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Cervantes en portugués

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Activismo

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Editorial

Panoramix

Lá diz o ditado que de Espanha nem bons ventos nem bons casamentos, mas parece que é chegada a hora de afirmar que pelo menos vêm bons fumos da terra de nuestros hermanos. Numa altura que em Portugal se começa a dar os primeiros passos para a legalização da canábis, o convite para escrever no português de Camões, nesta publicação de referência do mundo canábico, surge como a cereja no topo do bolo. Nesta colaboração inicial damos destaque à primeira Marcha Global da Marijuana que decorreu em Lisboa a 6 de Maio. Com perto de uma centena de participantes, os organizadores prometem que será apenas a primeira de muitas, pelo menos das necessárias até que mude o enquadramento legal que permite o consumo mas proíbe a venda e o cultivo. Ficamos à espera do prometido debate público sobre a legalização da canábis, com participação activa dos órgãos políticos e da comunidade científica, além dos consumidores (que muitas vezes fazem parte das duas primeiras categorias). Mas enquanto a lei não muda, há alguns resistentes que ousam desafiar o sistema de pá e regador na mão. É a pensar neles que no guia de Cervantes damos dicas de como combater as pragas tão características deste tempo mais quente.

Uma Marcha para

a história Panoramix

A Marcha Global da Marijuana, ou no original Million Marijuana March, teve início em 1999 e decorreu apenas na cidade de Nova Iorque. Nos primeiros cinco anos a Marcha cresceu exponencialmente. Em 2003 eram já 200 as cidades que, um pouco por todo o mundo, aderiam à manifestação pela legalização da canábis. No sexto aniversário do evento, celebrado em 2005, para melhor reflectir o âmbito internacional, a marcha mudou de nome para Global Marijuana March. Este ano, Lisboa aderiu pela primeira vez e foi uma das 204 cidades representativas de todos os continentes. A capital portuguesa faz também parte das 64 cidades já inscritas para o evento em 2007.

Seis de Maio de 2006 ficará para a história do país como o dia da primeira manifestação pró-canábica em terras lusas. Embora tímida, a Marcha Global da Marijuana poderá significar o arranque de um movimento de luta pela legalização da planta. Talvez seja um bom auguro para acabar de vez com a hipocrisia de uma lei que descriminaliza o consumo, mas proíbe o cultivo e o comércio.

“É uma vergonha que se passe mais um ano e não se faça nada”, afirma Pedro Pombeiro, um dos responsáveis pela organização da Marcha em Lisboa. Este foi o mote para uma marcha organizada “em cima do joelho, mas de uma forma responsável”, cujo principal objectivo foi mostrar que em Portugal também existe a preocupação com o tema e vontade de mudar o panorama actual.

Apesar de existir uma espécie de guia de organização da Global March disponível na internet, os organizadores portugueses acabaram por não seguir estes passos, a sua primeira preocupação foi decidir o sítio, com o Largo Camões a surgir como o mais adequado. A fase seguinte foi a divulgação, com a construção de um blog, o envio de comunicados à imprensa e a distribuição de flyers e cartazes. O processo terminou com a elaboração de máscaras de papel para cobrir a face dos que não querem dar a cara. Embora ligados ao Bloco de Esquerda, os organizadores asseguram que se tratou de uma iniciativa própria, sem intervenção do Bloco, com todas as despesas a saírem-lhes do bolso, e afirmam que “a luta pela legalização não é uma luta de partidos, nem de esquerda ou de direita”. São contudo conhecidas as acções do Bloco nesta área, outros tempos houve em que se distribuíram mortalhas por Alfama em plena campanha eleitoral. Quando se confunde liberalização com legalização Pombeiro exalta-se, “não pode haver confusão, o que defendemos é a legalização, sem incentivos nem propaganda, sem marcas e com venda controlada. É o que faz sentido”, conclui. Para o organizador a liberalização, tal como acontece com o álcool ou o tabaco acaba por ser “um incentivo ao consumo”. A falta de coerência do slogan utilizado “Canábis legal como a imperial” salta assim à vista.

Com cerca de uma centena de participantes, a organização mostrouse positivamente surpreendida, pois chegou a pensar que iria ser apenas “um acto simbólico”, “mas o sítio foi bem escolhido e agarrou quem por lá passava”, afirma Pedro referindo que a proximidade do Bairro Alto foi fundamental. Mas se o local foi, por um lado, uma aposta ganha, por outro acabou por atrair as mesmas pessoas de sempre. É que apesar de o consumo de canábis ser transversal na sociedade, atingindo todas as classes económicas e diversas faixas etárias, quem dá a cara são sempre os jovens. Pombeiro explica assim o facto: “São eles que estão menos preocupados em aparecer. Provavelmente ainda não trabalham e por isso não têm receio que o patrão os veja numa manifestação pró-canábica podendo por em risco o emprego”. É que apesar do consumo estar descriminalizado no nosso país, os consumidores são ainda alvo de estigmatizações e repressão por parte do Estado.

“Gostamos que qualquer pessoa, seja ela como for, se assuma”, conclui o organizador, não escondendo, contudo, a vontade de, em próximos eventos chegar a outros sectores da sociedade, nomeadamente a personalidades públicas, artistas e comentadores, bem como à comunidade científica, com trabalhos feitos e publicados sobre o assunto.

Nas palavras de ordem proferidas junto à estátua de Camões, e mais tarde pelas ruas e vielas do Bairro Alto, estiveram o fim da perseguição aos consumidores, o aumento da quantidade considerada para consumo, o acesso imediato ao uso medicinal da canábis e o direito ao cultivo da planta.

Reivindicações que requerem uma maior persuasão, quando organismos como o Órgão Internacional de Controlo de Estupefacientes (OICE) afirma que atribuir à canábis o mesmo estatuto que ao tabaco e ao álcool constituiria um erro histórico, considerando-a uma substância perigosa e um “novo fardo para os sistemas de saúde pública”, como se pode ler no relatório de 27 de Fevereiro de 2002. Na mira do OICE estão países mais liberais nesta matéria, onde além da Espanha, Itália, Luxemburgo e Holanda se inclui Portugal.

a organização mostrou-se positivamente surpreendida

Críticas e sugestões são bem-vindas em portugal.secrets@gmail.com

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