboy para enganar. Ao avistar o primeiro alvo, ia logo propondo: “Vamos fazer uma aposta daqui pro Pina, pro Cadetes do Inferno. Quem chegar por último, paga a despesa”. Ao olhar a “barata”, os rapazes sequer pestanejavam. Pela lógica, o carro mal sairia do lugar – o que significaria vencer facilmente a aposta. Acontece que, se por fora o veículo possuía uma precária estrutura, o mesmo não se podia falar do compartimento interno. Era um motor poderoso, que gerava a sua força em silêncio, escondido sob o capô, que contrastava em quali-

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dade. O carro tinha motor rebatido, freio a disco e outros itens que o equiparavam a um automóvel de corrida. “Mas ninguém sabia, por conta da carcaça. Eles iam certos da vitória. Drayton fazia de propósito, para não chamar a atenção”, revela Ney Maranhão. Feita a aposta, os carros se preparavam para o racha. “Saíamos às duas da manhã, de Olinda. Naquele tempo, a estrada era de paralelepípedo. Colocávamos o carro no trilho do bonde e deixávamos o cara ir à frente. 110, 120 km, a gente colado e o cara na frente”, recorda Ney. O trajeto era quase sempre o mesmo. Passavam na frente do Quarte General, seguiam pela Rua da Imperatriz. Adiante, passavam a Rua Nova, à direita havia o Grande Hotel. Prosseguiam por uma estreita avenida, que chamavam de “O chupa”. Feita a curva, de forma surpreendente, Drayton acelerava e ultrapassava o adversário. Um ponto à frente, a corrida ficava ainda mais perigosa. Da ponte do Pina via-se o bonde. O carro tinha nada mais que 40 centímetros para ultrapassar, em alta velocidade, sem se chocar com o trem. “Drayton a 130 km, quando passávamos, o bonde era quem parava. Ultrapassávamos 140 km e chegávamos ao Cadete dos Infernos. O cara pagava a despesa”, entrega Ney. No carango envenenado, o jovem Drayton e sua turma aplicaram o golpe em muitos companheiros. Ganhavam todas. Isso significava ter uísque e mulheres ao longo da madrugada sem pagar valor algum ao deixar o famoso cabaré. “Depois, ficamos conhecidos e os caras não quiseram mais apostar”, destaca Ney Maranhão, que sempre chamou o amigo de Mister Drayton. “Ele era uma volante de primeira qualidade em Pernambuco. Participava de corridas e era sempre um dos primeiros colocados”, elogia. Filhos de pais ricos e parentes de homens influentes no Estado, Drayton, Ney, Paulo e Leonardo se consideravam acima do bem e do mal. Nos dias de carnaval, por exemplo, a diversão era caminhar pela cidade com um Jipe de guerra. Jayme Nejaim, pai de Drayton, era um dos 200 sócios-proprietários do Clube Internacional do Recife, o que garantia ao filho acesso com carro. Certa vez, Drayton reuniu os amigos e foi até o Internacional. Ao chegar, observou que, numa área nos fundos do Clube, havia uma espécie de curral. O cercado abrigava centenas de perus, adquiridos pela direção para abastecer o restaurante. “Ô rapaz, que beleza”, disse, ao observar a cena, já

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tramando alguma presepada. Poucos minutos depois, estavam furtando os perus e lotando o jipe com as aves. “Foi ideia dele e eu aprovei logo. Encostávamos o jipe no curral dos perus, lá no canto, ninguém via. Colocávamos as cabeças dos perus abaixo das asas, enchíamos o jipe e saíamos”, descreve Ney Maranhão. Fora do Internacional, saíam passeando pelas ruas do Recife. Assim que avistavam a residência de algum amigo, Drayton mandava parar o carro, pegava um peru e jogava no interior da casa. Quando acordavam, os amigos encontravam o presente anônimo. E vivo. “Passamos o carnaval levando os perus do Internacional”, brinca Ney. Paulo Roma, irmão do chefe de polícia, sugeriu que o grupo presenteasse o Comissário do Pina com um peru gordo. Trataram de separar os dois melhores e levaram ao Comissário Couceiro. Duas horas da madrugada, pararam o Jipe na frente da delegacia. Drayton, com seu jeitão diplomático, foi logo cumprimentando o policial: – Comissário Couceiro, bom dia. – Bom dia, menino. – A gente trouxe esses perus da Serra dos Cavalos. Esses perus foram engordados com milho, veja como estão gordos! – Meninos, vocês ao invés de estarem brincando o carnaval, foram se lembrar do velho Comissário. Trazer esse presente para mim uma hora dessas?! – Perfeitamente, nós estamos aqui homenageando uma autoridade, que está aqui mantendo a ordem e a tranquilidade, para dormirmos tranquilos. É por isso que viemos homenagear você. O Comissário, feliz, levou os perus. Antes, Carlos Roma sugeriu que ele matasse as aves para comerem juntos na quarta-feira de cinzas. “Perfeitamente, será um prazer”, retrucou, ordenando apenas que os rapazes chegassem cedo, porque almoçava religiosamente ao meio dia. “Quando o sino bate, eu estou à mesa”, fez questão de mencionar. No dia combinado, os rapazes chegaram com 15 minutos de antecedência. O Comissário e seus familiares já estavam sentados à mesa. Evangélico, Couceiro orou e tratou logo de privar os amigos: “Aqui, ninguém bebe”, ordenou. Era quarta-feira, dia de publicação da Crônica do Meio-Dia, do jornalista Mário Melo, escrita na Folha da Manhã, jornal que pertenceu ao ex-

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-governador Agamenon Magalhães. O texto também era lido pelo Repórter Esso. Exatamente no momento em que almoçavam os apetitosos perus, o Repórter Esso anuncia a manchete: “Ladrões grã-finos no Internacional”. A notícia era bastante clara: “filhos de pais ricos, irresponsáveis, deixaram os diretores do Internacional em papos de aranha. A diretoria havia comprado centenas de perus para abastecer o restaurante e no final, faltou carne, porque os jovens irresponsáveis furtaram mais de cem perus”. Não restava dúvida de quem seriam os autores do crime. Ao perceber a confusão em que estava metido, o Comissário reagiu: “Vocês, filhos de pais ricos, homens de bem, fazerem um negócio desses comigo”, questionou. Com seu jeito franco e esperto, Drayton foi direto ao assunto: “É Couceiro, agora não tem jeito. Nós estamos comendo, o senhor agora é intrujão. Temos que ficar quietos”. Apesar do clima tenso, terminaram de comer e foram embora. Muitos anos depois, Ney Maranhão eleito deputado federal e Drayton Nejaim deputado estadual, sempre que encontravam o Comissário Couceiro era motivo para relembrar o episódio, com insultos e abraços. “Deputado ladrão de galinha”, sussurrava Couceiro. “E o comissário intrujão”, rebatia Drayton, aos risos. Desde muito jovem, Drayton Nejaim revelou gosto por jogos de azar, prática que iria lhe comprometer a situação financeira, ao longo dos anos. Hábito herdado do pai, Jayme Najaim, que também era afeito aos jogos. “Não fosse a aposentadoria, ele iria passar necessidade no final da vida”, ressalta o amigo Ney Maranhão, que acompanhou Drayton em muitas “festas da gonorreia”, onde o amigo passava horas apostando, inclusive nas tradicionais roletas. As aventuras se repetiam naqueles dias de juventude inconsequente. Sem deixar rastros, Drayton, Ney e Carlos Roma partiram num Studebacker para a cidade de Maceió, no Estado de Alagoas. Lá, hospedaram-se na pensão Atlântico, próximo da praia. Drayton logo fez amizade com um delegado e o deixou sem um centavo no jogo. Passavam-se os dias e eles não davam notícia às suas famílias. Certa vez, estavam num bilhar, jogando sinuca – outro tipo de jogo que Drayton dominava muito bem –, quando a polícia chegou ao local e os abordou. Minu-

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tos depois, estavam presos em um sótão, pelo mesmo delegado com quem Drayton havia jogado dias antes. No dia seguinte, foram levados de trem para Recife, acompanhados por agentes da polícia. O carro de Drayton foi transportado num dos vagões. Detalhe: os jovens foram detidos a pedido dos próprios pais, que os receberam na capital pernambucana. “O velho Constantino e o velho Jayme não davam colher de chá à gente”, enfatiza Ney Maranhão, fazendo menção ao próprio pai e ao pai de Mister Drayton. As aventuras foram se findando depois que a rebeldia precisou ser controlada pelas responsabilidades. Em 1950, aos 22 anos, Ney Maranhão foi eleito prefeito de Moreno, sua cidade natal. Quatro anos depois, Drayton Nejaim estreava na política, elegendo-se deputado estadual. Apesar da amizade, que durou a vida inteira, Ney e Drayton nunca se aproximaram politicamente. “Drayton Nejaim foi uma figura lendária, que marcou a política, e o exemplo de homem público e sério de Pernambuco. Sempre tivemos uma ligação muito forte. Era um homem de posição, afinal, quem vive em cima do muro é macaco ou ladrão. Um homem valente. Diplomático ao máximo, mas ninguém pisasse no pé dele. Fez muito por Caruaru. Era um homem que vivia no meio do povo”, enaltece. Há também o registro de escândalos como o Crime de Pau Seco, que envolveu Drayton, Ney Maranhão e outros jovens, acusados de violentar e abusar sexualmente de mulheres, após uma festa pública. O crime ocorreu no bairro de Pau Seco, em Jaboatão dos Guararapes, e ganhou repercussão nacional. Drayton Nejaim foi denunciado pela Promotoria Pública de Jaboatão, acusado de, na noite de 13 para 14 de abril de 1947, em companhia de outros rapazes maiores, ter violentado as mulheres Célia Maria Gomes e Maria do Carmo Dias, em Pau Seco, na noite da Festa de Prazeres. Depois que a curra foi noticiada pela imprensa, os maiores denunciados foram todos absolvidos, por sentença confirmada pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco. Drayton foi denunciado por crime previsto no artigo 213 do Código Penal então vigente. Dada a menoridade – 17 anos à época – Drayton foi submetido a processo especial e absolvido por sentença de 23 de dezembro de 1947. O processo destacava sua participação “no bárbaro crime de estupro sob ameaça de faca peixeira e revólveres, obrigando quatro mulheres a se sub-

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meterem a toda sorte de aberrações sexuais. Tiveram seus cabelos cortados à faca e, depois de brutalmente espancadas, foram deixadas entregues à própria sorte, em lugar ermo”. A condição paterna privilegiada, a paixão desmedida de seu tio, Ibrahim Nejaim, e o fato de ser o filho mais velho e único homem da união de Jayme e Santinha proporcionaram uma juventude desregrada e nada responsável. Em sua ficha criminal, também constava denúncia por crime de lesão corporal, cometido na capital pernambucana, em 17 de outubro de 1946, tendo sido extinta a punibilidade. Estava tão acostumado com os privilégios trazidos pela origem familiar – e, sobretudo, pela fortuna do tio à sua disposição – que não tinha limites. Na verdade, Drayton fez o que quis a maior parte de sua vida. Ele parece nunca ter entendido o conceito de “comportamento adequado”, porque nunca teve qualquer razão para viver dessa forma. Antes de abraçar a vida pública, Drayton Nejaim estudou quatro anos na Faculdade de Direito de Niterói, no Rio de Janeiro. Posteriormente, regressou e finalizou o último ano na Faculdade de Direito do Recife, em 1951, aos 22 anos. Formado, abriu um escritório de advocacia com seu amigo Benildes Ribeiro, pernambucano de Agrestina, que anos mais tarde se tornaria desembargador. Drayton Nejaim iniciou a construção de sua trajetória política muito jovem. Sua inspiração era o pai, Jayme, homem simples, que costumava ser caridoso com o povo pobre de Caruaru e região, com quem sentava à mesa para dividir o pão e prover soluções familiares, que iam do remédio ao transporte, passando pela escola, tratamentos de saúde e emprego – era tratado como “Coronel Jayme”. Foi no exemplo paterno que Drayton se inspirou para sua prática política de priorizar a pobreza de Caruaru. Pela juventude sem limites, já a partir de sua inserção na vida política de Caruaru e de Pernambuco, Drayton Nejaim foi estigmatizado pela elite econômica caruaruense e pelos intelectuais residentes na cidade, essencialmente esquerdistas, que sempre fizeram a ele restrições morais e do ponto de vista ideológico; sobretudo a partir de 1964, quando já destacado político de caráter popular, consolidou a posição de político de direita, apoiando o golpe militar instaurado no Brasil.

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Drayton estreou na política pernambucana candidatando-se a deputado estadual no ano de 1954, combatendo a oligarquia liderada por Irineu de Pontes Vieira e os militares sob seu comando, a quem chamava de gorilas, como muitas pessoas naquela época. Nesse mesmo ano, casou com Aracy Alves de Souza. O casamento, conforme muitos apontavam, foi pensado para reabilitar sua imagem danificada por escândalos como o de Pau Seco. Antes de casarem, Drayton conhecia Aracy há cerca de um ano e meio. Ele foi eleito em três de outubro, através da Aliança Democrática que uniu o Partido Social Progressista (PSP) – fundado em São Paulo por Ademar de Barros, primeiro partido ao qual se filiou – e o Partido Liberal (PL). Obteve 3.354 votos. Pela mesma coligação, foi eleito Constantino Carneiro Maranhão, pai de seu amigo Ney Maranhão. Também em 1954, Caruaru elegeu outro deputado estadual, Tabosa de Almeida, do Partido Social Democrático (PSD). Na Assembleia, Nejaim fez oposição ao governador Cordeiro de Farias. Drayton ocupou uma lacuna na política caruaruense, no início dos anos 50. Quando ele estreou na vida pública, o único grupo político de força na cidade era o de Irineu de Pontes Vieira, resquício da política coronelista de João Guilherme de Pontes, seu avô. Naquela época, o chefe local controlava a política, o fisco e a justiça. Todo esquema de Estado, segurança, trânsito, coletoria e fiscalização de mercadorias estava sob o poder de Irineu. Advogado formado pela Faculdade de Direito do Recife, em 1944, Irineu de Pontes foi nomeado promotor público da Comarca de São Caetano. Ingressou na política em 1946, sendo o terceiro deputado estadual mais votado de Pernambuco. Reeleito em 1950, com expressiva votação no Agreste pernambucano, foi convidado para assumir a Secretaria da Fazenda do governo Agamenon Magalhães. Nesse período, mandou construir o prédio da Coletoria Estadual de Caruaru. Drayton Nejaim surge exatamente nesse contexto. Jovem da sociedade, embora marcado negativamente pelo escândalo de Pau Seco, sua eleição, com uma votação expressiva para a época, surpreendeu os veteranos da política caruaruense – e deixou muitos deles insatisfeitos também. Na época, o ex-prefeito Pedro de Souza chegou a publicar um artigo na imprensa local, criticando alguns pontos da eleição de três de outubro de 1954. Num

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[1] O vereador Anastácio Rodrigues durante votação na Câmara Municipal [2] Celso Rodrigues, candidato a prefeito em 1963, faz comício em Caruaru ao lado do ex-presidente JK e do deputado Lamartine Távora

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deles, apontava o estreante Drayton Nejaim, por desfalcar a Coligação Caruaruense, prejudicando o bloco político e o candidato Cordeiro de Farias. No início da campanha, Drayton havia abandonado a candidatura de Cordeiro, para apoiar João Cleofas. Anunciou sua decisão publicamente e desagradou à Coligação Caruaruense, que procurava eleger os seus membros mais antigos ou, como disse Nejaim, “prejudicando aqueles que ingressavam na política por idealismo e não por necessidade”. Em resposta ao artigo de Pedro de Souza, o estreante deputado fez lembrar que, em Caruaru, não teve apoio de qualquer chefe político. “A minha campanha foi pessoal”, ressaltou. “Como é que eu, como político novo, sem correligionários e sim com amigos, poderia desfalcar uma Coligação tão sólida politicamente e economicamente? Isto é bondade do senhor Pedro de Souza. Quem perde, sempre tem o que falar. Fiz uma campanha honesta e sem prometer nada ao povo. Se por acaso os políticos antigos de Caruaru pensam que continuarão sem trabalhar, só iludindo o povo, enganam-se, porque este povo já os conhece de perto. E, aos invejosos, desejo muitas felicidades no come e dorme”, sentenciou Drayton, já evidenciando o temperamento que se tornaria reconhecido em Caruaru e no Estado nos anos seguintes. Drayton também condenou os candidatos que pediam votos para si e diziam ao eleitor que votassem em quem quisessem para governador. “E para provar o que digo, declaro publicamente que tive uma votação de 1.540 votos em Caruaru, e somente 22 chapas com o nome de Cordeiro de Farias”. Embora João Cleofas tenha obtido a maior votação em Caruaru, o general Cordeiro de Farias foi eleito governador de Pernambuco, naquela eleição. Na Assembleia Legislativa, Drayton ficou na oposição ao governo. Para se aproximar ainda mais do eleitor, sobretudo dos mais pobres, e garantir lastro eleitoral, já em 1956 Drayton Nejaim criou o Posto de Saúde Santo Antônio, que ele mantinha para atender às classes desamparadas. O espaço funcionava na Rua José Maria, no centro de Caruaru, com médicos, enfermeiros e remédios gratuitos. Até disputar a Prefeitura de Caruaru, em 1963, Drayton renovou seu mandato na Assembleia Legislativa de Pernambuco por duas vezes. Nas eleições de três de outubro de 1958, foi reeleito, na legenda do PSP, obtendo 4.520

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votos. Em 1962, conquistou sua terceira vaga no Legislativo Estadual, pela Frente Popular Democrática, aumentando sua votação para 6.861 sufrágios. Em 1959, Drayton Nejaim lançou João Lyra Filho na política. Com seu apoio, Lyra foi eleito prefeito de Caruaru. Sua força política também elegeu seu pai, Jayme Nejaim, prefeito do município de Riacho das Almas; que deixara de ser distrito de Caruaru em 1953, quando foi emancipada politicamente. O “Coronel” Jayme governou Riacho das Almas de janeiro de 1959 a dezembro de 1963, junto com o vice-prefeito João Soares da Fonseca. Quando concluiu o mandato, Jayme Nejaim indicou como sucessor o vereador José Floro de Arruda, conhecido popularmente por Dedé Julião. Ele perdeu a eleição para o comerciante Noé Hipólito de Medeiros. Reconhecido pelo temperamento forte, por vezes violento, e pelo radicalismo ideológico, declaradamente anticomunista, em seu terceiro mandato como deputado estadual, a partir de 1963, Drayton Nejaim tornou-se uma das vozes mais críticas e atuantes da bancada de resistência ao governo Miguel Arraes, na Assembleia Legislativa de Pernambuco. Nesse mesmo ano, as lideranças de direita chegaram à conclusão de que o nome de Drayton era o único capaz de enfrentar vitoriosamente os esquerdistas em Caruaru. Ele topou a parada e venceu, inclusive sacrificando-se financeiramente na campanha, a ponto de eliminar bens e vender grande parte de seu gado. Em plena batalha política, Celso Rodrigues enfrentava seu outrora dileto amigo, Drayton Nejaim, recebendo apoio do governador Miguel Arraes. Até o ex-presidente Juscelino Kubitscheck foi a Caruaru, no mês de agosto, fazer comício para Rodrigues. JK, o deputado Lamartine Távora e Celso Rodrigues desfilaram por ruas centrais da cidade, num carro conversível, com uma placa na dianteira que anunciava: “JK em 65”. Juscelino aproveitava as eleições municipais daquele ano para consolidar seu retorno à Presidência da República, nas eleições presidenciais de 1965, que não se realizariam, tendo em vista o golpe militar de 1º de abril de 1964. “Quase ao anoitecer do sábado, o ex-presidente Juscelino falou ao povo de Caruaru. Um ex-pequeno feirante da feira de Caruaru, além de gráfico de Vanguarda, candidato de bolsos vazios a prefeito da Capital do

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Agreste, pela primeira vez chorava em público”, registrou, muitos anos depois, Celso Rodrigues. Drayton Nejaim, em seus comícios, usou frequentemente o discurso do perigo comunista para combater seu concorrente Celso Rodrigues, contribuindo assim para imprimir o símbolo da ameaça e da incerteza ao seu adversário. Apesar de todo esforço dos grupos de esquerda em torno da candidatura de Celso Rodrigues, Fernando Lyra subiu no palanque de Drayton, apoiando-o para prefeito. Constrangido, Anastácio seguiu sua orientação. José Queiroz, funcionário da Prefeitura de Caruaru, também votou em Drayton Nejaim. Curiosamente, as figuras que se revelariam os maiores opositores de Drayton durante seu mandato votaram nele naquela eleição e participaram da campanha.

A campanha de Anastácio Rodrigues para a Câmara de Vereadores de Caruaru destacava sua atuação na Diretoria de Educação e Cultura, com propagandas que apresentavam as ações do governo, planejadas por ele e executadas pelo prefeito João Lyra Filho. “Analise o que foi realizado e use a sua consciência” era um dos slogans. A foto oficial apresentava um moço jovem, de óculos, vestido de forma elegante, mas sério. Como ele sempre foi. Elogios também eram destacados nas propagandas que circulavam durante a campanha. “Anastácio foi aplaudido pela Câmara e imprensa locais. Faça o mesmo, elegendo-o vereador”, mais uma frase de efeito. O mote, entretanto, era sua atuação na Diretoria de Educação e Cultura do município, de maneira que a propaganda era enfática ao citar “João Lyra, um grande prefeito; Anastácio, um grande diretor”. As eleições aconteceram no dia 18 de agosto de 1963. Desde a abertura da primeira urna, Drayton Nejaim (PSP-PR) aparecia na dianteira e venceu o pleito com 9.392 votos, contra 7.626 de Celso Rodrigues (PST-PTB) e 2.874 de Lourinaldo Fontes (PTN). O vereador Severino Rodrigues Sobrinho, o Chico do Leite, do Partido

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Republicano, além de renovar seu mandato na Câmara, foi eleito vice-prefeito com uma diferença mínima de 149 votos diante do segundo colocado, Alberto Guilherme. Naquele tempo, votava-se separadamente nos candidatos a prefeito e a vice-prefeito. Além disso, o vice podia ocupar ao mesmo tempo o cargo de vereador. Anastácio foi o quarto vereador mais votado do pleito, recebendo 807 sufrágios. Também foi o único eleito pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), fundado em 1945, sob a inspiração de Getúlio Vargas, seu maior líder. O mandato de Anastácio Rodrigues, na Câmara de Caruaru, seria incendiário e ficaria realmente marcado pela oposição acirrada ao prefeito Drayton Nejaim. A atuação destacada como bancário e Diretor de Educação e Cultura foi fator importante para a eleição de Anastácio Rodrigues ao cargo de vereador. Mas não era suficiente. O apoio dos Lyra, inclusive financeiro, mostrou-se decisivo para a vitória. E ele não escapou de ser eleito da forma tradicional e pouco democrática comum àquela época (prática que, principalmente para o cargo de vereador, permanece atual na política do município). Caberia ao prefeito Drayton Nejaim, cinco anos depois, descrever a forma como a campanha de Anastácio foi financiada. Segundo Drayton, Anastácio “(...) foi eleito vereador com cinco Kombys no dia da eleição, cada Komby um agente financiador (para o eleitor) com a importância de duzentos mil cruzeiros velhos cada um agente, e à tarde alguns foram municiados (abastecidos) com mais cem mil cruzeiros velhos, para terminarem a compra de voto do dia da eleição e as viaturas (linguagem militar) saíam do curral, hoje moderna Estação Rodoviária da Empresa Caruaruense. Tenho os nomes dos cinco agentes financiadores. Caso contestem darei os nomes e os levarei à presença de quem contestar; é uma acareação que me agradaria bastante”, desafiou. Em seguida, eximiu Anastácio de culpa, afinal, sua real intenção era atingir João Lyra Filho e Fernando Lyra, proprietários da empresa Caruaruense e, por consequência, os reais financiadores da suposta compra de votos denunciada por Drayton. “Isto não quer dizer que o moço eleito não seja um homem de bem. Infelizmente é a política e naquele tempo a compra de voto não pertencia à

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estrutura política arcaica a que hoje pertenço”, escreveu Drayton Nejaim, em artigo publicado no jornal Vanguarda. Adiante, explicou em tom irônico: “Todos naquele tempo comiam no mesmo pratinho e o tempero era dado pelos mesmos cozinheiros de hoje”. João Lyra Filho concluiu seu governo no dia 15 de novembro de 1963. Drayton foi empossado no dia seguinte. Para assumir o cargo, teve que renunciar ao mandato de deputado estadual. Todavia, no arquivo da Assembleia Legislativa de Pernambuco consta que ele permaneceu no Legislativo até 22 de novembro de 1964. Como integrante das forças que levaram João Lyra ao poder, Anastácio permaneceu solidário, defendendo seu governo na Câmara. O novo vereador foi, durante todo o mandato, um verdadeiro incendiário. Chegava a se exceder. A bancada do prefeito Drayton Nejaim era composta por dez vereadores. A oposição contava com três: Anastácio Rodrigues, o líder; Edson Barros e José Florêncio de Sousa, os bombeiros que apagavam suas chamas. Carlos Toscano diz que o resultado da eleição permitiu uma composição na Câmara que não era costumeira. “Era uma composição que se misturava com aquela tradicional, porque havia vereadores mais velhos que a gente, com atuação há muito tempo na cidade”, argumenta. Houve uma reunião na casa de Fernando Lyra com os eleitos e o nome de Toscano foi escolhido para presidir a Câmara naquela nova legislatura. “Fui eleito e dei posse ao prefeito Drayton Nejaim. Para mim foi uma coisa muito honrosa”, afirma. Anastácio chegou à Câmara Municipal cheio de sonhos. E amor a Caruaru. “Tomamos posições em defesa do grande amanhã desta terra que nos viu nascer. Houvesse o que houvesse”, afirma. A bancada do governo era um verdadeiro rolo compressor. A oposição vasculhava as contas da administração do prefeito Drayton Nejaim. Fazia pedidos de informação. Não deixava Drayton em paz. “Éramos radicais, mas vigilantes”, ressalta. Drayton também não deixava por menos. Rompido com João Lyra Filho, iniciou um movimento para que a Câmara reprovasse as contas de sua gestão. O motivo: as obras de construção do estádio municipal. Obra gigantesca que o prefeito João Lyra Filho decidiu iniciar apenas nos estertores do governo. “Seria uma grande obra se João Lyra Filho tivesse começado no início do governo”, acredita Anastácio. Ele recorda ter dito ao ex-prefeito: “Seu

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João, não se constrói uma grande obra, como o estádio, no final de governo”. A pressa o fez cometer um equívoco. A Prefeitura adquiriu toneladas de ferro em São Paulo, além de máquinas e 160 refletores da marca Philips do Brasil, sem autorização da Câmara. A lei determinava que, em casos como este, o gestor deveria ressarcir os cofres públicos com o valor aplicado. Cadeiras cativas eram comercializadas entre a população caruaruense. Tudo isso se constituía um prato cheio para a vingança de Drayton, pelo apoio negado durante a eleição. Inicialmente, este afirmou que continuaria as obras. Depois, mandou suspender a venda de cadeiras cativas e paralisar a construção. O projeto arrojado e moderno do estádio começara a ser construído na área em que está localizado o supermercado Bonanza, no bairro Maurício de Nassau. A Construtora Pires Ferreira Ltda., empresa responsável pela obra, já havia erguido a base e parte dos ferros que sustentariam as colunas. Tudo foi ao chão, com os ferros cortados pela base. Eleito, Anastácio foi observar a destruição, acompanhado por Agnaldo Fagundes e pelo radialista Liezid Interaminense. Na Câmara, o vereador Salvador Sobrinho fortalecia o movimento, com discursos que inflamavam a situação. Num de seus pronunciamentos, referiu-se a Fernando Lyra como “o filho aflito, lutando pela aprovação das contas do pai”. Coube ao vereador José Augusto de Araújo, da bancada do governo, pôr fim ao projeto. Ele afirmou que sempre votara a favor das contas dos prefeitos anteriores e João Lyra não seria exceção – acabando com as pretensões de Drayton Nejaim. Logo após o presidente da Câmara, José Liberato, ter anunciado que as contas do ex-prefeito seriam apreciadas naquela reunião, o vereador Anastácio Rodrigues encaminhou à mesa projeto de resolução, propondo votação global das contas referentes ao exercício de 1963, incluindo as do prefeito Drayton Nejaim. Era uma forma inteligente de poupar João Lyra Filho de um prejuízo gigantesco, que poderia ter comprometido quase a totalidade de seus bens. A estratégia foi percebida pelo vereador Salvador Sobrinho. Rapidamente, ele apresentou uma emenda que pedia aprovação apenas para as contas de Drayton, alegando que “estas sim, devem ser aprovadas, por terem sido

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autorizadas pelo Legislativo municipal”. Informou ainda que as contas de Lyra estavam irregulares, pois realizou despesas sem autorização da Câmara, num total de CR$ 197.723.698,40. O seu ponto de vista baseou-se no parecer entregue à Câmara por Eliezir Vieira, assessor do Departamento de Assistência Técnica aos Municípios. Mas encontrou forte barreira dos vereadores José Araújo, Severino Rodrigues – o Chico do Leite (que era também vice-prefeito, mas na Câmara assumiu postura de opositor ao governo) –, Carlos Toscano e, especialmente, de Anastácio Rodrigues, destacando interesses políticos para a não aprovação. Detalhe curioso é que Salvador Sobrinho fora, no passado, homem da confiança de João Lyra Filho e líder de seu governo na Câmara, mas dizia-se “traído miseravelmente” no final de sua administração. Ao fim, as contas de João Lyra Filho foram aprovadas em primeira discussão, na reunião do dia três de dezembro de 1964. A votação secreta foi precedida por fortes debates. Foram oito votos favoráveis contra cinco. Em 1964, explode o movimento militar no Brasil. No dia 1º de abril, o governador Miguel Arraes foi preso, sendo levado para o 14º Regimento de Infantaria e, posteriormente, para o presídio da ilha de Fernando de Noronha. No dia seguinte, foi a vez de Pelópidas Silveira, prefeito do Recife, ser preso. Pressionadas pelo Exército, a Assembleia Legislativa e a Câmara Municipal aprovaram o impeachment do governador e do prefeito, depostos inconstitucionalmente pelos golpistas. Chovia no roçado do prefeito Drayton Nejaim, que se posicionou em favor da ditadura e, por esse motivo, considerava-se autorizado a agir da forma que lhe conviesse, para cercear os opositores, catalogados sob a categoria comum de subversivos e inimigos do regime. Drayton era um homem destemido, do tipo que enfrentava. Dizia-se que vivia cercado de capangas, que faziam seus serviços, mas que ele também tinha disposição para enfrentar quem quisesse. Era um homem muito coerente, com seu jeito de ser, com o sentimento que ele tinha, com aquilo no que acreditava. Mas algumas dessas coerências nem sempre estavam relacionadas ao bem, a exemplo da maneira de fazer política enfrentando e tentando esmagar os adversários. Nas primeiras horas em que se tomou conhecimento da ditadura, em

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Caruaru, o prefeito Drayton se armou e armou pessoas para defender o regime imposto. A prefeitura funcionava no antigo prédio do Grande Hotel, que era térreo e pertencia a um imigrante libanês chamado Halym Gorayeb, comerciante conhecido na cidade. Drayton transformou a então sede do governo municipal numa espécie de trincheira, de forte, cerrando buracos nas paredes e nas portas, para, com fuzis apontados, defender o golpe militar. Temia um “ataque” dos comunistas locais. Homens que, segundo Anastácio Rodrigues, não possuíam sequer baleadeiras. Além disso, todos haviam fugido. Inclusive Abdias Bastos Lé, um dos mais famosos comunas da cidade. Com o desfecho do movimento de 1964, a Câmara de Vereadores de Caruaru era um foco de agitação política. Um manifesto em votação, aplaudindo o golpe militar e os seus condutores, elaborado pelo vereador José Salvador Sobrinho e ainda com as assinaturas dos vereadores José Carlos Rabelo, Antonio Bezerra do Amaral, Amaro Veríssimo, Elias Torres, Gilberto Torres Galindo e Abel Ambrósio da Silva, provocou um mal estar entre os oposicionistas. Esse manifesto considerava “o Prefeito Drayton Nejaim como o líder civil da Revolução em Caruaru, tendo em vista que ao receber a Revolução, o Prefeito pôs a sua vida em defesa dos ideais revolucionários”. E dizia mais: “Autêntico líder revolucionário, o Prefeito Drayton Nejaim, nas suas bravas atividades no combate aos comunistas e simpatizantes da doutrina antidemocrática, mobilizando os seus liderados para enfrentar com ardor cívico e pátrio, defendendo os postulados sagrados da ordem cristã (...)”. O documento foi aprovado por maioria. De imediato, os vereadores de oposição reagiram. Durante os debates em plenário, lembraram o “carnaval” que o prefeito Drayton Nejaim fizera em Caruaru, transformando o prédio da prefeitura “numa fortaleza com pessoas armadas sobre o telhado da prefeitura e dentro do próprio edifício”. Lembravam ainda que fora instalado dentro da prefeitura um posto de rádio, dirigido pelo radialista Edécio Lopes, para transmissão de mensagens revolucionárias. O que era feito pela Rádio Cultura do Nordeste e garantia a comunicação com todo o Agreste pernambucano. Por meio dele, a população era encorajada e conclamada a lutar “ao lado da Revolução”.

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Nos momentos que antecederam o golpe de Estado, o prefeito Drayton Nejaim manteve diversos contatos com o coronel Justo Moss, chefe da 22ª CSM em Caruaru, comunicando suas atitudes às autoridades militares, até que se consolidou a ditadura militar. Como não houve reação, a fortaleza montada na Prefeitura foi desmobilizada, depois de alguns dias. Havia muitas pessoas armadas na sede do governo municipal, naquele dia. Relatos da época dão conta de 500 homens. Pode existir exagero nos cálculos, mas a verdade é que muitos estiveram prontos para contra-atacar, ao primeiro sinal de investida contra a Prefeitura. O prefeito Drayton Nejaim autorizou apenas a saída das mulheres, determinando que todos os homens lá ficassem entrincheirados, de armas na mão. Esperando um ataque comunista que nunca veio. Quem acompanhou tudo de perto foi o ex-vereador José Carlos Rabelo, então oficial de gabinete do prefeito. Em depoimento ao autor, Rabelo contou detalhes do dia em que os militares tomaram o poder em Caruaru: “No dia da revolução eu estava no gabinete, com Drayton. Ele mandou compadre Edécio [Francisco, Secretário de Agricultura] comprar onde pudesse socas, armas calibre 12 e 38. A rádio Liberdade fazia sua transmissão de dentro da Prefeitura, em cadeia com a rádio Rio Grande do Sul. Nesse momento, chega um ‘Jipão’ e desce o coronel Justo Moss, com uma metralhadora, procurando o prefeito. Quando Drayton o recebe, ele diz: ‘Prefeito, como está nossa cidade?’. Drayton olhou para ele e respondeu: ‘Coronel, não me leve a mal. Eu queria lhe fazer uma pergunta. O senhor é de qual lado? Eu estou perguntando por que o senhor é do 4º Exército e a rádio da Legalidade está dizendo que seu comandante, Justino Alves, apóia João Goulart’. Quando o coronel disse que era revolucionário, Drayton respondeu que agora ele poderia sentar. E contou que tinha informações de que o tenente Ferraz, delegado de polícia de Caruaru, estava descendo com todos os fuzis da delegacia para atirar contra a prefeitura. Drayton explicou que já estava com homens armados para se defender e que haveria um tiroteio. Falou que caso o coronel quisesse prender o primeiro comunista, para pôr ordem na cidade, fosse prender o delegado”, recorda Rabelo. Apesar da mobilização, nenhum ataque ocorreu. “Quando Drayton soube que o tenente Ferraz queria tomar a Prefeitura, no dia da revolução, ele

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mandou comprar armas e disse que se viessem, trocariam balas. Que não entregaria a prefeitura porque era um revolucionário. O tenente Ferraz era o delegado da cidade e estava com as armas da polícia militar em mãos. Por isso, uma turma ficou armada em cima da prefeitura, que funcionava no antigo prédio do Grande Hotel. Eu fiquei na parte de baixo. Os próprios funcionários estavam com o prefeito, porque Drayton era um líder. E não houve ataque algum porque o tenente Ferraz fugiu numa Rural”, rememora. Ao contrário dos relatos que afirmam que pessoas foram perseguidas pelos militares com apoio do governo municipal, José Rabelo diz que Drayton não dedurou ninguém. “É mentira. Quando o coronel Justo Moss foi até a prefeitura, no dia da revolução, disse que havia recebido informações do Exército de que Drayton era homem de direita e anticomunista. Então o coronel pediu uma relação de políticos, com e sem mandato, e de estudantes comunistas da cidade, dizendo que iria prender todos eles. Drayton respondeu que era político antes, durante e continuaria sendo depois da revolução e que não tinha vocação para dedo duro. Essa é uma das virtudes de Drayton. Tortura não houve aqui em Caruaru, mas houve prisões”, argumenta. Rabelo cita que havia em Caruaru pessoas ligadas ao setor profissional que eram agentes do SNI e muita gente não sabia. “Um deles era dentista. Havia um sargento do Exército, aqui, fingindo ser líder sindical”, conta. O ex-vereador afirma que foi favorável ao golpe de 64 e depois acabou preso pela ditadura. “Fui preso no Dops, porque participei de um congresso contra o fechamento das entidades estudantis. O maior erro da revolução foi ter alijado a juventude da vida pública. Todos esses políticos que se fabricam hoje no Brasil são fruto dos anos de exceção e de cerceamento da juventude no movimento estudantil. Nenhum ex-presidente militar roubou ou respondeu por crime de improbidade. Pode responder por incompetência administrativa, mas por roubo não”, defende. Quando ocorreu a intervenção militar, Drayton não perdeu tempo nem mediu esforços para apoiar as forças promotoras do golpe. Na quinta-feira, dois de abril de 1964, o prefeito foi até o Palácio do Campo das Princesas cumprimentar o novo governador do Estado, Paulo Guerra, alçado ao poder um dia antes, com o golpe que destituira Miguel Arraes. O encontro te-

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ve como principal objetivo estreitar os laços e as alianças entre aquelas autoridades políticas. A ditadura militar trouxe de volta ao Brasil o clima de tensão. Houve dispersão das esquerdas, prisões, atos institucionais. O país vivia uma época em que falar de comunismo era o mesmo que falar de coisas secretas e condenáveis e um pretexto para isolar seus adeptos das massas. O Brasil, mais uma vez, estava sob o regime de exceção. Dias incertos, cassações. As atas do Legislativo caruaruense daquela época registram sessões normais, com assuntos corriqueiros, outras com debates políticos acalorados. Quando uma proposição tinha a característica de ser examinada pela paixão política, era motivo de acirrados debates, às vezes com palavras fortes e ameaça de agressão física entre os vereadores. Os assuntos em pauta eram os mais diversos: calçamento, esgoto, atraso no pagamento dos funcionários municipais e votos de pesar. A doação de um terreno pertencente ao Município, pelo prefeito Drayton Nejaim, sem autorização da Câmara, existente no início da Rua João Condé, no Centro, provocou agitados debates. Detalhe: o terreno foi doado para que no local fosse construída uma bomboniere. Também foi motivo de intensos debates a apresentação de um voto de aplauso ao senhor Lindon Johnson, pela eleição como presidente dos Estados Unidos. O vereador Carlos Toscano aproveitou o momento para pedir que os colegas levassem mais a sério os seus desempenhos em favor do povo caruaruense, tendo em vista o lamentável distanciamento da população nas reuniões da Câmara. Afirmando ser um “soldado da revolução” e “defensor da civilização cristã”, Drayton afastou os comunistas e comprometeu adversários políticos, como o deputado Tabosa de Almeida e o jornalista Celso Rodrigues, seu adversário na eleição de 1963, intimado pelos militares. O vereador e vice-prefeito Chico do Leite também não era visto com bons olhos por Drayton. Certa noite, às 19h, Chico bate à porta de Anastácio para comunicar que estava certa a cassação de seus mandatos. “Não com o nosso voto e muito menos com os dos nossos liderados”, respondeu-lhe, categoricamente, o líder da oposição. No dia da reunião, a Câmara estava superlotada. Não cabia mais nin-

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guém. Era noite de 22 de dezembro de 1964. Como vereador, Anastácio não teve o direito de ter em mãos o Projeto de Resolução para apreciá-lo. O motivo da cassação era: o vereador e vice-prefeito Severino Rodrigues Sobrinho era “comunista e corrupto”. Chico do Leite não era uma coisa, nem outra. O seu “crime” era ter sido eleito vice-prefeito de Caruaru e fazer oposição ao governo. Na tribuna, Anastácio desafiou que apresentassem qualquer prova contra Chico. “Conheço vereador aqui que vivia rondando o Palácio de Arraes para conseguir subvenções”, disse, ironicamente, referindo-se a Salvador Sobrinho. Nada apresentaram. Mesmo assim, com os votos da maioria, a Câmara cassou os mandatos de Chico do Leite. Terminada a reunião, os três mosqueteiros foram à casa de Chico, naquela noite trágica. Luzes apagadas. Bateram à porta. Amedrontado e envergonhado, ele não saiu. Dois meses depois, em fevereiro de 1965, o prefeito Drayton Nejaim anuncia que vai se ausentar da Prefeitura de Caruaru por seis meses, para tratamento de saúde. Sofria de uma mastoidite (infecção bacteriana localizada no processo mastoide, a proeminência situada atrás da orelha) e faria uma cirurgia no Rio de Janeiro. O presidente da Câmara de Vereadores, José Liberato, assumiu o cargo. Inconformado, Chico do Leite recorreu à Justiça. O juiz José Tenório de Cerqueira julgou procedente o mandado de segurança impetrado por seu advogado, reconduzindo-o aos cargos. Ao tomar conhecimento, Drayton retomou as funções, mesmo com prejuízo de sua saúde, para que Chico não assumisse o governo. Liberato também retornou à Câmara. Chico do Leite reassumiu chamando de “perverso” o prefeito Drayton Nejaim. Este, por sua vez, em entrevista a uma emissora de rádio, referia-se a Chico como “safado” e “ladrão”. Na reunião de 21 de janeiro de 1965, é apresentado mais um Projeto de Resolução: cassação das suplências de Manuel Messias e Severino de Souza Pepeu, este último primeiro suplente do Partido Republicano. Ambos eram comunistas. Mais uma vez, Anastácio vai à tribuna, defendendo as suplências, naquela noite de caça às bruxas. Anastácio Rodrigues bradou: “Quem, nesta Casa, não subiu no palanque

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com os comunistas? Quem? Eu mesmo subi e foi na campanha de Cid Sampaio”. Nada adiantou a defesa. Souza Pepeu, primo legítimo de Anastácio, e Manuel Messias ficaram sem as suas suplências. “Os que mais eram favoráveis às cassações viviam rondando o Palácio das Princesas, no governo Arraes, à procura de subvenções. Enchiam os pulmões, dizendo que eram defensores da civilização cristã”, contrapõe o ex-prefeito. Durante o mandato de Anastácio na Câmara, foi apresentado um Projeto de Resolução para o aumento dos subsídios dos vereadores. O jeton (pagamento que se faz a parlamentares, nos níveis municipal, estadual e federal por sessões extraordinárias) passaria de CR$ 1 mil para CR$ 10 mil. Os “três mosqueteiros” da bancada de oposição votaram contra. Por questão de coerência, devolviam o valor correspondente ao percentual aprovado. A medida foi destaque na imprensa. O Jornal Vanguarda trouxe em manchete: “Vereadores vão devolver subsídios”. Juntos, enviaram à Diretoria de Expediente, carta assinada em conjunto, datada de 11 de julho de 1966. Votar contra o aumento e depois receber era, no mínimo, contraditório. O funcionário Leonardo Chaves, hoje vereador, fazia o pagamento. Na folha, os três opositores registravam anotação referente à devolução. No ano de 1964, o vereador Anastácio também votou contra o projeto de demolição do Jardim Siqueira Campos, apresentado por Drayton Nejaim. Inaugurado pelo prefeito Manuel Rodrigues Porto, o Neco Porto, em sete de setembro de 1908, inicialmente como Jardim Rosa e Silva, a praça era uma das mais belas da cidade. Foi o primeiro logradouro público inaugurado na cidade. Implantado ao lado da Catedral das Dores, o Jardim era ponto de encontro da juventude e palco de retretas promovidas pelas bandas musicais de Caruaru. O jardim foi reformado pelo prefeito Leocádio Porto e terminado pelo prefeito José Florêncio Leão. No passado, era conhecido como “jardim dos amores”. Ficou apenas na lembrança. Demonstrando uma insensibilidade cultural que lhe era peculiar, Drayton disse à imprensa que iria destruir o “picolé” – referindo-se ao coreto que havia no jardim, nos mesmos moldes da antiga Praça Sérgio Loreto, no Recife. O projeto foi aprovado pela base governista, no mesmo período em que a Diocese de Caruaru, junto à Associação Comercial, decidiu demolir a

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primeira Catedral de Nossa Senhora das Dores. Inaugurada em 16 de agosto de 1848, a construção fora uma iniciativa do professor e comerciante João Izidoro Gonçalves da Cruz e do Frei Eusébio Salles, para servir de sede à Paróquia de Caruaru. Em 1914, foi construída a sua segunda torre, sob orientação técnica de Manoel de Freitas, que contou com hábeis pedreiros. O vigário à época era o padre Luiz Gonzaga da Silva. Com o passar dos anos, a torre direita da Catedral apresentou uma rachadura. No ano de 1922, o cônego Luiz Gonzaga, vigário da Matriz, mobilizou três engenheiros que fizeram o trabalho de reforço no alicerce da torre. Fatos narrados no livro de tombo da Igreja. A Diocese de Caruaru foi criada no dia sete de agosto de 1948, pelo Papa Pio XII. Em 15 de agosto do ano seguinte, a cidade empossava o seu primeiro bispo, Dom Paulo Hipólito de Souza Libório. A Matriz de Nossa Senhora das Dores passou a ser a Catedral da Diocese caruaruense. Pouco mais de uma década após a fundação da Diocese, o problema na torre ficou ainda mais grave. Em 1964, o bispo diocesano dom Augusto de Carvalho foi a uma reunião na Associação Comercial de Caruaru. A entidade estava com projeto para demolir a sua sede e construir uma nova. Como Pilatos, o bispo lavou as mãos, entregando o problema à classe empresarial. Optaram pela demolição, iniciada em junho daquele ano. A igreja, no estilo barroco, abrigava a Cruz da Passagem do Século – hoje, parte integrante do patrimônio da Igreja da Conceição, por iniciativa do Instituto Histórico de Caruaru. À sua porta, realizava-se a Missa do Galo, nas noites de Natal. Somente em 15 de agosto de 1973 a nova Catedral de Nossa Senhora das Dores seria reinaugurada, com missa comemorativa aos 25 anos de implantação da Diocese – embora a obra ainda não estivesse totalmente concluída.

CASAMENTO Anastácio Rodrigues e sua esposa, Leuraci, subiram ao altar meses após eclodir o golpe civil-militar de 1964. Anastácio – que censurava o irmão Geraldo por ter noivado nove vezes com a mesma mulher, uma tal Suzana, de

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Pau Santo, na zona rural de Caruaru, e não ter casado com ela –, costumava dizer que só casaria quando tivesse condição de manter uma família. E atesta que trocou alianças “na data certa”. Apesar do mau exemplo, Anastácio guarda boas recordações do irmão. “O amor da minha mãe era Geraldo, o pai de Tony Gel. Todos nós tínhamos ciúmes dele. Era uma figura engraçada! Quando minha mãe o via, ela se renovava. Era o primogênito. Nós o chamávamos de ‘o profeta’. Costumava profetizar as coisas, inclusive quando iria chover”, recorda um nostálgico Anastácio. O eterno prefeito casou-se aos 35 anos e sem muita experiência com as mulheres. “Leuraci foi minha primeira noiva”, confessa, com timidez. Antes dela, enamorou-se por duas paraibanas. Uma no período em que se mudou para Campina Grande e outra de João Pessoa, que ele conheceu num Natal em Caruaru. Esta última reencontrou muitos anos depois. O fato inspirou uma crônica que recebeu o título de “O reencontro”. Na adolescência, Anastácio teve um namorico com a filha do empresário Santino Cursino. Mas, “namoro sério mesmo foi com Leuraci”, assegura. O encontro com a futura esposa foi singelo e quase profético. Um dos amigos de infância de Anastácio se chamava Valdemir Silva. Na juventude, eles costumavam ir ao circo ou frequentar a Sorveteria Lira, que pertencia a Delmiro Paes de Lira, pai do ex-vereador Rui Lira. A sorveteria ficava na Rua Vigário Freire, um pouco frontal com a esquina da Rio Branco. Havia ao lado a famosa barbearia de João cara de porco. Na frente, funcionava uma praça de carro, do outro lado a panificadora Princesa do Agreste (que hoje funciona na Rua Frei Caneca). Na esquina, via-se um café, onde se jogava sinuca, chamado Café do Barbosa. Naquele tempo, quase todas as pessoas tinham apelido em Caruaru. Barbosa, o dono do café, era chamado Barbosa “treme treme”, devido a um problema relacionado ao mal de Parkinson numa das mãos. A cidade irreverente em alguns sentidos era também conservadora. E hipócrita. O menino Rui Lira era proibido de frequentar a sorveteria do pai, por razões de fidelidade conjugal. Rui era o desgarrado, o bastardo, o filho da empregada doméstica que não fazia parte da família Lira oficial, registrada e com casamento legal e estabelecido. Por esse motivo, o menino nunca foi

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visto na sorveteria Lira. O pai proibiu que ele fosse lá para que a esposa legítima não visse o bastardo. Retratos da Caruaru do século XX. Valdemir, amigo de infância de Anastácio Rodrigues, morava na Rua José Bezerra e era sobrinho de dona Laura Bezerra, futura sogra de Anastácio. Dona Laura tinha uma irmã chamada Terezinha. Casada, mas sem filhos. Foi Dona Terezinha quem anunciou, certa vez, a Anastácio: “você vai casar com uma sobrinha minha”, em tom quase profético. Ela se referia a Leuraci Bezerra Vidal, que nascera no dia 11 de janeiro de 1940, em Caruaru. Anastácio contava com a simpatia de “Tia Terezinha”, como ele a chamava, mas ficava inseguro com a austeridade do sogro, José Santino Bezerra Filho, muito ciumento em relação à filha. Era um homem muito introspectivo e sua família gostava de espalhar a sua fama de homem austero e rígido. Dureza que amedrontou Anastácio, até que ele descobriu que José Santino era, na verdade, uma figura muito humana. “Começamos a namorar no Natal. Eu já tinha passado dos 30 anos”, rememora. Naquele tempo, chegar junto da namorada significava “encostar” e Anastácio “encostou” em Leuraci, pela primeira vez, na calçada na loja A Pérola, do empresário Miguel Amaral, no centro de Caruaru. O fato ocorreu depois de muita resistência de ambas as partes. Nessa fase, Anastácio era bancário, estudante da Fafica e Diretor de Educação e Cultura do município, mas totalmente inexperiente nos assuntos amorosos. “Era o que tinha que acontecer. Namorei uns três anos até casar”, afirma. O casamento aconteceu no dia quatro de julho de 1964, às 17h, na Igreja do Rosário. João Lyra Filho e sua esposa Guiomar Lyra e o casal João Elísio e Zina Florêncio foram as testemunhas do enlace. Os pais de Leuraci ofereceram um jantar aos convidados em sua residência, na casa 198 da Rua da Matriz. Olímpio Costa, chefe de cozinha famoso na cidade, ficou responsável pelo cardápio. O negão Olímpio era figura querida na cidade e na cozinha era bom demais. “Todo mundo queria bem a ele”, diz Anastácio. Quando casou, a noiva passou a assinar Leuraci Vidal Bezerra Rodrigues. A pontualidade foi um item observado na cerimônia de casamento de Anastácio e Leuraci. O noivo, que não gosta de esperar, tratou de alertar a noi-

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va. “Se você chegar 17h05 não vai mais me encontrar esperando na Igreja”. Por precaução, Leuraci não atrasou um minuto sequer. “Nunca vi uma noiva tão pontual! Ela chegou às 17h e eu já estava”, conta Anastácio, que convidou seu amigo Dom Paulo Libório para celebrar o casamento, mas não foi possível. O primeiro bispo de Caruaru, no entanto, iria crismar a primeira filha do casal, Tatiana de Fátima, que nasceria pouco tempo depois, em 21 de abril de 1965. “Foi preciso uma revolução para que eu casasse”, brinca Anastácio, aos risos, fazendo menção ao golpe militar de 64. Depois de casados, Anastácio e Leuraci foram morar num primeiro andar, na Rua 1º de Maio, no centro de Caruaru. Leuraci é professora aposentada, formada em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru, tendo sido laureada do curso. O casal teve duas filhas: Tatiana de Fátima Vidal Rodrigues, formada em Medicina pela Universidade Federal de Pernambuco, especialista em Oncologia Clínica pelo INCA – Cidade do Rio de Janeiro, e Virgínia Lúcia, formada pela Faculdade de Odontologia de Caruaru. Doze anos mais jovem que Anastácio, Leuraci tem certamente um pouco mais de vigor e agilidade que o marido. Entretanto, é hoje uma mulher que praticamente não enxerga. Um dos olhos perdeu totalmente a visão, o outro tem catarata que não pode ser operada, pois correria o risco de também não mais funcionar. Por conta desse problema, vive quase sempre reclusa, pouco sai de sua casa. A perda da visão, entretanto, não é o único problema que a impede de frequentar eventos sociais e políticos, ao lado de Anastácio. Leuraci é uma pessoa extremamente decepcionada com a vida pública. As dificuldades por que passou, junto ao marido, as pressões e as intrigas decorrentes do período em que Anastácio foi prefeito tornaram a ex-primeira-dama uma pessoa totalmente avessa à política e à vida social. Ao contrário do que se via naqueles tempos, quando Leuraci, sempre bonita e elegante, acompanhava o prefeito Anastácio Rodrigues nos acontecimentos de Caruaru, há muitos anos não se vê mais a figura dela em aparições públicas. Apesar de bem educada e simples, no trato com as pessoas, jamais aceitou dar entrevista para este livro. Somente uma vez, por telefone, conversou alguns instantes com o autor, de forma muito reservada, co-

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mentando alguns aspectos de sua trajetória como professora. Lembrou que ensinou nas escolas Vicente Monteiro, Professora Sinhazinha, José Carlos Florêncio, e que se aposentou na Jesuína Pereira Rego. Garantiu que era uma professora querida por todos. “Passei por muitos colégios e todo mundo gostava de mim. Para mim, todos eram iguais, brancos ou negros. Nenhum aluno se desgostou de mim”, ressaltou. Também era notória sua identificação com os alunos mais humildes. “Eu dizia que qualquer profissão é válida, que não é preciso ser doutor para manter a família e ser feliz”, recordou. Quando os alunos mais crescidos lhe davam maior trabalho, ela sempre os convencia de que mais na frente sentiriam falta daquele assunto que estava ensinando. Até hoje, quando sai de casa, Leuraci costuma ser parada nas ruas por seus ex-alunos. Dificilmente se recorda de algum. Mas todos são sempre muito carinhosos ao recordar dela em sala de aula, inclusive da mulher bonita e elegante que foi. E continua sendo.

Carlos Toscano recorda que, no decorrer da administração, alguns vereadores foram notando que o prefeito Drayton Nejaim não cumpria os projetos levados à apreciação do povo na eleição. “Algumas ações dele não se harmonizavam com o nosso pensamento. A partir daí, procuramos exercer o mandato de forma independente, a tal ponto que muitas divergências começaram a acontecer, em relação aos projetos que ele mandava para a Câmara. Tomamos essa posição com aceitação da própria população. Tínhamos uma ação destacada por isso”, ressalta. Segundo Toscano, tanto ele quanto os colegas Anastácio Rodrigues, Edson Barros e Zezito Florêncio chegaram à Câmara, inicialmente, como continuidade à campanha, já que todos votaram em Drayton. Em seguida, foram tomando uma posição mais independente. No entanto, representavam uma minoria, pois a bancada governista era majoritária, além disso, a liderança do prefeito era muito forte. “Ele era um político jovem, mas de muita aceitação popular, com um eleitorado fiel. O grupo de Drayton era muito forte pela liderança que ele tinha na cidade”, comenta o ex-vereador.

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Aliada a essa forte liderança, estava a fidelidade exagerada aos amigos. “Pelos amigos, Drayton fazia tudo, contrariava tudo. E criou em torno dele uma auréola de liderança muito forte, o povo tinha mesmo muito devotamento a ele. E, muitas vezes, com esses arroubos, ele conseguia superar a argumentação que podia não ser aceita pelo povo”, avalia. Carlos Toscano enxerga essa “fidelidade exagerada aos amigos” como o aspecto negativo em torno da figura do ex-prefeito. “Isso o levava muitas vezes a tomar atitudes que não eram do agrado da comunidade. Ele particularizava muito as amizades, a fidelidade política, e esquecia essa visão maior da comunidade”, critica. Toscano, hoje tabelião em Caruaru, assegura que por ser fiel aos amigos, Drayton acabava criando muitos laços de amizade com as pessoas e garantia, assim, um eleitorado fiel. O ex-vereador rememora, aos risos, que quando discursava contra o prefeito na Câmara, ele ia reclamar à sua mãe. “Drayton morava perto da minha casa. Eu na Rua Coronel Limeira e ele na Capitão João Velho. E ele criou uma amizade com mamãe. Quando eu na Câmara fazia os discursos contra ele, Drayton ia até a casa de mamãe e dizia: “Dona Toinha, Carlinho tá me massacrando. Fale com ele”. Aí mamãe me chamava e dizia: “Meu filho, não faça isso com Drayton, ele gosta tanto de você”. E eu respondia: “Mamãe, eu tenho uma responsabilidade com o eleitorado”. Como parlamentar, Anastácio Rodrigues desencadeou ferrenha oposição ao governo de seu município. Quando o assunto era a administração Drayton Nejaim, a crítica era ácida e impiedosa. O prefeito foi, sem dúvida, o alvo predileto do vereador estreante. Na reunião de 14 de julho de 1966, ele foi à tribuna para acusar Drayton de “omissão”, alegando que o prefeito não ia à Prefeitura, de onde se ausentou por mais de 90 dias, chegando a assinar documentos da municipalidade no Recife e na Fazenda Pedra Verde, de sua propriedade, em Caruaru. Disse que teve conhecimento do fato através da informação de um secretário municipal. Não mencionou o nome “porque muitos que aqui se encontram sabem disso”. A certa altura, o vereador exclamou: “Senhor Prefeito, reassuma a Prefeitura!”. O vereador Elias Soares saiu em defesa de Drayton, pedindo que Anastácio provasse as acusações e citasse o nome do informante. O presidente

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[1] Formatura da professora Leuraci Vidal, esposa de Anastácio [2] Desfile cívico, na Rua da Matriz. Na imagem vê-se a antiga Catedral e o Palácio Episcopal [3] Candidato a vereador, Anastácio faz comício ao lado do ex-prefeito Sizenando Guilherme [4] A Catedral das Dores, demolida em 1964, sob protestos do vereador Anastácio [5] Depois da demolição do Jardim Siqueira Campos, meninos jogam bola no espaço [6] Anastácio e Leuraci casaram no ano do golpe militar


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da Câmara, José Liberato, precisou interferir para acalmar os ânimos. Mas as acusações não terminariam por aí. Anastácio também fez bastante barulho na reunião de 24 de agosto, revelando a existência de irregularidades na administração municipal, relacionadas com operações bancárias contraídas pelo prefeito Drayton Nejaim, em estabelecimentos de crédito locais e com agiotas. O vereador apresentou documentos mostrando que funcionários da Prefeitura assinaram recibos de importâncias, referentes a juros relativos à prorrogação de prazos para pagamentos dos empréstimos, feitos pelo município a bancos da cidade. Exaltado, afirmou, ao final, que o prefeito estaria passível de impeachment. “Passei cinco anos combatendo Drayton, na Câmara. Fui incisivo, duro, fiscalizando. Eu era jovem, tinha saúde. Rabelo, que ainda não tinha se aproximado de Drayton, ficava na galeria vibrando. A galeria ficava cheia para ouvir Anastácio. Eu fui incendiário”, comenta, a respeito de sua atuação na vereança. No dia 27 de outubro de 1965, o governo ditatorial publica o Ato Institucional Número Dois, seguido pelo Ato Complementar Número Quatro, de 20 de novembro, que extinguiram o pluripartidarismo no Brasil. Os 13 partidos políticos que existiam no país foram colocados na ilegalidade e sumariamente fechados, estabelecendo o bipartidarismo, com a criação de um partido que desse sustentação ao governo militar e de outro que exercesse, dentro do possível, a oposição. Nesses moldes, surgiu no Brasil o partido de oposição denominado Movimento Democrático Brasileiro (MDB), organizado em fins de 1965 e fundado no ano seguinte, e a Aliança Renovadora Nacional (Arena), fundada no dia quatro de abril de 1966, de perfil plenamente conservador e ditatorial. Reza a lenda que, após o golpe militar, Fernando Lyra, antes de se tornar um autêntico do MDB, em 1966, tentou exaustivamente, junto com seu pai, João Lyra Filho, assumir o controle da Arena. Há rumores de que Fernando foi até a cidade de Garanhuns pedir o comando do partido ao governador Paulo Guerra. Governador do Estado entre 1964 e 1967, Paulo Guerra, além de advogado e criador de gado, também trabalhou como jornalista e costumava di-

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zer que a profissão não levava ninguém pra frente. Apesar dos esforços de Fernando Lyra, a Arena estava e continuou nas mãos de Drayton Nejaim. Este fato seria bastante explorado por Tony Gel, nas eleições municipais de 1988, quando disputou a Prefeitura de Caruaru, com João Lyra Neto, pela primeira vez. Tony costumava contrariar o adversário dizendo que seu irmão, Fernando, só pertenceu ao MDB porque chegou atrasado à tentativa de conquistar o comando da Arena. Nas poucas vezes em que tratou do tema publicamente, Fernando Lyra negou veementemente a intenção inicial de apoiar o partido dos militares. Em sua última entrevista à imprensa caruaruense, o ex-ministro da Justiça disse que jamais mudou de lado. “Eu mudei de partido, porque partido no Brasil não existe. Mas de lado, não. Sempre estive do lado de cá. Eu sou fundador do MDB. Tony Gel dizia que eu queria ir para a Arena, idiotice completa”, criticou, no programa Cultura Entrevista. Nabor Santiago, draytista desde a década de 70 e fiel escudeiro de Drayton até os seus últimos dias, confirma a versão do flerte de Fernando Lyra com o partido dos militares e cita detalhes sobre o encontro. “Foi numa reunião em Garanhuns e Drayton disse que de maneira alguma Fernando tomaria o partido”, cita. “Ele não é de confiança dos militares e quando menino andou fazendo política com o professor Bione, que era integralista”, teria dito Drayton, em referência à eleição municipal de 1955, em Caruaru. Ainda segundo Nabor, Drayton deixara Fernando Lyra confuso ao chamá-lo de deputado ‘MIL’. “Drayton disse a Fernando: estamos separados e você é deputado MIL. O significado ele só disse em praça pública: Mentiroso, Irresponsável e Ladrão”, resgata Nabor. Verdade ou não, Fernando Lyra assinou sua filiação ao MDB em 1965, para fazer oposição ao golpe de Estado verificado no ano anterior, e iria se destacar como um dos autênticos do partido, na luta pela redemocratização. Em Caruaru, Anastácio também foi um dos fundadores da legenda oposicionista. “Eu estava na fazenda de Raimundo Ferreira, com colegas do banco, quando Fernando mandou me chamar para assinar a filiação ao MDB”, afirma. Nas eleições de 15 de novembro de 1966, a Arena sai vitoriosa em Caruaru. Foram eleitos para deputados federais Tabosa de Almeida e João Lyra

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Filho e para estaduais os estreantes Aracy Nejaim e Fernando Lyra – este último se tornaria um dos grandes parlamentares do país, na luta pela redemocratização, anos depois. Fernando Soares Lyra nasceu aos oito dias do mês de outubro de 1938, na cidade do Recife, em plena Segunda Guerra Mundial. Nasceu na capital por acaso. “Minha mãe foi visitar a família e deu à luz. Eu fiquei recifense, sendo de Caruaru”, recordaria muitos anos depois. Fernando cursou o primário no Colégio Sagrado Coração e outras escolas particulares em Caruaru. Em 1950, fez curso de admissão ao ginásio e foi estudar como interno nos Salesianos do Recife. Três anos depois, matriculou-se no Oswaldo Cruz. De volta a Caruaru, cursou o Clássico – equivalente hoje ao ensino médio –, no Colégio que levava o nome da cidade. Estudava à noite na Escola Técnica do Colégio de Caruaru e, durante o dia, ficava numa loja de peças de automóveis que pertencia ao pai. Desde menino e até a adolescência, seu interesse maior era por futebol, uma vez que a cidade não oferecia quase nada de distração, inexistindo também qualquer tipo de organização política estudantil. O interesse pelo futebol o levaria a ocupar, anos depois, o cargo de diretor do Central Sport Clube de Caruaru, orientado por Luiz Lacerda. Quando fez campanha política pela primeira vez, Fernando não era sequer eleitor. Em 1955, o governador de Pernambuco, general Osvaldo Cordeiro de Farias, foi a Caruaru e indicou um candidato único a prefeito. Apoiando Juarez Távora, o governador não queria ver o PSD, partido pelo qual, de certa forma, fora eleito, apoiando Juscelino para presidente. A ideia era sustentada pelo deputado estadual Tabosa de Almeida – para quem, dessa forma, a cidade conseguiria apoio dos governos Estadual e Federal com mais facilidade, visando à solução de seus problemas. A reunião aconteceu no Restaurante Magestic, lugar de parada para o almoço, confraternizações e reuniões sociais e políticas da sociedade caruaruense, naquela época, que pertencia ao libanês Halim Gorayeb. Começaram a surgir os nomes, todos rejeitados. Irineu de Pontes Vieira apresentou o médico Geminiano Campos e as forças políticas aprovaram. Uma fotografia da época mostra detalhes do momento em que Dr. Geminiano era convencido a disputar o cargo como candidato de conciliação,

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sucedendo Abel Menezes. Na imagem, feita na residência do médico (atual sede da Academia de Cultura, Ciências e Letras de Caruaru), aparecem o padre Zacarias Tavares, o juiz Amaro de Lira e César, o bispo Dom Paulo de Souza Libório, o próprio doutor Geminiano e o prefeito Abel Menezes. Caruaru seria governada por um homem que todos admiravam pela honradez, humildade, bondade e retidão de caráter. Mas o Dr. Geminiano já estava velho e cansado. Governar Caruaru, para ele, seria um verdadeiro sacrifício, àquela altura da vida. Na calada da noite, pessoas batiam à porta de sua casa. “Acorda, Dr. Geminiano, para ser prefeito de Caruaru”, fato que o incomodava. As más línguas diziam que populares faziam isso incentivados pelo próprio Irineu de Pontes. Roque Pais Barreto, um sobrinho do médico, residente no Rio de Janeiro, ao tomar conhecimento do que ocorria com o tio, pegou um avião, às pressas, veio a Caruaru e desmanchou o acordo. “Desde que recebi o convite dos meus bons amigos para candidatar-me à Prefeitura de Caruaru, comecei a ponderar a enorme soma de responsabilidades que me aguardaria e senti-me fraquejar; a saúde, já precária, começou a se abalar. Pus-me a pensar na minha definitiva renúncia à referida candidatura. O meu sobrinho apenas deu corpo às idéias que já me fervilhavam no pensamento”, externou o médico, em nota divulgada a 27 de agosto de 1955. Dr. Geminiano retirou a candidatura e tudo voltou à estaca zero. “A nosso ver, ele nunca deveria ter aceitado. Era um homem ingênuo e puro”, ressalta Anastácio. Surgiu, então, a candidatura de Sizenando Guilherme de Azevedo, em substituição a Geminiano, com apoio do PSD. Houve, no entanto, discordância. Os estudantes, inconformados, revoltaram-se contra a imposição de um candidato. Nesse ínterim, é lançada a candidatura de João Arruda, homem de bem da sociedade caruaruense. O vice escolhido foi Venício Lima, que nascera com o germe da política no sangue. Programa traçado, a chapa vai às ruas. De repente, João Arruda desiste de ser candidato, quando descobre que os “vermelhos” (os comunistas) estavam no meio da jogada. Estudante secundarista, de colégio noturno, Fernando Lyra tinha um professor de matemática que sistematicamente discutia política em sala de aula. Nesta ocasião, a proposta de candidato único para a Prefeitura de

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Caruaru era o assunto mais comentado na cidade e o professor era uma das vozes mais exaltadas e inconformadas com a regra imposta pelo governador do Estado. Certa feita, Fernando perguntou qual a posição de José Bione de Araújo e se considerava correta a questão. Mediante a resposta negativa, questionou: “Por que o senhor não se lança candidato?”. Conclusão: aos 16 anos, Fernando Lyra foi um dos coordenadores da campanha, destacando-se naquelas eleições. O primeiro comício que ele participou na vida aconteceu nesta eleição, no populoso bairro do Salgado. Orador fluente, de gesticulação e frases marcantes, José Bione foi um dos mais atuantes e inteligentes integrantes da Ação Integralista Brasileira, de Plínio Salgado. Bione foi candidato pelo Partido de Representação Popular (PRP). Ele enfrentou Sizenando Guilherme de Azevedo, apoiado pela “Coligação Caruaruense” formada pelos partidos UDN, PTB, PSP, PRT, PST e o PDC, que reunia figurões como Pedro de Souza, João Elísio Florêncio, José Victor de Albuquerque, João Cursino e outros líderes que faziam oposição ao PSD. A campanha de José Bione começou de forma modesta, tanto pela falta de estrutura política e financeira, quanto pela dificuldade para um antigo “galinha verde” sair à praça pública em busca de votos. Aos poucos, porém, seus comícios foram ganhando corpo e a diferença em favor de Sizenando diminuiu. No dia da eleição, três de outubro de 1955, Anastácio Rodrigues votou no professor José Bione, que somou apenas 4.513 votos, contra 9.011 dados a Sizenando, eleito prefeito para governar Caruaru num período em que a cidade se preparava para comemorar o seu Centenário. Severino de Souza Ferraz foi o vice-prefeito eleito em 1955. E Celso Rodrigues, primo de Anastácio, conquistava seu primeiro mandato de vereador, pela legenda do PTB – apoiado pelo deputado estadual Drayton Nejaim. Sizenando tomou posse em 16 de novembro de 1955. Em 1958, durante a campanha de Cid Sampaio para o Governo do Estado, Fernando participou intensamente de todos os atos que aconteceram em Caruaru. No ano seguinte, engajou-se na campanha de seu pai, João Lyra Filho, candidato a prefeito, cujo mandato durou até 1963. Em 1961, teve de

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apoiar, contra a vontade, a candidatura de Jânio Quadros a presidente, favorito do governador Cid Sampaio, que apoiava João Lyra Filho. Apesar da participação em campanhas políticas, até então Fernando Lyra restringia suas atividades aos negócios da família. No início dos anos 1960, por exemplo, dividia seu tempo entre um pequeno negócio de venda de gás e o curso na Faculdade de Direito de Caruaru, onde se formou, na primeira turma de concluintes, em 1964. Foi vendedor autorizado da PIB Gás, numa firma intitulada Lyra e Vieira, em sociedade com um primo, Irajá Vieira. Ele mesmo dirigia o caminhão e vendia fogão de porta em porta. Foi também superintendente da Rádio Cultura do Nordeste, fundador e primeiro diretor do Lions Clube Caruaru e participou de eleições no Clube Intermunicipal. “Quando eu vivia em Caruaru, tinha uma participação efetiva nos acontecimentos da cidade”, dizia Lyra. Fernando Lyra ainda vendeu passagens da Varig e foi diretor da Rodoviária Caruaruense até se engajar totalmente na carreira política. Ele casou com Márcia Lyra em 1963, na Igreja do Rosário, em Caruaru. Drayton Nejaim, eleito prefeito naquele ano, e sua esposa Aracy, foram testemunhas. Márcia começou a namorar Fernando em setembro de 1959, quando ela tinha apenas 13 anos. Até aí, a atuação política de Fernando Lyra estava resumida a participação em campanhas eleitorais e como orador em comícios. Quando eclodiu o golpe de 1964, sem muita consciência política, Fernando Lyra achou tudo aquilo “muito estranho”. Foi se dando conta da violência política, dos atos de exceção. Em 1965, tantas foram as cassações que faltaram deputados federais em Pernambuco. Na tentativa de completar a bancada, houve uma eleição suplementar para deputado federal. Fernando votou em João Ferreira Lima. “Meu primeiro voto de oposição consciente, foi nessa eleição”, recordaria, anos depois. A partir daí, alguns companheiros lhe incentivaram a entrar na política partidária. Em meados da década de 1960, ajudou a fundar o MDB de Caruaru e de Pernambuco. Nas eleições de 1966, saiu candidato a deputado estadual e seu pai, João Lyra Filho, a deputado federal, ambos eleitos para o mandato de 1967 a 1971.

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Nessa eleição, João Lyra Filho arrasou suas finanças para eleger a si próprio e ao filho Fernando Lyra. João Lyra Neto estava no segundo ano da Faculdade de Direito do Recife e foi forçado pelas circunstâncias a suspender o curso e retornar a Caruaru. Imediatamente, assumiu a direção da Rodoviária Caruaruense, já que seu pai e seu irmão, até então responsáveis pela empresa, estariam cada vez mais ausentes e era preciso reerguer o patrimônio financeiro da família Lyra. “Quando segui a minha vocação e comecei a ser político profissional eu me dediquei totalmente à política. Deixei meus negócios e os interesses pessoais que me ligavam a Caruaru sob o ponto de vista material. Fui para Recife, depois fui deputado federal e me dediquei totalmente à minha vida pública. Eu sou um homem devotado à vida pública, com muito orgulho e muita honra”, disse Fernando Lyra em entrevista à Rádio Cultura, em 1997. Por ter tido, desde cedo, reconhecimento estadual e, sobretudo, nacional em sua atuação política, a participação de Fernando Lyra na política caruaruense era mais visível nos bastidores e nas articulações. O deputado federal também era bastante criticado por sua ausência. Os adversários diziam que ele só recorria a Caruaru em época de eleição. A dimensão que sua vida pública alcançou o impediu, por exemplo, de ser prefeito da cidade. Questionado sobre se teria o desejo de disputar o cargo, Fernando Lyra foi enfático, mas reconheceu a impossibilidade. “Quem sou eu para ter essa honra de ser prefeito de Caruaru? Você, às vezes, não tem a chance de ser aquilo que gostaria de ser na política. Eu não fui prefeito por circunstâncias. Gostaria de ter sido”, disse. E citou o exemplo do governador Miguel Arraes. “Dr. Arraes dizia que foi governador três vezes, mas o cargo que mais lhe orgulhava era ter sido prefeito do Recife”.

Quando vereador, Anastácio concedeu apenas um Título de Cidadão Caruaruense, ao médico Valdemiro Balbino Ferreira, pernambucano de Vitória de Santo Antão. Ligado ao Instituto dos Bancários, Valdemiro cuidou da saúde de Cícero Rodrigues, pai de Anastácio (que morrera vitimado por cirrose hepática, conhecida popularmente como “barriga d’água”). O médico

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também atendeu durante muito tempo o sogro de Anastácio, José Santino Bezerra Filho. O Projeto de Lei foi aprovado em 1966. O médico recebeu o título em reunião festiva, no dia 22 de dezembro, na Câmara Municipal. Pela lista de serviços prestados a Caruaru, desde 1936, muitos anos depois, Valdemiro Ferreira teve sua memória perpetuada no Hospital Regional do Agreste, que recebeu seu nome. “Eu acho que nem todo mundo deve receber Título de Cidadão de Caruaru”, aponta Anastácio. Ainda em 1966, no dia 29 de maio, o prefeito Drayton Nejaim inaugurou o Palácio Municipal de Caruaru, hoje com o nome de seu pai, Jayme Nejaim. A obra foi executada em 253 dias e custou cerca de CR$ 380 milhões. Toda a mão de obra foi contratada na própria cidade. Uma obra importante para Caruaru. Anastácio quis também conceder o Título de Cidadão de Caruaru ao Dr. Geminiano Campos, conceituado médico que viveu na Caruaru do passado. Certo dia, ele estava na janela de seu casarão, na Rua Quinze de Novembro (atualmente, sede da Academia Caruaruense de Cultura, Ciências e Letras) quando o vereador Anastácio lhe antecipou o desejo de homenageá-lo. Pediu os seus dados biográficos e ele agradeceu. Poucos dias depois, o médico lhe escreveu uma carta, pedindo que o “dispensasse de tal sacrifício”. Disse ainda não ter terno condigno para a solenidade. “Eu sou candidato a cidadão do Dom Bosco”, escreveu, referindo-se ao fato de estar no final da vida e mencionando um dos principais cemitérios da cidade. Morreu sem o título. “A carta é de tanta humildade que não gostaria de publicá-la”, diz Anastácio. Natural do Brejo da Madre de Deus, Dr. Geminiano Campos foi para Caruaru muito jovem, após a chegada do trem, hospedando-se na residência do professor Vicente Monteiro. Tinha mania de corrigir os erros observados nos livros que leu ao longo da vida. Um deles foi ofertado a Anastácio Rodrigues, no tempo em que este era funcionário do Jornal Vanguarda. Em 18 de maio de 1967, a cidade de Caruaru comemorou 110 anos. Dias depois, na Câmara Municipal, o vereador Anastácio leu uma nota publicada no Jornal do Commercio, de autoria do jornalista Luiz Tôrres, sobre discurso proferido pelo deputado João Lyra Filho, quando da passagem do aniversário do município. Ele pediu que o texto fosse transcrito na Ata dos

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trabalhos deliberativos. Anastácio também leu o Manifesto da Juventude Agrária Católica, dizendo que o homem do campo continuava sendo desprezado pelos poderes constituídos do país. O vereador salientou a importância do documento, que representava a tomada de posição de uma classe hostilizada e um brado de alerta contra o futuro. Em 31 de maio, a cidade se despedia de outro ex-prefeito, o engenheiro Gercino Malagueta de Pontes falecia no Hospital Português, no Recife, vítima de trombose. Ele era filho do coronel João Guilherme de Pontes, foi prefeito de Caruaru, deputado federal por dois mandatos, secretário estadual de Viação e Obras Públicas e Superintendente da Rede Ferroviária do Nordeste, onde se aposentou como funcionário público. Foi ele o responsável pela construção da atual Estação Ferroviária (RFFSA), em Caruaru. Membro histórico do PSD, Gercino de Pontes foi sepultado no Cemitério Dom Bosco.

Em sua trajetória política, Drayton Nejaim utilizava uma estratégia específica para transformar adversários em aliados: oferecer vantagens. Na sua ótica, o inimigo da véspera podia muito bem vir a ser o aliado circunstancial de amanhã. Certa vez, o prefeito esteve na agência do Banco Português, acompanhado de seu amigo, radialista Edécio Lopes. Lá, encontrou o vereador Anastácio Rodrigues, funcionário do banco. Tratou de cumprimentá-lo e colocou seu governo à disposição do adversário. “Eu jamais cruzarei os batentes de seu gabinete para lhe pedir uma imoralidade. Se você está fazendo algo pelo povo não é favor, é sua obrigação. Cumpra o seu dever”, respondeu um raivoso Anastácio. E não perdeu a oportunidade de afirmar que se o prefeito ouvisse a voz da pequena oposição, erraria menos. Naqueles dias, a Prefeitura de Caruaru enfrentava uma situação calamitosa, levando o vereador Salvador Sobrinho, da base governista, a fazer um apelo, na Câmara Municipal, ao presidente Costa e Silva e ao Ministro da Fazenda, Delfim Netto, no sentido de autorizar o pagamento, à Prefeitura, do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e a cota do Imposto

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de Consumo, devido pela União. Salvador Sobrinho lamentava o atraso de vários meses no pagamento do funcionalismo, apontando um clima de pânico entre os servidores, já que muitas pessoas estavam passando privações. O pagamento do FPM estava suspenso devido à inadimplência do município junto ao órgão previdenciário – fato que iria causar muitos transtornos, por mais alguns anos. Ao mesmo tempo, o vereador Amaro Veríssimo denunciava o estado de abandono em que se encontrava a cidade, no setor de limpeza pública, com lixo amontoado nas praças e ruas. Como exemplo, citou a Praça Leocádio Porto, transformada em depósito de sujeiras. A situação crítica se agravou ao ponto de o vereador Carlos Toscano solicitar ao presidente da Câmara, José Liberato, a designação de uma Comissão Especial de Inquérito para investigar o ensino primário no município. Toscano denunciou o fechamento de várias escolas na zona rural de Caruaru e afirmou que várias professoras estavam abandonando seus cargos em virtude do não recebimento dos salários desde abril, totalizando cinco meses de vencimentos não recebidos. Em virtude do abandono das cadeiras pelas professoras municipais, as vagas eram preenchidas por estudantes dos cursos Normal ou Pedagógico, e até mesmo do curso ginasial, em desrespeito à Lei – informou Carlos Toscano. A notícia de que o prefeito Drayton Nejaim seria afastado do cargo por desvio de verbas federais tomou conta da cidade em fins de setembro. O comentário surgiu depois que o Ministério da Educação enviou ao município verba no valor de seis mil cruzeiros novos, tendo o prefeito aplicado o recurso em setor diferente do indicado. Os comentários eram diferentes e as interpretações também. Neste caso, a verba não havia sido desviada, mas aplicada de forma diversa. O recurso veio para a construção de um grupo escolar, mas foi revertido para completar o equipamento de 32 grupos escolares existentes. Mesmo com uma atuação destacada e colérica, Anastácio quase renunciou ao cargo de vereador. Em 1967, o governo do presidente Castelo Branco anunciou que os mandatos dos vereadores seriam prorrogados. Ao tomar conhecimento, Anastácio voltou a ocupar a tribuna, para discordar da medida. “Vereador não se nomeia, elege-se. Caso os mandatos sejam pror-

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rogados, eu renunciarei. Não aceitarei a prorrogação”, disse, na ocasião. A notícia correu e preocupou inclusive os vereadores da base do governo. Começaram a surgir os apelos, entre eles, o datado de 09 de novembro de 1967, que muito honrou a Anastácio. “(...) o nosso mais veemente apelo para que continue no pleno exercício do seu mandato, prorrogado como os demais, por ato do Governo Revolucionário, isto para alegria dos seus pares e o bem da comunidade caruaruense, porque a vida parlamentar do ilustre colega tem sido pautada dentro de um equilíbrio invulgar, sensatez e inteligência, qualidades positivas que o levaram à consideração e o respeito desta Casa e do povo de Caruaru”, dizia o texto assinado pelos vereadores José Antônio Liberato, presidente da Câmara, Aurelino Joaquim do Nascimento, José Augusto de Araújo, Amaro Veríssimo, Antonio Bezerra do Amaral, Edson Barros Pereira e Elias Soares. Mas surpresa maior o aguardava. Numa tarde daquele mesmo mês, Anastácio vai adentrando a casa de seu sogro, José Santino, quando é surpreendido pelo próprio Drayton Nejaim. Ele fora ao seu encontro entregar uma carta, assinada e com firma reconhecida, datada de 07 de novembro, contendo seu apelo pessoal no sentido de que não renunciasse ao cargo. “O prefeito solicita a Vossa Senhoria, em nome de Caruaru e zelando por nossa cidade, que continue exercendo o seu mandato de vereador, mesmo na oposição política e administrativa ao nosso governo, mas nunca consinta que esse mandato, que o povo lhe conferiu, sirva para atrofiar a nossa terra”, solicitava Drayton, num trecho da carta. O apelo era incomum, afinal, Anastácio havia se tornado uma pedra no sapato do prefeito Drayton Nejaim, fazendo-lhe oposição ferrenha na Câmara. Surpreendia, ainda, o fato de Drayton ir pessoalmente lhe entregar a carta e a forma como o fez. Sem anunciar a visita. Como se o viesse seguindo pelas ruas, até vê-lo chegar à casa. O primeiro suplente de Anastácio era o ‘popocrata’ Zé Rocha, inimigo político de Drayton e feroz em suas palavras. Daí o motivo de o prefeito temer sua posse no cargo. Além dos apelos citados, surgiram outros, de amigos e entidades de classe. Anastácio pensou muito antes de tomar uma decisão final. Era preciso usar o bom-senso. “O homem nunca deve tomar decisões pela paixão”, diz, observando o fato à distância de anos.

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O vereador pensou em seus amigos, nos eleitores, nos companheiros de bancada, Edson Barros e José Florêncio de Sousa – corretos, decididos e solidários para com ele. Pensou em Caruaru e chegou à conclusão: não poderia deixá-los sós. Reconsiderou seu posicionamento, aceitando a prorrogação. Fato cujo mérito Drayton Nejaim passou a atribuir como sendo trabalho de seu próprio grupo político. “Se ele soubesse que eu seria candidato a prefeito, não teria escrito aquela carta”, avalia Anastácio. No final de novembro, o prefeito Drayton foi até Brasília tratar de assuntos do município. Anunciou que seria recebido pelo presidente Costa e Silva. Embora afirmasse que trataria do abastecimento d’água na cidade, estava claro que a viagem tinha como missão principal conseguir a liberação dos recursos do Fundo de Participação dos Municípios. Antes de partir, Drayton fez um desafio aos adversários. O prefeito afirmou, literalmente, que desafiava qualquer força política de Caruaru que pudesse lhe destruir nas eleições que se aproximavam. “Meu grupo político é forte, coeso e sabe o que quer. Em outros tempos, nós esmagamos os nossos adversários; avalie, hoje, quando temos candidato à minha sucessão, lançado há mais de três anos (ele referia-se ao presidente da Câmara, o vereador José Liberato)”. E ainda esnobou: “Enquanto isso, nossos adversários ficam pedindo nomes emprestados dentro da nossa área”. Sem êxito na missão em Brasília, Drayton Nejaim retornou a Caruaru e enviou à Câmara Municipal pedido de autorização para venda do terreno onde se localizava o antigo matadouro público. Com o dinheiro, pretendia quitar o débito do município com o IPSEP e, assim, conseguir a liberação dos recursos do FPM. Para calar a voz da oposição, que enxergou na venda uma forma de redução do patrimônio municipal, o prefeito foi até a Câmara explicar suas razões. A seu modo, disse que o comentário tinha intenção de deturpar os fatos e enganar o povo. Julgando-se agredido, sem direito de defesa, não pensou duas vezes antes de aceitar o convite da Câmara. Segundo Drayton, a defesa que se fazia do governo, naqueles dias, “muito deixa a desejar”, alfinetou, sem esconder que sua relação com os vereadores da base não era das melhores. Drayton explicou que a dívida junto ao IPSEP era originária de outras administrações e já somava 17 anos de atraso. Disse que procurou a autar-

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quia para liquidar a parte da dívida referente ao seu governo, mas o Instituto só aceitava o recebimento na totalidade. Em sua justificativa, Drayton apontou que o terreno do matadouro tinha 87 lotes, os quais, vendidos a unidade por uma média de três mil cruzeiros novos, renderiam 261 mil cruzeiros novos. Com essa importância, pagaria parte da dívida e construiria um novo matadouro. Em virtude da ausência dos membros da bancada oposicionista e do vereador Aristides Veras, que votaram contra a venda do terreno, na reunião anterior, o prefeito fez um apelo quase dramático ao vereador Carlos Toscano para que desse seu voto favorável ao projeto. Em seguida, Drayton se retirou da Casa Legislativa. Ato contínuo, o presidente José Liberato encaminhou ao plenário a mensagem do prefeito. Durante a discussão, Carlos Toscano apresentou documentos provando ter conclamado o prefeito, desde 1965, a liquidar a dívida do município junto ao IPSEP, sem que os seus apelos merecessem qualquer atenção de Drayton – que, segundo o vereador, deixou passar oportunidades de saldar a dívida sem juros, correção monetária e multa. Enquanto Toscano se pronunciava, Drayton Nejaim ressurgiu, de forma inesperada, no recinto da Câmara, aparteando o vereador e dando suas explicações. O momento foi de suspense. Apesar dos diversos apelos feitos por outros vereadores, Carlos Toscano pediu o adiamento da votação. O projeto foi aprovado, dias depois, graças a uma emenda do vereador Aristides Veras, ao projeto do Executivo, propondo a criação do Fundo Imobiliário Municipal (FIM), autorizando ao prefeito Drayton Nejaim a venda do terreno. A aprovação aconteceu numa reunião agitadíssima, em que a oposição centrou fogo contra a mensagem governamental e, sobretudo, contra a emenda que serviu como manobra para tornar vitorioso o projeto encaminhado pelo prefeito. O vereador Carlos Toscano era um dos mais coléricos. Embora reconhecendo antecipadamente a vitória dos governantes, disse que a oposição jogaria todos os trunfos naquela noite. Toscano classificou a emenda do vereador Aristides Veras como uma “série de burrices”, com que seu autor pretendia passar “gato por lebre”. Carlos Toscano afirmou que, através do projeto, o governo municipal,

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com autorização para vender, construir e tratar de negócios imobiliários, estaria fazendo concorrência desleal à empresa privada, no setor da construção civil. O vereador Anastácio Rodrigues também usou a tribuna para combater o projeto de Aristides Veras. Disse que seu colega Carlos Toscano “incinerara” a emenda do vereador do bairro Petrópolis, cuja única finalidade seria a de autorizar o prefeito a vender o terreno. Num dos artigos do FIM, o vereador Aristides Veras previa a permanência do prédio do matadouro público em seu local de origem, sendo posteriormente transformado em um museu. Embora o prefeito Drayton Nejaim não escondesse a preferência pela demolição após a construção de um novo matadouro, em local conveniente. O vereador Anastácio Rodrigues, referindo-se ao assunto, chamou o equipamento de “museu mundício”. A conduta de Anastácio na Câmara de Vereadores de Caruaru, votando contra as cassações, protestando contra a prorrogação de mandatos, não aceitando o aumento de subsídios e combatendo ardorosamente a administração do prefeito Drayton Nejaim, com prestígio em certa área dos militares, talvez estivesse colocando o seu próprio mandato em risco. Mas não foi isso o que aconteceu. Os jornalistas credenciados à Câmara, nos anos de 1966 e 1967, escolheram-no como o vereador mais atuante daquela legislatura. Carlos Toscano acredita que ao lado de Anastácio, Edson Barros e Zezito Florêncio, formou na Câmara um grupo que tinha maior sensibilidade e visão da cidade. “Anastácio era realmente uma das lideranças da Câmara pela formação que ele tinha, um dos elementos destacados pela seriedade e pelo estudo com o qual desempenhava os seus trabalhos. Ele foi Diretor de Educação e Cultura com uma atuação muito boa. Foi isso que o permitiu, quando prefeito, levar uma experiência ao cargo, juntando a preferência que teve de um eleitorado mais representativo da comunidade, no sentido de poder avaliar as candidaturas dentro de uma visão diferente”, enfatiza. Toscano explica que Anastácio conseguia expressar ideias que ressaltavam o grande amor que ele tem por Caruaru. “Isso não é uma coisa nova. Anastácio sempre teve esse entusiasmo, esse interesse, essa responsabilidade pelo progresso da cidade, de se preparar no futuro para que Caruaru fosse uma cidade cada vez mais representativa no conceito do Estado. Foi

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O ex-prefeito Drayton Nejaim exerceu uma liderança política inquestionável em Caruaru e manteve um eleitorado fiel que o venerava

uma preocupação dele sempre”, destaca. No último ano do governo Drayton Nejaim, a maioria dos vereadores da bancada do prefeito estava inconformada com o fato de não estar recebendo “o tratamento que merecia”. Era notória a crise entre os dois poderes. Nas vésperas da renovação da Mesa Diretora, o vereador Carlos Toscano levanta a voz contra o que considerava “os desmandos de Drayton”. Os descontentes se uniram aos “três mosqueteiros”. A partir daí, nasceu o bloco majoritário, composto por sete nomes. Formaram a maioria, assinaram documentos e derrotaram o prefeito – com fortes sinais de desgaste perante a opinião pública, Drayton levava sua primeira grande rasteira. Como surpresa maior, para o prefeito Drayton e os vereadores derrotados, Anastácio foi eleito vice-presidente da Câmara. O vereador Aristides Veras foi o líder daquela rebelião. Era o ano de 1968. Uma nova eleição para prefeito começava a ser desenhada e a vida de Anastácio iria mudar completamente.

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Nos idos de 1966 e 1967,a crise econômica nacional massacrava Caruaru. O município declinava. A adversidade bateu na por-

ta da Capital do Agreste, a cidade mais importante da região. A sociedade vivia o clima do medo, sequência de estrondos, ventos fortes derrubando árvores, destelhando residências. Fábricas morrendo, mais de 100 firmas comerciais fecharam as portas. A feira de Caruaru em estado de coma, após tantas e imprensadas transferências. O definhamento da economia tomava conta da cidade e a espiral de falências e concordatas crescia assustadoramente. Nenhum grupo econômico queria investir em Caruaru. Firmas da capital que tinham filiais no comércio local cerraram as portas. A desvalorização imobiliária também atingia o município. Vendiam-se duas casas pelo valor de uma. Mais de 1.500 imóveis estavam desocupados. A Vila Kennedy, núcleo residencial de 704 casas populares, construída pelo Banco Nacional de Habitação e inaugurada em 1966 pelo prefeito Drayton Nejaim, tinha, a título de exemplo, 400 casas de portas fechadas. A oferta era maior do que a procura. Os que haviam adquirido os imóveis abandonaram-nos. Cidade de ruas sujas, montanhas de lixo nos bairros da periferia. Como se não bastasse o quadro de miséria, mais de 350 crianças foram atingidas por um surto de paralisia infantil, o maior registrado no Brasil até os dias atuais. Os óbitos ultrapassaram 50. Para complicar a situação, a água era pouca nas torneiras. As ruas, devido à precariedade do sistema de luz e força, pareciam estar de luto. Sarjetas e mais sarjetas abertas nos bairros, ameaçando a saúde pública. O descrédito administrativo tomava conta da sociedade, ultrapassando fronteiras. Até uma vaca voou e caiu num telhado, fato que nunca aconteceu, mas foi notícia de repercussão nacional, através de reportagem do jornalista Antônio Miranda, no Diario de Pernambuco. Caruaru, berço de tantas figuras ilustres, nos cenários nacional e internacional, na Academia Brasileira de Letras, no Nordeste e no Estado, era levada ao ridículo. A maioria das suas lideranças políticas só pensava na eleição seguinte, nos votos a conquistar para perpetuar-se no poder, utilizando migalhas que caíam de suas mesas para promover o assistencialismo que

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lhes garantia o sucesso político. A cidade parecia viver nos fins do século XIX, acalentada pelo estigma do atraso e da indiferença. “Cidade que deixara de sonhar, com fome de progresso e desenvolvimento. Abandonada pelos indiferentes para com seu grande amanhã”, resume Anastácio. Caruaru atravessava uma turbulência arrasadora – recordaria muitos anos depois, o jornalista José Torres. “Casas, lojas e terrenos eram vendidos a preço de banana, como se diz na gíria. Era a época dos famosos estrondos na cidade, que foi tomada por um pessimismo com as placas de aluga-se e vende-se, espalhadas por todo canto”, rememorou. A situação enfrentada pelo município foi descrita com riqueza de detalhes na reportagem “A decadência de Caruaru”, publicada pelo Jornal do Commercio, de 10 de dezembro de 1968. O texto classificou de “depressão econômica” a realidade financeira do município. Não se sabia ao certo o número exato de empresas falidas, discorria o jornal, porque muitas fecharam as portas pagando seus credores amigavelmente, sem recorrer à justiça. “Até dois bancos foram obrigados a parar. Um deles pela quantidade reduzida de depositantes, o outro por ter sido absorvido por um grupo da Bahia”, prosseguia a reportagem. A escassez de recursos como água e luz, a falta de empregos e oportunidades, a desvalorização imobiliária e a falência de indústrias, somadas ao atraso nas ideias políticas e nos costumes, haviam transformado Caruaru numa cidade nostálgica, refém do passado e incapaz de enfrentar os desafios do futuro. Os bons tempos pareciam ter ficado para trás. O que tinha acontecido com Caruaru? Havia duas explicações. A primeira era econômica. A segunda, político-administrativa. A situação política e econômica do Brasil na década de 1960 era de crise. Em 1961, o presidente Jânio Quadros renunciou, depois de oito meses de mandato, e o vice João Goulart enfrentou dificuldades para assumir. Jango chegou ao poder em um período de grandes turbulências. O Brasil passou para o regime parlamentarista, que durou apenas três anos. As trocas de presidentes e ministérios impediam a adoção de uma política consistente, dificultando o cálculo econômico e diminuindo os investimentos no país. A chamada Crise do Populismo estava na raiz da instabi-

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lidade política e da crise econômica, além de explicar também o golpe militar de março de 1964. Os governos populistas, desde a revolução de 1930, deviam incorporar as massas urbanas como base de apoio político, sem que as concessões fossem exageradas, do ponto de vista patronal, e sem estender estas concessões para o campo, nem alterar a estrutura agrária do país. A política econômica restritiva adotada até 1967, como forma de combate à inflação pós Plano de Metas, levou à diminuição da atividade econômica. Planos de estabilização adotaram medidas, como o controle dos gastos públicos, a diminuição do crédito e o combate aos excessos da política monetária. A crise dos anos 60 decorreu de uma desaceleração dos investimentos em bens de capital, que repercutiu no restante da economia. A queda destes investimentos deve-se ao fato de que o Plano de Metas representara um grande bloco de investimentos, acabando por gerar excesso de capacidade produtiva. As reformas institucionais também eram necessárias para a retomada dos investimentos. Sem as reformas não havia mecanismos de financiamento adequados, tanto para o setor público como para o privado. Outros problemas estavam na estrutura fundiária, acesso à educação, legislação incompatível com as taxas de inflação etc. Por todos esses fatores, na eleição municipal de 1968, a população caruaruense estava, inicialmente, desacreditada quanto aos rumos da cidade. Entretanto, desde suas origens, Caruaru sempre caminhou e cresceu amparada no esforço e perseverança de seu povo. E foi nesse cenário moribundo, de um povo “mais forte do que a terra”, que, pela primeira vez na História da cidade, uma candidatura nasceria da vontade popular. A mocidade, com sua rebeldia e coragem, dizia que era preciso mudar. Modificar o processo político-administrativo existente, quebrando os grilhões que atrofiavam os passos do progresso e do desenvolvimento do município. A voz da juventude ecoava sobre todas as camadas da população. A cidade começava a despertar. Bancários, comerciários, feirantes, estudantes, donas de casa e até as crianças passaram a ouvir e atender o chamamento dos que queriam liber-

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tar a cidade do atraso e da indiferença. A mobilização crescia atingindo as lideranças que não admitiam o continuísmo, mas estavam indecisas em torno de um nome. Quando o movimento político teve início, o deputado Fernando Lyra começou a sondar alguns nomes para as rodadas internas de conversas no diretório do MDB. Um deles foi o do bancário José Queiroz, que, apesar de filiado ao partido, era apenas um aguerrido militante. Queiroz pediu um tempo, em seguida aceitou. O mesmo ocorreu com o médico João Miranda. A Arena, por outro lado, já estava decidida em relação à candidatura do vereador José Antônio Liberato – pelo menos a ala que apoiava Drayton Nejaim. Assim, os governistas saíam na frente da disputa e, enquanto a indecisão pairava no MDB, o candidato do prefeito concorria em campo livre. Em determinado momento, Mário Menezes, presidente do diretório municipal do MDB, também demonstrou sua pretensão de sair candidato. Voltaria a demonstrar o mesmo interesse – e com maior ambição – na eleição de 1972, quando Caruaru elegeria o sucessor de Anastácio. O tempo passava e a indecisão da oposição em relação ao nome que apresentaria para a disputa levou o prefeito Drayton Nejaim a esnobar, afirmando que seus adversários estavam procurando nomes dentro do próprio governo. Em determinado momento, cogitou-se o retorno do ex-prefeito João Lyra Filho, tendo como candidato a vice o banqueiro Clóvis Cursino. O informante, dessa vez, foi o ex-vereador Chico do Leite. A oposição não se encontrava, até que surgiu o nome de Anastácio Rodrigues, respaldado por um ótimo desempenho na Câmara Municipal. A cúpula do MDB curvava-se, então, diante de um novo fato na história política de Caruaru: a consolidação da candidatura do vereador Anastácio Rodrigues para prefeito. Em 19 de maio, Anastácio declarou à coluna Política e Políticos, do Jornal Vanguarda, que, embora não tivesse dinheiro, suas qualidades como político e homem de bem o encorajavam para enfrentar o bloco da Arena. Mesmo assim, somente no início de junho foi feito o anúncio oficial da candidatura. Sou candidato a prefeito de Caruaru – anunciou à imprensa. “O meu bloco achou por bem escolher o meu nome e eu não fugirei ao chamamento daqueles que querem ver uma Caruaru bem administrada. Para isso, conta-

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rei com os meus amigos e o povo de Caruaru, que saberá dar uma resposta àqueles que entravam o nosso progresso”, afirmou, já denunciando o tom que seria adotado ao longo da campanha. O espírito do vereador oposicionista e combativo também foi demonstrado na mesma entrevista. “Estou esperando a hora para iniciar a luta, quando demonstrarei aos meus conterrâneos o que realmente se passa nos bastidores da administração municipal”, prometeu. Por fatores como a escassez de tempo, ninguém acreditava na vitória de Anastácio, a não ser ele próprio. E o movimento artístico – foi este segmento, em particular, quem conclamou, inicialmente, a sua entrada na disputa. No final dos anos 60, em Caruaru, o movimento cultural vivia momentos de efervescência. Os encontros, à moda dos intelectuais de outras épocas, aconteciam na Casa da Poesia, assim denominada a residência do poeta Lycio Neves, na Rua D-11, nº 35, na Vila Kennedy. Lá, artistas, políticos e intelectuais se reuniam para debater poesia, música, teatro, política e outros temas noite afora. Aos sábados, acontecia o “Sarapatel Cultural”, feito com muito empenho por Anita, a dona Nina, irmã de Lycio. Uma placa de bronze com os seguintes dizeres: “Casa da Poesia de Caruaru – Homenagem do Grupo Evolução ao poeta Lycio – 4.5.68”, atraía a atenção de quem passava pela rua. Lycio integrava o Grupo Evolução que reunia, entre outros, intelectuais, artistas e estudantes de Caruaru. O grupo teve uma participação mais restrita, mas não menos importante na campanha de Anastácio Rodrigues; influenciando as novas gerações, os estudantes e a UESC. Uma atuação mais ideológica e formadora de opinião. Natalício Augusto Neves que adotava o pseudônimo literário de Lycio Neves era pernambucano da cidade de Brejo da Madre de Deus, nascido em 04 de maio de 1914. Foi funcionário da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam) e sócio efetivo da Associação de Imprensa de Pernambuco. O poeta colaborou em suplementos literários e artísticos em jornais de Caruaru e até do exterior. Lycio levou a Caruaru um jovem de origem humilde, filho de uma lavadeira, nascido na cidade de Carpina, para lançar seu primeiro livro “Redenção para João”, editado em 1961. Aguinaldo Silva, hoje um dos maiores no-

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[1] Souza Pepeu, Mário Menezes e José Queiroz assistem a posse do prefeito Anastácio Rodrigues [2] Anastácio e Clóvis Cursino, no dia da eleição [3] Na diplomação, o prefeito é cumprimentado pelo juiz Plácido de Souza [4] O vice-prefeito Zezinho Florêncio e familiares, durante a missa que antecedeu a posse

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velistas do Brasil. O evento foi realizado na Livraria Brasil. “Lycio sonhava”, externa Anastácio. Lycio Neves publicou quatro livros: Lâmpada Suspensa (1946), A Bem-Amada Quitéria (1949), O Sacristão (1954) e As Construções (1963), em edições resumidas. Participou duas vezes (1961-1962) do Festival do Escritor Brasileiro, no Rio de Janeiro; nesta cidade, morreu, vítima de coma diabético, no dia 21 de setembro de 1972. Foi em seu aniversário de 54 anos, em maio de 1968, que a candidatura de Anastácio para prefeito nasceu. Roberval Veloso, irmão do médico psiquiatra Rodolfo Veloso que manteve durante muitos anos uma clínica na Rua Cleto Campelo, em Caruaru, foi o primeiro a gritar o nome de Anastácio para prefeito, com sua voz rouca e de ator. Embora contasse com o apoio eleitoral e financeiro do grupo Lyra para eleger-se, Anastácio ressalta que sua candidatura não foi planejada num gabinete. “Seu João e Fernando me apoiaram, mas a nossa candidatura não partiu deles. Nasceu do pessoal de teatro, do estudante”, alega. “Como Diretor de Educação e Cultura prestigiei o teatro e eles viram que eu deveria ser o prefeito. Foi uma candidatura natural”, defende. “Eu não me candidatei. O povo quis a minha candidatura”, complementa. Arary Marrocos e Argemiro Pascoal, nomes de resistência do teatro caruaruense, eram presenças constante na casa de Lycio Neves, de quem foram amigos. Em depoimento ao autor, eles recordaram a noite de domingo em que o movimento cultural reivindicou a candidatura de Anastácio Rodrigues para prefeito de Caruaru. “Tudo se conversava e foi num desses encontros que foi lançada a candidatura de Anastácio Rodrigues. Drayton era prefeito. Por que não colocar uma pessoa ligada à cultura em seu lugar?”, questionava Arary. Eles contam que depois de eleito, Anastácio acompanhava os artistas nos festivais de teatro, sempre com a Banda de Pífanos de Caruaru. “Veja como ele gostava de prestigiar as coisas da terra! Estreia de espetáculo, ele ia e levava o secretariado. Já deixávamos a fila reservada”, rememora. “Não sei se porque ele fez o que os outros não fizeram, não conseguiu se firmar como político. Mas, na verdade, foi o maior prefeito de Caruaru na área da cultura”, enalteceu Arary.

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O casal lembra que naquele tempo a poesia produzida era de protesto, face ao regime militar. Além disso, o movimento teatral era muito forte nas décadas de 60 e 70 na cidade. “Havia muito festival de teatro, a prefeitura apoiava e Anastácio sempre participava. Quando não podia ir, mandava peças de artesanato do Alto do Moura para o prefeito, o diretor do teatro e o diretor do festival. Levávamos a bandeira de Caruaru para hastear. A gente nunca esquece essas coisas. Marcam mesmo!”, externou uma nostálgica Arary. Inicialmente, Anastácio conquistou o apoio do deputado João Lyra Filho. Em seguida, Fernando Lyra o convidou para uma reunião em sua residência, na Rua Demócrito de Souza Filho, no Recife. Anastácio mentiu para sua esposa, dizendo que iria a uma reunião do Banco. Fato que Leuraci nunca perdoou. O encontro foi marcado por confabulações políticas. Anastácio conversou com Fernando Lyra e acertou os detalhes de sua candidatura. Em seguida, se despediu. Fernando raciocinava de modo agudo e articulado. Tinha uma intuição invejável para “sentir” os sinais da política e tomar decisões rápidas e radicais, a ponto de inverter campanhas ou precipitar acontecimentos. Antes que Anastácio deixasse o local, ele interveio rapidamente: – Anastácio! Este se virou e respondeu: –Diga, Fernando. Fernando Lyra, apontando para uma grande porta de vidro, continuou: – Muitos atravessaram aquela porta ali. Entraram como candidatos a prefeito e saíram sem ser. De ímpeto, o vereador lhe respondeu, antes de ir embora: – Fernando, vamos ver! Faltavam 46 dias para as eleições quando a candidatura de Anastácio foi oficializada, daí o motivo de tantos desacreditarem de sua vitória. Na condição de vereador e vice-presidente da Câmara Municipal, os próprios colegas não apostavam em sua eleição. O vereador Aristides Veras foi um dos que trataram de desanimá-lo: “Os Lyra chegaram tarde Anastácio, eu não acredito na sua vitória”, sentenciou. Anastácio era consciente das dificuldades, mas acreditava que quem esti-

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vesse contra Drayton Nejaim votaria nele naquela eleição. E foi o que aconteceu. Como sabemos, Anastácio era funcionário do Banco Português e o Diario de Pernambuco publicou na primeira página a notícia de que seria candidato a prefeito de Caruaru. O candidato estava na agência quando Moreira, um superior do banco, lhe telefona. – Anastácio, que história é essa aí, que você é candidato a prefeito de Caruaru? –Seu Moreira, esse é um assunto para ser tratado pessoalmente. – É, venha aqui (concluiu, de forma grosseira). Anastácio foi até a matriz, na Rua 1º de Março, no Recife, e explicou que seu nome estava sendo indicado. Dias depois, um figurão do banco Português foi visitar a agência de Caruaru. Moreira o acompanhou. Lá, apresentou-o a Anastácio. “Esse aqui é um funcionário, Anastácio, e indicaram o nome dele para ser candidato a prefeito”, disse, na ocasião. Para surpresa de todos, o diretor respondeu com uma promessa: “Olhe, se você for eleito prefeito de Caruaru, será uma honra para o banco Português. Se o senhor não for eleito, será promovido”. Era apenas o que faltava para Anastácio requerer licença sem vencimentos e iniciar a campanha. “Eu sempre digo: quando um time entra em campo para ganhar, até o adversário faz gol contra”, compara. Inicialmente, porém, seu nome aparecia com pouco destaque nas pesquisas, fatores que a campanha e outras estratégias iriam superar. No ano anterior, José Queiroz (que já trabalhava no rádio), Rui Lira, Zacarias Barreto, Romildo Gouveia e um grupo de amigos decidiram criar um novo jornal em Caruaru. Intitulado “Século XX”, o noticiário impresso, fundado a 18 de maio de 1967, era substancialmente crítico. O grupo não tinha experiência jornalística e a cada exemplar costumava atingir diretamente pelo menos três ou quatro figuras políticas. Batiam para valer e o alvo preferido, era, sem dúvidas, o prefeito Drayton Nejaim. Impresso nas gráficas A Defesa e Comercial, de Caruaru, o primeiro exemplar do Século XX, que era mensal, circulou em julho de 1967. Como atirava para todos os lados, a bala que voltava era quase sempre de origem desconhecida. O periódico representou também o início das desavenças, que

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se arrastaram ao longo dos anos, entre José Queiroz e Drayton Nejaim. E valeu até tiro. O Século XX surgiu para completar uma lacuna que existia na imprensa de Caruaru. “A gente viu que a cidade só tinha jornais filiados a alguma corrente política ou então que não se metia muito. Achamos que era preciso um jornal que tivesse opinião. O problema da gente não era ser contra ou a favor, era ter opinião. E cometemos o pequeno engano de atacar todas as lideranças daqui”, comenta Rui Lira. A concepção do jornal foi uma ideia conjunta, que surgiu a partir de conversas entre amigos, que, de algum modo, já estavam envolvidos com a imprensa e outros com a política caruaruense. O nome Século XX foi criação de Romildo Gouveia. O slogan “o jornal que divulga o que você quer ler” era bastante persuasivo. Quando o jornal foi fundado, em 1967, o Brasil já estava há três anos mergulhado na ditadura. E a força do regime refletia em Caruaru. “Do modo como atiramos para todos os lados, resultou num atentado contra os diretores do jornal, particularmente eu, o Queiroz e um amigo nosso, Romildo Gouveia, que foi do Banco do Brasil e era também produtor de programa de rádio. Nós éramos todos jornalistas na época. Zacarias Barreto também era diretor. E ainda tinha Adilson Silva”, revela Rui. Era sexta-feira, 1º de março de 1968. No final do expediente, um grupo de funcionários deixava a sede da rádio Liberdade, em Caruaru. O grupo estava composto por Rui Lira, José Queiroz, Romildo Gouveia, Sérgio Toscano (hoje advogado) e Joel Farias, irmão do radialista Jorge Farias. Desceram tranquilamente as escadas da emissora e seguiram em direção à Rua Quinze de Novembro. Um homem que estava parado na esquina, no prédio onde funciona hoje a Livraria Cabral, chamou o radialista Rui Lira pelo nome. Enquanto isso, o grupo ia deixando a rádio. “Tranquilamente e inocentemente, me dirigi para ele para saber quem era”, cita Rui. Havia uma Kombi estacionada no local e dois homens se posicionaram ao lado do veículo. Até então, Rui Lira não percebera que um dos três homens, exatamente o que havia lhe chamado, estava armado. Quando Rui andou em direção a ele, José Queiroz que estava com o grupo, passando na frente da Igreja da

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Conceição, desconfiou que havia alguma coisa errada e voltou imediatamente. “Nesse momento, quando eu olho para Queiroz e para Romildo, ele já tinha puxado o revólver e quando olho para ele, já estava com o revólver na mão”, recorda. Contrariado, o homem armado gritou para que José Queiroz e os demais fossem embora. Como insistiam em voltar, o homem atirou. O primeiro tiro foi no chão, para espantar o grupo. Em seguida, veio outro tiro, desta vez com a mão mais erguida. Mas a essa altura José Queiroz e Romildo já haviam pulado, desviando do foco e não foram atingidos. Sem perder tempo, o homem foi direto ao assunto: “Sempre fui seu amigo, mas você vai aprender a não falar do ‘dotô’”. Na esquina do prédio havia uma máquina de sorvete, nos moldes antigos, daquelas que derramavam o conteúdo na casca ou no copo, bem parecida com as que são utilizadas atualmente na rede McDonald’s. Sobre a máquina, o homem pegou um cacete, um pedaço de madeira grande, e começou a bater em Rui Lira. Batia com a madeira e o rendia com o revólver. Enquanto ele batia, Rui tentava se deslocar para se defender. O homem batia ainda mais. Foram andando pela calçada, de modo que funcionários da panificadora Monte Castelo, do outro lado da rua, testemunharam a agressão. Havia no local uma praça de táxi e alguns motoristas também acompanharam espantados o acontecimento. O homem batia sem parar em Rui Lira. “E num determinado momento, que não sei exatamente qual foi, ele atirou na minha perna direita. Atirou e me rendeu. Depois atirou novamente em Romildo que estava voltando para tentar me ajudar”, recorda. Por fim, o homem ironicamente mandou que Rui Lira corresse. Em seguida, entrou na Kombi, onde estavam os dois homens parados e foi embora. Depois de sofrer muita pancada na cabeça, nas costas e com um tiro na perna, Rui Lira foi socorrido pelos amigos e levado para o pronto socorro do Hospital São Sebastião. Lá, foi atendido por doutor Janduhy Finizola. Algumas horas depois, recebeu uma visita “surpreendente e muito interessada” de ninguém menos que o prefeito Drayton Nejaim. Disse a que veio. Foi ver que diabo era aquilo que tinha acontecido. Ninguém entendeu nada. Drayton nunca havia visitado Rui Lira em qualquer

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Anastácio assina o livro de posse após se tornar o primeiro prefeito eleito pela oposição durante a ditadura militar, em Caruaru


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[1] Subindo da rampa da Prefeitura, no dia da posse [2] O deputado estadual Fernando Lyra parabeniza Anastácio após a diplomação [3] O prefeito recebe as chaves simbólicas da cidade, trabalho feito pelo artesão Francisco, cunhado do padre Zacarias Tavares [4] Anastácio acena para os “amigos meus” em sua chegada ao Palácio Municipal [5] José Queiroz secretariou a cerimônia de transição de cargo, de Drayton Nejaim para Anastácio. A foto registra um raro momento de encontro entre ferrenhos inimigos políticos.


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ocasião, não tinha laço de amizade com ele e sabia que o radialista não era seu partidário. Mas estava no quarto do hospital, frente a frente com o jovem de imprensa ferido e baleado. O radialista José Queiroz não se conformou com a visita do prefeito. E o que se seguiu foi um diálogo muito duro entre ambas as partes. Já “remendado”, Rui Lira presenciou a cena e ouviu quando Queiroz disse, claramente, a Drayton: “nós não sabíamos que esse era o jogo, mas agora que a gente está sabendo qual é, vamos jogar com as armas que temos que jogar”. A suspeita de José Queiroz em relação à autoria do crime nada tinha a ver com divergências políticas em relação ao prefeito. Poucos dias antes, Queiroz estava saindo da casa onde morava sua ainda noiva Carminha, na Rua da Matriz, quando encontrou Rui Lira. Adiante, os dois radialistas se depararam com o prefeito Drayton Nejaim, que costumava frequentar o Café Rio Branco, na mesma rua. Sem rodeios, Drayton criticou o “jornalzinho metido a besta” que eles estavam editando (o Século XX). E os ameaçou, literalmente, com essas palavras: “eu vou fazer uma operação de amídalas em vocês por via anal”. José Queiroz respondeu de maneira muito altiva, dizendo que não tinham que temer o que estavam fazendo. “Uma semana depois veio o cacete em cima e o cara atirou em mim”, revela Rui Lira. As coincidências não paravam por aí. O homem que atirou em Rui foi identificado como Agripino Aroeira, um grande compositor, já falecido. E que era ligado a Drayton Nejaim. No momento em que “explicou” a Rui Lira o porquê do tiro e das agressões que iria desferir, Agripino não citou o nome do “dotô” que estava ali defendendo. Na época, era uma nomenclatura atribuída a médicos e políticos. Quando se falava no “dotô” ou “no homem”, estava falando no dirigente principal. Como o crime nunca foi investigado, não se pode acusar ninguém. Agripino Aroeira mantinha ligações inclusive com o deputado Tabosa de Almeida, que era adversário e inimigo de Drayton. Rui Lira, no entanto, nega que Tabosa de Almeida tenha participado do atentado. “Todo mundo ficou sabendo depois que o deputado Tabosa de Almeida não tinha envolvimento algum nisso. Então restou a liderança de Drayton e restaram outras figuras que podem estar por trás”, explica.

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Mesmo com motivos de sobra para vingança ou retaliação, nem Rui Lira nem seus companheiros de rádio perseguiram ninguém após o atentado. Embora soubessem quem eram as pessoas envolvidas diretamente. Além de Agripino Aroeira, que bateu e atirou em Rui, estava, na noite do crime,um homem chamado Durão, já falecido. O outro foi identificado como Fefê. Os dois fugiram de carro, com Agripino, após a agressão. Essa é a memória praticamente única que Rui Lira tem daquela noite de março, no distante 1968. “Normalmente, quando eu conto a história isso tudo se repete, tudo igual”, comenta. Ele cita que no dia seguinte ao atentado, foi até a delegacia prestar queixa. O delegado da época, um sertanejo, disse a Rui Lira uma frase que ele nunca esqueceu: “Isso acontece com esses jornalistas que ficam falando das autoridades”. E se o delegado pensava de tal modo, já se pode imaginar qual foi o desfecho da história. Mais um crime impune. No final dos anos 1960, a imprensa de Caruaru era bem limitada. Entre os impressos, destacavam-se o jornal A Defesa, de orientação católica e o jornal Vanguarda, circulando há mais de três décadas. O Século XX entrou como azarão nesse meio, mas durou pouco. Apenas dois ou três anos. Se muito. As dificuldades para fazê-lo circular eram enormes, de forma que chegou um tempo que nenhuma gráfica de Caruaru queria imprimir o jornal, mesmo recebendo adiantado, por conta da linha adotada e pelo bloqueio da própria política caruaruense. O jornal Século XX, de certa maneira, prepara o caminho por onde vão circular nomes como Fernando Lyra, Anastácio Rodrigues e José Queiroz, os políticos mais progressistas de Caruaru até hoje, que defendiam ideias mais amplas, menos conservadoras. Eles se fazem em cima da lógica, do discurso que o Século XX apresentava, com uma defesa mais radical da comunidade. Os diretores do jornal eram jovens apaixonados, marcados pela ideia de sempre achar que o outro está fazendo mal ou fazendo pouco. Ou as duas coisas: pouco e mal. Ou muito mal. Eram jornalistas, radialistas e bancários movidos por essa visão. Que em tempos de pouca liberdade, sonhavam de qualquer maneira com outro mundo, outro país, outra sociedade, outro modo de viver. Anastácio Rodrigues é um dos políticos que adota essa linha, junto com

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Celso Rodrigues, Souza Pepeu, Romero Figueiredo e os integrantes do Partido Comunista, e também a ala que pode se chamar de progressista da Igreja Católica, que adiante vai criar o PT em Caruaru: Antônio Guedes, padre Pedro Aguiar (da Paróquia do Monte Carmelo, no Salgado), padre Jeová (figura pouco falada, mas com uma atuação pastoral interessante no município) e vários sindicalistas. Naquele período da História, havia uma efervescência muito maior, diferente, no sentido de um novo projeto de sociedade. Isso marca profundamente a época. E o jornal Século XX entra na discussão já falando de tempos futuros, de mudanças, pensando em algo maior do que o momento dificílimo, que políticos e pessoas com visões progressistas enfrentaram durante os anos de ditadura. A proposta do jornal, ainda que não estivesse claramente explicitada na linha que adotava, era quase um sonho iluminista, uma mudança revolucionária, que não estava clareada nas mentes dos que pensavam o jornal e o conteúdo que ele veiculava. Era mais desejo e vontade do que realmente ideologia. José Queiroz sempre foi uma pessoa de cabeça muito independente. Romildo Gouveia também, Zacarias Barreto, Rui Lira. Até hoje todos ainda preservam essa mente um pouco mais aberta, onde cabe muita coisa e não retém ideias muito fechadas, dogmáticas, estreitas. A paixão e o desejo, todavia, não foram suficientes para que o jornal tivesse longa vida. O Século XX acabou por inanição. De um lado, minguaram os anúncios. E do outro, esbarrava na dificuldade de ser impresso. Com a restrição das gráficas caruaruenses, passaram a imprimir o jornal em Garanhuns, depois em Recife, o que tornava o resultado mais custoso e mais problemático. Destaque-se também o fato de o jornal não ter tido uma grande circulação. Vivia à base de alguns anunciantes muito limitados. Em sua fase final, Rui Lira já não estava presente. Romildo Gouveia foi trabalhar na agência do Banco do Brasil em Serra Talhada. Outros, como José Queiroz, se dedicavam ao trabalho bancário e ao rádio. E como fator determinante para o desencorajamento, depois do atentado na saída da rádio Liberdade, os integrantes ficaram sem a tranquili-

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dade e a segurança necessárias para tocar o jornal. Prevaleceu a ameaça. Rui Lira, particularmente, passou a andar na rua olhando de lado, assustado, sem saber o que vinha, o que podia acontecer. “Depois que você sofre um atentado desse fica com medo para o resto da vida, de ser agredido de repente”, confessa. No seu caso, a queixa pior era justamente por estar indefeso, sem condição de igualdade para disputa. “Se fosse tapa na tapa, cacete no cacete ou revolver no revólver, era outra história. Você poderia até se dar muito mal, mas tinha mais condição de luta. Mas você ser rendido, ver seus amigos sendo baleados, o cara atingindo todo mundo, com a arma na mão e você apenas olhando sem poder reagir”, lamenta. Enquanto o Brasil vivia sob tempos de ditadura, a cidade assistia naqueles dias a uma das fases mais violentas de sua História política. E havia muita gente inocente de pai e mãe achando que não havia ditadura em Caruaru.

Na eleição de 1968, a Arena saiu na frente e realizou sua Convenção no mês de setembro, no auditório da extinta Rádio Difusora. Naquele dia, o prefeito Drayton desceu do carro, entrou no diretório do partido, na Rua da Matriz, e encontrou várias pessoas atentas à TV e outras tantas jogando dama. Abriu os braços e disse que era para todo mundo ir até a Difusora. Convenceu-se de que seria atendido e voltou ao veículo, partindo com o vereador José Antônio Liberato e o comendador Manoel Affonso Porto Filho, o Neco Affonso – este, no banco traseiro. A verdade é que somente dois dos seus seguidores atenderam ao apelo, conforme contou um deles, Humberto Almeida, à reportagem do jornal Século XX. “É, o dotô chamou, a gente pensava que era pra vim de carro. Quando a gente viu que era pra vim a pé, o resto desistiram. Só eu e outro lá é que viemos” [sic]. No auditório da Rádio Difusora, cerca de 400 pessoas aguardavam o início da convenção, que iria homologar as candidaturas do vereador José Liberato, pela Arena 1, e Neco Affonso, pela sublegenda, que o deputado Tabosa de Almeida fazia questão de afirmar como sendo o seu bloco.

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Tatiana, filha primogĂŞnita, foi estrela da campanha do pai para prefeito, em 1968

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Era preciso começar os trabalhos e Drayton aparecia como organizador de tudo. Procurava acomodar a todos nas cadeiras da frente, insistindo quando alguém lhe agradecia: “é por causa da televisão. Eu quero que vocês sejam focalizados”. O grupo de Neco Affonso estava completo. Foi quando Drayton usou o argumento da televisão para o comerciante Elias de Oliveira: “queria que você fosse o primeiro a ser focado”. Não colou, mas o prefeito continuou a insistir com outros amigos. Dentro de pouco tempo, ele já havia cumprimentado a todos e tomado todas as providências, inclusive a tentativa de impedir que Rui Lira fizesse a transmissão da convenção. Nisto ele não foi atendido, pois Rui era o locutor escalado para o horário pela emissora. Apurados os votos dos 47 convencionais presentes, apareceu um nulo. Alguém traiu Liberato, já que o deputado Tabosa de Almeida garantia que todos os membros do seu grupo “votaram unânimes em Neco Affonso”. Mas, nem por isso, Liberato deixou de conseguir 25 sufrágios, contra 21 dados ao seu opositor de legenda. O resultado foi o esperado, afinal, Liberato era o candidato do prefeito Drayton Nejaim. Durante a apuração, Liberato e Neco permaneceram tranquilos. Somente Drayton e sua esposa, a deputada Aracy Nejaim, estavam apreensivos. Enquanto os convencionais votavam, era novamente o prefeito quem tomava a iniciativa de indicar aos cinegrafistas do Canal 6 as pessoas que deveriam ser focalizadas. Uma atenção especial foi dedicada ao popularíssimo Chico Porto, o único que o público aplaudiu. Depois, seguiram-se os discursos. Liberato tirou um papel do bolso e começou pedindo que todos dedicassem atenção a sua fala. Surpreendeu, ao elogiar e criticar o governo Drayton Nejaim. Disse que continuaria suas obras e cuidaria dos pontos esquecidos pelo atual prefeito. Prometeu cinco construções: biblioteca municipal, teatro, câmara, casa da justiça e conclusão do ginásio municipal. Fez outras tantas promessas e foi mais um a dizer que cuidaria do problema d’água e que lutaria pelo distrito industrial. José Rabelo se empolgou com a plataforma anunciada por Liberato. Drayton sempre puxava os aplausos para o seu candidato. O auditório o seguia. O médico Janduhy Finizola, então diretor do Hospital São Sebastião, foi

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indicado para o cargo de vice-prefeito, na chapa encabeçada por Liberato, anunciando um governo colegiado. Quando chegou a sua vez de falar, Neco Affonso não tinha plataforma, mas afirmou ter um “passado limpo, de trabalho prestado a Caruaru, sem rasuras nos documentos públicos”. Agradeceu a Tabosa de Almeida e foi pouco aplaudido. Tabosa o sucedeu na fala e foi mais incisivo. Convidou Caruaru a despertar para uma mudança, “único meio de sairmos do atual estado de coisas”, discursou alfinetando seu maior rival, o prefeito Drayton Nejaim. Em seguida, afirmou que a cidade precisava amanhecer nas portas da Sudene, buscando os incentivos federais. E deu um ultimato: “mas isso só será possível se Caruaru eleger novos líderes”. A fala de Tabosa de Almeida, no entanto, era controversa, uma vez que Neco Affonso já fora prefeito da cidade e não representava qualquer tipo de nova ou antiga liderança, conforme sua tímida votação apontaria. O último a discursar foi Drayton. Apesar de ser questionado em sua capacidade administrativa, ele era um grande político. Disse que seu grupo era imbatível, porque não tinha a melhor escolha, mas a mais certa. Afirmou que Liberato seguia a linha de um partido que procurava “reestruturar o Brasil”. Em certo momento chegou a discordar de seu candidato, perguntando: “Por que falar em Distrito Industrial se não temos água nem para lavar o rosto?”. Foi também incisivo ao dizer que Tabosa jamais alcançaria um posto com o seu voto e com palavras simples derrubou tudo quanto o deputado havia expressado em linguagem erudita. Justificou a candidatura de Liberato por enxergar nele um homem interessado nos destinos de Caruaru, “a prova é que chegou a avalizar quase 400 milhões de cruzeiros antigos em bancos da cidade”. Finalmente, assegurou que Liberato, como forasteiro, fez mais do que muitos filhos da terra. E desdenhou: “filho da terra é formiga”. Foi o único orador que conseguiu aplausos espontâneos do auditório. Drayton ainda era um mito. Manteria muita gente ao seu lado. Mas Liberato continuaria perdendo muitos votos por receber o seu apoio. No fim, o grande vencedor ou derrotado nas eleições de 15 de novembro, ainda seria Drayton.

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A troca indireta de farpas entre Drayton e Liberato, durante a Convenção, demonstrava a existência de rusgas entre candidato e padrinho político. Liberato estava consciente da péssima avaliação da atual gestão e mandou cortar todos os trechos de publicidade que elogiavam o governo de Drayton. “A administração atual será muito prejudicial para ser explorada em minha campanha”, justificava, nos bastidores. A imprensa noticiou, inclusive, que as emissoras só transmitiram o evento porque um cheque volumoso assinado pelo próprio Liberato chegou na hora “h”. Drayton, que no início pregava uma campanha cordial, chegou à feira, no sábado anterior à Convenção da Arena, dizendo que Anastácio era “um trouxa”. Embora o nome de Anastácio Rodrigues fosse o favorito do MDB para a disputa, o partido cogitava a possibilidade de utilizar o mecanismo da sublegenda, indicando o nome de João Miranda e oferecendo mais uma oportunidade para que os eleitores optassem pela legenda oposicionista. A ideia era afastar o propósito de quem votaria em Neco Affonso, somente para fazer oposição a Liberato. Quem votasse em Neco, ajudaria Liberato e quem votasse em João Miranda, estaria ajudando a Anastácio, quando somassem os votos por partido. Nesse período, um novo jornal passou a circular em Caruaru, com o nome de “Edição Extra”. O primeiro exemplar, datado de 28 de setembro de 1968, deixava clara a intenção do noticioso, ao citar que não pretendia ser um órgão neutro, para não marcar “uma omissão injustificável”, no momento em que o povo de Caruaru iria escolher os seus governantes. Patrocinado pela família Lyra, o jornal editado por Celso Rodrigues e impresso no Recife, estava a serviço da candidatura de Anastácio Rodrigues –cuja imagem foi estampada logo na primeira edição, com o anúncio da Convenção do MDB. O antigo Círculo Operário, no bairro São Francisco, abria suas portas para receber o povo, as lideranças políticas e o “filho do feirante”, para a grande convenção do Movimento Democrático Brasileiro, que homologaria as candidaturas para prefeito e vice-prefeito, de Anastácio Rodrigues e Zezinho Florêncio, e mais 26 candidatos à Câmara Municipal. O evento aconteceu no dia 29 de setembro, às 20h. A famosa Rua Pre-

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ta, de forma simbólica e sentimental, recebia um filho ilustre, que nasceu e caminhou por ela durante a infância.Os deputados João Lyra Filho, Osvaldo Lima Filho, Egydio Ferreira Lima e o vereador José Florêncio Sousa, o único a apoiar Anastácio, participaram da Convenção. João Lyra Filho e Fernando Lyra eram os comandantes da revolução pelo voto. A caminhada de Anastácio pelas ruas, praças, avenidas e bairros de Caruaru era saudada pela maioria da população com expectativa de dias melhores. Desse modo, a Cruzada da Esperança, como ficou conhecida, agigantava-se. Os comícios cresciam. Os estudantes estavam cada vez mais empolgados e as crianças queriam o abraço do futuro prefeito. A Convenção do MDB foi uma grande festa popular. De fato, o golpe de março de 1964 havia despertado o medo no espírito coletivo. As eleições parlamentares, dois anos depois, praticamente não tiveram concentrações populares, devido às impressões deixadas por uma série de punições. Vivia-se um governo ditatorial no país e as massas se retraíram. O evento do MDB, no entanto, havia despertado a população para o engajamento. A força da Convenção começou na rua, quando mais de duas mil pessoas resolveram conduzir os candidatos ao Círculo Operário. O percurso teve início às 20h, na Rua da Matriz e o entusiasmo em torno dos candidatos de oposição era visível. A população erguia faixas que insistiam na tese da renovação e da mudança na estrutura política e administrativa. Há muito não se via em Caruaru o povo tomar para si a tarefa de tocar para frente um movimento destinado a libertá-lo da antiga negação administrativa. “O slogan ‘fé, esperança e otimismo’ foi o fermento que crescia a chama viva da campanha de um candidato que ninguém acreditava no seu sucesso”, define Anastácio. Quando chegaram ao Círculo Operário, o local estava lotado, tanto dentro quanto fora. O representante do Juiz Eleitoral, Dr. Wellington Tenório, começou a orientar os trabalhos, presididos pelo deputado Fernando Lyra, presidente do diretório municipal do MDB. “Só com governos responsáveis construiremos o nosso futuro. Anastácio e Zezinho Florêncio farão um governo sério e responsável”, destacou Fernando. O deputado João Lyra Filho comparou Zezinho ao Velho Testamento e Anastácio ao Novo. “Promovemos a união de duas grandes forças e com elas

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venceremos as eleições”, disse, ao discursar. Anastácio foi o último a falar e usou a palavra por 20 minutos. “Aqui está um homem humilde, nascido na Rua Preta, para servir a Caruaru. Atendi ao chamamento coletivo e fiquem certos de que não me faltam disposição, propósitos e espírito de renúncia para ser um modesto servidor do povo”. Quando pronunciou as últimas palavras, o povo não se conteve. Invadiu o palco e o carregou nos braços até a rua. Era 23h45min quando as bandas musicais voltaram a tocar dobrados e o povo decidiu acompanhar os candidatos de volta ao diretório do partido. Às primeiras horas da segunda-feira, a população se recolhia e o silêncio tomava conta da cidade. Em artigo escrito para o jornal Vanguarda, o prefeito Drayton Nejaim avaliou o perfil dos três candidatos à sua sucessão, na eleição daquele ano. E fez ver que, em qualquer dos blocos, seu poder e influência já prevaleceram: “Feliz de um político que vê que, para se renovar os quadros políticos de sua terra, todos os três candidatos saíram de suas hostes. O Liberato votou em Drayton. O Neco Affonso e toda a família votaram em Drayton e o Sr. Anastácio fez comícios, pediu votos, deixou de apoiar seu primo que foi candidato da esquerda festiva e votou em Drayton”, ironizou. Adiante, sem poupar os adversários, exagerou: “Vamos renovar com estes três moços toda estrutura política de Caruaru; e a minha alegria é maior quando sei e tenho certeza que a esquerda vai tomar mais este “sonrisal político” porque ela não vai ter, para felicidade de Caruaru, um candidato que represente as suas aspirações”. Em entrevista concedida à Rádio Liberdade, no dia 24 de setembro, o contador Paulo Vieira, candidato a vereador pelo MDB, insinuou haver corrupção na Câmara. A acusação foi feita no programa A opinião de cada um. “Se ouve muito por aí que alguns vereadores se corromperam por alguma coisa apresentada pelo prefeito. Eu apoio Anastácio porque ele não se curvou a essa corrupção”, argumentou o candidato. Anastácio Rodrigues conseguiu somar comerciantes e comerciários, industriais e industriários, clero, classes liberais, estudantes, donas de casa e operários em torno de um propósito: ganhar as eleições e realizar um governo sério, planejado, equidistante das conveniências de ordem político-partidária. Ele, porém, evitava prometer durante a campanha. A única e

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constante promessa era: “reconstruir Caruaru”. À medida que os dias se passavam a população demonstrava que queria deixar o passado para trás, enquanto nutria a esperança de que, com aquele prefeito, tudo seria diferente. Anastácio Rodrigues parecia envolto por uma aura quase messiânica. Parecia personificar a esperança que os caruaruenses tinham na figura de um prefeito que poria fim aos tempos difíceis e instauraria uma nova fase de progresso e de qualidade de vida. Semanalmente, a coordenação de campanha lhe entregava uma relação informando as visitas que deveria realizar. Muitas ele já havia antecipado por conta própria. Após o almoço, costumava deitar na cama e pensar no que iria dizer no comício da noite. Não repetia um discurso, apesar de prolixo. Nas ruas, teve apenas dois aborrecimentos com eleitores. Um deles, num sábado, no Mercado de Farinha, quando foi visitar um amigo de seu padrinho, João Elísio Florêncio. O homem não o recebeu bem. Anastácio contou, em seguida, a João Elísio, que foi tomar satisfação com o eleitor grosseiro. Outro fato aconteceu na Rua Castro Alves, no bairro Santa Rosa. Uma senhora lhe disse, também de forma arrogante: “eu já tenho candidato!” “Meus parabéns, sucesso!”, respondeu um irônico Anastácio. Sem grande popularidade, ele saía de casa em casa, se apresentando. “Quando a pessoa me sorria, sabia que era meu eleitor”, comenta. A campanha de Anastácio também foi pioneira na inclusão das crianças. A começar pela imagem oficial, que apresentava um candidato jovem e sorridente, com sua filha Tatiana, aos três anos, nos braços. O cartaz era primário se comparado aos que viriam em campanhas futuras. De todo modo, atendeu ao papel preponderante da comunicação de massa. Embora ainda não se falasse em marketing político, uma das estratégias de campanha foi apresentar um candidato boa praça, chefe de uma família que vivia num lar muito feliz. Assim, não faltava ao futuro prefeito estímulo para fazer outras crianças felizes. E os pequenos eram atraídos pelo homem que, apesar de sério, gostava das crianças. Além do Anastácio “família”, a figura do homem simples o aproximava ainda mais do eleitorado mais humilde. O prefeito Anastácio levaria para a Prefeitura de Caruaru o exemplo do seu lar, distribuindo felicidade e alegria numa cidade sofrida e que não suportava mais a incerteza do amanhã.

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Mas, sem dúvidas, o mote central da campanha era a restauração da cidade. Daí, os slogans “Caruaru pra frente, com a mocidade responsável de Anastácio” e “Alegria! Alegria! Alegria!”. A saudação do candidato Anastácio foi “Amigos meus”. Quando ele dizia “amigos meus” a multidão atingia o auge da emoção. A campanha ganhava as ruas e as mocinhas, jovens, mulheres humildes, enfim, todos que apostavam naquele novo projeto para Caruaru cantavam, ao som da zabumba: “Lá vem o dia da eleição, votar em Anastácio é a solução”, composição de Onildo Almeida. Anastácio fez grandes comícios aos domingos. Entre os de maior destaque estão o do Salgado e o da Rua Bahia, que aconteceram nos dias 12 e 19 de outubro, respectivamente. As concentrações começavam no comitê central, na Rua da Matriz. Comícios relâmpagos também eram promovidos nos diversos bairros da cidade. Geraldo, o irmão mais velho, costumava participar dos comícios protagonizados por Anastácio, levando a tiracolo o seu filho Antônio Geraldo, com apenas 13 anos. O garoto, no futuro, seria eleito prefeito de Caruaru com o nome de Tony Gel, adotado nos tempos de radialista. “Lembro-me de um comício que ele fez na Rua Alfredo Pinto, próximo à Vila Teimosa, onde eu morava”, conta Tony. Aos 21 anos, o jovem João Lyra Neto – então presidente do MDB municipal e diretor da empresa Caruaruense – participou ativamente da campanha de Anastácio Rodrigues para prefeito de Caruaru. “Anastácio entrou com uma candidatura de protesto contra uma estrutura muito forte de DraytonNejaim, que lançou José Liberato. Eles tinham força política, eram ligados ao movimento militar. Tinham tudo. Anastácio Rodrigues fez uma campanha muito bonita e nós ganhamos as eleições”, comenta. João Lyra Neto recordou que um dos compromissos de campanha assumidos por Anastácio foi o de retornar a feira do município ao seu local de origem. “Antes dele, a feira de Caruaru foi transferida do centro para a rua do INSS, descaracterizando-se. Uma das reivindicações era a feira voltar para o seu local de origem. Ele fez a campanha com esse compromisso e voltou a feira. Coincidentemente, lá em 1992, eu transferi a feira para o Parque 18 de Maio”, observa.

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Em entrevista à rádio Globo FM de Caruaru, em setembro de 2016, João Lyra Neto fez uma breve retrospectiva do início de seu grupo político, culminando com a campanha de Anastácio Rodrigues, em 1968: “Meu pai era de Lagoa dos Gatos. Foi caminhoneiro, depois tornou-se empresário e foi prefeito de Caruaru. Ele morou aqui 25 anos para ser candidato a prefeito. João Lyra Filho foi prefeito em 1959. Foi um grande prefeito. Um prefeito inovador. Depois voltou a ser candidato, em 1972, e se elegeu sucedendo Anastácio Rodrigues. Nós enfrentamos uma campanha interessante. Eu era estudante, na época, na campanha de Anastácio Rodrigues. Tinha o deputado José Liberato, que é o pai de Roberto Liberato, e ele tinha, na época, 60 e tantos por cento nas pesquisas. E nós começamos com 11%. Terminamos ganhando a eleição com mais de 20% de diferença. E Anastácio foi um prefeito importante na nossa história. Depois, João Lyra voltou. E depois eu fui candidato, mais de vinte anos depois”. Edileuza Portela, ex-presidente da Fundação de Cultura e Turismo de Caruaru, também participou da campanha. Em 1968, aos 20 anos, ligada ao movimento estudantil, ela votou em Anastácio e trabalhou pela sua vitória. “Eu era envolvida com a União dos Estudantes Secundaristas de Caruaru (UESC). Participava de eleições e congressos da entidade. Anastácio foi até minha casa pedir a papai para que eu participasse da campanha”, recorda. Pela primeira vez, Edileuza subiu num palanque, exatamente para participar de um comício de Anastácio Rodrigues, na Praça do Rosário. Quando ele assumiu o cargo, ela foi convidada para integrar o governo. “Assim que entrei, Anastácio me efetivou na Secretaria de Educação. O secretário era José Rodrigues, muito exigente, e eu acabei pedindo demissão”, explica. No segundo ano da administração, em 1970, a Prefeitura de Caruaru realizou o primeiro concurso de professoras primárias do município. Edileuza Portela foi aprovada e efetivada na rede municipal. Segundo Edileuza, Anastácio governou com muita dificuldade, mas marcou como prefeito de Caruaru. “A cidade estava num estado deplorável. Drayton tinha uma penetração muito grande na camada popular, era amigo dos amigos, mas como gestor deixou a desejar. Anastácio enfrentou muitas dificuldades. A prefeitura não tinha muitos recursos e ele era forçado a atra-

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sar o salário dos funcionários. Foi um prefeito de muita sensibilidade, que marcou”, argumenta. No mês de outubro de 1968, um episódio apimentou a campanha de Anastácio. O cenário foi o estúdio da Rádio Liberdade. Tudo começou quando o radialista José Queiroz decidiu, dentro da linha crítica adotada pelo Jornal Século XX, fazer uma análise da administração Drayton Nejaim. O programa, apresentado por Arnaldo Costa, ia ao ar de 12h30 às 13h. A linguagem contundente, a frieza dos números, as provas dos escândalos e dos desvios de recursos públicos, marcaram um pronunciamento vigoroso que a cidade escutou como subsídio importante para o julgamento que faria nas eleições do dia 15 de novembro. “Fiz uma exposição crítica geral”, recorda Queiroz. Naquela manhã, José Queiroz ocupava o microfone da Rádio Liberdade e Anastácio o microfone da Rádio Cultura. Drayton implodiu em meio às críticas. Faltando cinco minutos para as 13h, quando estava terminando o programa, José Queiroz viu entrar na emissora um grupo de pessoas. Em seguida, Drayton adentra o estúdio ofegante. O prefeito já havia telefonado para a direção da rádio dizendo que iria responder às críticas. Embora o gerente da Liberdade alegasse que não havia mais espaço para pronunciamento, com uma cara de poucos amigos e o temperamento explosivo que lhe era comum em horas como esta, Drayton foi logo se dirigindo a José Queiroz e ordenando: “agora o senhor fique aí, que o senhor vai escutar”. “Eu não vou ficar, porque vou para o meu trabalho no Banco do Brasil. Mas não se incomode, pois eu ando com um rádio na mão e vou escutando para saber o que o senhor vai dizer”, respondeu o radialista, que precisava chegar à agência pontualmente às 13h e foi embora. Drayton então arrebatou o microfone e, durante 45 minutos, disse tudo o que queria. E um pouco mais. Um amontoado de desaforos, insultos e calúnias. “Tudo o que você imaginar, ele falou”, cita o ex-prefeito. (Queiroz nega, mas à época foi espalhado pela cidade que Drayton tomou o microfone de sua mão enquanto falava). A cidade não conheceu, em qualquer época, semelhante ousadia. As lutas eleitorais travadas no município, após a redemocratização, em 1947, tiveram o calor e o entusiasmo dos grandes embates eleitorais, mas nunca

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dessa forma. Isto levou o jornalista Celso Rodrigues a escrever na imprensa um comentário rancoroso contra o seu outrora compadre Drayton Nejaim: “Caruaru se cobre de vergonha face ao comportamento de seu mandatário. Acompanhado de marginais, metralhadora portátil dentro do automóvel, acredita poder implantar aqui o regime do medo. Homem só ele – administrador só ele. A questão da oposição – acredita – se resolve na base da linguagem virulenta, dos ataques pessoais ou através da ação dos revólveres postos nas mãos de pistoleiros, vindos ninguém sabe de que região, para levar mais dinheiro dos cofres públicos, e amedrontar quem de caretas não tem receio”. José Queiroz define Drayton como o manda-chuva da ditadura. “Nós estávamos em plena ebulição desses movimentos. Talvez o período mais crítico da ditadura foi de 1968 a 1970. Eu fui para o banco e ele disse o que bem quis comigo. Curiosamente, a candidatura de Anastácio ainda estava morna. Houve, com minha presença involuntária, um tempero a mais para a campanha”, observa. Desesperados com a enorme popularidade da candidatura de Anastácio Rodrigues, os candidatos da Arena decidiram apelar para a compra do voto. E de forma nada discreta. Em sua quinta edição, publicada em 26 de outubro, o Edição Extra trazia como manchete a prova da corrupção. A imagem mostrava caminhões distribuindo telhas, tijolos, caibros, ripas e até cimento. Para receber o material, o eleitor apresentava o seu título, cujo número era devidamente anotado. O jornal denunciava também que na residência do prefeito Drayton Nejaim, principal cabo eleitoral de José Liberato, era grande a distribuição de medicamentos. Dizia-se, nos bastidores, que o vereador Salvador Sobrinho, da Arena, havia recebido 150 empregos para distribuir entre os seus eleitores. Mas nada disso desanimava Anastácio. Ao passo em que as emoções tomavam conta de sua alma, a responsabilidade crescia. Em momento algum ele teve dúvida de que venceria, como disse ao deputado João Lyra Filho, em suas andanças pelo município. Até o homem do campo, naquela campanha, levantava a voz dizendo que era preciso mudar. As camadas mais humildes incorporavam-se à Cruzada da Esperança, que atingia o seu ponto máximo. Os operários da Fábrica de Caroá, que estava fechada, saíram em passeata de apoio ao filho do feirante.

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A campanha ganhou ainda mais força, na reta final, quando o deputado Tabosa de Almeida fez um importante pronunciamento, através da Rádio Cultura do Nordeste, defendendo a renovação política e administrativa como “necessidade imperiosa para Caruaru manter a sua liderança no interior do Estado”. E exaltou a candidatura de Anastácio que representava, para ele, “a identificação da mocidade com o futuro”. O pronunciamento alcançou intensa repercussão, pois colocava o problema da sucessão à margem das conveniências partidárias. Tabosa era arenista e inicialmente havia sinalizado apoio a Neco Affonso. No entanto, inimigo ferrenho de Drayton Nejaim, sabia que somente transferindo seus votos para Anastácio o derrotaria. A candidatura de Neco não decolou. As chances eram tão improváveis que no início de outubro o industrial José Carlos Coutinho desistiu de concorrer ao cargo de vice-prefeito em dobradinha com Neco. Ao verificar que as possibilidades eram reduzidíssimas, escreveu ao candidato da Arena 2 desistindo de competir. O apoio de Tabosa e de seu grupo político tranquilizou ainda mais os líderes do MDB. Anastácio mostrou-se feliz com a notícia e assegurou que saberia ser digno do apoio “desinteressado e valioso dos comandados do meu professor e amigo Tabosa de Almeida”. Disse também que o deputado tinha uma excelente equipe. “Valores novos que podem se integrar na tarefa que cabe a todos nós: restaurar Caruaru”. Citou ainda os apoios de lideranças como João Lyra Filho e Irineu de Pontes Vieira. O grupo liderado por Tabosa enviou à imprensa comunicado informando os motivos porque não mais apoiariam Neco Affonso. Citavam, entre outros, que os seus propósitos não foram entendidos por alguns líderes locais, que se engalfinhavam num “radicalismo sem limites, embrenhando-se na selva dos ataques pessoais e numa política de corrupção vergonhosa, com presentes eleitorais oferecidos abertamente, numa subversão de todos os princípios morais, praticada à vista de todos”. O comunicado afirmava ainda que Neco havia compreendido a atitude, declarando que só não retiraria a sua candidatura porque havia dito, repetidas vezes, aos seus amigos que “iria até o término da campanha, mesmo que chegasse sozinho”. No entanto, em entrevista ao rádio local, Neco Af-

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fonso criticou a postura do deputado Tabosa de Almeida, contrariando o que havia lhe dito anteriormente. Tabosa, dizendo-se surpreendido com as declarações, foi incisivo ao explicar que Neco Affonso só adquiriu a condição de ser candidato porque “lhe dei, de mão beijada, a sublegenda da Arena 2”. E prosseguiu: “Não disse ao senhor Manoel Affonso Porto Filho que ele poderia ser candidato para sofrer uma derrota fragorosa que o aguarda”, tripudiou. Tabosa revelou que lhe deu uma oportunidade para testar sua capacidade de liderança, que, para ele, mostrou-se totalmente inexistente. O deputado contou ainda que, face ao fracasso revelado e para poupá-lo de uma derrota nunca sofrida por ele na política caruaruense, ponderou a Neco sobre a inviabilidade de sua candidatura, dizendo que sua teimosia poderia prejudicar o grupo. Crítico, como de praxe, o deputado trouxe à tona uma carta escrita pelo próprio Neco, afirmando que não tinha nada a opor quanto à retirada do apoio moral e político que Tabosa lhe dera, continuando a admirá-lo como antes. “E agora, em suas declarações pelo rádio, pronuncia palavras que destroem por completo tudo que me disse. O povo tem agora condições para analisar a conduta moral e política desse cidadão, que será julgado solenemente com a derrota fragorosa que lhe será imposta no próximo dia 15 em virtude de sua evidente e incontornável incapacidade”, concluiu. Estava deflagrado mais um rompimento político.

A campanha de Anastácio foi lançada numa fase crítica da ditadura no Brasil. O deputado estadual Fernando Lyra lembrava Dom Hélder Câmara e temas como a fome eram recorrentes em seus pronunciamentos na praça pública. Inconformado, Anastácio chamou sua atenção. “Fernando, dom Hélder Câmara é eleitor em Caruaru? Para com essa história, rapaz. Nosso objetivo é derrotar Drayton Nejaim. Tome conta dele que eu vou atrás do voto para ganhar a eleição”. Fernando lhe ouviu. Anastácio também não admitia qualquer comentário crítico sobre a ditadura em seu palanque. “Se falar, eu desço e vou para casa”, ameaçava. O

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candidato tinha razão. 1968 foi um ano de triste memória para a História. O Brasil do futuro se lembrará dele como aquele em que os direitos civis foram suspensos pela força da baioneta; em que o governo militar imposto em 1964 endureceu seu autoritarismo em cima de cidadãos descontentes com o regime. Segundo o jornalista Zuenir Ventura, autor de livro clássico a respeito, 1968 foi o ano que não terminou. “Pois no tempo em que os sonhos começavam a se realizar e até as utopias deixavam de ser utopias”, a ditadura militar instalada no país em 1964 tirou a máscara e se assumiu como tal, com toda a sua brutalidade. Um dos candidatos a vereador do MDB, funcionário do Instituto do Açúcar e do Álcool fugiu à regra. No final, Anastácio determinou à coordenação: “esse rapaz não fala mais”. Ao recordar os fatos da campanha que o elegeu prefeito, ele explica que temia represálias. “A preocupação era com algum dedo duro. Poderia comprometer. Nós não fizemos o que Ronaldo Cunha Lima fez em Campina Grande, centralizando sua campanha contra a revolução. Nosso alvo era Drayton e deu certo”, enfatiza. Embora as críticas maiores fossem ao prefeito, Anastácio não mencionava o seu nome, nem dos aliados de Nejaim. “O foco era Caruaru”, ressalta. Nem mesmo os comentários de episódios indecorosos que ocorriam na Prefeitura fugiram às discussões entre adversários. Pela cidade, corria solta a informação de que funcionários mantinham relação sexual na sede do Executivo. Anastácio aproveitou a onda e disse, num comício, que puniria aquele que faltasse com o respeito a uma funcionária. Resultado: os draytistas, que apoiavam José Liberato, fizeram um abaixo-assinado para que todas as mulheres protestassem contra as declarações do candidato adversário. Ciomar Leandro, que havia sido secretária de Anastácio na Diretoria de Educação e Cultura do governo João Lyra Filho, foi uma das servidoras que se recusaram a assinar e o documento “de solidariedade às mulheres” terminou engavetado. A campanha de Anastácio Rodrigues para prefeito foi baseada no trinômio fé, esperança e otimismo, levando ao eleitorado uma mensagem de ânimo e levantando a estima do cidadão caruaruense. “Em memoráveis comí-

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cios, Anastácio chamava a população para, juntos, recuperar o moral de Caruaru e elevar sua autoestima. Por outro lado, a Prefeitura não tinha qualquer crédito na praça e ele, quando assumiu, conseguiu que a cidade voltasse a se projetar”, avalia o jornalista José Torres. Na reta final, os comícios passaram a ser diários. A Cruzada da Esperança passou pela Rua Saldanha Marinho, pelo bairro Riachão, Praça Coronel Porto e fez o seu último ato na Praça Getúlio Vargas, mais conhecida como Praça do Rosário. O Edição Extra divulgou que 25 mil pessoas participaram do comício de encerramento, que, segundo a publicação, teria sido o maior da História política de Caruaru até então. É claro que houve exagero nos números. Mas a empolgação era tamanha que, no ato de encerramento, os candidatos não se contiveram e as críticas ao regime militar imperaram. Anastácio, que durante toda a campanha evitou fazer críticas contundentes aos adversários, disse, em seu longo discurso, que haviam mexido demais com o sentimento do povo de Caruaru. Lembrou que o prefeito Drayton Nejaim havia destruído o estádio, a feira – após várias mudanças– e o Museu de Arte Popular. Foi mais além, afirmando que ele havia abandonado a cidade, entregando-a ao próprio destino. Disse que iria governar pensando no futuro. Através de uma cadeia de emissoras, Anastácio leu sua plataforma de governo, que incluía tópicos de Urbanismo, Economia, Industrialização, Assistência Social, Educação e Cultura, Saúde, Transporte, Abastecimento, Habitação, Agricultura, Viação e Obras Públicas, Finanças e, por fim, Abastecimento d’água. A essa altura, poucas pessoas duvidavam de sua vitória. Anastácio chegou a citar, num comício, que venceria as eleições por mais de três mil votos. Desta vez, não se tratava de previsão. Na verdade, o deputado Fernando Lyra havia contratado uma equipe especializada para fazer uma pesquisa de opinião pública, que confirmava os dados. “Foi a campanha mais barata que houve em Caruaru. E também uma das mais belas”, resume Anastácio. De acordo com Anastácio, o primeiro candidato a trabalhar com pesquisa de intenção de votos em Pernambuco foi o governador Cid Sampaio, na campanha de 1958. Fernando Lyra convocou, para trabalhar em Caruaru,

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o publicitário Pedro Alencar, que dominava a técnica. Na véspera da eleição, o grupo já estava consciente da vitória. O resultado das urnas, inclusive, foi superior ao apontado na pesquisa. Nessa época não existia programa eleitoral na televisão ou no rádio. A propaganda acontecia de forma particular, nos jornais impressos. A imprensa e as instituições não promoviam debates entre os candidatos e nem havia elementos comuns às campanhas atuais, como praguinhas, botons e outros. Também não contavam com internet nem redes sociais. A campanha de Anastácio foi baseada numa linguagem nova, que explorava o status quo de Caruaru. “Foi uma campanha muito bonita e Anastácio ganhou brilhantemente a eleição”, descreve o ex-prefeito José Queiroz. O verde era a cor oficial da campanha, pois representava a esperança por dias melhores. Os eleitores traziam ramos verdes para segurar durante os comícios. Houve até o caso de um eleitor mais entusiasmado que chegou a um dos eventos segurando uma bananeira, chamando a atenção de todos ao redor. Pequenas bandeiras, com a imagem de Anastácio e sua filha Tatiana, confeccionadas com papel verde, eram distribuídas entre a militância. O povo ansiava por mudança e Anastácio e Zezinho Florêncio pareciam reacender a chama. As bandeirinhas verdes destacavam a multidão nos comícios. “Jamais, na História política de nossa terra, um candidato de oposição venceu uma eleição com 46 dias de campanha”, avalia Anastácio. O engajamento popular era tamanho que o fotógrafo Antônio Paulista confeccionou, por conta própria, dezenas de pequenos retratos com a foto oficial da campanha – material bastante disputado pelos eleitores. Fato controverso é que, apesar de ser o candidato da renovação, simbolizando a esperança em dias melhores, Anastácio sempre foi muito sério. Pouquíssimas eram as vezes em que algum registro o mostrava sorrindo. A coordenação da campanha chegou a reclamar de sua seriedade. Pediu que sorrisse durante os discursos, quando estivesse em contato com o povo. Não deu certo. “Não dá! Eu vou assim mesmo”, relutava. A cidade estava numa efervescência impressionante. Durante a campanha, Anastácio repetia para João Lyra Filho que seria o prefeito de Caruaru. “É bom trabalhar para um candidato que tem certeza da vitória”, respondia Lyra.

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Registros da campanha vitoriosa de Anastรกcio Rodrigues para prefeito de Caruaru



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Na véspera da eleição, na tentativa de reverter o quadro, os governistas distribuíram muitas notas de 10 cruzeiros na cidade. “Os ‘amigos meus’ votaram em Anastácio e tomaram cerveja com o dinheiro de Liberato”, ironiza Anastácio. Também na noite anterior ao pleito, vários panfletos apócrifos foram jogados, aos milhares, em ruas da cidade, para confundir os eleitores. Por volta das 20h, na Rua da Matriz, alguns indivíduos chegaram a ser presos com o material. Os panfletos traziam mensagens, como: “Cobrarei o imposto predial através dos bancos”, “Retirarei todas as barracas da cidade de Caruaru, fixas e móveis” e “Não sou mais candidato a Prefeito, peço votar em Neco Affonso”. Todas falsamente assinadas por Anastácio. Outros panfletos traziam mensagens fazendo apologia ao comunismo, criticado veementemente por Drayton Nejaim: “Viva Cuba, abaixo a ditadura” ou “As forças populares estão organizadas. Tomaremos o poder em breve. Viva Cuba. Abaixo a ditadura”. Curiosamente, os mesmos caracteres gráficos utilizados nos panfletos apócrifos contra Anastácio, estavam impressos num panfleto que dizia: “capaz, independente, trabalhador”, salientando supostas qualidades do candidato José Liberato. O tipo usado no panfleto “O homem rural é honesto e grato, Drayton trabalhou, e por esta razão vota em Liberato” era o mesmo usado para a assinatura de Anastácio no panfleto “Acabarei com as feiras nos bairros pobres de Caruaru”. Era mais um golpe dos governistas para confundir o eleitorado nas horas que antecediam o pleito. A última cartada. No dia 15 de novembro de 1968, os “amigos meus”, como Anastácio se referia a seus eleitores, foram às urnas, confirmar o sentimento das ruas. Anastácio visitou quase todas as seções eleitorais da cidade e da zona rural. Ele conta que tomou banho e se arrumou na casa da sogra e seguiu para a residência de João Lyra Filho. “Estava um velório”, recorda. “Perdemos a eleição”, disse Celso Rodrigues, na ocasião. “Quem perdeu a eleição? Eu sou o prefeito de Caruaru. Eu estou eleito”, rebateu Anastácio. A preocupação de Celso estava relacionada também à estrutura da campanha do primo em comparação à de Liberato. “Não tivemos carros para levar o pessoal para votar”, revela o ex-prefeito. Acontece que enquanto caminhou pelas seções eleitorais, Anastácio percebeu que elas estavam cheias

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de jovens e que aquelas pessoas votariam nele. “Eu vi que era um ambiente favorável. Só eu acreditava na minha eleição. Eu nunca duvidei”, insiste. Naquele mesmo dia, Anastácio foi para a fazenda de Clóvis Cursino, inimigo de Drayton Nejaim, no interior da cidade de Agrestina. A coordenação acreditava que ele deveria ser resguardado, temendo represálias. Poucas pessoas sabiam que ele estava lá. Abertas as urnas, o filho do feirante foi eleito prefeito de sua terra amada, vencendo na cidade e na zona rural. “Começamos modestamente sob a descrença dos nossos adversários. Mas as candidaturas fortes não se apoiam no jogo das conveniências de grupos geralmente divorciados dos interesses maiores da comunidade. O diálogo permanente com todas as classes revelou que a nossa preocupação é a conquista do poder para usá-lo como instrumento a serviço dos anseios coletivos”, disse o novo prefeito. O resultado oficial das urnas apontou 15.025 votos para Anastácio Rodrigues, contra 11.378 obtidos por José Antônio Liberato. Neco Affonso, conforme previsto, somou míseros 647 votos. Anastácio perdeu apenas em duas urnas, no bairro Vassoural, reduto draytista, e venceu as eleições daquele ano com uma vantagem superior a 3,5 mil votos sobre o seu adversário. Exatamente a vantagem que a pesquisa previu. “Nosso objetivo era Caruaru e não o candidato José Liberato e muito menos o meu estimado amigo e ex-prefeito Manoel Affonso Porto Filho, com muita honra, nosso comendador”, explica Anastácio. Com a vitória de Anastácio Rodrigues, o eleitorado de Caruaru quebrava, pela primeira vez, a invencibilidade política de Drayton Nejaim. Apesar do clima de euforia, os “amigos meus” foram impedidos de irem às ruas para comemorar a vitória. “Eles foram os grandes artífices da construção do novo amanhã de Caruaru”, reconhece Anastácio. A repressão continuava a silenciar a voz do povo e tolhia os seus passos. Não seria diferente no dia da vitória. Especulava-se nos meios populares sobre a impossibilidade da posse de Anastácio, no governo do município, através de ação repressiva, que partiria dos altos poderes, inconformados com a ascensão de elementos do MDB na prefeitura do maior município do interior pernambucano. A hipótese estava envolvida em certo exagero, mas tinha um fundo de verdade.

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Na véspera da posse, o prefeito eleito recebeu um telegrama proibindo qualquer manifestação pública, impedindo-o de sentir o calor humano daqueles que foram às praças e ruas cheios de esperança. “Calaram as suas vozes. O povo, na sua sabedoria, tinha razão quando gritava em alta voz: “Vamos mudar!”. Estava realmente na hora de mudar”, argumenta Anastácio. Um grupo de jovens caruaruenses estava num Jipe, a caminho da cidade de Gravatá, quando um grave acidente vitimou um deles. A solidariedade foi usada como mote para justificar a proibição das comemorações. “Usei como pretexto para não dar gosto aos inimigos”, revela Anastácio. Apesar da proibição, os caruaruenses se reuniram no Clube Intermunicipal para acompanhar a apuração e aclamar o prefeito eleito. Fogos começaram a estourar e as bandeirinhas verdes eram agitadas. Telegramas de todas as partes chegavam trazendo felicitações e votos de um governo progressista. Anastácio desarmava o palanque no dia da vitória. “Amigos meus, aqui não está mais o candidato Anastácio, aqui está o prefeito de Caruaru. Poupando os gastos, economizando o dinheiro do povo, encontraremos a solução para muitos problemas. Não decepcionarei o meu povo. Ajudem-me a reconstruir Caruaru”, pediu, atestando que o equilíbrio financeiro seria meta prioritária de seu governo. Os discursos de Anastácio eram gravados na 22ª CSM. O comandante disse ao candidato vitorioso: “Gostei do seu discurso”. Muitos anos depois, o ex-prefeito João Lyra Filho comentaria a vitória de Anastácio na histórica eleição de 1968. “Anastácio tinha sido meu secretário de Educação, um excelente secretário. Construiu dezenas de grupos escolares no interior, que ele conhecia mais do que eu. Ele foi escolhido candidato, um candidato, a essa altura, de protesto, porque o candidato de Drayton era Liberato”, recordou. “Acontece que Anastácio, muito impetuoso – é do temperamento dele – mudou e ganhou três mil e tantos votos de diferença. Foi uma revolução em Caruaru”. Quase cinco décadas depois da eleição que o consagrou prefeito, Anastácio Rodrigues rememora com precisão os fatores que o impulsionaram à vitória. “Fizemos uma campanha de levantamento da moral do povo de Caruaru, com uma mensagem de otimismo. Isso refletiu psicologicamente na alma do povo. Mas não prometi absolutamente nada. Não falei contra a

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revolução [militar]. Eu fui à praça pública de mãos vazias, mas cheio de sonhos. Isso mostra como o povo estava insatisfeito”, esclarece. Segundo Anastácio, o desgaste do governo Drayton Nejaim foi decisivo para sua vitória. “Uma cidade que estava em estado de estagnação. Esta foi a cidade que recebi para administrar. Eu saía de porta em porta, conversando com os comerciantes, com uma mensagem de otimismo, falando de Distrito Industrial. Ninguém acreditava. Caruaru estava numa situação em que o próprio Palácio dos Despachos torceu pela minha vitória”, afirma. Não se pode, todavia, atribuir a Drayton Nejaim a culpa pela crise que se instaurara em Caruaru, a partir de meados dos anos 1960. Entretanto, questiona-se sua capacidade de gestão perante as dificuldades enfrentadas, naquele momento. “Faltou gestão”, avalia Anastácio.

Na primeira reunião da Câmara Municipal, após o resultado da eleição, o vereador José Lourenço da Rocha Filho apresentou voto de congratulações a seu colega vereador Anastácio Rodrigues pela vitória. E lamentou a não reeleição dos vereadores Aurelino Nascimento, José Augusto de Araújo e Amaro Veríssimo que, segundo ele, não foram eleitos por falta de condições financeiras. Sobre o prefeito eleito, José Rocha Filho afirmou que “Anastácio não foi eleito por condição financeira nem política, mas porque o povo insatisfeito com o estado de coisas que reina no país deu o seu grito de revolta”. Salvador Sobrinho assegurou que também sentiu a revolta do povo humilde e dos estudantes. Elias Soares explicou que reconhecia a capacidade de Anastácio Rodrigues, porém faria oposição à sua administração. Os eleitos no pleito de 15 de novembro foram diplomados na noite do dia sete de dezembro de 1968, no auditório da Rádio Difusora de Caruaru. O ato solene foi presidido pelo juiz Plácido de Souza. Além do prefeito Anastácio Rodrigues e do vice, Zezinho Florêncio, receberam os diplomas os treze vereadores eleitos. Um deles foi Ambrósio Zino Rodrigues da Silva, que dava seus primeiros passos políticos naquela eleição, tornando-se um dos vereadores mais votados do pleito. Nascido no dia sete de dezembro de 1922, na Rua Leão

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Dourado, a tradicional Rua Preta, assim como o irmão, Anastácio Rodrigues, Zino estudou no Grupo Escolar Joaquim Nabuco, sob a direção da professora Sinhazinha. Como adolescente, começou a dar os primeiros passos para o amanhã, tendo como um dos amigos de infância Claribalte Passos, que se revelou no cenário nacional como jornalista, escritor e compositor. Zino exerceu várias funções no comércio de Caruaru, iniciando atividades na tradicional feira local, como comerciário e empregador. No campo social, elegeu-se presidente do Círculo dos Trabalhadores Cristãos. Convocado para servir ao Exército Brasileiro, na cidade de Maceió, capital alagoana, submeteu-se ao concurso de Cabo, sendo um dos aprovados. Casou, em 1948, com a pesqueirense Maria José Avelino Brasil, a Zezé, de cujo enlace teve 13 filhos. Ingressou na política exatamente na eleição de 1968, filiando-se ao MDB e sendo um dos vereadores mais votados para o quatriênio 1969/1973. Também pela legenda do MDB, chegaram à Câmara Municipal Severino Rodrigues Sobrinho (Chico do Leite), José Florêncio de Souza (Zezito), Gilberto Torres Galindo, Abdias Pinheiro da Silva e Abel Ambrósio da Silva. Os arenistas foram maioria: Edson Barros Pereira, Elias Soares da Silva, Aristides Veras de Souza, Antonio Bezerra do Amaral, Severino Afonso Filho, José Salvador Sobrinho e José Carlos Rabelo. A diplomação, o último evento político antes da posse, finalizava a campanha vitoriosa, que levantara a autoestima do povo de Caruaru. Com ela, chegava ao fim o Jornal Edição Extra, que documentara os grandes eventos daquele pleito, inclusive denunciando a corrupção e o desespero dos governistas. O jornal, apesar do forte conteúdo político, também trazia outras seções, a exemplo de uma coluna social, escrita pelo cronista caruaruense Cervanttes. Em 13 de dezembro, o presidente Costa e Silva assinou o Ato Institucional nº 5, o AI-5, mais duro golpe imposto ao país pelo regime militar. Formalizava-se a ditadura, dando poderes absolutos ao presidente da República, mergulhando o Brasil definitivamente nos anos de chumbo. O general também decretou o recesso do Congresso, das Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores, concedeu à presidência a prerrogativa de cassar direitos políticos por até dez anos e cancelar o recurso de ha-

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O povo aclama o novo prefeito após o anúncio da vitória, no Clube Intermunicipal

beas corpus nos casos considerados crimes contra a segurança nacional, entre outras medidas. Depois das eleições, Anastácio retomou suas atividades no Banco Português do Brasil S/A, no cargo de contador, até licenciar-se definitivamente para assumir a Prefeitura de Caruaru. A cerimônia de posse aconteceu no dia 31 de janeiro de 1969, na Câmara Municipal, e foi novamente presidida pelo juiz Plácido de Souza. Autoridades, vereadores e milhares de pessoas superlotaram a Casa Legislativa, estendendo-se pela área externa do

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“Ninguém tocará no dinheiro do povo”, prometeu Anastácio ao tomar posse

prédio e pela rua. Pela manhã, uma missa em ação de graças fora celebrada na Igreja Catedral. A solenidade, que estava marcada para as 15h, foi iniciada após as 16h, em virtude do retardamento na chegada de alguns vereadores eleitos. O vereador Antônio Bezerra do Amaral, por ser o mais velho, prestou o juramento em nome dos demais. O vereador Edson Barros foi o mais ovacionado, ao ter o seu nome citado. Barros foi o vereador mais votado nas eleições de 1968, obtendo 1.507 votos. Seria nomeado Secretário da Fazenda pelo

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prefeito Anastácio, de quem se tornaria o principal aliado e grande amigo. Logo após a posse dos vereadores, ocorreu a eleição da Mesa Diretora da Câmara, que ficou assim constituída: Gilberto Galindo (presidente), Abel Ambrósio (vice), Severino Rodrigues Sobrinho (primeiro secretário) e Zino Rodrigues (segundo secretário). Assumindo a presidência dos trabalhos, o vereador Gilberto Galindo designou uma comissão composta pelos vereadores Severino Rodrigues Sobrinho, Abdias Pinheiro e Elias Soares, a fim de dar ingresso no recinto da Câmara ao prefeito Anastácio Rodrigues, que estava acompanhado por sua esposa, Leuraci, pelo deputado federal João Lyra Filho e por quase todo o secretariado. A banda musical Comercial, presente à solenidade, executou o dobrado “José Cavalcanti de Melo”, de autoria do maestro Casaquinha. Anastácio foi levado à Câmara por João Lyra Filho, em seu automóvel. Depois de prestarem o juramento, Anastácio Rodrigues e José Florêncio foram proclamados, respectivamente, prefeito e vice-prefeito de Caruaru. Já no discurso de posse, o novo Chefe do Executivo demonstraria a forma intransigente como iria administrar o município. “Ninguém tocará no dinheiro do povo”, disse, enfaticamente. Anastácio falou sobre os problemas que afligiam o município e de como procuraria resolvê-los, com a ajuda do Governo Federal. Relembrou alguns momentos de sua infância e prometeu, ainda, que construiria uma ponte ligando Caruaru ao Palácio dos Despachos, na Avenida Caxangá, onde dava expediente o governador Nilo Coelho. Finalizou seu discurso com palavras de otimismo para a missão que lhe foi conferida. A Câmara lotou para vê-lo assumir o cargo. A senhora Maria do Carmo Costa, representando os moradores do bairro Santa Clara, entregou um ramalhete de flores ao prefeito Anastácio, pedindo-lhe que o depositasse aos pés do Bom Jesus do Monte, como pagamento por uma promessa que ela havia feito para vê-lo eleito. Depois que discursou, o novo prefeito entregou a cópia única do discurso para alguém e nunca mais a encontrou. Fato que costuma sempre lamentar. Encerrada a reunião de posse, o presidente da Câmara convidou as autoridades, os vereadores e o povo em geral para acompanharem o prefeito Anastácio Rodrigues ao Palácio do Governo.

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Por conta do clima de tensão, poucos “amigos meus” puderam acompanhá-lo. “Os inimigos da liberdade, insensíveis para com as causas nobres, impediram que as criancinhas, os jovens, o homem e a mulher simples de Caruaru levassem seu prefeito à sua nova tenda de trabalho”, critica, de forma poética. Anastácio chegou à prefeitura, num automóvel chapa branca nº 70-00, conduzido pelo Monsenhor Bernardino Carvalho, ministro da Igreja Católica. Apesar da proibição, um número considerável dos “amigos meus” o aguardava. O novo prefeito foi surpreendido com gestos de carinho. A irmã do inesquecível amigo padre Zacarias Tavares, dona Maria, junto com seu esposo, Francisco, um exímio artesão, sorridentes e felizes, entregaram a Anastácio as chaves da cidade. Um belo trabalho em madeira, tendo ao centro a cruz de Jesus Cristo, que ele guarda até hoje. A transmissão do cargo foi feita pelo próprio Drayton Nejaim, com a presença do novo secretariado. A escrita da ata, feita pelo radialista e bancário José Queiroz, quase foi prejudicada, em virtude do grande número de pessoas que ali se encontrava, provocando mal estar entre os presentes, devido ao calor sufocante. Toda tentativa para fazer funcionar o ar condicionado foi inútil. Após assinar o livro de ata, Drayton retirou-se do local sem se despedir de ninguém. Afirmou apenas que, tendo cumprido o seu dever, poderia retirar-se. Enxugando o suor, deixou o prédio da prefeitura pela porta privativa do prefeito. Lá fora, entrou no carro de placa 39615, particular, e seguiu, acompanhado por Antônio Bezerra do Amaral, Aurelino Joaquim do Nascimento, Cabo Lúcio (que fazia o sinal da cruz quando se deparava com Anastácio) e outra pessoa que a imprensa não conseguiu identificar. Já no interior do automóvel, respondendo à pergunta de um jornalista, comentou: “Sou um homem calmo e não estou emocionado. Desejo ao novo prefeito, à sua pessoa física, muita sorte”. Ao contrário do estado de calma que ele propagou, decepcionado com a derrota de seu candidato, o prefeito Drayton Nejaim fez uma verdadeira vassourada na Prefeitura. De uma só vez, demitiu mais de 150 servidores e outros 150 diaristas. A todos indicava o caminho: “o problema agora é com o prefeito eleito”, numa manobra que tinha o objetivo de criar problemas para Anastácio. Adotando o empreguismo como norma de governo, a folha de

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pagamento atingia somas vultosas. O resultado: quatro meses de atraso no pagamento dos servidores que Drayton deixou para Anastácio solucionar. Drayton também foi acusado de mandar suspender o fornecimento de água aos distritos, prejudicando os seus habitantes, duramente castigados pela estiagem. Como não havia água encanada, a Prefeitura fazia o fornecimento através de carros tanque. Isso até as vésperas da eleição. Anastácio, antes mesmo de assumir, com apoio da Rodoviária Caruaruense, conseguiu um carro tanque que abastecia, dentro de suas possibilidades, alguns pontos do município, até que tudo se normalizasse. O último dia do governo Drayton Nejaim foi marcado pelo rush observado no setor de pagamentos, conforme descreveu o jornalista Antônio Miranda, no Diario de Pernambuco de dois de fevereiro de 1969. Desde as primeiras horas do dia 30 de janeiro, grande número de funcionários e fornecedores procurava o bloco B da Prefeitura, aglomerando-se na seção de pagamentos, informou o texto. Apesar da quantidade de servidores empenhada no atendimento, centenas de pessoas passaram pelo local para receber, de forma que o movimento se estendeu até altas horas da noite, sem que fosse possível atender a todos.

Naqueles dias, Anastácio representava a esperança de dias melhores, sobretudo para as classes menos favorecidas. O jornalista Ricardo Corrêa, enviado especial do Jornal do Commercio, registrou que, “Em conversas com gente mais humilde, é comum se ouvir dizer que com Anastácio as coisas irão melhorar”. O jornal descreveu o novo prefeito como “um homem simples, caladão e muito loquaz quando o momento exige”. O prefeito eleito sabia que teria um grande desafio a enfrentar. Acreditava que somente bem administrando é que se pode fazer política, e pretendia demonstrar ao povo sua capacidade de trabalho. Inicialmente, defendeu a modernização do sistema administrativo, com a mecanização e reformulação dos setores de pessoal e arrecadação da prefeitura. Sabia que o sistema burocrático em voga era obsoleto, exigindo medidas radicais para melhor funcionamento, inclusive com a colaboração de pessoal especializado.

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Anastácio dizia que sua vitória se deveu ao povo de Caruaru, explicando apenas que fez uma campanha de renovação político-administrativa, sem atacar seus adversários e voltada para os grandes problemas do município. A declaração de que evitou atacar os concorrentes – pelo menos diretamente –, era questionável. Se ele próprio não o fazia, as críticas e insultos imperavam nos comícios de ambos os candidatos, conforme registrou a imprensa da época. A campanha eleitoral de Caruaru terminou deixando a marca da virulência de vários dos seus participantes –informava o jornal Vanguarda. “A linguagem não foi das mais limpas, muito deixando a desejar. Muita coisa deplorável, muito insulto desnecessário e prejudicial, foi jogado contra uns e outros”, reclamou o semanário. Coube ao candidato derrotado escrever uma “proclamação ao povo de Caruaru”, na qual lamentava o resultado das urnas. “Aceito o veredito, embora não conformado com o processo eleitoral, a partir das mesas receptoras, até a realização da eleição”, expressou José Liberato. O deputado Fernando Lyra, ao contrário, era só alegria com a vitória de seu candidato. Ao Jornal do Commercio, Lyra disse que o povo de Caruaru estava triste e foi preciso motivá-lo e incentivá-lo. “Surgiram, então, os slogans ‘alegria, alegria’ e ‘Caruaru pra frente’. O povo gostou, ficou mais alegre e continuará alegre a partir de janeiro”, afirmou efusivamente. Carlos Toscano atribui a vitória de Anastácio ao desgaste crescente da administração Drayton Nejaim. “À medida que a gestão ia terminando, o prefeito não tinha cumprido aquilo que havia estabelecido como metas e houve um desgaste dele muito grande. Então, isso deu campo a que Anastácio se apresentasse como uma esperança, uma renovação”, acredita. “Naquele tempo, talvez numa proporção menor, havia sempre aqueles mais aquinhoados que faziam da eleição um trampolim para ter poder e representação. E, às vezes, os sentimentos podiam não ser aqueles que interessavam mais à cidade. Anastácio chegou com esse requisito de uma capacitação muito grande, uma pessoa pobre, humilde e que na circunstância de Caruaru, poderia trazer para a cidade uma nova percepção”, pontua Toscano. Ao subir a rampa do Palácio Jayme Nejaim, Anastácio Rodrigues e sua esposa, Leuraci, não sabiam estar subindo o caminho do calvário. Porque o preço da glória foi muito alto.

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“Uma nova etapa na vida político-administrativa do nosso município se inicia, agora, sob os auspícios da austeridade, com a disposição que traz o novo governo, de imprimir um sentido diferente, no trato com a coisa pública”, anunciava o jornal Vanguarda, através da definição precisa do jornalista Antônio Miranda, sobre elementos que se revelariam os pilares do novo governo municipal.

Havia alegria, mas também havia tensão. Desde a posse de Anastácio Rodrigues, Caruaru, que já era dada ao disse me disse, foi inundada por boatos. A cassação estava por vir, diziam uns. Investigações. Falava-se, até, em intervenção federal. Anastácio Rodrigues assumiu a Prefeitura com a meta prioritária de equilibrar as finanças do município. Os débitos deixados pela administração anterior foram calculados inicialmente em 1,5 milhão de cruzeiros novos e preocuparam o novo prefeito. A maior parte da dívida municipal referia-se a compromissos não saldados em bancos oficiais e ao fornecimento de material por empresas privadas. Todavia, Anastácio assegurava que iria realizar um governo “sem ódios”, contando com as principais forças políticas da cidade. À imprensa pernambucana, o prefeito disse que os deputados João Lyra Filho, Tabosa de Almeida e Fernando Lyra, entre outros, seriam peças importantes de um grupo de trabalho de atuação efetiva durante sua administração. Garantiu que a ampla plataforma de governo divulgada seria a solução para os principais problemas da cidade e adiantou que o governador Nilo Coelho incluíra no orçamento do ano seguinte verba de NCr$ 6 milhões para solução do angustiante problema d’água em Caruaru. O desafio de Anastácio representava uma luta mais de afirmação do que propriamente de sobrevivência. Além de ser o responsável pelo soerguimento econômico-financeiro da cidade, o novo prefeito seria o termômetro do surgimento de uma nova liderança em Caruaru. Se trabalhasse bem, ajudaria os Lyra para enfrentar as eleições de 1970. Caso contrário, persistiria sempre a possibilidade de que seus adversários saíssem vitoriosos, aglutinando-se em torno de um nome novo. Antes mesmo de assumir, Anastácio convidou para ir a Caruaru o superin-

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tendente da Sudene, o general Euler Bentes, que se comprometeu a visitar a cidade, adiantando que o objetivo do órgão era interiorizar a industrialização. Aquela era uma grande oportunidade para Caruaru recuperar sua economia açoitada, fugindo do comércio de compra e venda, sistema pelo qual se manteve durante anos e liderou o Estado. Anastácio pretendia criar um Distrito Industrial em Caruaru, oferecendo isenção de impostos e doando terrenos aos empresários que decidissem instalar suas indústrias na cidade. Mas, como atrair indústrias para uma cidade que não possuía água suficiente para os seus moradores? Tudo ao redor era desafio e Anastácio não parava de pensar em soluções. Poucos dias após as eleições, o prefeito foi até a redação do Jornal do Commercio, no Recife, acompanhado do jornalista Souza Pepeu, correspondente do periódico em Caruaru. Anastácio foi recebido pelo senador F. Pessoa de Queiroz, diretor do sistema Jornal do Commercio e pelo engenheiro Antônio Hugo Guimarães, diretor-executivo da empresa. Em dezembro de 1968, prestes a assumir o cargo, Anastácio, aos 40 anos, concluiu o curso na Faculdade de Direito de Caruaru e participou de um culto em ação de graças, celebrado na Igreja Presbiteriana da Avenida Santo Antônio, em Garanhuns–, como parte das solenidades de formatura dos concluintes. Anastácio foi acompanhado de sua esposa, Leuraci e do irmão, Zino Rodrigues, eleito vereador nas eleições de novembro. Ele hospedou-se na residência de Adelson Cunha, funcionário do Banco do Brasil, no bairro de Heliópolis, onde foi homenageado com um almoço. Também visitou pontos da cidade. Os primeiros meses do governo Anastácio Rodrigues foram terríveis. Pressão de todos os lados e ameaça de cassação. O clima era de suspense. O governo militar cassava, impiedosamente, mandatos de prefeitos. E a cassação de Anastácio era ansiosamente aguardada por seus adversários. Apostas e mais apostas. “Hoje, o amarelo voa”, diziam alguns. O apelido acredita-se ter sido atribuído pelo próprio Drayton e propagado pelo vereador José Rabelo. Mas, o que muitos não sabiam, era que o governador Nilo Coelho sustentava o mandato do prefeito de Caruaru. Nilo – tio do atual Senador da Repú-

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blica Fernando Bezerra Coelho – era amigo do presidente Castelo Branco e recomendava-lhe: “Se isto acontecer será uma grande injustiça. Nada há contra o rapaz”. Fato que Anastácio tomou conhecimento através do coronel Otacílio Ferraz, amigo e compadre do governador Nilo Coelho. Anastácio temia que acontecesse a si próprio o mesmo que ocorreu ao então prefeito de Campina Grande, Ronaldo Cunha Lima, eleito em 1968. Ele estava no meio do segundo mandato de deputado, quando abriu mão do cargo e se candidatou, elegendo-se prefeito de Campina Grande, pelo MDB, tal como ocorrera com Anastácio. Pouco tempo depois de assumir o cargo, Ronaldo teve o mandato cassado pela ditadura militar. O prefeito Anastácio construiu com Nilo Coelho um relacionamento respeitoso e de confiança mútua. Certa vez, estavam no gabinete do governador, quando Nilo mandou que Ondina, funcionária do palácio do governo, saísse da sala e fechasse a porta. –Escuta, prefeito. Você tem muitos amigos presos? – Mais de dez, devolveu Anastácio. Naquela conversa, Nilo revelou que estava em Nova Iorque quando foi convocado pelo então presidente Castelo Branco para assumir o Governo de Pernambuco. “Eu não pedi para ser governador”, costumava dizer. “Mas quando eles mandam me chamar, eu invento uma viagem para Petrolina”, confidenciou. Era a forma encontrada por ele para burlar o arbítrio ditatorial imposto pelos militares, como quando quiseram que ele determinasse a prisão de um oficial de polícia. “Prefeito, eles que o prendam. Eu, não!” – esquivava-se. Nilo Coelho entrou na Aeronáutica de forma casual. Ainda estudante de Medicina, em Salvador, esteve à frente de passeatas, que percorreram o centro da capital baiana, conclamando a opinião pública para reagir contra a ameaça nazista. Nilo foi convocado para a guerra, mas como era quintanista de Medicina, não chegou a embarcar para a Itália. O pai dele, o coronel Quelê (Clementino Coelho), já era um político importante no Sertão do São Francisco e conseguiu que o filho, logo depois de formado, prestasse serviço militar. Diplomado em 1944, Nilo optou pela Aeronáutica, tendo ido cumprir estágio na FAB em Campo Grande, no Mato Grosso. Em 1947, o jovem Nilo

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Coelho venceu sua primeira batalha eleitoral, elegendo-se deputado estadual, tendo sido o candidato mais votado no interior e o terceiro mais votado em todo o Estado de Pernambuco. Governador arenista, Nilo Coelho era naturalmente aliado da ditadura, no entanto suas ações demonstram discordância de muitos dos artifícios utilizados contra os opositores naquele período. Os militares também exigiram do governador a demissão do jornalista Paulo Fernando Craveiro, Secretário de Estado da Casa Civil de Pernambuco, depois que este escreveu artigo elogioso sobre Fidel Castro e o governo cubano. Em Caruaru, Anastácio adotava a mesma postura neutra. Jamais permitiu que, em seu palanque, fizessem restrições ao regime. Os que começavam a criticar, ele ordenava que descessem. Por isso, mesmo eleito pelo MDB, gozava de prestígio e admiração junto a um governador arenista. Os rumores de uma possível cassação acompanharam o prefeito Anastácio ao longo do mandato. E tais rumores estavam ancorados por fatos. De modo que, para alguns, a cassação não era uma hipótese. Era um projeto. Em fevereiro de 1968, meses antes da eleição, a imprensa noticiara que Drayton Nejaim era cotado como interventor na cidade de Caruaru. A medida seria decorrente de projeto do Ministério da Justiça, que tornaria área de segurança nacional 234 municípios brasileiros. A revelação foi feita pelo próprio Drayton, acrescentando que o convite lhe foi dirigido “por quem poderia fazê-lo”, admitindo ter o mesmo partido da esfera militar, a Arena. Os cuidados de Anastácio eram ainda maiores, porque ele tinha convicção de que, se fosse cassado, Drayton Nejaim assumiria o comando do município, como interventor. E não faria sentido ter vencido a eleição derrotando o candidato de Nejaim para depois entregar-lhe o comando do município tão facilmente e de forma arbitrária. A capacidade política (e não administrativa) de Anastácio sempre foi questionada. Mas ao se aproximar pessoal e administrativamente dos governadores da Arena, para não ser cassado e para conseguir pôr em prática o seu plano de governo, o prefeito emedebista mostrou que não tinha nada de ingênuo. E que sabia fazer a política necessária numa época de tensão e insegurança, vindas de todos os lados.

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No poder, manteve a mesma postura da campanha. Se tivesse reservas ao sistema autoritário que dominava o Brasil, não as tornava públicas. Por pensar assim, Anastácio tornou-se alvo para críticas dentro de seu próprio partido. Na Assembleia Legislativa de Pernambuco, por exemplo, o deputado estadual Jarbas Vasconcelos condenaria publicamente o comportamento do prefeito de Caruaru. Anastácio garante, todavia, que pessoalmente não era favorável ao regime militar, nem apoiava os métodos da ditadura. “Eu sempre abominei regime totalitário, de direita e de esquerda”, assegura. A filiação ao único partido de oposição, talvez fosse suficiente para determinar sua posição, mas o fato de governar aliado ao sistema vigente levantava suspeita de que fosse filiado ao MDB por força das circunstâncias políticas da época e não por convicção ideológica. Anastácio nega. “Que expressão eu tinha, um prefeito do Interior, para contestar a revolução? Seria uma burrice”, pondera. Ele classifica o golpe de 1964 como “um erro” e diz que a ditadura militar “manchou a história do Exército brasileiro”.

A situação da Prefeitura em 1968 era das piores. O Ministério da Fazenda, Delfim Netto, reduziu o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) em 50%. Poucos pagavam seus tributos. Não havia um bom relacionamento entre a administração anterior e o Governo do Estado. Tanto que o governador Nilo Coelho esteve na cidade, acompanhado de sua esposa, Tereza Brennand, quando do grave surto de paralisia infantil, determinando que a imprensa não registrasse sua presença. Anastácio conseguiu ser recebido em audiência pelo governador, na tarde de 21 de março de 1969. Até então, conhecia Nilo Coelho pelos jornais e pela televisão, cuja transmissão, registre-se, era de péssima qualidade em Caruaru. Levou em mãos o planejamento do futuro Centro Cívico do município, que conseguiu tirar da Faculdade de Arquitetura do Recife. “Introduzido no gabinete, não sabia que naquela hora estava diante de uma das grandes figuras humanas que conheci. Um autêntico sertanejo, de boa cepa”, descreve. Matutamente, Anastácio lhe disse: “Senhor governador, inicialmente,

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eu quero duas coisas para Caruaru: a solução do problema da água e a doação do Campo de Monta”. Nilo Coelho lhe respondeu que era inadmissível Caruaru ter, a 500 metros da Catedral, um cruzamento de animais, e que daria ao município o Campo de Monta. E foi além: “Prefeito, eu vou dar a Caruaru, nos últimos anos do meu governo, o que não dei nos anos que já se passaram”. Como nunca se deve pôr dúvida na palavra de um sertanejo, Anastácio acreditou. E ele cumpriu. Naquela tarde, o prefeito de Caruaru cortava a fita simbólica da ponte que havia prometido construir, em praça pública, no comício de encerramento que ocorreu na Praça do Rosário. Após dois dias da audiência, foram a Caruaru três secretários de Governo. Fuad Hazin, Secretário de Obras; Paulo Gustavo, de Indústria e Comércio; e Luiz Augusto, Secretário de Coordenação Geral, além de diretores do Departamento de Poços e Açudagem, entre eles, David Bezerra, irmão de Gregório Bezerra. Nascia, naquela hora, a Barragem Antônio Menino, por ordem do governador Nilo Coelho. De imediato, sem dinheiro, Anastácio desapropriou a área, através do Decreto nº 03/69. Ninguém entendia porque o governador Nilo Coelho, da Arena, abria as portas para a administração de um prefeito eleito pelo MDB. A verdade é que Anastácio havia deixado de lado a questão partidária. O palanque estava desarmado. O seu partido tinha nome de cidade: Caruaru. E Anastácio colocou Caruaru acima de tudo – inclusive da própria família. A falta de luz, água e saneamento eram três entraves para o progresso da cidade, no final dos anos 60. A Cooperativa de Melhoramentos de Caruaru Ltda. era a concessionária responsável pelo serviço de energia elétrica. Uma entidade falida de fato e sem recursos até para a manutenção da rede pública, que chegava, em alguns bairros, a ter uma voltagem de apenas 140 volts, quando o normal era 220. Naquela época, a Sudene colaborava com o abastecimento d’água em Caruaru, através da Companhia de Água e Esgotos (Caene), em parceria com a Companhia de Água e Esgotos de Caruaru (Caec), criada no governo João Lyra Filho. A rede de distribuição encontrava-se em fase de montagem e, por isso, a cidade ainda sofria com a falta d’água. A esperança estava na construção da Barragem de Tabocas, na divisa

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Caruaru-Toritama, que iria abastecer Caruaru e contribuir para o disciplinamento de enchentes, inclusive no Recife. Obra grandiosa que Anastácio conseguiria avançar junto ao Governo do Estado. Em 1968, ao dar posse ao engenheiro Fuad Hissa Hazin, no cargo de Secretário de Obras e Serviços Públicos do Estado, em substituição ao engenheiro Murilo Paraíso, o governador Nilo Coelho disse, em solenidade, no salão nobre do Palácio dos Despachos, que, “de todas as tarefas que são transferidas, neste instante, ao novo titular, aquela para a qual eu recomendaria maior carinho é resolver o problema d’água em Caruaru”. A população caruaruense era totalmente desacreditada quanto à solução do problema. Bandeira política levantada por todos, mas nunca aplicada por político algum, de forma concreta. Na gestão Anastácio, porém, o problema sairia da esfera política para a técnico-administrativa, devolvendo ao povo elevadas esperanças. Pesava, ainda, o fato de o governador Nilo Coelho repetir diversas vezes que “a solução do problema d’água de Caruaru é questão de honra da atual administração Estadual”. Embora as festas populares da cidade fossem organizadas pelo próprio povo, quando assumia o cargo, naqueles tempos, a primeira preocupação do prefeito eleito era com o Carnaval – festa que tinha maior destaque do que o São João, no município. Uma comissão organizadora planejaria os festejos. No governo Anastácio Rodrigues, ressurgiram com intensa participação popular o carnaval e as festas juninas. O Jornal do Commercio foi o grande homenageado da festa carnavalesca em 1969, por seu cinquentenário. Uma estatueta, em pop-art, representando a figura do gazeteiro, foi trabalhada pela pintora Luísa Maciel, Diretora de Turismo, e oferecida à direção da empresa. Diversas agremiações participaram da abertura dos festejos, no dia 10 de fevereiro, entre elas os clubes mistos Vassourinhas, Sapateiros e Motoristas, além das escolas de samba Unidos da Vila, Palmeiras (que há dez anos estava ausente do Carnaval) e Bafo do Samba. O tradicional bloco Sou Eu o Teu Amor (conhecido como Bloco de Cacho de Coco) marcou presença, junto com o bloco de Zé de Inês, Clube Carnavalesco Sapateiros, sob a presidência de Antônio Barros, Tira-Teima e Boi-de-bandeira. Os clubes da cidade também promoviam eventos internos em seus sa-

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lões, a exemplo do Comércio, com seu tradicional baile Vermelho e Branco; o Caroá, no Salgado; O Vera Cruz e o Sesi, na Rua Preta; e o Central, no centro da cidade. A ornamentação do carnaval caruaruense foi confeccionada pelo pintor Reginaldo Luiz. Além das lâmpadas coloridas, instaladas ao longo de quatro mil metros de fios, refletores potentes iluminaram as principais avenidas da cidade. Antes mesmo do Carnaval, o desafio da gestão foi a limpeza de toda área urbana, que, segundo a Secretaria de Saúde, tinha lixo para ser recolhido durante 30 dias. O prefeito Anastácio compareceu à última reunião da Câmara de Vereadores, naquele ano, para fazer um relato completo de todos os setores da municipalidade. As informações repercutiram intensamente, junto à opinião pública, pois evidenciaram pontos tremendamente negativos, até então desconhecidos, a exemplo da dívida do município, que ultrapassava R$ 1 milhão de cruzeiros novos. A mensagem do prefeito constava de 12 laudas. Algumas secretarias e departamentos sequer existiam de fato, a exemplo da Secretaria de Assistência Social, que não tinha localização determinada; Departamento de Praças e Jardins; Departamento Cultural e Artístico e Departamento de Energia Elétrica. Além disso, a Secretaria de Administração apontou muitas irregularidades no setor de pessoal, com contratos que feriam a lei, aproveitamentos indevidos de funcionários e quase nenhuma atuação do setor jurídico, resultando num choque completo dos atos baixados e das leis vigentes no país. “Havia funcionário analfabeto nomeado para exercer a função de datilógrafo”, reclama Anastácio. Denúncia mais grave partiu da Secretaria da Fazenda, que revelou não ter encontrado a escrituração do movimento financeiro de janeiro de 1969, nem sequer a abertura dos livros contábeis daquele exercício. O início das aulas primárias foi adiado, tendo em vista o apadrinhamento de que se revestiu a nomeação de pessoas que não atendiam às mínimas exigências do ensino escolar, em detrimento de outras professoras, que tiveram os seus cargos extintos pelo prefeito Drayton Nejaim. Em fins de fevereiro de 1969, Anastácio voltava a fazer novas denúncias na imprensa contra a gestão de seu antecessor. Em janeiro, último mês do governo Drayton, o município havia arrecadado NCr$ 379.999,34 (trezen-

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tos e setenta e nove milhões, novecentos e noventa e nove mil e trinta e quatro cruzeiros novos), resultantes da soma de impostos, serviços diversos e verbas pagas pela União, além do percentual referente ao Imposto Sobre Circulação de Mercadorias (ICM). Anastácio encontrou nos cofres públicos, em diversos bancos da cidade, um saldo de apenas NCr$ 318,56. Na qualidade de prefeito eleito e diplomado, cumprindo as exigências da Fundação Instituto de Administração Municipal (Fiam), Anastácio solicitou que fossem tomadas providências com relação à escrituração do livro da tesouraria, com as operações de receita e despesa; programação do boletim de caixa, em três vias, constando a receita arrecadada e a despesa correspondente ao período de 1 a 30 de janeiro de 1969. Nenhuma providência foi tomada. Também se constatou que somente até o dia 10 de janeiro haviam sido lançadas as operações de receita e despesa, num montante inferior a 10% do arrecadado. A Secretaria da Fazenda não tinha contador. O sistema de arrecadação era altamente obsoleto e vulnerável. O relatório apontava que o numerário em banco era sacado apenas com a assinatura do secretário da Fazenda; pagamentos eram efetuados através de cheques ao portador e o operariado recebia por mãos de terceiros. “Drayton Nejaim andava com o talão de cheques no bolso. Durante a minha administração, se assinei dez cheques foi muito”, diz Anastácio. A essa altura, o débito – conhecido – da Prefeitura de Caruaru, era de 1 bilhão de cruzeiros antigos, em bancos, cooperativa de luz, fornecedores, INPS, veículos de comunicação e outros (somando-se dívidas deixadas por várias administrações anteriores, como o IPSEP, que estava em atraso há 18 anos). Entre as denúncias, uma atingia diretamente o ex-prefeito Drayton Nejaim, cujo aluguel da casa onde residia fora pago com dinheiro da Prefeitura. O senhor Mariano Francisco da Silva recebeu, ao apagar das luzes da administração, a importância de NCr$ 5.200,00, correspondente a 13 meses de aluguel da casa situada na Avenida Manoel de Freitas, nº 26, relativo ao período de janeiro de 1968 a janeiro de 1969. Comprovou-se ainda que, de forma ilegal, o vereador Salvador Sobrinho era fornecedor de materiais de construção ao município. Outros documentos mostravam que contas particulares do ex-secretário de Administração, Rubem Fernandes Prado, em estabelecimentos comerciais da cidade, fo-

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ram liquidadas com dinheiro público. As irregularidades incluíam a venda ao município de um televisor Pionner, de 23 polegadas, por um funcionário da Prefeitura, no valor de NCr$ 600,00; pagamento de NCr$ 900,00 por um serviço não prestado; ordem de pagamento correspondente a despesas de viagens ao Recife por um funcionário, no valor de NCr$ 344,47, mediante comprovantes não identificados e divergentes do que tratava o texto do recibo,e materiais do Departamento de Energia Elétrica que eram “entregues” ou “emprestados” a vereadores ou a terceiros, e não foram devolvidos. Além de dívidas ao restaurante que fornecia almoços à Fazenda Pedra Verde; despesas não pagas pelo novo governo. Antônio Máximo da Silva, então administrador da Fazenda Caruaru, de propriedade do município, afirmou que parte da produção de frutas era vendida a um morador da fazenda, que revendia a feirantes, e a outra parte era distribuída com funcionários da Prefeitura, inclusive secretários e vereadores. O ex-secretário Edécio Francisco de Melo (Agricultura) autorizava o corte de madeira para fins desconhecidos, e, no Departamento de Águas, Esgotos e Saneamento, um tanque de cinco mil e quinhentos litros fora emprestado, por autorização do ex-vereador José Antônio Liberato. Um gerador foi cedido a um parente da família Fontes. Não se tinha notícia de concorrência pública para a compra de material. Veículos e tratores eram vendidos e a Secretaria de Administração não possuía qualquer tombamento do patrimônio municipal. Os gastos com gasolina, óleos e lubrificantes eram astronômicos, em todas as secretarias municipais. Paralelamente, todos os titulares de cargos, sem exceção, recebiam NCr$ 20,00 por semana para gasolina, mesmo os que não possuíam carros particulares. Enchiam os tanques de gasolina sem controle. O desvio era feito nas proximidades da feira de gado. Atos eram baixados irregularmente, com distribuição de privilégios e verdadeiras aberrações na forma de aproveitamento dos servidores. Funcionários antigos deixaram de ser aproveitados, após a extinção de todos os cargos do quadro de pessoal, atendendo a Lei nº 2.016, pelo secretário Rubem Fernandes Prado, colocando-os em disponibilidade para um posterior enquadramento. O funcionário público era nomeado por portaria e,

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ao mesmo tempo, tinha o registro na carteira profissional. Assistência não existia, recorria-se ao INPS. Como nenhuma sistemática foi empregada, gerou-se uma celeuma. Ao passo em que funcionários antigos eram desamparados, outros foram aposentados irregularmente, com ordenados altíssimos. Pessoal de serviço prestado foi efetivado em cargos importantes. A nova gestão solicitou ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) uma anuência a fim de apreciar as contas do ex-prefeito Drayton Nejaim, alusivas ao período de 02 a 31 de janeiro de 1968, uma vez que, segundo declarou à imprensa o prefeito Anastácio Rodrigues, Drayton havia feito despesas nesse período que se aproximavam de NCr$ 400 mil, sem escriturar os documentos relativos a tais despesas. O ex-prefeito foi denunciado por aplicação indébita de recursos provenientes do erário municipal e malversação do patrimônio público, além de exorbitância nas atribuições inerentes à administração do pessoal. O setor responsável pelas denúncias envolvendo o governo anterior era a Secretaria de Administração. Anastácio convidou, para ocupar a pasta, o bancário e radialista José Queiroz de Lima, que havia se destacado durante a campanha, com suas críticas contundentes em relação a Drayton. “Anastácio era um crítico da pesada em cima de Drayton Nejaim e prometia aos caruaruenses que haveria de fazer uma devassa completa na prefeitura, responsabilizando a quem tivesse metido a mão no dinheiro do povo. Foi assim que ele foi eleito”, cita Queiroz. José Queiroz contava com o apoio de Mário Menezes e Paulo Clemente, membros do MDB municipal, para fazer um levantamento das irregularidades. Até então, ele não havia sido nomeado, pois aguardava uma autorização do Banco do Brasil. Mesmo assim, administrava, de fato, a pasta, e preparava os processos contra Drayton Nejaim, quase no anonimato. Paulo Clemente assinava os documentos. Queiroz trabalhava um turno na prefeitura e outro no banco. Passou sete meses na Secretaria de Administração, até que o Banco do Brasil lhe negou o pedido de licença. Como não foi nomeado, ele nunca recebeu pelos meses como secretário. Mas deixou a pasta com a sensação de dever cumprido, deixando tudo organizado e encaminhado.

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Quando os processos começaram a ser julgados, Drayton pagou caro. O ex-prefeito foi punido e teve seus direitos políticos cassados por cinco anos – ele só voltaria a disputar uma nova eleição em 1976, quando, por coincidência ou não, derrotaria o iniciante José Queiroz, numa das eleições mais empolgantes da História política de Caruaru. O fato de Queiroz encabeçar a comissão que revelou denúncias gravíssimas da administração Drayton Nejaim acabou sendo explorado politicamente. Ele era apontado como o grande responsável pelos processos movidos contra o ex-prefeito – deixando, inclusive, o próprio Anastácio Rodrigues em segundo plano, no contexto. Os trabalhos acabaram por acentuar uma forte indisposição de Drayton em relação a José Queiroz, que se arrastaria por toda a vida. Queiroz garante, no entanto, que apenas cumpriu uma missão determinada por uma proposta de governo. “Não me arrependo de ter feito”, afirma. O juiz Aluiz Tenório de Brito, da Segunda Comarca de Caruaru, suspendeu os direitos políticos de Drayton Nejaim por cinco anos e o condenou a três meses de prisão, por crime de responsabilidade (Lei 201), no volumoso processo movido contra sua administração, constituído por mais de 30 acusações, desde o peculato à omissão administrativa. Drayton conseguiu provar inocência em quase todos os crimes que lhe foram imputados, não conseguindo, porém, livrar-se da nomeação ilegal de uma estudante de Direito, Ariene Torres Veras de Souza, filha do vereador Aristides Veras, para o cargo de consultora jurídica do município. A nomeação da então universitária, para o cargo de Advogado nível 20, sem concurso e sem a devida habilitação, contrariava frontalmente a Constituição e resultou na cassação dos direitos políticos do ex-prefeito. A suspensão incluía a participação em comícios eleitorais, fato que ele desrespeitava. (Ariene só colou grau de Bacharela em Direito em 27 de dezembro de 1968, na mesma turma do prefeito Anastácio). O retrato das finanças municipais encontradas por Anastácio Rodrigues pode ser visualizado através de trechos de um parecer da Promotoria Pública da Comarca de Caruaru, encaminhado ao Juiz Aluiz Tenório de Brito. O parecer, fundamentado no Processo de Sindicância, em dois volumes, remetido pelo Tribunal de Contas do Estado, que julgou procedente a re-

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presentação do prefeito Anastácio Rodrigues da Silva contra a administração anterior, denunciava Drayton Nejaim por fatos delituosos destacados em seguida. “O denunciado quando no exercício do cargo de prefeito, no período compreendido entre 31 de janeiro de 1963 a 31 de janeiro de 1969, realizou uma administração enormemente tumultuada quanto à escrituração e contabilização dos recursos públicos – sem nenhuma obediência sistemática dos registros de obrigações – o que gerou um emaranhamento de aplicações de verbas para fins diversos de suas destinações”, destaca o documento. (O período em que Drayton administrou Caruaru foi, no entanto, registrado incorretamente, pois segundo o livro de posse da Câmara Municipal, seu governo foi de 16 de novembro de 1963 a 31 de janeiro de 1969). Adiante, o promotor cita que, por esse motivo, a Comissão de Sindicância, em seu bem elaborado relatório, concluiu ter encontrado em estado caótico a contabilidade do município, considerando como simplesmente acéfalo, à época, o serviço de contabilidade da Prefeitura de Caruaru. Drayton Nejaim foi denunciado no dia 31 de março de 1970, pelo Dr. Edmar Braga, então 2º promotor público de Caruaru, como incurso no Decreto-Lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967, que dispõe sobre a Responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores. A sentença condenatória data de 20 de julho de 1970, prolatada pelo juiz de direito da 2ª Vara de Caruaru, Aluiz Tenório de Brito, condenando o ex-prefeito à pena de três meses de detenção e inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil causado ao patrimônio público e custas processuais. As informações sobre seu governo resultam do processo movido pela Comissão Geral de Investigação (CGI) e Divisão de Segurança e Informação (DSI) do Ministério da Justiça, em 1969, para apurar denúncias de crimes penais e administrativos de sua gestão. O processo encontra-se disponível no Arquivo Nacional, em Brasília. Drayton foi acusado de desvio do financiamento de obras públicas, contratações, nomeações e aposentadorias ilegais, emprego do dinheiro público em seu benefício, criação de cargos públicos de forma indevida, para be-

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neficiar parentes e amigos, pagamento de juros ilegais, “criminosamente dissimulados mediante a assinatura de funcionário da prefeitura e apropriação indébita de recursos da municipalidade”. Foi também acusado de espancar barbaramente sua esposa, a deputada Aracy de Souza Nejaim. Em depoimento perante a Comissão de Inquérito da Polícia Federal de Pernambuco, recorreu às suas ações desenvolvidas quatro anos antes em defesa do golpe militar e da ditadura, autointitulando-se “revolucionário autêntico”. Enfatizou que não mediu esforços, após abril de 1964, para “esclarecer a opinião pública sobre a oportuna intervenção das FFAA”. Disse ainda que, mesmo diante de poucos recursos de que dispunha, mobilizou forças, em pessoas e materiais, e conseguiu armar um sistema de defesa na cidade para eventual resistência dos comunistas. A imagem de Drayton como liderança política envolvida na luta contra o comunismo foi reforçada por discursos no Legislativo municipal. Em janeiro de 1969, a Câmara Municipal de Caruaru se reuniu para analisar a prestação de contas do Executivo, referente ao ano de 1968. O vereador Elias Soares, do PSP, defendeu que o Legislativo deveria aprovar a prestação de contas “considerando a posição afirmativa do senhor prefeito, desde o ano de 1963, contra forças políticas que tentaram perturbar a coletividade, não só em Caruaru, mas em todo Brasil.” Elias Soares teceu vários elogios à pessoa de Drayton, que teria servido à cidade “com espírito público e honestidade”. No entanto, o Tribunal de Contas do Estado chegou a outra conclusão. A partir das sindicâncias realizadas diante das denúncias apresentadas, reprovou a prestação de contas outrora aprovada pelo Legislativo caruaruense, responsabilizando o prefeito e seus secretários por inúmeros crimes administrativos. No processo que tramitou na Justiça Cível, “Drayton Nejaim foi condenado pelo juiz da 2ª Vara da Comarca de Caruaru-PE à pena de três meses de reclusão, com a pena acessória da privação do exercício de cargo público por cinco anos”. O réu recorreu da sentença, mas por unanimidade foi negado o recurso de apelação. Entretanto, Nejaim acabou não cumprindo o que lhe foi imposto pela Justiça, como veremos adiante. Quando a CGI encaminhou o processo para o Ministério da Justiça, a DSI desse ministério propôs que fosse aplicada a pena de suspensão dos direi-

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tos políticos pelo prazo de dez anos. O Ministro da Justiça Alfredo Buzaid relatou que, após análise dos autos, não restava dúvida quanto à veracidade das investigações e, portanto, propunha “que após audiência do Conselho de Segurança Nacional sejam suspensos por dez anos os direitos políticos do indiciado”. O réu mobilizou algumas lideranças políticas para depor a seu favor. Entre as testemunhas de defesa, o senador João Cleofas e o prefeito do Recife Augusto Lucena declararam ser “Drayton Nejaim um autêntico líder da revolução de março de 64”. Cleofas enfatizou que era “de seu conhecimento que o senhor Drayton Nejaim participou ativamente da Revolução de 64, ao lado dos militares, prestando valiosa colaboração às tropas do Exército que se sediavam na cidade de Caruaru”. Nejaim só voltaria a disputar um novo mandato seis anos depois, quando seria eleito para seu segundo mandato como prefeito de Caruaru, derrotando o radialista e bancário José Queiroz. O ex-prefeito estava agora destituído não apenas de um mandato público, mas da ilusão de invencibilidade que sempre tivera. Cassado durante a vigência da ditadura que ele tanto apoiou. Os efeitos da derrota seriam os piores possíveis, ao longo dos próximos anos.

No início do governo, Anastácio fez demissão em massa de mais de 60 funcionários, sob a alegação de serem desnecessários ao serviço e para contenção de despesas, recomendada pelo artigo 180 da Constituição Federal. Outras demissões estavam sendo programadas. Alguns funcionários demitidos, inconformados com a demissão, acabaram voltando ao trabalho, através de mandados de segurança emitidos pela Justiça, vez que contavam com mais de cinco anos de serviço. A contenção geral de despesas gerou cortes e reduções nos orçamentos dos hospitais São Sebastião e Jesus Nazareno (Fusam). A situação não era alarmante, mas a diminuição de verbas acarretou um decréscimo da compra de medicamentos e o atendimento sofreu um impacto considerável. A saída foi recorrer ao Governo do Estado, pois o Hospital São Sebastião era um dos maiores de Pernambuco, naquela época, e atendia a várias cidades vizinhas.

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Em 24 de março de 1969, o prefeito Anastácio Rodrigues enviava à Câmara de Vereadores projeto de lei extinguindo mais 197 cargos do quadro de pessoal da Prefeitura. Em termos financeiros, a medida representava uma economia anual de NCr$ 150 mil. A intenção do Executivo era “dar uma estrutura de funcionamento que atendesse satisfatoriamente ao trabalho, dentro das modernas normas de administração e da contenção de despesas”. Inúmeros cargos foram criados, desnecessariamente, pela administração anterior. Um dos casos era de motorista do Departamento Artístico e Cultural, que, entretanto, não possuía veículo algum a seu serviço. O projeto acompanhava mensagem do prefeito, informando que a medida fora tomada porque havia recebido uma Prefeitura “sufocada por uma dívida que ascende a mais de NCr$ 1,7 milhão e encontrando um quadro de pessoal dos mais desorganizados e inúteis”. Fatos revelados pela comissão de inquérito instaurada pelo prefeito. A onda de demissões repercutiu em várias reuniões da Câmara Municipal, causando embates entre os vereadores de oposição e aqueles que apoiavam o prefeito Anastácio. O vereador Antônio Bezerra do Amaral afirmou que “não é assim que se começa uma administração”. Em aparte, o vereador Severino Rodrigues, o Chico do Leite, rebateu o colega dizendo não entender por que Bezerra do Amaral estava tão sentido, já que alguns meses antes o prefeito Drayton Nejaim havia demitido mais de 300 pessoas e o vereador não falou nada. No momento em que Bezerra do Amaral fazia uso da palavra, sendo aparteado por Chico do Leite, verificou-se violenta manifestação por parte de pessoas que assistiam à sessão, sendo a maior parte comandada pelo senhor Luiz Almério [figura sobre a qual falaremos no capítulo 14], forçando o presidente Gilberto Torres Galindo a ameaçar chamar a polícia para retirá-lo da Câmara. Em outra sessão, Bezerra do Amaral protestou severamente contra a divulgação, pelas emissoras de rádio da cidade, dos atos que demitiam funcionários da Prefeitura, acrescentando que o povo devia fazer represália ao prefeito. O vereador afirmou que o prefeito não estava sendo justo e que as demissões eram feitas precipitadamente. Disse ainda que Anastácio estava sendo mal assessorado.

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Elias Soares também protestou contra a demissão de professoras e de um tio seu, que prestava serviço à Prefeitura há mais de cinco anos. Salvador Sobrinho contestou especialmente a demissão do senhor Eugênio Salvador da Cruz, justificando que não compreendia como um funcionário que deu provas de eficiência fosse demitido. E requereu, em plenário, um pedido de informações ao governo municipal, questionando quais as formalidades legais que investiram de poderes o senhor Clóvis Cursino, a ter acesso aos diversos gabinetes da municipalidade, com o fim único e exclusivo de escolher nomes de seus adversários e apontá-los para a respectiva demissão. Anastácio nega que tenha conferido a Cursino qualquer poder. “Ele não era homem para isso. Era um homem de bem. Confesso que era anti-draytista, mas nunca me pediu para demitir ninguém”, assegura.

A título de exemplo, para ilustrar a situação econômica de Caruaru, uma nota do Diario de Pernambuco de abril de 1969 narrava que o prefeito Anastácio Rodrigues, para não aumentar os débitos do município, fechara diversos postos de saúde, determinara a paralisação do elevador do bloco B da Prefeitura e alegava não ter meios para fazer a coleta do lixo nas ruas da cidade. Entretanto, questionava a nota, a prefeitura adquirira um “automóvel zero quilômetro, pelo preço de vinte e seis mil cruzeiros novos”. O prefeito Anastácio Rodrigues desmentiu acusações de que teria comprado veículos para o município sem atender às normas legais vigentes. Para ele, os boatos não passavam de tentativas visando incompatibilizá-lo com as autoridades constituídas e com a opinião pública. Na verdade, Anastácio não havia adquirido apenas um automóvel, mas três: uma caminhoneta F-350, para a Secretaria de Obras; um standard para o gabinete do prefeito e um caminhão compactador de lixo para a frota da limpeza pública, através do Decreto-Lei 200, de 25 de fevereiro de 1967, portanto, de acordo com a lei. O prefeito disse também que as compras foram feitas em razão do precário estado em que se encontrava a frota de veículos que pertencia ao município. Quando Anastácio chegou à Prefeitura de Caruaru, a contabilidade era

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feita à mão, em folhas de papel pautado. A forma artesanal como funcionava a tesouraria municipal facilitava ainda mais a corrupção. O novo prefeito adquiriu duas máquinas eletrônicas, as mesmas utilizadas em agências bancárias naquela época, possibilitando a autenticação dos documentos. Um dos funcionários, conhecido por seu João, ficou bastante entusiasmado. – Prefeito, eu passei a noite sem dormir. – Por quê, João? – Só sonhando em trabalhar com uma máquina eletrônica. Nos primeiros meses de gestão, Anastácio já demonstrava seu apreço pela cultura caruaruense. Um guia turístico foi elaborado pelo Departamento de Turismo, em parceria com a Empetur. Em março de 1969, a imprensa divulgava o projeto de instalação da Casa-Museu do Mestre Vitalino, no Alto do Moura. Anastácio começaria o seu governo investindo em cultura e se despediria, anos depois, da mesma forma, inaugurando a Casa da Cultura José Condé. A primeira obra concreta do novo governo foi a construção do mausoléu do Mestre Vitalino. O mestre do barro estava há seis anos sepultado numa vala comum, num total desrespeito à sua importância enquanto ícone da cultura caruaruense. O projeto foi solicitado pelo prefeito Anastácio ao arquiteto João Carlos Martins e o município destinou verba de NCr$ 1 mil para a construção. O mausoléu seria inaugurado no dia 17 de maio de 1969, no cemitério Dom Bosco, durante as comemorações dos 112 anos da cidade de Caruaru. No mesmo período, Anastácio sancionou projeto desapropriando a casa onde vivera Vitalino, no Alto do Moura, a fim de transformá-la em casa-museu, incorporando-a ao patrimônio do município e preservando o espaço e pertences pessoais do artesão. A medida custou NCr$ 4 mil aos cofres municipais. Além disso, a Prefeitura ficou com a obrigação de construir uma nova residência para dona Joaninha, a viúva, e os filhos, ao lado da original. A atenção que Anastácio Rodrigues teve com a cultura caruaruense ainda é comentada na cidade. “Ele deu um incentivo muito grande à cultura. Até hoje o movimento cultural de Caruaru é grato a Anastácio”, comenta Edileuza Portela, ex-presidente da Fundação de Cultura e Turismo do município. Em 1969, pelo menos 70 prefeituras do interior pernambucano acumu-

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lavam dívidas junto ao Instituto de Previdência dos Servidores de Pernambuco (Ipsep), embora descontassem a contribuição do funcionalismo, incorrendo em crime de apropriação indébita. Caruaru estava incluída na relação. O Ipsep adotou um sistema que dava às prefeituras condições de liquidarem seus débitos através de parcelamento em 12 meses. Anastácio recorreu à medida, na esperança de quitar a dívida. Adiante voltaremos a tratar dessa questão. Por outro lado, a falta d’água continuava aflitiva e a população suportava 70% de racionamento na distribuição. Anastácio assinou decreto desapropriando 25 hectares do Sítio Encanto, em área localizada nas proximidades da BR-232, declarando-os de utilidade pública. A área desapropriada pertencia a um inimigo político de Anastácio, Mariano Gordo, amigo de Drayton, que chamava Anastácio de comunista. O espaço seria destinado à construção de uma represa no riacho Cipó, que integraria o sistema de ampliação do abastecimento d’água na cidade. A medida foi tomada quando a Sudene anunciou recursos na ordem de NCr$ 850 mil destinados à solução do problema d’água em Caruaru. Retornaremos a esse tema adiante. Nos primeiros meses de governo, o teatrólogo Hermilo Borba Filho foi a Caruaru para manter contato com o prefeito Anastácio, com a finalidade de elaborar o primeiro plano artístico e cultural da cidade. Ao mesmo tempo, as crises se agravavam e a Fábrica de Caroá, a SANBRA, a Coca Cola e o Curtume Souza Irmãos ameaçavam fechar as portas, deixando desempregadas centenas de famílias. A difícil situação financeira era generalizada e atingia outras empresas industriais na cidade, com salários e outros abonos atrasados. A gestão municipal, em parceria com secretários estaduais, elaborava um programa de planejamento para execução de obras e implantação de um sistema de infraestrutura que impulsionasse o desenvolvimento de Caruaru. Sem visitar a cidade por muitos anos, o advogado e escritor João Condé retornou a Caruaru, em maio de 1969, e foi recebido por um entusiasmado Anastácio. A volta de Condé – que rompera com sua terra após a demolição do Museu de Arte Popular – foi registrada pela imprensa. Naquele ano, o governador Nilo Coelho transferiu a sede do governo para

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[1] Anastácio e o interventor federal de Campina Grande, general Manoel Paz de Lima, tratam da ligação das duas cidades, pela BR-104 [2] O prefeito lutou para que Caruaru recebesse extensão da UFRPE, mas encontrou má vontade com o projeto [3] Com Leuraci e Tatiana, o prefeito observa o depósito da urna com os restos mortais de José Rodrigues de Jesus, na Igreja da Conceição [4] Anastácio caminha ao lado do governador Nilo Coelho [5] Diálogo descontraído com o ministro do Interior Costa Cavalcanti


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[1] Anastácio evitou bater de frente com os militares para não ser cassado [2] Inauguração da agência do Bandepe, em Caruaru [3] Placa do governo Anastácio indica onde estão os restos mortais do fundador de Caruaru [4] Anastácio transferiu a feira para seu lugar de origem [5] O prefeito amigo da cultura valorizou os artistas da terra [6] Agência do Bandepe inaugurada por Nilo Coelho e Anastácio


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a cidade de Garanhuns, levando sua equipe e convocando todos os prefeitos do Estado. Foi naquele encontro que Anastácio conseguiu com o Secretário de Educação, Roberto Magalhães, um ginásio escolar para o bairro do Salgado, que receberia, anos depois, o nome de Escola Padre Zacarias Tavares. Depois do levantamento feito pelo Instituto Tecnológico de Pernambuco (ITEP), que dividiu o município em zonas geoeconômicas e registrou ocorrências minerais em toda a área municipal de Caruaru, o prefeito Anastácio solicitou uma avaliação das potencialidades mineralógicas da cidade, para saber com que recursos contava, para a exploração técnica e industrial. Os trabalhos coordenados pelo professor João de Deus Oliveira apontaram que o subsolo caruaruense era rico em berilo, caulim, feldspato, argila, mármore, quartzo e carbonatos simples. Os geólogos afirmaram que a zona rural do município abrigava a maior reserva de feldspato do Nordeste. Enquanto isso, uma carta de informação elaborada pela Comissão de Desenvolvimento de Caruaru, acerca da realidade da Prefeitura, mostrava friamente a real situação do município, no mês de maio. A reestruturação tornava-se imperiosa, uma vez que o orçamento era consumido em 74% com o pagamento de vencimentos a funcionários que, na maioria dos casos, não sabia efetivamente qual a sua obrigação normativa. Um passo importante para a reforma administrativa foi o curso de Contabilidade, Orçamento e Administração Municipal, promovido em parceria com a Fundação Instituto de Administração Municipal (Fiam), que a Prefeitura de Caruaru ofertou a servidores, contabilistas, secretários e vereadores. Em julho, a Fiam instalaria um escritório regional na cidade. Outro problema a ser solucionado era a localização da Feira de Caruaru. Em 1967, o ex-prefeito Drayton Nejaim deslocara a feira da Rua do Comércio (atual Quinze de Novembro) para ao longo da linha férrea, na altura da Avenida Rui Barbosa e transversais. Tomou a decisão sem ouvir comerciantes, feirantes e compradores, o que gerou insatisfação em grande parte da população. Pesquisa feita pelo Jornal Século XX demonstrou que a maioria interessada diretamente na feira livre era favorável à sua volta para o antigo local. Além disso, era defendida a instalação de feiras livres nos bairros mais populosos. Em capítulo próprio trataremos dessa questão. Como medida de emergência, a Companhia de Águas e Esgotos de Ca-

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ruaru iniciou uma obra de canalização das águas do rio Ipojuca para a barragem de Taquara, a fim de amenizar o racionamento na cidade. Duzentos e cinquenta metros de canos de 20 polegadas conduziam a água, impulsionada por uma bomba com capacidade para 17 mil metros cúbicos diários – dos quais sete mil eram transportados para a cidade, ficando um saldo de 10 mil metros cúbicos na bacia do Taquara, como reserva. O teor da água, no entanto, gerou polêmica até que se comprovou ser potável. Essa era a primeira etapa do plano elaborado pela Secretaria de Obras e Serviços Públicos do Estado, em convênio com a Sudene. As outras duas etapas, em longo prazo, era a construção da barragem Cipó, com capacidade para jorrar três mil metros cúbicos de água diários, e, por fim, a construção da barragem Tabocas, cuja meta era abastecer Caruaru até o ano 2000. A escassez de eletricidade era tamanha que chegava a bloquear as atividades produtivas. A água, insuficiente, também freava o desenvolvimento. O prefeito era obstinado e estava determinado a dar o pontapé inicial para promover a industrialização de Caruaru a qualquer custo, atraindo investimentos, com as vantagens oferecidas pela Sudene, como veremos adiante. Anastácio recebeu na cidade o diretor-presidente dos Distritos Industriais de Pernambuco (Diper), Luís Tasso Dantas de Oliveira Neto, que se mostrou entusiasmado com as condições existentes no município, apesar da escassez de água. Nos primeiros meses de gestão, uma violenta queda na arrecadação do ICM provocou uma baixa ordem de 33,36% no montante recebido mensalmente pela Prefeitura de Caruaru. O déficit agravou o atraso no pagamento do funcionalismo, durante o período, que já estava pendente em três meses, desde o governo anterior. Priorizando a transparência na gestão, o prefeito, o vice e os secretários apresentaram à imprensa suas declarações de bens. Anastácio tinha como única propriedade um terreno para construção residencial, na Rua Saldanha Marinho, com escritura ainda por passar. Até então, o prefeito de Caruaru morava numa casa alugada. Naquela época (e por muito tempo depois), as despesas telefônicas particulares do prefeito eram pagas pela prefeitura. Anastácio recusou esta benesse, e ele próprio pagava sua conta de telefone.

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No mês de junho, a agência local do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com a Prefeitura Municipal, iniciou o levantamento predial da cidade, que seria utilizado como instrumento fundamental no trabalho de arrecadação e cobrança do IPTU. Dias antes, foram iniciados os trabalhos de construção da barragem Cipó, a segunda medida importante para solucionar o problema d’água na cidade. O término das obras estava previsto para 120 dias. Anastácio iniciava, ali, uma nova fase no progresso de Caruaru. Considerando a situação em que se encontravam os mananciais de abastecimento, a CAEC resolveu majorar, numa medida de 40%, as tarifas de consumo de água em residências, indústrias e comércio, ao mesmo tempo em que fixou novos preços para os trabalhos de esgotos e outros serviços. No início de junho, o prefeito Anastácio Rodrigues determinou a instauração de inquérito administrativo, tendo em vista a comprovação do não recolhimento aos cofres municipais de milhares de cruzeiros novos, pagos pelos contribuintes beneficiados com o calçamento nas ruas. A irregularidade foi constatada quando a Secretaria da Fazenda enviou cobrança para 400 contribuintes em atraso, cuja dívida com os cofres públicos municipais era superior a NCr$ 50 mil, recebendo como resposta a exibição de quitações com recibos feitos em papel com timbre da Prefeitura. Os moradores esclareceram que as taxas incidentes sobre a construção de calçamentos foram cobradas nas portas de suas residências, por funcionários municipais. A mesma comissão apurava ainda concessão de aposentadorias a funcionários beneficiados com certidões falsas de tempo de serviço, fornecidas pela Prefeitura de Sanharó. Ainda no mês de junho, o prefeito Anastácio Rodrigues extinguiu mais 68 cargos considerados desnecessários, proporcionando economia no valor de NCr$ 160 mil. Enquanto isso, técnicos estudavam um local para instalação do Distrito Industrial na cidade e o Banco do Nordeste apontava as indústrias preferenciais que deveriam ser implantadas no futuro. No mês junino, a Câmara de Vereadores aprovou a entrega do Título de Cidadão de Caruaru a duas importantes figuras. O primeiro, proposto pelo vereador Salvador Sobrinho, foi outorgado ao ex-prefeito Celso Galvão,

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natural de Garanhuns. O outro, ao cantor e compositor Luiz Gonzaga, de Exu, através de proposição do vereador José Florêncio de Souza, o Zezito. Gonzaga tomaria conhecimento da homenagem no dia 20 de julho, quando discretamente comprava “bugingangas” para seu pai, o velho Januário, na Feira de Caruaru, e encontrou-se com o compositor Onildo Almeida. Depois de um longo papo, o Rei do Baião, vindo de Sergipe, prosseguiu viagem para Exu. Após o sexto mês de gestão, em 12 de julho, Caruaru recebia, festivamente, uma das maiores comitivas governamentais de sua história. O Ministro do Interior, Costa Cavalcanti, o governador Nilo Coelho e sua esposa, Tereza Brenand, o general Tácito de Oliveira, superintendente da Sudene e toda equipe do governo Nilo Coelho. A Banda de Pífanos, a Comercial e Nova Euterpe, bandas vindas das cidades de Belo Jardim e Brejo da Madre de Deus, batalhões de bacamarteiros e os “amigos meus”, fizeram uma grande homenagem ao governador. Felizes, os moradores viam o prefeito Anastácio cumprir o que prometera em praça pública. Caruaru observava, naquela tarde-noite, quando a garoa caía, a inauguração da agência do Banco de Desenvolvimento de Pernambuco (Bandepe). Em seu discurso, o governador Nilo Coelho disse que nada havia prometido a Caruaru, quando da sua indicação para governar Pernambuco, mesmo assim, não trazia soluções baratas, mas concretas, em benefício da maior cidade do interior do Estado. Quando tomou posse no cargo, ele havia prometido governar Pernambuco de costas voltadas para o mar, ou seja, priorizando o interior do estado. Durante a inauguração, Nilo fez duas grandes promessas ao povo de Caruaru: atacar o problema da falta d’água e a doação, para o município, do Campo de Monta, atual Parque 18 de Maio. Também participaram do ato o deputado federal João Lyra Filho (MDB) e a deputada estadual Aracy Nejaim (Arena), além do ex-prefeito Drayton Nejaim. Este proporcionou um espetáculo à parte. Enquanto Anastácio agradecia a Nilo Coelho a instalação do banco na cidade, Drayton, rompido com o governador, rebatia afirmando ter acompanhado os esforços do ministro Costa Cavalcanti para implantação da agên-

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cia. “Quando Dr. Nilo comunicou a doação do Campo de Monta, Drayton reagiu. Era um homem sem controle emocional. Acabou com a festa”, acusa Anastácio. O sertanejo Nilo Coelho cumpria, assim, o que havia prometido ao prefeito de Caruaru, na primeira audiência que lhe concedera. O discurso de Anastácio tratou da unidade de pontos de vista e a participação ativa dos governos estadual e federal, no encaminhamento dos problemas que o município precisava resolver. O governador recebeu, naquele dia, uma das maiores homenagens de sua trajetória. Mesmo debaixo de incessante chuva, o povo foi à rua para aplaudir a caravana governamental. Mais de 150 automóveis participaram do desfile do centro até a agência bancária. A grande surpresa, anunciada por Anastácio, dias antes da inauguração, era a doação do Campo de Monta, que atrapalhava o desenvolvimento urbano da cidade. No local, funcionavam um campo de reprodução e outros departamentos da Secretaria de Agricultura, que recebeu, como contrapartida, um terreno nas imediações do Aeroporto Oscar Laranjeira, para reinstalações. Comentava-se que a grande surpresa – e muitos apostavam nisso – seria a autorização para o funcionamento do jogo do bicho, que estava impedido. Questionado pelo correspondente do Diario de Pernambuco, Antônio Miranda, o governador foi enfático: “Quem falar em jogo do bicho vai preso”. A inauguração do Bandepe superou expectativas e alcançou repercussão em todos os círculos da cidade. Os depósitos, no primeiro dia, atingiram a cifra de NCr$ 350 mil. O primeiro gerente da agência foi João Pereira, vindo da cidade de Timbaúba. O apoio de Nilo Coelho à administração municipal rejuvenescia as energias de Anastácio e fortalecia a sua vontade de trabalhar por Caruaru. Novos ventos começavam a soprar e surgiam fatos novos na História político-administrativa da cidade. Em julho, Anastácio desapropriou área no km 39 da BR-232, para a construção de um hotel, investimento da Empetur em convênio com a Petrobrás. Outro plano de Anastácio era a mecanização da lavoura no município. Para isso, estava conversando com um dos diretores da Companhia Auxi-

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liar de Prestação de Serviços para a Agricultura, entidade subordinada ao Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA). Em seus discursos, o prefeito conclamava a necessidade de uma soma de forças e esforços entre o poder público, órgãos de representação e o povo, para a construção de um município com uma imagem nova. E anunciava, em seguida, a possibilidade de instalação de um centro da Universidade Federal Rural de Pernambuco em Caruaru, através de contatos com o arquiteto Florismundo Lins Sobrinho, da Universidade Federal de Pernambuco, responsável pela elaboração do estudo. O empreendimento seria instalado na Fazenda Caruaru. A notícia alcançou grande repercussão, afinal, Caruaru limitava-se a formar bacharéis, odontólogos e professores em suas faculdades privadas. O ganho maior estava na possibilidade do ensino superior gratuito, numa época em que era comum o estudante do interior deixar sua cidade para estudar na capital. Três décadas antes de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva levar para Garanhuns um campus da UFRPE, Anastácio, como prefeito, lutou para que Caruaru recebesse a extensão da Universidade, oferecendo a Fazenda Caruaru, na Serra dos Cavalos, como sede. Naquele ano, os alunos das Escolas de Agronomia e Veterinária da Universidade viriam receber a parte prática do curso no município onde seria instalada uma escola de treinamento técnico. O arquiteto Florismundo Lins visitou a Fazenda Caruaru, em companhia do agrônomo Marco Antônio, secretário municipal de Agricultura, para observar, in loco, as condições para instalação de uma escola de treinamento de alunos de agronomia e veterinária, atendendo às necessidades de interiorização da instituição. O fato foi noticiado pelo Diario de Pernambuco, em 24 de julho de 1969. O entrave para que o projeto não se concretizasse foi o professor João Vasconcelos Sobrinho. Junto aos colegas da Universidade Rural, Vasconcelos Sobrinho liderou um movimento contra a interiorização da universidade, vindo a Caruaru para anunciar ao prefeito Anastácio Rodrigues a decisão que tomara, colocando um ponto final na luta do reitor Florismundo Lins e do próprio prefeito. “Ele botou uma pedra no caminho de Caruaru”, lamenta Anastácio,

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que discorda da homenagem feita ao professor no Parque Natural de Serra dos Cavalos, que leva o seu nome. “A homenagem ao João Vasconcelos Sobrinho foi e é um equívoco. Ele prejudicou Caruaru”, contesta. Anastácio conta que, nessa época, solicitou ao presidente do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) o tombamento das espécies existentes na Fazenda Caruaru, mas a solicitação não foi atendida. “A ideia era fazer algo nos moldes do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, com placas de identificação. Na Fazenda Caruaru, há espécies que só existem na Europa e como elas vieram parar aqui não se sabe”, ressalta Anastácio.

Com base no Ato Institucional nº 5 e com prévia apreciação do Conselho de Segurança Nacional, o marechal Arthur da Costa e Silva, então Presidente da República, cassou de forma definitiva o mandato do vereador Francisco Rodrigues Sobrinho, o Chico do Leite, em 1º de julho de 1969. Não era a primeira vez que o fantasma da cassação batia à sua porta. Em 22 de dezembro de 1964, Chico do Leite teve cassados pela Câmara Municipal de Caruaru os mandatos de vereador e vice-prefeito que exercia democraticamente. Inconformado, ele recorreu à Justiça. O juiz José Tenório de Cerqueira julgou procedente o mandado de segurança impetrado por seu advogado, reconduzindo-o aos cargos. Em 1968, Chico disputou um novo mandato de vereador, reelegendo-se. Tomou posse em 31 de janeiro de 1969 e, seis meses depois, estava agora cassado definitivamente pela ditadura. Na nova legislatura, ele ocupava a função de primeiro secretário da Mesa Diretora. Anastácio Rodrigues diz que como não conseguiram cassar seu mandato de prefeito, acabaram destituindo Chico do Leite em seu governo, como uma espécie de compensação. Ele conta que novamente lamentou a punição, como fizera em 1964, mas confessa que politicamente foi oportuna, pois lhe evitou problemas. “Em parte foi bom, porque Chico iria me dar muito trabalho. Ele iria querer mandar, fazer pedidos. Seria como Wanderley [Francisco de Oliveira, ex-vereador, assassinado em 1984] que queria mandar e fazer o que bem entendesse”, argumenta.

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Outro problema enfrentado por Anastácio Rodrigues naquele período foi a Semana Inglesa. Instituída pela Lei Municipal nº 1.325, proibia a abertura do comércio nas tardes de sábado. Desde que fora implantada, em fevereiro de 1963, pelo prefeito João Lyra Filho, a Semana Inglesa gerou grande insatisfação no comércio local. Primeiro, porque beneficiava os comerciários e depois em função da feira, que funcionava no centro da cidade. A proibição gerava conflitos entre o Sindicato dos Empregados no Comércio e alguns comerciantes acostumados a abrir seus estabelecimentos nas tardes de sábado, desobedecendo ao preceito legal. A situação piorou quando o prefeito Anastácio sancionou lei, determinando a aplicação de multas aos que desobedecessem às normas legais. Vários comerciantes foram autuados. Inconformados, mais de 50 associados enviaram ofício à direção do órgão de classe, solicitando a realização de assembleia geral extraordinária, pedindo a revisão da lei. Eles contestavam o fato de que os patrões também eram impedidos de trabalhar no segundo expediente dos sábados, ocasionando prejuízo financeiro às empresas. O posicionamento dos comerciantes gerou uma nova crise para a administração Anastácio Rodrigues. “Quando prefeito, travei uma batalha com a Associação Comercial por causa da Semana Inglesa. Muitos empresários não pagavam impostos, eram sonegadores. Vivíamos numa cidade onde não havia gestor. Cada um tinha sua própria lei”, revela Anastácio, que costumava exclamar: “Caruaru, hoje, tem prefeito!”. Em meio à polêmica, Frei Tito de Pieggaio, ligado às classes produtoras, foi designado pela Associação Comercial para representá-la junto à Comissão de Desenvolvimento de Caruaru. Por 104 votos contra 23, os comerciantes decidiam, em assembleia extraordinária, na Associação Comercial, solicitar do prefeito a modificação da lei que instituiu a Semana Inglesa. Exigiam “liberdade para trabalhar”, mesmo que não contassem com seus funcionários. Queriam manter a norma, com autorização para abrir seus estabelecimentos no sábado à tarde, sem o comparecimento de funcionários. Enquanto isso, na Câmara, os vereadores suspenderam os trabalhos, na reunião de 24 de julho, para exaltar a façanha dos astronautas Neil Arms-

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trong, Edwin Aldrin e Michael Collins, que pisaram na lua naquele ano. Eles aprovaram requerimento cujas cópias seriam enviadas aos próprios astronautas e ao presidente Richard Nixon, dos Estados Unidos. No final de julho, o prefeito, acompanhado pelo general Aguinaldo de Oliveira Almeida, coordenador da Comissão de Desenvolvimento de Caruaru (Codeca), reuniu em seu gabinete secretários municipais, presidentes de órgãos de classe, clubes de serviço, entidades de operários e representantes da imprensa, convocando a sociedade para a obra de integração de que Caruaru necessitava para seu desenvolvimento. Anastácio defendia que ninguém poderia administrar sem a participação dos que têm a responsabilidade na comunidade. “A hora difícil que enfrentamos exige a colaboração de todos, para todos e por todos”, justificou. A verdade é que ele administrava uma cidade sufocada financeiramente. O prefeito chegou a expor ao governador Nilo Coelho que a arrecadação no mês de junho não fora além de 169 mil cruzeiros novos e que a despesa com pessoal consumiu 125 mil. O povo não estava acostumado a pagar impostos à Prefeitura. Anastácio decidiu viajar até Brasília e ao Rio de Janeiro para buscar recursos, junto a alguns ministérios, especialmente o do Interior, cujo ministro, Costa Cavalcanti, havia incluído a cidade no Plano de Ação Concentrado, daquele ministério. Foi também com a meta de conseguir verbas para a construção de escolas na cidade e zona rural. O prefeito de Caruaru levou consigo um documento, de sete laudas, a ser entregue a Costa Cavalcanti, visando à criação de condições para uma efetiva participação do município no Plano de Ação Concentrada. O Correio Braziliense entrevistou Anastácio e publicou a matéria “Caruaru em Progresso”. O texto citava que o prefeito Anastácio Rodrigues estava entusiasmado com a instalação de um parque industrial na cidade e que estivera com o Ministro da Educação, Tarso Dutra, reivindicando para Caruaru uma escola orientada para o trabalho, criando condições para a implantação de indústrias. Em Caruaru, a bancada arenista da Câmara de Vereadores retirou-se do plenário durante sessão que discutia o projeto de lei 2.349, do governo municipal, autorizando convênio com a Cooperativa de Melhoramentos para

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a cobrança da taxa de iluminação pública. A cooperativa era a concessionária do serviço de luz e força da cidade, no entanto era a Prefeitura que fazia a cobrança, em conjunto com o imposto predial. A oposição dizia que uma parte da população pagaria a tarifa e outra ficaria isenta. Já os vereadores governistas citavam, como exemplo da inovação pretendida pela administração, as cidades de Garanhuns, Gravatá e Olinda, onde os executivos fizeram idêntico acordo com a Celpe. Em meio à celeuma, a Prefeitura de Caruaru demitiu três servidores, por comportamento irregular, comprovados em processos concluídos pela Comissão Permanente de Inquérito Administrativo. O primeiro caso envolvia um ex-arquivista e sua esposa, professora municipal. Segundo apurou a Comissão de Inquérito, o arquivista foi responsável pelo fornecimento de inúmeras certidões falsas de tempo de serviço, inclusive uma utilizada por sua própria esposa. Ambos evadiram-se. O outro processo foi contra um funcionário acusado de receber propinas. Os escândalos prejudicavam ainda mais a imagem de Drayton Nejaim. Nas eleições para o diretório municipal da Arena, no mês de agosto, o ex-prefeito obteve apenas 71 votos, sendo derrotado de forma esmagadora pelo deputado Tabosa de Almeida, com 689 sufrágios. Na Câmara, a polêmica em torno da cobrança da taxa de luz também continuava. O projeto do Executivo foi relegado, em virtude de emendas feitas pelo vereador Aristides Veras, com melhores apreciações sobre o assunto; dando, inclusive, uma tabela progressiva, com base no salário mínimo e incidente sobre as tarifas de cada usuário. Ato contínuo, o Legislativo aprovou em primeira discussão a emenda, autorizando a Cooperativa de Melhoramentos a efetuar a cobrança da tarifa de iluminação pública. As taxas deveriam variar de NCr$ 0,60 até NCr$ 5,00, aumentando o valor do pagamento de acordo com os níveis de renda das camadas sociais, sem que o maior percentual excedesse 5% do salário vigente. Após doze dias no Sul do país, o prefeito Anastácio Rodrigues retornou feliz a Caruaru, anunciando contatos importantes para o andamento das grandes obras que planejava para o município. Além das esferas governamentais, teve encontro informal com o escritor José Condé e acertou com ele o lançamento de seu livro Como uma tarde em dezembro, em Caruaru,

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para o último mês do ano. O evento, no entanto, não aconteceria. O problema da cobrança de taxas de iluminação pública era a ordem do dia nos bastidores da política. A oposição aguardava a sanção da lei para armar um esquema necessário à movimentação de ação popular contra o projeto; alegando inconstitucionalidade, ausência de justeza nos critérios, deficiências jurídicas e tramitação precipitada do projeto na Câmara. A cooperativa, por sua vez, cobrava quitação de débito no valor de NCr$ 350 mil que o município tinha para com ela. Além da questão em torno das tarifas de iluminação pública, a Prefeitura Municipal tomava as providências visando ao recadastramento predial, tendo em vista a necessidade de cobrança exata e realística do IPTU. O Procurador Geral do Município, o ex-vereador Luiz Gonzaga, explicava que havia uma flagrante disparidade na cobrança do imposto, pois enquanto casas localizadas em bairros humildes pagavam importâncias elevadas, de “palacetes” eram cobradas quantias ínfimas. A rigor, a Prefeitura Municipal instalou o Conselho Consultivo da Comissão de Desenvolvimento de Caruaru, com a missão de ligar a instituição à comunidade. “O IPTU de certos vereadores era inferior à taxa de expediente, mesmo assim não pagavam”, revela Anastácio. Para não denotar insegurança ou incerteza em função do projeto formulado e já apresentado ao povo de Caruaru pela imprensa, o prefeito Anastácio não recuou e, mesmo diante de ameaças da oposição, sancionou a matéria aprovada pela Câmara, autorizando a Cooperativa de Melhoramentos a fazer a cobrança direta ao consumidor das taxas de iluminação pública. Cabia agora ao presidente da entidade, José Carlos de Oliveira, firmar o convênio. E este decidiu submeter a contraminuta do acordo a advogados, entravando, sem nenhuma justificativa, as negociações. A feira também continuava causando problemas. Em conversa com o prefeito, Plínio Pacheco, responsável pelo teatro de Fazenda Nova, fez questão de afirmar que a transferência da Rua do Comércio estava prejudicando o turismo em Caruaru. E arrematando, disse: “Prefeito, se a feira não voltar para o lugar de origem, nós de Nova Jerusalém vamos arrebatar todos os turistas que porventura se dirijam para Caruaru”. Anastácio, porém, mantinha segredo sobre sua decisão e citava que estudos apontariam a situação

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da feira, já que a opinião pública não era unânime quanto à questão. Voltando à polêmica da Semana Inglesa, a lei determinava que qualquer alteração só poderia ser feita com a concordância de ambas as partes, isto é, comerciantes e comerciários. Reunidos em assembleia geral, os funcionários votaram por 146 a zero contra a pretensão dos patrões, retirando deles a condição jurídica de apresentar projeto de modificação da lei à apreciação do governo municipal. Aparentemente, Anastácio vencia mais uma guerra. Em fins de agosto, oito funcionários recentemente demitidos pelo prefeito Anastácio Rodrigues ingressaram com ação na justiça, pedindo seu afastamento da Prefeitura enquanto durasse o processo. Revoltados, alegavam que o prefeito desrespeitou o Decreto-Lei 201, inciso 13, artigo 95, parágrafo um, da Constituição Federal vigente. Os impetrantes ainda se baseavam no Ato Complementar nº 52, o Ato Institucional nº 9, em seu artigo primeiro do Código Penal vigente à época. Anastácio recorreu ao governador Nilo Coelho para tentar solucionar o caso, afirmando que os funcionários foram demitidos por irresponsabilidade. Em seguida, a ação levada adiante pelo advogado Abel David, teve o seu arquivamento determinado, tendo em vista a “falta de legitimidade para constituir matéria privativa do representante do Ministério Público”, de acordo com o despacho do juiz Carlos Xavier Paes Barreto Sobrinho, da 2ª Vara.

Anastácio Rodrigues nomeou como oficial de gabinete, no início do governo, o jovem Humberto Fonseca – até então, um desconhecido para o prefeito. Humberto participava do Grupo Evolução, que reunia intelectuais, artistas e estudantes em Caruaru e apoiou Anastácio na campanha eleitoral. Seu irmão, o jornalista e escritor Homero Fonseca, também integrava o grupo. Foi na casa de Lycio Neves que Humberto conheceu Anastácio. “Lycio reuniu o grupo para falar sobre política e determinar apoio a Anastácio. Ele foi convidado e apareceu lá”, recorda. Antes disso, Humberto já ouvia falar sobre a sua atuação na Câmara de Vereadores, fazendo oposição ao prefeito Drayton Nejaim. “Foi uma época de muito massacre político, no período revolucionário.

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Drayton foi um prefeito que massacrou um tanto o pessoal mais à esquerda. Mas, ele, em si, tinha seu valor, seu modo de agir, de trabalhar como gestor, que eu sempre discordei. A oposição era muito pequena nessa época. Anastácio Rodrigues, Edson Barros e Zezito Florêncio eram os únicos contrários às irregularidades e às monstruosidades que foram cometidas em Caruaru naquela época”, argumenta Humberto. Inicialmente, Anastácio convidou para oficial de gabinete Luelciton Cintra, estudante, de bom diálogo, de grande influência no meio estudantil e que havia disputado a presidência da UESC. Luelciton também participava do Grupo Evolução. Mas além de pertencer a família abastada, não queria se comprometer publicamente com nenhum grupo político. Foi ele quem indicou o nome de Humberto Fonseca ao prefeito eleito. “Ele me conhecia bem e me passou o bastão. Perguntou se eu aceitaria se ele transferisse o convite para mim. E eu disse que aceitava de pronto. A partir daí, foi marcada uma reunião na Rua 13 de Maio – que era onde Anastácio morava – já com futuros secretários municipais. Fui nomeado oficial de gabinete, depois passei a chefe. Fiquei o governo inteiro ao lado dele”, explica. Humberto acompanhou de perto o desenrolar da administração Anastácio Rodrigues. “Eu vivia 24h respirando política e dentro do gabinete, com Anastácio. Eu atendia todos os telefonemas dele, passavam primeiro por mim, para que eu filtrasse. Também fazia marcação do pessoal para atendimento público”, conta. O assistente direto do ex-prefeito também recorda o clima de insegurança que havia nos corredores da Prefeitura, após a promulgação do AI-5, quando prefeitos do Brasil inteiro eram cassados pelo regime militar. Todos os dias, no gabinete, Humberto Fonseca ouvia atentamente, pelo rádio, a transmissão da Hora do Brasil. “O Excelentíssimo Senhor Presidente da República, através do Ato Institucional número 5, resolve destituir o prefeito da cidade tal”, era uma mensagem recorrente naqueles dias. Alguns eram cassados por ser de esquerda. Outros, apenas por ‘ranço’ político. Foi o próprio Anastácio quem determinou a seu oficial de gabinete a função de ouvir diariamente o rádio. “Chegávamos muito cedo ao gabinete e saíamos às 20h. Ele me designava para ouvir a Hora do Brasil, toda noite, para

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saber se o nome dele iria sair ou não. Ele tinha medo de ser cassado”, revela.

No primeiro ano do novo governo, as chuvas permaneciam atrasando as conclusões da barragem Cipó e a falta d’água continuava sendo o maior problema de Caruaru. Em fins de agosto, o Diario de Pernambuco noticiava que 42 famílias haviam abandonado a Vila Kennedy, em virtude da absoluta falta de água. No início de setembro, o arquiteto João Carlos Martins, chefe do Departamento de Praças e Jardins da Prefeitura Municipal, entregava ao prefeito o logotipo da administração municipal. A estrutura da marca foi construída a partir de um hexágono como figura central. De cada um dos seis lados, saía uma seta, formando uma figura cujos lados apontavam para vários sentidos, ao mesmo tempo. A colocação do hexágono como centro de partida para as setas significava a unidade e a descentralização do governo municipal em todas as direções. As cidades da região passaram a copiar a administração Anastácio. Elas não tinham símbolos e nem brasão. Ainda no mês de setembro, o arquiteto Valdomiro Souza, titular da Secretaria de Viação e Obras entregou ao prefeito o projeto definitivo para localização da feira de Caruaru no centro da cidade, medida que o município tomaria em até 30 dias. Logo, Anastácio reuniu o secretariado para discutir o assunto. Os técnicos da Secretaria de Obras apresentaram os detalhes da relocação da feira, realizada nas quartas e sábados, em ruas centrais. A imprensa continuava destacando a condição em que Anastácio Rodrigues administrava Caruaru, em seu primeiro ano de gestão. Com o título “Vai mal!”, o Jornal do Commercio advertiu em nota: “As coisas em Caruaru não vão bem. Querem afastar o prefeito Anastácio Rodrigues de qualquer maneira. Assim, se trava uma batalha jurídica para o alijamento do chefe do Executivo. Várias ações movidas contra Anastácio foram arquivadas ou indeferidas liminarmente pela Justiça. Um ex-funcionário federal, senhor Newton Thaumaturgo, é o mais novo adversário do senhor Anastácio Rodrigues, podendo sugerir um inquérito com o objetivo de forçar a saída do prefeito. O senhor Newton Thaumaturgo foi demitido do

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serviço público e no ano passado esteve até recolhido na cadeia de Caruaru”. Naquele período, Anastácio visitou a cidade de Campina Grande, ocasião em que manteve contato com o interventor federal, general Manoel Paz de Lima, abordando assunto sobre o problema da ligação das duas cidades, através da BR-104. O prefeito de Caruaru informou que a rodovia já contava com 36 quilômetros de construção em território pernambucano. Em seguida, enviou telegrama ao engenheiro Eliseu Rezende, diretor-geral do DNER, solicitando um maior aceleramento das obras em estudos e construção. O fato foi registrado pelo Diario da Borborema, de 18 de setembro – um dia após a visita. Em Caruaru, o prefeito recebeu ofício do Departamento de Saúde Pública do Estado, informando sobre a necessidade da retirada dos barracos localizados ao lado do Centro de Saúde Amélia de Pontes, pelas péssimas condições sanitárias e higiênicas. Nas barracas eram instalados pequenos ‘comedores’, borracharias e oficinas de consertos, servindo também como residências. Estava, portanto, Anastácio sem outra alternativa, senão ordenar a saída dos barraqueiros. “Eram pessoas pobres, que votaram em mim. Mas Caruaru exigia que eu tomasse essa posição”, avalia, ao relembrar o fato. O prefeito também pôs fim à famosa Rua da Tripa, um conjunto de taipa, sem infraestrutura, localizado no Parque 18 de Maio, próximo à atual unidade do Sesc. Ele recorda que mandou Agostinho Batista, do departamento de Assistência Social, conversar com os moradores para indenizá-los. Não deu certo. Na segunda tentativa, o próprio prefeito foi até lá. Na primeira porta que bateu, viu que morava um funcionário da Prefeitura. Na parede da sala, uma bandeira de papel com a foto do prefeito Anastácio e sua filha Tatiana, lembrança da campanha do ano anterior. “E agora?”, pensou um pesaroso Anastácio. O interesse coletivo falava mais alto. O prefeito pagou mil cruzeiros a cada família para que comprasse uma nova casa. Mas não foi tão simples. Ainda era necessário convencer uma das mais conhecidas moradoras. E ela não aceitou a oferta inicial. Só aceitaria o dobro. Alguns dias depois, no gabinete do prefeito, os auxiliares anunciaram: “Prefeito, a Galega da Rua da Tripa está aí”. “Água e café para a Galega”, ordenou Anastácio. Depois da conversa, a Galega cedeu. O prefeito, também. Acabou pagando mil e quinhentos

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cruzeiros. Tempos depois, Anastácio esteve no bairro São Francisco, a tradicional Rua Preta, quando uma senhora foi lhe agradecer. “Tá vendo essa casa aqui, eu devo ao senhor”. Era uma antiga moradora da Rua da Tripa. A polêmica em torno do convênio entre o município e a Cooperativa de Melhoramentos para cobrança das tarifas de iluminação pública permanecia nas manchetes de jornais. Mesmo sancionando a lei, em meio a uma verdadeira guerra, o prefeito estava sendo acusado pelo presidente da entidade, José Carlos de Oliveira, de não se pronunciar sobre o projeto. Na verdade, o impedimento estava no fato de que a lei aprovada pela Câmara fixara apenas as condições em que se faria a arrecadação das taxas, mas não determinou a forma como a Prefeitura amortizaria para com a Cooperativa o débito de NCr$ 350 mil já existente. Em fins de setembro, o Departamento Estadual de Poços e Açudagem (DEPA) publicava na imprensa estadual aviso aos interessados sobre publicação de edital de concorrência, no Diário Oficial do Estado, para a construção da barragem de Tabocas–com capacidade de 12 milhões de metros cúbicos, para o abastecimento d’água na cidade de Caruaru. A notícia acalmou o prefeito Anastácio, preocupado, até então, com o problema que era meta potencial do governo, por representar uma solução definitiva para o entrave histórico na cidade. Em algumas ruas, os moradores passavam uma semana sem água, mesmo com os açudes cheios, devido à ausência de reservatórios que facilitassem uma boa distribuição. Em mensagem enviada à Câmara, o prefeito apresentava um orçamento para o ano de 1970, no valor de cinco milhões de cruzeiros novos. Os setores de Educação, Saúde e Obras receberam as maiores dotações do novo orçamento. Outro projeto criava incentivos fiscais para o desenvolvimento do turismo, além de incentivos financeiros para os grupos teatrais da cidade, bandas musicais, instituições filantrópicas e para o Central Sport Clube. Alvo de sucessivas manobras e pressões, na Câmara Municipal Anastácio enfrentava uma oposição cada vez mais empenhada em fazer frente às ações de seu governo. No momento em que o líder governista, vereador Abdias Pinheiro, pediu regime de urgência para a votação dos dois projetos do Executivo, o presidente da Casa, vereador Gilberto Tôrres Galindo retirou-se do plenário, passando a presidência ao vereador Abel Ambrósio.

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A atitude do presidente foi seguida pelos vereadores José Carlos Rabelo, Salvador Sobrinho, Elias Soares, Severino Afonso e Bezerra do Amaral, todos da oposição. A manobra bem sucedida resultou na falta de quórum para aprovação das duas mensagens. No final, o prefeito era o grande derrotado, diante das armas utilizadas pela bancada arenista. Poucos dias depois, Anastácio encaminhou à Câmara Municipal o projeto de lei nº 2.360, autorizando a municipalidade a contrair empréstimo de 300 mil cruzeiros novos, junto ao Bandepe, por antecipação da receita e pagável em 12 meses, dando, para tanto, o produto do ICM arrecadado pela Coletoria Estadual. O empréstimo era destinado à liquidação do débito do município junto àquele estabelecimento de crédito, feito pela administração anterior e para custear a instalação do serviço de Cadastro Imobiliário do Município. A administração recebia do DIPER, no mês de outubro de 1969, sem qualquer ônus para seus cofres, o planejamento físico do Parque Industrial de Caruaru, que seria implantado às margens da BR-232, numa área de 116,47 hectares, que, coincidentemente, pertencia ao ex-vereador José Antônio Liberato, candidato derrotado por Anastácio na eleição do ano anterior. A desapropriação foi feita de forma amigável. Pela primeira vez na História, a Prefeitura de Caruaru anunciava, naquele mês, a realização de concurso para professoras primárias da cidade. Inconformados com o fato de não poder alterar a Semana Inglesa, os comerciantes ameaçaram ingressar com uma ação na Justiça para modificar a lei. Anastácio, por sua vez, afirmava que nenhuma mudança seria procedida. Paralelamente, o prefeito intensificava uma operação para retirada das barracas espalhadas pela cidade, inclusive no centro. Naquele mês, a polícia foi convocada para apaziguar o clima tenso na Câmara de Vereadores. Tudo começou quando o presidente da Casa, Gilberto Galindo, transferiu o horário da sessão para a manhã, sem apresentar justificativas. O vereador Aristides Veras, por sua vez, achando que os horários deveriam ser regulamentados, apresentou projeto de resolução, modificando textos do Regimento Interno. Em dado momento, Gilberto Galindo ameaçando fechar a Câmara, deixou o recinto e voltou acompanhado por policiais. Os vereadores suspende-

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ram a reunião. O motivo era um só: o vereador Aristides Veras encontrava-se armado. A imprensa aproveitou o caso para denunciar que certos elementos, considerados perigosos pela polícia, eram vistos com frequência nas galerias da Casa, sob o pretexto de dar cobertura a determinados vereadores. Uma pesquisa feita pela Secretaria de Agricultura revelou que 76% dos sete mil feirantes e 71% das donas de casa ouvidas se manifestaram favoráveis à volta da feira de Caruaru ao seu local de origem. A decisão do prefeito Anastácio Rodrigues de retornar a feira para o centro, embora fosse esperada por muitos que torciam pela volta e renegada por outros, que não desejavam seu retorno, tomou a população de surpresa. O prefeito tomou a decisão quando ninguém esperava. Era quarta-feira quando Anastácio reuniu o secretariado e informou: “O assunto da reunião é a transferência da feira”. Um dos secretários, o Major Clementino, sentado na ponta da mesa, perguntou: “Para quando, prefeito?”. A resposta foi direta: “Para sábado”. Todos ficaram impressionados. No sábado, a feira estava novamente na Rua Quinze de Novembro. A portaria GP 240/69, de 29 de outubro de 1969, lida através das emissoras de rádio Difusora, Cultura do Nordeste e Liberdade, às 20 horas, em caráter extraordinário, foi ouvida pela maioria da população, principalmente pelos habitantes dos bairros pobres, onde não existia televisão. Após três anos, a feira voltava para seu lugar de origem. “Se eu tivesse transferido de imediato, teria havido uma intervenção em Caruaru e eu teria perdido meu mandato. Noticiaram que houve até morte, mas não tive o menor problema”, explica Anastácio. De fato, ele estava em seu gabinete quando o secretário da Fazenda, Edson Barros, entrou, apressado: “Anastácio, eles estão aí”. “Eles que esperem”, respondeu o prefeito, com cara de poucos amigos. Depois, foi atendê-los. Eram militares. O coronel foi direto ao assunto: “Prefeito, o senhor transferiu a feira e houve até morte?”. Precavido, Anastácio respondeu: “Coronel, me desculpe. A notícia é improcedente”. Sentados, de cara feia, outros dois oficiais ficaram resmungando. Um se chamava Nilo, o outro, mais corpulento, era o Maia. “Eles eram radicais comigo. Qualquer coisa, me denunciavam à CSM”, revela Anastácio, que nos bastidores passou a chamar Nilo de Hitler e Maia de Mussolini.

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No dia da transferência, o prefeito fez questão de caminhar, sozinho, pela feira, deixando preocupados os seus secretários. “O senhor é louco?”, questionou, assombrado, o Major Clementino. Um compadre de Anastácio também lhe alertou. Disse-lhe que não entrasse no açougue municipal, pois havia gente insatisfeita e seria perigoso. Anastácio foi até lá também. “Eita prefeito macho!”, gritou um marchante, deixando-o envaidecido. Anastácio diz que fez aquilo que o feirante queria. “Era voz geral: todos queriam a transferência da feira. Inclusive dona Tereza Brenand, esposa do governador Nilo Coelho, me pediu para transferir. Depois que transferi, senti a força da feira de Caruaru. Eu não sabia que ela era tão forte”, comenta. A transferência proporcionou, de imediato, aumento de 20% na arrecadação da taxa de ocupação do solo e de via pública, o chamado “imposto de chão”. Quem não gostou da mudança foi a classe do comerciante estabelecido, de couros, móveis, joias, confecções por atacado e outros, que deram sinais de protesto. A categoria afirmava que o estabelecimento da feira na Rua 15 de Novembro, por demais apertada, bloqueava as suas casas de comércio, impedindo-os de receberem e entregarem, com as calçadas estreitas tomadas pelos bancos dos verdureiros. Sapateiros, marchantes e feirantes, de modo geral, estavam satisfeitos. Quem estava triste, porém, eram as “fateiras”, vendedoras de miúdos, que foram retiradas do açougue para dar lugar aos marchantes e ficaram expostas ao sol, em rua próxima, que se encontrava em péssima condição de uso. Era a terceira vez que a tradicional e decantada feira de Caruaru era transferida. A primeira vez foi em 1957, quando o prefeito Sizenando Guilherme de Azevedo a transferiu para as ruas Floriano Peixoto, São Roque, Felipe Camarão e adjacências. Depois de duas semanas, a feira estava de volta à Rua do Comércio, pela reação combativa do povo. A segunda mudança foi ordenada por Drayton Nejaim, em dezembro de 1966. De forma inesperada, os bancos foram instalados na Avenida Rui Barbosa. Mas o local era inadequado, devido à falta de condições higiênicas e por estar próximo à zona de meretrício, o que ocasionava insatisfação nas donas de casa. O ex-vereador José Rabelo, na época oficial de gabinete do prefeito Drayton Nejaim, recorda o dia em que ele autorizou a mudança da feira. Rabelo

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estava no bairro da Madalena, no Recife, com Drayton, quando o prefeito telefonou para o secretário de Agricultura, Edécio Francisco, que ele chamava de “compadre”. A conversa ocorreu textualmente da seguinte forma: – Compadre, a feira dá na Rui Barbosa e Joaquim Nabuco? – Dá não, compadre. – Aquela rua do meio, não é a da zona? – É. – Bota o resto na zona.

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O secretário questionou a decisão. “Não, compadre, tu manda tua mulher fazer feira em mercadinho. Eu quero na zona mesmo o resto da feira”. De acordo com Rabelo, Drayton transferiu a feira de modo proposital. O motivo, segundo o ex-vereador, era claro: prejudicar a eleição do candidato que ele próprio lançaria como sucessor na eleição seguinte. “Em 1968, Drayton apoiou Liberato para derrotar. Ele já me avisou: ‘vou apoiar, mas derroto. Eu não elejo mais ninguém. A única baraúna ruim que eu elegi foi João Lyra Filho. Me traiu. Agora, eu apoio, mas só planto pé de coentro. Apoio e

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na campanha mesmo eu derrubo’. E derrubou”, confidencia. Rabelo garante que o então vereador José Liberato ganharia a eleição. “Presidente da Câmara cinco vezes, Liberato ganhava disparado nas pesquisas. Anastácio, com uma campanha fraca nas ruas, os Lyra não apoiavam. Ninguém acreditava”, ressalta. Anastácio não só ganhou a eleição como trouxe a feira de volta a seu local de origem. A notícia da mudança alcançou expressiva repercussão. Mas transferir não era suficiente para organizá-la. Em seguida, o prefeito assinou decreto, disciplinando o funcionamento da feira de Caruaru às quartas-feiras e aos sábados. De acordo com as normas, ficou proibida a colocação de barracas e mercadorias às terças e sextas-feiras, antes das 19h, na Rua Quinze de Novembro, Praça Coronel João Guilherme, Ruas Sete de Setembro, Martins Júnior e da Conceição, além da comercialização depois das 22h, em barracas fixas ou não, bem como o tráfego de carros de mão na área.

Em virtude do atraso no pagamento das contas de luz à Chesf, foi decretada intervenção federal na Cooperativa de Melhoramentos de Caruaru. O engenheiro Gastão Luís de Andrade Lima assumiu a interventoria da Cooperativa, dizendo que todos os consumidores de energia em atraso com a entidade seriam convidados para negociar os seus débitos. Os diretores Ipiranga Augusto e José Carlos de Oliveira foram afastados dos cargos. O interventor federal tratou de conhecer o balancete encerrado no mês anterior e disse que manteria contato com o prefeito Anastácio Rodrigues para liquidar a dívida do município com a Cooperativa. A cidade estava praticamente às escuras, pois a entidade não tinha condição de gerir o sistema. Até a luz do campo do Central foi cortada. Num dia de jogo, o prefeito foi conversar com o interventor e lhe disse que se não ligasse a luz do campo para o time jogar, teria a sociedade contra ele. “O senhor assume o débito por escrito?”, questionou. “Assumo”, respondeu Anastácio. A Cooperativa reativou a energia e o Central jogou. Em sete de novembro, o Departamento de Turismo fazia a abertura do

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I Festival Folclórico de Caruaru, no Campo de Monta, com colaboração da Empresa de Turismo de Pernambuco (Empetur). Um total de 27 entidades de Caruaru e Recife foi convocado para colaborar com a promoção. A programação reunia 28 atrações diferentes, cinco concursos e apresentação de um show-revista de todo o folclore brasileiro, pelo conjunto “Os Caruanas”, do Rio de Janeiro. O prefeito Anastácio, abrindo oficialmente o I Festival Folclórico de Caruaru, disse que entregava ao povo, naquele momento, a sua própria festa, com suas cores, alegrias e a sua própria alma, pois ali se encontravam as características da região, suas tradições imortais e seu regionalismo. Além de grupos teatrais de Caruaru, Recife e Rio de Janeiro, o visitante – que pagou NCr$ 0,50 pela entrada no Campo de Monta – pôde conferir feira de livros, exposição de pintura, artesanato regional, parque de diversões, restaurantes típicos, pastoril e a dança popular denominada “Forró de Sá Joaninha”. A diretora Luiza Maciel era a mentora de tudo e contava com o apoio de seu assessor, o radialista Lídio Cavalcanti. Mesmo com o fim do governo, a artista plástica continuaria realizando o Festival de Folclore, que surgiu inicialmente como evento oficial do município e assumiu dimensão internacional, depois que Luiza passou a ocupar o posto de delegada do Conselho Internacional das Organizações de Festivais Folclóricos e Artes Tradicionais (CIOFF), no Brasil. O dilema da água continuava na pauta do município, quando o Governo do Estado enviou à direção do Banco Nacional de Habitação (BNH) o projeto de unificação dos sistemas de abastecimento d’água em Caruaru, com a construção das barragens Cipó – medida de urgência para salvar a população de um possível colapso – e Tabocas. Além disso, a construção de dois novos reservatórios, anunciada pelo Ministério do Interior, motivou o prefeito Anastácio, que travava verdadeira batalha pela construção das duas barragens. Em meados de novembro, fósseis pré-históricos foram descobertos na zona rural de Caruaru, pela equipe do Instituto Tecnológico de Pernambuco (ITEP), que fazia escavações e pesquisas arqueológicas, com patrocínio da prefeitura. Segundo o geólogo João de Deus de Oliveira Dias, coordena-

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dor dos trabalhos, as descobertas, em Dois Riachos e Jaracatiá, eram do período Pleistocênico, etapa pré-histórica em que viveram enormes mamíferos vertebrados. Entre os achados, estava parte de um dente de tigre, chifres de rinocerontes, mandíbula de mastodonte, além de objetos de pedra, inclusive machados celtas, usados pelo homem pré-histórico que viveu nesta região. Antes que novembro chegasse ao fim, a imprensa noticiou que todo o secretariado municipal de Caruaru estava demissionário. A decisão dos auxiliares diretos do prefeito foi tomada durante demorada reunião, quando Anastácio Rodrigues anunciou seu desejo de realizar “algumas modificações”. A fim de deixar livre o prefeito, para exercer seu plano, todos os secretários assinaram um documento, entregando seus cargos. Há meses, o prefeito pretendia tomar tal decisão, em virtude de reclamações que surgiam na cidade, contra determinados secretários, tidos como inoperantes e que estariam causando transtorno político à administração. Anastácio, porém, justificava que a mudança era “um simples ato de rotina”, comum a qualquer governo. Em meios às especulações, assessores, secretários e titulares de departamentos aguardavam com ansiedade a decisão. A reforma do secretariado teve início com a posse de Carlos Toscano de Carvalho na Secretaria de Administração, substituindo Clóvis Gonçalves. A nomeação foi questionada por muitas pessoas, inclusive pela família Lyra. Diziam que Toscano era “de direita”. Anastácio não deu ouvido às críticas. Conhecia bem seu novo secretário e admirava uma de suas qualidades: a de saber redigir muito bem qualquer texto. Toscano logo passou a integrar o pequeno círculo de auxiliares que tinham a maior confiança do prefeito Anastácio, junto a Edson Barros, Secretário da Fazenda, e Humberto Fonseca, chefe do gabinete. Competentes, dedicados ao trabalho e confiáveis, os três eram pejorativamente chamados pelos invejosos de “prefeitinhos”. Naquele tempo, a cidade era bem menor do que é hoje e naturalmente as reivindicações também eram mais modestas que as de hoje. Isso permitia ao governo um maior controle sobre o município. E Anastácio fez questão de exercer esse controle sob uma visão global da cidade. A Secretaria de Administração era a que mantinha atribuições que se estendiam pela ci-

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dade inteira. O organograma administrativo era bem menor, havia poucos secretários com pastas individualizadas e a Administração tinha um composto maior de atribuições. Carlos Toscano afirma que Anastácio teve uma atuação muito forte para garantir a boa apresentação da cidade. “Como secretário me vinculei muito a ele nesse ponto. Tínhamos normas mais rigorosas. As ruas eram bem mais tratadas, não havia esse volume de comércio de ambulantes que verificamos hoje. Quando uma pessoa colocava um banco na feira, imediatamente chegava um funcionário da Administração e mandava ir à prefeitura para saber se podia ou não”, explica. Até as faixas de propagandas comerciais, que eram tão comuns, também precisavam ser submetidas à avaliação da Secretaria de Administração. “Quando colocavam uma faixa, o funcionário que fazia o trabalho de campo ia lá e mandava retirar. A pessoa ia à Prefeitura, levava um croqui da propaganda para corrigirmos a redação. Em seguida, a gente mandava que retirasse um alvará e então fixava a faixa com data marcada. Anastácio se preocupava com essas coisas que hoje enfeiam muito a cidade, era um governo com essa visão muito ampla. Ele teve o cuidado de recrutar para o governo um grupo de profissionais novos, formados. Era um sentimento dele e de todos que trabalhavam com ele”, discorre. O ex-secretário garante que Anastácio tinha muita aceitação perante os professores, por ter valorizado a categoria profissional, com melhores condições salariais e de trabalho. “Também projetou a cidade no campo cultural, dando incentivo muito grande às artes e às festas populares. Uma administração séria, que trouxe um novo caminho, seguido mais tarde por outros administradores como José Queiroz e João Lyra Neto. Foi uma gestão que ficou marcada. Anastácio entrou na galeria dos grandes prefeitos, com uma aproximação muito grande ao espírito administrador de Pedro de Souza, que foi um dos nossos maiores prefeitos e já naquele tempo teve uma visão da Caruaru do futuro”, opina Carlos Toscano.

Reportagem do Diario de Pernambuco informava que, até o final do ano,

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o governador Nilo Coelho estaria em Caruaru, para assinar o convênio, mantido entre o Estado, Prefeitura e BNH, autorizando a construção da Barragem de Tabocas. O estudo de viabilidade econômica para financiamento da obra estava orçado em NCr$ 22 milhões, incluindo a construção da barragem, desapropriações, duas estações elevatórias, estação de tratamento e reservatório, e outras obras complementares. Paralelamente, o DNOS reiniciou a construção do reservatório no Monte do Bom Jesus. Naquele final de ano, o prefeito Anastácio Rodrigues recebia comunicado do escritor José Condé, informando que uma das maiores escolas de samba do Rio de Janeiro faria do livro Terra de Caruaru o seu enredo, no carnaval de 1970. Era mais uma notícia positiva, após a exibição de uma reportagem, pela TV Globo nacional, sobre o I Festival de Folclore de Caruaru. A imprensa também noticiou que o Ministério do Interior, através do Departamento Nacional de Obras e Saneamento, iria construir o canal do Salgado, um dos grandes problemas da cidade. A deputada Aracy Nejaim afirmou ao Jornal do Commercio que o ministro Costa Cavalcanti iria ao município assinar o contrato da obra, prevista para o início de 1970. O projeto, no entanto, permaneceria arquivado até 1972, quando o prefeito Anastácio conseguiria a sua liberação definitiva. Por seis votos contra cinco, a Câmara Municipal aprovava o orçamento para 1970, com receita prevista de NCr$ 5 milhões. As comissões de Fazenda e Orçamento e de Legislação e Justiça, todavia, ofereceram pareceres contrários à proposta, por verem “disparidades e anomalias”. Para solucionar a dívida que a Prefeitura somava em relação ao pagamento das tarifas de iluminação pública, a Cooperativa de Melhoramentos de Caruaru, sob regime de intervenção, decidiu aumentar a conta de energia elétrica já no mês de novembro. O aumento, autorizado pelo Ministério das Minas e Energia, era de 18,33% para o Grupo A (indústrias de alta tensão) e 9,16% para o grupo B (residências, comércio e indústrias de baixa tensão), equiparando as tarifas locais com as mesmas vigentes no Estado, cobradas pela Celpe. A população, inicialmente, ficou chocada com o aumento. De qualquer modo, o convênio entre o município e a cooperativa para cobrança das ta-

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xas era firmado, com a promessa de melhorias na prestação de serviços de energia elétrica na cidade. No final do ano, a Associação Pernambucana dos Servidores Estaduais (APSE) entrou na justiça estadual com uma ação contra apropriação indébita, por crime de responsabilidade, dirigida à maioria das prefeituras interioranas. Inclusive a de Caruaru, que há 16 anos devia ao IPSEP, pela contribuição previdenciária de seus funcionários –descontada, mas não revertida aos cofres da autarquia. O prefeito Pedro de Souza atualizou a dívida com o IPSEP em sua administração. Abel Menezes, Sizenando Guilherme, Drayton Nejaim e João Lyra Filho, seus sucessores, passaram 17 anos sem fazer o pagamento à autarquia. Caruaru devia mais de um milhão de cruzeiros novos ao INPS . A Secretaria da Fazenda Municipal enviou ao Ministério da Fazenda memorial solicitando o estudo, por parte do ministro Delfim Netto, sobre o parcelamento da dívida. O prefeito Anastácio propôs o pagamento do débito em até 100 meses, prazo considerado curto pela administração municipal, levando-se em consideração as disponibilidades financeiras da Prefeitura. A crise se intensificou ainda mais com a queda da arrecadação registrada naquele ano. Por isso, Anastácio pediu isenção de correção monetária, mas a sua proposta não foi aceita. Sem dinheiro, o capital do governo municipal era o trabalho. Em dezembro, os servidores continuavam sem receber os três meses de salários atrasados, deixados pela gestão anterior. O prefeito ficava incomodado com a situação, mas não podia atualizar o pagamento com a arrecadação de apenas um mês. Com a finalidade de cobrir deficiências da receita, a Secretaria da Fazenda dispensou, por 30 dias, a correção monetária cobrada aos inadimplentes do IPTU. Também em dezembro, tinham início as matrículas para o Ginásio Padre Zacarias Tavares, no bairro do Salgado, que passaria a funcionar em 1970. O homem do campo, que vivia o drama do desprezo e do esquecimento, em sua luta cotidiana, principalmente na época de inverno, quando lavouras eram devastadas pela lagarta e outras pragas, não dispunha de recur-

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sos materiais e financeiros para o trabalho. Assim, empregavam métodos tradicionais para o cultivo, usando a enxada e com pouquíssima rentabilidade. Na Câmara, o vereador Severino Afonso Filho pediu que o prefeito “mandasse brasa” para equipar a Secretaria de Agricultura com tratores, arados e outras máquinas. “Cadê os recursos?”, perguntava Anastácio. Mais de 100 quilômetros de estradas de rodagem foram recuperados no quarto distrito, naquele ano. Em dezembro, o prefeito também transferiu a Biblioteca Municipal para o sexto andar do bloco B da Prefeitura e o Banco Nacional de Habitação aprovou o projeto de viabilidade econômica para implantação do sistema de abastecimento d’água em Caruaru. Avaliado em NCr$ 22 milhões, com execução a cargo dos governos estadual e federal, além da Prefeitura Municipal, através da Companhia de Águas e Esgotos (CAEC). O final do ano de 1969 reservou ainda uma surpresa histórica para Caruaru, que pôs fim a uma polêmica que atravessava anos a fio: José Rodrigues de Jesus era mesmo o fundador da cidade e seus restos mortais estavam enterrados exatamente na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, inicialmente uma capela construída por ele próprio. Três ossadas humanas haviam sido encontradas na Igreja, localizadas por trás do altar principal, ainda no mês de outubro. Os achados, porém, não tinham qualquer identificação. As escavações faziam parte de uma reforma autorizada pela Diocese, tendo em vista a péssima condição em que se encontravam o teto de madeira e as cobertas laterais. Em 15 de dezembro, o senhor Luiz Godoy Peixoto, encarregado das obras de reconstrução da igreja, ao fazer desmonte na parte posterior do altar, encontrou uma placa com os seguintes dizeres: “Aqui jaz o cadáver do fundador D C José Roiz de Jezus P. Pelo Amor de DeosHum P. N. Av. M”. (Aqui jaz o cadáver do fundador de Caruaru, José Rodrigues de Jesus. Pede pelo amor de Deus um Pai Nosso e uma Ave Maria). Retirando alguns objetos, que se encontravam guardados no fundo do mesmo altar, observou a existência de ossos e pediu o auxílio do servente José Trajano Filho, que o ajudou na busca de mais alguma coisa, passando a retirar velas antigas e uma lápide de mármore com 30x23 centímetros que cobria a urna funerária, e que foi furtada naqueles dias.

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O acontecimento histórico foi testemunhado por várias pessoas que vinham acompanhando os trabalhos de construção de um apartamento para o Capelão da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, ideia de Dom Augusto que descaracterizou o altar. O professor José Florêncio Neto (Machadinho), o vereador José Salvador Sobrinho, o jornalista José Bezerra Tôrres, Alaíde Cruz Gouveia de Barros e José dos Santos Silva Filho estavam no local. Durante as obras, verificou-se que o material usado na construção do templo era muito diferente. Os tijolos de cerâmica, por exemplo, mediam 45 x 23 centímetros, enquanto os atuais eram de 24 x 12 centímetros. Os pregos que cravavam as linhas do teto eram espetos de ferro, com cerca de 20 centímetros. Em virtude do luto oficial decretado pelo Governo do Estado por oito dias, face ao falecimento do ex-presidente militar Arthur da Costa e Silva, ocorrido em 17 de dezembro de 1969, a Secretaria de Obras e Serviços Públicos adiou a solenidade, prevista para 20 de dezembro, do contrato para implantação do sistema de abastecimento d’água em Caruaru. O prefeito Anastácio Rodrigues fez o mesmo, decretando luto de oito dias e determinando o fechamento do comércio na tarde daquele dia. Caruaru continuava esperando pela água. A Festa do Comércio de 1969, presidida pelo senhor José Barbosa Maciel destinou parte de sua renda para as obras de construção da nova Catedral de Nossa Senhora das Dores, demolida em 1964. Os festejos tiveram início no dia 24 de dezembro e culminaram com a chegada do ano novo em 1º de janeiro. Cinco mil lâmpadas foram usadas na ornamentação, das quais 1.500 eram coloridas. O consumo de energia da Festa do Comércio era custeado pela PMC. Protestos marcaram aquele final de ano em Caruaru. Duzentos trabalhadores da Companhia Industrial paralisaram suas atividades porque não receberam o 13º salário. Cerca de 100 garis do Departamento de Bem-Estar Público da Prefeitura foram bater às portas da Junta de Conciliação e Julgamento, órgão da Justiça do Trabalho, para reclamar o pagamento do 13º mês. Tendo a liderança do grupo ordenado uma greve de 24 horas. Os funcionários integravam um grupo de encarregados pela limpeza pú-

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blica e tinham sua condição funcional regida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Anastácio reconheceu o direto da classe de exigir o benefício, adiantando que este não fora saldado devido às dificuldades financeiras enfrentadas pelo município. O prefeito recomendou ao secretário da Fazenda, Edson Barros, que pagasse aos garis antes do Natal. No entanto, como a prefeitura não teria recursos naquele momento para quitar o 13º salário, combinou com o secretário para não darem expediente naquele dia, a fim de evitar constrangimentos, até que os valores fossem pagos. A assessoria do prefeito comunicou que os servidores teriam sido incitados por elementos estranhos aos quadros da administração para tal decisão, e estavam adotando todas as providências no sentido de investigar a origem do movimento. O prefeito estranhou o movimento grevista, uma vez que o governo municipal vinha amparando os garis e seus familiares, dando-lhes assistência sanitária, aumento de vencimentos desde o mês de fevereiro, registro na Carteira Profissional para fins previdenciários, pagamento do Salário Família, Seguro Contra Acidentes, além de outras vantagens. Como regra, recebiam quinzenalmente os vencimentos. Furioso com a greve, o prefeito Anastácio Rodrigues determinou a abertura de inquérito, a fim de apurar a origem e os nomes dos organizadores do movimento que rebelou os diaristas, motivando a paralisação dos serviços de limpeza pública, nos dias 24 e 26 de dezembro. Dias depois, nas proximidades do Giradouro Major Clementino, Anastácio passava de carro quando avistou o líder do movimento, um servidor, de cor negra, que estava incitando os demais. Rapidamente, desceu do automóvel e de forma ríspida, bradou: “Desapareça, você está demitido. É você quem está fazendo a cabeça dos outros”. Em seguida, demitiu a maioria dos insatisfeitos. Anastácio sabia ser altivo com os interlocutores e exigente – terrivelmente exigente – consigo mesmo e com os subordinados, como também vingativo com quem lhe contrariava. Nos bastidores, os meios políticos se movimentavam com vistas à formação da Mesa Diretora da Câmara Municipal. Caruaru se despedia, assim, de 1969 e iniciava uma nova década.

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O ano de 1970 não vai ser bom para Caruaru, porque o letreiro, com a data, colocado sobre a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, sofreu curto-circuito, deixando de acender aos primeiros segundos do dia 1º de janeiro. Era o

que dizia a maioria dos caruaruenses, supondo ser mau presságio para a cidade o acontecimento. Mas, contrariando as superstições, o ano novo trazia consigo a notícia da assinatura, pelo governador Nilo Coelho, do convênio com o Banco Nacional de Habitação (BNH), permitindo o financiamento das obras de ampliação e melhoria do sistema de abastecimento d’água de Caruaru. No governo Anastácio Rodrigues, a Arena possuía sete vereadores na Câmara e o MDB apenas cinco. No entanto, os vereadores arenistas Aristides Veras e José Augusto de Araújo passaram a apoiar administrativamente o prefeito, dando posição de equilíbrio ao chefe do Executivo. Pelo menos em alguns momentos. A eleição da Mesa Diretora no primeiro dia do ano terminou empatada entre os vereadores Severino Afonso Filho e Aristides Veras – este último venceu por ser o mais velho. Momentos após a eleição, Aristides apresentou um documento de renúncia, alegando que seu estado de saúde não permitia que assumisse o cargo. Fato sui generis ocorria na Câmara naquela legislatura. Arenistas e emedebistas não queriam disputar a presidência da Câmara, considerada por demais incômoda politicamente. O fato é que governo e oposição, com seis vereadores cada, sabiam que um vereador a menos significaria maioria no plenário, depois da cassação definitiva do vereador Severino Rodrigues Sobrinho, Chico do Leite, em julho de 1969. Ou seja, o fato de o presidente não votar, colocaria um dos lados em minoria. Com a renúncia de Aristides Veras, a Câmara elegeu, por unanimidade, o vereador Severino Afonso Filho, da Arena, seu novo presidente. A bancada governista ficou com a maioria em plenário. Nos bastidores, comentava-se que, às vésperas da eleição, alguns vereadores arenistas, entre os quais Elias Soares e José Rabelo, procuraram o ex-prefeito DraytonNejaim, na Fazenda Pedra Verde. A ordem teria sido: “Votem em Afonsinho”. Drayton teria comentado ainda, em relação a Anastácio, que “Foi o pri-

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meiro prefeito que vi não desejar a presidência do Deliberativo”. Da mesma forma, Anastácio telefonou para o vereador Zino Rodrigues, seu irmão, momentos antes da eleição. E orientou: “Votem em Afonsinho, que é gente direita, com quem o governo pode dialogar, sem constrangimento”. Ao contrário do que pensara Drayton, Anastácio também tinha em mente um candidato. Só não imaginavam que seria o mesmo nome. O governador Nilo Coelho assinou, no dia nove de janeiro, o contrato para construção da barragem de Tabocas, cumprindo a promessa que fizera ao povo caruaruense. O convênio, no valor de aproximadamente quatro milhões de cruzeiros novos, sem a participação financeira do município, foi firmado entre a Secretaria de Obras e Serviços Públicos do Estado e a empresa vencedora da concorrência, a Constran. Os deputados Tabosa de Almeida e Aderbal Jurema, o prefeito Anastácio Rodrigues e vários secretários assistiram à assinatura do contrato, realizada no salão nobre do Palácio dos Despachos. O documento foi firmado por engenheiros da firma construtora e pelo governador Nilo Coelho. Discursaram ainda, na solenidade, o prefeito Anastácio, o deputado federal Tabosa de Almeida, que assinou o contrato como testemunha, e frei Tito de Piegaio, representando a Associação Comercial de Caruaru. Estava autorizada, também, a construção da barragem de Tabocas, que recebeu o nome de Gercino de Pontes (ex-deputado, ex-prefeito de Caruaru e filho do coronel João Guilherme de Pontes). Se da capital sopravam boas notícias, por outro lado, as finanças do município estavam arrasadas, no início de 1970. Os cofres municipais, quase vazios, forçavam o atraso no pagamento de algumas obrigações. Além da pouca arrecadação, a principal causa da crise eram os débitos deixados pelas gestões anteriores. Com a Bandinha de Pífanos de Caruaru tocando, entre outros números, A Briga do Cachorro com a Onça, foguetório e os noivos dançando valsa, realizou-se no dia 11 de janeiro, na capela de Santa Maria Goretti, em Caruaru, o casamento do bancário e radialista José Queiroz de Lima com Maria do Carmo Maciel. À cerimônia compareceram o prefeito Anastácio Rodrigues, o deputado federal João Lyra Filho e o senhor Geraldo Monteiro da Cruz, gerente local do Banco do Brasil. Também foram abraçar o casal funcionários do BB, radialistas e jornalistas.

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Às 19 horas, perante pequena multidão que superlotava as dependências da capela e se espalhava pela calçada e pátio externo do templo, o padre Pedro Aguiar, após ler um trecho da Carta de São Paulo aos Efésios, anunciou o casamento dos jovens, que, segundo explicou, completavam uma década de noivado. O casamento, anunciado há alguns meses, estava sendo aguardado com ansiedade pela sociedade. Após o nupcial, os noivos se dirigiram ao salão de recepções do Lar Santa Maria Goretti, anexo à capela, para cortar o bolo. Ainda em janeiro, o prefeito Anastácio recebeu carta do escritor José Condé confirmando que a Escola de Samba Unidos de São Carlos, do Rio de Janeiro, iria desfilar no carnaval daquele ano com o enredo inspirado em sua obra, Terra de Caruaru, editada dez anos antes. Os temas, segundo Condé, seriam: a fundação da cidade, luta dos índios com os vaqueiros pioneiros, colheita do algodão, a feira, a Festa do Comércio e as festas tradicionais – Carnaval e São João. Dois membros da agremiação foram enviados a Caruaru para fazer pesquisas. O ano também começava com a notícia de aumento na taxa de iluminação pública, em decorrência do convênio firmado com a Cooperativa de Melhoramentos. O município ficou obrigado a efetuar, no ato do recolhimento, os pagamentos das contas da prefeitura relativas ao consumo dos seus prédios e da iluminação pública, mais a quantia de 3%, para amortizar, mensalmente, seu débito existente até agosto de 1969. Por outro lado, a Cooperativa comprometia-se a aplicar, mensalmente, o total recebido como amortização do débito municipal em obras destinadas ao melhoramento das redes e serviços de manutenção. Até o término do governo, a dívida estaria liquidada e num período de dois anos a cidade seria dotada de iluminação pública, com destaque no Estado e Região. Naqueles dias, a população viu um quadrimotor do 6º Grupo de Aviação da Segunda Zona Aérea, equipado com moderna aparelhagem, realizar o levantamento aerofotogramétrico de Caruaru. O trabalho tinha como meta uma tomada de conhecimento da expansão urbana e rural do município e foi feito em poucas horas, à altura de 1.500 metros. Foram batidas 18 chapas, com um total de 65 km quadrados. O material se perderia após a saída de Anastácio do governo, fato que ele sempre lamenta. No campo da educação, das 187 professoras inscritas no pioneiro con-

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curso para provimento de vagas no ensino primário, apenas 150 fizeram as provas e somente 74 foram aprovadas. As reprovadas pediram revisão das provas, sem êxito. Na tentativa de reduzir o número de edificações clandestinas em Caruaru, a Secretaria de Obras do governo municipal anunciou o fornecimento de plantas para casas populares, cobrando uma taxa de apenas NCr$ 2,00. Com suas obras paralisadas desde o dia nove de janeiro, por falta de verba, a barragem Cipó, construída em caráter de emergência, estava ameaçada de destruição pelas fortes chuvas que se aproximavam. O fato atraiu a atenção da imprensa e da Câmara. O vereador José Rabelo apresentou requerimento pedindo ao governador Nilo Coelho, em caráter de urgência, a tomada de providências cabíveis. Em fins de janeiro, o prefeito Anastácio Rodrigues recebeu em Caruaru o embaixador britânico David Hunt e sua esposa, presenteando-os com uma peça de barro que representava a mulher rendeira. Em entrevista coletiva, o diplomata afirmou seu contentamento em conhecer Caruaru, devido às constantes referências ouvidas no Recife. David Hunt visitou também a feira da cidade e ficou entusiasmado. Nilo Coelho acompanhou. Na sessão de 27 de janeiro, a Câmara Municipal aprovou, em segunda e última discussão, mensagem do governo municipal que solicitava a criação do Conselho Municipal de Educação, para integrar Caruaru na estrutura de ação educacional do Governo do Estado. Outra medida tomada foi a retirada de mais de uma centena de barracas fixas, instaladas na Avenida Rui Barbosa e Rua Felipe Camarão, após a transferência da feira. O 30 de janeiro foi marcante para Anastácio. Naquela data, nascia sua segunda filha, Virgínia Lúcia Vidal Rodrigues. A primogênita, Tatiana, ainda não havia completado cinco anos quando viu chegar à sua casa a irmã caçula. Poesia e dados informativos integravam o discurso que o prefeito Anastácio Rodrigues pronunciou nas emissoras de rádio locais, enfocando as ações de seu primeiro ano de gestão, no dia 31 de janeiro de 1970. O gestor acentuou como acontecimentos centrais a moralização administrativa e o investimento em setores prioritários. Em um ano, a gestão havia liquidado vários débitos contraídos pela administração anterior: NCr$ 162 mil (Bandepe), NCr$ 62 mil (Banco do

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Nordeste), NCr$ 81 mil (funcionalismo em atraso) e NCr$ 7 mil (IPSEP). Em entrevista coletiva, o prefeito anunciou incentivos para as indústrias que viessem a se instalar na cidade e para as que se encontravam em fase de implantação. Contrariando a lei que implantou a Semana Inglesa – e o prefeito Anastácio Rodrigues – os comerciantes decidiram abrir suas lojas na tarde do sábado de Carnaval. Um dia antes, Anastácio enviou à Câmara pedido de autorização para transferir ao Saneamento do Interior de Pernambuco (Sanepe) a prestação da administração do serviço de abastecimento de água e esgotos, ainda sob a competência da Companhia de Águas e Esgotos de Caruaru. A crise entre a Associação Comercial e o prefeito se acentuava, embora este negasse. Em nota oficial, a Prefeitura de Caruaru afirmou que foi a própria Associação que, reconhecendo publicamente o erro deliberado em abrir o comércio no sábado de Carnaval, solicitou, através de ofício, dispensa da multa por infração. Zelando pelo princípio da autoridade e fiel execução da lei, a Secretaria da Fazenda havia colocado comandos fiscais em serviço, e 73 estabelecimentos foram autuados. As multas eram consideradas arbitrárias pelos lojistas, pelo fato de a Associação Comercial ter se dirigido à prefeitura, com antecedência, explicando a necessidade da abertura das lojas. A administração do presidente da Associação Comercial, Manoel Torres Galindo, foi envolvida por pessoas, que agiam radicalmente contra a administração de Anastácio, prejudicando o diálogo entre a Acic e o governo municipal. Nas entrevistas que concedeu sobre a polêmica da Semana Inglesa, Anastácio sempre fez questão de dizer que apenas estava fazendo valer uma lei. Para este livro, no entanto, ele revelou as brigas de bastidores que transformaram o episódio num embate entre prefeito e comércio. Segundo Anastácio, os empresários José Manoel Torres e Manoel Agostinho foram os responsáveis pela confusão que se estabeleceu. “Os dois não topavam com a minha cara. Foram meus contemporâneos no Colégio de Caruaru e divergíamos no movimento estudantil. Eu votava em João Lyra Filho e eles em Chico do Leite. Manoel Torres e Agostinho tiveram uma influência muito forte sobre a pessoa do presidente da Associação Comercial. Eles tinham um problema pessoal para comigo”, explica.

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Passado algum tempo, Anastácio diz que manteve um contato pessoal com o industrial Armando da Fonte, que o ex-prefeito define como “a influência do poder econômico na Associação Comercial”. Armando era figura queridíssima e respeitada pelo presidente Manoel Galindo, o que motivou o prefeito a procurá-lo, para tentar estabelecer um bom relacionamento com a entidade. Anastácio explica que a lei da Semana Inglesa foi de autoria do vereador Aristides Veras, sancionada durante o primeiro governo de João Lyra Filho. “A lei existe e tem que ser cumprida. Eu tinha que cumprir. Onde eu errei? O Sindicato dos Comerciários cobrou do prefeito o cumprimento da lei. Transformaram isso num problema pessoal. Eis a questão! O comerciante Arlindo Porto também foi envolvido. Foi lamentável!”, desabafa o ex-prefeito. Em meio à guerra entre as classes produtoras, empregados e governo do município, o presidente do Sindicato dos Empregados no Comércio de Caruaru, Jarbas Sena, afirmava ter recorrido ao espiritismo para resolver o impasse, pois em contato com os homens nada conseguiu. O embate travado entre a Acic e o prefeito Anastácio Rodrigues aconteceu porque a Associação Comercial entendia que a abertura do comércio aos sábados à tarde era importante para a saúde da economia do município. Afinal de contas, os consumidores teriam mais tempo para comprar, o que geraria uma receita importante. A entidade sugeria um acordo entre o sindicato dos comerciários e os lojistas, já que a Lei Municipal 1.325, de 28/02/1963, proibia a extensão do horário aos sábados. Mas o prefeito não concordava e colocou na rua uma fiscalização ostensiva. Os comerciantes que estavam de portas abertas foram multados. E, desta vez, a Associação Comercial teve que recuar. Anastácio fez valer a decisão anterior e continuou não permitindo a abertura do comércio nas tardes de sábado. O impasse se arrastou por quase seis meses. No mês de fevereiro, a Câmara aprovou em segunda discussão e o prefeito Anastácio Rodrigues sancionou a lei que conferia ao Sanepe, órgão do Governo Estadual, a prestação e administração dos serviços de abastecimento d’água e esgotos sanitários no município. Apesar de passar todo o seu acervo, avaliado em NCr$ 30 milhões para o Sanepe, a CAEC permaneceu coordenando o serviço de distribuição de água, como subsidiária. Paralelamente, a Eletrobrás concedia empréstimo no valor de um mi-

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lhão de cruzeiros novos à Cooperativa de Caruaru, para ser investido nas reformas da rede distribuidora de energia, sobretudo de alta tensão, que estava superada. No Carnaval de 1970, o prefeito Anastácio Rodrigues viajou ao Rio de Janeiro, a convite do escritor José Condé, que o hospedou em sua residência. Naquele ano, a Escola de Samba Unidos de São Carlos inspirou o seu enredo no livro Terra de Caruaru. O sambódromo ainda não havia sido construído. Anastácio foi ao local dos desfiles com Condé, sua esposa Maria Luísa e alguns amigos do casal. Meses antes do desfile, uma comissão fora a Caruaru, colher informações sobre a cidade e Anastácio a recepcionou. O desfile foi muito emocionante para todos, sobretudo emocionou José Condé, para quem jogaram flores durante o trajeto. No dia seguinte, Anastácio e o casal Condé foram ao núcleo da escola, no morro. Num boteco, baianas tomavam chope e cantavam o samba enredo evocando Caruaru. Visivelmente emocionado, José Condé repetia: “Ouça Anastácio, elas estão cantando Igrejinha da Conceição!”. Em 21 de fevereiro, o escritor João Condé, irmão de José Condé, visitou Caruaru e ficou vivamente emocionado ao ouvir a Bandinha de Pífanos executarA Briga do Cachorro com a Onça, na residência do prefeito Anastácio Rodrigues, onde foi servido um almoço ao caruaruense ilustre. Acompanhado de sua esposa Carmita e das filhas Maria Alice e Maria Tereza, o organizador dos Arquivos Implacáveis percorreu um roteiro sentimental, visitando a feira de Caruaru, adquirindo objetos de artesanato, revendo ruas, becos e pontos que marcaram sua infância. Também visitou o túmulo do velho João Condé, seu pai, no Cemitério São Roque. Há tempos João Condé não ia até a cidade. Uma grande mágoa impedia-o de visitar sua terra natal: a demolição do Museu de Arte Popular. “Não irei mais a Caruaru enquanto houver sinais do destruidor”, jurou o escritor à época, referindo-se ao então prefeito Drayton Nejaim. “Foi o meu sonho, que realizei para Caruaru. Sonho que se tornava em realidade. Era a minha contribuição para a conservação do que poderia haver de mais autêntico: a História, a tradição, as artes, o nosso artesanato. Um dia, porém, um vendaval destruiu tudo, da noite para o dia”, rememorou Condé, na residência do prefeito, à reportagem do Diario de Pernambuco.

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A mágoa não foi superada, mas João Condé mostrava-se entusiasmado com a promessa do prefeito Anastácio de construir um novo museu, durante sua administração.

As primeiras máquinas utilizadas na construção da barragem de Tabocas chegaram a Caruaru no dia 21 de fevereiro. Enquanto isso, continuavam paralisadas as obras do açude Cipó, por falta de verba, que a Secretaria da Fazenda não liberara até então. Naquele final de mês, Anastácio viajou às pressas para Fortaleza, a fim de encontrar-se com diretores do Banco do Nordeste. O órgão havia concedido empréstimo, no valor de NCr$ 193 mil, à prefeitura, na gestão anterior, para construção de um matadouro. A obra, iniciada no governo Drayton Nejaim, nas proximidades do aeroporto, não foi concluída e a aplicação da verba serviu como mote de investigação por parte de funcionários do BNB. Sem êxito nos primeiros contatos, o prefeito voltou a Caruaru, já pensando na data de retorno. Em todas as igrejas e capelas da Diocese de Caruaru, foi lida, durante as missas do domingo, 1º de março de 1970, pastoral denunciando às autoridades a crise financeira e econômica que resultou na paralisação de oito indústrias. O texto destacava a Fábrica de Caroá, cuja crise deixou desempregados centenas de trabalhadores. O bispo dom Augusto de Carvalho exortou os fiéis a enviarem donativos para mitigar a fome dos operários desempregados e apelou às autoridades no sentido de que estudassem uma solução para o problema. Evangélicos, órgãos de classe e clubes de serviço se engajaram na campanha da Diocese caruaruense. Coube à imprensa a tarefa de divulgar que alunos pobres, na condição da lei, não estavam conseguindo matrícula nos cursos ginasial e científico de Caruaru, porque os filhos de pais ricos tinham seu lugar assegurado. Muitos desses homens ricos, que não pagavam seus tributos ao município, matriculavam os filhos no Colégio Municipal. Depois da denúncia, a prefeitura implantou um questionário e constatou a realidade, banindo do principal educandário municipal os alunos de

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famílias abastadas. “Limpamos o colégio e a área de estacionamento. Os carros desapareceram com os ‘filhos do papai’”, ironiza Anastácio. No início de março, o plano para dotar Caruaru de bom serviço de iluminação estava em franca execução e o prefeito inaugurava o sistema de iluminação pública do bairro Santa Clara, com mais de uma centena de luminárias. O trabalho era o primeiro resultante da parceria com a Cooperativa de Melhoramentos. “Certa noite, eu e Edson Barros (Secretário da Fazenda) fomos à Rua Bahia, onde havia 22 postes, mas apenas dois tinham iluminação. Era um absurdo. Nós tínhamos uma cidade às escuras e em completo abandono. Com apoio do governo e da Cooperativa, o primeiro bairro que iluminamos foi o Santa Clara”, recorda. Muitas das luminárias espalhadas pelas ruas de Caruaru eram destruídas por vândalos, mas a Cooperativa não desanimava e continuava iluminando a cidade e recuperando o sistema de iluminação pública, em muitas áreas. A entidade adquiriu dois mil medidores monofásicos, de fabricação argentina, para instalar em residências de consumidores que não podiam comprar os aparelhos à vista. Os medidores eram vendidos por um valor acessível e a população pagava em até um ano. No dia 10 de março, estiveram em Caruaru engenheiros do Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) para tratar sobre a construção do Canal do Salgado. Afirmaram que a obra poderia ser concluída em 18 meses e orçaram os trabalhos em NCr$ 600 mil. A execução dependia de providências por parte do município, como a desapropriação de 28 imóveis residenciais. Além das desapropriações, o governo municipal realizaria um completo levantamento topográfico da área. O Canal do Salgado, localizado numa área de mais de mil metros, era um entrave ao desenvolvimento de Caruaru. Lá eram despejados dejetos, animais mortos e lixo, representando um atentado à saúde de milhares de habitantes. Além disso, oferecia sério perigo aos que habitavam às suas margens, quando recebia grandes volumes de água das chuvas. No inverno de 1969, por exemplo, as águas do riacho haviam derrubado pelo menos 10 casas, deixando as famílias desabrigadas. A imprensa chegou a noticiar, no mês de abril, que o projeto para construção do Canal teria sido aprovado pelo DNOS e as obras seriam inicia-

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das no mês de agosto. Mas, conforme já citamos, o projeto seria arquivado e caberia ao prefeito Anastácio lutar, dois anos depois, para desengavetá-lo e colocar em prática uma obra pleiteada há muito pelos caruaruenses. Quando da inauguração do Ginásio Padre Zacarias Tavares, no mês de março, a imprensa pernambucana noticiou que o Secretário de Educação, Roberto Magalhães, ficou irritado quando soube que o prefeito Anastácio Rodrigues negara a cessão de dois prédios para funcionamento de escolas primárias. Segundo informações, depois de ter se comprometido, o prefeito também mandou retirar 150 bancas escolares de uma escola estadual. Fatos que Anastácio nega veementemente. A partir de 1960, quando assumiu o cargo de Diretor de Educação e Cultura, no governo João Lyra Filho, Anastácio passou a colecionar com desvelo cada recorte de jornal ou revista que trouxesse seu nome. Ao lado de cada notícia, costumava escrever comentários, desmentidos, além de abominar o que considerava injusto. Na página em que consta a informação de que mandou retirar as carteiras escolares da escola Padre Zacarias, no Salgado, deixou registrado: “Foi uma inverdade. O ginásio foi uma luta do meu governo, na cidade de Garanhuns”. Numa época em que não se falava em orçamento participativo ou gestão participativa, termos tão comuns nas administrações atuais, Anastácio Rodrigues iniciou em seu governo um trabalho para ouvir diretamente as reivindicações da comunidade caruaruense. Outra de suas manias, que revelava o compromisso dedicado ao cargo, era o hábito de percorrer as ruas da cidade, todas as manhãs de domingo, para anotar o que via de errado. Fazia sempre o trajeto acompanhado por seu fiel motorista, Cassimiro (mais conhecido na cidade por haver comandado um batalhão de bacamarteiros). As anotações passavam de imediato à pauta de cobranças, que fazia com frequência aos secretários municipais, às quintas-feiras. Num domingo de março, Caruaru voltava a reviver, para alegria de seu povo, as antigas retretas, com as bandas Comercial e Nova Euterpe tocando dobrados, frevos, sambas e boleros. O motivo foi a inauguração do novo sistema de iluminação pública do centro da cidade. A Cooperativa de Melhoramentos continuava a todo vapor, clareando as ruas de Caruaru e já plane-

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java adquirir centenas de postes de cimento para substituir os de madeira. Finalmente as obras do açude Cipó eram retomadas em março e sua conclusão assegurada para o mês seguinte, pelo engenheiro David Bezerra, diretor do DEPA, em visita a Caruaru. O engenheiro foi convidado pelo radialista Arnaldo Brito para participar do programa “Mesa Redonda”, na Rádio Cultura do Nordeste, quando falaria sobre o problema de abastecimento d’água no município. O programa foi suspenso na última hora, com a notícia da morte trágica do radialista Luiz Jacinto, o popular Coroné Ludugero, vitimado por um acidente aéreo, na baía de Guajará-Mirim, em Belém do Pará. A morte inesperada de Luiz Jacinto causou profunda consternação na cidade, refletindo, principalmente, nas camadas populares, onde a sua fama penetrara com mais força. O Coroné Ludugero era um mito, um quase profeta, para o homem simples da rua e da zona rural. Todos lhe citavam os refrões, repetindo frases que ficaram gravadas na memória popular. Como homenagem, o governo municipal anunciou que mandaria erguer efígie em homenagem ao artista, em praça pública, no bairro São Francisco. Foi lá, na casa nº 356, da Rua Joaquim Távora, que Jacinto nasceu,em 29 de setembro de 1929. Paralelamente, a expectativa da população da cidade e da região estava em torno da recuperação do corpo do comediante, numa atenção permanente ao noticiário de rádio. Diariamente, a Rádio Cultura do Nordeste transmitia noticiário diretamente do local do desastre, através de rádio amador, ao mesmo tempo em que levava ao ar gravações do Coroné Ludugero, que o povo escutava com um misto de alegria e pesar. O artista popular também expressava sua sensibilidade, com o trabalho “Trágico Desaparecimento do Coroné Ludugero”, de Vicente Vitorino de Melo, vendido às centenas na feira de Caruaru, onde também foram comercializadas muitas fotos do artista.

A falta de capital de giro e a aplicação de multas, juros e correção monetária pelos agentes fiscais eram os principais motivos da derrocada do

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Álvaro Lins e José Condé:

ilustres caruaruenses

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comércio e da indústria de Caruaru, que sofria, naquele período, uma crise sem precedentes em toda sua existência. Os problemas foram narrados num memorial que a Associação Comercial enviou ao Ministro do Comércio e Indústria e outras autoridades do país. O documento mostrava que, em apenas cinco anos, desapareceram 50% das casas comerciais da cidade, com preponderância no ramo de estivas, e constatou-se o fechamento de 11 das 30 principais indústrias, com outras quatro prestes a cerrar as portas. Caruaru, cidade essencialmente comercial, observava o declínio de sua principal atividade. A partida entre o Central e o Íbis, pelo campeonato pernambucano de futebol, em março de 1970, só aconteceu graças à intervenção da Prefeitura de Caruaru. O interventor da Cooperativa de Melhoramentos, Gastão de Andrade, disse que não ligaria a luz do Estádio Pedro Victor de Albuquerque, caso a diretoria do Central não pagasse a primeira prestação do débito. O presidente Edgar Feitosa procurou Anastácio Rodrigues, revelou a má situação financeira do time e o prefeito autorizou o município a avalizar o débito junto à Cooperativa. Em 22 de março, a Banda Musical Nova Euterpe celebrava 74 anos de fundação, enquanto a Prefeitura Municipal, através da Secretaria de Viação e Obras, iniciava a “Operação Tapa-buracos”, para desobstruir as principais ruas da cidade, construir e consertar esgotos. Em 1970, Caruaru tinha 112 anos de elevação à categoria de Cidade, mas não possuía elementos oficiais que representassem as suas tradições e significado histórico. Faltava às escolas primárias o símbolo enquanto elemento didático para explicar o sentido e a trajetória histórica do município. Até então, a bandeira do Centenário da cidade, comemorado em 18 de maio de 1957, era hasteada junto aos pavilhões nacional e de Pernambuco, em solenidades oficiais, não sendo considerada como representativa da cidade. Coube à Secretaria Municipal de Educação credenciar o advogado e professor secundarista Amaro Matias para criar o símbolo oficial de Caruaru. O fato central para a concepção era a expressividade. E a tentativa do professor Amaro Matias era a de veicular as cores à expressão global da cidade, traduzida na sua arte popular, avelozes e outros elementos do panorama agrestino.

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Em busca de uma expressão coerente, Amaro Matias estudou, inicialmente, o símbolo de Caruaru, aprovado pela Câmara e usado no papel timbrado da Prefeitura Municipal. Confeccionado pelo desenhista Plínio Gustavo, com um octógono abrigando uma circunferência, onde está desenhado, na parte inferior, um mapa de Pernambuco com a localização de Caruaru. Continha ainda uma reta que ia até a parte superior, indicando o Monte do Bom Jesus. O escudo tinha, ao centro, uma faixa em que, à esquerda, estava escrito 18 de maio de 1857 – data em que a Vila de Caruaru foi elevada à categoria de Cidade. O prefeito Anastácio Rodrigues abriu, oficialmente, a Semana da Árvore, no dia 31 de março de 1970, plantando uma muda no terreno da Casa do Trabalhador. Às 19h, uma multidão estimada em 10 mil pessoas assistiu ao sepultamento de Luiz Jacinto da Silva, o Coroné Ludugero, no cemitério Dom Bosco – 17 dias após o desastre que o vitimou. Os admiradores foram receber o corpo do humorista em Encruzilhada de São João, inclusive o prefeito de Caruaru. Lá, o Corpo de Bombeiros colocou o caixão num carro, cobrindo-o com a bandeira do Centenário do município e dezenas de coroas de flores. A multidão era tamanha que quatro acidentes ocorreram no trajeto até o cemitério, danificando três veículos e deixando três pessoas feridas. Desde a cidade de Gravatá, populares se concentraram ao longo da BR232 para assistir à passagem do carro fúnebre. O comércio, a indústria e os colégios da cidade fecharam suas portas no segundo expediente. Os sinos da igreja repicavam, à passagem do cortejo. O prefeito Anastácio Rodrigues, no cemitério, lembrou a divulgação que o artista fez de sua cidade. O ator Lúcio Mauro, que participou das buscas em Belém, não conseguiu falar na ocasião e caiu em prantos ao pronunciar o nome do colega desaparecido. O corpo do humorista havia chegado ao Recife por volta das 10h30, seguindo para o hall da Rádio Clube de Pernambuco, onde recebeu as homenagens da população, artistas, radialistas e companheiros. Por muitos anos ele pertenceu ao elenco daquela emissora. Às 13h30, o esquife foi levado para Caruaru; os pais, a esposa Dagmar, os irmãos, amigos e grande número de artistas viajaram num ônibus contra-

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tado. Mais de 300 veículos acompanharam o cortejo. Nas estradas, o povo acenava com lenços brancos. Por volta das 18h, o corpo do humorista entrava na cidade de Caruaru. O carro do Corpo de Bombeiros caminhava lentamente pelas ruas, em meio a uma chuva fina, que caía na tarde fria, percorrendo os locais previamente determinados. No cemitério, desde as 16h, milhares de pessoas se comprimiam para assistir ao funeral. O sepultamento de Luiz Jacinto foi acontecimento jamais presenciado na cidade. Falava-se que nem o enterro do coronel João Guilherme de Pontes, em 1944, reunira tamanha multidão. O prefeito Anastácio fez sua saudação final. “O que dizer, Jacinto? Nesta hora da dor maior, quando a angústia nos domina a todos e nos parte o coração e a alma, só resta agradecer-lhe pelo muito que você nos deu. Que Deus o tenha agora na eternidade dos santos”, externou. José Quintino de Melo tocou o clarim. As notas de silêncio provocaram desmaios e gritos. O esquife de madeira ia descendo devagar, já na escuridão da noite cinzenta e triste. Era o último adeus. O adeus angustioso do povo de Caruaru ao grande artista Luiz Jacinto da Silva. Depois da comoção que atingiu praticamente toda a população, uma dúvida passou a dominar os comentários em Caruaru. Alguns, na posição de racionalistas, opinando de acordo com os fatos, espalharam o ceticismo em torno do sepultamento de um cadáver “que não foi visto por ninguém”. Mas as interrogações eram desfeitas, exatamente, diante dos fatos. O primeiro é que Sebastião Jacinto da Silva, irmão de Luiz Jacinto foi até o local fazer o reconhecimento do corpo. A presença do ator Lúcio Mauro – um exemplo de solidariedade humana – durante 20 dias, em Belém, buscando e depois identificando o corpo do humorista era outro dado importante para esclarecer os fatos. Além disso, a certidão de óbito fornecida pelo 2º Cartório Civil da cidade de Belém fundamentava a morte de Luiz Jacinto, apontando como causa-mortis “politraumatização e hemorragia intratoráxica”, provocada pelos choques mecânicos oriundos do acidente. Ludugero foi um personagem criado pelo radialista caruaruense Luiz Queiroga, considerado uma das maiores expressões do humorismo nacional em tempos passados. Em Caruaru, Queiroga produziu e apresentou pro-

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gramas na Rádio Cultura, passou pela Rádio Difusora e foi redator do Jornal Vanguarda. Contratado pela Rádio Clube de Pernambuco, criou tipos que se tornaram famosos, como Ludugero e Otrope. Também foi produtor da Rede Tupy de Televisão e da Rede Globo, no Rio de Janeiro. Além de produtor, humorista e comediante, era excelente compositor de músicas regionais, tendo composto com Onildo Almeida, seu amigo de infância, “Hora do Adeus”, gravada por Luiz Gonzaga. Queiroga faleceu em maio de 1978, no Recife, aos 48 anos. O seu pai, amigo de Anastácio, mantinha no Jornal de Caruaru uma seção sobre cinema.

Fato curioso na história do município era também as comemorações em torno do golpe de 31 de março de 1964, que implantou a ditadura militar no País. Em 1970, por exemplo, uma sessão solene aconteceu no Círculo dos Trabalhadores Cristãos. O palestrante foi o próprio Anastácio, que mesmo filiado ao MDB, partido de oposição ao regime militar, exaltou a figura do presidente Castelo Branco, apontando, ainda, os ex-presidentes Costa e Silva e Garrastazu Médici como “exemplos de brasilidade”. No dia primeiro de abril, o Diario de Pernambuco denunciava que 1.200 casas particulares estavam fechadas em Caruaru, revelando o êxodo constante de pessoas para o Recife e outras cidades, à procura de emprego e outras fontes de renda. “E isto acontece na segunda cidade do Estado. O Governo está cuidando de descentralizar o desenvolvimento? O que se tem feito pela cidade de Caruaru?”, questionava a publicação. Prosseguindo em sua meta de impulsionar o desenvolvimento do município, a Prefeitura de Caruaru, através de seu Departamento de Praças e Jardins, iniciava importante campanha de restauração das praças da cidade, inclusive plantando árvores – fato exaltado pela imprensa pernambucana. O prefeito Anastácio também determinou a adoção de melhorias no Matadouro Público, cujos serviços eram criticados pela população devido à precariedade. Enquanto isso, a Cooperativa de Melhoramentos continuava iluminando a cidade. Já estava no núcleo residencial da Cohab e se preparava para chegar até a Vila Kennedy. Iluminou as estradas de Caruaru,

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os templos católicos e evangélicos. Fato que surpreendeu a população foi a iluminação da Igreja do Monte Bom Jesus e sua escadaria. A Rádio Cultura do Nordeste iniciava, dias após o sepultamento de Luiz Jacinto, campanha para arrecadação de fundos destinados à construção de estátuas em homenagem ao Coroné Ludugero e seu companheiro Otrope, vivido pelo humorista Irandir Perez Costa, mortos no acidente do Hirondelle, em Belém. A direção da campanha abriu contas específicas em cinco estabelecimentos bancários, para arrecadar as contribuições populares. Órgãos representativos e entidades se engajavam na campanha, idealizada pelo radialista José Almeida. As contribuições vinham de todas as partes, enquanto o escultor Armando Lacerda, responsável pela escultura do padre Cícero Romão e bustos de Agamenon Magalhães e Ascenso Ferreira, no Recife, desenvolvia o anteprojeto das esculturas. Também em abril, o prefeito Anastácio Rodrigues iniciou as discussões com técnicos do Departamento de Estradas e Rodagem (DER) e da Fundação dos Terminais Rodoviários do Estado da Guanabara para elaborar projeto de construção de um novo Terminal Rodoviário na cidade. Ao mesmo tempo, o Saneamento do Interior de Pernambuco (Sanepe) publicava edital de concorrência pública para aquisição de materiais destinados à construção de adutora com 33 quilômetros, da barragem de Tabocas, denominada de “Sistema de Tabocas – Água para Caruaru até o ano 2000”. As localidades rurais do Alto do Moura, Barra de Taquara e Jacaré eram contempladas com verba no valor de NCr$ 40 mil, liberada pelo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica, para eletrificação rural daquelas comunidades. A importância resultou das quotas de imposto único, incidente sobre o consumo de luz e força. Já o problema da Semana Inglesa continuava no “chove, não molha”, com muitos comerciantes reclamando a abertura dos estabelecimentos nas tardes de sábado. E o governo resistindo. Anastácio dizia, com ênfase: “Caruaru hoje tem prefeito!”. Uma comissão trabalhava para encontrar a solução adequada e definitiva para o assunto. O presidente da Federação dos Empregados no Comércio Norte/Nordeste, Reginaldo Medeiros, ficou de estudar a questão, em reunião conjunta com o Sindicato dos Empregados no Comércio de Caruaru, para revisar

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a lei. Reginaldo estava no Sul do país e regressaria apenas no dia 16 de abril. Entretanto, o prazo dado pelo prefeito Anastácio para pagamento das multas aos comerciantes que abriram seus estabelecimentos, no sábado de Carnaval, venceria no dia 12. A tensão dominava ambos os lados. No início da década de 1970, a informalidade e a desorganização atingiam inclusive o serviço público. Centenas de casas e dezenas de ruas foram localizadas sem números e sem nomes. A descoberta foi feita através do levantamento predial e o prefeito Anastácio mandou que se relacionassem os prédios e ruas anônimos para um batismo coletivo. Apresentando um péssimo aspecto urbanístico, com ruas esburacadas, deficiente sistema de águas e um serviço de saneamento que não existia, o município de Caruaru colocou em prática um Plano de Ajuda Mútua para sanear e pavimentar diversas ruas na área urbana, em parceria com o Consórcio Nacional de Desenvolvimento Econômico. A população seria o elemento de sustentação do programa, custeando diretamente os serviços. Inicialmente, o contrato previa o asfaltamento de 11 quilômetros de avenidas e ruas, beneficiando mais de 20 artérias. O financiamento para as obras foi obtido junto ao Bandepe, num montante de NCr$ 3 milhões, garantidos pelas promissórias de prestação de serviços, entregues aos proprietários dos imóveis beneficiados. O contrato previa o asfaltamento do Bairro Novo (Maurício de Nassau), incluindo suas três avenidas – Manoel de Freitas, Agamenon Magalhães e Osvaldo Cruz –, além de ruas dos bairros Indianópolis e São Francisco, a tradicional Rua Preta. Os serviços incluíam construção e ampliação de galerias, meio fio e arborização das ruas. Duas coisas tiravam o prefeito Anastácio Rodrigues do sério: sujeira acumulada e animais soltos pelas ruas da cidade. Não era à toa que ele passara a ter atritos constantes com seu Diretor de Limpeza Urbana, o Major Cavalcanti. Para piorar a situação, certo dia o prefeito estava em seu gabinete, acompanhado pelo secretário de Administração, Carlos Toscano, o jornalista José Torres, seu assessor de imprensa e Humberto Fonseca, chefe de gabinete, quando o telefone tocou. Zé Torres se apressou e atendeu à chamada. Do outro lado da linha, o jornalista Souza Pepeu pedindo para falar com Anastácio. Zé passou-lhe o

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telefone e, de repente, todos observaram que o prefeito foi ficando vermelho. Irado, pôs fim rapidamente à conversa. Em seguida, desabafou com os auxiliares. Pepeu telefonara para informar que havia uma montanha de lixo em frente à casa do Dr. Waldemiro Ferreira, na Avenida Manoel de Freitas, e os porcos aproveitavam para se fartar. Além de conceituado médico na cidade, Waldemiro era uma pessoa que contava com a admiração pessoal do prefeito Anastácio Rodrigues. A título de recordação, bastaria apenas citar que o médico foi a única pessoa a ter o privilégio de receber o título de Cidadão de Caruaru, através de uma propositura do então vereador Anastácio Rodrigues, em 1967. Inesperadamente, Zé Torres se aproximou do prefeito, pôs a mão em seu ombro e mostrou-lhe um ultimato: – A solução está na gaveta. Anastácio olhou para o jornalista com ar interrogativo. Mas nada respondeu. Humberto Fonseca e Carlos Toscano, ao contrário, fuzilaram o jornalista com olhares reprovadores. Minutos depois, quando estavam os três a sós, os companheiros questionaram se Zé Torres estava “doido” por enfrentar o prefeito daquela maneira. O jornalista respondeu taxativamente que estava ali para cooperar com o prefeito. Ele só não poderia imaginar que, ao apontar para a gaveta, onde estava um pedido de renúncia do diretor de limpeza urbana, estaria preconizando o desenrolar dos fatos. Dias depois, Major Cavalcanti deixaria o governo. No segundo ano da administração Anastácio Rodrigues, homens e máquinas, em três frentes distintas, executavam os projetos dos técnicos para dotar Caruaru de um sistema de abastecimento d’água– o melhor projeto que poderia ser implantado para o desenvolvimento da cidade. O encaminhamento da solução do mais grave problema do município finalmente saía do campo demagógico para tornar-se realidade, em benefício de um povo castigado pelo racionamento cotidiano. “Caruaru bebeu água do rio Ipojuca”, recorda Anastácio. Com a construção do açude Cipó, da barragem de Tabocas e dos reservatórios para acumular a água, as esperanças em torno do problema secular redobravam e todos vislumbravam a retomada do que se poderia chamar

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de “dinamismo dos anos 50/60”, período de dois decênios de crescimento, que fizera do município o Eldorado do interior pernambucano. Nos anos 1970, a população de Caruaru era de quase 160 mil pessoas, das quais 125 mil habitavam o centro urbano, espalhados numa área de 40 quilômetros quadrados, ocupando 30 mil prédios e começava a se redimir de um pecado que carregou durante um século, sem saber por quê. Equacionado o problema, a solução dependeu de um grande esforço conjunto dos governos municipal e estadual, Sudene, BNH, Ministério do Interior, CAEC e Fundesp. Visionário, Anastácio sabia que a água solucionaria problemas de subsistência humana, oferecendo qualidade de vida à população caruaruense, mas era também o elemento primordial para impulsionar o setor industrial. Este, aliás, tornou-se prioridade em sua administração. Era preciso gerar emprego e renda para a população, criar oportunidades, evitar o êxodo. E o governo passou a lutar pela implantação do Parque Industrial, numa área de mais de 100 hectares, distante três quilômetros do centro urbano, na confluência de duas importantes rodovias: a BR-232, espinha dorsal do escoamento da produção no Estado e a BR-104. O açude Cipó – que receberia o nome de Antônio Menino –seria o ponto de sustentação do fornecimento de água para as indústrias. Era a primeira etapa vencida. Na divisa Caruaru-Toritama, a barragem de Tabocas era construída como sinônimo de perspectiva de crescimento, com uma área de sete quilômetros, a represar uma acumulação de 11 milhões de metros cúbicos. O prefeito amigo da cultura mostrava-se, antes de tudo, o prefeito desenvolvimentista. Sabia que o futuro do município estava, primordialmente, na implantação de sua infraestrutura. Esta, talvez, seja sua maior contribuição para Caruaru, embora poucos caruaruenses das novas gerações o saibam. Assim, Anastácio Rodrigues integrava Caruaru no panorama do Nordeste que se modificava, dotando o município de uma realidade que lhe permitia alcançar o século XXI, superando o atraso que se arrastara por anos a fio, em cidades vizinhas à Capital do Agreste, por exemplo. Antes de atrair novas indústrias, era necessário, no entanto, solucionar os problemas que afligiam aquelas já instaladas na cidade. Como a Fábrica Caroá – enfrentando uma crise que se arrastava há meses e com os operá-

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rios sem receber os seus salários – Coca-Cola, SANBRA, Boxwel. Em meio ao caos, surgia uma esperança com a disposição de um grupo econômico que pretendia adquirir a Companhia Industrial de Caruaru. Várias negociações ocorreram neste sentido, com participação direta do prefeito Anastácio, responsável por manter diálogos com o Grupo Veras e com os operários da “Caroá”, que há meses não recebiam salários e outros benefícios. A situação era tão grave que, para receber os valores a que tinham direito, os operários abriram mão de 40% de direitos adquiridos em muitos e penosos anos de trabalho. Após longas e cansativas negociações, entre proprietários e operários, o Sindicato de Fiação e Tecelagem de Caruaru e o grupo Veras decidiram reabrir a Fábrica Caroá, no dia quatro de maio. Até lá, a Prefeitura Municipal distribuiria alimentos aos trabalhadores. Anastácio, junto a outras autoridades do município, desenvolveu intenso trabalho no sentido de que a indústria voltasse a funcionar. Ao mesmo tempo, outro grave problema era solucionado na cidade: comerciantes e comerciários chegavam, finalmente, a um acordo que solucionou o problema da Semana Inglesa. Em reunião realizada na Associação Comercial, após seis horas de discussão, empregadores e empregados encontraram um denominador comum. Através de um Termo de Re-ratificação puseram fim a uma questão que se desenrolava há dois anos. O documento, contendo seis itens, permitia a abertura do comércio local, à tarde dos sábados, obrigando, porém, seu fechamento no primeiro expediente das segundas-feiras. Atendendo às reclamações de feirantes e populares, que sofriam as consequências do congestionamento de calçadas e passagens nas vias públicas pelos camelôs, o prefeito Anastácio Rodrigues determinou que todos os ambulantes que atuavam na famosa feira de Caruaru fossem relocados na Rua São Sebastião, em área específica, onde poderiam exercer sua atividade comercial. O chefe do Executivo municipal também enviou ofício ao senhor Austriclínio Côrte Real, presidente do IPSEP, solicitando o envio a Caruaru de uma equipe de funcionários da autarquia. A meta era realizar um cadastro dos servidores municipais, para que pudessem receber benefícios menos

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onerosos. Dias depois, Anastácio comunicava ao presidente dos Distritos Industriais de Pernambuco (DIPER), geólogo Luís Siqueira, que a Companhia Têxtil Industrial de Caruaru reiniciaria suas atividades. Em comemoração ao Dia do Trabalho, o superintendente do INPS em Pernambuco, João Crisóstomo, inaugurava em Caruaru um laboratório médico, dotado de uma ambulância, para atender aos trabalhadores locais, através de solicitação do prefeito. Anastácio Rodrigues, que governou muito mais para pagar dívidas do que encontrou recursos para executar sua plataforma de governo, já havia liquidado quase NCr$ 500 mil do débito deixado pela administração anterior, em fins de abril, de acordo com a assessoria de imprensa do município. As dívidas incluíam estabelecimentos bancários, a Cooperativa de Melhoramentos, responsável pelos serviços de luz, a Companhia de Águas e Esgotos de Caruaru (CAEC), o funcionalismo público e fornecedores, além do IPSEP. Mesmo assim, a dívida ainda beirava a cifra de dois milhões de cruzeiros novos e o município lutava para executar ações em determinados setores da administração, também pela queda na arrecadação. Caruaru era, culturalmente, uma cidade acostumada a não pagar impostos – moradores e empresários. A Fábrica de Caroá superou a crise financeira que mantivera suas atividades paralisadas desde janeiro e reiniciou, no dia quatro de maio, os trabalhos, recebendo de volta os 148 operários desempregados. O prefeito Anastácio Rodrigues participou do acontecimento. A Fábrica absorvia mais de 90% da produção de caroá do Estado e representava uma solução para mais de 200 famílias, que trabalhavam direta ou indiretamente para a empresa. Na reabertura, houve aglomeração de dezenas de desempregados, todos aguardando uma oportunidade para solicitar emprego. Mesmo assim, o contentamento era geral. No mesmo dia, tiveram início os trabalhos de sondagem do solo do futuro Parque Industrial de Caruaru. A Aquaplan, que ganhou a concorrência, enviou à cidade vários aparelhos técnicos para a sondagem. Em meio à crise financeira, a 5ª Região de Saúde, em parceria com a Prefeitura Municipal, executava um plano de saneamento básico nos bairros Centenário e São Francisco. O trabalho, iniciado no segundo semestre de

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1969, levava serviços à periferia que, embora financiados pelo governo, eram pagos em parcelas ínfimas pelos beneficiários. Próximo do aniversário de 113 anos da cidade de Caruaru, o engenheiro Manoel Tavares, presidente da CAEC, anunciou uma medida nada interessante: o abastecimento d’água poderia entrar em colapso, se não chovesse até o final de julho. As reservas existentes supririam as necessidades locais durante dois meses, dentro do esquema de racionamento. Por sorte, os trabalhos do açude Cipó foram concluídos, faltando apenas os serviços de complementação, com a instalação das obras hidráulicas. O novo reservatório não havia recebido água, no entanto, por falta de chuvas. Mesmo assim, a CAEC informou, naquele mês, majoração nas tarifas de água, alegando que as atuais não atendiam aos encargos da empresa. Preocupado com o setor industrial, o prefeito Anastácio Rodrigues emitiu pronunciamento, através de sua assessoria de imprensa, no qual conclamava a população a investir seus recursos disponíveis em projetos industriais ou empresas caruaruenses, em fase de reformulação industrial, apoiados pelos incentivos fiscais da Sudene. Apesar da crise, o texto não apresentava uma linha dramática, mas buscava um otimismo construtivo. Outra medida anunciada pelo prefeito foi o incentivo a futuros investidores que se propusessem a instalar fábricas em Caruaru. A fim de atender a esse objetivo, Anastácio enviou mensagem à Câmara, oferecendo isenção de tributos e taxas municipais, proporcionando condições de investimento. A expectativa de dias melhores estava relacionada à construção da barragem de Tabocas, que se levantava a passos largos, e, depois de pronta, acreditava-se, forneceria água à cidade até o ano 2000. Como o brasileiro sempre encontra um motivo para sorrir em meio às dificuldades – e os caruaruenses não podem ser exceção à regra –, a Secretaria Municipal de Educação inaugurava no dia 10 de maio de 1970 uma “nova” maneira de viver as noites de domingo, na cidade, com a volta das bandas musicais fazendo retretas, como ocorrera no passado. As sociedades musicais Nova Euterpe e Comercial foram convocadas a repetir “um passado que teima em não morrer”. Para as crianças, a Prefeitura Municipal instalou um parque de diversões na Praça do Rosário. O local passou a ser muito frequentado pela população infantil.

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Por iniciativa do prefeito Anastácio Rodrigues, a barragem Cipó recebeu o nome de Antônio Menino, numa homenagem justa àquele que foi o primeiro homem a instalar um serviço de abastecimento d’água canalizada em Caruaru. O nome foi sugerido através de ofício, entregue pessoalmente ao governador Nilo Coelho. Este aprovou imediatamente a sugestão. Anastácio cumpria, assim, uma promessa feita, muitos anos atrás, quando era apenas um menino que fazia previsões ingênuas sobre o futuro. “Eu disse ao neto de Antônio Menino, um garoto da minha idade, na redação do Jornal Vanguarda, que, se um dia eu chegasse a ser alguma coisa na minha cidade, colocaria o nome de seu avô numa rua. Coloquei na barragem Cipó”, vaticinou. A campanha pró-construção das estátuas de Ludugero e Otrope continuava em franca atividade. A direção passou inclusive a desenvolver “pedágios” por três vezes seguidas, na cidade de Caruaru, e uma em Arcoverde, onde o público recebeu a iniciativa com muita simpatia. A ideia foi levada a Palmares, Campina Grande e Garanhuns. Em 1970, a Câmara Municipal aprovava projeto enviado pelo prefeito, instituindo feriado municipal no dia 18 de maio, data do aniversário da cidade. “Caruaru era uma cidade sem símbolo, sem hino. Não havia citação ao 18 de Maio. O que existia era a bandeira e o hino do Centenário”, recorda Anastácio. Mais do que um administrador, Anastácio era mesmo um aficionado por Caruaru. Qualquer pessoa que converse com ele por alguns minutos, não custará a reconhecer o intenso amor que devota à cidade fundada por José Rodrigues de Jesus. Como todo amante, ele é também ciumento e se transforma numa fera quando vê que a terra amada está sendo mal cuidada. Quando foi prefeito, ele asfaltou importantes ruas de Caruaru. Uma delas, a Vigário Freire, no centro. Numa de suas voltas pela cidade, deparou-se com um funcionário da Companhia de Águas e Esgotos (CAEC) escavando o asfalto novinho em folha, no cruzamento da avenida Capitão João Velho com a Vigário Freire. Imediatamente, mandou o motorista Cassimiro parar o carro preto oficial. Desceu do veículo e já foi ordenando que interrompessem o serviço. Os trabalhadores, atônitos, lhe disseram que cumpriam uma ordem do Dr. Ma-

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noel Tavares, diretor da CAEC. Revoltado, Anastácio disse em alto e bom tom: “Diga ao Dr. Manoel Tavares que ele manda na CAEC, na cidade quem manda sou eu”. E não permitiu que continuassem os serviços. Fato que gerou um mal estar, contornado dias depois por ambas as partes.

Caruaru, aos 113 anos, não costumava celebrar oficialmente o seu dia, prática que o prefeito Anastácio Rodrigues tratou de corrigir, determinando ponto facultativo nos órgãos municipais e o fechamento do comércio, indústrias e escolas naquela data. Para corrigir deficiências e irregularidades no recolhimento do tributo municipal, o prefeito obrigou, por decreto, o uso do Livro de Registro Sobre Imposto de Serviço, determinando que, encerrado o movimento mensal, o contribuinte teria que fazer o cálculo do imposto a pagar. A fiscalização certamente desagradava. Em 18 de maio, o prefeito Anastácio Rodrigues, acompanhado de seus auxiliares diretos, convidados e autoridades, visitou os trabalhos da barragem de Tabocas. A caravana seguiu em ônibus cedido pela empresa Caruaruense. Oitenta por cento dos trabalhadores eram moradores da zona rural de Caruaru, conforme destacou o Diario de Pernambuco. A meta era acelerar os trabalhos a partir de junho e entregar a obra antes do fim do governo Nilo Coelho. As dívidas voltaram a assombrar o município quando a Associação Pernambucana de Servidores do Estado (APSE) decidiu solicitar ao Tribunal de Contas do Estado a não aprovação das contas de prefeituras que devessem ao IPSEP. Isto porque quase a totalidade das prefeituras pernambucanas vinha recolhendo as contribuições previdenciárias do funcionalismo, sem devolver aos cofres da autarquia. Dentro da campanha, a APSE moveu ação de interpelação judicial contra o prefeito Anastácio Rodrigues, que, perante o juiz, confessou o débito de Caruaru, alegando, porém, falta de condições financeiras para sua atualização. Em encontro com o prefeito caruaruense, os dirigentes da APSE defenderam a possibilidade de um entendimento com o IPSEP, visando um esca-

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lonamento da dívida, pelo qual Anastácio demonstrou interesse. No mês de maio, o vereador Abdias Pinheiro da Silva, do MDB, apresentou à Câmara de Caruaru projeto de lei concedendo Título de Cidadão ao governador Nilo Coelho, em agradecimento “às grandes realizações de seu governo no município”. O mês de junho trouxe consigo chuvas, que proporcionaram alívio e contentamento para os habitantes de Caruaru, que previam tempos negros com a longa estiagem, responsável por dizimar a quase totalidade da lavoura na zona rural. Embora não fossem torrenciais, as chuvas eram constantes, molhando a terra que estava ressequida. No segundo ano de governo, o prefeito Anastácio Rodrigues pretendia, a curto prazo, dar uma dinâmica ao município, devolvendo-lhe a condição de principal polo de desenvolvimento do interior pernambucano. Entendia que o Recife era o grande interessado no progresso de Caruaru, pois a presença, na capital, de empreendimentos comerciais, indústrias e serviços, implicaria, necessariamente, uma absorção de mão-de-obra que diminuiria o “inchaço” da região metropolitana, tornando a Capital do Agreste uma perspectiva de oportunidades aos que emigrassem de todo o Nordeste para a maior cidade da região. Anastácio contava com a grande colaboração do Governo do Estado, mesmo sendo oposição ao partido governista. Na Câmara, a situação também era confortável. Mas lidava com a escassez de recursos e uma crise financeira aguda. Ele conta que seu sucessor, João Lyra Filho, arrecadou, no primeiro ano de gestão, em 1973, mais do que ele conseguiu arrecadar nos quatro anos de mandato. A informação lhe foi repassada pelo contabilista e ex-prefeito Sizenando Guilherme de Azevedo, naquela época. Anastácio Rodrigues trabalhou incansavelmente para deixar a Secretaria da Fazenda estruturada e o resultado foi imediato. Hoje, o munícipe dirige-se à Secretaria para cumprir o dever de cidadão. As administrações que o sucederam estão desfrutando do que foi implantado por ele. “Ontem não se pagava o IPTU, hoje estão pagando”, compara. O prefeito, que, em seu discurso de posse, afirmou que ninguém tocaria no dinheiro público tratou ainda de cuidar da transparência na arrecadação e nos gastos do governo. Além de contar com uma assessoria de imprensa

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[1] Tabosa de Almeida, figura por quem Anastácio sempre nutriu admiração e respeito [2] João Condé e sua esposa Carmita visitam o prefeito Anastácio [3] Nilo Coelho e Costa Cavalcanti, apesar de arenistas, apoiaram Anastácio [4] O prefeito recebe, em sua casa, o amigo João Condé, que estava rompido com Caruaru [2]

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[5] Com o popularíssimo carnavalesco Chico Porto [6] Recepcionando o embaixador David Hunt [7] Casamento da irmã Cacilda Rodrigues. Dona Amélia sorridente, ao lado de Anastácio [8] Bate papo com Marcionilo Francisco [9] Anastácio folheia livros da biblioteca pessoal de Álvaro Lins, junto a militares


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[1] A Banda de Pífanos dos irmãos Biano estava em todas as inaugurações da administração Anastácio Rodrigues [2] Palanque oficial durante desfile cívico [3] Anastácio abraça Zuca Fumeiro, figura popular da Caruaru daqueles tempos [4] Urbanização da Avenida Portugal [5] Equipo móvel dentário para atender às comunidades rurais de Caruaru


[7] [6] Construção de passagem sobre o rio Ipojuca, ligando o Riachão ao Indianópolis [7] O prefeito assina documento em solenidade no cento de Caruaru. A seu lado, o secretário Carlos Toscano [8] João Condé e familiares regressam a Caruaru e são recepcionados por Anastácio [9] A Barragem Antônio Menino foi a primeira medida tomada por Anastácio para atacar o problema secular da falta de água em Caruaru [6]

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encarregada de gerar notícias sobre a administração municipal e enviá-las para as emissoras de rádio e jornais impressos da cidade, a imprensa da capital também era abastecida pelo noticiário oficial do governo. A TV Rádio Clube, Canal 6, levava ao ar para o Estado um noticiário que sempre aproveitava o material divulgado pela assessoria. Outra ferramenta utilizada por Anastácio era um programa oficial, transmitido em rede pelas três emissoras de rádio, em Caruaru: Difusora, Cultura e Liberdade – sendo a Rádio Cultura do Nordeste a geradora do referido programa. A pauta constava de um editorial, notícias sobre o dia-a-dia do prefeito e, de forma pioneira, apresentava uma prestação de contas diária da Secretaria da Fazenda. Em outras palavras, a população sabia o que entrou e saiu naquele dia, nos cofres municipais, com o correspondente saldo. O programa também enfocava as ações individuais de cada uma das secretarias municipais – embora nem todas fossem ágeis na facilitação dos dados. Um dos assessores de imprensa do governo Anastácio Rodrigues foi o jornalista José Torres. Correspondente do jornal Diário da Manhã, no Recife, onde assinava às segundas-feiras a coluna De Caruaru – José Tôrres, ele registrava a cobertura dos principais fatos relacionados ao município. “Não sei se isso serviu de alicerce para que eu passasse a integrar a equipe de Anastácio. Lembro que seu primo Celso Rodrigues mandou me chamar na Prefeitura e fui surpreendido com o convite do próprio Anastácio para ser seu assessor de imprensa”, recorda. Zé Torres afirma que dentro das possibilidades, dadas as limitações da época, conseguia divulgar a imagem do governo junto às redações e emissoras de Caruaru e do Recife. “Quando havia qualquer entrevero maior, a responsabilidade de responder cabia ao secretário de Administração, Carlos Toscano ou mesmo ao próprio prefeito”, explica. “Os arranca-rabos menores com algum companheiro de imprensa, eu mesmo tentava minimizar. O que, diga-se de passagem, não era coisa tão fácil”, entrega. Na madrugada do dia quatro de junho, o Brasil perdia um de seus maiores jornalistas e intelectuais: o crítico literário caruaruense Álvaro Lins. Acompanhado por mais de 500 pessoas, o sepultamento ocorreu às 15h35, no panteon da Academia Brasileira de Letras, no cemitério de São João Batista, no Rio de Janeiro. Antes, o corpo permaneceu em câmara ardente, na

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sede da ABL, da qual Lins era membro. Estiveram presentes diversas personalidades, entre as quais o ex-presidente Juscelino Kubitschek, de quem Álvaro Lins fora chefe da Casa Civil e embaixador em Portugal. No Recife, o falecimento de Álvaro Lins consternou os meios intelectuais. Em Caruaru, o prefeito Anastácio Rodrigues decretou luto oficial por oito dias e mandou suspender por três dias as aulas nas escolas da rede municipal. Na Assembleia Legislativa, o deputado Fernando Lyra apresentou um voto de pesar, citando que a passagem de Lins era “um acontecimento que toca a sensibilidade de todos, pois, além do renome internacional, mercê da obra duradoura que deixou, o caruaruense Álvaro Lins foi um exemplo de perseverança e de fé”. Em reunião do Conselho Estadual de Cultura, Gilberto Freyre lamentou a morte de Álvaro Lins, afirmando que “era um mestre da crítica literária no país”. Nilo Pereira lembrou o companheirismo nos tempos da Faculdade de Direito do Recife, salientando os dotes de orador do escritor caruaruense. Mauro Mota, com quem Álvaro Lins conviveu desde 1925, no Colégio Salesiano do Recife, afirmou que, naqueles tempos,tanto o crítico quanto ele apenas se preocupavam com futebol, “mas jamais passamos do banco de reservas”. Também no início de junho, o governo municipal elaborou relatório dirigido ao governador Nilo Coelho, solicitando providências de apoio financeiro à Fábrica de Caroá, da Companhia Industrial de Caruaru, recentemente reaberta, após um prejudicial período de paralisação, que afetou a economia local e os fornecedores de matéria-prima. A intenção do prefeito era que o problema fosse levado ao conhecimento do presidente Médici, através do governador, que contava com dados minuciosos e técnicos, capazes de apresentar, de modo claro e objetivo, as implicações sócio-econômicas da indústria. Quando Anastácio assumiu o governo, Caruaru tinha apenas dois semáforos: um na Rua Capitão João Velho e outro na Rua Vigário Freire. A fim de disciplinar o funcionamento das 14 praças de automóveis existentes em Caruaru, a Prefeitura Municipal decretava, pela primeira vez na cidade, uma série de medidas que determinavam locais para os pontos de aluguel e fixando o número de veículos em cada um deles, através de entendimentos

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com o Detran. A disciplina foi elemento condicional do órgão de trânsito para a liberação de 78 placas que puseram fim ao problema de atuação irregular dos motoristas de carros de praça. Ao todo, 298 veículos eram distribuídos em 14 pontos. No mês junino, o DAE iniciou os serviços de eletrificação do quarto distrito de Caruaru, por indicação do prefeito Anastácio Rodrigues, atingindo 100 propriedades rurais, nas localidades de Jacaré, Malhada de Pedras, Gonçalves Ferreira e Serra Verde. Na região do quarto distrito, estavam localizadas muitas casas de farinha, cuja produção era consumida pela cidade de Caruaru e outras praças do Estado. Na cidade, industriais estavam seriamente preocupados com o preço da energia elétrica, considerada por eles como uma das mais caras do Estado. Naquele mês, o prefeito Anastácio Rodrigues recebeu do presidente regional do INPS, João Crisóstomo, o título de “funcionário honorário” do órgão. A homenagem foi entregue durante almoço realizado na sede do Comércio Futebol Clube, quando do encerramento do curso para funcionários da autarquia. Promessas pagas no Monte do Bom Jesus, velas acesas e fogos foi o ponto alto das festas, pela conquista do tricampeonato de futebol brasileiro em 1970, no México. A comemoração do título, na cidade, foi descrita pelo jornalista Antônio Miranda, correspondente do Diario de Pernambuco: “Caruaru quase pegava fogo, com a vitória do Brasil. Na Rua da Matriz, centro de todas as festas e palco das alegrias dos caruaruenses, milhares de bombas explodiram, provocando espessa nuvem de fumaça em quase toda a artéria. Milhares de pessoas pulavam e gritavam. Grupos de rapazes e moças, vestindo roupas verde-amarelas e conduzindo exemplares da Bandeira Nacional, cantavam músicas carnavalescas e o hino da Copa. Centenas de automóveis, conduzindo bandeiras de todos os tamanhos, circulavam pelas ruas. Homens e mulheres jogavam talco e outros pós. Algumas pessoas, semi-embriagadas, deitavam-se na via pública, sob as vistas apreensivas dos policiais que toleraram os excessos de alegria dos caruaruenses. Estudantes de vários colégios saíram às ruas empunhando bandeiras, faixas e bandas de música. A Escola de Samba Palmeira, comandada por Lula, desfilou nas avenidas Deputado Henrique Pinto e Rio Branco. O Comércio Futebol Clube fes-

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tejou carnavalescamente, realizando um baile à noite, com a presença de milhares de pessoas. Na sede do Comércio, todo mundo dançava e cantava, ostentando bandeirolas e símbolos da Canarinha”. Acompanhando a onda de notícias positivas, o Diper anunciou que financiaria a construção das unidades fabris que desejassem se transferir da área urbana para o Parque Industrial de Caruaru, dentro do programa de apoio à pequena e média empresa, a ser desenvolvido pelo órgão estadual. O financiamento seria pago a longo prazo, com isenção total de juros e correção monetária. Mas, nem tudo era sinônimo de perfeição, e, como todo governo, Anastácio enfrentou uma oposição ferrenha na Câmara Municipal. Numa das sessões legislativas, o vereador arenista José Carlos Rabelo teceu críticas à administração, “pela falta de um plano na aplicação financeira dos recursos orçamentários” e “pelos gastos supérfluos, com despesas que não são prioritárias”. Rabelo asseverou que o município deveria sustar as “despesas promocionais” que vinha realizando, a fim de melhorar a situação do funcionalismo público, atrasado em meses nos seus recebimentos. O atraso dos salários dos servidores foi um calo que acompanhou o governo Anastácio, algo que ele define como “maldita herança da administração Drayton Nejaim”. O prefeito encaminhou solicitações de empréstimos às agências da cidade. A garantia seria o ICM, mas todas elas negaram. No início de julho, a Companhia de Água e Esgotos anunciou que racionaria o sistema de abastecimento, havendo a possibilidade de Caruaru sofrer total falta d’água, caso não chovesse o suficiente para reabastecer os mananciais em 30 dias. Para evitar um colapso, a Companhia iniciou o bombeamento de água para o açude de Barra de Taquara, que fornecia 50% do consumo local. A água vinha do açude Bitury, de Belo Jardim, através do rio Ipojuca. Alguns dias após o sepultamento do crítico literário Álvaro Lins, o prefeito Anastácio Rodrigues enviou à Câmara projeto sugerindo a mudança do nome do Colégio Municipal, que se chamava Lia Salgado, para Álvaro Lins. Na mensagem, o chefe do Executivo informava que a denominação “Lia Salgado” ao estabelecimento de ensino mereceu a contestação do então prefeito Sizenando Guilherme de Azevedo, que vetou a decisão do deliberativo local, na época.

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A Câmara, entretanto, derrubou o referido veto e, posteriormente, o prefeito João Lyra Filho, sucessor de Sizenando, sancionou o projeto. Anastácio acrescentou que a intenção do governo municipal não era “menosprezar pessoa alguma, nem desvalia a méritos ou qualidades pessoais”. E acrescentou: “Anima-nos apenas a intenção de homenagear um filho de Caruaru, que se salientou no cenário intelectual do Brasil, tornando-se o maior crítico literário de sua época”. Enquanto as atividades de eletrificação de comunidades rurais estavam em andamento, o prefeito Anastácio Rodrigues anunciava a aquisição de um equipo móvel dentário e a construção de 10 novas unidades escolares para o homem do campo, com verbas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Na cidade, os bairros João Mota e Cedro recebiam os serviços de iluminação da Cooperativa de Melhoramentos. O Cedro foi beneficiado com um novo transformador e todos os postes de madeira substituídos por outros de cimento. As rendeiras do Cedro, consideradas pelo Departamento de Turismo uma das mais importantes atrações de Caruaru, estavam diante de novas e boas perspectivas. A reforma na rede de baixa tensão do bairro onde se encontravam as famosas artesãs ajudou-as a fazer artesanato sem prejudicar a vista, durante os serões. Apesar da campanha de vacinação empreendida pela 5ª Região de Saúde, com quase três mil aplicações, a difteria vitimou 52 crianças até a metade do ano de 1970 em Caruaru. Na segunda quinzena de julho, choveu ininterruptamente na cidade, durante 52 horas. O prefeito Anastácio Rodrigues visitou as obras das barragens Cipó e Taquara, que foram paralisadas por conta das chuvas torrenciais. A alegria voltava a reinar entre a população, principalmente os criadores de gado. Isto porque os mananciais de Taquara e Serra dos Cavalos, responsáveis pelo abastecimento, estavam completamente cheios. A barragem Antônio Menino, embora não estivesse concluída, já reservava o total de sua capacidade, que era de 600 metros cúbicos. No final de julho, a agência local do IBGE requisitava mais de 150 jovens, estudantes de nível médio ou superior, para os trabalhos de recenseamento no município, com apoio da Prefeitura Municipal. As atividades eram co-

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ordenadas pelo agente censitário do município, o professor Amaro Matias e o Leocádio Claudino, funcionário do IBGE. Ao mesmo tempo, a Câmara aprovava, em segunda e última discussão, o Projeto nº 2.831, enviado pelo Executivo, oferecendo incentivos fiscais às indústrias em reestruturação, reabertura ou que viessem a ser instaladas em Caruaru. A medida beneficiava ainda as empresas apoiadas pela Sudene e aquelas construídas com recursos privados. O Legislativo municipal aprovou também dois outros projetos: o de nº 2.382, que regulamentava o funcionamento da Semana Inglesa– após o acordo proposto por comerciantes e comerciários, sem anular as multas para os infratores; e, por 6 a 5, o outro que denominava Álvaro Lins o nome do Colégio Municipal, nome que permanece até os dias atuais. A implantação do cadastro imobiliário, abolindo o velho e injusto sistema de cobrança do IPTU, levou o prefeito Anastácio a realizar uma série de palestras nas escolas e entidades para orientar a população sobre a importância do tributo. O imposto predial, em Caruaru, não pesava de maneira alguma na receita orçamentária do município. A cobrança era descurada e não possuía uma sistemática que orientasse o contribuinte para a sua efetivação. Anastácio, alertando para o fato e pressionado pelas circunstâncias, tendo em vista a necessidade de recursos para dinamizar a administração, resolveu colocar a questão em termos realísticos e contratou uma empresa especializada para fazer a medição dos imóveis e determinar o valor venal. O trabalho demorou alguns meses e custou aos cofres do município 200 mil cruzeiros. Concluído o serviço, o preço subiu 500, 1.000 e até 1.500 por cento, merecendo o protesto quase unânime da população. Anastácio reconhecia que essa era a única forma de retirar a administração da realização de pequenos serviços que quase nada representavam diante da plataforma prometida ao povo durante a campanha. “Não estou exorbitando, pratico justiça, no processo de reavaliação dos imóveis, corrigindo distorções”, defendia-se. Esclarecia ainda que se valeu da Lei federal nº 5.172, de 26 de dezembro de 1966, taxando corretamente os imóveis. Mesmo assim, não deixara de atender a quantos o procuravam, dizendo-se injustiçados ou mostrando-

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-se inconformados com a medição ou taxação do seu imóvel, reparando os erros quando haviam ou persuadindo o contribuinte, quando contrário, a ajudar o governo a construir a Caruaru do amanhã. Para a população que reclamava o aumento na cobrança do imposto predial, o secretário da Fazenda Municipal, Edson Barros, anunciou que os proprietários de um só imóvel residencial, receberiam um desconto de 50% no tributo a ser pago. A medida foi tomada com base no que estabelecia o Código Tributário do Município. “Eu tomei uma medida antipopular ao medir casas e aumentar o IPTU”, reconhece Anastácio, acrescentando ser necessária, pois “havia uma injustiça fazendária”. Como resposta às ações do prefeito, adversários tratavam de promover ações para desestabilizar o governo. Numa das armações, cortaram os fios do sistema de telefone da prefeitura. Anastácio chamou a polícia até o local, mas por falta de provas não pôde levar a acusação adiante e mandou consertar o prejuízo. “Aos inimigos de Caruaru a minha resposta foi o trabalho”, cita, ao relembrar o episódio. Impulsionar o desenvolvimento de Caruaru em tempos de intensa sonegação de impostos e ínfima arrecadação tributária não era tarefa nada fácil. Mas, através do arroubo de palavras entusiastas o prefeito conseguia contagiar a população, mesmo com parte da Associação Comercial não o enxergando com bons olhos. Com a cobrança do IPTU e impostos menores, como a arrecadação da feira livre (onde havia muitos desvios), Anastácio iniciou um processo de recuperação da máquina arrecadadora. Por outro lado, sofreu as consequências de uma política rasteira dos tempos dos caciques políticos. Na cidade, era comum ouvir, sobretudo entre membros da elite, o mesmo comentário: “Eu não votei em Anastácio, portanto, só vou pagar IPTU quando o meu candidato voltar a governar o município”. Um dos grandes desafios do prefeito emedebista configurava-se exatamente no combate a uma política atrasada e que só prejudicava a comunidade.

A mudança do nome dado ao Colégio Municipal de Caruaru gerou repercussão na imprensa pernambucana, com pontos de vista antagônicos. O Di-

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ário da Manhã publicou editorial, em 10 de agosto de 1970, questionando a homenagem ao crítico literário, classificando-a como “um arranjo, uma placa de tinta fresca no lugar de outra já velha”. Para o periódico, Lins merecia ser nome de avenida, bairro, biblioteca, teatro ou colégio, contanto que fosse “novo, firme para nunca mais ninguém mudar”. Um dia antes, o jornalista e professor Mauro Mota, amigo de Álvaro Lins desde os tempos do ginasial no Colégio Salesiano do Recife, elogiava o prefeito Anastácio Rodrigues, em artigo publicado pelo Diario de Pernambuco, por ter denominado o Colégio Municipal com o nome do escritor que, para ele, foi “um grande caruaruense, um grande pernambucano e um dos maiores brasileiros deste século”. Na cidade, as opiniões também estavam divididas. Uns achavam que o prefeito praticara gesto de alta compreensão para com um dos maiores filhos da terra, enquanto outros o acusavam de insensibilidade por retirar, “à toa”, do educandário municipal, o nome da cantora lírica Lia Salgado, esposa do ex-deputado e Ministro da Educação, Clóvis Salgado. Foi ele o responsável pela liberação da verba para construção do colégio, durante o governo Juscelino Kubistchek. Em meio à polêmica, a família do escritor enviava mensagem de agradecimento ao prefeito pela homenagem. Quando algumas pessoas justificavam que Lia foi uma exímia pianista, Anastácio respondia, taxativamente: “Mas não era filha de Caruaru”. Mesmo com as alterações no projeto da Semana Inglesa, a celeuma entre governo municipal e Associação Comercial continuava na cidade. Fiscais permaneciam multando os empresários que descumpriam as normas, a ponto de o vereador Bezerra do Amaral tecer críticas à gestão na Câmara de Vereadores. “Caruaru, será, talvez, no mundo, a única cidade onde trabalhar é coisa feia”, disse, com certo exagero. Na Assembleia Legislativa, o deputado estadual Fernando Lyra (MDB), líder da oposição, criticou a redução de 8% no Fundo de Participação dos Municípios, fazendo apelo ao presidente da República e aos ministros do Planejamento e Fazenda para modificarem os critérios de diminuição dos índices, de 20 para 12 por cento. Lyra disse que a medida era responsável pelo atraso do pagamento de funcionários nas prefeituras pernambucanas. “Delfim Netto cortou o FPM em 50%. Um desastre”, avalia Anastácio.

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Na manhã de 21 de agosto, Caruaru recebeu o futuro governador do Estado, o ministro do Superior Tribunal Militar do governo Costa e Silva, Eraldo Gueiros Leite, para um primeiro contato com as lideranças locais, após a homologação de seu nome pela Arena. Depois de ter visitado Canhotinho, Águas Belas, Jupi, Lajedo, Garanhuns, São Caetano, Belo Jardim e Arcoverde, Eraldo chegou a Caruaru, sem esconder as preocupações que desde já dominavam seu espírito, diante da responsabilidade que assumira, após a indicação para o cargo. A visita a Caruaru começou na residência do ex-vereador José Liberato, então diretor da Associação Comercial e candidato a deputado estadual, onde a comitiva fez a primeira refeição. Em seguida, rumou para as Faculdades de Direito e Odontologia, sendo recebida pelo deputado federal Tabosa de Almeida. Eraldo Gueiros percorreu todas as instalações da instituição, inclusive o campus universitário, prestes a ser inaugurado. Ainda em Caruaru, o futuro governador conseguiu reunir todas as correntes políticas num encontro no auditório da Rádio Difusora: Drayton e Aracy Nejaim, Tabosa de Almeida, José Liberato e o prefeito Anastácio Rodrigues. Este último fez chegar às mãos de Eraldo Gueiros, ainda na visita às Faculdades de Direito e Odontologia, um substancioso relatório, contendo as necessidades de Caruaru e citando as obras em andamento. Na ocasião, Eraldo Gueiros parabenizou-o por ter determinado a volta da feira para o seu lugar primitivo. Como anfitrião, Anastácio achou por bem ir ao encontro com as lideranças, no auditório da Difusora. Mas estava convicto de que não seria bem recebido no terreno adversário. Ao chegar, o prefeito viu o auditório lotado de pessoas interessadas em ouvir o futuro governador. Enquanto caminhava, Anastácio foi vaiado mais de uma vez. Mesmo assim, não se deixou abater. “Os que me vaiaram, instigados por certas e falsas lideranças, ignoravam que já estava recomendado pelos amigos José de Pontes Vieira e os irmãos Condé, amigos do Dr. Eraldo, grande figura humana, que se tornaria um ‘amigo meu’”, revela Anastácio. Eraldo Gueiros chegou a Caruaru acompanhado pelo vice-governador escolhido, professor Barreto Guimarães, dos candidatos ao Senado Federal, Paulo Pessoa Guerra e Wilson de Queiroz Campos, e dos deputados Augusto Novaes, Ênio Guerra, Edmir Régis e Edson Cantareli.

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Falando no auditório da Rádio Difusora, o ministro afirmou que refez, nos últimos dias, um roteiro sentimental ao chão de sua infância e adolescência, andando por aquelas estradas, nos antigos ônibus, as tradicionais “sopas”. “Nas peregrinações como promotor, aprendi a amar Caruaru e a grandiosidade do seu povo. Eu precisarei de Caruaru no meu governo. Não permitam que nossa fidelidade seja traída”, pediu Eraldo. Em determinado momento das manifestações prestadas ao futuro governador, Drayton Nejaim e Tabosa de Almeida – inimigos pessoais e políticos – quiseram colocar, ao mesmo tempo, água no copo em que se servia Eraldo. Aconteceu, porém, que o copo virou e a água caiu sobre a mesa, molhando a toalha. Eraldo Gueiros interpretou o fato como uma possível união dos dois políticos, “que poderiam misturar-se, como misturadas ficaram as águas derramadas na mesa, por ambos”. Fato que jamais se consumou, como mostra a História. Após a reunião, a caravana foi recebida pelo casal Drayton e Aracy, na Fazenda Pedra Verde, onde almoçou, antes de regressar ao Recife.

Em agosto de 1970, José Condé, aos 53 anos, lançou no Rio de Janeiro, TempoVida Solidão, retomando a linha interrompida em Vento do Amanhecer em Macambira, com duas novelas passadas na zona do cais do porto, em Recife, apresentando a mesma temática: solidão. “É o meu sétimo ou oitavo livro, não sei. Tenho preguiça de escrever. Em geral, sento na máquina, levanto, fumo, passeio, até engrenar e disparar. Meus personagens têm muito pouco a ver com o real. Na verdade, são formados de pedaços de pessoas, lembranças de experiências, sentimentos”, disse o romancista à imprensa da época. “Trabalho com meus instrumentos, na minha tenda. Não procuro seguir nenhum modismo, faço o que sei fazer”, revelou, destacando a pessoalidade de seu estilo. Pernambucano de Caruaru, “minha infância até hoje está presente”, assegurava; estava casado pela segunda vez – “Tenho três filhos e dois cachorros”. Formado em Direito, José Condé nunca exerceu a atividade. Tinha livros publicados em Portugal, Bélgica e Alemanha, onde Pen-

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são Riso da Noite: Rua das Mágoas foi lançado pela maior editora de livros de bolso de Munique. José Condé não via, naquela época, possibilidades de o escritor profissionalizar-se totalmente no Brasil. “São poucos os que sobrevivem. Temos sempre de andar paralelos com outra profissão”, criticava. Em fins de agosto, o jornalista José Torres, em reportagem publicada pelo Diário da Manhã, questionava o fato de o DNOS não haver iniciado as obras de construção do Canal do Salgado, conforme anunciara meses antes. “Sabe-se que o projeto foi devidamente aprovado. Então, o que está faltando para o início dos trabalhos? Verbas? Esperamos que as autoridades expliquem o que realmente está havendo”, incitou. O prefeito Anastácio Rodrigues foi a primeira autoridade municipal a ser entrevistada pela equipe responsável pelo recenseamento. Já às 6h20 do dia 1º de setembro, encontrava-se na prefeitura, aguardando a chegada do senhor Leocádio Claudino de Oliveira, funcionário da agência local do IBGE, designado para entrevistá-lo. Logo em seguida, o prefeito viajou ao Recife, para audiência com o governador Nilo Coelho. Em entrevista ao Diario de Pernambuco, de 10 de setembro, Anastácio comentou as dificuldades enfrentadas por sua administração, citando que o maior desafio era equilibrar as finanças da prefeitura. Sabia que o imposto é a moeda do governo. “Ou melhor, a falta de dinheiro para administrar. O imposto predial, que muito poderia ajudar, infelizmente não vem sendo bem entendido pela maioria dos caruaruenses. No ano passado, foram arrecadados 330 milhões de cruzeiros, numa população de aproximadamente 150 mil habitantes, o que é muito pouco. O imposto predial teve que ser aumentado. Essa medida trouxe uma política negativa. Ganhei antipatia. Mas não poderia ficar de braços cruzados diante de tanta injustiça. Enquanto alguns pagavam muito, outros quase nada. De julho para cá, quando começou a vigorar o decreto, observase que os mais humildes são exatamente aqueles que mais colaboram, pagam em dia”. O prefeito considerou também as críticas: “Como homem de imprensa que fui, entendo isso. Sei receber críticas. Sempre fui um homem de oposição, por isso, acho que uma boa administração

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não é aquela que o prefeito tem a maioria na Câmara. O administrador precisa ser criticado. Isso faz bem. A crítica é uma advertência. Entretanto, procuro evitar polêmicas. O político tem manhas, truques e outras mágicas. Eu não sei fazer isso. Procuro realizar uma boa administração, ser um bom administrador. E é só”. A declaração de Anastácio demonstrava o que aliados, adversários e observadores da política caruaruense iriam sacramentar: ele era mais gestor do que político. E por não dominar “as manhas e truques”, o prefeito terminaria o governo mergulhado numa crise de bastidores curiosamente provocada pelos próprios aliados. Sem manejo para controlar as dissensões, iria romper com seu grupo político e, mesmo sem saber, pôr fim a uma promissora trajetória política. A intransigência em relação ao zelo com a coisa pública transformaria em coadjuvante o prefeito que teve tudo para ser um dos grandes protagonistas da História política de Caruaru.

Um movimento intitulado Os Vigilantes iniciou, em Caruaru, uma campanha para boicotar candidatos forasteiros à deputação estadual ou federal, nas eleições de 15 de novembro de 1970. Os integrantes não queriam combater ou apoiar qualquer candidato de Caruaru, da Arena ou do MDB, mas advertir o povo para que não votasse em candidatos de fora, que nenhum benefício traziam à cidade, depois de eleitos. Em 17 de setembro, o promotor público Pedro Callou, representante do governador Nilo Coelho, assinou escritura de doação do Campo de Monta ao município de Caruaru, no gabinete do prefeito Anastácio Rodrigues. Este, ato contínuo, autografou o texto, que repassou ao patrimônio municipal terreno de 133 mil metros quadrados, nas proximidades do aeroporto, possibilitando à Secretaria de Agricultura um espaço maior do que o ocupado no centro da cidade, para o desenvolvimento de atividades experimentais. Na ocasião, o prefeito Anastácio Rodrigues anunciou que, tão logo fosse terminada a exposição de animais, que ocorreu de 21 a 25 de outubro, no local, a Prefeitura Municipal começaria a urbanizar o espaço. Três dias de-

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pois, Anastácio inaugurava os novos sistemas de iluminação pública de 39 ruas localizadas na área central da cidade, através do convênio entre o município e a Cooperativa de Melhoramentos. Naquele mês, a Justiça Eleitoral também determinou os horários entre 15h e 16h e, novamente, das 20h às 21h, para que os candidatos do MDB e da Arena fizessem sua propaganda eleitoral, através das três emissoras de rádio de Caruaru. No dia 11 de outubro de 1970, consolidava-se, através do decreto-lei nº 278, publicado no Diário Oficial do Estado, a doação do Campo de Monta, uma das maiores conquistas do governo Anastácio Rodrigues. No passado, a área era uma chácara pertencente a Nozinho de Freitas. Agora, o patrimônio do município estava enriquecido com uma área de 133.158,87 m2, num valor inestimável. Mesmo assim, contou com protestos de alguns caruaruenses. Entre os que lutaram para impedir que fosse concretizada, estava João Boiadeiro, que assumiria a secretaria de Agricultura no governo Eraldo Gueiros Leite. João era sobrinho do ex-prefeito Pedro de Souza. Anastácio recorda que no dia seguinte à doação, João Alfredo, agrônomo responsável pelo Campo de Monta, chegou a seu gabinete acompanhado por um colega. De forma grosseira, perguntou ao prefeito quando ele iria se mudar para o chalé que havia naquela área. O agrônomo estava irritado porque ele e sua família viviam naquele imóvel. Secamente, Anastácio respondeu que nunca iria se mudar para lá. “Eu não pedi o Campo de Monta a Dr. Nilo para morar em chalé, pedi para Caruaru”, disse o prefeito, com cara de poucos amigos. Caruaru sediou, no início de outubro, o XIX Congresso Médico Estadual de Pernambuco, promovido em parceria com a Sociedade de Medicina local. Ao mesmo tempo, o presidente do IPSEP, engenheiro Austriclínio Côrte Real, propôs ao Conselho Deliberativo da autarquia um plano de interiorização efetiva, que consistia na criação de sete novas unidades, cobrindo as demais cidades do interior. Caruaru estava entre os municípios selecionados. Naquele período, o Diario de Pernambuco insinuou que a morosidade em relação às obras de construção do Canal do Salgado, em fase pré-eleitoral, teria implicações políticas. “O DNOS parece estar protelando a construção, não obstante tenha a Prefeitura Municipal se responsabilizado pe-

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las indenizações exigidas pelo referido departamento”, justificava o texto, acrescentando que “fontes dignas de crédito afirmam que a verba teria sido liberada pelo governo, mas questões de ordem política têm prejudicado o início das obras”. Acontece que o Ministério do Interior, ao qual o DNOS era subordinado, tinha como titular o ministro Costa Cavalcanti, ligadíssimo a Drayton Nejaim. A obra havia sido uma promessa de Costa Cavalcanti, quando candidato a deputado federal, no pleito de 1966. Logo, passou-se a considerar que o ex-prefeito tivesse algo a ver com o entrave. Com seus direitos políticos suspensos, Drayton não iria disputar qualquer cargo nas eleições de novembro, mas estava empenhado na campanha de reeleição de sua esposa, Aracy, à Assembleia Legislativa do Estado. Em Caruaru, o ex-prefeito não apoiou candidato a deputado federal, naquela eleição. Apenas recomendava os que pertencessem à Arena. Com o objetivo de aumentar a audiência dos programas eleitorais, o MDB contratou a miss Caruaru 70, Suzana Oliveira, para entrevistar os candidatos no guia. Aos 19 anos, a bela garota de cabelos longos surgia no vídeo, apresentando e entrevistando os candidatos. Durante o período eleitoral, repercutiu bastante a decisão do deputado Tabosa de Almeida de não mais disputar a reeleição. Todos passaram a indagar sobre a continuidade da obra educacional e cultural que Tabosa idealizou e implantou, através das Faculdades de Direito e Odontologia e do Centro de Assistência Social que o político mantinha em Caruaru. “Dr. Tabosa me disse que morava num avião e visitava a família, e que estava cansado”, recorda Anastácio. Em meio à polêmica no aumento do IPTU, o prefeito Anastácio Rodrigues decidiu enviar à Câmara projeto de lei isentando os funcionários municipais que fossem proprietários do imóvel em que residem e viúvas, reconhecidamente pobres, do pagamento do imposto predial. Com o encerramento dos trabalhos censitários no município, dados apontaram que, numa população de 100 mil habitantes, 46 mil eram homens e 54 mil mulheres. Na zona rural, houve equilíbrio. Das 40 mil pessoas residentes no interior, 49,5% eram homens e 50,5% mulheres. A diretora do Departamento de Turismo, Luísa Maciel, anunciava, du-

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rante a campanha eleitoral, que o II Festival Folclórico de Caruaru estava marcado para o período de 22 a 29 de novembro, no Clube Intermunicipal, com apoio da Empresa de Turismo de Pernambuco (Empetur). E os vereadores Gilberto Galindo e Abel Ambrósio oficializavam à direção municipal do MDB o cancelamento de suas filiações partidárias, para apoiar candidatos arenistas à Assembleia Legislativa e à Câmara Federal. Os dois também romperam com o prefeito Anastácio. O deputado Fernando Lyra, líder do partido, ao analisar o caso, disse que “com essa atitude eles prestaram um serviço relevante ao MDB, que desde muito tempo luta para limpar o partido”. A saída espontânea – concluiu – apenas antecipou uma expulsão que deveria ocorrer após as eleições. Lyra também criticou uma particularidade dos políticos arenistas. “Há quatro anos passados o maior homem de Pernambuco, para eles, era o atual governador. Hoje, é o futuro governador e daqui a quatro anos não será mais ele, mas o próximo”, ironizou. O Dia de Finados, em Caruaru, naquele distante 1970, foi comemorado com a inauguração de uma nova capela, construída pelo governo municipal, no Cemitério São Roque, onde estão sepultadas figuras importantes da História do município. A capela, de traçado arquitetônico em estilo neogótico, foi erigida em trabalho coordenado pela Secretaria de Obras, com base em projeto do arquiteto Jonas Arruda, para substituir a antiga, destruída pelo tempo e pelo descaso administrativo. Na zona rural, o prefeito inaugurava um cemitério de 900 metros quadrados, no povoado de Lajes. No dia dedicado aos mortos, o jazigo do Coroné Ludugero foi o mais visitado, no cemitério Dom Bosco, conforme registrou o Diario de Pernambuco, deixando em segundo plano o túmulo do Mestre Vitalino, outro ícone da cultura caruaruense, também sepultado no local. Em novembro, o governo municipal dava prosseguimento ao seu programa de assistência à zona rural, com a construção de um açude em Serrote dos Bois, num total de 30 mil m3. A obra beneficiaria também o setor produtivo da área agrícola. Outra notícia importante ao homem do campo: o prefeito Anastácio Rodrigues declarou que os três tratores recebidos da Missão Suíça de Ajuda ao Exterior, serviriam exclusivamente para a zona rural, onde as necessida-

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des de mecanização da lavoura eram evidentes, carecendo de uma expressiva contribuição da Prefeitura. A decisão foi recebida com entusiasmo pelas lideranças do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Na cidade, um montante de duzentos mil cruzeiros foi investido na iluminação pública, em menos de um ano de validade do convênio celebrado entre a Prefeitura Municipal e a Cooperativa de Melhoramentos. “Demos um banho de luz na cidade, com lâmpadas a vapor de mercúrio. Investimos na modernização dos postes. Comprávamos o material numa empresa de Garanhuns, chamada F. Moraes. Naquele período, Caruaru foi considerada uma das cidades mais iluminadas do interior do Nordeste”, ressaltaria, Anastácio, muitos anos depois. Os números apontavam que mais de 2.500 lâmpadas, de vários tipos e voltagens foram instaladas na cidade; um total de 380 postes levantados e estendidas linhas numa extensão superior a 300 quilômetros, utilizando 12 toneladas e meia de cobre. Também foram distribuídos gratuitamente mais de 500 medidores de corrente para os consumidores de baixa renda, cedidos mediante assinatura de termo de responsabilidade. Todos na cidade falavam bem da interventoria federal na Cooperativa de Melhoramentos, mas consideravam um equívoco o preço da tarifa de energia. Por isso, importantes indústrias resolveram instalar caldeiras a óleo como solução para o barateamento da sua produção e assim poderem competir no mercado. A solução – para muitos – estava na encampação do serviço de energia elétrica pela Celpe. Assim, a categoria industrial tratou de preparar circunstanciado memorial analisando o problema e sugerindo a proposta ao futuro governador, Eraldo Gueiros Leite.

Os comícios arenistas reuniam grande número de pessoas, nas eleições de 1970, preocupando os candidatos do MDB. Os oposicionistas programaram para o dia sete de novembro o grande ato da campanha, no bairro do Salgado. O comício reuniu o deputado estadual Fernando Lyra (candidato à Câmara Federal pela primeira vez), o deputado federal João Lyra Fi-

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lho (que não disputou a reeleição), além de Abdias Pinheiro e José Rocha, candidatos locais à Assembleia Legislativa – todos apoiando para senador José Ermírio de Moraes. O prefeito Anastácio recebeu Ermírio e o apoiou. Caruaru tinha mais eleitores do sexo feminino do que masculino, já naquelas eleições. Dos 39.983 eleitores inscritos, 19.768 eram mulheres, enquanto os homens totalizavam 19.215, distribuídos em 134 seções. Do lado arenista, os candidatos a deputado federal eram Luiz Torres e Antonio Geraldo Guedes. Para estadual: Aracy Nejaim, José Antônio Liberato e João Guilherme de Pontes Neto. Dias antes das eleições, o prefeito Anastácio Rodrigues anunciou que o Governo do Estado iniciaria em breve a construção do Terminal Rodoviário de Caruaru, na entrada oeste da cidade. Pela primeira vez, na História da cidade centenária, seria erguido um espaço para disciplinar o escoamento de centenas de veículos que compunham o complexo esquema de transporte coletivo intermunicipal. Anastácio assinalou que a imediata construção do terminal era fruto do empenho direto do governador Nilo Coelho. Para tal, o município desapropriou um terreno de 50 mil metros quadrados para entregar ao DER, tendo em vista a ocupação de área idêntica pelo Deterpe. A Câmara aprovou, em segunda e última discussão, a mensagem do prefeito, que solicitava autorização para doar ao DER o terreno de quatro hectares, para construção do terminal. A área doada ficava situada nas proximidades do viaduto, no cruzamento das BRs 232 e 104 e serviria para a construção do escritório e oficinas da 3ª RCM, do Departamento de Estradas e Rodagens. A doação, em regime de urgência, possibilitou o início imediato da construção do Terminal Rodoviário de Caruaru, em terreno que pertencia ao patrimônio do DER. O resultado das eleições de 15 de novembro de 1970 mostrou a força da Arena em Caruaru, com Aracy Nejaim e o jornalista Luiz Torres sendo os mais votados, para deputado estadual e federal, respectivamente; além de revelar a preferência do eleitorado pelos candidatos da terra. Aracy continuava como a única representante da mulher pernambucana na Assembleia. Fernando Lyra conquistava seu primeiro mandato de deputado federal. O vereador José Rocha, que não conseguiu eleger-se deputado estadual

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pelo MDB, criticou o ex-prefeito João Lyra Filho por negar apoio aos candidatos locais e pedir votos para “forasteiros” como Jarbas Vasconcelos e Carlos Guerra. O MDB também não conseguiu eleger José Ermírio de Moraes para o Senado, cuja campanha ficou concentrada na capital, esquecendo o interior do Estado. Para assinar o contrato de financiamento do Plano de Ajuda Mútua e inaugurar a agência local do IPSEP, o governador Nilo Coelho esteve em Caruaru no dia 18 de dezembro de 1970. Nilo veio acompanhado pelos presidentes Austriclínio Côrte Real, do IPSEP, e Aristophanes Pereira, do Bandepe, além de secretários de Estado. A unidade, localizada na Rua Duque de Caixas, nº 93, era uma antiga reivindicação dos servidores estaduais residentes na cidade, que se dirigiam ao Recife sempre que necessitavam de algum serviço. A rapidez com que se instalou a unidade em Caruaru era mais um comentário positivo naquele contexto. Durante a solenidade, o prefeito Anastácio fez um discurso que emocionou o governador. Na ocasião, Nilo Coelho disse que “se não fosse um homem acostumado a certas investidas, talvez fosse traído pela emoção”. O ano terminaria com a assinatura do contrato de financiamento do Plano de Ajuda Mútua, num montante inicial de 300 mil cruzeiros, incluindo inicialmente 27 ruas. O projeto era uma importante solução para o problema de urbanização, já que possibilitava um novo esquema de ação no setor, sem exigir muitos recursos do orçamento municipal deficitário – tendo em vista que boa parte dos trabalhos era financiada diretamente pela população. Ainda durante as solenidades, Nilo Coelho anunciou a instalação de mais um ginásio estadual em Caruaru – o terceiro mantido pelo Estado –, com funcionamento já no ano seguinte. Nascia, ali, o colégio Nicanor Souto Maior. No final de 1970, a Prefeitura Municipal informava à população sobre a ampliação do Colégio Municipal Álvaro Lins, ofertando, no ano subsequente, 1.500 vagas, e com a novidade da implantação do Curso Técnico de Contabilidade, o único gratuito da cidade. Se 1970 começou com a notícia de mau presságio, terminaria com a melhor informação que a população poderia receber: a partir da segunda quinzena de janeiro de 1971, os caruaruenses teriam água, diariamente, em suas torneiras, através da utilização da barragem Antônio Menino.

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No início dos anos 1970, as estradas do progresso de Caruaru continuavam sendo construídas através da parceria entre os governos estadual e municipal. Em janeiro de 1971,

o Detran apresentou ao prefeito Anastácio Rodrigues e ao secretário municipal de Obras, Airton Bezerra Lóssio um esboço das bases de um novo plano de trânsito na cidade, priorizando a instalação de um posto do órgão em Caruaru. No dia dois, a Câmara elegia sua nova Mesa Diretora, que ficou assim composta: José Araújo (presidente); Severino Afonso Filho (1º vice-presidente); Ambrósio Rodrigues (2º vice-presidente); Antônio Bezerra do Amaral (1º secretário) e José Florêncio de Sousa (2º secretário). Ao contrário do que existia até pouco tempo, quando a administração municipal era combatida exacerbadamente, observava-se um ambiente de alta compreensão naquele período, porquanto a maioria dos componentes do deliberativo compreendeu que o radicalismo em nada beneficiava os interesses da comunidade. Assim, o prefeito Anastácio contava com apoio e a boa vontade de 10 dos 12 vereadores que compunham a Câmara Municipal. Mesmo tendo minoria, jamais perdeu eleição da mesa. “Fiz todas elas sem subornar vereadores”, assegura. Mas o fantasma da escassez de recursos continuava batendo à porta da prefeitura e, naquele início de ano, o Sindicato dos Professores de Pernambuco recebia denúncias de que o Colégio Municipal de Caruaru estava em atraso com seus professores, referente aos meses de novembro e dezembro, além do 13º salário. O governador Nilo Coelho esteve em Caruaru, num sábado de janeiro de 1971, acompanhado de Eduardo Albertal, representante da ONU no Brasil, que visitou a feira e ficou impressionado com os bonecos de barro. A visita ocorreu poucos dias antes de o governador retornar oficialmente com uma importante missão. Três bandas de música, uma banda de pífanos e os bacamarteiros do “capitão” Emídio saudaram o governador, na manhã de 18 de janeiro, durante a inauguração da barragem Antônio Menino, que Nilo Coelho oportunamente chamou de “barragem espera”. Nilo chegou acompanhado por grande comitiva de secretários e direto-

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res de autarquias. O espaço ficou lotado por uma grande multidão. O prefeito Anastácio Rodrigues elaborou um programa de festividades para celebrar o acontecimento. Ônibus gratuitos foram colocados à disposição, para conduzir os caruaruenses até a barragem. Os trabalhos da barragem Antônio Menino, originalmente chamada de Cipó, tiveram início no dia 24 de maio de 1969, com o lançamento da pedra fundamental. A área de 25 hectares, localizada no Sítio Encanto, foi desapropriada e declarada de utilidade pública, através do decreto nº 3, de abril de 1969. As obras custaram cerca de 500 mil cruzeiros. O muro de contenção media 14,40m de altura e a capacidade de acumulação era de 540 mil metros cúbicos. A família de Antônio Menino participou da inauguração. O manancial era uma medida de emergência para o abastecimento da cidade, possibilitando o fornecimento diário a toda a zona urbana. Nilo Coelho, depois de inaugurar a Casa de Bombas e de ter solicitado à esposa do general Amadeu Mártire que descerrasse o marco que simbolizava a barragem, falou ao público, dizendo que ali estava “a água sem promessas, a água que significa a esperança de uma cidade que voltará a liderar, retomará o seu lugar de Capital do Agreste”. Em momento de descontração, o governador citou uma frase que a população até então castigada com a escassez de água e de energia costumava repetir: “Caruaru é uma cidade que nos seduz. De dia falta água e de noite falta luz”. O povo achou engraçado. O prefeito Anastácio fez um retrospecto dos trabalhos e realizações do Governo Estadual, agradecendo, em nome da população, tudo aquilo que o município recebeu. “Este homem não é de Petrolina, este homem é de Caruaru”, citou, entusiasmado. Nilo Coelho também assinou decreto criando o Colégio Nicanor Souto Maior, para ofertar vagas de ensino médio. O colégio recebeu este nome em homenagem ao advogado falecido há pouco tempo. Nicanor era professor da Faculdade de Direito de Caruaru e o educandário funcionaria, inicialmente, no Grupo Escolar Mário Sete, no período noturno. Com a instalação do ginásio, Caruaru passava a ser, depois de Recife e Olinda, a cidade pernambucana com o maior número de estabelecimentos oficiais de ensino médio. Era mais uma promessa cumprida do governador, que, apesar de arenista, não media esforços para Caruaru no gover-

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no Anastácio, emedebista. Os prefeitos daquela época, em tom de brincadeira e com certo despeito, diziam, quando o prefeito de Caruaru saía do gabinete do governador: “Anastácio levou tudo, nada ficou para nós”. Não deixava de ser exagero, mas a verdade é que Anastácio nunca saía de mãos vazias. Poucos prefeitos na História político-administrativa de Caruaru conseguiram tantos benefícios do Governo do Estado quanto Anastácio, junto aos governadores Nilo Coelho e Eraldo Gueiros. Só a título de exemplo, podemos enumerar como conquistas: Barragem Antônio Menino, Barragem Tabocas, ampliação da estação de tratamento d’água do Monte Bom Jesus, Colégio Nicanor Souto Maior, Escola Padre Zacarias Tavares, Escola José Carlos Florêncio, Centro Politécnico Júlio Leitão, doação do Campo de Monta, Bandepe, IPSEP, 4º Batalhão de Polícia Militar, Pelotão de Trânsito, Terminal Rodoviário (onde está instalado o 4º BPM), Planejamento Físico do Parque Industrial, construção da estrada do Monte Bom Jesus, eletrificação rural, escritório do DNER, centro cirúrgico anexo ao Hospital São Sebastião, reforma do sistema de energia elétrica da cidade, Canal do Salgado e início do sistema de esgoto sanitário. No final de janeiro, a imprensa noticiava a construção de uma casa para dona Joaninha, viúva do Mestre Vitalino. O imóvel estava previsto num acordo que transformou a casa do artesão em casa-museu, mantendo no local os objetos de uso pessoal do artista mundialmente conhecido. Ao mesmo tempo, destacava-se que, naquele ano, o prefeito Anastácio Rodrigues iniciaria a construção das primeiras unidades do Centro Cívico de Caruaru, no terreno do Campo de Monta. As obras estavam previstas no Plano Diretor da Cidade, eram um sonho do prefeito, mas não seriam erguidas por falta de recursos. Em fevereiro, a Companhia de Águas e Esgotos de Caruaru (CAEC) transferia para o Saneamento do Interior Pernambucano (Sanepe), a fixação das tarifas de água. A medida foi tomada através de contrato de concessão. A CAEC, todavia, ficou responsável pela administração, operação, manutenção e exploração do abastecimento d’água de Caruaru. Ao mesmo tempo, a prefeitura renovava, por um período de dois anos, o convênio com a Cooperativa de Melhoramentos, que estava dando verdadeiro banho de luz na cidade.

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Antes do Carnaval, a Associação Comercial travou nova batalha com o governo municipal. O motivo: a famigerada Semana Inglesa e as multas aplicadas aos comerciários que infringiam a lei municipal. José Manoel Torres, do departamento técnico-jurídico da Associação, procurou alguns secretários municipais, representando os comerciantes, mas alegou não ter sido bem sucedido na missão. Explicou que os auxiliares do governo demonstraram total desinteresse em acatar a reivindicação, traduzindo o pensamento do prefeito. Os comerciantes precisavam renovar seus cartões de inscrição e, para isto, deveriam requerer um alvará na prefeitura. Esta, porém, só expedia o documento a quem não estivesse com dívidas junto ao município. Uma comissão formada por integrantes da Associação Comercial e entidades como o Clube (futura Câmara) de Dirigentes Lojistas, Lions Clube, Rotary e Sindicato dos Empregados no Comércio remeteu ofício ao prefeito Anastácio Rodrigues, pedindo que enviasse mensagem à Câmara solicitando autorização para dispensar as multas registradas em fevereiro do ano anterior. A Associação Comercial ameaçou, inclusive, denunciá-lo às autoridades federais. Mas o prefeito se mostrava intransigente e informou que as multas seriam mantidas, considerando como “tempestade em copo d’água” a decisão da Associação. Anastácio foi ainda mais severo em suas colocações, afirmando que a denúncia teria sentido “se a prefeitura relacionasse os devedores dos cofres públicos que não admitem o cumprimento de uma lei que tem dez anos de vigência e que teimam em desobedecer à legislação, gerando problemas”, criticou. Anastácio era totalmente contrário à forma quase anárquica, almejada por grande parte da classe empresarial daqueles tempos, na condução dos destinos de Caruaru. O prefeito também abominava a sonegação de impostos e o descumprimento das leis e precisou ser duro com alguns setores, para modificar esta cultura negativa. O Sindicato dos Empregados no Comércio de Caruaru decidiu apoiar a decisão do prefeito e enviou ofício a Anastácio, denunciando que diretores de órgãos patronais estavam entre os infratores. O presidente do Sindicato, Jarbas Sena, estranhou que o assunto não estivesse sepultado e destacava “infração premeditada e consciente de alguns comerciantes”. O ofício

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relacionava quase uma dezena de empresas que estavam abrindo as portas no sábado à tarde, “com a finalidade de desmoralizar uma conquista da classe trabalhadora”. O mês de fevereiro também foi marcado pelo início na entrega de dez unidades escolares à população da zona rural, começando pelas localidades de Salgadinho e Fundão. Em Salgadinho, o prefeito Anastácio Rodrigues inaugurou a Escola Municipal Dr. Oscar Barreto. No Fundão, instalou a Escola Mínima José Lins do Rego. Cada grupo escolar, dessa série de dez, possuía uma sala de aula, onde funcionavam dois turnos de 40 alunos, de manhã e à tarde. Anexo, localizavam-se a sala das professoras e um sanitário. Paralelamente, a comunidade de Barra de Taquara recebia um novo sistema de iluminação pública. Naqueles dias, o prefeito Anastácio Rodrigues recebeu telegrama assinado por Mário Leão Ramos, parente do crítico literário Álvaro Lins, informando que estava a caminho de Caruaru a biblioteca pessoal do escritor, composta por oito mil livros, doados pela viúva Heloísa Lins. Emocionado, ao receber a comunicação, o prefeito declarou, na presença de auxiliares, ter sido Álvaro Lins um valor dos mais expressivos para o Brasil, sendo um dos filhos mais ilustres da Terra de Caruaru, “onde o ginásio do município lhe toma, a título de homenagem, o nome famoso”. Mário Leão foi o intermediário entre o prefeito e a viúva. A notícia foi bastante comemorada na cidade e pelo jornalista Mauro Mota, amigo de Lins desde os tempos de infância. Informado através de telegrama enviado por Anastácio, Mauro escreveu sobre o rico acervo doado a Caruaru. “Vendido no Rio, um volume pelo outro, no barato, sem especulação, o conjunto renderia perto de cem mil cruzeiros. Mas a viúva, Heloísa, que ficou apenas com um apartamento e algumas peças de arte, cumpriu o desejo do marido: fez a doação à cidade do nascimento, da infância, da adolescência dele. Nenhuma prova mais viva do amor de Álvaro Lins a Caruaru”, registrou. Mauro contestou, ainda, o fato de muitos caruaruenses criticarem Lins por ter voltado poucas vezes a sua gleba nativa. “Pouco importa que, em carne e osso, raríssimas vezes lá tivesse voltado depois da transferência para o Rio de Janeiro. Do mesmo jeito que raríssimas vezes, e sempre a toque de

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caixa, voltou ao Recife. Em espírito, nenhum caruaruense viveu mais Caruaru do que Álvaro Lins. Tanto que, em espírito, lá quis morar definitivamente através dos seus livros; os que escreveu (quase trinta) e os que colecionou, leu e anotou durante a vida toda, com o senso crítico e o amor de bibliófilo que tanto o marcavam”, argumentou. Dias depois, sem notar que estava sendo perseguido por um foca ( jornalista iniciante na profissão), enviado pelo Diario de Pernambuco, o prefeito Anastácio Rodrigues fez um comentário que resumia o seu sentimento em relação ao governo: “Minha alegria é que, quando sair da prefeitura, Caruaru poderá ter vida própria. Estou pagando todos os débitos e colocando a casa em ordem. De uma coisa tenho orgulho: acabei o paternalismo”, confessou. O Jornal do Commercio, em 17 de fevereiro, trazia uma notícia desanimadora. O romancista José Condé estava novamente hospitalizado no Rio de Janeiro. “Ultimamente, o caruaruense Zé tem andado com a saúde precária, preocupando os amigos e também admiradores do seu talento”. A mesma edição destacava que Fernando Lyra era o primeiro deputado da atual legislatura a ser pai. Ele e sua mulher, Márcia, decidiram permanecer em Brasília para que a criança nascesse no Distrito Federal. Em encontro mantido com José Paes de Andrade, escalado para o cargo de Secretário do Interior e Justiça do governo Eraldo Gueiros, o prefeito Anastácio Rodrigues decidiu entregar ao auxiliar da futura administração estadual a questão das multas aplicadas pela municipalidade contra comerciantes que desrespeitaram a lei da Semana Inglesa. A ele caberia a decisão final sobre o problema. A situação era tão grave que o secretário Zé Paes ameaçou o prefeito Anastácio, dizendo-lhe que se não recuasse, mandaria suspender a remessa do ICM (que o Estado repassa aos municípios). Anastácio rebateu, afirmando ser uma medida arbitrária. “E os filhos dos funcionários? Vão se alimentar de vento?”, questionou. Anastácio afirma que Zé Paes era uma figura radical e de extrema direita, ao contrário do governador Eraldo Gueiros, que ele define como um homem “justo”. O secretário havia recebido incumbência do futuro governador, no sentido de encontrar um denominador comum para o caso. Ao mesmo tempo, a Secretaria da Fazenda de Pernambuco prorrogou até 31 de março o prazo

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para renovação dos cartões de inscrição, atendendo a solicitação da Associação Comercial de Caruaru. A interventoria da Cooperativa de Melhoramentos divulgou no dia cinco de março que o presidente Médici assinara decreto, na Pasta de Minas e Energia, autorizando o Governo de Pernambuco a encampar os bens e instalações vinculados aos serviços públicos de energia elétrica de Caruaru, cujo acervo estava avaliado em Cr$ 1.900 mil. O ato presidencial levou em consideração a deficiência técnica da Cooperativa. O engenheiro Gastão Luís de Andrade Lima, após contribuir para tornar Caruaru numa das cidades mais iluminadas do interior nordestino, assumiu a diretoria administrativa e financeira da Companhia de Eletricidade da Capital Federal. Prestes a deixar o Governo de Pernambuco, Nilo Coelho, após ter contribuído espetacularmente para o soerguimento de Caruaru, fez questão de ir até a cidade, participar da inauguração de um sistema de eletrificação rural que beneficiou quase 200 propriedades. Também esteve no local de construção da Barragem Tabocas– obra que não conseguiu inaugurar, em que pesem as advertências do prefeito Anastácio. No entanto, deixou 70% concluída. O governador chegou com sua comitiva, a Caruaru, na manhã do domingo, sete de março. Nilo descerrou, no bloco B do Palácio Municipal, uma placa de bronze, com as importantes obras que seu governo realizara em Caruaru e que o prefeito Anastácio Rodrigues fez questão de “passar para o metal”, conforme disse em discurso pronunciado na ocasião. Agradecendo a homenagem, o governador confessou a impopularidade do seu governo. Impopularidade que ele atribuiu ao fato de ter governado “com as vistas voltadas para o interior”. Ironicamente, apontou que prova dessa impopularidade estava nas homenagens que recebia do governo municipal e no reconhecimento do povo de Caruaru. A placa, que permanece na sede da Prefeitura Municipal, relaciona as 15 obras do governo Nilo Coelho em Caruaru: centro cirúrgico, agência do Bandepe, barragem Antônio Menino, barragem Gercino de Pontes (Tabocas), Colégio Nicanor Souto Maior, Ginásio Padre Zacarias Tavares, Centro Politécnico, Grupo Escolar José Carlos Florêncio, 4º Batalhão de Polícia

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Militar, eletrificação rural, agência do IPSEP, doação do Campo de Monta, Planejamento do Parque Industrial, estação repetidora de TV e Terminal Rodoviário. Logo após a solenidade na prefeitura, o governador seguiu para o local das obras da barragem Gercino de Pontes. Durante o ato, o prefeito Anastácio Rodrigues afirmou que “não fosse a rebeldia do homem de Petrolina (Nilo Coelho), o riacho de Tabocas continuaria no silêncio”. Ele salientou que o governador não tinha compromisso (apenas) com Caruaru, mas como administrador público tinha compromissos com todos. Nilo Coelho também inaugurou o sistema de eletrificação rural do 4º Distrito, em várias localidades do interior caruaruense. O sistema de alta tensão foi construído pela Celpe, com a ajuda de agricultores de Lagedo do Cedro, enquanto o sistema de baixa tensão foi desenvolvido pela Cooperativa de Eletrificação Rural no Agreste Pernambucano. À tarde, o governador inaugurou a PE-91, ligando Caruaru a Catende, rumando, em seguida, para Lagoa dos Gatos, onde presidiu outras inaugurações. Com a PE-91, Nilo Coelho completou o “Cinturão Verde”, ideia do padre francês Lebret para ligar Caruaru ao norte e ao sul do Estado. Na divisa Caruaru e Agrestina, Dr. Nilo e Anastácio se despediram, fato que o ex-prefeito comenta com emoção, exaltando a figura do governador, a quem define como “grande amigo de Caruaru”. Com a presença do senhor Edson Rodrigues de Lima, diretor do Ensino Médio em Pernambuco, foi inaugurado, em 10 de março de 1971, o Colégio Nicanor Souto Maior. A solenidade contou com a presença do prefeito Anastácio Rodrigues, do secretário de Educação Antônio Cláudio Pedrosa, do professor Luiz Pessoa da Silva, diretor da Fafica, do deputado estadual José Antônio Liberato, do inspetor do ensino federal, Ranulfo Lima, além de Geraldo e Célio Souto Maior, filhos do homenageado. O corte da fita foi feito pelo prefeito Anastácio. Na sala da diretoria, o bacharel Zanoni Vieira descerrou o retrato de Nicanor. O professor Sidrack Lucas Vila Nova assumiu a direção do novo estabelecimento de ensino. A unidade beneficiava 750 estudantes do ginásio e científico, representando um alento para muitas famílias. Além de todos os benefícios em favor de Caruaru, antes de deixar o Go-

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verno de Pernambuco, o governador Nilo Coelho entregou ao prefeito Anastácio Rodrigues, através do Ato nº 1.057, de 13 de março de 1971, a Medalha Pernambucana de Mérito. No diploma legal que conferiu a honrosa distinção ao Chefe do Executivo de Caruaru, o governador considerou “os relevantes serviços prestados ao Estado de Pernambuco no exercício de suas funções, desempenhadas com zelo, descortino, inteligência e dedicação à causa pública”. O Jornal A Defesa, de 20 de março, destacava a repercussão da homenagem entre os caruaruenses, por ver o seu prefeito e filho da terra integrando a galeria ilustre dos grandes vultos que se distinguiram por assinalados serviços prestados ao Estado e à causa pública. Ao término do mandato, Nilo Coelho afastou-se da política para cuidar dos negócios da família. Voltaria apenas em 1978, para candidatar-se, por via indireta, ao Senado da República. Ele seria eleito, derrotando Jarbas Vasconcelos, candidato do MDB. Nilo deixava o Palácio do Campo das Princesas engrandecido, com seu programa de magníficas estradas cortando o Estado em todas as direções, eletrificação rural e avanço eletrônico com as micro-ondas telefônicas e repetidoras de televisão; a valorização de regiões com a construção de barragens; apoio franco e decidido às artes e à cultura; e a valorização do sertão pernambucano. Também demonstrou grande sensibilidade às comunidades interioranas, com destaque para Caruaru e Garanhuns – cumprindo, assim, a promessa de governar Pernambuco de costas voltadas para o mar. O governador quase nunca se negava a receber os prefeitos em seu gabinete, inclusive Anastácio, que costumava ir a Recife nas terças-feiras. Nilo era considerado um bom gestor. Poder-se-ia até dizer que fora excelente, a despeito da surpresa – que não estava de forma alguma em seus cálculos – da crise incontrolável que se abateu sobre o Estado, em face das secas, no seu último ano de administração, gerando um vazio nas salas e ante-salas do Palácio dos Despachos, meses antes de ele passar o cargo ao seu sucessor. Num ato de justiça e reconhecimento, Anastácio iria construir, na área do antigo Campo de Monta, um Centro da Juventude, com piscinas para a população, dando ao espaço o nome de Josepha Coelho, mãe de Nilo. Infe-

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lizmente o Centro seria vendido pelo prefeito Drayton Nejaim, em sua segunda gestão, ao Sesc Caruaru, retirando dos pobres um espaço de lazer. Anastácio foi, também, o primeiro prefeito do Estado a ir até a residência de Nilo Coelho, em Recife, para cumprimentá-lo, no dia em que deixou o cargo. Fez ainda divulgar, por meio dos jornais da capital, nota de agradecimento pelos benefícios que Nilo levou a Caruaru. Quando Nilo Coelho concluiu seu mandato, no Governo de Pernambuco, em março de 1971, os militares indicaram o ministro do Tribunal Militar Eraldo Gueiros Leite para assumir o cargo. Pernambucano da cidade de Canhotinho, Eraldo era amigo dos irmãos Condé, que logo trataram de fazer as melhores recomendações sobre Anastácio Rodrigues. Outra vez, o prefeito de Caruaru teria sorte de continuar administrando a cidade com apoio de um governador arenista. Fato que incomodava aos adversários. Representantes das classes produtoras, clubes de serviço e do governo municipal participaram da posse do novo governador. Assim que Eraldo Gueiros assumiu o governo, em 15 de março, Anastácio foi recebido em audiência, e convidou-o a visitar as obras de Tabocas, que estavam paralisadas. “Meu mundo e meu partido é Caruaru!”, disse-lhe Anastácio, no primeiro encontro, registrado pelo Jornal do Commercio, que o apontou como “um dos melhores prefeitos do Estado”. Poucos dias depois, Eraldo visitou informalmente a feira de Caruaru, acompanhado pelo vice-governador Barreto Guimarães e secretários de Estado. O novo governador e sua comitiva, vindos da área rural de São Lourenço da Mata, tomaram caldo de cana, compraram queijo e adquiriram produtos dos artesãos do Alto do Moura. O prefeito Anastácio Rodrigues recebeu, em 20 de março, o paisagista Abelardo Rodrigues, um dos principais estimuladores da arte popular caruaruense em décadas passadas, que prestara relevantes serviços à cidade, ao longo do governo João Lyra Filho. Abelardo esteve em Caruaru para planejar a Casa Museu Mestre Vitalino. Na ocasião, o prefeito apresentou ao paisagista a maquete do Centro Cívico de Caruaru – uma das mais arrojadas metas de sua administração. No final de março, a Prefeitura Municipal inaugurava mais duas unidades de ensino na zona rural. A primeira recebeu o nome de Manuel Bandei-

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ra e foi implantada em Brejo Novo. A segunda, em Bilhar de Tabocas, recebeu o nome do sociólogo francês Padre Lebret. Com a presença do superintendente regional do INPS, Paulo Freire, o prefeito Anastácio inaugurou, no dia 31 de março, a nova unidade da autarquia, na Avenida Rui Barbosa, onde permanece até os dias atuais. O vereador José Augusto Araújo, presidente da Câmara Municipal, anunciou, na reunião de seis de abril, que estava com sua renúncia pronta para ser entregue a qualquer momento, “porque o cargo era oneroso e trazia prejuízo para quem o exercia”. Proprietário de uma pequena tenda de artefatos de couros, disse que o seu negócio estava em declínio, porquanto ele se via obrigado a afastar-se constantemente, para cuidar dos interesses da Câmara. Em outras palavras, a presidência da Câmara era roubo de tempo e prejuízo. Duzentos e oitenta homens, mais de 30 caminhões-caçamba e diversas máquinas se engajaram num trabalho desafiador: salvar as obras da barragem de Tabocas, totalmente comprometidas, após a chuva torrencial que desabou sobre a região no dia 11 de abril, por duas horas consecutivas. O prefeito Anastácio Rodrigues foi ao canteiro de obras e, após ouvir os engenheiros da Constran, deu entrevistas às emissoras locais, alertando os moradores das margens do Capibaribe sobre o iminente perigo. Ele conseguiu com seu amigo e compadre, José Barbosa, lonas que revestiram o paredão da barragem, salvando-a da destruição que a chuva forte provocaria. O jornalista e deputado federal Luiz Torres registrou em sua coluna, “De Brasília”, publicada pelo Jornal do Commercio de 16 de abril, a estreia de Fernando Lyra, vice-líder do MDB, na tribuna da Câmara dos Deputados: “Fernando Lyra surpreendeu. Jovem, desconhecido para muitos, ao deixar a tribuna era alvo de comentários e indagações. É que seu comportamento foi de veterano. Usou toda a malícia que aprendeu na Assembleia durante os quatro anos de mandato no Palácio Joaquim Nabuco. ‘Menos os meses de recesso a que fomos todos nós impostos’, fez questão de corrigir. Não se poupou Fernando Lyra em crítica ao governo, no sentido filosófico, mas administrativo”, escreveu Luiz Torres. Os “meses de recesso”, a que Fernando fez menção, tinham a ver com o período de um ano e meio em que os militares fecharam a Assembleia, após a promulgação do AI-5. Dos 14 deputados de oposição da Assembleia Le-

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gislativa de Pernambuco, nove foram cassados. Ficaram cinco. Destes, um aderiu à Arena. Fernando foi um dos que “escaparam” da cassação – apenas por mera força da expressão, porque, como a Assembleia foi fechada, na prática todos estavam cassados. Somente em 1970, as casas legislativasseriam reabertas. As eleições municipais ainda estavam distantes, quando o ex-prefeito João Lyra Filho admitiu ao Diario de Pernambuco sua candidatura para sucessão de Anastácio Rodrigues, “caso a convenção partidária de seu partido o indicasse”. Anastácio terminou o mês de abril assinando convênio com o IPSEP, a fim de normalizar a situação das contribuições previdenciárias que, há 17 anos, eram recolhidas pela prefeitura, mas não eram repassadas ao órgão. O documento autorizava o desconto de 5% sobre as contribuições do ICM a que tinha direito o município. No dia 02 de maio de 1971, Anastácio – acompanhado pelo governador Eraldo Gueiros – voltou ao canteiro de obras da Constran, firma responsável pela construção da barragem Gercino de Pontes, que estavam paralisadas. “Tabocas é obra prioritária do meu governo”, disse o governador, assegurando a liberação de verbas para a continuidade dos serviços. Durante o encontro, o governador informou ao prefeito Anastácio que marcaria uma audiência para tratar de assuntos de interesse do município, entre os quais a encampação do acervo da concessionária de luz e força pela Celpe. Anastácio viajou a Fortaleza, nos primeiros dias de maio, na tentativa de conseguir um financiamento, junto ao Banco do Nordeste, para implantar o Distrito Industrial de Caruaru. O presidente do BNB, Rubens Costa, se mostrara, anteriormente, receptivo à ideia, entusiasmando-o. Em Caruaru, o clima de paz na Câmara Municipal chegava ao fim e a bancada arenista lançava um manifesto contra o prefeito. Com o título “Unir para Construir”, o documento destinado “ao povo, aos políticos e às autoridades” era assinado pelos vereadores José Salvador Sobrinho (líder da bancada), José Carlos Rabelo (vice-líder), Antônio Bezerra do Amaral, Elias Soares, Gilberto Tôrres Galindo e Abel Ambrósio da Silva. Proclamando “fidelidade à Aliança Renovadora Nacional”, o manifesto

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destacava que o município precisava “retornar às mãos de um homem que possa transitar livremente nas esferas governamentais e políticas, pleiteando a solução dos problemas de nossa terra, o que, realmente, não ocorre no momento”. O texto desagradou muito menos o prefeito do que o ato de vandalismo cometido contra o busto do ex-prefeito Henrique Pinto, na praça que leva seu nome, no centro da cidade. O monumento foi mutilado, com uma pancada na cabeça, ocasionando danificação ao busto. Anastácio, visivelmente contrariado, foi observar de perto. “Isto não é coisa que se faça”, reclamou. Com vistas ao aniversário de 114 anos de Caruaru, o prefeito autorizou uma operação tapa-buraco nas principais ruas da cidade. Ao mesmo tempo, a prefeitura trabalhava na urbanização da Rua da Matriz e Avenida Rio Branco, cuja inauguração estava prevista para o 18 de maio. Além das obras do giradouro, que receberia o nome de Major Clementino e permitiria o disciplinamento do trânsito naquela localidade. Os trabalhos de iluminação da cidade também prosseguiam, através da Cooperativa de Melhoramentos, quando a Celpe incorporou o acervo da concessionária de luz e anunciou orçamento no valor de Cr$ 4 milhões e 600 mil, para o projeto de reforma completa nos sistemas de distribuição de luz e força, em Caruaru. A rede apresentava fios depreciados pelo tempo, postes de madeira inseguros, transformadores sobrecarregados e o fornecimento de energia com carga baixa. Poucos dias antes do aniversário da cidade, o prefeito Anastácio regressou de Fortaleza anunciando a conquista, junto à direção do Banco do Nordeste, de empréstimo no valor de Cr$ 350 mil, para custear a implantação do sistema de infraestrutura do Parque Industrial de Caruaru. A programação do aniversário da cidade, naquele ano, seria das maiores e mais diversificadas da história, segundo registrou o Jornal do Commercio. “Retretas, jogos, desfiles, concentrações, homenagens a vultos históricos, bailes e inaugurações de obras públicas, fazem parte do roteiro que o caruaruense acompanhará”, anunciou a reportagem. As atenções estavam voltadas para a inauguração do conjunto urbanístico da Rua da Matriz – Praça Henrique Pinto e Avenida Rio Branco –, ruas calçadas através de capeamento asfáltico do Plano de Ajuda Mútua, assi-

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natura do decreto de desapropriação de terreno para construção do Parque Industrial, além do traslado dos restos mortais de José Rodrigues de Jesus, que antes de serem direcionados para outro local da Igreja da Conceição, percorreram algumas ruas centrais, em cortejo acompanhado por um carro do Corpo de Bombeiros, com direito a toque de silêncio. Em 18 de maio de 1971, o prefeito Anastácio Rodrigues também inaugurava a Casa Museu Mestre Vitalino, no Alto do Moura, acompanhado por Mauro Mota e os irmãos Augusto e Abelardo Rodrigues. Foi Augusto Rodrigues quem iniciou, duas décadas antes, a difusão nacional da obra de Vitalino Pereira dos Santos, junto aos irmãos Condé, fato que culminou com a ida do mestre do barro ao Rio de Janeiro em 1960, acompanhado, entre outros, pelos membros de sua bandinha de pífanos, dos jornalistas Luiz Torres e Antônio Miranda, e do padre Zacarias Tavares, Cura da Igreja de Nossa Senhora da Conceição. Sua atividade como ceramista permaneceu desconhecida do grande público até 1947, quando Augusto Rodrigues organizou, no Rio, a 1ª Exposição de Cerâmica Pernambucana, com obras do artesão caruaruense. Adiante, uma série de eventos contribuiu para torná-lo conhecido nacionalmente, além de muitas reportagens publicadas na imprensa do país, como a editada pelo Jornal de Letras, em 1953, com textos de José Condé, e na Revista Esso, em 1959. Mestre Vitalino, em 1960, participou da Noite de Caruaru, no Rio de Janeiro, organizada por intelectuais, como os irmãos João e José Condé, ocasião em que suas peças foram leiloadas, em benefício da construção do Museu de Arte Popular de Caruaru, cuja história foi narrada no primeiro capítulo deste livro. No Rio, o artista participou de programas de televisão e exibições musicais, compareceu a eventos e recebeu diversas homenagens, como a Medalha Sílvio Romero – comenda vendida por seus familiares, anos após sua morte, a um empresário caruaruense. Também no Rio de Janeiro, a Rádio MEC realizou a gravação de seis músicas da banda de pífanos de Vitalino, lançadas em disco pela Companhia de Defesa do Folclore Brasileiro, na década de 1970. Com a inauguração da Casa Museu Mestre Vitalino, no Alto do Moura,

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Dona Joaninha, viúva do artesão, e seus filhos passaram a viver numa casa construída pelo município, ao lado da antiga. O Clube de Castores do Lions Clube doou o mobiliário à nova residência: um conjunto de poltronas, uma sala de jantar composta de mesa e seis cadeiras, três camiseiros e duas camas, um fogão a gás e dois bujões, 18 pratos de louça, 12 xícaras, uma bateria para cozinha, três toalhas de mesa e talheres. Dona Joaninha pediu ao prefeito Anastácio que construísse na nova casa um fogão à lenha, com medo que o bujão de gás explodisse. “Nunca deixei de dar assistência à família de Vitalino. Quando Dona Joaninha estava doente, eu ligava para João Miranda [médico, secretário de Saúde no governo Anastácio] e mandava-o até lá”, destaca o ex-prefeito. Antônio Vitalino, um dos filhos do Mestre Vitalino, não quis aceitar uma cama, sob a alegação de que não sabia nem tinha costume de dormir em cama, preferindo uma rede. Na Casa Museu, ficaram guardados o pífano, chapéu de couro, alpercatas, capote e outros objetos do famoso artesão. Para recepcionista do novo museu, o prefeito Anastácio nomeou uma filha de Vitalino, Maria José Pereira dos Santos. Na presença do Secretário Estadual de Educação e Cultura, Manoel Costa Cavalcanti, o prefeito Anastácio Rodrigues inaugurou, durante o aniversário da cidade, o Grupo Escolar Jornalista José Carlos Florêncio, em homenagem ao fundador do Jornal Vanguarda, seu primeiro empregador. Na ocasião, o professor Mário Menezes fez a leitura de um artigo, escrito pelo homenageado em 1937, em que preconizava o desenvolvimento de Caruaru. No aniversário de 114 anos da cidade, o presidente do Diper, geólogo Luiz Siqueira, e o prefeito Anastácio Rodrigues desapropriaram uma área de mais de 100 hectares, a sete quilômetros do centro urbano e às margens da BR232, para a instalação do Parque Industrial de Caruaru. Ato contínuo, foram iniciados os serviços de terraplanagem do terreno, além da inauguração da rede de alta tensão, para fornecer energia às indústrias que viessem a se instalar no local. O fato mereceu voto de aplausos da Assembleia Legislativa, indicado pelo deputado João Guilherme de Pontes Neto, da Arena, que havia sido oficial de gabinete do governador Nilo Coelho. Após adaptar a lei que serviu para implantação do parque industrial de São José do Rio Preto, Anastácio entregou cópia ao Diper e, em seguida, en-

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viou para aprovação da Câmara. Confiante na mudança que as barragens Cipó e Tabocas trariam para o município, o prefeito mostrou-se cada vez mais decidido a lutar pelo parque industrial. Teve, inclusive, sua sanidade mental questionada, por querer atrair indústrias para uma cidade que não possuía água sequer para atender à população. Chegaram a pichar, numa parede da cidade, a frase “Sonho de um louco”. A programação oficial do aniversário de Caruaru também incluiu a realização do II Festival de Música Popular Brasileira, no auditório da Rádio Difusora, cuja canção vitoriosa foi “Vitalino”, composta e interpretada por Onildo Almeida. Dias depois, Caruaru recebia a visita do vice-governador Barreto Guimarães e do Secretário do Interior e Justiça, José Paes de Andrade, interessados em estudar e apontar soluções para o problema do menor abandonado no município. O clima de festa seria provavelmente suplantado rapidamente naquele ano. Poucos dias depois, Caruaru seria alvo da imprensa nacional atraída por um dos maiores escândalos da política pernambucana: o desaparecimento da deputada estadual Aracy Nejaim. Para fazê-la renunciar ao mandato, o ex-prefeito Drayton Nejaim sequestrou, espancou e torturou a esposa. O caso chocaria a sociedade pernambucana, sobretudo em Caruaru.

O CASO NEJAIM Única deputada estadual de Pernambuco, naquela legislatura, Aracy de Sousa Nejaim, acabara de iniciar seu segundo mandato. Era a terceira mulher a representar o eleitorado pernambucano na Assembleia Legislativa. As duas anteriores foram Adalgisa Cavalcanti e Maria Elisa Viegas. Aos 43 anos, feminista convicta, Aracy era uma intransigente defensora dos postulados do governo militar instalado em 1964. Admirada pelos colegas e funcionários do Legislativo, chamava a atenção pela sua elegância e postura. A força política de Drayton Nejaim elegeu Aracy deputada estadual em 1966, renovando seu mandato na eleição de 1970. Aracy Alves de Souza nasceu no Recife, em 1º de setembro de 1927. Era

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uma bela moça do bairro da Madalena, até que, em 1954, casou com Drayton Nejaim, alcançando posição social, bem estar econômico e prestígio político. Nos primeiros oito anos de vida conjugal, Aracy levou vida exclusivamente doméstica, cuidando da casa e dos filhos pequenos, sem se envolver em negócios comerciais ou em assuntos políticos. A partir de 1962, adquiriu a Boutique Kadô, na Rua da Aurora, com dinheiro fornecido pelo marido. No ano seguinte, Drayton foi eleito prefeito de Caruaru. Por alguns anos, Aracy resignou-se a desempenhar o papel de primeira-dama do município. A população habituara-se a vê-la acompanhando o marido nas cerimônias e inaugurações, sempre elegante, impecável, mas com um jeito discreto de ser. Drayton foi deputado em três legislaturas consecutivas, sendo posteriormente eleito prefeito de Caruaru, em 1963. Deveria governar até 1967, mas teve o mandato prorrogado por mais um ano, em decorrência de dispositivo do governo Castelo Branco, o que o impediu de disputar um novo mandato de deputado estadual, como pretendia. O prefeito convocou o vereador José Antônio Liberato, presidente da Câmara Municipal de Caruaru, para candidatar-se à Assembleia Legislativa. Liberato recusou, sugerindo que fosse lançado o nome de dona Aracy. Em face da prorrogação do mandato, e por sugestão de amigos de seu grupo político, Drayton concordou com a candidatura de sua esposa para a Assembleia Legislativa, nas eleições de 1966. A princípio, a primeira-dama relutou, sob a alegação de que não possuía competência nem vivência para o exercício de um cargo eletivo importante, mas aos poucos foi cedendo. Acabou eleita, sob o amparo econômico e em virtude da liderança política de Drayton. O casal Drayton e Aracy Nejaim manteve, no decorrer de 16 anos de vida conjugal, constantes discussões e agressões físicas, algumas até violentas. No mês de abril de 1971, Aracy chegou a ser procurada pelo advogado Hélio Revoredo, para comunicar-lhe o desejo de Drayton em se desquitar. O marido também fazia algumas exigências, inclusive que assumisse, depois de desquitada, o pagamento de dívidas que ele contraíra. Mesmo entendendo absurda a proposta, pois teria de arcar com todas as dívidas do marido, Aracy aceitou o acordo. Dias depois, foi procurada pelo próprio Dray-

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ton, desistindo do divórcio e disposto a voltar para casa. O ex-prefeito enfrentava uma série de dificuldades financeiras, chegando ao ponto de vender a fazenda Pedra Verde, em Caruaru, cuja propriedade pertencia ao casal, sem que Aracy tomasse conhecimento. Também recorria constantemente a empréstimos bancários de vulto, com aval ou endossos de sua mulher. Quando procurou a esposa para desistir do divórcio, Drayton determinou que ela contraísse empréstimo, junto ao Bandepe, com aval de terceiro, exigindo-lhe, em seguida, um cheque de 12 mil cruzeiros. Além das dívidas, questões de ordem política e judiciais afetavam o ex-prefeito. Condenado pela Justiça, após deixar o cargo de prefeito, a três meses de detenção, com pena acessória de inabilitação para o exercício de qualquer função ou cargo público num período de cinco anos, sentença confirmada pelo Tribunal de Justiça do Estado, foi mais um tropeço que veio a conturbá-lo. Amigos próximos do casal sabiam que a convivência entre ambos não era nada pacífica. Nessa época, vivendo sob o mesmo teto, dormiam em camas separadas. Além disso, Drayton já mantinha, às escondidas, um romance com Cleonice Cardoso de Alcântara, paraibana, de Monteiro, com quem se casaria no ano seguinte e com quem teve mais um filho, que recebeu o seu nome. Após a condenação por uma das câmaras criminais do Tribunal de Justiça de Pernambuco, em processo movido pela Justiça Pública contra sua administração na Prefeitura de Caruaru, Drayton requereu um sursis, ou seja, a suspensão condicional da pena, concedida pelo juiz Aluiz Tenório, o mesmo que o condenou, após parecer do promotor de justiça. Sentenciou concedendo o pedido sob algumas condições legais: primeiro, que Drayton comparecesse à presença do juiz a cada seis meses, por um período de dois anos; que não se ausentasse do País e que pagasse as custas processuais. A pretexto de comparecer à leitura do Termo de Sursis, Drayton convidou Aracy para acompanhá-lo até Caruaru. Na manhã do dia quatro de maio de 1971, Aracy deixou sua residência na Rua Demócrito de Souza Filho, no bairro de Boa Viagem, em Recife, acompanhada pelo marido, Drayton Nejaim. Ninguém sabia qual destino eles tomariam. Viajou junto com eles o empregado conhecido por João Cabueta.

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Algumas horas depois, estavam em Caruaru, numa granja de propriedade do casal, adquirida do ex-deputado Lamartine Távora e batizada de “Solar dos Nejaim”, localizada à margem da estrada que liga Caruaru a Agrestina. Aracy chegou bem humorada ao local. Drayton determinou aos empregados que “tomassem conta da porteira” da granja e se alguém chegasse indagando pelo casal, informassem que haviam viajado à Bahia. A um dos empregados, Manoel Domingos da Silva, Drayton ameaçou “atirar na testa” de quem se aproximasse da casa grande daquela propriedade rural. O ex-prefeito estacionou seu Corcel, tão logo chegou à chácara, junto à casa, em posição que não permitisse ser visto por alguém que ali fosse procurar o casal. Num pequeno quarto da casa, Drayton colocaria em prática um plano macabro, que iria marcar para o resto da vida o corpo e a memória de sua mulher. Aracy já estava no quarto quando o marido ingressou, portando uma metralhadora e uma pistola 45. Sem êxito na tentativa de coagir a esposa a assinar documentos e gravar depoimentos em fitas cassete, Drayton decidiu apelar para a agressão física, iniciando o suplício a que submeteu a esposa. Ao fechar a porta do quarto, dirigiu-se a Aracy com as seguintes palavras: “prepare-se para escolher se quer morrer ou continuar viva”, disse, conforme depoimento da mulher. A deputada afirmou não estar entendendo aquela atitude, ao que o marido reagiu: “se quiser viver, viverá como minha esposa e mãe dos meus filhos, sem ser deputada”. E foi mais além: “se quiser continuar como deputada, prepare-se que vou matá-la. Se você tem amor à vida e aos seus filhos, você vai assinar uma carta, renunciando ao seu mandato”. Resignada, Aracy disse que jamais seria o Jânio Quadros de saia. “Pode me matar, não renuncio a meu mandato, porque ele não me pertence, muito menos a você, e sim àqueles que me confiaram o voto de uma maneira livre e independente, você deve estar louco. Lembre-se que a sua recuperação moral você deve ao seu casamento e ao povo de Caruaru, que, acreditando em você, lhe deu as maiores honrarias que se pode dar a um homem de vida pública”, apelou a deputada. A essa altura, Drayton já se encontrava com “ares de uma pessoa totalmente anormal”, tendo sacado a metralhadora. Aracy pensou que ele iria

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[1] Descerrando placa de inauguração da Casa Museu Mestre Vitalino [2] Anastácio, João Condé e Severino Vitalino [3] Dona Joaninha, viúva de Vitalino [4] Os irmãos Augusto e Abelardo Rodrigues, convidados pelo prefeito para a solenidade [5] Anastácio foi apoio importante para os movimentos culturais da cidade [6] População prestigia a inauguração da Casa Museu



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atirar. Mas foi surpreendida quando Drayton passou a lhe esbordoar com a própria arma. Em seguida, foi jogada ao chão, sofrendo vários golpes desferidos com o revólver. A violência foi tamanha que a arma teve o seu cabo partido, quando Aracy já sentia o braço esquerdo fraturado. Drayton abriu a porta do quarto e friamente tomou um cafezinho, voltando logo depois. Dessa vez, trouxe consigo uma pá rural e iniciou nova maratona de agressões. Conhecendo as “neuroses” do marido e como ele se comportava em agressões anteriores feitas a ela, Aracy não reagiu. Com a pá, Drayton atingiu quase todas as partes do corpo da parlamentar. Procurando-se defender, Aracy utilizou os braços, que fraturaram com a violência das investidas. Atingida num dos olhos, Aracy desmaiou. Depois de barbaramente espancada, e percebendo Drayton que a esposa perdia os próprios sentidos, enchia garrafas vazias com a água mineral contida em um balde e, de pé, pouco a pouco, fazia com que a água penetrasse em seu nariz, sufocando-a. Aracy reagia, prendendo a respiração pelo nariz, inspirando e respirando pela boca, jogando a cabeça de um lado para outro. Não satisfeito, Drayton acendeu um cigarro e com a ponta queimou o rosto, o busto e os seios da mulher que amamentou os seus filhos. Sentindo dores por todo o corpo e envolta por uma estranha sensação, viu a morte rondá-la. Já não sentia mais as queimaduras dos cigarros, nem os murros para despertar quando desmaiava ou dormia. A agressão só foi interrompida com a chegada de um automóvel da marca Wolkswagen, fazendo Drayton sair precipitadamente do quarto para ver quem chegara. Alguns instantes depois, voltou ainda mais agitado ao quarto, quando Aracy lhe suplicou: “Use a metralhadora, me mate de uma vez e diga a meus filhos que você matou uma mulher inocente e indefesa”. Após horas de tortura, Aracy assinou vários papéis sem conhecer o conteúdo, inclusive alguns em branco. Diante de qualquer atitude de recusa, ouvia o marido repetir: “Faça isso, senão morre”. Sob coação e ameaças, a deputada assinou documentos passando seus bens para o marido ou autorizando a venda. Também foi obrigada a assinar uma declaração, apontando 40 nomes de pessoas importantes que teriam sido seus amantes. Em depoimento à Justiça, João Muniz Fernandes, o João Cabueta, disse

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que, naqueles instantes, ouviu gritos que partiam do interior da casa grande e reconheceu a voz da deputada Aracy, que repetia: “não me mate, não me mate!”. Assustado, alguns minutos depois ele se dirigiu até o interior da casa, quando se deparou com Drayton carregando Aracy nos braços, dirigindo-se para a cisterna da propriedade. Prevendo que Drayton iria jogar a esposa lá dentro, para matá-la, João o seguiu pedindo que não fizesse aquilo, pelo bem de seus filhos. Drayton não deu ouvidos e continuou carregando Aracy até a profunda cisterna cheia de água. “Vou matar esta puta”, disse o ex-prefeito, referindo-se a Aracy. Apavorado, sem outra alternativa, notando que o caso estava se agravando de modo imprevisível, tentou agarrar-se a Drayton e passou a implorar que não fizesse aquilo. Agarrado ao ex-prefeito, lhe pediu que, pelo amor de sua mãe, parasse com aquela ação. Neste momento, Drayton ficou acentuadamente pálido, soltou Aracy bruscamente no chão e passou a massagear os próprios peitos, demonstrando que não estava se sentindo bem. Depois de livrar Aracy da morte – que o afogamento lhe ocasionaria –, João Cabueta apanhou a deputada do chão e a conduziu até o quarto, deitando-a na cama. Percebeu manchas de sangue no chão e viu que o quarto estava em desalinho. João era funcionário de Aracy, trabalhava como bombeiro num posto de gasolina de propriedade da deputada, no Cais de Santa Rita. Ao deixar o cômodo, Drayton determinou que ele fosse até a cidade chamar o senhor José Carlos de Oliveira. No mesmo dia, o ex-prefeito fez chegar às mãos de seu compadre, o comerciante José Carlos de Oliveira, um bilhete solicitando a presença de um médico para atender a deputada Aracy, que fora “acidentada”. João retornou à fazenda na companhia de José Carlos, que conversou alguns minutos com Drayton e partiu. Horas depois, regressou acompanhado pelo médico Horácio Florêncio e sua esposa, Carmem Duse, também médica. Dr. Horácio seguiu José Carlos de Oliveira até a fazenda. O médico não possuía qualquer vínculo com Drayton Nejaim. Chegaram ao local por volta das 17h. “Encontrei Drayton nervoso, os cabelos em desalinho. Recebeu-me dizendo: ‘Dr. Horácio, ela é uma mulher teimosa. Montou um cavalo e levou uma bruta queda’. Ingressei na casa e notei uma desarrumação geral. Aracy encontrava-se em um dos quartos, sentada numa cadeira. Perguntei:

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‘o que foi isso?’. Ela fechou os olhos e nada disse”, relataria o médico, em depoimento a uma Comissão Parlamentar de Inquérito. A seguir, o Dr. Horácio examinou a deputada, constatando que ambos os braços estavam fraturados no mesmo local. Ela tinha um hematoma no olho direito, além de ferimentos nas pernas. Voltando-se rapidamente para Drayton, o médico foi categórico: “Sua esposa precisa ser imediatamente hospitalizada.” Citando inconveniências, ele não aceitou a ideia. O médico ofereceu um quarto reservado num hospital, mas Drayton voltou a discordar. Até que decidiu levá-la para a residência de José Carlos de Oliveira, na Rua Silvino Macedo, 303, em Caruaru. O médico insistiu que o estado de saúde de Aracy requeria que ela fosse internada num hospital, mas nada fez Drayton mudar de ideia. A deputada foi levada até a residência do compadre, no carro do Dr. Horácio. Chegaram por volta das 20h. Lá, Aracy foi submetida a novo exame, desta vez feito pela esposa do Dr. Horácio, que não constatou contusão no tórax, mas suspeitou de fratura numa das pernas. “O corte no rosto precisava de uma sutura, que foi feita imediatamente. Os dois braços foram imobilizados com paletas e gases”, revelaria o médico. Na manhã do dia cinco, os médicos constataram que Aracy não estava enxergando por um dos olhos. Disseram a Drayton que ela precisava urgentemente de um oftalmologista, mas ele novamente discordou. Após algumas ponderações, aceitou a sugestão. O oftalmologista Eriberto Ferreira afirmou não ser nada grave. O pior ocorreu no dia seis, quando o Dr. Horácio Florêncio encontrou a deputada sem os braços imobilizados. Sempre que o médico ia examiná-la, encontrava Drayton a seu lado. Era notório o clima de suspense, a vítima estava sob forte ameaça. “Quem tirou as paletas e gases?”, questionou. Ela respondeu que precisou escrever. De fato, mesmo com dificuldades, Aracy poderia assinar qualquer documento, conforme explicou o Dr. Horácio, uma vez que a imobilização foi nos braços e não nos punhos. Chateado com o fato de haverem retirado as paletas e gases que imobilizavam os braços de Aracy e impedido de submetê-la a radiografias que pudessem precisar se havia ou não fraturas em seu corpo, o médico disse que não poderia mais assisti-la. Drayton, sempre muito nervoso, garantiu que trataria de engessar os

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braços da esposa quando chegassem à cidade de Salvador e pediu ao médico que continuasse a atendê-la. A fala do Dr. Horácio revelava a condição psicológica em que Aracy se encontrava naqueles dias. “Ao que parece, não havia nenhum ressentimento. Não perguntei a ela se tinha sido queda de cavalo ou não”, afirmou. Entre os dias quatro e 12 de maio, o Dr. Horácio Florêncio atenderia a deputada Aracy, diariamente, na residência de José Carlos de Oliveira. Na noite do dia 12, por volta das 20h, ele encontrou o casal preparando-se para viajar. Aracy revelou que iriam para Salvador. Um último pedido foi feito pela parlamentar: que o médico solicitasse a Drayton seu internamento na capital baiana. Antes de viajar levando a esposa totalmente debilitada, Drayton tratou de cumprir o seu plano. Um dos papéis assinados por Aracy, sob coação, era uma carta a ser encaminhada à Assembleia Legislativa de Pernambuco, renunciando ao mandato de deputada. Horas antes de deixarem Caruaru, o ex-prefeito encarregou José Carlos de Oliveira de apresentar o documento ao cartório, para autenticação da assinatura. Compadre do casal Nejaim, José Carlos de Oliveira integrava o grupo político liderado por Drayton e cumpria à risca as suas ordens, por mais escusas que fossem. Na primeira tentativa de autenticação da carta, o tabelião encontrou divergência entre a assinatura de Aracy no pedido de renúncia e a de uma procuração que passara no dia anterior, outorgando poderes ao compadre para resolver todos os seus negócios. José Carlos tratou de retornar à sua residência e solicitou que Aracy renovasse o autógrafo na ficha do cartório. Feito isso, a firma foi reconhecida. A essa altura, o desaparecimento da deputada Aracy Nejaim preocupava familiares e amigos, inclusive os colegas deputados, que não a viam há mais de uma semana, nas reuniões legislativas. O clima de suspense alcançaria proporções ainda maiores no dia 14, quando Drayton fez chegar à Assembleia a carta-renúncia da deputada. Drayton torturou, sozinho, a própria esposa, mas para concretizar sua trama contou com a cumplicidade de outras pessoas. O caso foi totalmente premeditado, conforme revelariam os fatos. No início de maio, dias antes do episódio, ele procurou o juiz Aluiz Tenório de Brito, da Segunda Co-

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marca de Caruaru, para pedir o aceleramento do sursis que havia requerido, uma vez que iria viajar com Aracy. Alegou ao magistrado que a esposa estava com um tumor num dos seios. Aluiz Tenório foi o responsável pela suspensão dos direitos políticos de Drayton Nejaim durante cinco anos e o condenara a três meses de cadeia, por crime de responsabilidade, no processo movido contra sua administração à frente da prefeitura de Caruaru. Acreditando na versão de Drayton, o juiz concedeu-lhe o sursis. Embora não tenha recebido reclamações sobre o desaparecimento da deputada, o coronel Osíres Ferraz, titular da Delegacia de Polícia de Caruaru, destacou alguns investigadores para diligências nesse sentido. Inicialmente, todos os contatos foram sem êxito. A população da cidade não sabia, ao certo, o que acontecera a Aracy, e somente um grupo restrito tomou conhecimento de sua viagem à Bahia. A carta-renúncia da deputada Aracy Nejaim não teve explicação. Chegou ao cartório e depois à Assembleia Legislativa, sem os motivos que a levaram a renunciar ao mandato de quatro anos, outorgado pelo povo. Por esse motivo, o deputado arenista José Liberato, também representante de Caruaru no Legislativo estadual, aconselhou ao presidente da Assembleia, deputado Antônio Correa, a não tornar público o pedido de renúncia, até que os familiares informassem o paradeiro de Aracy. Por solicitação do deputado Carlos Veras, o pedido de renúncia foi retirado do expediente do dia 14 de maio, sob a alegação de que o documento poderia ser falso. Embora o tabelião do cartório de Caruaru, Nivaldo Freitas, afirmasse a veracidade da assinatura de Aracy, vários deputados lançaram a possibilidade de ela ter assinado o documento coagida por circunstâncias ou pessoas com poder de “pressões irresistíveis”. Outros ainda salientavam a possibilidade de sequestro. A carta-renúncia foi levada à Assembleia por Geraldo Bezerra Bandeira de Melo, o Gegê Bandeira, cunhado de Drayton, casado com sua irmã Lillian. No mesmo dia, a mãe de Aracy telefonou ao presidente da Casa Legislativa, comunicando que a família da deputada desconhecia o seu paradeiro – o que motivou ainda mais a incerteza nos parlamentares. O boato de acidente se tornava cada vez menos provável. Ainda que precisasse se afastar do cargo

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por questões pessoais, Aracy poderia requerer uma licença dos trabalhos, durante um ano, tempo bastante para resolver suas questões. A deputada também deixara os trabalhos num micro-posto, de sua propriedade, localizado no Cais de Santa Rita. Aracy costumava ir diariamente ao local, mas há oito dias não aparecia por lá. Drayton é quem surgia, vez por outra, para fazer as contas. Um bombeiro do posto em frente ao de Aracy, disse ter avistado Drayton Nejaim na quinta-feira, dia 13. Surgia, então, mais uma dúvida, já que as informações de Caruaru apontavam que o casal teria viajado para a Bahia um dia antes. As notícias da renúncia da deputada Aracy Nejaim chegaram a Brasília, surpreendendo a bancada federal por Pernambuco. Os deputados não viam razão para a renúncia e acreditavam que tudo não passava de um “mal entendido”. A senhora Olga Gueiros, esposa do governador Eraldo Gueiros e presidente da Cruzada de Ação Social, sem a compreensão real dos fatos, não escondeu seu desapontamento. “Não devia renunciar”, lamentou a primeira-dama do Estado. A Assembleia Legislativa estava dividida em relação ao caso. A maioria dos parlamentares desejava que a carta-renúncia somente fosse apresentada após a elucidação do caso, enquanto a minoria classificava o retardamento como anti-regimental. O deputado Newton Carneiro chegou a afirmar que a deputada Aracy poderia se transformar em uma nova Dana de Teffé – caso que movimentou a opinião pública brasileira e o imaginário popular no início dos anos 1960 e jamais foi elucidado. Os deputados monsenhor Ferreira Lima e Jarbas Vasconcelos defendiam a tese de que a mesa diretora deveria, imediatamente, levar ao conhecimento do plenário a carta-renúncia. “O que a mesa está fazendo é formalizar a hipótese de que ela – Aracy – está sequestrada. A decisão é de uma aberração jurídica. Caso ela tenha assinado a carta sob coação, poderá invocar esse ato, a qualquer dia, mês ou ano”, disse Jarbas Vasconcelos, do MDB, concluindo que, quanto ao mérito, o assunto era da Arena e não da oposição. A senhora Alda de Souza, mãe da parlamentar, visitou o governador Eraldo Gueiros, para pedir que as autoridades encontrassem sua filha “viva ou morta”. Em meio ao clima de polêmica e tensão, o deputado Ênio Guerra, líder do Governo na Assembleia Legislativa, informava que o governador

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havia instruído a Secretaria de Segurança Pública para que localizasse o casal Drayton e Aracy Nejaim. Um delegado especial, acompanhado por três agentes federais, seguiu para o município de Caruaru, a fim de efetuar diligências e tomar depoimentos de pessoas supostamente envolvidas no caso. Em seguida, os pais da deputada contrataram os serviços do advogado Fernando Tasso, para requerer à Justiça a tutela de seus netos, Nelson e Jaime, enquanto o casal permanecesse desaparecido. Telegramas supostamente enviados por Aracy, dos Estados de Sergipe e Bahia, eram desmentidos pela mãe da deputada. Dona Alda esclareceu ao presidente da Assembleia que as mensagens recebidas estavam assinadas pelo nome de Ciça, apelido de sua filha. “Ela sempre subscreveu seus telegramas e cartas com o seu primeiro nome”, justificou. Após o deputado José Liberato denunciar que em Caruaru corriam rumores de que Aracy fora barbaramente surrada por Drayton, a Assembleia decidiu suspender, por 48 horas, a leitura, em plenário, da carta-renúncia, na qual a deputada fazia referências elogiosas ao presidente Médici e ao governador Eraldo Gueiros, embora afirmasse que renunciava “por livre e espontânea vontade”. Um dia antes do aniversário de 114 anos da cidade de Caruaru, o governador Eraldo Gueiros reuniu, no Palácio dos Despachos, toda a bancada da Arena na Assembleia Legislativa, a fim de discutir com os parlamentares a situação criada com a suspeita de que a renúncia da deputada Aracy Nejaim teria sido arrancada sob coação. Ele recomendou muita cautela, por parte da mesa diretora, quanto à imediata efetivação da renúncia. Aracy estava desaparecida há 14 dias. Se a mulher elegante que sentava entre os deputados Carlos Veras e Antônio Heráclio, no plenário da Assembleia, e se exaltava na tribuna defendendo algum ponto de vista, tivesse sua renúncia consumada, o eleitorado feminino perderia a única representante no Legislativo. Em seu lugar, assumiria o primeiro suplente da Arena, Antônio Dourado Cavalcanti, da cidade de Lajedo. Nos corredores da Assembleia, já começavam a dizer que Dourado era aquele que poderia dar melhores informações sobre o paradeiro de Aracy. “Está muito interessado”, diziam. As informações finalmente se tornavam mais evidentes quando o co-

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merciante José Carlos de Oliveira foi detido, nas proximidades do Hotel São Domingos, na Praça Maciel Pinheiro, em Recife. Ele estava acompanhado do deputado Ênio Guerra e aguardavam a chegada do presidente da Assembleia, quando foi conduzido ao Departamento de Polícia Federal e, em seguida, encaminhado à Secretaria de Segurança Pública, onde foi interrogado por algumas horas. Fontes parlamentares informaram ao Diario de Pernambuco que dois empregados de Drayton Nejaim também foram detidos, mas seus nomes eram mantidos em sigilo. Sem uma explicação definitiva para o caso, a Assembleia Legislativa decidiu instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), sob a presidência do deputado Carlos Veras, a fim de investigar o desaparecimento da deputada Aracy Nejaim, que já durava 16 dias. A decisão foi tomada em reunião secreta, na Casa Joaquim Nabuco. A oposição também se declarou favorável à Comissão. Integravam a CPI os deputados Jarbas Vasconcelos, Edgar Moury Sobrinho, José Lusmar Lócio e Osvaldo Rabelo. O senhor Mauro Godoy foi designado secretário. Os parlamentares tentaram despistar a imprensa, afirmando que somente um dia depois seguiriam para Caruaru. A tentativa, no entanto, foi frustrada. Logo os jornalistas tomaram conhecimento de que dois automóveis oficiais apanhariam os deputados em suas residências para seguir viagem às 20h daquele mesmo dia. A Assembleia informou que pretendia solicitar a colaboração do Instituto de Polícia Técnica, para o exame de perícia grafoscópica, que pudesse atestar a autenticidade da carta-renúncia e da procuração fornecida ao comerciante José Carlos de Oliveira. Enquanto isso, informou-se que todos os hospitais da capital e casas de saúde particulares haviam sido vistoriados pela polícia. A essa altura, os deputados pouco ou quase nada falavam sobre o fato. Queriam saber tudo, mas se mostravam “trancados”. As dúvidas que moviam a Assembleia Legislativa em torno da carta-renúncia apresentada no dia 14 de maio não estavam diretamente relacionadas à autenticidade do documento – embora houvesse divergências quanto à assinatura –, mas pela comprovação da espontaneidade do ato. Especialmente pela falta de condições dos parlamentares em ouvir a deputada, que estaria em lugar incerto.

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Integrantes da Polícia Federal seguiram para o município de Riacho das Almas, onde acreditavam que a parlamentar arenista estaria hospedada em uma fazenda, a 25 quilômetros de Caruaru, antiga propriedade de Jaime Nejaim, pai de Drayton. A fazenda pertencia ao senhor Mariano Francisco da Silva, conhecido por Mariano gordo, amigo da família Nejaim. A deputada, todavia, não estava no local. Os deputados que compunham a CPI também passaram a noite inteira ouvindo o médico Horácio Florêncio, que prestou os primeiros socorros a Aracy. O desaparecimento da deputada dava asas à imaginação popular. O episódio estava realmente envolto num mistério que fazia lembrar as grandes teias de ficção criadas por romancistas policiais do gabarito de um Conan Doyle, de uma Agatha Christie ou ainda de um Georges Simenon. As suposições eram muitas, mas nenhuma delas baseada em dados ou indícios. Não apenas Pernambuco, mas, a esta altura, todo o Brasil, informado do episódio graças à celeridade dos meios de comunicação, estava interessado no caso. Na proporção em que se prolongava o mistério, aumentava a sede por informação. No dia 18 de maio, o delegado de São Lourenço da Mata, Ary Alves de Souza, irmão de Aracy, afirmou à Secretaria de Segurança Pública que a parlamentar fora sequestrada, ou coisa parecida. “De sã consciência, minha irmã não renunciaria à carreira política de maneira alguma”, justificou. Perguntado acerca de Drayton, pelo Jornal do Commercio, o delegado faz uma careta e respondeu: “Drayton é doido. Vivia separado da minha irmã e, agora, deseja voltar. Não sei se o mesmo está metido nesta balela toda”, afirmou. Após o depoimento do comerciante José Carlos de Oliveira, a polícia tomou conhecimento de que seu filho, Lamartine de Oliveira, viajara na companhia de Drayton e Aracy para a Bahia. O retorno de Lamartine era aguardado para o meio-dia da quarta-feira, 19 de maio – com ele, surgia a esperança de esclarecer o local onde se encontrava a deputada desaparecida. O jovem tornava-se, assim, uma peça-chave dos acontecimentos, já que esteve na companhia do casal nos últimos oito dias, desde que viajaram. A Secretaria de Segurança Pública expediu telegramas e rádios às autoridades policiais de todo o Estado, solicitando colaboração para localizar o paradeiro da deputada, desaparecida há mais de 15 dias. O médico Horácio

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Florêncio, o escrivão e o tabelião do cartório em Caruaru também foram acareados, junto com o comerciante José Carlos de Oliveira. A peça mais importante, no entanto, era o jovem Lamartine, que afirmou ter deixado a deputada e seu esposo na cidade mineira de Governador Valadares, retornando, em seguida, de ônibus. O chefe de gabinete da Secretaria de Segurança Pública afirmava que o paradeiro de Aracy era incerto. Frisou que, nos depoimentos, as contradições eram gritantes e, ao que tudo indicava, alguém poderia estar mentindo. Mesmo assim, ninguém foi preso ou detido. A residência do ex-prefeito Drayton Nejaim foi vasculhada pelos agentes do DOPS e até a caixa de água foi examinada. A vistoria continuou em duas fazendas, onde corriam rumores de que a deputada estaria sendo mantida. Na casa de Drayton, não havia um móvel sequer. Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito, o tabelião Nivaldo Freitas revelou que Drayton lhe telefonara no dia 11 de maio, pedindo que ele fosse até a casa de José Carlos de Oliveira, a fim de que duas procurações fossem passadas. O tabelião atendeu ao chamado de imediato, após ouvir que Aracy encontrava-se doente. Antes, Drayton lhe preveniu: “Não se espante quando vir a Aracy”, assegurando que a esposa fora vítima de um acidente automobilístico. O veículo teria capotado e ela quase morrera. “Entrei no quarto e a encontrei com as pernas cobertas por uma toalha. Vi escoriações no seu rosto. Um braço imobilizado e o outro livre. Falei com ela: Dona Aracy, tenho duas procurações para a senhora assinar. Vou lê-las”, narrou o tabelião. “Não precisa não. Drayton mandou, não precisa ler”, reagiu a deputada. Por curiosidade, Nivaldo Freitas perguntou a Aracy como tudo aquilo ocorrera. “Foi uma virada do carro, tendo os estilhaços do para-brisa atingido meu rosto”. Com a resposta, Drayton pediu ao tabelião absoluta reserva do que ouvira. Em seguida, solicitou que Nivaldo entrasse em contato com o cartório criminal para que pudesse assinar seu sursis, antes da viagem. No dia seguinte, José Carlos de Oliveira compareceu ao cartório, a fim de reconhecer a firma de Aracy. O tabelião contou que ficou surpreso ao tomar conhecimento de que se tratava de uma carta em que renunciava ao mandato. “Procurei ganhar tempo. Disse que a assinatura não coincidia com as fi-

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chas do cartório. O senhor José Carlos de Oliveira retirou-se, com algumas fichas, a fim de que fossem postas novas assinaturas da senhora Aracy”, revelou, no depoimento. Diante do fato, Nivaldo Freitas telefonou para Drayton e questionou-lhe a renúncia. “Assim decidimos. Vamos abandonar tudo, a fim de cuidar dos nossos filhos. A política apenas problemas nos trouxe”, despistou o ex-prefeito. Em vão, o tabelião tentou demovê-lo da ideia. À noite, encontrou-se com o senhor José Carlos de Oliveira, lamentou o acontecimento e ficou sabendo que o casal acabara de seguir para Salvador. O jovem Lamartine Sérgio de Oliveira, que viajara com seus padrinhos, reapareceu no dia 19, em Caruaru, e foi chamado a depor. Recusando-se a prestar qualquer depoimento, disse que só falaria à polícia no Recife. Os agentes federais o escoltaram até a capital, junto com seu pai. Lamartine usou de todas as artimanhas para não ser fotografado e mostrou-se insatisfeito por seu pai, quando prestava depoimento, ter-se deixado fotografar. Revelou que regressara de Governador Valadares, de ônibus, tendo Drayton e Aracy seguido para o Rio Grande do Sul. Esclareceu ainda que, durante a viagem, Aracy teve seus braços engessados e que pernoitaram em Penedo (AL). Em Governador Valadares, ela teria ido a um salão de beleza. “Não existe qualquer ressentimento entre eles”, expôs o jovem. A reportagem de 20 de maio, do Diario de Pernambuco, trazia informações importantes sobre o destino de Aracy, longe de terras pernambucanas. Ela esteve internada, durante três dias, no Hospital São Lucas, em Governador Valadares, segundo informou o enfermeiro de plantão José Moacir Trindade, por telefone. Ele disse que a parlamentar pernambucana deixara o hospital às 18h do dia 19, num Corcel, afirmando que voltaria para Recife. Aracy chegou ao São Lucas na segunda-feira, dia 17, e se submeteu a vários exames médicos. O enfermeiro disse que a deputada deixara o hospital com os dois braços engessados. Apresentava um hematoma no olho direito e corte no supercílio, também direito, além de alguns ferimentos em ambas as pernas. As informações coincidiam com as declarações do médico Horácio Florêncio, prestadas à CPI de deputados em Caruaru. O Jornal do Commercio teve acesso à ficha médica da parlamentar. O documento descrevia que ela teve “fratura nos dois cúbitos dos braços, fratu-

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ra do nariz, um ferimento de corte contuso na face direita, além de hematomas nas pernas, nos braços e em outras partes do corpo”. Além desses ferimentos, ela se queixava muito de um dos olhos, tendo sido providenciada a vinda de um oftalmologista que lhe examinou, não registrando lesão de gravidade nessa área. O médico que atendeu e medicou a deputada Aracy Nejaim se chamava Luiz Henrique. Drayton pagou ao Hospital e Maternidade São Lucas importância um pouco superior a Cr$ 700,00 (setecentos cruzeiros), despesa referente, não só aos cuidados médicos de natureza diversa, como também a medicamentos, refeições de acompanhantes e outras. À medida que os fatos iam sendo elucidados, a Assembleia Legislativa decidiu suspender, por tempo indeterminado, a leitura da carta-renúncia enviada por Aracy. O Legislativo somente tomaria uma posição quando a Comissão encarregada de investigar o caso concluísse os seus trabalhos. Em meio à tensão, um novo rumor: Drayton Nejaim apareceu e estaria na Secretaria de Segurança Pública. Um funcionário da Assembleia levou a notícia aos deputados. No plenário, comentava-se até que ponto a notícia seria verdade ou alarme falso. Todos os detalhes foram explicados na suposta aparição de Drayton: ele teria parado em frente à SSP, num Galaxie. Acompanhado de dois homens fortes, entrara bem-humorado, dizendo: “Eu viajando com minha mulher e vocês fazendo um escândalo desses. Mas, o que é isso?”. No entanto, tudo não passou de rumor, como muitos outros, que davam conta de Aracy em um Pronto Socorro ou em Boa Viagem. Os corredores da Assembleia também eram terreno fértil para hipóteses formuladas sobre os motivos que teriam levado a deputada a renunciar. Comentava-se que Aracy, dias antes de desaparecer, dissera acreditar que seu marido estava falsificando assinaturas suas. Em Caruaru, as conversas de mesa de bar e de esquina de rua, reforçavam a hipótese. Houve quem dissesse até que Drayton falsificava a assinatura de Aracy tão bem que conseguia retirar dinheiro dela no banco. Ainda em meio aos comentários, surgiu a hipótese de que o marido da deputada a teria forçado a renunciar por ter vendido seu mandato ao suplente, Antônio Dourado, em troca de Cr$ 120.000,00.

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Após longos 16 dias de sofrimento, finalmente aquela novela policialesca chegaria ao fim, quando Aracy Nejaim reapareceu, em Recife, irreconhecível. Era 20 de maio de 1971 quando findava um mistério que pairou por dias no imaginário da população, mobilizando os poderes político e de polícia no Estado, e a imprensa do país. Uma mulher que envelheceu 10 anos, quase irreconhecível, sem o sorriso expansivo, um hematoma no olho, marcas de queimaduras na testa, os braços engessados. Finalmente, Aracy Nejaim abria o jogo e revelava o que muitos já supunham: “Não renunciei espontaneamente ao meu mandato. Fi-lo coagida, com armas diante de mim, massacrada, sentindo a morte me rondar”. Drayton recebeu dois telefonemas secretos, informando-o sobre toda a confusão gerada após o sumiço de Aracy. Seu informante, do Recife, também o alertou sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito, que investigava o caso. Soube que a situação ficava cada vez pior e decidiu regressar ao Estado. Prometeu, ainda, matar algumas pessoas. Viajando num Corcel, dirigido por Drayton, um dia antes de chegar a Recife o casal dormiu no Hotel Itajubá, apartamento 39, em Jequié (BA), onde se hospedaram como Lamartine Oliveira e senhora. Logo que chegaram a Recife, por volta das 8h da manhã, foram para a casa de um amigo, um fazendeiro de Limoeiro, Francisco Paula Leobaldo de Moraes, na Rua José Alexandre Caçador, nº 47, no bairro do Rosarinho, onde Aracy telefonou para a residência de seus pais, na Madalena. Foi um alívio para todos ouvi-la. Após o telefonema, o casal Nejaim, juntamente com Francisco Leobaldo, começaram a dialogar, em um quarto da casa, sobre como eles deveriam se apresentar, tendo em vista todo aquele escândalo. Aracy fez ver ao marido a necessidade de constituir um advogado, já que Drayton encontrava-se sob sursis. Drayton alegou que ele próprio era advogado. Dada à insistência de Aracy, foi lembrado o nome de Sérgio Murilo. Francisco Leobaldo saiu à procura do advogado e regressou com este à sua casa, pouco tempo depois. Depois de algumas conversas, o casal concluiu que deveria apresentar uma nota à imprensa, assinada por ambos, para dar satisfação às autoridades e à sociedade. A nota chegou a ser rascunhada pelo advogado Sérgio Murilo. Drayton sugeriu que o caso fosse citado como

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“um acidente de automóvel”. Aracy achava melhor que fosse apresentada a versão de uma “queda de cavalo”. Também decidiram que Aracy deveria ir à casa dos seus pais, a fim de tranquilizar os familiares. Aracy quis ir acompanhada por Francisco Leobaldo, mas este recusou e disse que ela deveria ir com Sérgio Murilo, que era advogado. Em seu próprio carro, conduziu Aracy e o advogado até a casa dos pais dela, na Avenida Visconde de Albuquerque, 603, no bairro da Madalena. De lá, Francisco foi até um Pronto Socorro, onde estava sua esposa, e seguiram para casa. Lá chegando, não mais encontrou Drayton Nejaim. Aracy e Sérgio Murilo chegaram à residência dos pais da deputada por volta das 11h. Lá chegando, disse, mentindo, para sua mãe: “Drayton é um anjo. É o pai dos meus filhos”. Quando Sérgio Murilo se retirou, Aracy não conteve o pranto. Abraçada aos pais, iniciou o relato confuso de sua odisseia. Poucos instantes depois, chegam ao local alguns deputados, entre eles Ênio Guerra e José Mendonça. Logo após, alguns agentes de polícia. O inspetor Mário de Souza Leão, que comandou as diligências, chegou minutos depois. O relógio marcava meio-dia e lá estavam também as reportagens do Diario de Pernambuco, Jornal do Brasil e O Estado de São Paulo. Às 13h20, chegou ao local o deputado Moacir André Gomes. Dez minutos depois, notava-se uma grande movimentação. Foi aberto o portão principal e ingressou o Corcel do deputado Ênio Guerra. Aracy seria transportada para o Hospital da Polícia Militar. O veículo partiu, escoltado por três viaturas da Secretaria de Segurança Pública. A deputada trajava saia preta e blusa estampada, com proeminência de verde, preto e branco. Um lenço vermelho cobria a sua cabeça – sugerido por seus familiares, a fim de evitar registros fotográficos no momento em que o carro deixasse a residência. Cinco minutos depois, a deputada Aracy Nejaim deu entrada no Hospital da Polícia Militar. Ficou internada no pavilhão de pediatria. Às 13h40, o deputado Ênio Guerra deixou a unidade e foi providenciar mais um médico. Nesse momento, Aracy ficou sob a assistência do médico Edmar Benévolo, obstetra de plantão. Por volta das 14h30, chegou ao Hospital um agente de polícia, conduzindo um gravador. Após 15 minutos, surgiram os membros da Comissão Parlamentar de In-

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quérito. Os deputados ouviram o médico plantonista e souberam que Aracy deveria ter regulada a sua alimentação, porque a qualquer hora poderia necessitar de anestesia. A Comissão retirou-se às 16h10. Antes, o deputado Osvaldo Rabelo advertiu os policiais de que somente os membros da CPI poderiam ingressar no Hospital, além do inspetor Mário de Souza Leão. O primeiro pavimento foi interditado. Quatro policiais impediam a entrada de estranhos. Na saída, o deputado Carlos Veras, presidente da CPI, falou à imprensa da satisfação ao reencontrar a colega deputada. Outro membro da Comissão disse que o estado de Aracy era deplorável e não poupou o marido da parlamentar. “Ele (Drayton) é um marginal. Um louco. Um anormal”, bradou. Os repórteres tomaram conhecimento de que Drayton ainda estava em Recife, portando uma metralhadora e grande quantidade de armas e munições, tendo a seu lado quatro capangas. As saídas da cidade estavam vigiadas, inclusive o aeroporto e o aeroclube de Pernambuco. A Comissão Parlamentar reuniu-se, no primeiro andar da Assembleia e queria tomar, às 18h, o depoimento de Aracy. O deputado Moacir Gomes adiantou – baseado no estado de saúde da parlamentar – que ela não teria condições de depor. O secretário de Segurança Pública, em exercício, Jonas Fontenele, tomou conhecimento da presença de Aracy, em Recife, no momento em que concedia entrevista à imprensa sobre o rumoroso caso. O relógio marcava 10h50. Foi através do inspetor David Sales, do Departamento de Polícia Federal. O secretário iniciou a entrevista esclarecendo que somente no dia 16, em virtude de uma representação dos pais de Aracy, tiveram início as diligências para localizar a parlamentar. Na representação, o senhor Aurélio de Souza, pai de Aracy, solicitou à Secretaria de Segurança Pública que fossem procedidas buscas visando à localização da deputada, em virtude das notícias circulantes. Os informes davam conta de que ela estava desaparecida, com graves ferimentos. Diante desse fato, o delegado Jorge Tasso foi designado para efetuar sindicâncias. As primeiras diligências ocorreram em Caruaru, onde seis testemunhas foram ouvidas. Telegramas haviam sido expedidos para todos os Estados da União, visando localizar o casal Nejaim. O deputado Ênio Guerra, um dos primeiros a chegar à residência dos fa-

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miliares de Aracy, manteve longo contato com o governador Eraldo Gueiros, para inteirá-lo do estado em que se encontrava a parlamentar arenista. Imediatamente, o Chefe do Executivo disse que o Estado tinha interesse no caso e que nada faltaria a Aracy. Acertou-se ainda que as despesas de hospitalização correriam por conta da Assembleia Legislativa. Uma Junta Médica, formada por um traumatologista, um psiquiatra e um oftalmologista, solicitada pela Comissão Parlamentar de Inquérito, permaneceu duas horas examinando a deputada Aracy, no Hospital da Polícia Militar. Após os exames, que se prolongaram até as 20h30, os médicos não fizeram declarações à imprensa, limitando-se a entregar cópia do laudo à Polícia Militar e aos membros da CPI. Em seu primeiro encontro com os deputados, Aracy não concluiu um só pensamento. Estava tão transtornada que apenas referia-se a fatos isolados, ocorridos em Caruaru, em Governador Valadares, na estrada. Demonstrava um desordenamento mental, incapaz de um relato ordenado. Lembrava-se de que assinara muitos papéis, sem conhecer o conteúdo. Alguns deles em branco. Diversas vezes ouviu do marido: “Faça isso, senão morre”. Agora, já não temia Drayton e falava, dizendo o que lhe vinha à mente. No conforto do lar materno, não via metralhadora ou revólver. Nem sentia, sobretudo, a presença ameaçadora do homem que, há anos, povoara de sonhos sua adolescência, de quem teve dois filhos e havia se transformado em seu algoz, no seu quase assassino. Revelou que Drayton a maltratou sozinho, mas houve uma trama, com a cumplicidade de muitos. Alguém colaborou com seu esposo para escrever cartas assinadas pelos seus filhos, a ela endereçadas, tendo como procedência Montevidéu. “Ele queria me levar para o Uruguai. Viajamos até Governador Valadares e a Polícia Rodoviária não nos parou em um só lugar. Passamos por postos, o carro era abastecido e ninguém nos incomodou”, disse. Supunha, ainda, que ao deixar Caruaru, passaram dois dias em Recife, antes de seguir viagem. A deputada, falando aos seus familiares, antes de se dirigir ao Hospital da Polícia Militar, no bairro do Derby, disse que Drayton preenchera os cartões de registro do Hotel Real Minas, em Governador Valadares, com nomes falsos. O dela era Lúcia e o dele, o do afilhado, Lamartine de Oliveira.

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Nos quatro dias em que esteve internada no Hospital São Lucas, em Minas, Aracy sustentou a mentira contada por Drayton, de que sofrera um acidente de carro, no interior da Bahia. O médico Luiz Henrique Diniz Santos, que atendeu a deputada, contou depois a agentes do DOPS que estranhou o fato de seu companheiro estar ileso. A gravidade do “Caso Nejaim”, como ficou popularizado, através da imprensa, fez com que o Aeroporto dos Guararapes, o Aeroclube, estações rodoviária e ferroviária permanecessem sob rigorosa vigilância policial, a fim de que fosse evitada a fuga do ex-prefeito de Caruaru Drayton Nejaim. A Secretaria de Segurança Pública mobilizou todo seu dispositivo para capturá-lo. O secretário Jonas Fontelene apressou-se em comunicar que Drayton seria enquadrado em inquérito comum, por haver provocado lesões graves, cárcere privado, sequestro, sevícias e tortura em sua esposa, durante 16 dias. Hospitalizada e rigorosamente vigiada em um dos apartamentos do Hospital da Polícia Militar, Aracy Nejaim foi interrogada, informalmente, pelo delegado Fernando Albuquerque – que substituíra Jorge Tasso, após este renunciar à indicação feita pela Secretaria de Segurança Pública para apurar o caso, sob o argumento de que seu irmão, Fernando Tasso, mantinha ligações estreitas com a família da deputada. A Comissão Parlamentar de Inquérito assistiu ao interrogatório. Nada foi revelado à imprensa. Passados 16 dias, os hematomas, as queimaduras com cinzas de cigarro e os braços com fratura ainda estavam vivos, como provas irrefutáveis dos fatos. O cerco policial estava fechado para Drayton Nejaim. Havia rumores de que ele estava preparado para reagir a bala, acompanhado por capangas e portando grande quantidade de armas e munições. Outras fontes informavam que ele estaria enfermo, em local não identificado, e, segundo seu advogado, iria apresentar-se oportunamente à Polícia. Informou-se, ainda, que o advogado Sérgio Murilo impetraria habeas corpus preventivo, em favor de Drayton. Enquanto isso, agentes do DOPS vasculhavam os bairros da Imbiribeira, Espinheiro, Piedade e Boa Viagem, em busca do marido da deputada Aracy. Um novo claro surgia em meio ao rumoroso caso, quando o advogado Sérgio Murilo anunciou que Drayton Nejaim iria se apresentar espontaneamente às autoridades, nas próximas 24 horas. Ele, entretanto, negou-se a

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[1] [4]

[1] O abraço de gratidão ao governador Nilo Coelho, pelas grandes ações em favor de Caruaru [2] O arquiteto Arthur Lima Cavalcanti, ex-prefeito do Recife, apresenta projeto de hotel para Caruaru [3] O prefeito Drayton Nejaim e a elegante primeira-dama Aracy Nejaim, na década de 1960 [4] Embaixador Paschoal Carlos Magno, de pé, ao lado de Anastácio, durante evento em Caruaru [5] Anastácio caminha ao lado do governador Eraldo Gueiros, outro de seus grandes apoiadores [6] Com Diva e Plínio Pacheco, em evento na noite caruaruense


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[1] A ex-deputada Aracy de Souza, em sua última fotografia, registrada pouco antes de sua morte, em 2012 [2] O polêmico casal Drayton e Aracy protagonizou um dos maiores escândalos da política pernambucana [3] Apesar das muitas responsabilidades, Anastácio buscava momentos de lazer entre amigos [4] Anastácio nunca se sentiu bem entre os poderosos. Gostava mesmo de estar entre a geste simples [5] Ombro a ombro: Eraldo Gueiros e Anastácio [6] O vereador Zino Rodrigues, irmão de Anastácio


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revelar o paradeiro de seu cliente. Em meio ao vendaval, receoso quanto ao teor das declarações que a deputada prestaria, Drayton enviou duas cartas a Aracy, apelando para o sentimento materno da esposa. Numa delas dizia: “Pense mais nos meninos”, referindo-se aos filhos Nelson e Jaime. A Assembleia Legislativa de Pernambuco já falava em arquivar a carta-renúncia, tendo em vista que fora assinada inconscientemente. No entanto, teria que esperar a conclusão dos trabalhos da CPI, para resolver em definitivo o problema. O suplente de Aracy, Antônio Dourado, que esteve na Assembleia no dia em que a carta-renúncia foi apresentada, não mais apareceu lá e os deputados comentavam sua ausência. Os membros da CPI que investigava o “Caso Nejaim” foram até a residência do advogado Sérgio Murilo. Entre um cafezinho e outro, ele negou-se a fornecer o endereço onde estaria o ex-prefeito de Caruaru, invocando o Código de Ética e os estatutos da Ordem dos Advogados do Brasil. Sérgio Murilo declarou que durante o trajeto para a casa dos pais da deputada, ouviu de Aracy que ela amava o marido e que renunciou para dedicar-se a ele e aos filhos. Consciente de que ele não falava a verdade, a Comissão retornou à Assembleia e realizou nova reunião. As declarações da deputada Aracy Nejaim ao delegado Fernando Albuquerque foram gravadas durante duas horas e as acusações se estenderam aos familiares de Drayton, que ela acusou de o terem instigado a cometer o massacre. Além disso, Aracy também acusou mais doze pessoas, que o delegado passaria a ouvir para tomar depoimentos. “Não fui morta porque em certa ocasião, após ele haver me batido por horas seguidas, deixando-me em estado de semi-consciência, afirmou que não me matava porque sua mãe pedira para que não fizesse uma loucura e pensasse nos filhos”, disse a deputada. Embora aparentasse certa resistência física, Aurélio Alves de Souza, pai de Aracy, chegou a um profundo estado de esgotamento psicológico, com os acontecimentos que envolveram a sua filha e sofreu um enfarte, quatro dias após o reaparecimento dela. Alguns parentes já esperavam um desfecho trágico, dado o clima de intranquilidade que reinava naquela residência, protegida pela polícia – vez que as autoridades temiam um ato inesperado por parte de Drayton. Os filhos de Aracy, até aquele momento, desco-

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nheciam inteiramente a tragédia que envolvia a família e permaneciam sob os cuidados da avó, Dona Alda. A justiça de Caruaru revogou, no dia 24 de maio, o sursis que concedera a Drayton Nejaim, para que pudesse “viajar” com a esposa. Drayton já havia sido condenado a três meses de prisão, depois de ter respondido a processos por crimes administrativos praticados à frente da Prefeitura de Caruaru, conforme relatado em capítulos anteriores. Suspendido o sursis, ele poderia ser preso por qualquer agente policial, em qualquer parte do país. Drayton poderia também ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional, se o inquérito policial concluísse que ele agira “por motivo de facciosismo ou inconformismo político-social”. A posição do ex-prefeito de Caruaru se tornou ainda mais precária depois que a imprensa divulgou que ele pretendeu vender o mandato da esposa ao suplente Antônio Dourado, exercendo violência contra Aracy, inconformado com seu alijamento da vida política do Estado, desde que teve seus direitos políticos suspensos pela Justiça. Para livrá-lo da prisão, os advogados Sérgio Murilo e João Bosco Tenório impetraram habeas corpus preventivo, no dia 27 de maio. O documento, entregue ao Tribunal de Justiça de Pernambuco, descrevia os fatos ocorridos como sendo uma série de entreveros conjugais entre Drayton e Aracy. Os advogados esclareceram que Drayton somente se apresentaria às autoridades policiais após o julgamento do habeas corpus. Assim, ele poderia comparecer sem o perigo de ser preso – diziam. O ex-prefeito permanecia foragido, sendo intensamente procurado para prestar esclarecimentos. O deputado Jarbas Vasconcelos, que quis renunciar ao posto de membro da CPI, insatisfeito com as dificuldades observadas na tentativa de ouvir Aracy, voltou atrás, após ser convencido pelos colegas. Dias antes, o futuro governador de Pernambuco havia dito que renunciaria a sua condição de membro da CPI, caso adiassem o depoimento da deputada. “Toda vez que aqui comparecemos, temos nossos passos tolhidos pelos componentes do inquérito policial”, disse Jarbas, revelando a opinião crítica que lhe acompanharia ao longo da vida pública. Em entrevista ao Diario de Pernambuco, Jarbas esclareceu que somente no dia 24 de maio Aracy começou, de fato, a prestar depoimento à CPI, ra-

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tificando que fora sequestrada e surrada, assinando sob forte coação a carta-renúncia ao seu mandato eletivo. Disse ainda que o objetivo da CPI foi devidamente alcançado e apontou que o caso passava à alçada da polícia. “Aracy está sob pressão para complicar minha vida”, disse Drayton, depois de ser localizado. “Mas ela continua a me amar e a querer-me perto de si. Mesmo depois de uma surra que lhe apliquei, ela me disse chorando: – Pelo amor de Deus, não me deixe. Irei com você para onde você quiser ir. No mundo, só você e meus filhos me importam”, confabulou o ex-prefeito, narrando palavras que supostamente teria ouvido de Aracy. Questionado sobre o motivo da agressão, Drayton limitou-se a um comentário lacônico: “Briga de casal, assunto particular”. No dia em que se apresentou à polícia, Drayton saiu do escritório dos seus advogados, Sérgio Murilo e João Bosco Tenório e foi até a Secretaria de Segurança Pública (SSP). Estava munido de salvo conduto, a fim de depor. Com faces contraídas, caminhando a passados largos e firmes, sempre falando baixo com seus assessores, paletó de cor diferente da calça, Drayton desceu na Rua da Aurora, em frente à SSP, para depor. Ele e seus advogados não esperavam que um agente da Polícia Federal iria prendê-lo na saída. A surpresa foi geral. Aturdidos, os advogados não tiveram tempo para esboçar qualquer justificativa. Sabiam que o salvo conduto, concedido pelo desembargador Augusto Duque, somente teria validade no âmbito estadual. Surpresa maior teve o próprio Drayton. A cena foi rápida. O inspetor Fraga identificou-se e o convidou a entrar no carro da Polícia. A prisão ocorreu às 10h15, depois de ter prestado depoimento ao inspetor Jonas Fontenele. O ex-prefeito foi levado à sede da Polícia Federal, na Rua Floriano Peixoto, onde o inspetor David Sales, responsável pelo inquérito no âmbito federal, aguardava-o para ouvi-lo informalmente. Dormiu aquela noite na sede da Delegacia, enquanto providenciavam seu recolhimento a uma unidade militar. No dia seguinte, foi informado de que seria levado ao quartel do Esquadrão Dias Cardoso, onde cumpriria prisão especial. A possibilidade de ter solicitada sua prisão preventiva, após a conclusão do inquérito, angustiava Drayton ainda mais. Faltavam 25 minutos para as 16h, quando ele saiu da sala em que pernoitou, na Delegacia de Polícia Fe-

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deral, para o cartório, onde se encontrava seu uniforme. Dez minutos depois, entrou no carro que o conduziu ao Dias Cardoso, na Avenida General San Martin. Drayton foi recolhido àquela corporação às 16h17, do dia quatro de junho de 1971, em companhia de agentes federais. Estava com a fisionomia carregada, denotando ar de preocupação e foi indiferente ao disparar das máquinas fotográficas e à curiosidade dos repórteres. Era acusado de ter em seu poder armas privativas das Forças Armadas e de ter agredido sua esposa, a deputada Aracy Nejaim, com tais armas, um mês antes, quando tivera início o “Caso Nejaim”. No Dias Cardoso, Drayton ficou sob a guarda da Polícia Militar de Pernambuco, em regime de prisão especial, em virtude de sua condição de bacharel em Direito. A detenção foi decretada com base no artigo 59 da Lei de Segurança Nacional. O inspetor informou que dispunha de 30 dias para concluir o inquérito, mas esperava fazê-lo em menor tempo. Na manhã do mesmo dia em que foi detido, Drayton concedeu entrevista à imprensa, na casa do advogado Sérgio Murilo. O Diario de Pernambuco registrou que ele reagiu teatralmente às indagações dos jornalistas, dizendo que fez uso de utensílios domésticos para agredir a esposa. Negou que tivesse utilizado as armas apreendidas. A deputada Aracy Nejaim tomou conhecimento da prisão de Drayton através de seus familiares. Mais uma vez, recusou-se a receber a imprensa para comentar o caso. Drayton permaneceu preso durante todo o período de investigações e conclusão do inquérito. Algumas semanas depois de sua detenção, a imprensa noticiou que ele tramava a própria fuga do Esquadrão Dias Cardoso, subornando autoridades que o custodiavam, acusação que negou veementemente, citando que viver na clandestinidade não estava em seus planos. “Não tenho do que fugir, mas do que me defender”, afirmou. O inquérito foi concluído no dia 27 de junho. O documento, com 20 laudas datilografadas, continha o depoimento de Drayton, ao delegado Fernando Albuquerque, que durou 19 horas. Por várias vezes a inquirição foi suspensa, por ambas as partes revelarem cansaço. Drayton negou ter sequestrado e coagido a esposa a assinar a carta-renúncia e procurações. Após a conclusão, foi solicitada a prisão preventiva do ex-prefeito, pe-

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lo inspetor da Polícia Federal, David Salles, ao auditor da 7ª Circunscrição Judiciária Militar, Antônio Carlos de Seixas Teles. O pedido foi formulado nos autos do inquérito policial, enviado juntamente com as armas que foram apreendidas na Primeira de Delegacia de Caruaru, em 23 de maio, depois que foram entregues pelo comerciante José Carlos de Oliveira, a quem Drayton as havia presenteado. Durante as investigações, as armas foram reconhecidas como de propriedade de Drayton por José Avelino Sobrinho, seu amigo; por José Carlos de Oliveira, seu compadre e também por Geraldo Gomes da Silva, administrador da fazenda Solar dos Nejaim, onde ocorrera o crime. Aracy também reconheceu as armas, afirmando que seu marido adquirira o fuzil metralhadora através de um contrabandista, no Estado da Guanabara, ainda na época em que era deputado estadual. Geraldo Gomes confirmou, ainda, que Drayton chegara à Fazenda, no dia quatro de maio, trazendo as armas citadas. Os advogados de Drayton discordaram da decisão, alegando que o réu, além de ter-se apresentado espontaneamente às autoridades policiais, possuía endereço certo e profissão definida. Drayton afirmou que respeitaria qualquer decisão da Auditoria Militar a seu respeito, salientando ser uma honra sua prisão pela posse de armas privativas das Forças Armadas, adquiridas “para enfrentar a ameaça do comunismo”. Enquanto isso, Aracy Nejaim continuava internada no Hospital da Polícia Militar. Em Caruaru, a Câmara Municipal aprovou, naqueles dias, requerimento do vereador Salvador Sobrinho, líder da bancada da Arena, se solidarizando com o ex-prefeito, ressaltando as condições especiais que o levaram a adquirir armas, “face à ameaça comunista que existia na época contra a família caruaruense e brasileira”, dizia o documento, assinado pelos demais vereadores arenistas. Apesar dos esforços, o Conselho Permanente de Justiça do Exército decretou, no dia oito de julho, por unanimidade de votos, a prisão preventiva de Drayton Nejaim, para evitar que ele influenciasse testemunhas e peritos durantes as investigações. Quatro dias depois, no entanto, a prisão foi revogada. Drayton, que ouviu a decisão bastante emocionado, chorou. Estava livre da prisão, mas não do processo. Aracy chegou a confirmar que ouvira no cativeiro, do próprio Drayton,

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o motivo das agressões que sofrera: vendera, por Cr$ 120 mil, a sua renúncia ao suplente, Antônio Dourado, pois estava em grande aperto financeiro. Drayton passou a defender entre amigos e aliados a tese de adultério para justificar a violência contra a própria esposa. Em Pernambuco, era de conhecimento popular que o casal já se separara uma vez, por motivo de infidelidade dele, e, ultimamente, as divergências vinham-se acentuando cada vez mais. Impedido de participar da política, depois de ter seus direitos políticos suspensos por irregularidades cometidas na Prefeitura de Caruaru, Drayton viu Aracy se reeleger deputada e, na Assembleia Legislativa, aproximar-se de grupos do governo que o cassara. Cinco meses após o escândalo, Drayton resolveu falar à imprensa sobre o caso. Sua meta era clara: mudar as regras do jogo e passar a vítima da história. Ele passou a acusar Aracy de infidelidade, dizendo que reunira várias provas de que sua esposa era adúltera e que, por isso, a havia agredido. Drayton afirmava que Aracy teve dezenas de amantes e que não citaria nomes “para não destruir outros lares”. Alegava ainda ter duas confissões de amantes dela, por escrito, e que anexaria, através de seu advogado, ao processo movido contra ele pelas agressões à esposa. Informou que, no dia em que a agredira, na granja do casal, Aracy tentou desmoralizá-lo perante os funcionários que estavam no local. Ignorando que ele a escutava, teria respondido a um deles, que perguntara por Drayton, quando da chegada no local: “ele vem aí com uma carga de chifres”. As principais revistas e jornais do país naquela época publicaram com destaque o suposto número de amantes de Aracy. Cruzeiro, Manchete, Visão e Veja repercutiram a notícia do “adultério” em letras garrafais. Drayton reforçava as acusações de infidelidade e falta de caráter da esposa, dizendo que, apesar de a lei garantir a ela processá-lo por injúria ou calúnia, não o fizera até então. Segundo ele, Aracy havia tido 60 amantes e não passava de uma prostituta que traíra a sua confiança. E que fora, como todo marido traído, o último a saber. Somente à Justiça Drayton revelou a identidade de um dos amantes de Aracy. Tratava-se de Eurico Alves de Queiroz Júnior, vereador da cidade de Bezerros. Euriquinho, como era conhecido, escreveu uma declaração em que narrava com detalhes situações em que manteve relações sexuais com

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Aracy, apontando nomes de testemunhas e dizendo-se arrependido por haver traído a confiança de Drayton. É curioso e, no mínimo, estranho que Euriquinho tenha escrito e assinado uma declaração como essa. E ainda encaminhado ao próprio marido traído. Mas a verdade é que o fez, não se sabe a razão porque fora motivado. E Drayton, é claro, apresentou o texto à Justiça. Ele chegou ao ponto de confessar que sua vontade, durante as horas em que agrediu Aracy, era de matá-la e que não o fez por ter se sentido mal quando a viu ensanguentada. Nesse momento, sentiu um mal estar tão intenso que pensou que iria enfartar. Quem conheceu o ex-prefeito sabe que três coisas apavoravam Drayton: sangue, hospital e cemitério. Não fosse isso, talvez a deputada Aracy Nejaim tivesse deixado aquela granja não para a casa do compadre José Carlos de Oliveira, mas para um necrotério. Pessoas que acompanharam o fato recordam que Drayton quis mesmo vender o mandato de Aracy. “Foi alardeado que o motivo seria adultério. O próprio Drayton me disse isso. Mas, particularmente, acredito que a agressão foi mesmo para ela assinar a renúncia. Um acordo que ele fez com o suplente. Ele (Drayton) estava liso, era viciado em jogos, todos sabem. Então, naquele momento de desespero, acabou agindo dessa forma. Depois, ele me disse que tinha se arrependido do que fez”, conta o ex-vereador José Carlos Rabelo. Assim que reassumiu o mandato, Aracy encaminhou à Assembleia Legislativa ofício solicitando que retirassem de seu nome de deputada o sobrenome do marido. Passaria, então, a ser apenas Aracy de Souza. Foi ela quem pediu à Justiça o divórcio, tendo Drayton inicialmente insistido para que não o fizesse. Naqueles dias, Drayton Nejaim amargava outro processo. O ex-prefeito era acusado de possuir armas privativas das Forças Armadas. Ele tinha sob guarda, em casa, uma pistola Colt calibre 45, com emblema do Exército, uma carabina semiautomática, calibre 30, de fabricação norte-americana, e vários cartuchos intactos. O procurador militar Othon Fialho de Oliveira disse que o ex-prefeito recebeu e ocultou, em proveito próprio, durante vários anos, as armas que

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sabia ser produto de crime. O procurador ressaltou ainda que tais armas “não poderiam ser cedidas nem vendidas, pois eram privativas das Forças Armadas e da Nação”. As armas haviam sido apreendidas no dia 23 de maio, após o escândalo do Caso Nejaim. Foram as mesmas usadas por ele para agredir a mulher. Drayton foi acusado com base no artigo 254 do Código Penal Militar. Em interrogatório na 7ª Circunscrição Judiciária Militar, ele alegou que, no dia 31 de março de 1964, quando explodiu o golpe militar no Brasil, recebeu em seu gabinete, na Prefeitura de Caruaru, a visita de “dois ou três oficiais de um batalhão de engenharia, que se deslocara de Campina Grande a Caruaru”. E utilizou um argumento quase infantil: disse que um destes oficiais colocou sobre sua mesa de trabalho as armas da denúncia e “após a Revolução, guardou-as em sua gaveta, esperando devolvê-las ao referido oficial”. Entretanto, devido aos seus afazeres, posteriormente, não se lembrou de entregar as armas. Quando as coisas já não iam muito bem, naqueles dias, o juiz federal Artur Maciel recebeu do Departamento de Polícia Federal em Pernambuco, os autos de mais um inquérito instaurado contra Drayton, por não ter cumprido corretamente compromisso assumido com o Ministério da Educação e Cultura, incorrendo em crime de responsabilidade. Em sua gestão como prefeito de Caruaru, Nejaim obteve a quantia de Cr$ 12.080,00 (doze mil e oitenta cruzeiros), para a construção de duas escolas públicas, não tendo, entretanto, aplicado a verba devidamente. O convênio firmado entre a Prefeitura de Caruaru e o MEC, em setembro de 1968, previa a construção de duas escolas primárias, no Alto do Moura e em Juriti. No mês de outubro daquele mesmo ano (último do governo Drayton), os recursos foram liberados. De acordo com o parecer da assistência técnica de Instrução Jurídica do MEC, houve “desvirtuamento” das finalidades do auxílio concedido mediante o convênio. O prefeito Anastácio Rodrigues, sucessor de Drayton na prefeitura, comunicou ao Ministério da Educação que a construção da escola do Alto do Moura não fora concluída, apresentando várias fotografias, que foram anexadas aos autos. Quanto ao segundo grupo escolar, previsto para a localidade de Juriti, “nada foi construído naquele local”.

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À imprensa, Drayton declarou que aquelas denúncias obedeciam a um plano para o desfigurar perante a opinião pública. “Mas, vencerei no final a essas investidas. Elas serão nulas, tenho fé em Deus. Aguardem. Ninguém perde por esperar”, afirmou. O Conselho Permanente de Justiça do Exército absolveu, em 22 de novembro de 1971, Drayton Nejaim, por unanimidade de votos, no processo em que era acusado de manter em seu poder armas privativas das Forças Armadas. O procurador militar, Othon Fialho de Oliveira, pediu a absolvição do réu, afirmando que “desde o início, suspeitei que havia interesse de prejudicar o acusado. Aqui, não se persegue quem quer que seja”. A declaração do procurador era intrigante. Primeiro, porque, dias antes, Othon Fialho havia dito que o ex-prefeito recebeu e ocultou, em proveito próprio, durante vários anos, as armas que sabia serem produto de crime. Depois, porque, alegando perseguição a Drayton, sem citar os perseguidores, deixava em segundo plano o crime pelo qual estava sendo julgado. Um comentário, portanto, lacônico e duvidoso. Sérgio Murilo Santa Cruz, advogado de Drayton, alegou que não houve tipicidade na recepção das armas, uma vez que a lei exige a ciência prévia de ser o objeto produto de crime. Lembrou que as armas foram deixadas no gabinete do réu, por oficiais do Exército, quando da “Revolução de 31 de março de 1964, da qual o ex-prefeito foi o líder civil em Caruaru”. A defesa salientou que informações da diretoria do Departamento de Armas e Munições do Ministério do Exército, constantes do processo, dão conta de que as referidas armas não estão registradas no fichário daquele departamento, não constituindo crime o fato de tê-las guardado. A Procuradoria Militar e a defesa destacaram os depoimentos dos generais João Dutra de Castilho, Antônio Bandeira e Justo Simões dos Reis, do senador João Cleofas de Oliveira e do prefeito do Recife Augusto Lucena, atestando que “a posição política do réu sempre foi coerente com os princípios revolucionários”. Foi lembrado ainda que Drayton Nejaim ocupara, por três vezes, uma cadeira na Assembleia Legislativa de Pernambuco, além de ter sido convidado pelo general Castelo Branco, então comandante do IV Exército, para disputar a Prefeitura de Caruaru em 1963.

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O auditor da 7ª Circunscrição Judiciária Militar, Antônio Carlos de Seixas Teles, fez constar da ata o detalhe de que o réu se ausentou da sala de audiências, durante a leitura da sentença. O advogado de defesa justificou a atitude de Drayton Nejaim, esclarecendo que ele estava sofrendo de cardiopatia, tendo sido aconselhado pelo médico a evitar emoções fortes. O político certamente comemorou com euforia o anúncio. Em agosto de 1991, vinte anos depois do Caso Nejaim, a Justiça declarou extinta, pela prescrição, a punibilidade dos crimes pelos quais Drayton Nejaim foi acusado, no processo que tinha como vítima a deputada Aracy de Souza, sua ex-mulher. Com o passar dos anos, a pretensão punitiva do Estado se diluiu, ocasionando o trânsito em julgado da sentença.

Numa época em que o movimento artístico era muito mais atuante que nos dias atuais, o embaixador Paschoal Carlos Magno esteve em Caruaru, no mês de maio de 1971, para inaugurar o Teatro de Bolso que recebera o seu nome, através de iniciativa do Grupo de Cultura Teatral. Instalado no primeiro andar de um prédio na Rua Martins Júnior, tratava-se de sala de pequenas dimensões, com acomodação para 80 pessoas. Paschoal utilizou uma faca peixeira de 12 polegadas de lâmina para cortar a fita simbólica – uma grossa corda de agave. A tarefa, que durou alguns minutos, deixou meio cansado o conhecido homem de teatro. “Nunca fiz tanta força na minha vida, como agora”, disse o embaixador e dramaturgo. Também contou fatos pitorescos de sua vida, dizendo que foi vereador em sua terra natal, o que lhe valeu a experiência de que a função, à sua época, seria equivalente à de “despachante de professoras”. Os prefeitos Anastácio Rodrigues, de Caruaru e Souto Dourado, de Garanhuns, além do senhor Felinto Rodrigues Neto, do Serviço Nacional de Teatro, também ouviram o papa do teatro brasileiro discursar. Em fins de maio, a Câmara Municipal aprovava, por unanimidade, o Projeto de Lei nº 2.415, do prefeito Anastácio Rodrigues, autorizando empréstimo no valor de Cr$ 350 mil, a ser tomado ao Banco do Nordeste, para financiar obras do Distrito Industrial. O crédito seria por prazo não superior a cinco

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anos, com juros de 10% ao ano. Enquanto isso, estavam atrasadas as obras da Barragem de Tabocas, conforme constatou, em serviço de inspeção, o engenheiro Geraldo Miranda, da Sudene. O ritmo apontava que somente no final daquele ano os trabalhos seriam concluídos. O fato era de conhecimento do governador Eraldo Gueiros, que informou ser a obra prioridade de seu governo. Ao mesmo tempo, a Cooperativa de Melhoramentos iniciava a reforma do sistema de distribuição elétrica do bairro Divinópolis. O mês de junho trazia consigo mais uma notícia preocupante para Anastácio. A bancada de oposição na Câmara de Vereadores anunciava que tomaria posição diante do prefeito, que estaria “menosprezando o deliberativo local”. Os vereadores da Arena não estavam satisfeitos com o Chefe do Executivo e criticavam o “tratamento desleal” que Anastácio lhes prestava. Dos 13 vereadores daquela legislatura, sete eram oposicionistas, sendo que o presidente da Casa, embora arenista, aliara-se ao governo, o que lhe garantia maioria. Os insatisfeitos diziam que “o prefeito não tem dado bolas à oposição”. Criticavam ainda o fato de que Anastácio respondera “com gozações” a um pedido de informações do vereador Bezerra do Amaral, irritando a bancada arenista. Da Câmara de Vereadores também partiu campanha para doar casa ao tradicional folião Cacho de Coco. O vereador arenista José Salvador Sobrinho apresentara requerimento – aprovado por unanimidade – pedindo ao prefeito que estudasse a possibilidade de comprar ou mandar construir uma casa para José Romão da Silva, o conhecido Cacho de Coco, figura popularíssima em Caruaru. Nascido na cidade de Bezerros, a 15 de maio de 1884, Cacho de Coco foi morar em Caruaru aos 21 anos de idade. Neto de escravos e já moleque, foi empregado do ex-presidente Café Filho, quando este era Secretário da Prefeitura de Bezerros e advogado dos pobres. Em Caruaru, foi serviçal de importantes famílias. Apaixonado por futebol, em 1928, iniciou sua carreira de desportista, como “corta jaca” dos maiorais do esporte bretão. Foi jogador do Central e, posteriormente, seu treinador. Mas o futebol era uma das facetas de Cacho de Coco, pois a sua

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vida também sempre foi carnavalesca. Criou blocos, movimentou durante muitos anos a festa momesca em Caruaru e, naquele tempo, permanecia como folião com sua agremiação “Sou Eu o Teu Amor”. A tradição carnavalesca de Cacho de Coco fê-lo ser retratado na obra Terra de Caruaru, de José Condé. O “pretinho de alma branca” morava em casa alugada e estava prestes a ser despejado. Situação que culminou com a sensibilidade do Legislativo Municipal. Anastácio diz que certo dia mandou chamar Cacho de Coco até o seu gabinete. Entre eles, ocorreu o seguinte diálogo: – Diga meu “fio”. – Ô Cacho, você tem casa própria ou mora de aluguel? – Meu branco, eu pago alugué. – Pois vá para casa, pegue na mão de Maria (sua esposa), procure uma casa porque você vai sair do aluguel. Anastácio nunca esqueceu a reação que Cacho de Coco expressou nessa hora. “O negro ficou branco”, conta o ex-prefeito, aos risos. Surpreso e feliz, Cacho de Coco sorriu, mostrando a sua dentadura cor de marfim. Anastácio diz que Cacho de Coco tinha por ele um grande carinho.

Entusiasmado com a beleza e gabarito de um hotel a ser construído em Caruaru, o prefeito Anastácio Rodrigues resolveu levar o projeto do novo empreendimento ao conhecimento do governador Eraldo Gueiros, reivindicando incentivos estaduais ao grupo empresarial. O Governo Municipal pretendia ainda inaugurar no dia de São João, o novo sistema de distribuição elétrica e iluminação do Alto do Moura, através dos trabalhos realizados pela Cooperativa de Melhoramentos. Dezenas de propriedades rurais também eram iluminadas, através de programa da Companhia de Eletrificação Rural do Agreste Pernambucano (Cerape). No terceiro ano de governo, as dificuldades financeiras do município de Caruaru eram cada vez mais graves. Atingia o enorme montante de Cr$ 1 milhão e 700 mil o débito de 15 mil contribuintes dos impostos territorial, predial, sobre serviços, além da contribuição de melhorias, segundo relato

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da Secretaria Municipal da Fazenda, que anunciava operação cobrança, podendo executar as dívidas na Justiça, se necessário. Um conjunto de obras públicas a serem iniciadas e a atualização do funcionalismo ainda atrasado em um mês – dizia o secretário Edson Barros – eram alguns dos itens na pauta de ação que dependiam do pagamento em dia dos impostos. Fato curioso acontecia naqueles dias, na ainda muito provinciana Caruaru dos anos 1970. A moeda da época, o Cruzeiro, passou a valer mais que o dólar – ao menos na imaginação da gente simples. Isto porque as notas de Cr$ 1,00, com um asterisco ao lado do número de emissão, passaram a ser negociadas entre os matutos por até Cr$ 8,00 na feira e nas esquinas. Ninguém conseguia convencê-los de que as cédulas valiam a mesma coisa. Quem as conseguia, partia para as negociações no centro da feira e nas esquinas das ruas movimentadas. As ruas e bairros de Caruaru deslumbraram o povo, naquele ano de 1971, com um São João dos mais autênticos. O bairro Petrópolis fez uma palhoça que denominaram de “O Belmirão”. Ali a música era uma constante e os presentes dançaram até altas horas da noite. Houve quadrilha, casamento matuto e muita alegria. A Rua São Roque engalanou-se em bandeirolas, lâmpadas multicores, muitas fogueiras, quadrilha, casamento matuto e arrasta-pé. As Ruas 3 de Maio e 27 de Janeiro também promoveram grandes festas. A Secretaria do Interior e Justiça, em convênio com o município, realizava um trabalho pioneiro no Nordeste, aproveitando garotos desocupados para servirem de cicerones, além de outras tarefas leves. Para tanto, a diretora do Departamento de Turismo, Luísa Maciel, vinha submetendo à seleção 40 crianças, que recebiam instrução sobre História e o Folclore da região. Outro tipo de convênio adotado consistia na instalação de uma engraxataria, onde cerca de 30 crianças tinham uma ocupação útil e remuneração mensal. Assistentes sociais da Febem atendiam aos menores abandonados. O Departamento de Arquitetura da Construtora Loyo apresentava, no mês de julho, o projeto para construção de um grande hotel em Caruaru, a ser erguido na margem variante à BR-232, na entrada da cidade, numa área de 12 hectares, contendo 100 apartamentos, salão de jogos, sauna, piscina para crianças e adultos, e piscina térmica. O projeto era do arquiteto Arthur

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Lima Cavalcanti, ex-deputado federal e ex-prefeito do Recife. Paralelamente, as estátuas do Coroné Ludugero e seu inseparável companheiro Otrope, mortos num desastre de avião, no Pará, no ano anterior, ainda não haviam sido construídas e a campanha de arrecadação de recursos, pela Rádio Cultura do Nordeste, permanecia em ação. O prefeito Anastácio Rodrigues aproveitava para enviar mensagem à Câmara Municipal, propondo a construção de um mausoléu para o famoso artista, no cemitério Dom Bosco, a título de homenagem póstuma. O escritor Nelson Barbalho foi encarregado pelo Governo Municipal para pesquisar junto a entidades que tinham como objeto assuntos de Heráldica, visando à confecção do brasão de armas do município de Caruaru, emblema que sintetizaria a História e tradições da comunidade. Para o prefeito Anastácio, a presença de um elemento que identifique o município, de forma oficial, era uma necessidade, sob o ponto de vista histórico e educativo. Naquele período, a Prefeitura de Caruaru passava por séria crise financeira e atrasou o pagamento de vários funcionários. A Câmara Municipal, como medida repressiva, resolveu que nenhuma mensagem do Executivo seria aprovada, antes que o funcionalismo estivesse recebendo em dia os seus vencimentos. A imprensa destacava que, apesar do imbróglio, o vereador Antônio Bezerra do Amaral – apontado como verdadeira fonte de mutretas – enviara ofício ao prefeito, solicitando a aquisição de um automóvel, que ficaria à disposição do Legislativo caruaruense. As bonificações concedidas pelo município aos contribuintes não atuaram como motivadores, na campanha de melhoria da arrecadação dos tributos municipais. Para se ter uma ideia da indiferença dos cidadãos, o prefeito concedia um abatimento de 40% àqueles que pagassem o exercício de 1971 de uma só vez. Entretanto, a situação tornava-se vexatória, quando se verificava que a dívida ultrapassava a casa dos Cr$ 2 milhões – equivalente ao pagamento do funcionalismo durante 15 meses. Além disso, Caruaru enfrentava vertiginosa queda do ICM, que, em maio de 1970, atingia a cifra de Cr$ 104.815,76, reduzido um ano depois para Cr$ 85.227,12. Naqueles dias, a grande esperança da população estava na conclusão da Barragem de Tabocas, que prometia resolver o velho problema do abastecimento d’água na cidade até o ano 2000. As obras deveriam ser concluídas

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até o fim do ano. Uma vez terminados os trabalhos, teria início a construção da adutora, parte mais cara e demorada do projeto, que teria quatro estações elevatórias, sistema de tratamento e tubulação, estendendo-se pelos 31 quilômetros que separavam a cidade da barragem. A participação do município seria da ordem de Cr$ 1,5 milhão, através de sistema de financiamento que incluía o Banco Nacional de Habitação (BNH) e até a Companhia de Água e Esgotos de Caruaru (Caec), empresa vinculada ao Sanepe, num esforço conjunto para o custeio do projeto, que demandaria recursos calculados em Cr$ 25 milhões, incluindo a construção do açude, adutora e rede distribuidora. Anastácio conseguiu com o governador Nilo Coelho a dispensa para que o município não participasse financeiramente do projeto, já que Caruaru enfrentava uma grave crise na arrecadação de impostos e os funcionários da Prefeitura estavam passando necessidades. No mês de agosto, a Sudene liberava recursos no montante de Cr$ 350 mil, destinados à instalação da adutora. As empresas Fios Elásticos do Nordeste S.A. e Algodoeira Nunes Indústria e Comércio eram as primeiras beneficiadas pelo sistema de incentivos fiscais instituídos pela Prefeitura de Caruaru, isentando-as do pagamento de imposto predial, territorial, sobre serviços e da contribuição de melhoria, por prazos que variavam de cinco a dez anos. Era uma importante iniciativa do prefeito Anastácio Rodrigues para evitar o fechamento de indústrias, que vinha acometendo a economia local desde a gestão anterior, além de atrair novos empreendimentos e gerar emprego e renda. No mês de setembro,o Governo Municipal também doou ao Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) um terreno para instalação de um escritório regional da entidade em Caruaru, e a pintora Luísa Maciel, diretora do Departamento de Turismo da Prefeitura de Caruaru, renunciava ao cargo pela terceira vez, agora em caráter irrevogável. Alegara “motivos de saúde” e que não retornaria, pois necessitava de repouso. Nas imediações da Praça Getúlio Vargas, também conhecida por Praça do Rosário, eram reiniciados os serviços de asfaltagem de ruas, dentro da programação do Governo Municipal, que pretendia atravessar toda cidade, desde as ligações com as rodovias BR-232 e BR-104, com um sistema viário

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moderno e capeamento asfáltico, que percorria 3km, da Ponte Nova até a Rua Leão Dourado. O objetivo era melhorar o escoamento do tráfego e dar ao visitante uma imagem da Caruaru moderna que se estava construindo. O prefeito Anastácio Rodrigues, acompanhado pelo Secretário de Obras, Airton Bezerra Lócio, deu um giro por diversos bairros da cidade, entre eles Petrópolis, Alto de Santa Rosa, Vassoural, Salgado, Riachão, Alto da Balança e Cedro, observando a situação de suas ruas e verificando os problemas ligados à rede de esgotos, galerias pluviais, limpeza e iluminação, além do aspecto urbanístico de cada área. Após as visitas, o prefeito determinou a tomada de providências destinadas a resolver as situações mais graves e os problemas de maior prioridade. Em meados de setembro, a imprensa pernambucana noticiava um dos grandes sonhos do prefeito Anastácio: a construção do Centro Cívico de Caruaru. Aproveitando a doação do Campo de Monta ao município, pelo governador Nilo Coelho, o prefeito pretendia iniciar antes do fim do ano a construção do grandioso projeto arquitetônico, que deveria reunir num só lugar as sedes da prefeitura, câmara e do fórum de justiça, além de biblioteca pública, ginásio esportivo, cartórios, teatro municipal e um Museu de Arte Popular, que funcionaria com exposições permanentes de criações de artistas da terra. O tempo e a escassez de recursos não permitiriam ao prefeito Anastácio Rodrigues concretizar o seu sonho por completo. Todavia, o desejo de construir um museu e devolver à população a obra projetada no passado por João Condé e demolida pelo ex-prefeito Drayton Nejaim seria uma das principais prioridades do governo até o seu término. Assim, tempos depois, Caruaru seria contemplada com a sua Casa de Cultura, exatamente no local em que deveria ter sido erguido o Centro Cívico, projeto que jamais deixou de povoar a mente de Anastácio Rodrigues. Perseguindo a meta de ampliar a rede escolar primária no município, o prefeito Anastácio inaugurava, na localidade de Japecanga, na zona rural, a décima terceira Escola Mínima Rural, de um total de 35 que a Secretaria de Educação programara. “A escola recebeu o nome de José Faustino Vilanova, pai de uma das grandes inteligências que Caruaru deu ao Brasil, professor Lourival Vilanova”, destaca Anastácio.

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A Prefeitura de Caruaru também apostava no marketing gratuito, como instrumento de divulgação de suas ações, enviando diariamente boletim para as redações de jornais do Recife. Anastácio publicava às 12h50, através das emissoras de rádio, o boletim financeiro, informando o que o município recebia e o que pagava. Um fato até hoje inédito na cidade. Em 27 de setembro de 1971, falecia, no Rio de Janeiro, vítima de insuficiência hepática, no Hospital da Lagoa, o escritor caruaruense José Condé. A seu lado, estavam os três filhos, a ex-esposa Maria Anália (Naná), a esposa Maria Luiza e o irmão Elysio, assistidos por um pequeno grupo de parentes e amigos. O sepultamento aconteceu às 17h, do dia 28, no Cemitério de São João Batista. Grande número de pessoas acompanhou o féretro à sepultura. Entre coroas, destacava-se uma pessoal do governador Eraldo Gueiros e outra de “homenagens do povo e Governo de Pernambuco ao pernambucano ilustre que nunca se desligou da sua terra”. A seu pedido, José Condé foi sepultado envolto na bandeira de Pernambuco, cedida pelo escritório pernambucano na Guanabara, e pela bandeira do Colégio Plínio Leite, onde o escritor estudou em Petrópolis (os pavilhões foram doados ao Instituto Histórico de Caruaru, pela sua filha Vera Condé, e hoje compõem seu acervo). Em Caruaru, foi decretado luto oficial por oito dias e as aulas no Colégio Municipal Álvaro Lins foram suspensas no dia do sepultamento. O prefeito Anastácio Rodrigues enviou mensagem de condolências à família do escritor, destacando-o como “um caruaruense que, fiel às origens, retratou em grande parte de sua obra imagens da cultura popular e do cotidiano da cidade”. Reportagem do Diario de Pernambuco, evocando reminiscências do romancista caruaruense, destacava que José Condé, nascido a 22 de outubro de 1917, estudou na Escola Pública de Caruaru, com a professora Chiquinha Florêncio e, posteriormente, com o professor José Florêncio Leão. Aos dez anos de idade, editava um jornalzinho manuscrito, que fazia sucesso na época, conforme relembraram o médico Celso Cursino e o advogado Rui Limeira Rosal, seus contemporâneos. As oficinas do que podia ser chamado de jornal estavam situadas no porão de sua casa, na Rua da Matriz, nº 300, que Condé descreveu com o maior dos amores em seu livro “Terra de Caruaru”. O seu jornalzinho de criança

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chegou a promover um concurso de beleza, no final da década de 1920. José Condé também fez teatro em Caruaru, sendo famosa uma peça em que satirizava o fim do cinema mudo, com a gozação feita com os integrantes da orquestra que tocava no Cine Avenida, o primeiro de Caruaru. Desta orquestra, faziam parte os músicos Luiz Borges, Mino Rosal e o pianista Yedo Fiuza. José Condé considerava Salvador a cidade mais gostosa do Brasil. Recife, a mais linda, mas, para morar, só o Rio de Janeiro. Pernambucano de Caruaru, “modéstia à parte”, continuadamente alimentava a vontade de revê-la. Agora, Caruaru chorava a morte de seu filho, brilhante escritor e jornalista. Condé foi discípulo de Álvaro Lins, quando estudava no Recife, ainda de calças curtas. Com a morte do pai, foi para o Rio de Janeiro, em 1930, entregue ao irmão Elysio. Foi com ele e com seu outro irmão, João, que José Condé fundou o Jornal de Letras, em 1949. No Correio da Manhã, a partir de 1952, José Condé manteve a seção “Escritores e Livros”, até 1969. A Academia Pernambucana de Letras lamentou profundamente o falecimento de Condé, por meio do escritor Mauro Mota, que aprovou voto de profundo pesar e comunicou aos familiares. Na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, tantas vezes citada em seus romances e novelas, José Condé teve, no dia quatro de outubro, a sua missa de sétimo dia, na Caruaru à qual ele sempre foi fiel.

A Caruaru da década de 1970 também sofria com o acúmulo de lixo pelas ruas, fato que certamente irritava o prefeito Anastácio Rodrigues. Mais de 13 mil toneladas foram recolhidas, no período de janeiro a agosto de 1971, sendo a média mensal de coleta de detritos calculada além das 1.600 toneladas, de acordo com relatório do Departamento de Bem-Estar Público, que comandava os serviços de limpeza da cidade. Em outubro, a administração Drayton Nejaim voltava a ser destaque nos jornais de forma negativa. O juiz da 1ª Vara da Justiça Federal em Pernambuco, Artur Barbosa, recebia o laudo pericial sobre a vistoria em duas escolas primárias que foram, supostamente, construídas em Caruaru, através de convênio firmado com o Ministério da Educação e Cultura, cujo mon-

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tante de Cr$ 12 mil teria sido desviado. O fato resultou numa ação criminal contra o ex-prefeito, denunciado pelo procurador da República, Emmanuel Franco, por uso indevido de verba federal. Drayton deveria ter construído duas escolas, uma no Alto do Moura, outra na comunidade Juriti, na zona rural. As denúncias apontavam que apenas a obra do Alto do Moura teria sido iniciada, embora não tenha sido concluída até o término de seu governo. Como defesa, Nejaim confessou ter construído uma segunda escola, nos moldes da prevista no convênio com o MEC, na localidade de Pau Santo, também na zona rural, contrariando a opinião do prefeito Anastácio Rodrigues, que afirmava nada ter sido erguido naquela localidade. Naqueles dias uma comissão do MEC foi a Caruaru e perguntou a Anastácio por que ele não colocava Drayton na cadeia. “Ele tem costa quente”, respondeu o prefeito. Em visita às comunidades, o perito constatou que a escola do Alto do Moura não fora construída em tempo hábil, encontrando-se inacabada até o dia da diligência. De fato, uma escola foi erguida em Pau Santo, também satisfazendo as exigências do MEC. No entanto, a perícia não foi capaz de constatar se a obra foi construída na administração Drayton Nejaim. Por conta disso, o TCU suspendeu a remessa do Fundo de Participação dos Municípios para Caruaru durante oito meses, agravando ainda mais a péssima situação financeira da cidade. “Foi um desastre para a administração”, define Anastácio. Nos dias seguintes, o Detelpe iniciou os serviços de levantamento topográfico do Morro Bom Jesus, a fim de instalar uma torre de 64 metros, como parte integrante do esquema a ser implantado no Estado, de repetição de televisão e de instalação de canais de telefonia. Trabalhadores iniciaram no dia 26 de agosto a construção da estrada de acesso ao Morro. A via possibilitava, inicialmente, a subida do pesado material que seria utilizado na construção da torre que sustentaria as antenas de transmissão e recepção de telefonia e sinais de TV. Até então, havia apenas a escadaria e a única maneira de se chegar ao alto era subindo a pé. Outra ação importante do governo Anastácio para Caruaru. Para atrair investidores, o Governo Municipal começou a enviar a industriais pernambucanos e de outros Estados farto material informativo que

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detalhava as condições econômicas do município de Caruaru e os incentivos ofertados aos empresários que pretendessem instalar seus empreendimentos no Parque Industrial do município. Ao mesmo tempo, a administração mantinha contatos objetivando a transferência de empresas localizadas na área urbana para a área industrial. Perseguindo seu objetivo de preservar a memória e a cultura de Caruaru e sua gente, o prefeito Anastácio Rodrigues desapropriou, através do Decreto Municipal nº 20, a casa nº 49, da Rua Mestre Pedro, onde nascera o escritor José Condé – falecido há poucos dias. No seu frontispício, afixou uma placa de bronze, com dizeres alusivos ao romancista caruaruense, relacionando, ainda, toda a sua obra literária. A placa foi descerrada pelo poeta Mauro Mota, na noite do dia 22. Anastácio garante que anos depois, quando não era mais prefeito, alguém foi lhe oferecer esta placa pelo valor absurdo de R$ 10 mil. O prefeito Anastácio viajou para Fortaleza, no início de novembro, para acertar com diretores do Banco do Nordeste os detalhes burocráticos finais, que possibilitariam a liberação da verba de Cr$ 150 mil, destinada ao financiamento das obras de infraestrutura do Parque Industrial de Caruaru, solicitada por empréstimo pelo município. Antes de viajar, Anastácio reuniu o secretariado, em seu gabinete, para compor um grupo de trabalho que estudaria os caminhos para atualização dos vencimentos do funcionalismo municipal. O problema vinha preocupando a administração desde o início do governo. Um esquema de contenção de despesas e outro destinado a arrecadar impostos também foram traçados como metas. O prefeito e equipe passaram a não receber. A crise se agravava. Anastácio pedia dinheiro à sua sogra para fazer feira. Licenciado do Banco em que trabalhava, não recebia o salário. Em seu retorno, Anastácio enfrentou uma grande polêmica, depois que a imprensa divulgou que ele havia negado a cessão do Campo de Monta para a realização da XIV Exposição Regional de Animais de Caruaru. Alegou o prefeito que o espaço estava sendo preparado para se tornar o Centro Cultural caruaruense. No local, funcionava o Parque de Exposições Paulo Guerra, onde ocorriam eventos do gênero. A confusão se espalhou depois que a Comape, responsável pelo evento, divulgou que o prefeito negara autorização para instalação da exposição.

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[1] e [2] Inauguração da barragem Antônio Menino [3] Com recursos limitados, o capital do governo Anastácio era o trabalho. A população aplaudia. [4] Obras de construção do Giradouro Major Clementino. Na imagem, de costas para a Avenida Rio Branco, observa-se placa com a logomarca da Administração Anastácio Rodrigues

Anastácio tratou de desmentir a acusação, tornando público que o ofício encaminhado pela entidade fora entregue à Secretaria de Agricultura do município, cujo representante demorou a solicitar permissão – fato comprovado dias depois pela imprensa. Em seus arquivos, Anastácio escreveu, em tom de desabafo: “Nunca fui responsável pela não realização da Exposição de Caruaru. Pelo contrário, sempre colaborei. As exposições de 69/70 tiveram nosso apoio. Lamento que um “filho” de Caruaru (João Pessoa de Sousa, o João Boiadeiro) lutasse para retomar o Campo de Monta. Tenho muito que fazer pela minha terra. Querem me atrapalhar. Ninguém arrebatava de mim a ideia do Centro Cívico. Nunca neguei, agora lutei e lutarei até o último dia do meu governo

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para que a área doada pelo grande governador Nilo Coelho não seja retomada”, registrou, impetuosamente. No mês de novembro, o Governo Municipal anunciava a abertura da Avenida Agamenon Magalhães, importante via ao norte do centro urbano, até encontrar a rodovia BR-104. Isto porque, até 1971, a Agamenon Magalhães terminava na Rua João Cursino, nas imediações da Casa de Saúde Bom Jesus. Nascia o Bairro Maurício de Nassau. A cidade se estendia ao Norte. Para a população da época, Caruaru terminava no final do calçamento, no Grande Hotel. Desbravada a caatinga, cajazeiros, umbuzeiros e oitis, nascia o Bairro Novo, lugar de morada da população mais abastada. Adiante, longe, ainda sem o muro de proteção, o prédio monumental da Rádio Difuso-

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ra de Caruaru, inaugurado pelo Dr. F. Pessoa de Queiroz. Para promover o prolongamento da Avenida, a Prefeitura de Caruaru solicitou a participação do DNER, cujo superintendente era Marcílio Anacleto Porto, filho do ex-prefeito de Caruaru coronel Leocádio Porto, que administrava a cidade quando Anastácio nasceu. O trabalho de asfaltamento foi realizado pelo DNER e, em contrapartida, a Prefeitura de Caruaru doou um terreno para a construção do escritório daquele órgão, ao lado da Penitenciária Juiz Plácido de Souza. Anastácio participou, naqueles dias, de reunião com técnicos do Diper e da Sudene, para debater os problemas ligados à implantação do Parque Industrial de Caruaru, além de discutir a participação financeira do órgão na infraestrutura do projeto. Havia grandes possibilidades de a Sudene financiar parte das obras de implantação do Parque Industrial, conforme antecipou o prefeito à imprensa. A Câmara Municipal aprovava mensagem do prefeito Anastácio Rodrigues, concedendo desconto de 40% aos contribuintes que pagassem seus impostos atrasados até 31 de dezembro. A mensagem foi bem recebida pelos vereadores, como medida de alcance social, sendo aprovada por unanimidade. Era mais uma aposta do governo para arrecadar recursos e driblar a crise financeira que atingia o município. Outra importante obra foi anunciada pelo prefeito Anastácio naqueles dias. Tratava-se da Casa da Cultura de Caruaru, um dos prédios mais importantes já erguidos na cidade, pelo poder público. Inicialmente, a imprensa divulgou a obra como Centro de Cultura, a ser construído no terreno do antigo Campo de Monta, que, em seguida, passaria a se chamar Parque 18 de Maio. O projeto era desenvolvido pelo arquiteto Jonas Arruda, titular do Setor de Praças e Jardins. Anastácio apressou-se e antecipou que a obra receberia o nome do escritor José Condé, falecido recentemente. Além de prestar uma homenagem póstuma a seu filho ilustre, a Casa de Cultura seria uma forma de recompensar os esforços do também caruaruense, João Condé, que, como vimos, em décadas passadas, lutou pela construção do Museu de Arte Popular de Caruaru, demolido pelo ex-prefeito Drayton Nejaim, alegando que o teto ameaçava ruir.

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A implantação da Casa da Cultura daria início às obras do Centro Cívico, projeto ambicionado por muitos caruaruenses, sobretudo pelo prefeito Anastácio Rodrigues – conjunto de obras que a escassez de tempo e recursos não permitiria a concretização. A zona rural continuava sendo alvo de importantes mudanças no governo Anastácio. No final de novembro, o prefeito inaugurava a 14ª Escola Mínima Rural, na comunidade do Murici. A unidade recebeu o nome de Maria Bezerra Torres. O Murici é hoje um povoado de expressão na cidade. Centralizador, o próprio Anastácio dava nomes a todas as escolas, não permitindo que nenhum vereador o fizesse. A relação entre o prefeito e a bancada de oposição, na Câmara de Vereadores, continuava muito delicada. E um importante golpe era tramado para desestabilizar Anastácio, ao final do terceiro ano de governo. Depois de apreciar, em segunda discussão, o projeto orçamentário municipal para 1972, a Câmara surpreendeu e derrotou a matéria. Contatos, visando aparar as arestas, foram mantidos entre as lideranças do município. Até mesmo o governador Eraldo Gueiros, reunido com os deputados estaduais Aracy Nejaim, José Antônio Liberato e João Guilherme de Pontes Neto, tentou encontrar um denominador comum. Em vão. No Palácio dos Despachos, Eraldo também se reuniu com os vereadores da Arena, apelando aos mesmos para que não derrotassem o orçamento. O pedido foi em vão. O jornal Diario de Pernambuco registrou o clima da reunião que derrotou o projeto de orçamento para 1972. O texto destacava que “cenas patéticas, verdadeiramente comovedoras, foram observadas na Câmara Municipal, quando foi discutida e derrotada, por 7 a 4, a proposta orçamentária do Governo Municipal”. Os vereadores Aristides Veras e Abdias Pinheiro, pretendendo sensibilizar a oposição arenista, chegaram a dizer que, se o projeto fosse derrotado, “Caruaru iria à falência, a Prefeitura fecharia suas portas e a Câmara Municipal não mais se reuniria”. A oposição justificava tal radicalismo apontando erros e incongruências na proposta, com aumento e criação de subvenções, criação de departamentos sem cargos, sem leis que previssem tais atos. Os arenistas diziam ainda que o prefeito desrespeitara o Tribunal de Contas, que mandava fa-

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zer previsão da receita e da despesa, a fim de que não se ultrapassassem os objetivos da administração, excedendo-se nas pretensões orçamentárias. Enquanto isso, fontes ligadas ao governo observavam o fato sob outro aspecto e afirmavam que “quem chora, quer mamar”. Atestavam a conduta retilínea do prefeito Anastácio Rodrigues, que não permitia o malbaratamento do dinheiro público, nem se submetia a contatos menos desejados, que visassem ao beneficiamento pessoal de quem pudesse pretender benefícios, direta ou indiretamente, à custa do erário, em detrimento das obras e obrigações que resultassem em benefício da comunidade. Era uma forma de responder, pelo menos indiretamente, à tentativa de suborno por parte do vereador Salvador Sobrinho, que mandara um recado ao prefeito: aprovaria o orçamento se dele obtivesse subvenções. “Diga-lhe que derrote o orçamento, mas ele não come”, respondeu um irado Anastácio, sem esquecer o conselho que certa vez ouvira do ex-governador Nilo Coelho: “Eu não promovo filho da puta nenhum”. Os apelos, as cenas comoventes que quase fizeram chorar as galerias repletas, não conseguiram demover os “empedernidos corações arenistas”, que se mantiveram no“propósito iconoclasta” de votar contra a mensagem governamental. E, assim, era uma vez o orçamento para 1972. Às 10h, de 30 de novembro, no gabinete do Executivo municipal, com a presença de representantes do Diper e do Banco do Nordeste, era assinado o contrato de financiamento das obras de infraestrutura do Parque Industrial de Caruaru, num montante de Cr$ 150 mil. A verba seria investida no setor A do Parque. O contrato representava o início das obras de base da área industrial no município. Até a Associação Comercial dirigiu apelo aos diretores e associados para que pagassem seus impostos ao município até 31 de dezembro, aproveitando o desconto de 40% concedido por lei aprovada pela Câmara. A intenção não era apenas contribuir com a arrecadação municipal, mas possibilitar à Prefeitura Municipal pagar à entidade a importância de Cr$ 5.052,00, referente ao aluguel atrasado de uma sala onde funcionava o escritório da Fiam, de responsabilidade do Governo Municipal. Se a Câmara havia surpreendido a população ao derrotar a proposta orçamentária para o ano seguinte, certamente não esperava pela medida que

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seria tomada, dias depois, pelo prefeito. Anastácio assinou decreto, em 1º de dezembro, promulgando o orçamento. O ato fundamentou-se em parecer da Fiam, que considerou inconstitucional a decisão do Legislativo. Em declaração feita à imprensa, quando da assinatura do decreto, Anastácio afirmou que acabara “o tempo em que o orçamento era feito por vereador” e que “não compete ao deliberativo derrotar a lei de meios, mas analisá-la, consertá-la, onde estiver errada”. Acrescentou que “a oposição, quando votou contrariamente à mensagem, fez alegações infundadas” e sacramentou: “meu governo é de seriedade e, nesse passo, irei até o fim”. Ao promulgar o Orçamento para 1972, o prefeito Anastácio Rodrigues se tornou o primeiro Chefe de Executivo a tomar tal atitude na política caruaruense. Na sua fala à cidade, o prefeito citou recente pronunciamento do governador Eraldo Gueiros, em que este condenava a atitude dos vereadores, alegando não interessar se o prefeito é do MDB ou da Arena, quando estão em jogo interesses fundamentais do município. Em suas anotações, Anastácio fez um breve e orgulhoso comentário: “Eles entraram pelo tubo. São vereadores e não sabem de nada. Promulguei o orçamento”, esnobou. Trinta pessoas, aproximadamente, tragando charutos, se postaram nos jardins e área de galerias da Câmara Municipal, na reunião do dia quatro de dezembro, promovendo inédita manifestação de apoio político ao prefeito Anastácio Rodrigues. Por coincidência ou por informação, os vereadores que derrotaram o Orçamento não compareceram à sessão, sendo registradas, apenas, as presenças dos componentes da bancada emedebista. A inusitada movimentação não teve uma origem definida, acreditava-se ser uma iniciativa de elementos que participaram da campanha política do prefeito Anastácio, em que foram várias as utilizações de símbolos, como ramos verdes e lenços brancos. Segundo alguns participantes, a intenção do grupo era comemorar o que consideravam a maior vitória política de Anastácio – promulgar, na íntegra, um Orçamento que a oposição derrotara. Comentava-se na cidade que os oposicionistas iriam partir para uma grande ofensiva política, na tentativa de compensar o contundente revés sofrido com a promulgação do texto que, pela primeira vez na História de Caruaru, não continha emendas. Elementos da imprensa alardearam que o prefeito seria cassado por haver promulgado o orçamento. “Co-

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mo a Câmara funcionaria se ela mesma derrotou o seu próprio orçamento?”, questiona, hoje, o ex-prefeito. Toda essa polêmica acontecia quando a cidade se preparava para entrar no clima natalino. Naquele ano, pretendendo promover dos mais luminosos e coloridos dias de fim de ano, Anastácio fechou parceria com a Cooperativa de Melhoramentos, para que as residências e logradouros pudessem ligar diretamente seus enfeites e árvores de Natal, à rede elétrica. Condições foram determinadas para evitar ligações clandestinas, irregulares ou perigosas. A intenção era beneficiar apenas os consumidores que tivessem energia elétrica em casa. Conjunto de luzes coloridas também era instalado na Avenida Rio Branco. A Praça do Rosário seria, dias depois, ornamentada com novos canteiros e luminárias a vapor de mercúrio, sob forma de lampiões de gás antigos. O prefeito Anastácio Rodrigues tratou ainda de firmar convênio com o superintendente de Eletrificação Rural, no valor de Cr$ 120 mil, para eletrificar as comunidades de Taquara e Murici, no interior. As bandas de música Euterpe e Comercial desfilaram pela Rua da Matriz tocando “Noite Feliz”. Coisas do prefeito Anastácio. As pessoas sorriam e aplaudiam. Das janelas, viam as bandas passarem. Com o objetivo de resolver problemas relacionados à implantação de indústrias, débitos junto ao INPS e verbas do MEC, o prefeito Anastácio Rodrigues seguiu, na reta final de 1971, para o Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Além de tratar sobre o parcelamento da grandiosa dívida, junto ao INPS, deixada por gestões anteriores, Anastácio pretendia conseguir a liberação de verbas do Ministério da Educação, suspensas desde que foram constatadas irregularidades na prestação de contas da gestão Drayton Nejaim, em torno da construção de escolas. Também no mês de dezembro, o Mobral entregava diplomas de conclusão de cursos de alfabetização funcional a um total de 1.003 alunos. O resultado, segundo o secretário de Educação, Antônio Cláudio Pedrosa, foi dos mais positivos, estando perfeitamente compensados os investimentos. Para o ano seguinte, a Prefeitura de Caruaru anunciava aumento de 250 vagas no Colégio Municipal Álvaro Lins, que mantinha em funcionamento os cursos técnico, científico e ginasial. De 1.150 alunos, a unidade passaria a aten-

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der 1.400, face à crescente demanda de vagas para o ginásio. Antes do fim do ano, a Câmara Municipal aprovou, em primeira discussão, mensagem do Executivo que previa a doação de imóvel no valor de até Cr$ 5 mil, para moradia de José Romão da Silva, o folião Cacho de Coco, então com 89 anos. Um terreno de cinco hectares, localizado no Salgado, também foi doado pelo município ao Governo do Estado, para a construção da Estação de Tratamento do sistema de Tabocas, que deveria solucionar o problema d’água até o ano 2000. A estação seria popularizada pelo nome de “caixa d’água”. Outra novidade observada com entusiasmo pelos caruaruenses, naquela reta final de ano, foi a possibilidade de se comunicar com parentes e amigos, no Recife, por telefone, usando uma linha que a Telefones de Caruaru S.A. instalou na Praça Coronel João Guilherme, em cabine apropriada. A inovação foi introduzida na Festa do Comércio – o maior evento promovido na cidade naquela época. A iniciativa visava fazer demonstração, aos caruaruenses, do sistema de discagem direta à distância, quando o telefone era item exclusivo das elites. Um encontro registrado pela imprensa no dia 24 de dezembro, na Churrascaria Effe, entre o prefeito Anastácio Rodrigues e representantes das classes produtoras locais, era considerado o fato mais importante daquele fim de ano. O presidente da Associação Comercial de Caruaru, Arlindo Porto, e empresários destacados, a exemplo de Galvão Cavalcanti, Antônio Espíndola e Nivaldo Freitas, do Clube de Diretores Lojistas, mantiveram longo contato com o prefeito, a respeito do que a imprensa classificou como “abertura para o diálogo”. Apesar de nenhum protocolo ter sido assinado e de não se ter tratado sobre assuntos políticos, a conversa girou sobre a necessidade de uma coexistência pacífica e de uma política de “portas escancaradas”, a fim de que governo e empresários conseguissem um modus vivendi. A reunião deixou a impressão, em alguns de seus participantes, de que esta teria sido “a hora de passar a esponja no passado”. Nos últimos dias do ano de 1971, dezenas de pessoas compareceram, diariamente, aos guichês do setor de tributação da Prefeitura de Caruaru, para efetuar o pagamento do IPTU, com desconto de 40%, vez que o prazo acabaria no dia 31 de dezembro. Até o dia 24, o número de pessoas que procura-

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vam liquidar seus débitos não passava de 20. A partir do dia 27, porém, verdadeira avalanche de contribuintes lotavam a Secretaria da Fazenda, interessada no abatimento oferecido pela prefeitura. O ano terminava com a promessa de inauguração de mais seis escolas mínimas na zona rural de Caruaru, prevista para o mês de janeiro, oferecendo 300 vagas para o curso primário, em cumprimento a um programa que previa a construção de 35 unidades até o fim do governo, das quais 14 já haviam sido implantadas. A Associação Caruaruense de Imprensa entregava, durante jantar no Clube Intermunicipal, troféus às “Personalidades Padrão 71”, escolhidas por jornalistas da cidade e representantes dos jornais do Recife. Foram agraciadas 18 personalidades, entre elas: Tabosa de Almeida (político), Fernando Lyra (parlamentar), Eliomar Mafra (professor secundário), José Carlos Rabelo (vereador) e Anastácio Rodrigues (executivo). Este último, por sinal, nos estertores do governo, questionava a si próprio de que forma deixaria a Prefeitura de Caruaru. Ainda em dezembro de 1971, João Lyra Neto que estava, com Mércia Lyra, em viagem de lua-de-mel, no Rio de Janeiro, encontrou casualmente Anastácio Rodrigues. O clima não era dos melhores, já que, ao longo do governo, iniciou-se um processo de distanciamento entre o prefeito e a família Lyra. Mesmo assim, foram assistir Botafogo e Atlético de Minas disputarem a final do Campeonato Brasileiro, no Maracanã. Durante a partida, Anastácio virou-se para ele e revelou que só apoiaria um candidato nas eleições que se aproximavam: João Lyra Filho. Disse-lhe também que se o pai não aceitasse disputar o cargo, não apoiaria mais ninguém. João Lyra Neto ficou impressionado com aquela declaração e jamais esqueceu a cena. Para ele, Anastácio estava revendo posicionamentos. “Eu acho que ele reconheceu os equívocos que cometeu e lutou pela candidatura de João Lyra Filho”, afirmou, muitos anos depois, ao ocupar o cargo de governador de Pernambuco. No último ano de governo, Anastácio Rodrigues teria duas missões importantes: convencer João Lyra Filho a aceitar uma nova candidatura, para elegê-lo sucessor e, depois, concluir a administração respaldado pela opinião popular. Desafios que, com muita determinação, ele acabaria conseguindo.

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Durante os quatro anos em que administrou Caruaru, Anastácio Rodrigues buscou explorar a imagem do líder em busca de modernização, crescimento e empreendedorismo. E foi aplaudido por isso. Os bons resultados se fizeram logo notar – e acabaram cunhando irremediavelmente o seu nome na vida política do município. Ao iniciar o último ano de governo, o prefeito alimentava várias indagações a respeito de seu futuro e, sobretudo, do amanhã de Caruaru. Sabia dos gigantes desafios que teria pela frente, apesar da certeza de que a cidade estava completamente diferente da que encontrara em 1969. Como não existia ainda o mecanismo da reeleição, reconhecia também que precisava pensar num bom nome para sucedê-lo e dar continuidade ao seu governo. Anastácio seria, naturalmente, o condutor do processo eleitoral. Caberia a ele apontar o nome a disputar as eleições municipais daquele ano, embora João Lyra Filho tenha, como de praxe, sondado alguns nomes. A maior preocupação de Anastácio, naqueles dias, era tentar antecipar a forma como concluiria o mandato. E ele indagava a si próprio sobre como deixaria a prefeitura. Estaria o povo ao seu lado? E os “amigos meus” que o elegeram e ajudaram a promover uma das mais belas campanhas da história política de Caruaru, seriam vistos novamente a aplaudi-lo, como outrora? Essas e outras dúvidas o incomodavam. “Uma das maiores preocupações, durante todo o período do nosso governo, era como iríamos sair da prefeitura, porque não havíamos esquecido o calor humano da memorável campanha e muito menos o dia da posse. Perguntávamos a nós mesmos, nas inúmeras noites indormidas, que pareciam intermináveis: será que vamos sair da prefeitura como entramos?”, registrou Anastácio em seu discurso, ao receber da Câmara de Vereadores de Caruaru, a Medalha José Rodrigues de Jesus, em 18 de maio de 1996. Anastácio Rodrigues manteve, ao longo dos quatro anos de governo, um ótimo relacionamento com o vice-prefeito Zezinho Florêncio. Mas, por várias questões, sobretudo políticas, o companheiro de chapa e de governo também não era o nome cotado pelo prefeito para sucedê-lo e continuar sua obra. Zezinho Florêncio sempre foi uma figura presente na administração e nas inaugurações de obras. Ele e Anastácio mantiveram um diálogo cons-

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tante e o prefeito sempre recebia conselhos de seu vice, que, embora não tivesse experiência administrativa, o ajudava com sua própria experiência de vida, já que era mais velho que Anastácio. José Florêncio Filho, o Zezinho Florêncio, nasceu na localidade Lajedo do Cedro, 4º Distrito de Caruaru, no dia 18 de setembro de 1902. Filho de José Florêncio de Carvalho, juiz de paz na época, e de Josefa Francisca da Mota, Zezinho era primo em segundo grau do “major” Sinval Florêncio de Carvalho. Na zona rural, teve uma infância tranquila e saudável, como ocorria com a maioria das crianças do campo, naqueles tempos. Iniciou seus estudos com o mestre Fortunato, com quem aprendeu a ler e escrever, dominando as quatro operações de aritmética. Desde muito cedo, aprendeu a importância do trabalho, como agricultor naquela região. Aos 20 anos, casou-se com Adélia Emília dos Santos, jovem prendada, de apenas 16 anos. O casal foi morar no sítio Tamanduá, também na zona rural de Caruaru. Nos oito anos que viveu no Tamanduá, Zezinho exerceu atividades comerciais e trabalhou como agricultor. A partir de 1931, deixou o campo e foi morar na cidade de Caruaru. Ao abandonar o trabalho rural, Zezinho iniciou atividades de compra e venda de algodão em Riacho das Almas, naquela época Distrito de Caruaru. Em 1935, a SANBRA (Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro) abriu uma agência de compra de algodão e a direção foi entregue a Zezinho Florêncio. Quando a SANBRA decidiu fechar a agência, José Florêncio Filho assumiu o negócio por conta própria. No ano de 1944, montou um descaroçamento de algodão, que se tornou um marco no processo de industrialização da então vila de Riacho das Almas. A partir da redemocratização do país, depois da ditadura do Estado Novo, o homem comunicativo, de temperamento alegre e de muitas amizades, filiou-se, em 1945, ao Partido Social Democrático (PSD), comandado pelos Pontes Vieira em Caruaru. Zezinho Florêncio participou de várias campanhas eleitorais, algumas delas memoráveis, como a de 1950, quando Agamenon Magalhães foi eleito governador de Pernambuco. Usando seu prestígio junto a Gercino de Pontes, Zezinho Florêncio levou para Riacho das Almas dois grupos escolares: um construído na sede e ou-

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tro na localidade de Trapiá. Chegou inclusive a disputar o cargo de subprefeito de Riacho. Também foi presidente do clube carnavalesco Motoristas em Folia, que agitava o carnaval de Caruaru. Em 1959, transferiu e ampliou os seus negócios, instalando a Algodoeira de Caruaru Ltda. –usina de algodão situada à antiga Rua do Bom Sossego, às margens do rio Ipojuca, em Caruaru (o estabelecimento ficava ao lado direito da atual Ponte Nova). O comerciante fez várias transações comerciais com o grupo Othon Bezerra de Melo, convencendo-o a se instalar em Caruaru. Na eleição de 1968, foi indicado pelo ex-vereador Mário Menezes como candidato a vice-prefeito de Caruaru, na chapa encabeçada por Anastácio Rodrigues. Até então, Zezinho jamais havia ocupado um cargo público – mesmo participando da política há várias décadas. “Nunca tivemos qualquer discórdia”, cita Anastácio. Por sua personalidade carismática, Zezinho Florêncio se relacionava bem com os diferentes grupos políticos da cidade: o ex-prefeito Pedro de Souza, o comendador José Victor de Albuquerque, João Lyra Filho, Drayton Nejaim e seu pai, Jayme Nejaim. Outro traço marcante de sua personalidade era o fato de ser um homem festivo. Gostava de cantorias e repentistas, que sempre promovia, em sua residência. Amigos como os Pontes Vieira, os Bezerra de Melo, os Monte e diversos outros companheiros de farra e de baralho frequentavam sua residência. Também costumava receber amigos na fazenda Poço do Chocalho, de sua propriedade, onde os convidados saboreavam deliciosas buchadas e queijos de manteiga, puxados ao fio por sua esposa, Dona Adélia. Zezinho Florêncio viajava com recorrência ao eixo Recife-Belo Horizonte-Rio de Janeiro-São Paulo-Paraná, para contatar com os grupos político-empresariais do país. Morreria no dia 26 de abril de 1976, aos 73 anos, em sua casa, na Rua São Miguel (hoje Silvino Macedo), número 141, onde viveu por 40 anos. Deixou 07 filhos, 22 netos, 31 bisnetos e um 01 tataraneto.

O ano de 1972 estava apenas começando e eleição era um tema pouco

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discutido pelo prefeito Anastácio Rodrigues com os auxiliares. A meta era, de fato, o trabalho. Para isso ele fora eleito e era essa a resposta ao voto de confiança da população que Anastácio pretendia apresentar ao fim da gestão: trabalho e realizações. Assim, o julgamento do povo seria satisfatório e ele, além de concluir o mandato com êxito, faria também o sucessor. Disto, não abriria mão. Após a polêmica reprovação do Orçamento para o ano de 1972, seguido pela promulgação pelo prefeito, a Câmara de Vereadores aprovou, no dia cinco de janeiro, a Resolução nº 135, relativa às contas da administração municipal, no exercício de 1969. A bancada arenista havia solicitado parecer do Tribunal de Contas do Estado para as contas do Executivo. O processo foi aprovado por unanimidade, seguindo o Tribunal o voto do conselheiro Orlando Morais, relator da matéria. Para ligar ruas e avenidas, desobstruir o trânsito e corrigir falhas no sistema viário, a prefeitura anunciava, no início daquele ano, a demolição de quatro imóveis situados em incômoda posição, em diferentes bairros da cidade. Um dos casos era uma casa construída sob a curva entre as ruas Cleto Campelo e Capitão João Velho. Com as mudanças, a Sergipe era ligada à Santo André, e a Paraná à Dom Pedro I, ambas no bairro São Francisco. Além disso, a João Cursino era ligada à Agamenon Magalhães, no Maurício de Nassau. O primeiro mês do ano também foi marcado pela intensificação dos trabalhos de capeamento asfáltico de diversas vias da cidade, percorrendo três quilômetros de ruas. A Secretaria de Obras também iniciou a construção de um acesso ao Alto do Moura, pela BR-232. O trabalho possibilitava a chegada ao povoado percorrendo apenas um quilômetro em estrada de terra. Dizendo que “Caruaru é, no momento, a capital nacional do teatro”, o prefeito Anastácio Rodrigues fez a abertura, perante um público de duas mil pessoas, do I Festival Nacional de Teatro Amador, no palco do Círculo dos Trabalhadores Cristãos. O evento – que tomou grandes proporções – foi promovido pela prefeitura, em parceria com o Grupo de Cultura Teatral, de Vital Santos, e aconteceu entre os dias 15 e 22 de janeiro. O embaixador Paschoal Carlos Magno, convidado de honra do festival, participou da solenidade de encerramento.

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No mês de fevereiro, o prefeito Anastácio autorizou o início dos serviços de construção da infraestrutura do Parque Industrial de Caruaru, tendo em vista a liberação de verba no valor de Cr$ 150 mil, através de empréstimo junto ao Banco do Nordeste. A implantação da rede de esgotos e de galerias pluviais, do sistema viário e a divisão dos lotes e setores, com a construção de meio-fio, eram parcelas do plano de trabalho a ser iniciado. A meta principal da prefeitura era atrair novos empreendimentos para a área, oferecendo incentivos fiscais, além dos já ofertados pela Sudene. Também contava com o projeto de módulos industriais – sistema de apoio à pequena e média empresa, colocado em prática pelo governo estadual. Uma placa com os dizeres “Aqui: Parque Industrial de Caruaru – Administração Anastácio Rodrigues” foi implantada às margens da BR-232. Também constava que o projeto fora planejado pelo Diper e financiado pelo Banco do Nordeste. A placa foi retirada no governo seguinte, “sem razão de ser”, conforme Anastácio define. O Carnaval de 1972 foi organizado pela Associação Caruaruense de Imprensa, com apoio irrestrito do município. Ruas centrais foram decoradas para os desfiles das várias agremiações da cidade. Até o Clube Vassourinhas e a Escola Batutas de São José, do Recife, participaram das festividades, a convite do município. Houve também concurso de papangus e escolas de samba. No período carnavalesco, uma importante iniciativa foi divulgada entre a população caruaruense: a famosa Bandinha de Pífanos Zabumba Caruaru iria gravar seu primeiro LP, na CBS, por iniciativa do prefeito Anastácio Rodrigues. O compositor Onildo Almeida ficou responsável pela triagem das músicas que seriam executadas pelo grupo, a exemplo da Briga do Cachorro com a Onça, clássico da Bandinha. Onildo também iria acompanhá-los na viagem ao Rio de Janeiro, prevista para o mês de julho. No mesmo período, a prefeitura apostou na publicação do livro Caruru, Caruaru, do escritor Nelson Barbalho. Anastácio Rodrigues justificou o patrocínio ressaltando a importância do texto para a História da cidade, tendo em vista as pesquisas do autor junto a fontes autênticas. Era a primeira vez que Nelson Barbalho, o escritor que mais se dedicou a pesquisar a História de Caruaru, contava com apoio do poder público municipal para edi-

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tar uma de suas obras. A Secretaria de Educação aproveitou para informar que, naquele ano, mais de cinco mil adultos seriam alfabetizados pelo Mobral, em Caruaru. A meta fazia parte do programa de alfabetização a ser executado a partir do mês de março, devendo atingir a cidade e a zona rural. Antecipando o período eleitoral, o Diario de Pernambuco destacava que, nos principais municípios do Estado – Caruaru, Garanhuns, Olinda, Jaboatão – o problema da sucessão municipal ainda não estava equacionado. Apontava ainda que, de todos os municípios, a Arena estava com os olhos voltados para Caruaru e Garanhuns, administrados por prefeitos oposicionistas. Estrategicamente, o MDB não pretendia perder o comando das duas cidades. Em Garanhuns, o prefeito Souto Dourado afirmava com convicção que faria o sucessor. Anastácio, embora não falasse, era portador do mesmo sentimento. Após os festejos carnavalescos, o município recebeu a visita de um de seus filhos mais ilustres. O jornalista João Condé – que desfrutava férias em Jaboatão dos Guararapes – decidiu voltar à terra natal. Apesar de ter ficado apenas um dia na cidade, Condé visitou a Casa Museu Mestre Vitalino, no Alto do Moura, passando também pelos ateliês dos ceramistas José Rodrigues, Manuel Eudócio e José Caboclo. Na companhia do prefeito Anastácio Rodrigues e familiares, João Condé também foi até o Campo de Monta, onde a prefeitura estava construindo a Casa da Cultura, como forma de recompensar a demolição do Museu de Arte Popular, erguido através do empenho de João Condé e demolido pelo ex-prefeito Drayton Nejaim – como visto. Em audiência especial, o prefeito Anastácio Rodrigues recebeu, nos primeiros dias do mês de março, pastores e dirigentes dos templos e congregações evangélicas, para ato simbólico de entrega da chave da cidade. Naqueles dias, encontros religiosos reuniram milhares de fiéis no município. Anastácio foi presenteado, pelos evangélicos, com uma Bíblia Sagrada, que ele conserva até hoje com carinho. Prestes a comemorar 115 anos, a cidade de Caruaru não possuía hino nem bandeira oficiais. Nas solenidades e atos, costumava-se utilizar a bandeira e o hino do Centenário do município, celebrado em 1957. Para preencher

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essa lacuna existente na municipalidade, a prefeitura decretou a formação de um grupo de trabalho que iria escolher a composição para figurar como hino oficial do município. Os professores José Florêncio Neto, Terezinha Barbalho e Carminha Siqueira, os compositores Zanoni Vieira, Onildo Almeida e Mariana Lima, o maestro Joaquim Augusto e o professor Luiz Pessoa da Silva eram os membros da comissão nomeada pelo governo municipal para escolher o hino de Caruaru, a ser apresentado à população nas festividades de 18 de maio. Apenas José Florêncio Neto, o professor Machadinho, participou do concurso para escolha do hino oficial de Caruaru. Anastácio adotou a mesma medida observada em 1957, quando a prefeitura abrira concurso para escolha do Hino do Centenário. Na época, a comissão preferiu o hino composto pela professora Mariana Lima ao que fora escrito pela professora Sinhazinha. “Caruaru era uma cidade sem símbolos. Então, nós criamos o feriado municipal de 18 de maio, a bandeira e o hino”, comenta Anastácio. Com letra e música do professor Machadinho, o Hino Oficial do Município de Caruaru foi aprovado através do Decreto nº 10, de 17 de maio de 1972:

De fazenda a capital, Nasceste pernambucana, Com teu clima tropical E esta voz tão soberana. Erguendo teu brado forte, Neste sólio de beleza, És berço amado de Sul a Norte Desta Cidade Princesa

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És, ó Brasil, País amado! És, Caruaru, Rincão bendito! És tu, Cidade, Templo Sagrado Contemplando este Infinito! Comércio, Indústria e Feira Falam junto ao coração, Ao desfraldar tua bandeira Numa feliz inspiração. Meu torrão, Hino de Glória, Com as bênçãos de Jesus, Hás de cantar sempre vitória, Venerando a tua Cruz! Obra do professor Amaro Matias, instituído como símbolo oficial em 13 de maio de 1972, a Bandeira de Caruaru tem fundo tricolor verde, branco e laranja, sendo o verde-esmeralda um agradecimento à fertilidade da terra; o branco, uma celebração da paz; e o laranja, um símbolo da coragem de seu povo. O brasão, que fica ao centro, traduz forte simbolismo. O triângulo em azul representa a lealdade do povo, com o sol significando majestade, abundância e riqueza da terra. A faixa em amarelo fala da nobreza, com uma cruz em vermelho, símbolo da fé cristã. Abaixo, o triângulo, também em vermelho, cor da coragem e destemor, traz um ramo de avelozes, em homenagem ao fundador da cidade, José Rodrigues de Jesus. Em cima, uma coroa de fortalezas lembra as lutas pelo progresso e soberania da cidade, que lhe renderam a fama de “Princesa do Agreste”. As datas que se veem na faixa amarela, abaixo do escudo, referem-se à data de criação da Vila (1848) e da elevação à categoria de Cidade (1857). Ladeando essa faixa, um ramo de louro (considerada a planta símbolo dos campeões, desde a Grécia Antiga) lembra as vitoriosas batalhas travadas pelo desenvolvimento econômico da cidade. Anastácio conta que fez sugestões ao professor Amaro Matias quando da criação da Bandeira de Caruaru. Um dos elementos foi a coroa, sobre o bra-

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[1] Povo de Caruaru lota a casa do prefeito Anastácio no dia de sua despedida da Prefeitura [2] Anastácio e o escritor Nelson Barbalho, seu amigo [3] Depois de gravar seu primeiro LP, a Bandinha de Pífanos volta do Rio de Janeiro para agradecer ao prefeito Anastácio [4] Nelson Barbalho autografa o livro “Caruaru, Caruaru”, no gabinete do prefeito Anastácio [5] Derrotado por Anastácio, o ex-vereador José Antônio Liberato sobe no palanque do prefeito durante desfile de Sete de Setembro [6] Quando deixou o cargo de governador de Pernambuco, Eraldo Gueiros pediu que Anastácio nunca se esquecesse dele


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são, em alusão ao título de Princesa do Agreste. Também destaca que as cores do pavilhão em muito lembra o da Itália, como costuma ressaltar o bispo do município, dom Bernardino Marchió, que é italiano.

No último ano do governo Anastácio Rodrigues, a cidade de Caruaru dava um importante passo rumo ao progresso: finalmente o problema centenário do precário abastecimento d’água era solucionado, com uma medida para longo prazo. Obra iniciada pelo governador Nilo Coelho, a Barragem de Tabocas foi projetada para suprir a deficiência até o ano 2000. Quando Eraldo Gueiros assumiu o comando do Estado, de imediato, os serviços foram reiniciados e, no dia 29 de março de 1972, a obra era finalmente inaugurada, após 10 meses e 27 dias da visita do então governador ao canteiro de obras. O fim da construção da represa, primeira grande etapa do projeto, não era tudo, mas já representava a compensação do esforço desprendido até ali e empolgou o prefeito e seus auxiliares. Paralelamente, Anastácio recebia telegrama do presidente do Sanepe, engenheiro Clênio Torres, informando sobre a contratação da empresa de construção civil Constran, de São Paulo, para fiscalizar e inspecionar os serviços de montagem da adutora de Tabocas, outra importante fase da obra. Caruaru recebeu a tubulação da adutora no mês de agosto do mesmo ano. A continuidade administrativa, no governo Eraldo Gueiros, impressionava a todos. Os que alimentavam esperança de ver Anastácio cassado, diziam que o prefeito havia “botado o novo governador no bolso”. “Havia um radicalismo generalizado. Não nos deixavam em paz. As pedras que colocavam no caminho da administração, eu apanhava e as colocava nos alicerces da reconstrução de Caruaru”, diz Anastácio. A situação em que Anastácio Rodrigues encontrou Caruaru fez dele um mendigo, de mãos vazias, a pedir e pedir e pedir. Não deixou os governadores Nilo Coelho e Eraldo Gueiros Leite em paz. Pediu também a reforma do sistema de luz e força, que era uma desgraça; a construção da Estação de Tratamento d’água para receber o líquido de Tabocas e a implantação do siste-

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ma de esgoto sanitário. Caruaru era, naquela época, uma das poucas cidades do Estado com esse importante serviço. Dias após a inauguração da barragem, o prefeito viajou com destino ao Sudeste brasileiro, a fim de atrair investimentos para Caruaru. A missão principal era promover o Distrito Industrial do município. A assinatura de contrato com um escritório paulista, que ficou encarregado de levar investimentos para a área industrial de Caruaru, através de contatos com empresas sulistas, foi a principal notícia trazida por Anastácio, após um giro de 12 dias naquela região. Jornais de São Paulo registraram a criação do Distrito Industrial de Caruaru e o empenho do prefeito Anastácio para atrair investidores de outros Estados. O Chefe do Executivo esteve também no Rio de Janeiro e em Brasília, onde manteve entendimentos com órgãos vinculados aos Ministérios do Interior, de Minas e Energia e da Educação. Anastácio também foi ao Tribunal de Contas da União, onde tratou de problemas administrativos da Prefeitura de Caruaru junto ao órgão federal. Já em Caruaru, o prefeito participou das comemorações do Sesquicentenário da Independência do Brasil, que envolveu o Exército e a Polícia, escolas e bandas marciais do município. Perseguindo o objetivo de construir o Centro Cívico de Caruaru na área do antigo Campo de Monta, Anastácio levou ao governador Eraldo Gueiros os projetos arquitetônicos da obra. O prefeito adiantou que no local já estavam sendo erguidos a Casa da Cultura, que abrigaria a biblioteca pública, e o Centro da Juventude, com áreas de recreio, piscina e quadra. Anastácio sabia das dificuldades para concretizar o Centro Cívico tão almejado por ele desde a conquista do Campo de Monta, sobretudo pela limitação de recursos. O Centro Cívico estava previsto no Plano Diretor da cidade, para abrigar as sedes da Prefeitura, Câmara Municipal e do Fórum de Justiça. Estipulava ainda, além da modernização da paisagem urbanística da cidade, a criação de um parque de recreação, museu, horto florestal, biblioteca, teatro, concha acústica e uma avenida perimetral. Seria uma Brasília no coração de Caruaru. Um projeto grandioso e que certamente frustrava o prefeito, impossibilitado de colocar a ideia em prática. No Recife, Anastácio também assinou convênio com a Superintendência de Eletrificação Rural, órgão da Celpe, para extensão de linhas elétricas

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às localidades de Carapotós, Murici e Taquara. Dias antes do aniversário da cidade, a comissão do Mobral fazia a entrega dos diplomas do curso de alfabetização funcional a dois mil alunos da cidade e zona rural, em solenidade no Colégio Municipal Álvaro Lins. Caruaru comemorou 115 anos com as festividades tradicionais, que incluíram alvorada de tiros, missa de ação de graças e hasteamento de bandeiras, além de apresentações teatrais e de agremiações,que reviveram o carnaval de rua. Pela primeira vez, a população pôde observar o hasteamento da bandeira e a execução do hino oficial do município, em solenidade realizada no monumento a José Rodrigues de Jesus, fundador da cidade, que naqueles tempos ainda estava localizado em seu local de origem, no Giradouro Major Clementino. O monumento fora implantado pelo prefeito Sizenando Guilherme de Azevedo, em 1957, ano do Centenário de Caruaru. O escritor Nelson Barbalho lançou o seu livro Caruru, Caruaru, no gabinete do prefeito, com a presença de autoridades, intelectuais e convidados. Na mesma ocasião, foi inaugurada uma mostra de trabalhos da pintora Luísa Maciel. O prefeito Anastácio assinou emendas de incentivos às indústrias, participou da solenidade de reabertura da fábrica de refrigerantes Coca-Cola e fez a doação de um terreno para construção da sede do Sindicato dos Bancários. Dias depois, o prefeito iria inaugurar a 16ª Escola Mínima, na Barra de Taquara. O Diario de Pernambuco, em editorial publicado no dia 18 de maio, chamava a atenção das autoridades para os potenciais de Caruaru e cobrava soluções para o progresso do município. A publicação não deixou de reconhecer a transformação gerada pelo governo Anastácio Rodrigues, ao citar que “agora dispondo de água abundante e da mesma energia elétrica de qualquer outro centro, uma cidade assim não pode ficar à margem dos planos desenvolvimentistas. Sobretudo o povo, não pode. Um povo orgulhoso da terra, esforçado, que no passado resolvia seus próprios problemas quando se cansava de esperar pelos poderes públicos. Agora, as condições são outras, mas a fibra é a mesma”, diz o texto. Ainda no mês de maio, a decisão do Conselho Federal de Cultura de não aprovar solicitação do prefeito Anastácio Rodrigues, pedindo recursos na ordem de Cr$ 350 mil, para continuidade das obras da Casa da Cultura, dei-

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xou o gestor irritado. Naquele período, o equipamento ainda era pouco divulgado pela imprensa. A maioria dos textos faz menção à ‘obras do Centro Cívico’ ou mesmo ‘Museu de Arte Popular’. Em meados de junho, a Prefeitura de Caruaru, através da Secretaria de Agricultura, iniciava uma campanha de combate a matadouros clandestinos existentes no centro urbano e comunidades rurais, com o objetivo de evitar o consumo de carnes procedentes de locais sem condições de higiene adequadas para o abate. O município também anunciava convênio com a Cohab e o Banco Nacional de Habitação para pavimentação de ruas da Vila Kennedy, cujo conjunto residencial era composto por 704 casas. O projeto de gravação do primeiro LP da Bandinha de Pífanos de Caruaru ganhou força quando o supervisor regional de gravações da extinta gravadora CBS, Abdias Filho, decidiu apostar no grupo liderado por Sebastião Biano, que sempre atraiu a atenção dos turistas que passavam pela cidade. Até mesmo os cantores Gilberto Gil e Caetano Veloso se renderam ao talento da Bandinha. A viagem ao Rio de Janeiro estava marcada para o mês de agosto e seria financiada pela Prefeitura de Caruaru. O prefeito Anastácio Rodrigues, que chegou a enfrentar uma curta greve dos garis durante seu governo, aprovou, no mês de julho, aumento de salário para os que faziam a limpeza pública do município, além de fornecer novo fardamento para a categoria. Ele também enviou ao Banco do Nordeste o projeto de abastecimento d’água tratada do Parque Industrial de Caruaru, que o BNB estava financiando. O prefeito tinha urgência na conclusão das obras. No último ano de seu governo, Anastácio andou pelos corredores e gabinetes do Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), no Rio de Janeiro, reivindicando a construção do Canal do Salgado. O projeto estava arquivado, para sua surpresa, e se fosse construído, só seriam 600 metros. O prefeito reagiu, cientificando à direção daquele órgão que não era admissível o arquivamento do projeto, tendo em vista que o riacho do Salgado foi o responsável direto pelo maior surto de paralisia infantil do País. A reação surtiu efeito e resolveram concluir o projeto por inteiro, com os seus 1.600 metros. Anastácio voltou ao Rio de Janeiro, onde foi recebido por Walter Gleb, diretor do DNOS, que lhe comunicou a construção da obra em sua totalidade. O prefeito ficou emocionado com a notícia. A Prefeitura

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participaria do custo da obra, orçada em Cr$ 1,6 milhões, com um total de Cr$ 500 mil, ficando o DNOS responsável pelo restante. O orçamento plurianual do município já havia programado verbas para o Canal e o órgão federal aceitou a proposta de parcelamento da dívida. Precavido, Anastácio não comunicou que o FPM estava suspenso. Um relatório enviado pelo prefeito Anastácio Rodrigues, com documentação fotográfica e pareceres de sanitaristas, ao presidente da República, foi o começo da solução do velho problema, resultando em determinação de Garrastazu Médici para que o DNOS elaborasse um projeto e tomasse providências para a construção da obra, iniciada na gestão Anastácio e parcialmente concluída no governo João Lyra Filho, seu sucessor. Com a implantação de tantas obras de infraestrutura, Caruaru, na gestão Anastácio Rodrigues, foi considerada uma cidade modelo no governo Eraldo Gueiros Leite. As conquistas da administração, no entanto, não conseguiram arrefecer o calor das oposições. A bancada do governo era composta de seis vereadores. A Arena havia elegido sete. Entre os oposicionistas, estava Edson Barros Pereira, amigo e ex-colega de Banco do prefeito Anastácio, que o convocou para assumir a Secretaria da Fazenda. Em seu lugar, assumiu o suplente José Augusto de Araújo. A bancada governista era composta por vereadores dos dois partidos. Ao longo dos anos, o governo teve três desfalques: Chico do Leite, cassado em 1969 pelo governo Costa e Silva; Abel da Farmácia e Gilberto Torres Galindo, que romperam com a gestão, deixando Anastácio com minoria na Casa. O vereador Chico do Leite era o líder do governo. Tendo em vista que o sistema não conseguiu cassar o mandato de Anastácio, atingiu aquele vereador. Anastácio governou Caruaru com minoria, mas, por incrível que pareça, nunca perdeu uma eleição da Mesa Diretora. Fez todos os presidentes: Gilberto Torres Galindo, Severino Afonso Filho e José Araújo, eleito e reeleito. Anastácio teve na Câmara um ferrenho e impiedoso adversário, o vereador José Carlos Rabelo, que, durante a campanha, fazia discursos venenosos, preocupando os “amigos meus”. Os oposicionistas derrotaram o orçamento de 1972 e quiseram até diminuir os subsídios do prefeito, que eram de Cr$ 2.100,00. Iniciaram um movimento sob o título “Unir para construir”. Entraram até na Justiça, com uma ação pedindo o afastamento do

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prefeito Anastácio Rodrigues do cargo, por crime de responsabilidade. A ação foi arquivada, através do despacho do juiz Carlos Xavier Paes Barreto. Passaram pela prefeitura, no governo Anastácio, pelo menos 12 comissões do Tribunal de Contas do Estado, da União e de Inquérito. O inspetor do TCU disse ao Secretário da Fazenda, Edson Barros, que, ao chegar à cidade, tomou conhecimento do conceito do governo. Já o inspetor do TCE deixou Edson furioso. “Se eu mandar abrir o cofre, bate com o que está escrito?”, questionou. O Secretário bateu forte na mesa e respondeu: “o que o senhor está pensando do nosso governo?”. A oposição não brincava em serviço e também derrotou mensagem que pedia autorização para adquirir uma máquina patrol, um caminhão caçamba e um trator de esteira, destinado à construção de pequena e média açudagem na zona rural. Os auxiliares diretos do prefeito ficavam preocupados. Anastácio lhes dizia: “o vereador quer é promoção, não temos tempo para promovê-lo”. “Oposição só tem direito a duas coisas: pular e gritar. Eu dei resposta à oposição com trabalho. Não travei polêmica para não perder tempo”, resume Anastácio. O vereador José Rabelo desempenhou, durante a campanha de 1968 e na Câmara Municipal, durante a gestão Anastácio, o mesmo papel que este assumiu no governo Drayton Nejaim. Terminou pagando na mesma moeda. Quando candidato, Anastácio lançou a saudação “amigos meus”. “Toda vez que pronunciava o ‘amigos meus’, saudando-os, dez eleitores vinham para o nosso lado”, diz, orgulhoso. O vereador José Rabelo, quando candidato a prefeito, em 1982, usou como símbolo de campanha a raquete, combatendo o pingue-pongue na política de Caruaru, que, até hoje, mantém famílias que se perpetuam no poder. Anastácio criou a Cruzada da Esperança, o ramo e as bandeirinhas verdes, além do slogan fé, esperança e otimismo. Muitos anos depois, José Rabelo surpreenderia Anastácio, concedendo-lhe, na Câmara Municipal de Caruaru, a Medalha José Rodrigues de Jesus – Categoria Ouro –, entregue em sessão solene, no dia 18 de maio de 1996, durante as comemorações do 139º ano da elevação de Caruaru à categoria de Cidade. Anastácio jamais esqueceu a noite e o gesto. “Percorremos, nós dois, caminhos diversos. Mas, reencontramo-nos, já amadurecidos, de cabelos brancos a retratar a passagem do tempo e nos dando lições de vida”,

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disse, ao discursar. O primeiro mandato de vereador de Rabelo foi conquistado exatamente na eleição de 1968, com apoio de Drayton Nejaim, de quem tinha sido oficial de gabinete, na prefeitura. Rabelo conta que, naquele período, os vereadores não recebiam salários. “A única Câmara de Vereadores que o prefeito teve minoria sem vereador ganhar nada foi a minha primeira. De 1969 a 1972 a gente só recebia café pequeno. E o prefeito Anastácio Rodrigues comeu quatro anos de minoria na Câmara, até orçamento eu derrotei”, cita. Rabelo afirma que o prefeito Anastácio não quis fazer algumas modificações no orçamento, o que levou a oposição a derrotá-lo. “Sem orçamento o município não anda, pois é crime de responsabilidade. O governador mandou nos chamar. Disse que eu era um rapaz inteligente, estudante de Direito e que não fizesse isso com o município. Eu perguntei a Dr. Eraldo se ele havia me chamado para conversar democraticamente ou para pedir que eu votasse com Anastácio”, rememora. Para acalmar os ânimos, o governador convidou Rabelo e os demais vereadores para comer. “Saímos para almoçar. Barreto Guimarães era vice-governador. Resultado: não mudou porra nenhuma, foi cacete mesmo”, comenta o ex-vereador, com seu jeito próprio e destemido de falar. “Anastácio comeu o pão que o diabo amassou comigo. Depois eu prestei homenagem, porque ele foi um prefeito honesto, no aspecto de dinheiro público. Entrou na prefeitura pobre e saiu pobre”, reconhece.

Dias antes de seguir para o Rio de Janeiro, os integrantes da Bandinha de Pífanos ensaiavam, em estúdio de gravação de propriedade do compositor Onildo Almeida, as duas dezenas de músicas que seriam registradas em áudio pela CBS (incluindo a composição “Caruaru Caruara”, de Lídio Cavalcanti e Sebastião Biano). A gravadora havia decidido que além de lançar um LP do grupo, ficaria com outra matriz para o segundo disco, dependendo do sucesso de vendas do primeiro. A Banda de Pífanos de Caruaru tornou-se conhecida fora de sua região, quando, em 1972, Gilberto Gil gravou a composição Pipoca Moderna, de Se-

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bastião Biano, com letra de Caetano Veloso, em seu disco Expresso 2222,que marcava a sua volta do exílio em Londres. O cantor nunca escondeu que sua iniciativa tropicalista fora motivada pela Banda de Pífanos e pelos Beatles, sobretudo através do álbum Sargent Pepper’s Lonely Hearts Club Band. A partir daí, o prefeito Anastácio percebeu que o fato de levar ao conhecimento dos brasileiros a arte do conjunto regional seria um importante elemento de divulgação da cidade, não medindo esforços para a gravação do LP, na CBS. Os integrantes da Banda viajaram para o Rio de Janeiro, em dois automóveis, acompanhados por Onildo Almeida. A Banda de Pífanos de Caruaru também se apresentou, para grande plateia, no Museu de Arte Moderna do Rio, durante a abertura de um festival folclórico. O público, jovem em sua maioria, dançou e acompanhou com palmas os ritmos regionais. A apresentação foi promovida por Sidney Miller. Depois da ida ao Rio, a Banda ganharia destaque nacional, passando a realizar diversos shows pelo país e a gravar sucessivos trabalhos. Em 1975, Caetano Veloso gravaria Pipoca Moderna no disco Jóia. A Banda de Pífanos de Caruaru recebeu, em 2004, o prêmio de Melhor Álbum de Música Regional ou de Raízes Brasileiras – Grammy Latino. Em 2006, o grupo foi condecorado com a Ordem do Mérito Cultural, pelo presidente Lula, por iniciativa do então ministro da Cultura, Gilberto Gil. A condecoração é uma das mais importantes honrarias do Governo Federal, concedidas pelo Ministério da Cultura, desde 1995. Em outubro de 2015, a Bandinha de Pífanos foi uma das atrações do programa Esquenta, apresentado por Regina Casé, aos domingos, na TV Globo. Atualmente, seus integrantes vivem na cidade de São Paulo.

Ninguém governa sozinho. O êxito de uma gestão depende também da liderança do prefeito e da competência de sua equipe. Anastácio Rodrigues contou, em sua administração, com o apoio fundamental do general Aguinaldo de Oliveira Almeida, responsável pela Comissão de Desenvolvimento de Caruaru (Codeca), órgão de planejamento que pensava estrategicamente os destinos da cidade.

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A Comissão tinha o papel de acompanhar as ações do Estado, oferecer sugestões e mobilizar a sociedade. Cuidou de perto de assuntos que diziam respeito ao progresso de Caruaru como a questão da água, trânsito, organização da cidade, entre outros. O general Aguinaldo era especialista em Desenvolvimento Econômico pela Comissão de Desenvolvimento da América Latina (Cepal), sediada no Chile. “Ele teve uma participação espetacular no meu governo, através da Comissão de Desenvolvimento de Caruaru. Homem inteligente que atuava com base na política do padre Lebret, de planejamento, plano diretor, parque industrial. Ele ia à Sudene representando o município”, testemunha Anastácio. Foi por intermédio do general Aguinaldo que Caruaru conseguiu ações importantes como o levantamento aerofotogramétrico, feito pela FAB, e o projeto do serviço de esgoto sanitário. Quando o general Aguinaldo morreu, em 1973, o prefeito João Lyra Filho entregou a Comissão de Desenvolvimento de Caruaru a Souza Pepeu. Anastácio discordou da nomeação do jornalista, por achar que ele não estava capacitado para aquela função.

Duas importantes mensagens do Executivo foram enviadas à Câmara, no mês de agosto de 1972, a primeira solicitando autorização para celebrar convênio com o Serviço de Eletrificação Rural e levar eletricidade às localidades de Carapotós, Murici e Taquara, e a segunda para custeio da contratação de um escritório de planejamento urbanístico, visando à atualização do Plano Diretor do município. Ao mesmo tempo, o prefeito Anastácio anunciava que sete quilômetros de ruas e vias de acesso seriam asfaltados, através de convênio com o Banco Nacional de Habitação (BNH) e a Cooperativa Habitacional (Cohab), nos bairros Kennedy e Petrópolis – projeto que seu sucessor, João Lyra Filho, não levou à frente. O governo municipal também colocava em prática um trabalho de construção e recuperação de praças. Já haviam sido reformadas as praças Nova Euterpe, São Francisco, Coronel Porto, Severino Menezes e Pedro de Souza. Na inauguração da praça do bairro São Francisco, Anastácio convi-

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dou um garotinho, calçado com sandálias japonesas, para descerrar a placa. Muitos anos depois, convidado para patrono de turma concluinte no Colégio Dimensão, um jovem foi cumprimentá-lo. Casado, funcionário do Banco do Brasil identificou-se como o garoto que, sem exata noção do ato, jamais esqueceu o dia em que “inaugurou” uma praça, em sua cidade, a convite do prefeito. Anastácio ficou muito emocionado. Além de cuidar do aspecto paisagístico, o Departamento de Praças e Jardins projetava novas faixas verdes, em pontos da cidade. O matadouro municipal também passava por reformas. Investimentos na ordem de Cr$ 150 mil, em projetos de iluminação pública, foram anunciados em agosto, atingindo a Avenida Portugal, o giradouro da 22ª CSM, a praça Dom Vital e o prolongamento da Agamenon Magalhães até a BR-104. O esquema de urbanização da Portugal previa, ainda, a construção da praça Monte Castelo, projetada pelo arquiteto Jonas Arruda. Depois de construir um mausoléu para abrigar os restos mortais do Mestre Vitalino, o prefeito Anastácio Rodrigues decidiu prestar a mesma homenagem póstuma ao comediante Luiz Jacinto da Silva, o Coroné Ludugero. A pequena edificação, em forma de prisma, trabalhada em granito, foi erguida no cemitério Dom Bosco. O monumento foi elaborado com um epitáfio simples, confeccionado em letras metálicas e trabalhado de forma artesanal, projeto do arquiteto João Carlos Martins. Com a aproximação do período eleitoral, a Arena começou a se movimentar em relação ao pleito. A tese defendida pelo governador Eraldo Gueiros era de união do partido, a fim de retomar a prefeitura. Inicialmente, as lideranças aparteavam uma divisão, apontando os nomes de Walter Lira, Azael Leitão, Roosevelt Gonçalves, o jornalista Luiz Torres e, nos últimos dias, do industrial Armando da Fonte. O governo, através do presidente regional da Arena, Augusto Novaes, acompanhava de perto as tendências do eleitorado e a posição das lideranças locais: Tabosa de Almeida, Drayton Nejaim, José Liberato, João Guilherme de Pontes Neto e a própria deputada Aracy Nejaim. Até então, duas candidaturas ganhavam força: a de Walter Lira, presidente do Comércio Futebol Clube e funcionário da agência do INPS, e a de Roosevelt Gonçalves. Como nenhuma das duas contava com aceitação unânime da Arena, a

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cúpula do partido procurava um terceiro nome. O Diario de Pernambuco registrou que, no dia 21 de agosto, os empresários Galvão Cavalcanti e Luiz Lacerda se reuniram com o governador Eraldo Gueiros e um dos dois poderia sair candidato. Walter Lira contava com os votos de vereadores e componentes do diretório, já Roosevelt era tido como imaturo politicamente e tinha apoio de Drayton Nejaim, inimigo de Tabosa. Durante o seu governo, Anastácio adotou a postura de não tratar de política partidária, para não prejudicar o andamento da administração. O palanque continuava desarmado. As eleições já se aproximavam. No mês de agosto, o prefeito reuniu toda equipe de governo para tratar, pela primeira vez, da sucessão. Comunicou que até aquela data não havia candidato a prefeito, e, se houvesse, a prefeitura ficaria no seu lugar, não seria envolvida. Mas Anastácio já sabia quem seria o seu sucessor. Alguns dias depois, o prefeito bateu o martelo político e declarou, de forma radical: “Meu candidato é João Lyra Filho. Só voto nele. E vamos ganhar a eleição, fazer o sucessor. É fundamental”. Anastácio estava realizando uma administração de obras estruturadoras, zeladora com o dinheiro do contribuinte e restauradora do conceito da cidade de tantos brasileiros ilustres. Enfim, uma liderança política emergente e com cacife para “sugerir”, também, o nome de João Lyra Filho. Acontece que Lyra não queria disputar uma eleição naquele momento. O ex-prefeito estava muito abatido com a morte recente de sua esposa. A professora Guiomar Lyra havia falecido na manhã do dia 24 de junho de 1972, aos 60 anos, num hospital do Recife. A última escola em que lecionara, em Caruaru, foi o Vicente Monteiro. No início de sua carreira, exerceu o magistério no Grupo Escolar Joaquim Nabuco, mesma época em que Anastácio era aluno do educandário. Outros nomes do MDB aspiravam ao cargo. O principal deles era o advogado Mário Menezes, um dos fundadores do partido no município, herdeiro do patrimônio eleitoral e político do ex-deputado Lamartine Távora. Mário logo cedo manifestou desejo de ser candidato. Político militante, ex-vereador, filho do ex-prefeito Abel Menezes, eleito na legenda do histórico PSD, Mário declarou seu desejo ao deputado Fernando Lyra. – Se você conseguir o apoio de Anastácio eu lhe apoio, disse Lyra.

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[1] General Aguinaldo de Almeida: figura que muito contribuiu para o progresso de Caruaru [2] Anastácio abraça eleitora, ladeado por Leuraci e por sua sogra, Dona Laura Bezerra [3] Crianças se divertem na fonte de água da Prefeitura, no dia em que Anastácio concluiu seu mandato [4] Estar cercado pelo povo era algo que agradava o prefeito Anastácio

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Fernando sabia da crise existencial que seu pai estava vivendo, após a morte de sua mãe. Também sabia da obstinada preferência de Anastácio pelo líder do clã dos Lyra. Escolha que prevaleceu. Num almoço no restaurante da Câmara dos Deputados, em Brasília, Anastácio lhe disse que não apresentasse outro candidato, porque o seu sucessor seria João Lyra Filho. As convenções municipais do MDB e da Arena seriam realizadas no final do mês de agosto. Os arenistas se reuniram no dia 26, no auditório da Rádio Difusora, para escolha dos candidatos a prefeito, vice e vereadores e não conseguiram entrar em consenso, confirmando as candidaturas de Walter Lira e Roosevelt Gonçalves, na sublegenda. O MDB, ao contrário, ficou unido em torno de João Lyra Filho, graças à postura inflexível de Anastácio, em defesa de seu nome. A convenção do partido aconteceu no dia 27, na sede do Círculo Operário. O povo se reuniu na Rua da Matriz e seguiu em passeata, até o local, acompanhada pelas bandas Nova Euterpe e Comercial. O evento foi presidido pelo presidente local do partido, vereador Luiz Gonzaga, indicado como candidato a vice-prefeito. Em seu discurso, João Lyra Filho disse que ninguém se cansa de trabalhar por Caruaru e que “aqui estou para consagrar o vosso chamamento”. Lyra Filho prometeu que seu governo iria priorizar a “humanização” da cidade, adotando medidas pioneiras “que vão exigir a participação do povo”. Afirmou ser um oposicionista que mantinha as melhores relações com lideranças de todas as facções, destacando que sua campanha seria sóbria e elevada, suscitando o debate dos grandes problemas de Caruaru. O povo de Caruaru é conscientizado – sublinhou – e há um eleitorado jovem, que não aceita mais certos processos políticos, que estão plenamente sepultados. O deputado Fernando Lyra, emocionado, pronunciou discurso para dizer que seu pensamento estava “voltado para o povo desta terra, num momento de tanta significação” e referiu-se ao deputado arenista Tabosa de Almeida como expressão de trabalhos e amor a Caruaru. Anastácio conseguiu convencer João Lyra Filho e foi à praça pública, num gesto de reconhecimento pelo apoio recebido no passado. Também apoiou dois candidatos à Câmara: Romero Monteiro Florêncio, filho de seu padrinho João Elísio Florêncio e José Rodrigues da Silva, seu primo carnal. “Mas

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não colocamos, para nenhum deles, a prefeitura. O mesmo aconteceu com o nosso candidato, João Lyra Filho. Foram eleitos sem as benesses governamentais. Não transformei a prefeitura num diretório do MDB”, garante. O Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e a Aliança Renovadora Nacional (Arena) se defrontariam pela segunda vez e o quadro era o mesmo de quatro anos antes, quando Anastácio enfrentara o próspero comerciante José Antônio Liberato (apoiado por Drayton Nejaim) e a notória credibilidade do comendador Manuel Affonso Porto Filho, prefeito na década de 1940. Ambos da Arena. Drayton Nejaim, com suas convicções de extrema direita, entrava novamente em cena, apoiando o nome de Roosevelt Gonçalves. Como estratégia de campanha, a oposição propagava que a candidatura de João Lyra era uma jogada dos “comunistas” para retomar o poder. “Os comunistas, para enganar o povo, estão dizendo que estiveram na lua. Mentira deles, o meu eleitorado não acredite nessa história”, dizia Nejaim. Assim como Liberato, em 1968, Roosevelt sintetizava uma forma de Drayton continuar reinando em Caruaru. Natural de Cumaru, Roosevelt era estudante da Faculdade de Direito de Caruaru. Politicamente, no entanto, não passava de um ilustre desconhecido. O outro opositor de João Lyra Filho, o caruaruense de classe média Walter Lira, ex-atleta e amante dos esportes amadores, tentava retornar ao esplendor da vida pública, depois de, sem sucesso, ter disputado uma vaga na Câmara de Vereadores. Ao contrário de outros diretórios do MDB, no Estado, em Caruaru a agremiação partidária era estruturada e já trabalhava com pesquisas eleitorais, naquela época, para procedimento e orientação das campanhas políticas – rigorosamente planejadas, de acordo com o comportamento dos adversários. Assim, o prefeito Anastácio Rodrigues indicava o rumo de suas ações com base nas pesquisas que Pedro Alencar desenvolvia constantemente. A acirrada campanha foi deflagrada em comício na Rua Bahia. Foi o teste do “João vence, vence. João Lyra é trabalho, amor e paz”, música do compositor Onildo Almeida, que pegou, agitando as massas. Utilizando slogans como “A volta do bom prefeito” e “Vote em quem vai vencer as eleições”, a coordenação geral da campanha ficou sob responsabilidade do jornalista Celso Rodrigues, primo carnal de Anastácio.

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Campanha moderna. Na tela, Anastácio prestava contas ao povo, apresentando documentários. Os comícios eram transmitidos pelo rádio. Anastácio mostrava o que realizara na Prefeitura e contestava, duramente, como excelente orador, o discurso de Roosevelt Gonçalves, cujo vice-prefeito era o vereador Severino Afonso Filho. O deputado federal Fernando Lyra, que se transformou num referencial de dimensão nacional, também fazia discursos vibrantes, sob as palmas e aprovação dos que o ouviam. O tom dos discursos era ácido e beirava a baixaria, de modo que a Justiça Eleitoral interveio para controlar os ataques pessoais e o palavrão desenfreado, nos comícios da Arena e do MDB. O juiz Plácido de Souza expediu Portaria exigindo moderação nos discursos e viu-se obrigado a usar seu poder de magistrado para cassar a palavra a oradores inflamados e suspender transmissões radiofônicas de comícios. O radialista MacDowell Holanda foi um dos alvos. Muito eufórico, num comício da Arena 2, fazia investidas nada aconselháveis contra o prefeito Anastácio Rodrigues, quando teve a palavra cassada pelo juiz. Em outra oportunidade, o Dr. Plácido de Souza determinou, através de telefonema, o corte na transmissão de um comício em que Anastácio discursava. O prefeito só não teve sua fala interrompida porque o funcionário da empresa que atendeu ao telefonema julgou tratar-se de um trote e por não ter recebido nenhuma instrução da emissora nesse sentido. Drayton Nejaim também foi punido pela Justiça Eleitoral. O ex-prefeito se excedia no palanque, “lavando roupa suja” como seus adversários, quando o juiz Plácido de Souza mandou que se suspendesse a transmissão do comício, que se realizava na Rua Saldanha da Gama. O magistrado também ordenou a presença de oficiais de justiça no interior das emissoras de rádio caruaruense, para garantir a interrupção das transmissões, em casos de exaltação por parte dos oradores. O Diario de Pernambuco noticiou que o juiz Plácido de Souza estaria propenso inclusive a cassar definitivamente a palavra do prefeito Anastácio Rodrigues e do ex-prefeito Drayton Nejaim, que, segundo a publicação, eram “reincidentes na prática de discursos violentos (...) não obstante os apelos dirigidos pela Justiça Eleitoral aos dirigentes dos partidos”. A deputada Aracy de Souza, que voltou a usar o nome de solteira antes

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mesmo de separar-se oficialmente de Drayton Nejaim, utilizou a tribuna da Assembleia Legislativa, na reunião do dia 30 de agosto, para elogiar o prefeito Anastácio Rodrigues, do MDB. A iniciativa tomou a todos de surpresa, vez que Aracy era fervorosa defensora dos postulados do governo militar e membro da Arena. Os deputados Manoel Gilberto e Jarbas Vasconcelos, do MDB, discordaram da parlamentar. Eles não aceitavam o fato de Anastácio, eleito pelo MDB, administrar aliado a governadores da Arena. Também não faltou quem aplaudisse a parlamentar. Em aparte, o deputado Nivaldo Machado afirmou que Aracy estava dando uma demonstração de sensibilidade democrática. Jarbas Vasconcelos, que futuramente iria se aliar a partidos resultantes da Arena, como o PFL, tachava Anastácio de adesista. Irado, o prefeito comentava: “diga a ele que venha colocar o traseiro onde eu estou colocando o meu”. Anastácio sabia que qualquer movimento em falso poderia resultar na cassação de seu mandato. Temia que Drayton Nejaim ou mesmo um militar governassem Caruaru em seu lugar. Por causa dessas críticas, Anastácio mantém forte antipatia por Jarbas. Num comício de João Lyra Filho, no bairro do Riachão, que contou com a presença do deputado, Anastácio subiu, falou, desceu e sequer olhou para Jarbas. A primeira-dama, Leuraci, estava ao lado de seu esposo. Ambos retiraram-se. Também repercutiu na Assembleia Legislativa o pronunciamento da deputada Aracy, lamentando sua ausência na eleição municipal em Caruaru. Ela disse que não estava distante por “medo, covardia ou ingratidão ao povo”, mas porque estava sendo “coagida e pressionada por um forte grupo político”. A deputada não se esqueceu de revidar os ataques que vinha sofrendo no município, por parte de Drayton Nejaim. Disse que, “por deficiência do Código Civil e do Código Eleitoral, ele vive em praça pública, como um camelô, fazendo campanha eleitoral, embora esteja com os seus direitos políticos suspensos e respondendo pelo crime de corrupção, de uma Prefeitura que ele administrou mal”, pontuou. Aracy lembrou que Drayton não poderia subir em palanques eleitorais, falar em nome da Arena, nem apresentar um candidato “a uma Prefeitura que ele corrompeu”, acusou a deputada. Ela também relembrou os atos de

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tortura que sofrera do ex-marido, um ano antes. “Tenho, hoje, os cabelos brancos, a fisionomia deformada, pela brutalidade de um homem, fui por ele seviciada e brutalizada. Ainda tenho as marcas das torturas que sofri, as cicatrizes e, no rosto, as marcas de cigarros, de um trucidamento, porque não quis admitir o que ele queria: a renúncia do meu mandato”, desabafou. Adiante, comentou as acusações feitas por Drayton de que ela era infiel e mantinha relacionamentos extraconjugais. “Tenho aqui em mãos, um documento em que ele diz: “Fui ultrajado na minha honra”, como se o monstro de Pau Seco, o monstro de Piedade, o agressor de mulheres indefesas, criminoso desde a menor idade, como demonstra aqui a Folha Corrida da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Pernambuco, como se tivesse honra, esse cidadão”, cravou. “E porque foi que ele tentou tirar-me o mandato? Não foi por questões de adultério, não foi por confissões de lista de amantes, como ele declarou, procurando a Revista Veja”, insistiu Aracy. Seu colega de parlamento, o deputado caruaruense José Antônio Liberato, não foi poupado. Ela o acusou de estar agindo contra a Assembleia Legislativa porque subia “num palanque com o senhor Drayton, quando sabe que a CPI, instaurada pelo Poder Legislativo, chegou à conclusão de que, por tortura e coação, assinei a renúncia de meu mandato”, argumentou, ante as expressões atônitas de seus colegas deputados. O desabafo continuou: “Após aquele trágico acontecimento, solicitei às autoridades garantia de vida. Fui e continuo sendo ameaçada de morte. Por isso não posso ir fazer campanha da Arena em Caruaru. Não sei como a Arena permite que isso ocorra: um parlamentar arenista não participar da sua campanha”, questionou o próprio partido. Era a primeira vez que Aracy falava publicamente sobre o assunto e o longo pronunciamento foi reproduzido dias depois pela imprensa e lido com grande expectativa pela população pernambucana. A parlamentar concluiu sua fala em tom poético e emotivo: “Não me olhem como uma vítima da vida! Eu venci, tentaram-me destruir o físico, mas enobreceram-me a alma! Eu não tenho ódio, eu não o odeio, porque se eu odiasse, eu não o teria amado como amei”, disse, referindo-se a Drayton. O ex-prefeito não quis comentar as declarações de Aracy e disse que não queria sensacionalismo em torno do fato. “Basta de manchetes. Tenho uma

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vida nova, cercado das mesmas pessoas que me respeitavam e que ainda me respeitam e me querem bem. Estou no meu papel de homem, caminhando e acertando, para que, no futuro, as coisas sejam para mim mais felizes, e, com a ajuda de Deus e das pessoas amigas, atinja meu alvo”, comentou, referindo-se a seu retorno à política partidária, que só ocorreria em 1976, depois de cumprir o período de cinco anos de cassação de seus direitos políticos. Drayton também disse lamentar que “fatos estritamente de ordem particular e que desmoralizam as pessoas envolvidas, tenham voltado à tona”. O ex-prefeito afirmou ainda que as acusações de Aracy obedeciam a orientação de seus inimigos políticos, “para gerar uma motivação em prejuízo da campanha da Arena, em Caruaru”. E acrescentou: “Mas, isto não atinge a campanha e muito menos a mim, com minha vida organizada, sem nenhum complexo, recalque ou coisa parecida”. O juiz Aluiz Tenório de Brito, responsável pela condenação de DraytonNejaim em 1970, em processo relacionado a sua gestão como prefeito, também respondeu à acusação da deputada Aracy de que Drayton estaria desobedecendo à Justiça ao subir em palanques eleitorais, em Caruaru. Ele lembrou que o ex-prefeito estava “no gozo dos benefícios da suspensão condicional da pena, em virtude do sursis que lhe foi concedido, cujas condições ele está cumprindo na íntegra, até prova em contrário”. Na cidade de Caruaru, em meio ao tiroteio verbal, Walter Lira, um amador na competição profissional, sentindo como era difícil viabilizar-se como terceira força política, na disputa de 1972, promoveu um ato folclórico, imaginando que sensibilizaria o eleitorado. Pediu que os adeptos de sua candidatura desfilassem pela Rua Duque de Caxias com lanternas de papel iluminado à luz de vela, num espetáculo que mais lembrava uma procissão do que uma campanha política. Edgar Feitoza era o candidato a vice-prefeito na chapa de Walter Lira. Como dito, os discursos mais agressivos ficavam por conta de Anastácio Rodrigues e Drayton Nejaim. Ambos foram, inclusive, punidos pela Justiça Eleitoral. Anastácio discursava num comício, quando se desmandou na imprudência do linguajar e teve a transmissão radiofônica de sua fala cortada. A mesma sanção sofreu Drayton, quando falava em comício de Roosevelt Gonçalves. O oficial de justiça Waldo Menezes, designado pelo juiz

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Plácido de Souza, determinava o corte nas transmissões quando os oradores se excediam em ataques. “Os assessores da campanha não levaram ao meu conhecimento. Houve maldade dos mesmos, principalmente os que não me viam com bons olhos”, acusa o ex-prefeito. A juventude assumiu parte do êxito dos comícios e da própria campanha de João Lyra Filho, cantando nos colégios e nas ruas: “João Macambira vence, vence”. O apelido foi rigorosamente o aproveitamento de uma ironia partida dos adversários. Por analogia, passaram a chamá-lo “João Macambira”, pois em sua primeira gestão, ele havia plantado, fartamente, macambira – planta símbolo das regiões secas – nas praças de Caruaru, que continuava racionando o consumo de água. A sugestão para a plantação da planta herbácea nas praças da cidade foi do paisagista pernambucano Abelardo Rodrigues. Os estudantes gostaram do apelido, que perdeu o sentido pejorativo, transformando-se num recurso inovador no pleito daquele ano. João Lyra, no entanto, ficava perturbado com o nome e perguntava aos orientadores de sua campanha: – Será que eu vou perder o meu nome de batismo? Agora, vá lá. Mas, depois, prefeito Macambira, não faz sentido. Não humilha, mas não é bonito. Mércia Lyra, nora de João Lyra Filho, comandava o difícil trabalho de campo, visitando os bairros da periferia, casa por casa, ao lado de outras mulheres voluntárias. O trabalho, de imediato, refletiu nas amostragens de pesquisas que passaram a ser feitas quase diariamente. A campanha foi cedendo espaço para a discussão dos problemas do município e prevaleceu a tese da continuidade administrativa – que não ocorreu. O enfoque foi entendido, de tal sorte que João Lyra imaginou que ganharia a eleição, marcada para o dia 15 de novembro, “por mais de cinco mil votos”. A campanha de 1972, em Caruaru, foi marcada por casos pitorescos, registrados pela imprensa. Roosevelt Gonçalves, candidato da Arena 2, apoiado por Drayton Nejaim, participando de uma mesa redonda na Rádio Cultura do Nordeste, assim explicou a origem do seu nome: “Tomei o nome de Roosevelt em homenagem a um ex-presidente de um país, grande aliás, da América Latina”. (O país era os Estados Unidos, localizado na América no Norte e não Latina).

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Quando indagado pelo locutor Arnaldo Brito se, eleito prefeito, Roosevelt resolveria o problema da reforma agrária na cidade, o candidato sapecou: “Perfeitamente, e sem maiores delongas, readquirindo os televisores comprados no governo Drayton e os colocando nas fazendas”. Outro orador que divertia os críticos de plantão era o conhecido “Louro”, proprietário de uma empresa de ônibus. Falando num comício de Roosevelt, disse: “Recebi um telegrama ‘amanhã’ do meu fio (Vadinho, ex-jogador de futebol) e vou pegar um avião pra ir inté lá. Por isso, não tou cá nesse mermo lugar no próximo comiço”. A população caruaruense esperou ardorosamente pela presença da deputada Aracy na cidade, durante o período eleitoral. Passara-se pouco mais de um ano após o episódio trágico em que fora vítima da maldade do próprio esposo. Com Drayton em praça pública, defendendo a candidatura de Roosevelt Gonçalves, esperava-se que Aracy subisse em algum palanque e abrisse o jogo perante o eleitorado. Até então, ela havia se pronunciado apenas na Assembleia Legislativa sobre o caso. A insistência da população em torno de sua presença na cidade levou a deputada a escrever um manifesto, encaminhado ao programa “Mesa Redonda”, da Rádio Cultura, do qual a parlamentar se esquivou em participar, e ao povo de Caruaru. O texto também respondia à imprensa pernambucana, que passou a acusar Aracy de estar aliada aos membros do MDB, em torno da candidatura de João Lyra Filho. “Tomando o conhecimento da intranquilidade e do suspense que domina a sociedade caruaruense durante este período eleitoral, motivado pela conduta de alguns oradores, que vêm, em praça pública, usando um tratamento desrespeitoso, consciente das responsabilidades que tenho, detentora de um mandato e no exercício de minhas funções, pertencendo à Aliança Renovadora Nacional, o que muito me orgulha, jamais poderia me nivelar àqueles que empenham uma falsa bandeira revolucionária”, criticou Aracy. “Ausento-me, com saudade, temporariamente, durante o atual período eleitoral, que reputo dos mais importantes, onde serão escolhidos aqueles que vão dirigir legitimamente os interesses da comunidade interiorana, para que não se diga, como já foi comentado por um órgão da imprensa do nosso Estado, que estou a serviço da oposição”, enfatizou a parlamentar.

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Ao final, deixou seu ultimato: “Caruaru firme, Caruaru unido, fará justiça àqueles que têm um passado, um presente e um futuro, tanto político quanto moral, para manter as nossas tradições e elevar cada vez mais o bom nome e o conceito da Capital do Agreste”, desejou Aracy, que se não estava a serviço do MDB, certamente não mantinha o mínimo desejo de ver o candidato apoiado por Drayton ser eleito. Reportagem do Diario de Pernambuco condenou o manifesto enviado pela deputada. Com o título “Discurso de Aracy não agradou a Caruaru”, o correspondente Antonio Miranda dizia que o povo a esperou nas praças públicas e definiu a mensagem como “o maior blefe da campanha da Arena em Caruaru”. A deputada estava no estado da Guanabara, quando adquiriu um exemplar do jornal e tomou conhecimento da repercussão. A situação se tornou ainda mais desconfortável quando os membros de seu partido passaram a duvidar de suas intenções. Dias antes de encaminhar o manifesto ao povo caruaruense, Aracy esteve no gabinete do secretário Fausto Freitas e lá encontrou o jornalista Luis Torres. Engajado na campanha arenista em Caruaru, ele foi convidado pelo governador Eraldo Gueiros para orientar e conduzir o eleitorado na escolha de seu candidato, a fim de reconduzir a Arena ao comando do município. Lá, Aracy escutou de Luis Torres a seguinte exclamação: – Deputada, em Brasília, comenta-se que a senhora está a serviço do MDB, que o seu candidato em Caruaru é o senhor João Lyra, candidato da oposição. Eu então a defendi, porque conheço o seu pensamento, sei de seus ideais e tenho certeza de que a senhora não poderia incorrer num erro, inclusive, para se prejudicar pessoalmente, criando um problema dentro de sua fidelidade partidária. Aracy agradeceu o gesto do jornalista, mas decidiu que era hora de agir. Relutou o quanto pôde. Pensou até dez vezes antes de falar. Tudo era ainda muito recente; se as feridas de seu corpo estavam cicatrizadas, as da alma ainda estavam por demais abertas. Revelando-se “amordaçada e coagida” por um grupo que lhe proibia de ir a Caruaru, para dizer ao povo “a verdade”, Aracy fez um longo pronunciamento, no dia oito de novembro de 1972, na Assembleia Legislativa, em que narra com riqueza de detalhes as atrocidades de que foi vítima um ano antes – discurso já citado neste capítulo.

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A ELEIÇÃO Os discursos violentos e a expectativa de que a eleição poderia ocorrer em clima de tensão levaram o juiz Plácido de Souza a solicitar ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) o deslocamento de tropas federais para o município de Caruaru, no dia da votação. O pedido foi negado pelo Superior Tribunal Eleitoral, que comunicou a decisão ao governador de Pernambuco, Eraldo Gueiros Leite. O STE decidiu pela negativa do pedido do TRE por entender que não estava caracterizada a “imperiosa necessidade” contida na Resolução nº 8.906. O juiz Plácido de Souza também havia exigido a demissão dos delegados de polícia, coronel Osiris Ferraz e tenente João Rufino. Mesmo impossibilitada de participar da campanha em Caruaru, a deputada Aracy de Souza procurou influenciar o resultado da eleição no município. Na sala da Comissão de Legislação e Justiça da Assembleia Legislativa, no Recife, fumando um cigarro após o outro – talvez para esconder seu nervosismo –, a parlamentar explicou ao Diario de Pernambuco como vinha atuando em relação a Caruaru. “Aqui, no Recife, montei o meu birô eleitoral, onde mantive e orientei correligionários e amigos, visando o pleito caruaruense”, disse. “Embora coagida, como revelei no meu recente pronunciamento na Assembleia, oportunidade em que o povo de Caruaru tomou conhecimento dos fatos que se passam nos bastidores da política local, não me acovardei. Pelo contrário. Do Recife, conduzi minha gente ao caminho certo”, afirmou, sem revelar qual o caminho. O dia 15 de novembro de 1972, data em que os caruaruenses foram às urnas eleger seu novo prefeito e vereadores, foi de sol claro e muito calor. O povo circulou por toda parte, em direção às seções eleitorais espalhadas pela cidade. Dezenas de ônibus e centenas de automóveis conduziam os eleitores para os bairros, no interior do município. A movimentação começou cedo da manhã. Ambas as facções partidárias colocaram automóveis à disposição dos eleitores. No diretório do MDB, os ônibus de propriedade do candidato João Lyra Filho, mais alguns veículos, transportavam pessoas ao longo do dia. Os candidatos Roosevelt Gonçal-

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[1] Anastácio se destacou pela quantidade de escolas que construiu em Caruaru [2] Pela primeira vez na História, a bandeira de Caruaru é hasteada no município [3] Anastácio também instituiu e comemorou o feriado de 18 de Maio [4] Ato de implantação do Distrito Industrial de Caruaru, marco do governo Anastácio [5] Imagem reproduz a maquete do Centro Cívico de Caruaru, sonho que frustrou Anastácio

ves e Walter Lira valeram-se de carros de aluguel, veículos de amigos, particulares e ônibus de outras empresas. A Arena 1 e 2 fizeram os pontos de partida de seus veículos na frente de seus respectivos diretórios, na Rua da Matriz, cujo trânsito ficou caótico durante todo o dia. O MDB armou uma grande barraca, coberta de lona, na praça Coronel João Guilherme, onde os eleitores recebiam informações sobre suas seções e de onde partiam os ônibus da Caruaruense para os bairros mais distantes e para os distritos. A barraca do MDB motivou uma série de protestos pelos partidários da Arena, por exibir faixas com o nome do candidato João Lyra Filho, retiradas após determinação judicial. O dia da eleição foi também de festas, reencontros de velhos amigos e retorno de caruaruenses que não mais viviam na cidade, e que aproveitavam a oportunidade para rever Caruaru, abraçar amigos e estar junto a familiares. Pessoas vindas de outros municípios e Esta-

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dos estiveram em Caruaru para exercer o direito de votar. Enquanto quase toda população se movimentava, na manhã do dia 15, os evangélicos da Igreja Vale da Benção permaneciam em orações, fazendo vigília espiritual. Oravam para que Deus abençoasse o povo de Caruaru, a fim de que tudo transcorresse na paz. Somente à tarde, os fiéis iriam até as urnas registrar os seus votos. Para surpresa de muitos, a deputada estadual Aracy de Souza foi até Caruaru no dia da eleição. Chegou à cidade, às 13h, em carro oficial da Secretaria de Segurança Pública, protegida por dois policiais militares e um segurança vestido à paisana. Vestida de preto, a deputada parou em frente ao prédio do Grupo Escolar Vicente Monteiro, seu local de votação. Os militares permaneceram no veículo, enquanto o segurança acompanhou a parlamentar até a 33ª seção eleitoral, onde exerceu seu direito ao voto. Entrevistada por uma emissora de rádio local, Aracy não informou em

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quem havia votado. Disse apenas que o candidato da Arena 2, Roosevelt Gonçalves, apoiado por seu ex-marido, não seria eleito. Ainda no local de votação, foi aplaudida por um grupo de mulheres quando anunciou que, com a ajuda do eleitorado feminino, seria candidata a deputada federal na eleição de 1974. O título de eleitor da deputada, a exemplo do que ocorreu com todos os eleitores de Caruaru, ficou retido no lugar de votação, uma vez que a Justiça Eleitoral pretendia criar mais zonas eleitorais no município. Antes de voltar ao Recife, Aracy fez uma rápida parada na residência de uma conhecida, vizinha ao Grupo Escolar Vicente Monteiro, que se encontrava enferma. Depois, voltou ao veículo oficial e, às 13h15, deixou Caruaru, em direção à capital pernambucana. A parlamentar se negaria a comentar a derrota da Arena, dias depois, alegando que a ela fora negado o direito de participar da campanha. Contrariando expectativas, as eleições em Caruaru transcorreram em clima de paz, sendo apontada como das mais calmas do interior pernambucano naquele ano. Num universo de 41.258 eleitores, distribuídos em três zonas e 142 seções, a abstenção foi de 12.630 votantes. Os candidatos a prefeito visitaram quase todas as seções eleitorais, na cidade e na zona rural, onde cumprimentaram eleitores e observaram a situação. Às emissoras de rádio, realizaram prognóstico da eleição e fizeram suas últimas saudações ao eleitorado. O prefeito Anastácio Rodrigues, que acompanhava seu candidato, João Lyra Filho, a todos os locais de votação, também falou ao povo de Caruaru. Quando visitaram a seção eleitoral da Praça Nova Euterpe, Anastácio pediu a João Lyra que fosse conhecer sua mãe, que ainda morava naquele mesmo lugar onde ele viveu até casar. Alguns dias depois, Anastácio esteve novamente na casa de Dona Amélia. – Anastácio, aquele homem presta? – Lá vem mãe com essa história. – Nunca vi cabra laranja prestá. Amélia se referia a João Lyra Filho, que tinha a pele em tom avermelhado. “Minha mãe previa as coisas. Ela nunca errava. Deu no que deu”, diz Anastácio, referindo-se ao rompimento pessoal e político que haveria en-

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tre ele e João Lyra logo em seguida. No dia da eleição, João Lyra Filho mostrava-se confiante na vitória que, segundo ele, era esperada pela população de Caruaru. “Se a vitória não é certa, pelo menos é bastante esperada”. Ele disse ainda que não pretendia ser candidato “de maneira alguma”, “entretanto, os meus amigos e até o povo exigiu. Não tive outra alternativa. Na verdade, posso dizer, sem nenhuma vaidade, que fui conquistado”. Durante a entrevista, ao Diario de Pernambuco, João Lyra falou pouco. Tinha a seu lado o prefeito Anastácio Rodrigues, o filho Gilberto Lyra e o jornalista Souza Pepeu, seu assessor de imprensa. Segundo a publicação, o candidato estava “intranquilo, passava as mãos nos cabelos repartidos ao meio e procurava os últimos resultados da apuração. Respondia às indagações apenas com um gesto lento de cabeça”. O jornalista Souza Pepeu observou que a campanha daquele ano “foi uma das mais bem planejadas de toda a história de Caruaru”. E prosseguiu: “Durante a campanha de 1968 também fizemos um bom trabalho, mas esperamos agora alcançar melhores objetivos”. Além dele, também estavam planejando e coordenando a campanha os jornalistas Celso Rodrigues e Pedro Alves. “Por isso, estamos certos da vitória”, concluiu. O resultado, porém, mostraria que a campanha em 1972 não foi tão bem planejada assim. Falando com certa timidez, às vezes sorrindo, João Lyra Filho acentuou que “as crianças e as mulheres tiveram participação ativa durante a nossa campanha, para conseguirmos voltar à Prefeitura de Caruaru”. Precavido, não quis absorver a euforia de seus correligionários e amigos. Todos diziam que ele seria eleito com maioria esmagadora. A confiança na vitória também estava respaldada em trabalhos de estatística realizados no município, apresentando como resultado uma margem de aproximadamente cinco mil votos a favor de João Lyra. Segundo a pesquisa, feita de forma ousada numa época em que a prática não era comum e as limitações eram muitas, 54% do eleitorado estaria a favor da eleição do candidato emedebista. Durante a campanha, o maior número de pessoas comparecia aos comícios do MDB. O povo se envolveu de tal forma que João Lyra Filho chegou a chorar em algumas ocasiões, muito emocionado com a aclamação popular.

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Esperava-se, portanto, uma vitória esmagadora. Inclusive pela série de escândalos, nos últimos anos, envolvendo Drayton Nejaim, o mentor da candidatura de Roosevelt Gonçalves. O tom estouvado de Drayton e a fidelidade canina de seus cabos eleitorais não permitiriam que a vitória fosse como o esperado. Anastácio conta que não se preocuparam com a convocação de fiscais do MDB para o pleito, e a abertura das urnas, apesar da vitória de João Lyra, revelou uma grande surpresa: a vitória de Roosevelt Gonçalves na zona rural. “Resultado da circulação de milhares de cruzeiros através de cabos eleitorais nos quatro distritos de Caruaru, com suas dezenas de vilas e pequenas comunidades”, registrou o jornalista Celso Rodrigues. Contudo, o centro urbano liquidou com as pretensões de Roosevelt Gonçalves em se tornar prefeito de Caruaru. João Lyra Filho era eleito, outra vez, para comandar os destinos da cidade. Anastácio derrotava, pela segunda vez, o seu maior inimigo político: Drayton Nejaim. E o resto ficou por conta de um carnaval fora de época, que varou a madrugada, ao som do frevo: “João Lyra vence, vence”. João Lyra Filho (MDB) obteve 14.484 votos, contra 8.642 votos de Roosevelt Gonçalves e 4.205 votos de Walter Lira. Somadas legenda e sublegenda, a diferença em favor de Lyra foi de 1.817 votos. Ao contrário do prefeito Souto Dourado, de Garanhuns, que não conseguiu fazer o sucessor, Anastácio o fez, em Caruaru, com uma vitória expressiva. Tudo bem que seu candidato foi um ex-prefeito, bem avaliado pelos eleitores, mas, até aquela data, desde a redemocratização, em 1947, nenhum prefeito havia feito o sucessor na cidade. Foram eleitos os candidatos a prefeito e vice e mais sete à Câmara Municipal. O MDB saiu fortalecido, impondo uma fragorosa derrota à Arena – o partido dos governadores Nilo Coelho e Eraldo Gueiros Leite –, que elegeu apenas quatro candidatos. O Jornal do Commercio de 18 de novembro estampava em sua manchete: “Caruaru é principal exceção na vitória arenista em Pernambuco”. Era também uma vitória pessoal para Anastácio Rodrigues. Caruaru festejou a volta de João Lyra Filho, o “macambirão”, slogan que simbolizou a sua vitória naquele ano. Nas ruas, o povo cantou a marcha “A volta de João Lyra”, composição de Onildo Almeida, com arranjo do Maestro Duda:

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Eu este ano Vou sair de Macambira Em homenagem À vitória de João Lyra. Fernando clamou, O povo ouviu; Anastácio falou E o povo sorriu. João Lyra ganhou Quando a urna se abriu! É Maca, é Maca, é Maca É Maca, é Macambira O povo cantou A vitória de João Lyra O novo prefeito declarou que teria satisfação em continuar todas as metas de trabalho do prefeito Anastácio Rodrigues, uma vez que os seus empreendimentos eram análogos àqueles que traçara quando fora prefeito de Caruaru, trezes anos antes, especialmente porque, na sua administração, o atual prefeito fora seu Secretário de Educação. João Lyra garantiu que um dos itens de seu trabalho seria a construção do Centro Cívico da cidade, que Anastácio sonhou em erguer, mas foi impedido por limitações de recursos e de tempo. O Centro Cívico estava previsto no Plano Diretor do município, criado pelo arquiteto Antônio Baltar e sua equipe, no primeiro governo de João Lyra, iniciado em 1960. Prestes a concluir seu mandato, o prefeito Anastácio Rodrigues disse que estava completamente realizado, com a vitória de João Lyra e confiante no presidente Médici e no governador Eraldo Gueiros Leite, certo de que essas autoridades tudo fariam para atender às necessidades de Caruaru. “Assim foi no meu governo e será no de João Lyra, pois essa administração será a continuidade da minha e todos unidos iremos oferecer a Caruaru tudo aquilo que ela ainda precisa”, assegurou. O destino mostraria o contrário. O novo governo não teria o êxito do primeiro. O desânimo demonstrado por João Lyra Filho durante a campanha não lhe permitiria realizar uma

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grande administração, como fez em sua primeira passagem pela Prefeitura de Caruaru. Sua segunda gestão não demonstrou bons desempenhos, de maneira que, já rompido politicamente com Anastácio Rodrigues, nas eleições de 1976, ele lançaria como sucessor o bancário José Queiroz, derrotado por Drayton Nejaim. “João Lyra Filho foi candidato num momento muito difícil de sua vida. Minha mãe morreu no dia 24 de junho de 1972, dia de São João, e papai entrou num processo de muita tristeza. Foi uma campanha difícil, porque ele estava sem ânimo, deprimido, mas mesmo assim conseguiu ganhar a eleição”, explicou João Lyra Neto, ao rememorar os fatos históricos.

Na reta final do governo, o prefeito Anastácio Rodrigues assinou convênio com o DNOS para execução das obras do canal do Salgado, inaugurou dois açudes nas localidades de Agreste de Pau Santo e Serrote dos Bois e mais duas escolas primárias em Serra Velha e Serra do Marinheiro, no terceiro distrito. No mês de outubro, o Banco do Nordeste concedeu empréstimo no valor de Cr$ 200 mil, a título de complementação de recursos para execução do projeto de abastecimento de água tratada para o Distrito Industrial. Através de pronunciamento transmitido pelas rádios locais, diretamente de seu gabinete, o prefeito Anastácio Rodrigues anunciava aumento de 50% nos vencimentos do funcionalismo público municipal. O percentual era o maior já concedido a todos os funcionários, na História da administração municipal, aprovado após vários meses de estudos técnicos. Em sua fala, o prefeito explicou que somente no final do governo conseguia conceder o aumento, visto que passara a maior parte do tempo pagando débitos deixados por administrações anteriores, o que obrigou a Secretaria da Fazenda a realizar verdadeiros milagres para manter um precário equilíbrio financeiro, com permanentes atrasos no pagamento de salários e gratificações. Anastácio só pôde colocar os pagamentos em dia e conceder o aumento graças à liberação de recursos no valor de Cr$ 800 mil, do Fundo de Participação, que estavam retidos há oito meses, no Tribunal de Contas da União,

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por conta de dívidas do município junto ao regime previdenciário. Apesar de não ter sido responsável pelos débitos, o governo Anastácio foi punido com a suspensão dos recursos. “O Brasil é um país engraçado: o inocente é punido e o culpado é inocentado”, escreveu, em seus arquivos. Anastácio recorreu até à Maçonaria, no Rio de Janeiro, para conseguir a liberação dos recursos do Fundo de Participação, mas só conseguiu graças ao apoio do ex-deputado federal Cunha Bueno, que teve seu mandato cassado em 1969, devido ao Ato Institucional nº 5. Foi Horácio José da Silva, ex-presidente do Sindicato dos Bancários de Caruaru, quem apresentou Anastácio a Cunha Bueno. “Esse homem tem prestígio”, disse-lhe o sindicalista. O prefeito decidiu apelar ao prestígio do ex-deputado. Em abril de 1972, Cunha Bueno encaminha ofício ao Ministro João Agripino, do Tribunal de Contas da União, comunicando visita de Anastácio ao órgão. Declarando laços de amizade fraternal, que sempre lhe vincularam a Caruaru, desde os tempos de acadêmico de Direito, Cunha Bueno solicitava “a melhor atenção para o assunto”. Sete meses depois, em plena efervescência da campanha eleitoral, Anastácio era informado da liberação dos recursos retidos. “Com o dinheiro, também pagamos os meses de salários atrasados deixados por Drayton. Pagamos por um erro do nosso antecessor”, reclama. A título de registro, o governo Anastácio pagou, em média, quatro milhões de cruzeiros, relativos a 18 anos de dívidas dos governos Abel Menezes, Sizenando Guilherme, João Lyra Filho e Drayton Nejaim, junto ao IPSEP – recursos que poderiam ter sido revertidos em obras para o município, entre elas a construção de um teatro municipal, que o ex-prefeito lamenta profundamente não ter construído. Além do aumento de 50% ao funcionalismo, Anastácio concedeu isenção de IPTU aos funcionários da prefeitura que possuíssem um só imóvel e nele residissem. O benefício foi ampliado para as viúvas dos servidores municipais. O prefeito também concedeu 40% de desconto aos devedores do IPTU, cuja medida valeria até 31 de dezembro. Segundo o secretário da Fazenda, Edson Barros, o cadastro de inadimplentes constava de 15 mil devedores, somando um débito de mais de dois milhões de cruzeiros. Após a eleição, o prefeito Souto Dourado, de Garanhuns, comunicou a

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Anastácio a inauguração de uma importante via, com a denominação de Avenida Caruaru, numa homenagem daquele município ao povo caruaruense. Anastácio participou da solenidade de inauguração, cortando a fita inaugural. Naquela reta final de administração, ele atacava com maior urgência as grandes obras que pretendia inaugurar até 31 de janeiro de 1973, entre elas o prolongamento da Avenida Agamenon Magalhães até a BR-104, que liga Caruaru e Campina Grande. Apesar de João Lyra Filho ter sido eleito, Anastácio recebia os parabéns pela vitória. Ele concluía seu mandato entregando obras ao povo, inaugurando escolas, eletrificação, açudes, estradas, com obras de arte e cemitérios para o homem do campo. Nos primeiros dias do novo ano, a Câmara Municipal elegeu sua nova Mesa Diretora. O vereador José Rodrigues, do MDB, foi eleito presidente da Casa, contra a vontade do prefeito eleito João Lyra Filho. Uma reviravolta de bastidores modificou o resultado. Acontece que José Rodrigues era primo carnal de Anastácio, o que ocasionou uma situação totalmente desagradável para o prefeito junto à família Lyra – embora Anastácio garanta que não participou das negociações. José Rodrigues, José Florêncio Neto e Fernando Soares, conhecido como Fernando Safadeza aliaram-se à direita para derrotar o prefeito recém-empossado. Aproveitando a conclusão dos trabalhos preliminares de asfaltamento da Vila Kennedy, partindo da Avenida Caiucá, Anastácio Rodrigues manteve entendimentos com a Cooperativa Habitacional de Pernambuco, a Cohab, para construção de um novo colégio naquela comunidade. O prefeito João Lyra Filho, todavia, não demonstraria interesse pelo projeto, fato que Anastácio lamentaria, no futuro. O governo municipal completou o seu programa de ampliação da rede de ensino nas áreas rurais, atingindo o total de 800 novas matrículas, com a conclusão das obras de construção de novas unidades em Serra dos Marinheiros e Serra dos Cavalos, totalizando 20 prédios escolares implantados em quatro anos de trabalho. Duas novas unidades ainda seriam inauguradas. A Prefeitura de Caruaru também fez entrega aos órgãos de divulgação e às entidades oficiais e unidades de ensino de dois mil discos do tipo compacto, com as gravações do Hino da Cidade (cantado e orquestrado), do Hi-

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no do Centenário e da música Feira de Caruaru, composição de Onildo Almeida. Anastácio também enviou à Câmara mensagem solicitando a aprovação de um projeto que denominava a área do antigo Campo de Monta de Parque 18 de Maio, data alusiva a 18 de maio de 1857, quando a Vila de Caruaru conquistou o título de Cidade. Em meados de janeiro de 1973, João Condé – de férias na praia de Piedade – fez uma visita a Caruaru, onde foi hóspede do prefeito Anastácio, que apresentou, na oportunidade, a planificação dos festejos de inauguração da Casa da Cultura José Condé, marcada para o último dia do governo. Anastácio também desapropriou alguns lotes, no bairro do Salgado, para construção de uma quadra de esportes na escola estadual Padre Zacarias, em atendimento à solicitação de alunos. No dia 25 de janeiro, a poucos dias do término da gestão, eram inaugurados os melhoramentos no Colégio Álvaro Lins. Além da criação do curso técnico e construção de toda a murada, a prefeitura entregava aos estudantes uma quadra de esportes. Na gestão Anastácio Rodrigues, as matrículas foram triplicadas e as portas do colégio abertas para o estudante pobre. Era grande o número de alunos que podiam pagar os seus estudos, mas ocupavam o espaço dos mais necessitados. Todos foram expulsos do colégio. Ao ato de inauguração compareceu a viúva do crítico literário e homenageado, Álvaro Lins, senhora Heloísa Lins, que fez a doação da biblioteca do marido ao município. Três dias depois, Anastácio inaugurava o Centro da Juventude, que recebeu o nome de Josepha Coelho, em homenagem à mãe do ex-governador Nilo Coelho. O espaço – localizado na área onde hoje funciona a unidade do Sesc, em Caruaru – contava com quadra esportiva e duas piscinas, uma semi-olímpica e outra infantil. Nilo Coelho, falando, no ato de inauguração, pronunciou uma frase que Anastácio nunca esqueceu. Dirigindo-se ao público presente com a saudação usada por Anastácio durante a campanha de 1968, Nilo Coelho disse: “Amigos meus, como dizia o Padre Antônio Vieira: Tudo passa e nada passa, jamais passará a administração Anastácio Rodrigues”. Após a solenidade, Nilo e sua esposa, Tereza Brennand, foram até a residência de Dona Amélia Rodrigues, mãe de Anastácio, para cumprimentá-la. Tereza arrancou uma rosa do buquê que

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ganhara da primeira-dama Leuraci e entregou a Dona Amélia, enquanto Nilo disse para ela: “Olhe, a senhora deve se orgulhar do seu filho”. Outro gesto que Anastácio nunca esqueceu. “Dr. Nilo Coelho era um homem de grande coração”, afirma. No dia da posse de João Lyra Filho, 31 de janeiro de 1973, Anastácio inaugurava a Casa da Cultura José Condé, com a biblioteca pertencente ao escritor Álvaro Lins e acervo pertencente ao romancista José Condé. No ato inaugural, Maria Luiza Condé entregou ao prefeito Anastácio cópia do filme feito pelo Instituto Nacional do Cinema, sobre José Condé e sua obra. Anastácio diz que o material se perdeu depois que ele deixou a Prefeitura. Para produzir o vídeo, o Instituto enviou uma equipe a Caruaru, num domingo. Dias antes, Maria Luiza telefonou para Anastácio pedindo que desse assistência ao grupo. O prefeito fez questão de atuar como roteirista, levando a equipe a lugares registrados por José Condé em seus livros, como a Igreja da Conceição; a casa número 300 da Rua da Matriz, onde o romancista viveu; e a Rua da Matança (atual Porto Alegre). Os detalhes da cerimônia de inauguração da Casa da Cultura foram relatados no primeiro capítulo deste livro. Anastácio concluiu o governo tal qual começou: valorizando a cultura. “Ninguém fez mais pela cultura de Caruaru do que o governo Anastácio Rodrigues. Fizemos um movimento cultural e levamos a cultura ao povo”, afirma, convicto. Durante a solenidade de inauguração da Casa da Cultura, Anastácio foi surpreendido com a presença inesperada do governador Eraldo Gueiros. Em seguida, foram todos ao restaurante da Faculdade de Direito, onde o prefeito foi homenageado com um almoço oferecido por amigos. “Meu caro Anastácio, eu vim até aqui para lhe abraçar pelo governo que você fez”, disse-lhe o governador. Como retribuição, Anastácio lhe ofereceu um exemplar do LP da Bandinha de Pífanos, pedindo-lhe que nunca esquecesse Caruaru. Eraldo Gueiros quis falar com o prefeito eleito e saiu procurando por João Lyra Filho entre os convidados daquele almoço. Anastácio dirigiu-se até Roberto Lyra, filho do prefeito, e perguntou: “Cadê seu João? Dr. Eraldo quer falar com ele”. Roberto respondeu secamente: “Papai não quer falar com esse ‘bosta’”. Anastácio ficou preocupado. Algo não ia bem. Conforme havia prometido durante a campanha, Anastácio Rodrigues

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cio posa para foto com as

No final do governo, AnastĂĄ

filhas Tatiana e VirgĂ­nia


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passou o governo a João Lyra Filho na Rua da Matriz. O palanque foi montado em frente ao busto do primeiro vigário de Caruaru, Antônio Freire de Carvalho, o Vigarinho. Estava acompanhado de sua esposa Leuraci e da filha, Tatiana de Fátima. Chegaram ao local, às 16h55, num carro de aluguel. Pela manhã, alegando que não era mais prefeito de Caruaru, Anastácio pediu que Severino, o motorista, fosse até a prefeitura entregar o carro oficial, de cor preta, para uso do prefeito. – Eu entrego a chave a quem? – Ao segurança do dia. Do palanque, Anastácio viu João Lyra Filho se aproximar, caminhando tranquilamente, a conversar com um amigo. Em pensamento, discordou da postura de Lyra, aquém do esperado pelos eleitores que lotavam o espaço. Após o ato de transmissão do cargo, Anastácio foi conduzido, de forma espontânea, pelo povo, até a casa em que residia, impressionando, inclusive, o novo prefeito. “Que coisa, Anastácio!”, disse-lhe João Lyra Filho. “A casa ficou lotada de amigos meus”, recorda. Por coincidência, era aniversário de Virgínia Lúcia, filha mais nova de Anastácio. Embora muitos considerem a Casa da Cultura José Condé como a principal obra de seu governo, o desenvolvimento de Caruaru deve-se, em grande parte, à implantação de seu primeiro Distrito Industrial, conquista do próprio Anastácio junto ao Governo de Pernambuco, através do Diper e do governador Eraldo Gueiros. Projeto que contou com apoio decisivo do ex-governador Nilo Coelho. “Eu diria que, antes de mais nada, Anastácio foi o responsável pela recuperação da autoestima de Caruaru. E se ele nada tivesse feito, certamente esse item seria seu carro mestre. Mas a obra prima de Anastácio não teve continuidade pelos governantes que se seguiram”, lamenta o jornalista José Torres. Uma das maiores preocupações de Anastácio, durante todo o período de seu governo, era como iria sair da prefeitura. Ele teria sorte. Sairia da forma que entrou: com o povo. O calor humano era o mesmo. As vozes e os gestos também. Quase nada havia mudado. Os “amigos meus” queriam, inclusive, carregá-lo nos braços. Tímido, pediu para que o deixassem no chão e caminhassem juntos. “Ele foi o único prefeito de Caruaru que saiu carregado nos braços do povo, da Prefeitu-

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ra até a sua residência na Praça Gercino Tabosa, quando deixou o mandato. Eu estava lá, fui testemunha desse gesto do povo humilde de Caruaru”, comenta José Torres. Anastácio cita que ao ver a multidão se aproximar acreditou que o povo estava ali somente para prestigiar a posse de João Lyra. Mas, para sua surpresa, quando desceu do palanque, toda a gente o acompanhou. “O povo me levou em casa. Tomaram conta da casa, comeram, beberam e até hoje não sei quem pagou a conta”, rememora, sorrindo. Graças à confiança dos homens e mulheres, dos humildes, dos jovens e das crianças, que agora eram adolescentes, Anastácio conseguiu entregar a João Lyra Filho uma cidade totalmente diferente da que havia encontrado. “Uma Caruaru sorrindo, restaurada, transformada. Confiante no seu futuro. Deixei a Prefeitura com dois ou três amigos, mas saí com o povo”, descreve. Depois da posse, o prefeito João Lyra preparou uma recepção na sede da AABB, que foi pouco prestigiada. Pra piorar, Lyra foi derrotado na eleição da presidência da Câmara, a partir de manobra de vereadores do MDB e da Arena. Nos bastidores, a relação entre Anastácio e João Lyra não ia nada bem. E só iria piorar adiante. À imprensa, Anastácio enviou a seguinte mensagem: “A construção do grande edifício não foi concluída. Mas o operário não se sente cansado. Considero-me um operário de Caruaru, que construiu o que permitiram as finanças municipais. Como não criei ilusões, sinto que não decepcionei. Há por aí obras que a História consagrará. Pois foram feitas para o futuro. Resta muito para concluir o edifício: o progresso de Caruaru reclama ação permanente e efetiva de seu governante. Se nada de útil houvesse feito pelo meu povo e a minha terra, pelo menos deixaria o governo com a feliz notícia de que João Lyra é o nosso prefeito. Pela vontade do povo. O mesmo povo que me elegeu e prestigiou, ao longo de quatro anos de mandato”. Se nas ruas, praças, avenidas e bairros de Caruaru o prefeito Anastácio havia reacendido a chama da fé, da esperança e do otimismo, deixando a prefeitura com alto índice de popularidade, internamente, entre seus aliados políticos, as coisas seriam bem diferentes. Ao eterno prefeito restaria o ostracismo. E um conjunto de mágoas e revolta que o acompanharia ao longo dos anos.

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Este livro foi composto em formato 27/23,5 e impresso pela Companhia Editora de Pernambuco sobre o papel Polen Soft em janeiro de 2018



“Anastácio foi um excelente prefeito, mas um péssimo político, um péssimo amigo. Ele não sabe reconhecer os amigos. Um problema dele que pouco me interessa. Ele foi honesto e fez uma boa administração” (João Lyra Filho) “Anastácio Rodrigues, apesar de nosso inimigo pessoal e político, nós o temos na conta de um homem direito” (Drayton Nejaim) “Nosso grupo político começou com João Lyra Filho, depois veio a eleição de Anastácio, em 1968, que foi a grande mudança naquela época” (Fernando Lyra) “Anastácio introduziu práticas de honestidade na Prefeitura de Caruaru. Foi um governo muito austero, inclusive com setores que provavelmente não aceitam essa dureza do administrador. Isso marcou a administração de Anastácio, esse cunho de seriedade que ele deu à coisa pública” (José Queiroz) “Alguém só pode ser honesto ao ponto de Anastácio Rodrigues. Mais do que ele é impossível” (Tony Gel) “Anastácio foi um político diferenciado. Era um bancário muito aplicado, um Secretário de Educação muito exitoso, vereador muito atuante e um prefeito muito honesto e trabalhador. Mas nunca foi possuidor da habilidade política que o político necessita ter. Essa foi a grande carência que ele teve na sua trajetória” (João Lyra Neto) “Pude acompanhar a administração de Anastácio e o seu esforço, reconhecido até hoje pela população, no sentido de Caruaru se desenvolver em todas as áreas possíveis. Sem dúvida ele está marcado na nossa História como um grande prefeito” (Jorge Gomes)

ISBN: 978-85-65180-01-6


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