livro_impactos ambientais_cloves teodorico neto

Page 1

CLOVES TEODORICO NETO LIVRO-REPORTAGEM

I M PAC T O S A M B I E N TA I S

AS TRANSFORMACÕES NAS NASCENTES URBANAS

DO RIO MUNDAU EM GARANHUNS



I M PAC T O S A M B I E N TA I S

AS TRANSFORMACÕES NAS NASCENTES URBANAS

DO RIO MUNDAU EM GARANHUNS


Impactos Ambientais: as transformações nas nascentes urbanas do rio Mundaú em Garanhuns (PE) 1ª edição - novembro de 2013

Concepção de capa, projeto gráfico e diagramação Sandemberg Pontes Fotografias Arquivos Pessoais Cloves Teodorico Neto Epaminondas Borges Filho Fernando Henrique Espiúca Wiliane Maurício da Silva Robson Ferreira Rodrigo Valença (foto de capa) Tratamento de imagem de capa Orlando Gomes Orientação Iraê Mota

Cloves Teodorico Neto, 1991Impactos Ambientais: as transformações nas nascentes urbanas do rio Mundaú em Garanhuns (PE)

2013 Impresso no Brasil Printed in Brazil


CLOVES TEODORICO NETO LIVRO-REPORTAGEM

I M PAC T O S A M B I E N TA I S

AS TRANSFORMACÕES NAS NASCENTES URBANAS

DO RIO MUNDAU EM GARANHUNS


Catalogação na fonte Biblioteca da Faculdade do Vale do Ipojuca, Caruaru/PE S237i

Santos Neto, Cloves Teodorico dos. Impactos ambientais: as transformações nas nascentes urbanas do rio Mundaú em Garanhuns (PE) / Cloves Teodorico dos Santos Neto. – Caruaru: FAVIP, 2013. 109 f.: il. Orientador(a): Iraê Mota. Trabalho de Conclusão de Curso (Jornalismo) - Faculdade do Vale do Ipojuca. 1. Impactos ambientais. 2. Recursos hídricos. 3. Meio ambiente. I. Santos Neto, Cloves Teodorico dos. II. Título. CDU 070 (14. 1)

Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário: Jadinilson Afonso CRB-4/1367


AGRADECIMENTOS “Confesso que nem sei por onde começar. São muitos os agradecimentos que preciso fazer. Aqui, deixarei expresso como registro em papel, que pode sumir com o tempo. Mas em meu coração eles serão eternos. Podem ter certeza... Estar na constante busca do conhecimento me fascina, e isso eu descobri nesses últimos quatro anos de curso, mais precisamente no último semestre. Tudo muito rápido, de maneira até inesperada, afirmo. A produção deste livro veio me colocar na trilha da colaboração por dias melhores. Fez-me enxergar que é possível fazer parte do processo de mudança de uma sociedade. Seja esse processo curto ou longo, mas faz. Soube unir o útil do agradável: a ciência da comunicação com a ciência da natureza. Nos momentos de ansiedade, preocupação, medo, minha vontade foi maior. Graças a Deus, que me deu muita dedicação. Graças a minha mãe Ana Paula, minha avó Marisa e minha tia Moema, também. Elas, como parte integrante de minha família, não hesitaram em me acompanhar, a dizerem palavras de conforto e esperança, de broncas nas horas certas. É na história de vida de


cada uma delas que eu me inspiro. São três guerreiras, mulheres de fibra que têm o ‘poder’ de fortalecer. Cada uma com uma luz que nos acalenta. Verdadeiros anjos. Como também minha pequena irmã, Ana Cecília. Que digo ser renovação de energia, de paz... Às amizades, ah, nossos amigos. Sem eles, falta algo. São peças importantes na construção de nossas conquistas. Meu muito obrigado pela paciência e colaboração direta de Luiz Melo, Wiliane Maurício, Élder de Lima, Alexsandra Azevedo e Eduarda Martins. E aos outros, que indiretamente estão conosco... Reconheço o apoio também dos colegas de trabalho, principalmente o entendimento de Jacqueline Menezes. Obrigado pelo ânimo Marcella Valença, Cássia Amaral, Paulo Matos e Divaci Souza. Obrigado pela atenção de sempre Epaminondas Borges, Bárbara Oliveira, Renato Mattos... Enfim, reconheço cada ponto da construção para finalização da obra. Finalizo eu deixando minha gratidão à professora Iraê Mota, que me orientou, e à Sandemberg Pontes, diagramador, pelas sugestões e pela parceria firmada...” CLOVES TEODORICO



SUMÁRIO

32

52

Capítulo 1

Capítulo 2

A água em Pernambuco

As transformações nas nascentes urbanas

38 Características gerais dos recursos hídricos em Pernambuco 41 A divisão hidrográfica estadual 44 O rio Mundaú 48 As peculiaridades históricas e naturais de Garanhuns

58 A nascente Pau Pombo 68 A nascente Vila Maria 78 A nascente Pau Amarelo

VISÃO

AÇÃO


13 25 29 111 133

84

PREFÁCIO NOTA DO AUTOR INTRODUÇÃO GALERIA REFERÊNCIAS

102

DILEMAS

RESULTADOS

Prejuízos ambientais anunciados

Cuidando das águas

86 Alterações climáticas: dias mais secos, invernos mais curtos 88 O calor que preocupa 92 Perdas na agricultura e na pecuária

104 Um personagem importante 105 A criação do Conselho de Defesa do Meio Ambiente 106 As conquistas e melhorias no abastecimento de água de Garanhuns 107 O trabalho da ONG Econordeste 108 Áreas de pesquisas sustentáveis 108 Reflexões para uma cidade melhor

Capítulo 3

Capítulo 4



PREFÁCIO

N

estas páginas, foime pedido que prefaciasse esta obra sobre as nascentes urbanas de Garanhuns, missão que recusei mais de uma vez, por acreditar não ter o perfil para tal. No entanto, como é característico do autor e de sua profissão e formação, seu poder de persuasão, que beira a insistência, venceu minha resistência que costuma beirar à teimosia. Aceita a missão, dividi este prefácio em, basicamente, duas partes: uma direcionada ao autor e, a outra, à obra, embora as duas se mesclem em alguns momentos, em uma amálgama de


criatura e criador. As duas partes foram para mim de difícil execução, pela minha inexperiência na escrita de prefácios e pela minha limitação na área de humanas, da qual este livro é integrante. Mas, sobretudo a segunda parte, sobre o autor, se tornou uma atividade dificilmente complexa. Isso porque eu não tenho amizade ou relacionamento pessoal com o jornalista Cloves Teodorico, apesar de um tempo razoável de relacionamento profissional com o mesmo. Por outro lado, essa situação me isentou de apegos e demais interferências pessoais, permitindo uma avaliação e um discorrer da escrita independente e, portanto, talvez, mais fidedigna. Conheci Cloves Teodorico como membro da equipe de jornalismo da TV Asa Branca, filial da Rede Globo de televisão em nossas paragens, quando esse, em seu labor, acompanhava algumas das atividades do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (CODEMA) de Garanhuns, instituição que, então, estávamos à frente. Percebi algumas vezes, assim

como em sua antecessora, Cacyone Gomes, que nesta temática ambiental não estava o “repórter” apenas cumprindo suas atividades, suas obrigações, mas também era evidente a sua preocupação e seu interesse pessoal na temática, mesmo que ocultos pela máscara da isenção profissional. Tempos depois, já na composição da Secretaria Municipal de Comunicação de Garanhuns, o contato ressurgiu, desta vez por meio do papel de Cloves no acompanhamento das atividades da Secretaria de Agricultura, Abastecimento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos, à qual o CODEMA tem seu vínculo formal e legal. A característica de envolvimento e preocupação nas questões ambientais e também sociais, pelo menos ao meu ver, estavam mais transparentes nesta nova etapa profissional do jornalista. Ao longo do ano de 2013 Cloves me procurou uma infinidade de vezes para obtenção de informações diversas, desde genéricas sobre questões ambientais, até especificidades de alguma área ou


bairro de Garanhuns. E quase sempre, “virava e mexia”, as conversas coincidiam com as nascentes e os recursos hídricos em geral. Também a grande seca de 2012/2013 talvez tenha contribuído para avolumar esta temática e não sei desde quando o jornalista decidiu que esta seria a sua trilha, sua linha de pesquisa que resultou nesta presente obra. Entre tantas vezes que acho que pude contribuir e tantas que não correspondi, geralmente por conta de outras tantas atribuições que, certamente protelaram e dificultaram nossos debates, ficou realmente provado que Cloves é perseverante e, como o assunto de fundo do livro, “água mole em pedra dura tanto bate até que fura....”. Minha formação é da área de agrárias, com afinidade pela de biológicas e com longa atuação na ambiental, tendo, muitas vezes, limitações na área de humanas. De forma que a maneira de abordagem do tema “recursos hídricos” por um jornalista, em um trabalho de reportagem, fica difícil de eu poder assimilar, con-


tribuir, ou mesmo fazer parte. Fiquei realmente curioso para visualizar de qual forma o jornalista conceberia esta criação em um assunto técnico que, em minha limitada ótica, tem predominância do traço físico, geológico, econômico e biológico. Cloves foi capaz de extrair das fontes a essência do que representa o ambiente para as pessoas, aos moldes do que hoje, ou nas últimas poucas décadas no mundo e mais recentemente no Brasil, está se configurando como base para o estudo da História Ambiental. A percepção e o sentimento de pertencimento de grupos a algum ambiente ou a alguma realidade são informações valiosíssimas, riquíssimas para compreender o passado, o presente e, logicamente, entender e prever o futuro, inclusive como base para, se possível, intervir com vistas ao seu melhoramento ou manutenção para as futuras gerações. Apesar da importância dos recursos hídricos em qualquer lugar do planeta, sobretudo nesta região e, apesar de tanta importân-

cia histórica e social das “Águas de Garanhuns”, há muito que esta temática se tornou, localmente, uma nostalgia aos que as vivenciaram e, até mesmo, uma utopia, para aqueles que, como eu, não alcançaram estes tempos idos. Cloves se apropriou, no bom sentido, dos dados oficiais, das informações dos acadêmicos da área, sem promover uma obra meramente técnica, que seria restrita a um público específico e também restrito. Igualmente não renegou as clássicas fontes literárias locais que tratam do virtuoso passado climático e hídrico de Garanhuns, obras essas que sempre voltam a tona nos momentos de exaltação das qualidades, ou nos momentos de tristeza e frustração pelas perdas ambientais de Garanhuns e região. Por outro lado, Cloves fez o que, embora muitos tenham acesso, não fizeram, que foi um resgate pessoal dos sentimentos sobre as nascentes urbanas de Garanhuns, ao menos de algumas delas. Resgate este que, se não for realizado sistematicamen-


te, simplesmente se perde, evapora ou é aterrado, cimentado, pavimentado por sobre, perecendo como tantas das minações urbanas de Garanhuns, algumas das quais simplesmente estão hoje sepultadas sob escombros do “desenvolvimento”, do “crescimento” de nossa cidade. Esse resgate, se feito no passado, mesmo no passado recente, exaltaria nascentes que hoje possuem ruas, toneladas de lixo, entulho e, por mais absurdo que pareça, até prédios residenciais habitados por cima, sendo até difícil acreditar que estes corpos hídricos existiram. Mas para algumas pessoas, seres sencientes, as agora convalescentes, limitadas, alteradas ou sepultadas nascentes continuam nascentes, não estão natimortas. Estão sim viventes e alegremente presentes na memória, em um misterioso íntimo produzido pelas redes neurais que nenhum aterro, rua ou prédio pode dominar. E foi isso Cloves fez: deu voz ao comum, ao usuário, ao simples. O ilustre aqui é justamente o simples. Certamente mui-


tos, mas muitos mesmo, podem ainda declamar seus sentimentos assim como fizeram as pessoas nesta obra, alguns com mais e outros com menos propriedade, em decorrência de maior ou menor vivência com o tema, mas todos igualmente importantes. Mas, muitos destes depoimentos já se perderam por não terem sido colhidos adequadamente ou mesmo nem chegarem a ser colhidos. Verdadeiros museus, arquivos complexos e, muitas vezes, com informações lapidadas pela luz de uma interpretação ímpar e rica em sapiência simplesmente se foram. Dentre tantos, quanto que se perdeu, por exemplo, das informações do saudoso Ivaldo Dourado, justamente por não terem sido registradas? Simplesmente registradas. Nestes casos, foi findado o tempo biológico das fontes antes mesmo que Cloves Teodorico e outros potenciais “resgatadores” as alcançassem. Infelizmente sempre houve e sempre haverão perdas. Em uma analogia, talvez tosca de minha parte, as “simples” inscri-

ções e registros, os simples “rascunhos” que povos passados realizaram nesta região milhares de anos atrás, as inscrições rupestres, tem valor inestimável, apesar de manter a sua simplicidade. Feitas por alguns, dentro de uma instintiva necessidade de se expressar, de deixar um legado para outros, essas poucas expressões são hoje um magnífico e precioso registro para se entender quem eram essas pessoas então viventes. Parte da forma como viviam, como pensavam e usufruíam de seu ambiente ficou preservada na simplicidade dos traços e, sem este “registro do simples”, talvez nem soubéssemos que existiram. Assim, apesar de, como já por mim citado, consultar e se apropriar dos dados oficiais e das informações técnicas, está aí minha primeira impressão da importância desta obra, pelo seu “simples”. Portanto, para este prefaciador, são dois os principais méritos que serão sinteticamente aqui expostos. O mérito pessoal, do trabalho, do desgaste, das horas colhendo e


processando materiais, conciliando com a vida profissional e pessoal, mérito este que interessa a poucos e que o tempo apaga e vai embora com o autor ou com os seus. Mas há também o mérito do registro, registro daquilo que é altamente perecível, mas que pode ser eternizado - como uma nascente perene - por meio da escrita. Este mérito não se vai, não perece, não se extingue. Aí está, ao meu ver, a maior importância desta obra. Sem nem de perto querer esgotar o tema. Sem nem de perto pretender ter entrevistado todos os que teriam a depor sobre o assunto com suas experiências pessoais, experiências de vida, de conhecimentos construídos com a experiência, conhecimentos recebidos dos genitores ou experiências adquiridas academicamente. Sem se aprofundar e reformular ou rediscutir textos sobre a geologia, a biologia, os usos e a gestão de bacias hidrográficas. Sem se aprofundar sobre os direitos e marcos legais ou sobre as complexas e dinâmicas técnicas de diagnóstico e in-


tervenção no que envolve os recursos hídricos. Sem buscar uma ressignificação dos direitos e deveres de cada ente sobre a conservação dos recursos hídricos. Mas, justamente por promover a possibilidade de tantos, assim como eu, na leitura, a sentir o que os comuns sentiam, imaginar suas vozes, seus olhares, tentar experimentar os seus sentimentos e suas emoções. E, também deles, se identificar e se apropriar. Falando por mim, mesmo sem ter vivenciado a maior parte dos momentos e locais que aqui discorreram, fui capaz de me identificar e sentir nostalgia pelo que nunca vi, nunca toquei, pelo que não vivi. Logicamente que de forma limitada e restrita. Mas ao ver os “estragos” e o que resta de alguns destes lugares citados nesta obra, as palavras de alguns que ouvi preteritamente, alguns dos quais aqui não mais estão entre nós, e os depoimentos daqueles que aqui nesta obra estão eternizados, enxergo o passado. Arrisco dizer que estas palavras nos dão visão, visão esta que o tempo,

sobrecarregado da ignorância de alguns, nos foi tolhida. Não apenas tolhidas de nós, mas tolhidas também de nossos atuais e futuros descendentes. Como alguém nascido há pouco em Garanhuns ou que para cá tenha vindo recentemente, como eu, interpreta a escrita de João de Deus de Oliveira Dias, em sua obra de 1954? Como trazer a luz do presente o que nesta obra esta imortalizado nas seguintes linhas: “O futuro de Garanhuns está, pois, assegurado como cidade estância hidro-mineral. O seu clima ameno (média máxima de 23 ºC e média mínima de 19 ºC, dando uma temperatura média secular de 21 ºC, com uma variação máxima de 4 ºC) confere-lhe um lugar de destaque entre as cidades de planalto brasileiras, como: Campos do Jordão, em São Paulo; Araxá, Barbacena e Caxambu em Minas Gerais; Nova Friburgo, Petrópolis e Teresópolis, no Estado do Rio”. Para nós, os seres hoje viventes, isso pode parecer utópico ou fantasioso, mas não era à época. Era essa a realidade à época. Mas o


que aconteceu com este “futuro assegurado”? Como esta segurança desapareceu em tão pouco tempo? Ainda na espetacular obra supracitada, de 1954, podem se encontrar informações que nos trazem hoje confusão e nos denotam o que há pouco descrevi que nos foi tolhido pela ignorância de poucos. Onde estão as nascentes periurbanas de Vila Regina, do Sanatório Tavares Correa, do A’rabe, do Cajueiro? Nascentes que, nas palavras daquele autor, “[...] todas elas, situadas nos arredores da cidade, estão fadadas, pela sua potabilidade e importância medicinal, a darem à terra de Simôa Gomes o lugar de destaque a que faz jús (sic), pelo esplendor do clima e riqueza mineral de seu solo”. Mas, apesar da ignorância por mim tanto aqui ressaltada, ignorância essa que leva à ação e atentados criminosos contra estes patrimônios públicos, os recursos hídricos, apesar da omissão de instituições públicas, privadas e pessoas, que não se dispõe a tentar coibir estas perdas irreparáveis, o jor-


nalista nesta obra também buscou identificar e dar voz a algumas ações de órgãos públicos e privados que buscam, muitas vezes em um esforço hercúleo e quase quixotesco, mitigar ou reverter estas perdas. Assim também se baseou Cloves na “luz ao final do túnel”, na esperança de que a sensatez prevaleça sobre as rudes ignorâncias insensatas e mesquinhas ganâncias. Que a razão prevaleça sobre o lucro desmedido e suposto benefício de poucos em detrimento do coletivo. As nascentes urbanas, foco desta obra, são muito mais sensíveis e ameaçadas do que as rurais pelo simples fato de serem terras de valor econômico mais expressivo do que suas equivalentes rurais. Mas se esquecem ou ignoram que os recursos hídricos, inclusive as nascentes, são bens públicos, dotados de valor e de proteção integral, independente de estarem em terras públicas ou privadas. Alguém pode ser dono da área da nascente, mas não da nascente, do patrimônio que é público, coletivo e difuso. E aí, mais uma vez, está o

mérito desta obra. De nos mostrar que o problema é nosso, que todos temos nossas culpas, seja por ação ou omissão, e que todos podemos contribuir com a melhora ou reversão. Mas sem conhecer o que são e o que foram estas nascentes não podemos ter uma opinião formada e, consequentemente, não podemos ter atitudes razoáveis. Para isso se necessita do registro. Do registro do comum, do simples, como também do sistemático registro técnico e científico. Registro para os presentes e para a posteridade. Obras como este presente livro podem auxiliar as pessoas a se posicionarem, a agirem, evitando que, quando vierem a ler este material daqui a meio século, não tenham a mesma sensação que tem quem hoje lê a obra de João de Deus (1954). Espero que neste futuro leitor não surjam dúvidas do tipo: Onde fica a nascente Pau Amarelo? Onde ficam as Nascentes de Vila Maria e do Pau Pombo? Existiram mesmo? Depende de iniciativas como esta, desta obra, que, ao menos pa-


ra mim, surte o efeito de apropriação do problema e indignação com nosso comodismo coletivo. Assim, creio que Garanhuns ganhou mais uma referência escrita de sua história, de seu potencial. E esta deve ser a primeira de muitas outras que virão nesta abordagem, inclusive deste mesmo jornalista/escritor. De muitas que permitirão dar voz ao simples, ao pessoal de cada um que, em conjunto, se torna o coletivo, se torna de todos. Afinal, as nascentes estão na história, na escolha do local da povoação, ainda no século XVII, na defesa da elevação para município feita pelo Barão de Nazaré no século XIX, na cultura, no imaginário, na fama, na lembrança nostálgica e, até mesmo, em seus símbolos: o Brasão e a Bandeira. E assim, a História das nascentes urbanas não se finda nestas páginas. MARCOS RENATO FRANZOSI MATTOS Professor da UFRPE/UAG



NOTA DO AUTOR

C

onsiderando as constantes mudanças que o meio ambiente vem sofrendo nas últimas décadas, entre elas os extensos períodos de seca e consequentemente a falta d’água, principalmente no estado de Pernambuco, por sua vulnerabilidade geográfica e social, esta obra mostra o resultado de um trabalho de campo realizado no intuito de retratar, alertar e pedir providências quanto à situação em que se encontram as nascentes urbanas localizadas no município de Garanhuns (PE), Agreste Meridional do estado. Esta pesquisa traz uma linha do tempo, com fatos vivenciados por pessoas próximas à realidade das águas do


município e o seu processo de degradação. O estudo oferta, sobretudo, uma variedade de importantes falas de especialistas, que abordam explicações e saídas para os impactos ambientais ocorridos nos mananciais, assim como em outros prejuízos naturais que afetam diretamente na qualidade de vida da população. Na coleta de dados, usamos bibliografia, principalmente, da área de recursos hídricos, fontes oficiais ligadas à responsabilidade de fiscalização socioambiental no estado e município, além de inúmeras entrevistas com personagens chaves, em busca do maior número de coleta de informações relevantes para a produção de texto. Boa leitura! CLOVES TEODORICO NETO




INTRODUÇÃO

E

sta reflexão em torno das mudanças ambientais, mais especificamente no que se refere às alterações de formação e preservação de nascentes urbanas, se desenvolve a partir do fato do município de Garanhuns (PE), localizado no interior do Estado, com diferenciais de localização geográfica propícia para se tornar referência no quesito de boas práticas para com a natureza, não ter conseguido se desenvolver ambientalmente de maneira planejada. O objetivo da pesquisa foi constituído no levantamento de dados históricos, que mostraram como eram os mananciais das nascentes do Pau Pombo, Vila Maria e Pau Amarelo, suas peculiaridades e importância para os


moradores. Também fomos à busca dos atuais cenários em que se encontram os locais, para então registrar e analisar, junto de especialistas, o preocupante avanço da deterioração das paisagens retratadas. Relacionando, sempre, com o processo de urbanização, a qualidade de vida e os prejuízos sofridos durante o processo dessas mudanças. Centrado na perspectiva de aprofundar o tema em discussão de uma forma ampla e detalhada, o livro-reportagem se torna a melhor opção de expressar ideias e compartilhar os resultados, como ressalta Edvaldo Pereira Lima, em uma de suas obras: O livro-reportagem é um veículo de comunicação jornalístico bastante conhecido nos meios editoriais do mundo ocidental. Desempenha um papel específico, de prestar informação ampliada sobre fatos, situações e ideias de relevância social, abarcando uma variedade temática expressiva. Isto é tanto mais verdadeiro quanto se focaliza, especialmente, a América do Norte e os países da Europa Ocidental como Inglaterra, França, Alemanha, Itália e mesmo a Espanha. (LIMA, 2009, p. 1)

Fomos instigados a refletir até onde a ação do homem, por diversos motivos impensada, trouxe e continuará trazendo prejuízos irreversíveis para a população do município. Em relação com a história de conscientização ambiental, Dias afirma que: A conscientização ambiental ao longo da segunda metade do século XX ocorreu paralelamente ao aumento das denúncias sobre os problemas de contaminação do meio


ambiente. O processo desencadeado gerou um grande número de normas e regulamentos internacionais que foram reproduzidos nos Estados nacionais e, ao mesmo tempo, surgiram inúmeros órgãos responsáveis para acompanhar a aplicação desses instrumentos legais, como secretarias, departamentos etc. (DIAS, 2011, p. 32).

Mesmo levando em consideração que a educação ambiental sendo, muitas vezes, dispersa ou ignorada por uma parcela da sociedade, concluímos que existem exemplos que mostram que com interesse pela mudança de agir e o envolvimento coletivo, ainda é possível organizar os turbulentos impactos sofridos nos mananciais e reconstruir os cenários em volta das águas, antes, considerados de beleza incomparável. Durante o período de pesquisa para elaboração do livro, constatamos que o problema era muito maior do que se imaginava ser. A má gestão dos recursos hídricos é um dos fatores que desencadeia uma sequência de outros desastres naturais. Justificando, assim, a diminuição de chuva, a oscilação de temperaturas, as secas severas, etc. Fizemos uma divisão de tópicos para facilitar a compreensão do leitor. Inicialmente, buscamos introduzir a localização, as histórias e a importância das bacias hidrográficas de Pernambuco, avanços e perspectivas dos recursos hídricos no estado. Abordamos a realidade da bacia do Mundaú e sua realidade no contexto de Garanhuns. Em seguida, tivemos o cuidado de enumerar as nascentes urbanas e suas peculiaridades, visando registrar como estão e quais as consequências da atual realidade. Para encerrar, elaboramos perspectivas para o futuro, exemplos de iniciativas, trabalhos públicos e privados, focando no que pode ser feito para minimizar impactos, ressaltando o quanto é ampla a temática ambiental.


V

VISÃO

capítulo 1

I M PAC T O S A M B I E N TA I S : LIVRO-REPORTAGEM

A ÁGUA EM PERNAMBUCO


AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)


A atrativa paisagem da barragem Inhumas




Diferente da barragem Inhumas, os sinais da poluição sobre as águas já é vista na barragem Mundaú


Características gerais dos recursos hídricos em Pernambuco

A preocupação com o abastecimento, a economia e a manutenção da água no país tem crescido de maneira significativa todos os anos. Há décadas, o assunto ganhou destaque nas pautas de discussão do governo federal, não sendo diferente nos estados e municípios brasileiros. Com a gestão consciente dos recursos hídricos, é possível evitar grandes colapsos de falta de água – principalmente nas prolongadas épocas de estiagem concentradas na região Nordeste. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Pernambuco tem atualmente – dado referente ao ano de 2013 – uma população de 9,2 milhões de habitantes, divididos em 185 mu-

Projeto de Sustentabilidade Hídrica

FONTE: ATLAS NORDESTE ABASTECIMENTO URBANO DE ÁGUA

38

IMPACTOS AMBIENTAIS: AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)


nicípios, estes, incluídos nas sub-regiões do meionorte, Zona da Mata, Agreste e Sertão. Mesmo com um número populacional expressivo, por ter a maior taxa de urbanização dos estados nordestinos, o potencial hídrico não é lá tão grande, chegando, assim, a ser considerado o mais pobre do Brasil em quantidade de água. Uma das explicações para tal situação é o tipo de clima dos municípios do interior, classificado como semiárido – 89% do território pernambucano, o que corresponde a 122 municípios. Com as chuvas escassas e de forma concentrada em poucos meses do ano, a construção de grandes reservatórios fica comprometida para as famí-

lias dessas localidades. De acordo com estudos da Secretaria Estadual de Recursos Hídricos e Energéticos (SRH) e da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa), o aproveitamento das bacias hidrográficas no Agreste e Sertão é de apenas 20%, enquanto nas áreas litorâneas e da Zona da Mata esse número chega aos 80%. Por meio de uma parceria, a SRH e a Compesa produziram um Manual de Operações, que resultou no Projeto de Sustentabilidade Hídrica (PSHPE). Nele, um mapa (1) explica a realidade das dificuldades hídricas em Pernambuco. Na área de cor branca, as localidades estão sem

PRESSÃO SOBRE RECURSOS HÍDRICOS DEMANDA TOTAL/ MÉDIA SEM INFORMAÇÕES < QUE 5 DE 5 A 10 DE 10 A 20 > QUE 20

IMPACTOS AMBIENTAIS: AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)

39


FUNDAMENTOS DA POLÍTICA ESTADUAL DE RECURSOS HÍDRICOS I. A ÁGUA É UM BEM DE DOMÍNIO PÚBLICO; II. A ÁGUA É UM RECURSO NATURAL LIMITADO, DOTADO DE VALOR ECONÔMICO; III. EM SITUAÇÕES DE ESCASSEZ, O USO PRIORITÁRIO DOS RECURSOS HÍDRICOS É O CONSUMO HUMANO E A DESSEDENTAÇÃO DE ANIMAIS; IV. A GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS DEVE SEMPRE PROPORCIONAR O USO MÚLTIPLO DAS ÁGUAS; V. A BACIA HIDROGRÁFICA É A UNIDADE TERRITORIAL PARA IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA ESTADUAL DE RECURSOS HÍDRICOS E PARA ATUAÇÃO DO SISTEMA ESTADUAL DE GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS; VI. A GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS DEVE SER DESCENTRALIZADA E CONTAR COM A PARTICIPAÇÃO DO PODER PÚBLICO, DOS USUÁRIOS E DAS COMUNIDADES. FONTE: SECRETARIA ESTADUAL DE RECURSOS HÍDRICOS E ENERGÉTICOS

informação. Em verde, a água é considerada um bem livre, com poucas práticas de gerenciamento. Em bege claro, a situação está confortável com algumas necessidades mais isoladas de abastecimento. Na parte bege escura, as atividades de gerenciamento estão indisponíveis e em vermelho o quadro é crítico, em que é exigido mais investimentos. Em Pernambuco, a gestão dos recursos hídricos teve seu marco inicial com a Lei Estadual das Águas, n° 11.426, de 17 de janeiro de 1997, instituindo, assim, a Política Estadual de Recursos Hídricos e o Sistema Integrado de Gerenciamento dos Recursos Hídricos. No mesmo momento, também foi aprovada

a Lei de nº 11.427/1997, que trata da conservação e da proteção das águas subterrâneas em Pernambuco. Sete anos depois, o Conselho Estadual de Recursos Hídricos, que foi criado em 1998, revisou e criou uma nova lei, a de nº 12.984, de 30 de dezembro de 2005. A nova “Lei das Águas” passou por aperfeiçoamento no que se refere à ampliação dos instrumentos de política, acrescentando planos diretores, fiscalização e o monitoramento dos recursos; inclusão das organizações e das agências de bacias no Sistema Integrado de Gerenciamento e a similaridade no Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CRH) com os setores público e privado.

Bacias hidrográficas de Pernambuco BRÍGIDA

TERRA NOVA PAJEÚ

GARÇAS GI6 PONTAL

GI5 GI4 GI3

GI7 GI8 FONTE: AGÊNCIA PERNAMBUCANA DE ÁGUAS E CLIMA - APAC

40

IMPACTOS AMBIENTAIS: AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)


A Divisão Hidrográfica Estadual

Denominadas pelo Plano Estadual de Recursos Hídricos (1998) como Unidades de Planejamento (UP), as bacias hidrográficas de Pernambuco são divididas em 29, sendo 13 bacias hidrográficas, seis Grupos de Bacias de Pequenos Rios Litorâneos (GL1 a GL6), nove Grupos de Bacias de pequenos Rios Interiores (GI1 a GI9) e uma bacia de pequenos rios no arquipélago Fernando de Noronha. Todas as unidades, como podem ser vistas abaixo (tabela 1), já receberam planos ou diagnósticos para serem acompanhadas e fiscalizadas. A Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) vem realizando o monitoramento da qualidade das

GL6 GOIANA GL1 CAPIBARIBE GL2

IPOJUCA

MOXOTÓ

SIRINHAÉM UNA

GL4

IPANEMA GI2

MUNDAÚ

GL5

GL1

IMPACTOS AMBIENTAIS: AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)

41


Planos e Diagnósticos das Bacias BACIA HIDROGRÁFICA

CONCLUSÃO

UF’S INERIDAS NAS BACIAS

DOCUMENTO

GOIANA, GL-1 E GL-6 (*)

2001

PE

DIAGNÓSTICO DOS RECURSOS HÍDRICOS DAS BACIAS DO RIO GOIANA, GL-1 E GL-6

UNA, GL-4 E GL-5 (*)

2001

AL - PE

DIAGNÓSTICO DOS RECURSOS HÍDRICOS DAS BACIAS DO RIO UMA, GL-4 E GL-5

SIRINHAÉM E GL-3 (*)

2001

PE

DIAGNÓSTICO DOS RECURSOS HÍDRICOS DAS BACIAS DO RIO SIRINHAÉM E GL-3

GL-2

2005

PE

DIAGNÓSTICO DOS RECURSOS HÍDRICOS DAS BACIAS GL-2 (PARTE INTEGRANTE DO PAHR)

PIRAPAMA

1998

PE

PLANO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA BACIA DO RIO PIRAPAMA

CAPIBARIBE

2002

PE

PLANO DIRETOR DE RECURSOS HÍDRICOS DA BACIA DO RIO CAPIBARIBE

IPOJUCA

2001

PE

PLANO DIRETOR DE RECURSOS HÍDRICOS DA BACIA DO RIO IPOJUCA

IPANEMA

1998

AL - PE

PLANO DIRETOR DE RECURSOS HÍDRICOS DA BACIA DO RIO IPANEMA

MUNDAÚ

1998

AL - PE

PLANO DIRETOR DE RECURSOS HÍDRICOS DA BACIA DO RIO MUNDAÚ

MOXOTÓ

1998

AL - PE

PLANO DIRETOR DE RECURSOS HÍDRICOS DA BACIA DO RIO MOXOTÓ

PAJEÚ E GI-3

1998

PE

PLANO DIRETOR DE RECURSOS HÍDRICOS DAS BACIAS DO RIO PAJEÚ E GI-3

TERRA NOVA, BRÍGIDA, GI-4, GI-5 E GI-9

1998

PE

PLANO DIRETOR DE RECURSOS HÍDRICOS DAS BACIAS DO RIO TERRA NOVA, BRÍGIDA, GI-4, GI-5 E GI-9

PONTAL, GARÇAS, GI-6, GI-7 E GI-8

1998

PE

PLANO DIRETOR DE RECURSOS HÍDRICOS DAS BACIAS DO RIO PONTAL, GARÇAS, GI-6, GI-7 E GI-8

GI-1

1998

AL - PE

PLANO DIRETOR DE RECURSOS HÍDRICOS DA BACIA DO RIO TRAIPU

GI-1

2001

AL - PE

PE PLANO DIRETOR DE RECURSOS HÍDRICOS DAS BACIAS DO RIO PARAÍBA, SUMAÚMA E REMÉDIOS

GI-2

1998

AL - PE

PLANO DIRETOR DE RECURSOS HÍDRICOS DA BACIA DO RIO CAPIÁ

SÃO FRANCISCO

2004

MG - GO - DF, BA - PE - AL - SE

PLANO DECENAL DE RECURSOS HÍDRICOS DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO - PBHSF (2004-2013)

GOIANA, CAPIBARIBE, IPOJUCA, UNA, SIRINHAÉM, MUNDAÚ, IPANEMA, GI-1, GL-1 A GL-6

2005

PE

PLANO DE APROVEITAMENTO DOS RECURSOS HÍDRICOS DA RMR, ZONA DA MATA E AGRESTE PERNAMBUCANO

FONTE: PLANO ESTRATÉGICO DE RECURSOS HÍDRICOS, 2008, P. 15


águas desde o ano de 1984. O órgão é vinculado à Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade. O monitoramento citado é realizado em três passos: coleta da água, análise e sistematização de dados, finalizando com publicação de boletins semanais e relatórios anuais – que são disponibilizados para a população no site da CPRH. O atual secretário estadual de Recursos Hídricos e Energéticos, José Almir Cirilo, acredita que os investimentos para o Estado, nos próximos anos, quanto aos recursos hídricos deverá aumentar. “Começando em 2007, quando a SRHE elaborou com a Compesa o plano estratégico de recursos hídricos, iniciou-se um grande esforço de levantamento dos recursos estimados na época em R$ 7 bilhões para fazer face aos investimentos por 12 anos necessários para universalizar os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Hoje esses recursos são avaliados em cerca de R$ 12 bilhões. Desse montante cerca de 1/3 foi investido ou está em execução e 1/3 estão assegurados”, detalha. Com a meta prioritária de universalizar o abastecimento de águas para as cidades e atingir a meta de 90% de esgotos tratados, o secretário comenta que, após a recriação da SRH, alguns avanços merecem ser destacados. “Podemos citar o Programa Intenso de Obras, diretamente ou via Compesa, para abastecimento de água e esgotamento sanitário, com ações em andamento em praticamente todas as cidades do estado. Início da Adutora do Agreste, a maior obra de transporte de água da América do Sul. Parceria público-privada que vai em 12 anos tratar 90% dos esgotos de 4,5 milhões de pessoas na região metropolitana. Construção de 9 barragens para controle de cheias em andamento. Criação da Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac), que monitora e planeja o uso das águas em nosso território”, lista. Ainda segundo José Almir Cirilo, além da ques-

Jóse Almir Cirilo, secretário estadual de RHE tão climática, por boa parte da região ser semiárida, a ausência de mananciais confiáveis é a maior dificuldade para o abastecimento dos municípios pernambucanos. A construção de grandes adutoras como a do Oeste, Pajeú e do Agreste são investimentos para levar água do rio São Francisco para todo o semiárido.

IMPACTOS AMBIENTAIS: AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)

43


O Rio Mundaú


Vista de outro ângulo, a barragem Mundaú


BACIA MUNDAU AÇUDE

MUNICÍPIO

CAP. MÁX. (1000M3)

CAJARANA

GARANHUNS

2,594

INHUMAS

PALMEIRINA

7,872

MUNDAU

GARANHUNS

1,968

MUNDAU II - CAJUEIRO

GARANHUNS

19,283

SÃO JACQUES

CANHOTINHO

403

FONTE: AGÊNCIA PERNAMBUCANA DE ÁGUAS E CLIMA

Localizado entre os estados de Pernambuco e Alagoas, o Rio Mundaú tem uma área de 4.090,39 km². Desse número, pouco mais da metade – 2.154,26 km² - está em Pernambuco. O rio, de responsabilidade da união por estar em dois estados, nasce no município de Garanhuns (PE). Suas águas são de grande importância para o abastecimento de 15 municípios do Agreste Meridional de Pernambuco, são eles: Capoeiras, Caetés, Calçado, Jucati, Jupi, Jurema, Canhotinho, Angelim, Lajedo, São João, Palmeirina, Correntes, Lagoa do Ouro, Brejão e Garanhuns. Em Alagoas, ele também é responsável pelo abastecimento de outros 15 municípios. A bacia do Mundaú é dividida, no estado, em cinco reservatórios (tabela 2). O monitoramento hidrológico é feito por servidores da Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac) em tempo real.

46

IMPACTOS AMBIENTAIS: AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)

Açudes do Rio Mundaú, localização e capacidade máxima


A barragem Cajueiro é a maior de todas. Ela é resultado de um investimento de R$ 29.000.000, 00, que tirou Garanhuns do racionamento há três anos


As peculiaridades históricas e naturais de Garanhuns Foi em 4 de fevereiro de 1879 que Garanhuns passou da classificação de vila para se tornar cidade. Desde então, destaca-se na agricultura, pecuária, comércio e principalmente no turismo – atualmente, sediando grandes eventos engajados na preservação do patrimônio histórico e da cultura regional, conhecidos internacionalmente, como o Festival de Inverno, realizado há 23 anos, sempre no mês de julho. Garanhuns se localiza na região Agreste Meridional de Pernambuco, no Planalto da Borborema, um dos pontos mais altos do estado. A altitude de 800m a 1.300m influencia diretamente nas baixas sensações térmicas, com temperaturas médias anuais em torno de 20º e 18º C. Basta pesquisar um pouco em registros fotográficos, livros antigos, em acervos públicos ou na internet que é possível encontrar classificações que ressaltem as belezas naturais do município de Garanhuns. São muitos os “estereótipos” empregados. Há quem afirme que Garanhuns é a “terra da garoa”. Quem diga e enalteça que é a “terra das águas cristalinas”, das fontes de água mineral, do clima frio e aconchegante. Uma rápida passada num ponto de ônibus, uma conversa rápida com um morador, por exemplo, e alguém há de comentar que Garanhuns é única para se morar, é a “suíça pernambucana”. A água das fontes municipais era pauta de destaque nas publicações impressas da década de 30. No

Distritos Mineiros do Nordeste DISTRITOS MINEIROS 1. MOSSORÓ - JOÃO CÂMARA 2. NATAL - CEARÁ MIRIM 3. MATARACA 4. OLINDA - JOÃO PESSOA 5. RECIFE - MARAGOGI 6. JAPARATINGA - SÃO LUIZ DO QUITUNDE 7. MACEIÓ - PONTAL DO PEBA 8. ARARIPINA - BODOCÓ 9. BOBOREMA - SERIDÓ 10. CURRAIS NOVOS - CAICÓ 11. TENENTE ANANIAS 12. BOA VISTA - GRAVATÁ 13. SERRA TALHADA - PATOS - SUMÉ 14. SERRITA - SÃO JOSÉ DO BELMONTE 15. FLORESTA - BELÉM DO SÃO FRANCISCO 16. CUSTÓDIA - GARANHUNS 17. UNIÃO DOS PALMARES - ANADIA 18. ARAPIRACA - OURO BRANCO 19. CAMPINA GRANDE - CALDAS BRANDÃO

FONTE: MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA, 2002

48

IMPACTOS AMBIENTAIS: AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)

8


1

BACIA DO APODI

2

NATAL

10

11

3 BACIA DE SOUZA

9 JOÃO PESSOA

19 BACIA DO ARARIPE

4

13 12

OLINDA

14

5

15

RECIFE

16 BACIA DO JATOBÁ 17

6

18 7

MACEIÓ

IMPACTOS AMBIENTAIS: AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)

49


Almanaque de Garanhuns (1937), editado por Félix Rui Pereira, a página que trata dos serviços públicos, aborda a qualidade dos mananciais e comenta sobre o fornecimento feito para os moradores: E não para por aí. A beleza do Rio Mundaú também ganhava forma de poema. No livro que trata dos 100 primeiros anos de existência de Garanhuns, intitulado “Garanhuns Centenária”, o escritor Lauro Cysneiros declara: A fama de suas águas minerais foi se fortalecendo ao longo do tempo. Na década de 70, quando o processo migratório da Zona Rural para a Zona Urbana acontecia de maneira intensa, a maioria das famílias não tinha água encanada nas residências. Apenas os coronéis e os grandes empresários eram abastecidos, já que tinham um alto poder aquisitivo e podiam comprar os materiais de instalação da encanação. A partir desse fato é que as nascentes da Vila Maria, do Pau Pombo e do Pau Amarelo surgem como meio de sobrevivência na vida de grande parcela da população garanhuense. O secretário estadual de Recursos Hídricos e Energéticos, José Almir Cirilo, ressalta que a região de Garanhuns é privilegiada por microclima, que tem proporcionado bons aproveitamentos de água. “As barragens de Inhumas e Cajueiro vêm assegurando o abastecimento de diversas cidades da região. Os rios Mundaú, Paraíba e Canhoto, que têm provocado enchentes como a de 2010 que assolaram cidades de Pernambuco e mais ainda de Alagoas, estão sendo estudados para construção de barragens nos dois estados. Outras barragens ainda estão sendo planejadas”, adianta o titular da pasta de Recursos Hídricos. Um estudo feito em 2002 pelo Departamento Nacional de Produção Mineral, do Ministério de Minas e Energia, cita Garanhuns entre os 19 “distritos mineiros” do Nordeste Oriental (figura 2) com potencial subterrâneo de águas minerais, de acor-

50

ACHAM-SE INTEIRAMENTE NORMALIZADOS OS SERVIÇOS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA Á POPULAÇÃO, COM A CONCLUSÃO DOS TRABALHOS MANDADOS FAZER PELO GOVERNO DO ESTADO E AINDA SOB SEU CONTROLE. AS FONTES DA VARZEA E PAU POMBO TÊM FORNECIDO COM REGULARIDADE, NÃO SÓ AGUA NECESSITADA PELA POPULAÇÃO E FABRICAS, COMO A CONSUMIDA PELA USINA ELETRICA, CONSUMO ESTE ALIAS VULTUOSO. OBSERVANDO-SE A GRANDE ESTIAGEM DE 1936-1937, UMA DAS MAIORES QUE HÁ MEMORIA, FICA A POPULAÇÃO TRANQUILISADA PELA SOLUÇÃO DADA AO SEU ANGUSTIANTE PROBLEMA DE AGUA NO QUE SE REFERE A QUANTIDADE, POIS QUANTO Á QUALIDADÈ JÀ SE FAZ FAMOSA A AGUA DE GARANHUNS, PELO SABOR, PUREZA E SAIS MINERAIS QUE CONTEM. (PEREIRA, 1937, P. 193)

AO LADO OCIDENTAL DESTA CIDADE, CURSA ESTE RIO, SEM FAZER RUMORES, ESTENDENDO-SE À VERDE IMENSIDADE ONDE FLOREJA, ALÍ, BREJO DAS FLORES. MANSAMENTE DESLIZA... E, SEM VAIDADE, OCULTA OS MAIS ORIGINAIS PRIMORES, SEMPRE CURSANDO, COM SUAVIDADE, REGANDO AS PLANTAÇÕES DOS LAVRADORES. CORTA O VERGEL... E, SERPEJANDO, DESCE, ENQUANTO, MAIS ADIANTE, LHE OFERECE, PAU AMARELO, AS SUAS ÁGUAS BOAS... E, O CICIAR DAS VIRAÇÕES SERRANAS, DEIXANDO AS REGIÕES PERNAMBUCANAS, VAI DESAGUAR EM TERRAS DE ALAGOAS. (CYSNEIROS, 1979, P. 12)

do com o geólogo José Robinson Alcoforado Dantas, que explica tecnicamente a presença de água no subterrâneo da cidade: Com a facilidade no acesso às nascentes de água, antes visíveis a olho nu, muitos tinham os manan-

IMPACTOS AMBIENTAIS: AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)


ciais como a salvação para os afazeres domésticos e até como fonte de renda para o sustento, pois muitos dos carroceiros compravam água e revendiam nas casas mais distantes das fontes. A geógrafa Alzenir Severina da Silva, na sua tese

de doutorado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), reproduz palavras de uma publicação da década de 30, em que o engenheiro Ruber Van Der Linden, escreve uma crônica sobre a qualidade dos mananciais descobertos na área central da cidade:

AS ÁGUAS QUE BROTAM DO PLANALTO DE GARANHUNS E ABASTECEM A CIDADE, QUASI TODAS SÃO BÔAS, DEBAIXO DO PONTO DE VISTA FISICOQUIMICO E BACTERIOLOGICO [...] SE O HOMEM REFAZ A MATRIA PELA ASSIMILAÇÃO E DISSIMILAÇÃO EM POUCOS DIAS, COMO ASSEVERA A FISIOLOGIA, EM GARANHUNS, ELE SE REFARÁ A MODA EUPORÉA. SOMOS O QUE RESPIRAMOS, BEBEMOS E COMEMOS, E AQUI, EM GARANHUNS, RESPIRA-SE UM AR PURO, BEBE-SE UMA ÁGUA MINERALIZADA E COMEM-SE FRUTOS E HORTALISSAS DE ZONA TEMPERADA (LEÃO, 1933 APUD SILVA, 2012, P. 134)

[...] SE REVESTE DE SUMA IMPORTÂNCIA PARA A EXPLOTAÇÃO DAS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS NA REGIÃO DE GARANHUNS E CIRCUNVIZINHANÇAS. LITOLOGICAMENTE O AQÜÍFERO É CONSTITUÍDO POR CAMADAS ARENOSAS E ARGILOSAS SENDO A PARTE ARENOSA INFERIOR, DE GRANULAÇÃO VARIADA E COR ESBRANQUIÇADA, A MAIS IMPORTANTE DO PONTO DE VISTA HIDROGEOLÓGICO (DANTAS, 2000, P. 86)

Garanhuns, então, passa a ter um relacionamento íntimo com seus mananciais. A particularidade do município, que concentra nascentes de água mineral da zona urbana é um indicador de que a água necessita de um olhar especial, de cuidados em sua gestão.

IMPACTOS AMBIENTAIS: AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)

51


A

AÇÃO

capítulo 2

I M PAC T O S A M B I E N TA I S : LIVRO-REPORTAGEM

AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS


AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)



Trecho das รกguas na nascente Pau Amarelo


Pressão da água do esgoto é forte na nascente do Pau Pombo



COM O CRESCIMENTO POPULACIONAL E, CONSEQUENTEMENTE, OS AVANÇOS DA URBANIZAÇÃO, AS CARACTERÍSTICAS RURAIS ABRIRAM ESPAÇO PARA UMA NOVA FORMAÇÃO DE ESPAÇO. VIERAM CONSTRUÇÕES DE AVENIDAS, CASAS, RUAS, INSTALAÇÕES DE REDE ELÉTRICA E ALGUMAS DE ESGOTO. TAL PROCESSO DE OCUPAÇÃO HUMANA FEZ COM QUE A PAISAGEM NATURAL SE MODIFICASSE, AOS POUCOS, COMPLETAMENTE. AS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ, EM GARANHUNS, NÃO FICARAM DE FORA DO FATO E SEGUIRAM O MESMO DESTINO, PASSANDO A SEREM DIRETAMENTE PREJUDICADAS NESSE PROCESSO DE REDISTRIBUIÇÃO DEMOGRÁFICA, DA AÇÃO DO HOMEM E DO TEMPO.

A nascente do Pau Pombo

58

O processo de abastecimento de água de Garanhuns se iniciou na nascente do Pau Pombo. O local se tornou a fonte pública ainda antes da década de 1930. O sistema de tubulação era de ferro e foi criado pelo engenheiro Ruber Van Der Linden. A nascente fica numa área central do município, dentro do parque que ganhou nome do engenheiro Ruber Van Der Linden. Mesmo com um sistema considerado “deficiente”, por não abranger todas as localidades, o abastecimento que saia do Pau Pombo serviu como ponta-pé inicial para as posteriores mudanças na forma de utilizar e receber água no município. Segundo o aposentado Nivaldo Deodato, hoje com 72 anos de idade, e ainda morador das proximidades, os trabalhadores braçais desciam em grupo e faziam uma verdadeira festa com a água que brotava nos olhos d’água. “A água era tão forte que dava pra arrancar a cabeça de uma pessoa. Isso aqui era uma coisa linda. Vivia lotado de grupos de amigos e de famílias. Não servia só pra gente carregar água pra casa, mas era pra se divertir, também”, conta o aposentado.

IMPACTOS AMBIENTAIS: AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)


Imagens reproduzidas da publicação, que fala das águas minerais de Garanhuns

FONTE: ALMANAQUE DE GARANHUNS (1937)

Visitante assíduo do manancial e sempre bastante empolgado ao falar de sua vivência, Nivaldo conta do valor histórico que o local tem para sua vida. “Aqui era nossa segunda casa, eu costumo dizer. Era bom demais vir aqui. Aqui tinha a Casinha do Tarzan, que a gente chamava. Vínhamos brincar o dia todo, isso tem muita referência pra gente, são coisas que eu vou levar pra sempre”, declara. Ananias Rodrigues, um dos atuais administradores do parque, de 47 anos de idade, também ainda era criança quando viu pela primeira vez as águas do Pau Pombo. “Eu praticamente nasci aqui dentro. A água era cristalina, a beleza que tinha essa área, com água limpa onde a gente podia tomar banho, beber água na fonte...”, relembra Ananias. Atualmente, os terrenos particulares em volta das minações concentram o cultivo de flores ornamentais, plantas frutíferas, criação de aves e peixes. Depois do aterramento de metralhas, o tão falado poço que fazia o abastecimento e era visto com facilidade sumiu e foi desativado. A jogada de lixo e os desvios do esgoto também fizeram com que a água

fosse “condenada”. De acordo com Ananias, com as fortes chuvas aceleraram o processo de aterro. “As trovoadas trouxeram tudo pra cima. Se você viesse há oito anos, aqui, ainda era possível ver a água de forma mais fácil. O homem é culpado por isso. Eu gostaria que meus filhos e meus netos tivessem a chance de verem o que eu vi aqui no passado”, revela. A falta de planejamento, aliada à falta de estrutura financeira, fez com que famílias completas se instalassem nos terrenos ao redor das nascentes. A mudança dos hábitos, o impulso e a exploração impensada dos recursos naturais fizeram com que o manancial do Pau Pombo passasse da terra para o concreto. Da água clara, para a escura. A nascente, localizada na Rua Manoel Clemente, área central de Garanhuns, foi e continua sendo considerada uma reserva ecológica, por ter árvores nativas de Mata Atlântica, plantas e flores parcialmente preservadas. O parque é aberto diariamente ao público, sendo considerado, também, um dos pontos turísticos mais visitados durante o ano.

IMPACTOS AMBIENTAIS: AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)

59



O brilho da água da nascente do Pau Pombo no poço dentro do Parque



O contraste da ação do homem. Metralhas continuam sendo jogadas na årea do Pau Pombo



Nivaldo Deodato Ê um personagem marcante. Passou parte de sua infância e adolescencia na nascente do Pau Pombo


Ananias Rodrigues ĂŠ um dos administradores do parque, local o qual tem muito carinhoÂ



A nascente da Vila Maria

Ă gua mineral jorra sem parar na lavanderia da Vila Maria



Animais se alimentando em pasto localizado numa รกrea antes conhecida por suas รกguas. Aterramento e soterramento causaram a mudanรงa da paisagem




José Hortêncio mora próximo à Vila Maria



Dona JĂşlia: a lavadeira e moradora mais antiga da Vila Maria


Localizada também numa área central de Garanhuns, a Vila Maria é aquele lugar que remete aos antigos cortiços, com conglomerados de famílias e a infraestrutura, de certa forma, precária. Com uma descida de escadas da Rua Capitão Tomás Maia, estamos dentro da famosa lavanderia pública, que até hoje é utilizada por moradores do local e por pessoas de fora. A água corrente e cristalina chama a atenção de quem passa. O seu barulho constante contrasta com o som das mãos das lavadeiras, que usam os tanques diariamente. Quem chega é compensado e chamado pela simpatia e educação dos moradores, que logo abrem o sorriso e lhe convidam para conhecer o que resta de uma das nascentes mais importantes na história da urbanização do município. A vila se tornou atrativo turístico. Quem visita a cidade passa nem que seja para registrar o momento. Quem confirma a informação com a maior empolgação é lavadeira Júlia Ferreira de Brito. Encantadora. Setenta anos de idade e muitas histórias para contar. Natural de Afogados da Ingazeira, no Sertão, chegou a Garanhuns aos 30 anos. Há 18 vive na Vila Maria. Mãe de cinco filhos, dois falecidos, conhece a área como a palma de sua mão. Perguntada como era a paisagem antes de suas transformações naturais, ela é rica nos detalhes. “Era uma coisa linda. Tinha 10 tanques de água aqui em frente. Era uma bomba d’água bem forte. A lavanderia já existia também quando eu cheguei. Isso aqui era cheio de gente tomando banho e vindo buscar água”, conta. Dona Júlia viveu maior tempo de sua vida no tanque de lavar roupas e ainda vive. Tem orgulho de ser lavadeira. Começou cedo a trabalhar. Segundo ela, a Vila Maria foi a solução nos momentos de seca. “Aqui recebia muitos carroceiros que iam comprar água. Era direto. De dia e de noite. Carroceiro, carro-pipa e o povo com os baldes na cabeça. Vinha gente de todo canto pra cá”, afirma.

76

Onze famílias moram em volta da Vila Maria. Em sua maioria, mulheres. A água cristalina da nascente fez parte do processo de abastecimento de água da área central de Garanhuns ainda na década de 1950. A lavagem de roupa fez com que Dona Júlia criasse seus filhos. Ela diz que chegou a lavar 15 trouxas numa única semana. Hoje, lava em torno de três, quatro. Mas as lembranças não ficam somente nos bons momentos. Dona Júlia passou por um susto em 2011, numa enxurrada que atingiu Garanhuns. Considerada pela vizinhança como “mulher de fibra e de coragem”, a lavadeira entrou no banheiro da vila e não saiu enquanto a chuva não passasse. “Eu mostrei o meu amor por isso aqui. A água ainda hoje está a marca das pedras. Eu botei a bacia em cima de outra bacia, entrei e fiquei pegada no varal. E a água dando no joelho. Foi mais de hora assim. Os homens foram me socorrer e eu não deixei, eu não saí. Enquanto essa lavanderia tiver de pé, eu estou em pé debaixo”, diz. Da mesma idade de Dona Júlia, o aposentado João Hortêncio de Melo mora na Vila Maria há mais de 22 anos. É conhecido, como o dito popular, por “andarilho”. Adora caminhar pelas ruas próximas da Vila Maria e é mais um contador minucioso de detalhes. Para ele, o que falta é o olhar das gestões públicas. “Era bom uma reforma aqui dentro. As pessoas vêm tirar foto e ficam perguntando por que não melhoram aqui. A gente espera que um dia façam alguma coisa como já fizeram faz uns 12 anos”, diz João Hortêncio. A Vila Maria é orgulho para os moradores, que clamam por uma revitalização do local. “Era bom uma reforma aqui. Faz mais de 10 anos que nunca mais olharam pra cá”, salienta, com razão, dona Júlia. A estrutura está em risco. É visível a presença de ferrugem e lodo. Alguns pedaços de parede caíram e o reboque também é precário.

IMPACTOS AMBIENTAIS: AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)


Córrego na Vila Maria


A Nascente de Pau Amarelo


Esgoto cai sem parar na nascente Pau Amarelo


Por volta da década de 1980, a população de Garanhuns passou por uma crise no abastecimento. Nas torneiras, nem um pingo de água. O industriário José Adagmar Martins de Andrade tinha 10 anos de idade naquele momento e lembra bem pelo que passou junto de seus familiares. “A seca era grande. Eu ia pra nascente do Pau Amarelo tomar banho todos os dias antes de ir pra escola. Eu me lembro de algumas coisas. Tinha uma escadaria gigante, pessoas nos paredões que cavavam a terra e colocavam bebidas para esfriar na água transparente e fria que saia por debaixo, os mergulhos, os poços artesianos...”, relata. O industriário relata que existiam muitas áreas verdes por volta da nascente. Segundo ele, algumas residências podiam ser visualizadas, mas poucas. Bem diferente do atual cenário. A expansão imobiliária fez com que a região da Avenida Santa Rosa, como é denominada, crescesse alarmantemente. Prédios foram construídos às margens do “buracão”. Extensas áreas se tornaram ponto de um lixão – empurrado, posteriormente, para dentro do manancial. “Quando deixou de ter o racionamento, mais ou menos em 1985, parei de ir lá. Perdi esse contato. Mas voltar hoje e ver como ela está dá um sentimento de tristeza”, desabafa. Foi ainda no convívio escolar que o morador José Vinícius de Melo Silva começou a se interessar pelos problemas de seu bairro. Numa turma de Educação de Jovens e Adultos (EJA), ele participou de um projeto pedagógico para retratar a realidade vivenciada na comunidade que morava. No caso, a Liberdade, como é conhecida. “Quando eu cheguei aqui e comecei a frequentar a Pau Amarelo não era tão poluída, com tanto lixo, como está hoje. Antigamente, o pessoal pescava, lavava roupa. Mas começou quase todo dia a vir caminhão de lixo doméstico ser jogado lá embaixo. Com o passar do tempo, jogaram material de construção”, conta o jovem.

80

Vinícius diz que fotografou a área e que participou de uma reunião com a Prefeitura, na época. “A gente viu que as casas que estavam próximas tinham rachaduras, mostramos tudo para ver o que poderia ser feito porque o risco era grande. Quando foi com poucos dias depois, estavam os homens do Exército descendo, aí eu fui perguntar o que era, e eles disseram que era a desocupação das famílias. Isso marcou. Alguns não queriam sair, mas com a insistência da conversa, aceitaram. Desde então, ninguém voltou”, afirma. A fonte de água mineral existente e tão falada por esses importantes personagens está sumindo. Quem desce no “buracão da liberdade”, como dizem, depara-se apenas com uma pequena tubulação que brota água cristalina. Nem se compara com a pressão do esgoto, que logo mais à frente, cai sem parar, se encontrando com as águas claras mais abaixo. Vinícius não se intimida a dizer que tem um sonho. “Queria que a Pau Amarelo virasse um parque ecológico. Ia ser ponto turístico, de certeza. Não seria só bom pra minha comunidade, mas para a cidade toda. Não gosto de ver o abandono que vejo hoje, não. É preciso fazer alguma coisa pra salvar o que resta”, pede. Dentre as outras nascentes citadas – Pau Pombo e Vila Maria -, a Pau Amarelo é uma das que menos se vê água. Sua quase extinção é um fator determinante para a preservação da área. “A situação está piorando. É uma mistura do lixo, do esgoto, do aterramento. É muito entulho. Estamos perdendo mais um símbolo de nossa cidade”, comenta o jovem Vinícius.

IMPACTOS AMBIENTAIS: AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)


O jovem Vinícius



Acúmulo de lixo na área próxima da nascente Pau Amarelo


D

DILEMAS

capítulo 3

I M PAC T O S A M B I E N TA I S : LIVRO-REPORTAGEM

PREJUÍZOS AMBIENTAIS ANUNCIADOS


AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)


Alterações climáticas: dias mais secos, invernos mais curtos

As mudanças ambientais podem ser consideradas de curto e de longo prazo. Algumas, mais sentidas, como o clima, provocam questionamentos da população e, consequentemente, de pesquisadores da área. O último relatório divulgado pelo Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) – órgão criado em 2009 pelo Ministério do Meio Ambiente e Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, com o papel de reunir e avaliar informações científicas sobre as mudanças climáticas no país – mostra que, até o ano de 2040, o regime de chuvas, no semiárido nordestino, diminuirá 20%. Em 2070, 35%, e em 2100 esse número deverá ficar entre 40% e 50%. O estudo foi feito por 209 autores, tendo uma referência bibliográfica de mais de 9 mil livros. Dados da precipitação pluviométrica em Garanhuns, coletados pela Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac), que realiza o monitoramento diaria-

86

mente, mostram a diminuição da chuva no município, principalmente nos últimos três anos. Em 2010, por exemplo, choveu 1.126,1 milímetros. Em 2011, o número caiu para 951,1 milímetros, e, em 2012, a redução chegou aos 457 milímetros. (Confira, abaixo, uma planilha com os dados dos últimos 10 anos). O professor e pós-doutor em Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), José Romualdo de Sousa Lima, diz que o quadro é considerado preocupante, pois Garanhuns já teve mais chuva. “Se observarmos o histórico, chovia, anualmente, 1.300 ou 1.400 milímetros durante o ano. Então, hoje, se sabe que não chove o mesmo que antes”, comenta. Entre as justificativas para tal redução está o uso irregular do solo. Os desmatamentos, a retirada de florestas nativas para plantações anuais e pastagens, diminuem a evaporação da água. “Hoje em dia, se

IMPACTOS AMBIENTAIS: AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)


percorremos os extremos da cidade, não só de Garanhuns, mas também da região do Agreste Meridional, se vê muita pastagem, plantação de feijão, mandioca, e quase nada de mata, de vegetação tradicional. Não estou dizendo que não devemos ter pasto, mas é preciso cumprir a lei, mantendo os 20% de reserva legal nas propriedades, o Código Florestal diz isso. Essa é uma boa solução para minimizar os efeitos no planeta”, completa. Para o especialista, o aumento de secas severas, no momento atual, não são tão sentidas como passarão a ser para as próximas gerações. “Os nossos filhos e netos vão sentir muito o aumento da temperatura e as sensações de calor. A natureza dará o retorno caso não haja consciência ambiental”, diz. Nas vias de acesso a Garanhuns, a expansão de imóveis ganha a paisagem. As construções de condomínios com grandes apartamentos passaram a ser um

fato rotineiro – quase todos os dias se escutam anúncios e mais anúncios que tratam da chegada de mais um investimento. De acordo com dados das Secretarias Municipais de Serviços Públicos e da Fazenda, só até o mês de setembro deste ano foram recebidos 324 projetos imobiliários. Destes, 293 foram atendidos e outros 31 estão em análise, um crescimento de 1.266,27 % (a secretaria vai me passar a porcentagem amanhã de manhã), comparado com 2012. “Se houver a preservação não tem problema. Já que se instalou no local, pelo menos mantenha a área de preservação permanente. Por exemplo, se você tiver uma área de nascente em sua propriedade e você cercá-la e não deixar gado entrar, reflorestar o entorno, com pouco tempo, coisa de 5 a 10 anos, essa nascente voltará a brotar água. Então, maneiras não faltam. Falta o empenho e uma maior fiscalização, também”, argumenta o professor José Romualdo.

IMPACTOS AMBIENTAIS: AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)

87


O calor que preocupa


Relacionada com uma condição climática local de sensação de conforto e bem-estar – microclima –, Garanhuns tem um relevo favorável – variação de colinas, morros e vales – que facilita a movimentação do ar. A região do Agreste Meridional, tendo maior persistência em Garanhuns, tem um histórico de temperaturas médias anuais de 25ºC. Seu aumento nos últimos dez anos, ganhou os noticiários recentemente, se comparado com o quadro de estudos, que já vem sendo feito desde a última década. “Essa média subiu, mas não é caracterizada, ainda, como uma mudança fixa. Para que a propagação aconteça deve se completar no mínimo 20 anos. Por enquanto, em uma década, subimos de 25 graus para 26,5ºC, ou seja, um grau e meio”, conta omestre em Engenharia Agrícola Márcio Salú Pereira, professor de Geoprocessamento, Análise Geoambiental e de Gestão de Recursos Hídricos no campus do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco (IFPE), em Garanhuns. Tendo lecionado, em 2009, disciplinas como Agrometeorologia, Meteorologia e Climatologia na UFPE, o professor Márcio Salú conta que o período chuvoso de Garanhuns, de março a meados de setembro, vem passando por mudanças. Segundo ele, um fenômeno meteorológico chamado de “veranico”, que consiste num período de estiagem em plena estação chuvosa com duração mínima de quatro dias, tornou-se comum e mais intenso no município. Antes da década de 1990, praticamente não existiam veranicos. Hoje em dia, mesmo no inverno, o céu fica sem movimentação de nuvens, “céu límpido”, como chamam os estudiosos, fazendo com que se tenha a sensação de que estamos no verão. A retirada de árvores na zona urbana aumenta as ilhas de calor – fenômeno climático que provoca elevação das temperaturas urbanas. Mas Márcio ressalta que não adianta colocar uma árvore num determinado local sem planejamento. “É preciso cuidar dessa árvore ou da área verde. A árvore precisa de assistência para poder servir, proporcionando locais com sombra e qualidade no ar”, explica.

IMPACTOS AMBIENTAIS: AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)

89


Barreiros secos na zona rural de Garanhuns



Perdas na agricultura e pecuรกria



As atividades do campo estão na lista das mais afetadas com o aquecimento da terra. Famílias que antes vivem do cultivo de grãos e da criação de animais agora sofrem com as perdas. A seca em Pernambuco reduziu cerca de 70% da produção de leite no Estado. Nos últimos meses, mais de 130 municípios pernambucanos decretaram estado de emergência por conta da seca que, segundo os dados do governo do Estado, é uma das piores dos últimos 60 anos. A Secretaria Nacional de Defesa Civil do Brasil e o Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres Naturais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) realizou um tra-

balho de campo sobre todos os casos ambientais do país entre os anos de 1991 e 2010, que resultou no “Atlas Brasileiro de Desastres Naturais”. O material, publicado em 2012, analisa o aumento considerável na frequência e na intensidade dos impactos ambientais e, consequentemente, seus prejuízos. Nele, é possível verificar que a seca, dentro todos os tipos de desastres que atingem o país, ainda é a que mais castiga a população. A equipe da Secretaria de Agricultura de Garanhuns, utilizando a base de dados da pesquisa “Produção da Pecuária Municipal”, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), constatou

Ocorrências por tipo de desastres 1800 1600 1400 1200 1000 800 300 600 400 200 0 1991

1992

1993

1994

1995

1996

FONTE: ATLAS NACIONAL DE DESASTRES NATURAIS, 2012, P. 31

94

IMPACTOS AMBIENTAIS: AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003


que a região do Agreste Meridional de Pernambuco contabilizou 230 mil bovinos a menos no ano passado – queda de 31,7% em comparação com 2011. Em Pernambuco, a diminuição do rebanho ficou em 24%, correspondendo uma redução de 606 mil bovinos no mesmo período. No que diz respeito à produção de leite, a pesquisa constatou, no Agreste Meridional, uma redução de 167 mil litros de leite em 2012 – queda de 36,2% quando comparado a 2011. No mesmo período, a redução em Pernambuco ficou em 244 mil litros de leite, queda de 36,1%. Até 2011, Pernambuco era o Estado que vinha apre-

sentando a maior taxa de crescimento na produção de leite, nos últimos anos, no país. Esse avanço permitiu que Pernambuco se tornasse, em 2011, o oitavo maior produtor de leite do Brasil, com mais de 953 milhões de litros produzidos. Entretanto, em decorrência da seca do ano passado, a produção de leite no estado caiu para pouco mais de 609 milhões de litros em 2012. Essa redução na produção fez o estado cair duas posições no ranking, ficando em décimo lugar. Em Garanhuns, foi constatada uma redução no rebanho de 20,7% no ano passado, isto é, 7.600 animais a menos em 2012 do que em 2011. A produção de leite, por sua vez, apresentou uma queda de

ESTIAGEM E SECA IMUNDAÇÃO BRUSCA IMUNDAÇÃO GRADUAL VENDAVAL E CICLONE GRANIZO MOVIMENTO DE MASSA EROSÃO LINEAR INCÊNDIO FLORESTAL EROSÃO FLUVIAL EROSÃO MARINHA TORNADO GEADA

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

IMPACTOS AMBIENTAIS: AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)

95


Dona Filรณ



39,7% no mesmo período – redução de 4.645 litros de leite. De acordo com o secretário de Agricultura de Garanhuns, Epaminondas Borges Filho, responsável pela pesquisa, esses dados mostram apenas os efeitos da seca até 31 de dezembro de 2012. Se a base de dados incluísse os primeiros meses do ano de 2013, os efeitos da seca na redução do rebanho e na queda na produção de leite seriam maiores ainda. O secretário esclarece ainda que a redução no rebanho não deve ser atribuída, exclusivamente, à mortalidade dos animais pela seca. A retirada do gado de Pernambuco para outros Estados como Pará e Maranhão e o abate precoce dos animais também contribuíram para essa queda. Já a redução na produção de leite foi muito afetada, além da seca, pela cochonilha do carmim, que praticamente dizimou as plantações de palma na região. Os dados da pesquisa reforçam a necessidade do governo federal e do governo do Estado de promover políticas públicas para apoiar a pecuária da região. A pesquisa mostrou que a perda de rebanho, em porcentagem, no Agreste Meridional, foi bem maior do que a do Estado. Além disso, a pecuária leiteira é a base da economia do Agreste Meridional e caso a seca continue, a falta de políticas pública para o setor pode trazer prejuízos incalculáveis para a região. Dona Filomena Monteiro de Moraes, de 57 anos de idade, é agricultora. Desde muito cedo, acompanhou seus pais no trabalho no campo. Natural do município de Palmeirina, também localizado no Agreste Meridional do Estado, dona “Filó”, como é conhecida, vai completar 35 anos que mora no sítio Lajeiro, zona rural de Garanhuns. Sua propriedade tem nove hectares de terra, mas não tem colheita há mais de um ano. “Ano passado a gente não plantou nada. Não caiu uma gota d’água aqui, não. Antes, eu e meu marido plantava (sic) milho, feijão, mandioca, batata e fava. Esse ano, com a pouco chuva que caiu, a gente plantou feijão e milho, mas não

98

IMPACTOS AMBIENTAIS: AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)


deu certo, as lagartas comeram foi tudo. Aí a gente plantou de novo pra não perder a saca e não deu certo também”, lamenta dona Filó. A criação de sete animais passou para apenas três. Duas vacas, uma égua e um cavalo morreram ao longo da estiagem. “A minha eguinha eu comprei pra carregar água da cisterna, mas ela morreu de fome. As vacas também. A gente não tinha condição de manter as bichinhas. Agora só temos duas vacas e um jumentinho que Zé comprou um dia desses”, conta a aposentada. O precário abastecimento de água é outro fator que desencadeia uma série de problemas para a agricultora, que lembra que a seca é uma realidade antiga. “Quando eu posso, compro caminhão d’água pra ajudar e não deixar o restante do gado morrer de sede. Depois que eu fiz essa cisterna, eu nunca vi cheia. A chuva é pouca demais. Quando eu casei, nova ainda, ia lavar roupa numa fonte muito boa lá na serra. Saia quatro horas da manhã de casa. A água era muito boa. Eu e comadre Maria levava (sic) comida, levava (sic) os meninos pra brincar e passava (sic) o dia lavando roupa. Quando era de noite a gente estava chegando em casa de novo”, detalha. De acordo com o professor Márcio Salú, o semiárido úmido está se tornando mais seco, o que justifica a baixa das produções no campo. “O semiárido se tornará mais árido e poderá haver desertificação, é o que apontam os estudos globais, regionais e locais. Algumas políticas públicas já vêm trabalhando em parceria com os produtores rurais para tentar minimizar consequências. Ter uma área só com o pasto não é mais viável, indicamos, por exemplo, colocar árvores e de preferência árvores frutíferas, fazendo com que aquele cultivo sirva tanto para tirar o fruto quanto para deixar que os animais consumam o restante desse cultivo. Outra opção é rotacionar as áreas de cultivo, desgastando menos o solo, que pode ficar em descanso”, indica o professor.

IMPACTOS AMBIENTAIS: AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)

99


O registro da seca mais severas dos Ăşltimos 60 anos no Estado



R

RESULTADOS

capítulo 4

I M PAC T O S A M B I E N TA I S : LIVRO-REPORTAGEM

CUIDANDO DAS ÁGUAS


AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)


Um personagem importante Marcos Renato Franzosi Mattos é natural de São Paulo (SP), mas mora fora da capital paulista desde os 14 anos de idade. Há oito anos vive em Garanhuns. Sua primeira formação foi em técnico em Agropecuária, pela Escola Técnica Estadual de 2º Grau, em Rio das Pedras, interior de São Paulo. Desde então, realizou trabalhos de ecoturismo e educação ambiental em Organizações Não-Governamentais (ONG’s). Fez curso de Medicina Veterinária em 1994 – concluindo em 1998 na Universidade Estadual de Santa Catarina e atuando com manejo de animais selvagens. Mesmo assim, para manter a faculdade, Renato Mattos continuou com o trabalho de produção agrícola sustentável, aumentando, assim, a relação com temas voltados ao meio ambiente. Morando, depois, em Fortaleza (CE), foi voluntário de um zoológico e veterinário de criadouros conservacionistas. Entre os anos de 1999 e 2004 fez mestrado e doutorado em Medicina Veterinária, trabalhando com reprodução de animais domésticos e selvagens. Ainda em terras cearenses, o defensor da natureza, como também é conhecido, fundou uma ONG chamada de “Ecossistema”, mas que não durou muito tempo e logo foi fechada, quando Renato mudou de Estado mais uma vez. Garanhuns surgiu em sua história de forma curiosa. Sempre tendo ouvido falar sobre a cidade, pelas campanhas políticas de Luiz Inácio Lula da Silva, o Lula, ele diz a imagem que tinha sobre o município. “A visão que se tinha era a de seca, de sertão, a imagem era essa. Uma imagem que a mídia passava através do que a própria campanha do ex-presidente promovia. Aparecia muito o nordestino reti-

104

rante, a miséria, a fome”, lembra. Mas foi quando ainda estava em Fortaleza que ele “descobriu” a fama da água mineral de Garanhuns. “Fui comprar uma água mineral e ela era de Garanhuns. Achei estranho quando eu vi que a água era de Garanhuns, que pra mim era sertão. Achei estranha a distância do fornecedor, o símbolo da Serra Branca. Despertou a curiosidade de olhar. Fui observar no mapa e aí descubro, na literatura, que tinha Mata Atlântica aqui”, relata. Com características de um “eterno aventureiro”, sem medo do que a vida poderia mostrar, Renato foi tentar, no ano de 2003, concurso para professor do Estado de Alagoas. A prova seria realizada no município de Arapiraca, mas a cidade dormitório, coincidentemente ou não, acabou sendo Garanhuns. “Minha esposa disse ‘Garanhuns, Garanhuns... Eu conheço esse lugar...’ E aí ela lembrou que minha sogra era daqui. Na verdade, de Serrinha do Catimbau, que era um distrito de Garanhuns e hoje pertence ao município de Paranatama. Era final de julho, o choque de clima, ocorreu com o inverno rigoroso da cidade. Lembro-me bem da gente andando e procurando hotel eu disse que moraria na cidade”, detalha. Após passar no concurso, ainda no mesmo ano, ficou revezando a moradia entre os Estados de Alagoas e Ceará. Garanhuns era o suporte, pois o ônibus passava e parava na cidade. As visitas ao município ficaram ainda mais constantes, já que o comércio local tinha muitos produtos que ele não encontrava em Santana do Ipanema (AL), onde ensinava. Em 2005, Renato tentou concurso para ser professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco, na Unidade Acadêmica de Garanhuns (UFRPE/UAG). Foi aprovado e oficializou a moradia na cidade. Sua dedicação e interesse pelos assuntos de cunho ambiental fizeram com que ele se unisse a mais três colegas – Alzenir Silva, Renato Molica

IMPACTOS AMBIENTAIS: AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)


e Roberto Carlos Orlando – para estudar os lugares, questões hídricas, solidificando as ideias e conhecendo as peculiaridades do território de Garanhuns. As nascentes urbanas do Rio Mundaú foram uma das prioridades do grupo de estudiosos. “Quando cheguei vi de imediato que nenhuma estava preservada. Já eram ruins e tinham certo grau de degradação. Na Vila Maria, não existiam tantas casas, era tudo área aberta, não tinha cerca, não tinham proprietários. Eram áreas públicas. Na encosta da nascente só tinha uma única construção que avançava, mas tudo era limpinho, tinha vaca, plantação, mas não tinha construção civil, mas já existia o esgoto”, conta. Ainda segundo ele, com o tempo, o assoreamento se tornou algo constante, assim como o aterramento. “O assoreamento é quando a água que vem da chuva traz detritos e fica na parte baixa. É a ação passiva do processo de degradação. O aterramento é a jogada direta, o ser humano que, ativamente, pega seu caminhão de metralha e despeja em determinado trecho. Se a vegetação que existia na área da Vila Maria não tivesse sido retirada, não teríamos toda a área como está hoje. O volume de água era, aparentemente, muito maior. O esgoto aumentou bastante. Era um filete e hoje é uma vala”, explica. Quanto à nascente Pau Amarelo, também conhecida popularmente como “Nascente da Raposa” e “Liberdade”, o pesquisador a conheceu cheia de lixo. “Era poluída por esgotos e obras civis da prefeitura, que jogavam tudo dentro, como se fosse um simples buraco. Depois, virou lixão. As camadas de lixo tinham 100m de altura de saco plástico, era uma coisa absurda”, lamenta. A nascente do Pau Pombo, na visão dele, foi a que menos mudou. O maior impacto – como retratado por Nivaldo e Ananias, outros dois entrevistados, no capítulo 2 – foi o das jogadas diárias de metralhas. “Apenas uma casa estava construída. Todas

as outras são posteriores, de 2009 pra cá. As casas recentes jogam esgoto diretamente nos pequenos olhos d’água”, completa. Por essas e outras características de lutar pelo bem da natureza, como Renato, a população começou a se preocupar mais com o meio ambiente. As pessoas passaram a questionar “como um ‘forasteiro’ sabe mais de Garanhuns do que nós mesmos”? E são por esses diversos motivos de dedicação à causa, que, hoje, Renato Mattos serve de referência nos assuntos ligados ao meio ambiente.

A criação do Conselho de Defesa do Meio Ambiente Dentro das demandas da Secretaria Municipal de Agricultura, em 2006, foi criado o Conselho de Defesa do Meio Ambiente (Codema). A instituição iniciou sua história com 20 membros e em 2008 passou para 24 integrantes. Alguns fatos interessantes merecem ser destacados. Em 2007, por exemplo, numa reunião do Conselho Estadual do Meio Ambiente, realizada no município de Caruaru, o Codema foi, publicamente, elogiado pela equipe organizadora do evento. Foi dito que mesmo sem recurso financeiro, Garanhuns possuía o diferencial de ser atuante e que os demais conselhos pernambucanos deveriam se inspirar nele para efetivar as metas. Com características independentes, de cobrar ao Ministério Público e da Prefeitura o cumprimento das leis, a postura positiva e incansável continuou fazen-

IMPACTOS AMBIENTAIS: AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)

105


do com que mais pessoas tivessem interesse em abraçar a causa de preservar o meio ambiente. Daí surgem parceiros importantes e que até os dias de hoje discutem o futuro e lutam por dias melhores, entre eles, o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), a Universidade de Pernambuco (UPE) e a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Apesar das manobras políticas para “derrubar” o conselho, muito frequentes até certo tempo, e relatada por quase todos os membros-fundadores, o trabalho continua. Renato Mattos foi um dos alvos desse momento de “perseguição”. “Cheguei a ter minha integridade física ameaçada. Procurei meus direitos de cidadão e de justiça”, comenta. Advogado de formação, Luís Sebastião de Figueiredo entrou no Codema em 2010. Considerado por ele mesmo um conhecedor legalista, seco e formal demais em relação às temáticas do meio ambiente, com a vivência das reuniões passou a ser mais humano e sentimental. A quebra das impressões, o engajamento e o comprometimento fizeram com que ele fosse sugerido para concorrer ao cargo de presidente – sendo eleito. Para ele, a mudança da população quanto à conscientização está sendo gradativa. “Ainda há um grande abismo entre o que a população acha que é certo e a prática daquela concepção. As pessoas não executam, só ficam no discurso. Acaba sendo considerada uma cultura do interior de que o governo tem que ser sempre julgado ou apontado como o responsável por todos os males, mas não é bem assim. A população precisa fazer sua parte, participar, colaborar sendo parceira desde as ideias iniciais, até a execução no dia a dia”, salienta. Quanto ao futuro, ele acredita no poder de novas gerações. “Eu espero que tenha mais engajamento das instituições. Quanto mais pessoas, melhor. Uma pequena palavra pode mudar um projeto, uma ideia, uma decisão. O conselho tem que ter

106

um ciclo de renovação natural de pensamentos e de atuação”, avalia Luís Sebastião. O conselho é o elo entre o poder público e a sociedade. E um dos maiores frutos dessa ligação, em Garanhuns, é o Concurso Escolar de Educação Ambiental (CEEA). Criado em 2008, por meio da cooperação de diversos colaboradores e sugestões de professores e estudantes que participaram de outras edições, o concurso vem passando por várias ampliações. O objetivo é reconhecer iniciativas já existentes, de alunos entre o 1º e o 9º ano do Ensino Fundamental, e incentivar outras nas escolas do município, seja ela pública ou privada. Os alunos podem criar cordéis, paródias e produzir redações. Todos os inscritos recebem certificado. O grupo de trabalho do Codema é heterogêneo, com pessoas do campo científico, técnico e burocrático. As reuniões acontecem na última quinta-feira de cada mês, sempre às 14h30.

As conquistas e melhorias no abastecimento de água de Garanhuns Há cinco anos, existiam apenas duas barragens para abastecer a população de Garanhuns: a Inhumas e a Mundaú. Os dois reservatórios não eram suficientes para a demanda diária. No verão, as casas chegavam a ficar 20 dias sem água nas torneiras. Numa ação de emergência, a Companhia Per-

IMPACTOS AMBIENTAIS: AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)


nambucana de Saneamento (Compesa) construiu, em 2010, mais uma barragem, que recebeu o nome de Cajueiro. O investimento da obra, que incluiu a adutora, a estação elevatória e a ampliação da estação de tratamento do município, foi R$ 29 milhões. Com o fim do racionamento, Garanhuns passou a receber água 24 horas por dia. A Barragem Mundaú comporta pouco mais de 3.500.000m³; a Inhumas tem o potencial de 6.000.000m³ e a mais nova, Cajueiro, tem gigantes 14.000.000m³ de capacidade armazenada. Toda a água passa pela única estação de tratamento do município, situada no Morro Columinho – um ponto turístico local. A Compesa elaborou, recentemente, um projeto para atingir a coleta e o tratamento de esgoto para 100% do território de Garanhuns, que, alarmantemente, só tem 8% dos bairros com saneamento básico. O projeto completo custa R$ 104 milhões. De acordo com o gerente da Compesa no Agreste Meridional, Gilvandro Tito, que também é especialista em Recursos Hídricos, uma parte da ação começou a ser executada. “O setor leste da cidade, que contempla a Vila do Quartel, o Indiano, a Massaranduba e aqueles bairros ali próximos, já está em obras, num valor de R$ 14 milhões. Em 24 meses, esperamos aumentar para 15% a porcentagem de locais saneados. O restante do recurso está em processo de busca por meio do Ministério das Cidades”, diz. Perguntado quanto ao tempo total para se conseguir efetivar a meta, caso o valor final seja garantido, o gerente da Compesa afirma que seria em torno de 4 a 5 anos. “Implantação de esgoto é mais complicado, se compararmos com o de água. O esgoto trabalhado por gravidade, dependendo do relevo da cidade, tem suas complexidades. Por isso, um prazo maior”, explica. Os produtos químicos utilizados no tratamento d’água, segundo a companhia, são o sulfato de alumínio e o cloro, sendo o primeiro para clarear a água e o segundo para desinfecção da água para torná-

la potável para o consumo humano. Caso seja concretizado, o projeto do órgão, ligado ao governo do Estado, também proporcionará melhor qualidade nos mananciais da bacia hidrográfica do Rio Mundaú – que não receberá mais os esgotos.

O trabalho da ONG Econordeste Criada em agosto de 2008, a ONG socioambiental Econordeste vem buscando possibilidades de colaborar com a resolução de problemas ambientais e sociais. Registrada no Ministério da Fazenda, sob o número de CNPJ 10.430.190/0001-30, desde seu início, a entidade vem realizando trabalhos importantes voltados à educação ambiental, sobretudo nas escolas de Garanhuns. A ONG também faz parte do Comitê da Reserva da Biosfera da Caatinga no Estado de Pernambuco (CRBCAA/PE). Conhecida em toda a região por sua forte atuação e parceria com importantes órgãos dos governos Municipal, Estadual e Federal, a Econordeste tem, atualmente, 16 membros ativos. Entre os anos de 2009 e 2011, os integrantes da instituição executaram o projeto “Caminhos da Madeira” que contemplou uma série de palestras abordando temáticas sobre o desmatamento. Profissionais da área e membros da Companhia Independente de Policiamento em Meio Ambiente (Cipoma) participaram da iniciativa. O grande “up” veio em dezembro de 2012, quando a ONG assinou seu primeiro convênio com a Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac) para a execução de um projeto de recuperação de nascentes. O projeto foi elaborado um ano antes, atendendo o edital FEHIDRO/Apac e aprovado em segui-

IMPACTOS AMBIENTAIS: AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)

107


da. Cinco nascentes foram contempladas, sendo elas na fazenda Trindade, no Brejo da Jussara, Sítio Mochila e Parque Municipal das Nascentes do Mundaú, todas na zona rural. O projeto contempla a recuperação e a plantação de 20 mil mudas nativas, totalizando uma área de 18 hectares. A ONG já adquiriu estacas de madeira plástica (produtos comprados no estado de Santa Catarina), arames, distanciadores, balancins, ferramentas, computador, impressora, além da contratação de um escritório contábil e locação de um imóvel para início dos serviços. Além deste primeiro projeto, a Econordeste tem outros dois projetos aprovados, sendo um pela Apac e um pela Petrobrás – ambos aguardam trâmites de convênio e contratação.

Áreas de pesquisas sustentáveis Alunos do campus do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE) do município estão desenvolvendo projetos e executando experiências para testar saídas que poderão ajudar com futuros estudos e que minimizem os impactos sofridos. Com a área de trabalho em desenvolvimento de tecnologias alternativas de baixo custo, instruídos por professores, eles estão aplicando métodos simples, que possam ser levadas ao campo, para trazer dados. Um deles é visando ao melhoramento de pluviômetros, que coletam a água da chuva. “Temos poucas estações e elas são espaçadas demais. Uma longe da outra. Com um pluviômetro de garrafa pet, por exemplo, teremos uma

108

melhor coleta de chuvas e veremos qual a realidade da relação de espaço e tempo de chuva. Isso vai colaborar diretamente com os agricultores, que terão noção de melhores períodos para determinados cultivos ou não”, comenta o professor Márcio Salú. Por ter amplo número de alunos de diversas cidades da região do Agreste Meridional, a ideia, no instituto, é de construção, implantação e estudo de resultados não só em Garanhuns, mas nas cidades circunvizinhas. Ainda de acordo com Márcio Salú, no próximo inverno, haverá uma ação mais precisa da pesquisa com os alunos do curso de técnico em Meio Ambiente. Outra ação é com evaporímetros, que são monitores de evapotranspiração de leitura direta considerados de baixo custo. Eles deverão substituir os tradicionais “tanques classe A” que tem um custo mais alto. O evaporímetro é um instrumento de extrema importância e facilita estudos quando é utilizado junto com o pluviômetro para os cálculos do balanço hídrico nas lavouras. Com a colaboração dos estudiosos, os experimentos sustentáveis trarão a garantia de água armazenada com condição de sete a 14 dias, e o mais interessante é que pode ser desenvolvido de garrafas pet. “Os tanques terão dois metros por 25 centímetros de profundidade, com água, ficam expostos ao ambiente”, explica Salú.

Reflexões para uma cidade melhor Muito se fala em educação ambiental, em sustentabilidade, mas pouco se pratica. Em Garanhuns, é visível, diante da atual situação das nascentes ur-

IMPACTOS AMBIENTAIS: AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)


banas, que não há a preocupação com os afluentes e por isso, rapidamente, os mananciais se contaminam. Futuramente, os condomínios serão a peça-chave para a poluição. Afinal, este é o novo “estilo” de moradia da população, locais com maior concentração de famílias. Se o esgoto fosse jogado no esgoto, facilitaria consideravelmente, fato. Mas se não houver engajamento de cada cidadão, não teremos a cidade que queremos. No Rio de Janeiro (RJ), por exemplo, os moradores, dependendo do tamanho do condomínio em que moram, são obrigados a terem instalada uma estação de tratamento de água para a comunidade, incentivando o cuidado e o reaproveitamento da água. O projeto para saneamento básico de quase 100% do município de Garanhuns está iniciando, já é um passo. É necessário obedecer ao Plano Diretor do município de Garanhuns, que é claro ao estabelecer regras de obrigatoriedade de extensas áreas verdes em loteamentos. Como dizem os especialistas em clima, “não há água se não houver vegetação”, ou seja, precisamos cuidar dos nossos mananciais. O problema visto hoje, caso não seja minimizado, terá graves consequências daqui a alguns anos. As pesquisas e os posicionamentos estão aí para todos terem conhecimento da realidade. O poder público precisa ter mais incentivos para, por exemplo, terrenos com áreas verdes, como a baixa de IPTU e construção de parque em áreas verdes. As calçadas precisam de canteiros para que haja a infiltração da agua da chuva. Hoje, no Rio Grande do Sul, por exemplo, o governo tem lucro em cima de “troca de favores ambientais”. Como consequência positiva, o município fica com uma economia de longo prazo. Garanhuns ainda é, mesmo em menor proporção, considerada uma cidade de eventos. Mas os atrativos estão diminuindo. Os parques são os mesmos

de 50 anos atrás. E então surge o questionamento: quantos lugares do país têm o privilégio de terem nascentes de rios na zona urbana? Isso seria mais uma saída se os olhares se voltarem a essas nascentes. Os estudiosos da área apontam que na progressão de poluição em que estão, em 30 anos, elas vão desaparecer. No máximo, poderão ser consideradas áreas úmidas. O clima de 10 anos atrás não é o mesmo de hoje, ou melhor, o clima é, o que mudou foi a temperatura, a sensação térmica, que interfere na qualidade de vida das pessoas. A compra de ar condicionado e ventiladores aumentou por conta do calor insuportável que se estende. Quanto mais água for de nascente, mais qualidade ela terá e menor será o gasto com o tratamento. É necessário preservar a mata ciliar, entender o que diz nosso Código Florestal, é preciso nos dar as mãos para cuidar dessas riquezas naturais. Reverter o cenário é difícil, mas preservar ainda é possível. É preciso buscar soluções a longo prazo. Como observamos, os impactos ambientais são muitos. A problemática ambiental é ampla e desencadeia muitas outras consequências. Os estudos indicam que, praticamente em todas as bacias hidrográficas do Brasil, a tendência é de que haja uma diminuição das vazões dos rios. O cenário preocupante afeta nosso homem do campo, nossa economia, nossa saúde, nossa existência na terra. A esperança existe, como registramos. As iniciativas precisam se aperfeiçoar cada vez mais. Com a integração da sociedade, dos órgãos fiscalizadores e competentes, quem sabe não teremos de volta o título de “terra das águas cristalinas”? Fica o questionamento para construirmos um futuro sustentável!

IMPACTOS AMBIENTAIS: AS TRANSFORMAÇÕES NAS NASCENTES URBANAS DO RIO MUNDAÚ EM GARANHUNS (PE)

109



GALERIA

Rodrigo Va l e n รง a























REFERÊNCIAS



Atlas Nacional de Desastres Ambientais. Secretaria Nacional de Defesa Civil e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil, 2012. Atlas Nordeste Abastecimento Urbano de Água: Volume I. Agência Nacional de Águas (ANA), Brasil, 2006. Atlas Nordeste Abastecimento Urbano de Água: Volume II. Agência Nacional de Águas (ANA), Brasil, 2010. CYSNEIROS, Lauro. Garanhuns centenária: 1879-1979. Garanhuns: O monitor, 1979. DISTRISTOS MINEIROS DO NORDESTE. Ministério de Minas e Energia, Brasil, 2002. ESTATÍSTICA DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA. INDICADORES IBGE. Disponível em: http://www.ibge.gov. br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/000000133140 06112013403006271184.pdf. Acessado em 20 de setembro de 2013. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA. Senso 2013 da cidade de Garanhuns. Disponível em: http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil. php?lang=&codmun=260600. Acessado em 2 de setembro de 2013. LINDEN, Ruber Van Der. Almanaque de Garanhuns: A cidade do clima maravilhoso. Garanhuns: Livraria Helena, 1936. MONITORAMENTO HIDROLÓGICO: PRECIPITAÇÃO PLUVIOMÉTRICA POR MUNICÍPIO. Agência Pernambucana de Águas e Clima (APAC). Disponível em: http://www.apac.pe.gov.br/monitoramento/. Acessado em 15 de outubro de 2013. PLANO ESTADUAL DE RECURSOS HÍDRICOS. Secretaria de Recursos Hídricos e Energéticos de Pernambuco (SRH), 1998.



PLANO ESTRATÉGICO DE RECURSOS HÍDRICOS. Secretaria de Recursos Hídricos e Energéticos de Pernambuco, 2008. Primeiro Relatório de Avaliação Nacional do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Brasília, 2013. SILVA, Alzenir Severina. Territorialidades em torno das águas: discursividade e práticas de apropriação e uso dos mananciais em Garanhuns/PE. Recife, UFPE, 2012.


Este livro foi composto em formato 2 1/27,5 e impresso pela Estudantil Grรกfica sobre o papel A3 em novembro de 2013



“A responsabilidade social e a preservação ambiental significam um compromisso com a vida”. João Bosco da Silva


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.