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ROMANCE NO ESCRITÓRIO Husband from 9 to 5 Susan Meier

[Loving The Boss nº 03]

Copyright © 1999 by Harlequin Books S.A. Originalmente publicado em 1999 pela Silhouette Books, divisão da Harlequin Enterprises Limited. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência. Título original: Husband from 9 to 5 Tradução: Carolina Bastos Editor: Janice Florido Chefe de Arte: Ana Suely S. Dobón Paginador: Nair Fernandes da Silva EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Rua Paes Leme, 524 - 10u andar CEP: 05424-010 - São Paulo - Brasil Copyright para a língua portuguesa: 2000 EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Fotocomposição: Editora Nova Cultural Ltda. impressão e acabamento: Gráfica Círculo

Sabrina nº 1135


Memo Para: As Mulheres Solteiras do Escritório De: Mariana Doyle, Esposa Temporária Assunto: Meu casamento de Faz-de-Conta Por três gloriosos dias, eu fui a esposa de John Cavanaugh... ou pelo menos, pensei ser. Uma batida na minha cabeça me fez acreditar que estava casada com o meu tão sonhado chefe, e ele não teve outra escolha a não ser fingir que era meu marido. “Obedecendo a ordens médicas”, ele disse. Mas tenho certeza de que ele gostou das minhas atenções de esposa. Será que posso ter esperanças de ficar com o meu “ex-marido”... depois do expediente?

Digitalização e revisão: Nεζmα☺


FOFOCAS DE ESCRITÓRIO Boatos proliferam sobre Marianne Doyle e seu sexy chefe, John Cavanaugh. A última novidade é que Marianne perdeu a memória e pensa que é casada com o alto executivo... Amigos íntimos dos dois dizem que tudo está parecendo verdadeiro demais para ser mentira...

MENSAGEM MUITO IMPORTANTE Para: Marianne De: Sua mãe Telefonou: Favor chamar Telefonou porque quer vê-la Ligue novamente Quer vê-la Urgente Retornar sua ligação MENSAGEM: Seus pais ouviram rumores de que você está casada com seu chefe e eles querem saber se é verdade — especialmente porque ninguém sabia que você estava namorando Jack Cavanaugh!!!


CAPÍTULO I

— Você não vem? Marianne Doyle deixou de lado a propaganda que estava revisando e olhou para seu chefe, o alto, moreno e charmoso John Cavanaugh, diretor do departamento de publicidade da Barrington Ltda., de pé à porta de sua sala. Com as duas mãos apoiadas no batente, John ocupava todo o espaço. O paletó de seu terno escuro estava aberto, revelando uma gravata lisa e uma camisa branca que envolvia o tórax largo. Seus cabelos escuros estavam um pouco alvoroçados após um dia inteiro de trabalho, e Marianne concluiu que ele apenas os penteara com os dedos. Uma mecha caía-lhe de modo juvenil sobre a testa, realçando os sérios olhos castanhos, cheios de calor. Marianne mal conseguiu conter uma exclamação de admiração. — Sim, já estou indo — ela disse, falando bem devagar para não gaguejar. Diante daquele homem tão sexy, qualquer mulher normal se encantaria. Marianne trabalhava para John fazia mais de quatro anos, e, naquele período, apaixonara-se loucamente. Para ela, John não era apenas atraente. Não! Para Marianne Doyle, John Cavanaugh era perfeito. Só de fitá-lo, ficava com os joelhos trêmulos. Entretanto, nem uma única vez naqueles quatro anos, Marianne constatara que John sentisse o mesmo efeito ao estar com ela. Se fosse para encarar a verdade, teria de admitir que não causava a menor emoção em seu chefe. E era por isso que escondia seus sentimentos com cuidado. John costumava tomar o desjejum, almoçar e jantar com quase todos os funcionários da Barrington. Muitos o consideravam um amigo e confidente. Porém, até aquele momento, Marianne só tivera conversas superficiais com ele. — Num minuto, John, estou indo. Eu queria dar uma última olhada no... — Hum, hum... — Ele se aproximou. Antes que Marianne percebesse o que ia fazer, John puxou a cadeira dela para


trás. Depois, segurou-lhe os braços e obrigou-a a levantar-se. — Falei que ninguém podia trabalhar até mais tarde, hoje. Iremos ao Mahoney's. As bebidas são por minha conta, lembra? — Sim, lembro, claro! — Pegue seu casaco, Marianne. — John se voltou para a saída. — Você tem carro, não tem? Marianne sentiu-se muito tentada a dizer que não, nem que fosse para testar a teoria de todos, que achavam que talvez John nutrisse uma paixão secreta por ela. Se dissesse que não tinha condução própria, sem dúvida ele lhe ofereceria uma carona. Então, teria de levá-la em casa. E então... Marianne meneou a cabeça, achando-se tola. O fato é que tinha um automóvel. Além disto, se o deixasse no estacionamento, não teria como vir trabalhar no dia seguinte. John sabia também que ela dirigia uma pequena BMW branca, um presente de seus pais. Se ele o visse, saberia que Marianne mentira e, assim, tudo ficaria arruinado, pois o honesto e sincero John Cavanaugh jamais se casaria com uma mentirosa. Pouco importava que suas intenções fossem boas. — Tenho, sim, John. Dessa forma, se eu quiser sair mais cedo... — Ninguém fará isso. — John esboçou um grande sorriso. — É uma comemoração! É incrível que tenhamos conseguido programar toda a revista em tempo. Nós merecemos uma noite para relaxar. E será hoje! — Certo. Contudo, amanhã ainda é quinta-feira. Algumas pessoas trabalham melhor depois de oito horas de sono, você sabe. — Apanhou o agasalho e foi ao encontro dele. John fez um gesto para que Marianne o precedesse e depois desligou os interruptores. — Sendo assim, durma à vontade. Não espero encontrar ninguém aqui antes das dez da manhã. — Mas o Sr. Barrington... — ...deu-me total controle sobre este departamento, Marianne. Se ele quiser saber


alguma coisa, virá até mim, e eu explicarei. Chefes são para isso. — John enfatizou suas palavras com um leve tapinha em sua face, e foi nesse momento que Marianne compreendeu que sua fantasia de casar-se com ele não fazia o menor sentido. De súbito, deu-se conta de que aquele gesto personificava como ele se sentia em relação a ela. John tratava-a como se Marianne fosse uma jovenzinha, uma adolescente. Como uma prima mais moça. Suas amigas, tal qual ela própria, não viam isso porque não queriam. No entanto, a verdade não era tão romântica. Após quatro anos de esforços lado a lado, John Cavanaugh ainda a julgava muito jovem. Até para ser sua amiga. Não havia modo de ele a ver como uma igual, muito menos como uma mulher. Como amante, portanto, nem em sonho. Tratando-a como uma garota, John encontrara a forma mais que adequada de dizer que jamais haveria alguma coisa entre eles. Resumindo, Marianne estava sendo rejeitada. Ambos partiram em elevadores diferentes, visto que John retornara a sua sala para apanhar sua pasta. Abatida pelo que descobrira, Marianne caminhou pelo estacionamento em direção à BMW, sem nem ao menos observar o doce perfume de primavera no ar, que era uma característica da cidade de Phoenix, em março. O clima estava ameno, e Marianne não precisou vestir seu pesado casaco, que pendia de seu braço tão desamparado quanto ela mesma. Ao chegar ao automóvel, acomodou-se lá dentro. No piso, viu a caixa que recebera dos pais. Sabia o que tinha nela. Eram fitas de vídeo e cassete. Dominic e Darcy Doyle, bem-sucedidos treinadores esportivos, gurus de executivos, o rei e a rainha da auto-ajuda e de comerciais de informática. Cada vez que os pais de Marianne gravavam uma fita nova, mandavam uma cópia para a filha. E cada vez que lhe mandavam uma fita nova, esperavam que a vida dela desse uma viravolta espetacular. Marianne não tinha coragem de lhes dizer que nem ao menos ouvira o primeiro vídeo que tinham gravado e que lhes rendera um milhão de dólares. Mas ela suspeitava que eles soubessem disso, pois nada mudara para ela, que continuava a ser uma simples


editora auxiliar no departamento de publicidade da Barrington. Era o mesmo emprego desde que deixara a faculdade. Não sabia como explicar para Dominic e Darcy, super motivados e super motivadores, que sua querida filhinha não queria ser a dona do mundo. O que desejava mais que tudo era ser mãe. E, a partir do instante em que vira John Cavanaugh, soubera que sua sorte estava selada. A seta de Cupido acertara bem no meio de seu coração, e ela se apaixonara de imediato por aquele rapaz com o corpo de um deus grego, com a paciência e a compaixão de um santo e a personalidade afável e carinhosa de uma pessoa comum. Bastara um olhar para John para Marianne saber que seus sonhos de um lar e de amor podiam se concretizar. Aquele era o homem por quem tanto esperara, e seu destino era viver com ele. Tinha certeza! Parecia que um filme se desenrolava a sua frente, no qual se via ao lado de John, com cinco filhos. Vislumbrava até mesmo a decoração da casa em que viveriam. Marianne nunca dissera a seus pais que, por ser filha única, sentia-se muito só, e seu maior desejo era constituir uma grande família. Não queria que eles se sentissem culpados. A vontade de alcançar seu objetivo se transformara em uma busca. Se o mundo lá fora ainda precisasse de um líder... bem, depois que tivesse seus cinco filhos freqüentando a faculdade, poderia pensar no assunto das fitas. Mas, por enquanto, pelo menos nos últimos quatro anos, sua alma e cada segundo de sua existência tinham sido embalados pela idéia de casar-se com John Cavanaugh. O único problema era que tinha de reconhecer que fracassara. Na verdade, se a conversa de minutos atrás fosse algum indicador, Marianne teria de encarar o fato de que não fracassara apenas. Nunca chegara nem a estar no páreo. Suspirando, pegou a caixa de fitas e sorriu. Tudo o que seus pais queriam era que fosse feliz. Todavia, para Dominic e Darcy, a felicidade se traduzia em promoções, bens materiais e fama. Preocupavam-se com Marianne, porque ela nunca obtinha uma promoção, vivia em um apartamento alegre, porém, muito pequeno, e seu carro era caro e moderno porque fora presente deles.


Quanto à fama... não tinha nenhuma. Ninguém sabia quem Marianne era. As pessoas não a reconheciam, pois não sabiam que se tratava da filha única dos ricos e famosos Doyle. Aquele era um sobrenome tão comum! Ninguém podia imaginar que Marianne era a única herdeira de uma bela fortuna. Mordendo o lábio, puxou o cordão da tampa e abriu-a. Como imaginara, dentro havia um conjunto de fitas sob o título: A Força do Pensamento, de Dominic e Darcy Doyle. Na foto reluzente e colorida, os dois sorriam para ela. Sem pensar mais, Marianne colocou a fita número um, intitulada Veja e Seja no toca-fitas.

Quando John Cavanaugh entrou no bar pouco iluminado do Mahoney’s, olhou ao redor, a procura de Marianne. Só Deus poderia saber o que tinha dado nela. Fazia duas semanas que se comportava de maneira muito diferente. Havia alguma coisa errada. Depois daqueles anos todos de trabalho, John passara a depender muito de Marianne, e não apenas em relação à edição. Justo quando estava a ponto de pedir-lhe para ocupar a posição de sua assistente pessoal e de dar-lhe controle total sobre certas áreas de seu departamento, algo ocorrera. Parecia que ela não conseguia mais concentrar-se durante as reuniões. Não se mostrava mais tão interessada nos assuntos da empresa. E, naquela tarde, quando John deu a todos a oportunidade de uma folga, ela se isolara e continuara a trabalhar. Algo não estava certo. Ao contrário de todos os demais funcionários, Marianne nunca permitira que ele se aproximasse muito. Como era difícil conquistar sua confiança... Entretanto, naquela noite, isso iria mudar, pois John planejara ficar junto dela, até Marianne se sentir à vontade o suficiente para relaxar e falar sobre o que a incomodava. Então, como um irmão mais velho, a ajudaria a solucionar seu dilema, e tudo ficaria bem outra vez. As seis pessoas que compunham o departamento de publicidade da Barrington já estavam reunidas a uma mesa, num canto, mas John dirigiu-se ao bar e pediu três pizzas, informando que a conta seria dele. Depois, quis uma cerveja, pegou alguns copos e foi ter com os colegas.


— Olá, chefe! — Bryce Patterson ergueu-se, para deixar a cabeceira livre. — Sente-se aqui. — Não, não. Aqui está bem. — John acomodou-se ao lado da recepcionista, Julie Cramer. Julie era alta e morena, e vivia com problemas com o namorado. John, decerto, iria despender alguns minutos dando-lhe conselhos sobre seu relacionamento. Decidiu fazer isso logo, tendo em vista que queria ficar o resto da noite com Marianne. Onde quer que ela estivesse. — A campanha que terminamos hoje foi muito boa. — John interrompeu-se ao escutar a porta se abrir. Espiando sobre o ombro, viu que era um homem com cerca de trinta anos quem entrara. Voltou-se para o grupo outra vez. — Foi quase um milagre terminarmos a revista esta tarde, antes da data limite. O Sr. Barrington vai adorar! — Estou feliz que tenha acabado — confessou Bryce, levantando o copo para um brinde. Os outros concordaram e ergueram os copos também. John tornou a se virar para a entrada, ao senti-la abrindo-se. Duas mulheres entraram, mas nada de Marianne. Onde ela andaria? Saíra na frente dele, com vantagem de dez minutos. Deviam ter tomado o mesmo caminho. Então, como ele chegara antes dela? John estava pronto para concluir que Marianne decidira não se reunir com o grupo, quando ela chegou. A última claridade do dia emoldurou-a. Envolta em luz como estava, John teve a impressão de contemplar um anjo. A luminosidade brilhava em seus cabelos dourados, soltos sobre os ombros, e seus olhos cor de mel faiscavam. John mal podia acreditar que aquela visão etérea, parada ao batente, com um sorriso enigmático, fosse a mesma jovem com quem trabalhava e que, no momento, o preocupava. Marianne estava perfeita. Feliz, saudável, alta, esbelta, linda. Lindíssima! John se levantou e acenou para que ela viesse ao encontro deles. Marianne sorriu de novo, pareceu hesitar, mas depois caminhou em direção a eles.


— Olá, pessoal! — Olá, Marianne! — Bryce puxou a cadeira próxima, para ela se sentar. — Por onde você andava? John não sabia dizer por que estava tão curioso, mas estava. De fato ficara muito satisfeito por Bryce ter feito aquela pergunta. — Fui para casa na hora do almoço para pegar minha correspondência, e havia um pacote, enviado por meus pais. Então, resolvi abri-lo antes de vir para cá. — E o que era? Biscoitos? — Sandy Johnson, a secretária do departamento, riu. — Não. — Marianne aceitou a cerveja que Bryce lhe serviu. — Meus pais não fazem esse gênero. Nunca me mandariam biscoitos. — Qual é o gênero deles, então? — Rick Ingells interessou-se. Segundo o conhecimento de John, Rick era o único membro do grupo que não fazia parte do mesmo departamento. Quem o teria convidado? Diante de seu visível interesse em Marianne, John não ficou muito contente com sua presença. — São do tipo que usa computador, endereço eletrônico, fax... Essas coisas. — Oh! São navegadores da Internet obsessivos! Marianne meneou a cabeça. — Não. Eles acreditam em "de tudo um pouco". — São do exército? Marianne gargalhou. — Não, Bryce. Meus pais são consultores bem-sucedidos. Ajudam as pessoas a modificar suas vidas, para melhor. — Hum! Parece tão monótono... — Julie bocejou. — Eu também pensava assim, até há pouco. Porém, hoje, estou começando a crer que eles estão no caminho certo. — Lançou um olhar receoso em volta e trocou de assunto: — Já pediram uma pizza? Não quero beber de estômago vazio. Apesar da maneira sutil de Marianne mudar de assunto, John percebeu uma certa


tensão. Talvez o problema dela tivesse algo a ver com seus pais. Pelo jeito, devia ter tido um sério desentendimento com eles e, ao receber um presente, começava a perdoá-los. E era por isso que parecia feliz agora. Fazer as pazes com alguém sempre dava uma agradável sensação de alívio. John chegou àquela conclusão e se indagou se ainda convinha ter com Marianne a conversa que ensaiara, e decidiu que manteria sua primeira decisão. Ela era o único membro de sua equipe com quem não tinha um relacionamento mais próximo. A partir daquela noite, estava resolvido, passaria a ser seu amigo íntimo. — Que tal jogarmos um pouco de sinuca, Marianne? — Bryce ofereceu-lhe um taco. — Está bem, por que não? Caminhando ao redor da mesa, Marianne teve muitas oportunidades de olhar para John, sem que ele percebesse. Iria tomar uma grande decisão. Sem seus pais saberem, tinham lhe dado uma idéia que valeria para o resto de seus dias. Após ouvir a fita, Marianne compreendeu que podia usar uma das estratégias deles na profissão ou... fazer uma última tentativa e usá-la para realizar seu sonho mais precioso: casar-se com John Cavanaugh. Tudo o que tinha a fazer agora era usar uma das estratégias de seus pais. Mesmo preocupada como estava com seu problema pessoal, venceu Bryce no jogo com facilidade. Mas Marianne não estava com vontade de jogar sinuca. Queria começar um novo plano de conquista. Quando John se levantou e ofereceu-se para a próxima jogada, ela entregou-lhe o taco, com prazer. Logo em seguida, John concentrou-se na partida com Bryce. Marianne respirou fundo e foi se sentar. Com olhos semi-cerrados, decidiu começar naquele instante a visualizar como queria que tudo fosse. Esse era o primeiro passo. Se a pessoa visualizasse com nitidez aquilo que queria, acabaria acreditando que era possível, e tudo se tornaria real.


Após algum tempo, ela acabou concluindo que, se John fosse notá-la, nunca seria dentro do escritório. Não! Já havia histórias demais lá. Se não a vira como uma mulher desejável até então, nunca veria. Assim, imaginou que ele iria a seu apartamento para deixar uma pasta. Ela abriria a porta, usando apenas um pijama e seu robe de cetim cor-de-rosa. John ficaria pouco à vontade, devido aos trajes dela, o que era natural. Marianne decidiu pular para a cena do convite para saírem juntos para jantar. O restaurante seria sofisticado. Tudo corre bem. Eles riem. Falam sobre assuntos íntimos. Quando entram no carro de John para voltarem para casa, ele a toma nos braços e a beija. Basta o toque dos lábios dele nos dela para inflamá-la e, sem saber como, ambos são arrastados em um redemoinho de paixão. Suas línguas se tocam e as mãos dele roçam seus seios. Marianne achou melhor censurar seus pensamentos a partir dali. Retornou ao momento presente em tempo de ver John caminhando até ela. Colocou a mão sobre seu ombro e, olhando dentro de seus olhos, disse: — Por que nós dois não jogamos um pouco de sinuca? Marianne poderia jurar que seu coração parara de bater. Ele jamais a tocara com aquela intimidade. Se fosse mais crédula, iria pensar que o método de seus pais já o estavam alcançando telepaticamente. Talvez Darcy e Dominic tivessem razão, afinal. Devido ao exercício que acabara de realizar, Marianne começava a ver coisas que sempre tinham estado ali, mas que nunca enxergara porque sua descrença e desesperança impediam-na. Era uma possibilidade. Marianne pigarreou, pronta para aceitar o convite, mas Julie Cramer interrompeuos: — Ah! Eu quero jogar! Naquele momento, o tempo pareceu parar. Marianne olhou para John, que a encarou. No olhar dele, ela teve a certeza de ler uma mensagem que lhe dizia que a noite ainda não acabara para eles. John virou-se para Julie.


— Está bem. Jogaremos uma partida, e depois seremos eu e Marianne. — Como quiser. Marianne resolveu seguir adiante e mentalizou o dia do casamento. Escolheu com muito cuidado o vestido de noiva. Seria de cetim branco, com pequenas pérolas debruando delicados bordados e uma cauda de vários metros de renda italiana a arrastarse pelo chão de mármore da igreja. De que adiantava ter pais milionários, se não pudesse ter um vestido de noiva majestoso? Depois, com sua fértil imaginação, viu John de casaca. Sua camisa branca tinha abotoaduras de ônix preto. Os cabelos castanho-escuros estavam impecáveis. Seus olhos tinham um brilho misterioso que provocavam em Marianne arrepios de excitação, durante toda a cerimônia. A festa seria no bufê mais sofisticado da cidade, e ela deixaria que os pais convidassem quem quisessem. O salão ficaria lotado de convidados, conversando e rindo, mas Marianne e John só teriam olhos um para o outro. — Quer dançar? Apesar de John ter tocado em seu braço muito de leve, Marianne deu um pulo, sobressaltada. — Dançar? — ela repetiu, esforçando-se para sair de seu sonho. Era um perigo, estava começando a misturá-lo com a realidade. — Achei que fôssemos jogar. Ele sorriu, embaraçado. — Perdi a mesa. Dois sujeitos do bar estavam brigando e incomodando, e achei melhor sair de perto. Marianne não pôde evitar um sorriso. Ele ficava tão maravilhoso quando se sentia envergonhado! Eles iriam dançar! Não seria apenas uma boba e pouco romântica partida de sinuca. Marianne não sabia qual era a mágica de visualizar cenas na mente, mas, o que quer que fosse, estava funcionando. Um grande otimismo a invadiu. — Eu adoraria, John. Ele tomou-lhe a mão e guiou-a para o outro lado, mais próximo do som.


Marianne pousou a cabeça no ombro de John, aproveitando o momento. O corpo dele era quente e forte. Tudo o que uma mulher poderia desejar. Se queria continuar a visualizar-se como esposa de John, não havia melhor lugar para isso do que nos braços dele. Nesse instante, teve início uma gritaria. Confusa, Marianne ergueu a cabeça e viu que dois homens à mesa de sinuca berravam obscenidades para um terceiro, ao balcão. Antes que ela pudesse compreender o que estava acontecendo, um deles ergueu o taco e lançou-o no ar, para atingir o adversário. Para Marianne, aquilo parecia acontecer em câmara lenta. Pressentiu que seria atingida e tentou esquivar-se. Mas era tarde demais.


CAPITULO II

O golpe não foi muito forte, mas o homem esbarrou em Marianne, fazendo-a cair de costas no chão e bater com a cabeça na quina de uma mesa. Desesperado, John tentou ampará-la, mas não conseguiu. Em poucos segundos, todos os clientes do restaurante agruparam-se à volta deles. — Meu Deus! Marianne! — John passou os braços em torno dos ombros dela para erguê-la do piso frio. — Marianne! Com todas as atenções voltadas para Marianne, o estranho que causara o incidente escapou, sorrateiro. Se John não estivesse tão preocupado com Marianne, teria corrido atrás dele. Porém, naquele instante seu maior dever era cuidar de sua funcionária desacordada. — Marianne! Ela gemeu de leve e respondeu, com voz fraca: — Estou bem. John nem suspeitou que Marianne havia perdido a consciência por alguns minutos e, quando a ouviu falar, suspirou, aliviado. — Marianne, você pode sentar? — Vou buscar um copo de água — alguém se ofereceu. Um outro disse: — Pegarei uma cadeira. — Obrigado. — Entretanto, John ergueu Marianne sozinho e carregou-a para o assento mais próximo, abrindo caminho entre os curiosos. — O que aconteceu, John? — Houve uma briga, um sujeito a derrubou e você bateu a cabeça. Mas acho que não se machucou nem desmaiou. — Acha que não desmaiei?


— Não. — Aqui está a água. — Um garçom entregou um copo a John, que levou-o aos lábios de Marianne. — Tome isto. Ela bebeu dois pequenos goles e virou o rosto. — Pronto, estou ótima. — Tem certeza? — John parecia receoso. Como o tombo que ela levara não fora muito sério, imaginou que não sofrerá nada grave, mas, mesmo assim, Marianne tinha uma expressão diferente da habitual. — Sim, John. Estou bem. John estreitou os olhos e examinou-a melhor. — Sabe de uma coisa? Pode estar se sentindo bem, mas creio que não deve ir para casa sozinha. Ela o encarou. — Sim, é lógico que posso. Como Marianne soava estranha... Parecia Julie! Por um momento, John teve medo de que a pancada sofrida tivesse transformado sua excelente e competente funcionária em alguém sem muita responsabilidade. Depois de pegar a bolsa de Marianne e pagar a despesa, John conduziu-a para seu carro. Ele a fez entrar e sentar-se, depois correu para verificar se a BMW dela estava trancada, pois teria de ficar no estacionamento a noite toda. Admirou as linhas elegantes do veículo e o interior todo revestido de couro autêntico. Era um pouco estranho que Marianne pudesse ter um automóvel de luxo como aquele, com o salário que recebia. Bem, não era de sua conta. John sentou-se à direção. — Tudo bem com você, Marianne? — Sim, estou ótima.


Ela se expressava com clareza e suas pupilas não estavam dilatadas. Não parecia nauseada. Verificando tudo isso, John concluiu que não sofrerá nenhuma contusão séria. Mas, mesmo assim, não conseguia evitar a impressão de que alguma coisa não estava muito certa. Apenas não sabia o quê. — Ponha o cinto de segurança, Marianne. Ao chegar a um entroncamento da estrada, John se lembrou de que não sabia onde Marianne morava. Virou-se para perguntar-lhe e viu-a dormindo. — Marianne! — chamou, baixinho. Nada. — Marianne! — O quê? "Ao menos não está desmaiada... De qualquer modo, acho melhor cuidar um pouco dessa garota." Mais alguns instantes se seguiram, em silêncio, até que ele passou por um portão e entrou em uma alameda. — Onde estamos, John? — Em minha casa. Está muito cansada, mas, mais do que isso, quero ficar de olho em você para ver se está tudo bem, depois do que houve. Marianne pareceu compreender o raciocínio dele e fez um leve movimento. — Concordo. "Ora, foi fácil!" John conduziu-a pela penumbra da residência até o andar de cima, onde havia quatro suítes, mas o único mobiliado era o seu. Por isso, levou Marianne para lá. Ele dormiria no sofá. Assim que entraram, a fez sentar-se na cama. John sorriu. — O banheiro é aquela porta ali. Vejo você de manhã. Durma bem.


Menos de oito horas mais tarde, beijos suaves despertaram John. Demorou alguns segundos para que descobrisse do que se tratava aquela sensação morna e úmida em sua nuca, mas, assim que compreendeu o que estava acontecendo, ele arregalou os olhos e virou-se, quase derrubando Marianne do sofá. — Marianne! O que está fazendo?! — gritou, lutando para sentar-se. Ela achou graça. — Estou acordando você, seu bobo! — Tentou abraçá-lo. Cada vez mais espantado, John afastou-se dela. — Acho que você está confusa. Dormi a noite toda neste sofá. O rosto dela mostrou-se contraído e preocupado. — Eu sei e não consigo lembrar por quê. Nós brigamos? John a fitou, de queixo caído. Marianne parecia tão inocente e ao mesmo tempo tão segura do que dizia que aumentou ainda mais sua confusão. — Nós não brigamos, Marianne, mas de certa forma nos envolvemos em uma briga no Mahoney's. Você caiu, bateu a cabeça, e eu a trouxe para minha casa. — Claro que tinha de me trazer para cá! Aonde mais poderia me levar? Depois de seis meses de casamento, duvido que meus pais me quisessem de volta. — Marianne levantou-se e foi para a cozinha. John ficou parado por um instante, querendo ter absoluta certeza de que ouvira o que ouvira. Depois, correu atrás dela, alcançando-a do outro lado do balcão. — Escute, espere um minuto! O que foi que você disse? — Que meus pais não aceitam filhas casadas de volta. — Marianne soprou-lhe um beijo com a ponta dos dedos, como se tivessem a maior intimidade. John sentou-se em uma banqueta. Marianne abriu a porta da geladeira. — Ovos? — Não, Marianne, não quero ovos! — John sentiu-se preso em algum lugar entre


um sonho bom e um pesadelo. — Quero é saber do que você está falando. — Lembra o que papai e mamãe falaram sobre o casamento, em suas fitas? John não lembrava, porque nem sequer sabia quem eram os pais dela, mas achou que devia deixá-la explicar a sua maneira, para que pudesse chegar à parte que o interessava. — Sim. — Não me diga que já esqueceu a brincadeira que fizemos durante nossa lua-demel, John! Recorda como eu disse que nossa união tinha de funcionar de qualquer jeito, porque meus pais não aceitariam devolução? John sentiu garras geladas apertarem-lhe o peito. Lua-de-mel? Casamento? O que dera em Marianne? Que conversa era aquela? De pé, ao lado do refrigerador, com as mãos nos quadris e ainda com as roupas da véspera, Marianne parecia tão desapontada e, ao mesmo tempo, tão segura do que dizia, que por um breve instante John temeu que alguma coisa tivesse acontecido com a memória dele. Mas logo lembrou-se que ela é que se acidentara. — Marianne, nós não somos casados. — Ótima piada, John. — Ela passou por ele como um tufão. — Marianne! — John seguiu atrás dela. Segurou-a pelo braço e respirou fundo para se acalmar, pois queria ser gentil. — Você bateu a cabeça ontem à noite. Deve ter afetado alguma coisa, e agora pensa que nos casamos. Mas não é verdade. — Não estou com disposição para suas tolices ou brincadeiras! — Ofendida, encaminhou-se para a escada. — Tenho de me arrumar para ir trabalhar. Trabalho! Deus do céu! John estaria em péssima situação se Marianne fosse para o escritório pensando que eram casados. — Espere, Marianne! Ela parou no meio da escadaria e olhou-o de cima, como uma rainha. — Por quê? Está pronto para se desculpar? John quase disse "não" e começou uma nova série de explicações, mas percebeu


que havia algo mais importante ali. Se não a convencesse de que não eram marido e mulher, também não poderia deixá-la ir ao escritório. — Sim, peço desculpas. Sinto muito. — Deu um casto beijo na testa dela e desejou ser convincente. — Todavia, você não tem de ir trabalhar hoje. Ela ergueu as sobrancelhas, surpresa. — Não? — Não, Marianne. Não lembra que caiu no bar e que concluímos que seria melhor tirar um dia de folga para descansar? — Não, não me lembro de nada disso... "Não diga!" — Foi o que decidimos. Agora, deixe-me passar. Quero usar o banheiro. Vendo Marianne observá-lo com firmeza, com uma expressão de descrença no rosto, John esboçou um sorriso conciliador. — Ou, se quiser ser uma boa esposa, poderia preparar meu café. O semblante dela se iluminou de alegria. — E do que você gostaria, querido? John sentiu-se tentado a dizer "o de sempre" para ver o que ela faria, mas o momento não era para experiência. Precisaria de sorte. Esperava de todo o coração que Marianne voltasse para o quarto depois que ele saísse e, ao acordar, estivesse curada daquele delírio. Pois, se não fosse assim, ele teria sérios problemas. — Que tal alguns ovos e algumas torradas? — Num instante! — E ela desceu os degraus correndo. John tomou sua ducha e vestiu-se tão rápido quanto pôde. Tinha de cuidar de duas coisas naquele dia. Depois de resolvê-las, poderia pedir ajuda.


— Ela pensa que vocês são o quê?! — Que somos casados. Um silêncio sepulcral seguiu a declaração de John. Se um grampo tivesse caído no escritório naquele momento, teria tido o efeito de um trovão. Todos os amigos mais próximos de Marianne estavam reunidos: Patrícia Peel, uma loira de olhos verdes muito claros, assistente do diretor de pessoal, Cindy Cooper, uma morena que ficara noiva de Kyle Prentice, Sophia Shepherd, uma das secretárias, Olívia MacGovern, que se casara fazia pouco com Lucas Hunter, um dos advogados da Barrington, e a contadora Rachel Sinclair. John sabia que, se alguém no mundo pudesse ajudá-lo sobre o que fazer com Marianne, teria de ser uma daquelas mulheres. O único problema era que ninguém dizia uma palavra. — Nosso departamento foi ao Mahoney's ontem para comemorar o fato de termos definido o formato de nossa revista em tempo recorde. Notei que Marianne tinha ficado um pouco distante a noite toda, por isso, depois que todo mundo foi embora, eu a convidei para dançar. Sophia encarou-o. Rachel pigarreou. — Você o quê? — Cindy mostrava-se incrédula. — Convidei-a para dançar. Queria uma chance de conversar com Marianne em particular, mas mal demos um giro e dois sujeitos começaram a brigar. Um deles empurrou Marianne, que caiu ao chão e bateu a cabeça. Outra vez, total quietude. Todos o miravam como se estivesse louco ou mentindo. Ou ambas as coisas. Pouco à vontade, mas sabendo que precisaria dar maiores explicações, John continuou: — Marianne não desmaiou, nem houve nada mais grave, e até afirmou que estava bem. Também não se opôs quando falei que ia levá-la para minha casa. — Por quê? — Só para ter certeza de que ela estaria bem a noite toda, Olívia.


Julie Cramer, que acabava de entrar, ironizou: — Ah! Essa desculpa eu ainda não conhecia! — E tirando uma lata de refrigerante da geladeira, deixou a sala outra vez. — Mas o que deu em você para levá-la para a sua casa? — Ei, Olívia, ela bateu a cabeça! Não queria que Marianne dirigisse. Além disso, ela dormiu antes que eu tivesse tempo de pegar seu endereço. Na ocasião, foi o que me pareceu mais lógico. — Na verdade, parece, sim. — Patrícia se aproximou de John. — Você tem sorte de ter uma reputação tão boa por aqui. Caso contrário, íamos ficar imaginando... — Não imaginem. Ajudem-me. Não sei de onde Marianne tirou essa idéia maluca de que somos casados. Olívia olhou para Rachel, e todas se entreolharam. — Vamos dizer? — Dizer o quê, Sophia? — John perguntou, desconfiado. — Que Marianne é apaixonada por você há anos. — Olívia respirou fundo. — Se ela pensa que está casada com você, deve ser devido a uma combinação da pancada com acordar em sua cama e suas próprias fantasias. — Oh, céus! — John passou as mãos pelos cabelos, temendo ir adiante naquele assunto, pois não sabia se iria gostar do que poderia descobrir. — Está bem. E como vamos tirá-la dessa ilusão? — Seria melhor que você ficasse afastado disso, John — Sophia sugeriu. — Se nós todos fôssemos até lá depois do expediente e explicássemos tudo a Marianne, ela receberia melhor a notícia, vinda de nós. — Marianne pode até recuperar a memória só de nos ver — Rachel acrescentou. — Está certo. — John dirigiu-se à porta. — Encontro vocês no estacionamento às quatro horas.


CAPÍTULO III

— Marianne? Com um sorriso deslumbrante, ela surgiu da cozinha com o ímpeto de um tornado loiro. Usava a mesma roupa, porém, trazia por cima o avental que John utilizava para fazer churrascos. — Querido, você chegou! — Marianne enlaçou-o pelo pescoço e deu-lhe um sonoro beijo na boca. Todos os músculos de John se contraíram, enquanto ele lutava contra a súbita e inesperada reação deliciosa que os lábios dela, macios e úmidos, provocaram. Marianne afastou-se, sorriu para ele e encarou as moças que o acompanhavam. — Ah! Você trouxe minhas amigas! Diante daquilo, John não sabia se ria ou chorava. Marianne reconhecera suas colegas, mas mesmo assim beijara-o, acreditando ainda ser sua esposa. A pior parte daquilo tudo era que não só ele começava a se acostumar com seus beijos, como passava a gostar deles. — Sim, Marianne, trouxe suas amigas porque... — ...porque elas ainda não conhecem nossa casa. — Ela segurou as mãos de Sophia e puxou-a para a sala de estar, parcialmente mobiliada. — Não reparem, queridas. Sabem como é. Estando casados há apenas seis semanas, ainda não tivemos tempo para a decoração. — É assim mesmo... — Obvia disse, com delicadeza, e lançou a John um olhar consternado. Ele segurou o braço de Olívia e manteve-a mais para trás, enquanto Marianne falava sobre seus planos para decorar a sala, que ainda não tinha nem quadros, apenas a mobília sobre um carpete branco. — Entende agora o que eu estava tentando dizer? — Parece que ela é a mesma pessoa, mas com uma vida imaginária dentro da


cabeça. — Olívia franziu o cenho. — Graças a Deus que você vê isso! Por um instante, achei que eu é que era doido. — Nada disso — Rachel cochichou, voltando para trás também. — Marianne acredita no que está dizendo. — Então? O que devo fazer? — Parece-me que tem duas escolhas, John. Faça-a sentar-se e explique toda a verdade ou prepare-se, porque nossa amiga vai gastar rios de dinheiro, decorando seu novo lar. Marianne tem um gosto muito caro e idéias dispendiosas. — Meu Pai! Hoje de manhã, tentei explicar que não éramos casados, mas ela não acreditou e se magoou. — E também nos ver aqui não melhorou nada — Rachel comentou, pessimista. — Você precisa de uma prova. — Olívia ajeitou os cabelos, pensativa. — Ah! Já sei! Marianne está usando as mesmas roupas de ontem. Nós todas sabemos que ela não usa a mesma roupa duas vezes no mês. Imagine se o faria por dois dias seguidos! Tudo de que precisamos é mostrar-lhe que seus trajes não estão aqui. Isso será uma prova de que ela não mora aqui. Talvez seja o suficiente para que se lembre da realidade. — Hum! Parece-me sensato. Pode funcionar, se dissermos a verdade da maneira certa. — E qual é essa maneira? — Rachel olhou para Marianne e sua expressão se entristeceu. — Não importa como diga, pois você vai magoá-la. — John já tentou isso e não adiantou. Acho que uma de nós terá de dar essa explicação. — Eu não poderia, Olívia. — Ora, vamos, Rachel! Terá de ser você ou eu. O modo mais rápido e mais fácil será perguntar-lhe onde estão suas coisas, quando chegarmos à suíte. Não temos tempo de explicar esse plano para as outras. — Está bem... Eu faço a pergunta, e você fica com a parte de convencê-la de que ela não mora aqui.


— E eu direi a Marianne que não somos casados. — John, sentindo-se responsável, queria também ter uma participação naquilo tudo. Seguindo Olívia e Rachel, John acompanhou Marianne para o andar de cima. Quando entraram em seu quarto, pela primeira vez ele reparou como era vazio e sem graça. Nos cinco anos em que vivia ali, considerara errado mexer na ornamentação que tinha começado com sua esposa. Preferia deixar tudo como estava, meio inacabado. E agora, Marianne queria decorar tudo. Sentia-se perturbado. De certa forma, estava recebendo o que merecia por sua longa negligência. Porém, toda vez que pensava em terminar o que Bárbara começara, um forte aperto no coração o impedia. Fazia sentido que Marianne visse naquilo tudo o que aquela residência era: a primeira moradia de recém-casados. Vira a cortina e a colcha do leito que não combinavam e não pensou que fosse por falta de dinheiro, mas sim porque queriam fazer algo especial. Em tudo, notara o início de uma vida a dois. — É um quarto adorável! Tão amplo... — Patrícia olhou para John com um ar perdido de quem não sabia o que dizer. Olívia interveio: — Ah! E que móvel bonito é aquele? — É nosso armário. — Marianne caminhou para ele e abriu a porta. Todas as amigas espiaram para dentro, cheias de expectativa. — Marianne? — Rachel usava um tom mais doce. — Não vejo nenhuma de suas roupas. Onde estão? — Hum... Também não as vejo. — É bem estranho para alguém que se casou há mais de um mês. — Não. Já faz dois meses, Olívia — Marianne corrigiu, confusa. — Ainda há pouco você nos disse que estava casada há seis semanas. — Mas eu queria dizer dois meses, Sophia. — Seus pertences não estão aqui e você não consegue lembrar há quanto tempo


está casada... — Olívia segurou Marianne pelos ombros e conduziu-a para a cama, onde a fez sentar-se. — Isso não se deveria ao fato de você... não estar casada? — Mas eu estou. John teve vontade de pular e contradizê-la. Porém, Marianne virou seus olhos castanho-claros cheios de lágrimas para ele, e John se enterneceu. Seus olhares se encontraram e, por alguns segundos, John não foi capaz de pensar em nada mais que não fosse sua beleza e como Marianne parecia devastada pelo que ouvira. — John — ela implorou com meiguice —, diga a elas que nos casamos. Conte como foi nosso primeiro encontro, quando não conseguíamos ficar com as mãos quietas. Queríamos nos tocar o tempo todo. Sem dar a John chance para responder, virou-se para Olívia. — Você tem de recordar a cerimônia. Pelo menos a cauda de renda de cinco metros do meu vestido de noiva. Todos comentaram tanto! — Vendo que Olívia não respondia, Marianne prosseguiu: — Ninguém pode esquecer assim uma cauda de cinco metros. Marianne se voltou para John outra vez. — Não sei o que está acontecendo aqui, mas, se é uma brincadeira, é muito cruel. John? Depois de balbuciar o nome dele, Marianne cerrou os lábios para não deixá-los tremer. John sofria por ela, e compreendeu que não poderia fazer o que tinha de ser feito. — Está bem, minha querida, eu lamento. — Ele foi para o lado dela e confortou-a. — Foi uma brincadeira de mau gosto. Desculpe-me. Você está certa. Somos casados, sim. Rachel suspirou e Olívia gemeu. Todas se sentaram, sem poder acreditar no que tinham ouvido. — Mas onde estão as minhas roupas?


— Escondi algumas, e as demais ainda estão em seu apartamento. Aquela era, sem dúvida, a coisa mais estúpida que John já fizera, mas não podia suportar olhar para Marianne e vê-la tão infeliz. Perguntou-se se não existia algo errado com ela, por imaginar aquelas coisas, mas por fim achou que lhe causaria mais mal do que bem se a fizesse voltar à realidade. — Irei a sua antiga residência hoje à noite e pegarei todas as coisas de que você precisar, Marianne. Todavia, preciso que me faça um favor. Ela enxugou o pranto e sorriu. — O quê? — Que se deite. Vou chamar um amigo que é médico. Quero que ele a veja só para ter certeza de que não foi ferida com maior gravidade, ontem. — Mas eu me sinto bem! — Sim, mas sua memória está meio... embaralhada, digamos assim. — É. Também acho. — Marianne deitou-se. — Ótimo! — John beijou-lhe a testa e logo pensou que aquilo estava se tornando um hábito. Depois de ter acomodado Marianne e depois que todas as amigas se despediram dela, John as conduziu para o andar de baixo. — Desculpem-me por esta situação. Não pude agüentar ver Marianne naquele estado. Obvia suspirou. — Você está certo quanto à memória dela, John. Será ótimo que um médico venha vê-la. — Meu melhor amigo dos tempos de escola é um clínico geral. Telefonarei para ele do apartamento de Marianne e marcarei um encontro aqui, em uma hora.

— Quer que eu fique com ela, enquanto você sai?


John esboçou um sorriso. — Estava esperando que alguém se oferecesse, Rachel.

A bolsa que Marianne deixara na cozinha continha sua carteira de motorista, com seu endereço e as chaves de sua casa. John pegou-a e, vinte minutos após a saída das amigas, estava lá, revirando as gavetas e o guarda-roupa. Seu primeiro pensamento ao chegar foi que Marianne tivera muito bom gosto na decoração, e também que tinha um excelente tino para aproveitar espaços. A larga janela da sala de estar dava um ar bem arejado ao ambiente. O sofá e duas pequenas cadeiras formavam um gracioso conjunto com os vasos de plantas. Seu quarto não era o típico aposento feminino, cor-de-rosa, com papel florido nas paredes. Em vez disso, era uma mistura entre o clássico e o moderno, nas cores champanhe e branco. Almofadas espalhadas sobre a cama davam um toque colorido. Os dois criadosmudos estavam em perfeita ordem. Nada fora de lugar. John não pôde deixar de comparar sua mansão, malcuidada e quase vazia, com aquele apartamentinho, que, com elegância e carinho, fora transformado em um verdadeiro lar. Depois de retirar duas calças jeans da gaveta, localizou as camisetas, mas não sabia onde encontrar roupas para o trabalho, nem peças íntimas. Então, lembrou que Bárbara sempre guardava essas roupas nas partes mais altas das cômodas, por isso procurou-as lá. Abriu a gaveta de cima e encontrou peças de cetim, macias como nuvens e nas mais variadas cores. Engolindo em seco, começou a retirá-las. Só aquela visão já era suficiente para deixar qualquer homem inquieto. John empurrou tudo para dentro da mala que encontrara no armário. Com gestos rápidos, pegou uma camisola e um robe, que estavam pendurados atrás da porta do banheiro, e três vestidos. Com essa parte do problema resolvida, sentou-se no leito e ligou para Tim, seu amigo médico, mas quem respondeu foi a secretária eletrônica. John deixou o número de


seu celular, pois não queria que o médico ligasse para sua casa e Marianne atendesse. Só Deus sabia o que ela iria dizer. Com os pertences de Marianne, voltou para a mansão.

Quando John estava entrando na garagem, o celular tocou. — É Tim? — perguntou, ansioso. — Sim. Ei, como soube que era eu? — Não sabia. Estava apenas rezando para que fosse. Estou com um problema bem grande e... estranho. — Isso é uma novidade. Já faz bastante tempo que não se mete em encrencas. — Você é muito engraçado! — John saiu do carro e pegou a mala de Marianne. — Não ri de você quando não conseguiu vaga num hotel no Havaí. Não, eu não. Em vez disso, usei toda minha influência e arranjei-lhe um quarto, para que pudesse participar do simpósio, quando muitos médicos tiveram que voltar por falta de acomodações. — Tudo bem, tudo bem! — Tim gargalhou. — Vou parar de brincar com você. Diga, o que aconteceu? — Uma de minhas funcionárias sofreu um acidente ontem à noite e bateu a cabeça. Não chegou a desmaiar, mas, quando chegou a hora de ir embora, achei melhor levá-la para dormir em minha casa, pois fiquei com medo de deixá-la sozinha, depois daquela pancada. — Sim, muito bem. Inventou um jeito novo. Preciso lembrar-me dessa idéia, se surgir uma oportunidade. — Estou falando a verdade! — É mesmo? — Tim pareceu ficar decepcionado. — Que coisa! Está pior do que eu imaginava, John. — Estou bem, Tim. Minha funcionária é que não está. Quero dizer... ela não parece doente. Não sente náuseas, não tem febre, não está paralisada, nem nada. Entretanto, alguma coisa está errada.


Houve uma breve pausa na conversa, o suficiente para John saber que seu amigo Tim parara com as brincadeiras e começava a se comportar como um profissional. — O que quer dizer com "alguma coisa está errada", John? — Ela pensa que somos casados. Tim desatou a rir. — John, pare com isso! Sua vida deve estar muito maçante, mas tenho um compromisso hoje à noite. Se só chamou para fazer piada... — Não é nada disso! E sério, ela pensa que somos casados. Não sei o que fazer. Não posso mandá-la para casa, do jeito que está. Por outro lado, tenho medo de mandála para o hospital, pois isso poderia piorar tudo. — Tudo bem, tudo bem. Espere um instante. Você mora apenas a dez minutos daqui. Quando sair do consultório, passarei por aí. Darei minha opinião como médico e não cobrarei nada. Mas ficará me devendo essa. — Não, acho que isso nos deixará quites. Você estará pagando pelo hotel que lhe consegui em Honolulu. — E John desligou. Quando John entrou, Rachel veio a seu encontro. — Marianne está dormindo. Adormeceu assim que você se foi, e ainda não acordou. John assobiou baixinho. — Não sei se isso é um bom ou mau sinal. — Nem eu... — Pelo menos o médico virá vê-la logo. — Graças a Deus! — Rachel dirigiu-se para a porta. — Gostaria muito de ficar e ajudá-lo, John, mas tenho um compromisso ao qual não posso faltar. — Claro, Rachel. Não há necessidade de que fique, de qualquer modo. — Na verdade, John não queria mais testemunhas para aquela situação absurda. — Amanhã de manhã contarei para você tudo o que o doutor disser.


— Como está a paciente? — Tim quis saber assim que entrou. — Dorme a sono solto. — John o conduziu para a suíte e o deixou a sós com Marianne. Meia hora mais tarde, Tim foi ter com ele. — John? — O que achou de Marianne, Tim? — Ela está bem. — Tim endereçou-lhe um sorriso que ia de orelha a orelha. — Se eu fosse você, ficaria com ela. É uma gracinha, e tem as mais sérias intenções do mundo de torná-lo o homem mais feliz sobre a face da terra. Sabia que Marianne quer cinco filhos? — Tim! — Juro! Em parte, porque acha que você será um excelente pai. E eu concordo com ela. Meu conselho é: fique com Marianne. — Não acho nada disso divertido. Acredite ou não, estou preocupado com aquela garota. — Pois não fique. Os pais dela são Dominic e Darcy Doyle. Eles vendem todo tipo de parafernália para auto-ajuda. A única coisa de que sua amiga se lembra de ontem é que recebeu um pacote com fitas cassete e de vídeo da mãe dela. Eram inéditas, sobre visualização mental. Acho que Marianne estava visualizando você como um excelente pai e marido amoroso, quando levou a pancada. De alguma maneira, fantasia e realidade se misturaram. — Ora, ora... É inacreditável. Mas acho que compreendo. — Ótimo, porque Marianne não está doente. Fisicamente, pareceu-me muito bem. Mental e emocionalmente, também. Acho que a coincidência de se imaginar casada com você e depois acordar sob seu teto e em sua cama criou essa confusão. Já que você tentou algumas coisas racionais para trazer sua memória de volta que não funcionaram, vai ter de esperar até que algo aconteça e a faça ver a verdade. — Está brincando!


— Não! — Tim se dirigiu à saída. — Contudo, acho que tenho uma notícia boa. — Estou desesperado! — Gostaria que você vivesse com Marianne para sempre, mas o que deve fazer é levá-la para a empresa amanhã. Desde que ela bateu a cabeça, está aqui. Deixe-a dormir bem hoje, dê-lhe um bom desjejum, e aposto que a garota estará de volta ao normal assim que chegar no escritório. John suspirou, mais tranqüilo. — Obrigado, Tim. Esqueça o que eu disse sobre o hotel de Honolulu. Eu fico lhe devendo, sim. — Isso é excelente! Adoro quando as pessoas me devem. Faça o que eu digo. Leve-a para o trabalho, e Marianne ficará boa. Os dois se despediram, e John fechou a porta, pensando que seus problemas estavam resolvidos. Todavia, minutos depois de Tim partir, lembrou que estaria levando Marianne a um lugar cheio de amigos e colegas e que, se ela não recordasse, diria para todos que era sua mulher.


CAPÍTULO IV

Dirigindo-se para a cozinha, John viu a mala de Marianne. Por alguns instantes, debateu-se entre deixá-la lá embaixo e entregá-la de manhã, mas pensou que, ao ver suas roupas, ela poderia voltar à vida real. Se Tim estivesse certo ao afirmar que algo familiar poderia trazê-la de volta, talvez desfazer a bagagem a curasse. De fato, o que John tinha de fazer era dar um jeito de Marianne remexer o que era seu naquele instante. Se recuperasse a memória naquela noite, não haveria necessidade de levá-la para a empresa na manhã seguinte. Esperançoso, quase zonzo de tensão, John segurou a alça e subiu a escada. Ao chegar ao quarto, a porta estava fechada, então bateu de leve. Marianne abriu-a, com uma expressão amuada. — O que deu em você, John? Precisa bater na porta de seu próprio quarto? — Não queria perturbá-la, no caso de estar dormindo. — Colocou a mala sobre a cama. — O que está acontecendo? Primeiro, você fez aquela horrível brincadeira, e agora age como se tivesse medo de entrar em sua suíte. — Marianne se aproximou dele e enlaçou-lhe o pescoço. — Se não tivesse certeza do quanto você me ama, iria pensar que estávamos tendo uma crise conjugal, ainda em plena lua-de-mel. Marianne se pôs na ponta dos pés, e seus lábios começaram a roçar os dele. Por fim, beijou-os. John resolveu aceitar o beijo, porque não queria arriscar nada. Mas, de repente, a pressão da boca de Marianne aumentou, seus braços apertaram-no com mais força, seu corpo colou-se ao dele e ela o beijou de uma forma que o fez estremecer. John procurou controlar-se, em vão. Marianne sabia beijar. Nunca teria imaginado tal coisa. Jamais teria pensado em nada sexual com referência a Marianne, a bem da verdade. Afinal, um homem decente não tinha idéias libidinosas sobre suas funcionárias.


Contudo, era impossível resistir. Dominado pelo desejo, John segurou Marianne pela nuca e aprofundou a carícia. Porém, antes que deslizasse as mãos pelos seus sedosos cabelos e que saboreasse por completo sua doçura, seu cérebro deu sinais de reação. O que ele estava fazendo?! John se afastou no mesmo instante em que Marianne deu um passo atrás. Mas, enquanto a expressão dele era uma combinação de remorso pelo lapso moral e surpresa diante da química que se operara entre os dois, a de Marianne era radiante e sorridente. — Vou guardar minhas coisas. — Faça isso — John disse, mas não se moveu. A surpresa deixara-o sem ação. Marianne era uma mulher doce, serena, sensata. Não podia beijar daquela forma, mas agora ele sabia que ela era capaz, sim. Também descobrira que jamais voltaria a olhar para ela da mesma maneira. Até duvidava que conseguiria permanecer na mesma sala com Marianne sem se lembrar daquele maravilhoso, apaixonado e surpreendente beijo. Marianne caminhou para o leito, onde John colocara sua bagagem. Ele respirou fundo. Não havia nenhuma decisão a tomar naquele momento. Era um profissional. Precisava ser capaz de ficar perto de Marianne enquanto trabalhassem juntos. E ficaria! — Oh! — Marianne exclamou, aborrecida. — O que você fez? Tinha escondido todas as minhas roupas íntimas em meu apartamento velho? Meu Deus, se eu não tivesse descoberto sua brincadeira, não poderia nem me trocar. Que vergonha, John! — Desculpe-me... Marianne continuou mexendo na mala e, de repente, gritou, olhando para ele. — Ei, espere um minuto! — Sim? — John a encarou, cheio de expectativa. — Acabei de recordar. — Olhou ao redor, como se visse o quarto pela primeira vez. John parou de respirar.


— Não tomei banho, de manhã. Devo ter esquecido. Que coisa estranha... — Começou a desabotoar a blusa. — Ah! É mesmo... Depois que você me mandou de volta para cá, dormi até meio-dia. Quando me levantei, preparei alguma coisa para comer e depois comecei a limpar a cozinha. As coisas estavam bastante empoeiradas por aqui. Precisamos programar melhor os dias de limpeza. Marianne desabotoava o último botão. A renda do sutiã estava visível. — Sim, acho que tem razão. — John se dirigiu à porta. — Talvez precisemos controlar melhor a faxina. Marianne assentiu, de costas para ele e, movendo-se um pouco, colocou-se de novo no meio do caminho. — Não me importo muito com a poeira, mas detesto teias de aranha. John não sabia o que fazer para sair dali. Que terrível embrulhada! Se tal coisa tivesse acontecido com um de seus amigos, ele teria rido muito. Se não conseguisse sair logo daquela situação ridícula, seu relacionamento profissional com Marianne estaria arruinado para sempre. Até aquele momento, nada muito sério tinha acontecido... a não ser aquele beijo maravilhoso. Mas ele o esqueceria, pois, afinal de contas, antes, de mais nada, era um profissional. Porém, precisava sair daquela suíte. Tentou mais uma vez, mas Marianne ficou de novo a sua frente. — Está bem, John. Então, de agora em diante, você cozinha e eu faço a limpeza. Eu lavo a roupa, e você dobra e guarda tudo. Por alguns segundos, John ficou imóvel de espanto, confuso com o fato de a memória dela ser tão clara para detalhes de uma vida que nunca existira. Ele não sabia nada sobre os pais de Marianne, muito menos o que eles ensinavam em suas fitas comerciais, mas devia ser algo que deixava seus ouvintes com uma memória cheia de fantasias. — Você passa o aspirador de pó no carpete, e eu espano o pó. — Marianne se pôs a abrir o zíper da calça comprida. — Marianne, meu bem, você pode me deixar passar?


— Que estranho! Se estou encarregada de retirar a poeira, tenho sido bastante negligente. Ao dizer isso, Marianne puxou a calça para baixo. Como ainda não tinha tirado a blusa, tudo o que John viu foram suas pernas. Ele tinha a impressão de que ela estava fazendo uma coreografia. Devagar, com método, Marianne revelava centímetro por centímetro de coxas e pernas perfeitas, até que a peça caiu, envolvendo-lhe os pés. Depois, ela desvencilhou-se. John meneou a cabeça. — É isso, Marianne. Tenho de ir... — Parou ao vê-la voltar-se e olhá-lo com uma expressão confusa e magoada, como se o que ele tinha dito fosse ofensivo. — Para a cozinha — improvisou, com um sorriso, para animá-la. Então, segurando-lhe os ombros, afastou-a de perto da porta, deixando o caminho livre. — Acho que tem alguma coisa queimando.

Ao chegar à cozinha, John deu um profundo suspiro de alívio. Na verdade, escapara por pouco, mas soubera contornar a situação. Quando levasse Marianne para o escritório, ela voltaria ao normal e toda a sua antiga vida também. Tudo que precisava era atravessar aquela noite. E como seria? E se ela esperasse que fossem dormir na mesma cama, por crer que eram recém-casados? Evidente que Marianne devia estar esperando por isso. Com um gemido, John se sentou num banco diante do balcão de refeições e escondeu o rosto entre as mãos, tentando descobrir um modo de evitar tal provação. Contudo, antes de encontrar uma solução, Marianne aproximou-se por trás dele e apertou-o em seus braços. — Meu querido, precisaremos nos deitar cedo, porque amanhã iremos trabalhar. — E começou a beijar-lhe a nuca. — Marianne, tem certeza de que é uma boa idéia nós dormirmos juntos esta noite? — Do que está falando, meu bem? — Ontem você sofreu um acidente, e Tim não quer que faça nenhum esforço


físico. Para total espanto de John, ela desandou a rir. — O que deu em você? Nunca foi cheio de histórias comigo, antes. Por que não diz logo que não podemos fazer sexo hoje? John pigarreou. Um enorme embaraço tomou conta dele. — Tudo bem. O dr. O'Brien disse que não seria bom. Marianne estalou a língua várias vezes como sinal de reprovação, depois inclinouse sobre ele e deu-lhe um beijo sonoro. — Minha mãe costumava dizer que o que se passa entre um homem e uma mulher na intimidade de seu quarto é válido e correto. Será que Tim sabe como fazemos tantos "esforços físicos"? Os lábios dela curvaram-se de maneira sedutora. Marianne olhou-o dentro dos olhos, e John engoliu com dificuldade. Esforços físicos! Ficou assombrado com os detalhes das fantasias de Marianne, mas naquele momento as dele é que o preocupavam. Em menos de vinte e quatro horas, Marianne deixara de ser sua doce e eficiente auxiliar e transformara-se numa criatura sexy e perigosa, que o deixava sem fôlego. E ele ainda teria de dormir com ela... — Está bem, Marianne. Admito que Tim não quer que eu durma com você, porque não deseja que corra nenhum risco de que se machuque de novo. Era uma mentira pura e simples, mas tinha um propósito. Marianne jamais o perdoaria quando voltasse à realidade e o visse debaixo de seus lençóis. — Por isso, vou ficar no sofá.


CAPÍTULO V

Muito lento, John manobrava o carro no estacionamento da Barrington. Marianne falara sem parar durante todo o trajeto para o trabalho, mas ele não se concentrara no que ela dizia. Morria de medo que não recuperasse a memória e saísse contando para todos que eram casados. No entanto, não tinha alternativa a não ser levá-la para o escritório. Marianne precisava ficar no meio de amigos e coisas familiares. E, acima de tudo, vê-lo em suas funções de diretor. Tim não dissera nada a respeito, mas John concluíra por si só. Acreditava que, assim que Marianne o visse como seu chefe e não como marido, cairia em si e tudo voltaria ao normal. Como uma autêntica mulher casada, contudo, Marianne nem esperou que John lhe abrisse a porta do automóvel. Em vez disso, muito ágil, foi ao encontro dele na frente do veículo. Juntos, caminharam em direção da entrada principal, e ela sorria e acenava para todos que encontrava. Ao seguirem pelo largo corredor que conduzia ao elevador, John tinha a sensação de que todos os olhares voltavam-se para eles. Marianne notou o nervosismo de John. — O que há de errado com você, hoje? — Estou apenas cansado. — Ninguém mandou que dormisse no sofá. — Foi o que Tim recomendou. — Está bem. À noite, vou compensá-lo por isso. — Marianne ficou na ponta dos pés, beijou-o no rosto e entrou em sua sala. John sentiu o sangue subir-lhe às faces. Mortificado, olhou ao redor, mas a única


pessoa que viu a cena foi Sandy Johnson. — Ela estava me agradecendo pela carona. Sandy, não atenderei a nenhum telefonema esta manhã. Nenhum! — E, com passos largos, entrou em seu escritório e bateu a porta com força. Não sabia por que estava tão irritado. Na verdade, pouco se importava que as funcionárias falassem a seu respeito. Queria que Marianne se recuperasse e, para isso, ela precisava estar ali e ser estimulada. Então, por que tinha a impressão de que deixar Marianne sozinha fora um grande erro? John sentia todos os nervos tensos. Jogou a pasta dentro do armário e correu para fora outra vez. Queria que Marianne voltasse à realidade, mas não iria abandonar tudo ao acaso. Pelo menos, queria controlar os danos. Ao chegar à sala dela, para sua surpresa, encontrou-a fechada. Pela parte de vidro que ficava acima, pôde vê-la trabalhando, tranqüila, diante do computador. Riu consigo mesmo e comparou-se a um pai que vai espiar se o filho está bem. Sandy viu-o espiando e ergueu as sobrancelhas, curiosa. — Marianne anda um pouco deprimida. Estava checando. — John sorriu. Sandy retribuiu o sorriso, mas lançou-lhe um olhar desconfiado, como se não tivesse acreditado no que ouvira. John percebeu e tornou a se fechar em seu escritório. Não tinha mais idade para aquele tipo de situação.

— Então, como se sente? Marianne ergueu os olhos da tela. — Ótima. Creio que já está na hora de você e todos os outros pararem de me perguntar como estou, John. Começo a pensar que o Dr. O'Brien lhe disse que vou morrer em dois dias ou coisa assim. Foi isso? — Não, não! — John encostou-se na mesa dela, para ficar mais confortável. — Na verdade, Tim falou que você é maravilhosa. E também que trabalhar seria bom para você.


Teve um bom dia? John pedira a todas as colegas de Marianne para irem até ela, numa tentativa de fazê-la lembrar. — John, o dia está apenas na metade. — Sei disso, mas estou apenas checando para ver se você... precisa de alguma ajuda. John passara toda a manhã entre seu escritório e o dela, tentando vislumbrar alguma mudança na situação. Mas nada. Ao contrário, Marianne não saíra da saleta e apenas se levantara para receber algumas visitas que o próprio John mandara, para estimular-lhe a memória. — Ajudar-me em quê? A ser mais rápida? Não, John. Já lhe falei várias vezes que não gosto de me apressar neste tipo de serviço. Esta é uma área que conheço melhor que você, embora seja o chefe, por isso deixe-me continuar a minha maneira. — Tem razão. — John sentia-se abatido por ver destruída sua maior esperança. Ela sabia que ele era seu superior, mas isso não fizera a menor diferença, bem como a empresa e suas colegas. E aquele momento, apesar de ciente de seus respectivos papéis na Barrington, também nada alterava. Aquela tentativa fracassara. Tim se enganara. — Então, o que está havendo? Ah! É isso! É minha vez de pagar o almoço. Esqueci que temos esse costume. Uma vez pago eu, outra, você. Está bem. Vamos? — Marianne pegou a bolsa. Ele franziu o cenho. Nunca imaginara que Marianne pudesse ser tão imaginativa, mas também nem em sonhos poderia supor que ela beijasse tão bem. Era inacreditável que tivesse prestado tão pouca atenção a sua auxiliar, a ponto de não saber nada a seu respeito. Embora faltassem quinze minutos para o meio-dia, John achou que não era má idéia ir embora. Trazer Marianne ao ambiente de trabalho não fora um erro, e sim uma experiência que não dera certo. Agora, tinha de levá-la de volta a casa, antes que ela dissesse alguma coisa comprometedora. Era melhor encerrar o expediente na hora do


almoço.

Ele não se preocupou em saber se o tinham visto sair ao lado dela. Ambos pararam para esperar o elevador. Marianne estava muito calada. Enfim, John encontrava um momento de paz e tranqüilidade para refletir. Ela não se recuperara, mas, pelo menos, não dissera ou fizera que o embaraçasse. Foi então que viu o Sr. Barrington, o presidente da empresa, aproximar-se. Para seu alívio, o elevador chegou, e John empurrou Marianne para dentro. Entretanto, pôde ouvir o Sr. Barrington chamar: — John, por favor, segure a porta para mim! John praguejou, no íntimo, mas obedeceu. — Meus parabéns pela revista — Rex Barrington II cumprimentou-os, olhando de um para o outro. Usava um terno preto convencional com uma gravata cinza, mas em seus olhos verdes havia um brilho de camaradagem. — Ouvi dizer que acabaram tudo em tempo recorde. — Sim, é verdade. — John se orgulhava de seu departamento. — Trabalho com uma ótima equipe. — Com toda certeza. — John é muito leal a seus funcionários. — Marianne sorria. — Sempre dá o crédito aos outros, quando o mérito é dele. — Cinqüenta por cento é verdade — o Sr. Barrington corrigiu, alegre. — Um diretor de departamento se sai tão bem quanto a equipe que ele formou. E além disso, sei que John a tem em alta conta. — É mesmo? A conversa parecia tão normal que John se assustou quando ela acrescentou: — Bem, acho que todo mundo espera que um homem só vá dizer coisas boas sobre sua...


Sabendo que Marianne ia dizer "esposa", John quase tapou-lhe a boca com a mão. Mas, em vez disso, continuou por ela: — ...seu braço direito. Espera-se que um homem diga as melhores coisas sobre seu braço direito, a pessoa que mais o ajuda. Marianne é isso, sem dúvida. Por fim, o elevador chegou ao térreo. O Sr. Barrington fez Marianne sair a sua frente, e ela sorriu. — Sabe, Sr. Barrington, nós nunca o convidamos para jantar. — Não — ele respondeu, meio confuso. — Não convidaram. De novo, sem se dar tempo para entrar em pânico, John segurou-a pelo braço. — Marianne, lá está o toalete. Não quer se retocar, antes de irmos? Ela aquiesceu com a cabeça. — Está bem. Volto em um minuto. E falei a sério quanto ao jantar, Sr. Barrington. Entrarei em contato com sua secretária. Assim que Marianne saiu, John virou-se para o patrão. — O pessoal do nosso departamento costuma se reunir para jantar uma vez por mês. Ou então, temos uma noitada, como a desta quarta-feira — explicou, rápido. — Para celebrar nosso sucesso, fomos todos ao Mahoney's. Compramos algumas pizzas e garrafas de vinho e cerveja. — Ah! Agora estou entendendo, John... e também compreendo por que você tem os mais confiáveis auxiliares da empresa e por que eles trabalham tanto. Gostaria de ver uma dessas reuniões, sim. — Como Marianne disse, ficaríamos muito contentes com sua presença. — Tudo bem. — Rex consultou o relógio. — Gostaria muito que Marianne falasse com a minha secretária e a avisasse sobre o próximo jantar de seu departamento. Estarei lá. John sorriu e observou o presidente da Barrington deixar o edifício e caminhar para seu Mercedes Benz, onde um motorista o aguardava. Assim que o carro partiu, ele se encostou na parede, exausto.


— Acho que você deveria tirar mais uma tarde de folga. O olhar de Marianne afastou-se do prato de salada. — Mas meus gráficos estão com duas semanas de atraso! — Acontece que está muito pálida, não deve se esforçar — John retrucou, com tato. — Lembre-se que Tim pediu para você não se exceder. — Meus Deus! Quem o escutar vai achar que estou grávida ou sei lá o quê. John arregalou os olhos, horrorizado. E se ela... Aquilo era algo com que não contara. — Mas você não está, não é? — Não, bobinho. — Marianne riu. — Se estivesse, você seria a primeira pessoa a saber, não é mesmo? — É claro... Quando, na outra noite, nossas amigas foram nos visitar, pensei que já estava na hora de comprar algumas coisas para a casa. — Temos muito tempo para isso, querido. As garotas entenderam que não podemos decorar um imóvel daquele tamanho em seis semanas. — Não, mas seria muito bom termos pelo menos cortinas na sala de estar. — Ah! Acho que está se referindo aos acabamentos para as janelas. — Os olhos dela brilhavam de excitação. — Isso é a mesma coisa que cortinas? — Um pouco mais sofisticado. E talvez um pouco mais caro. — Marianne, não precisamos nos preocupar com dinheiro. — De imediato, John se deu conta de seu erro. Estivera fazendo o jogo dela e se comportando como se fossem mesmo casados. Porém, era tarde. — Meça as janelas, veja o que combina com o carpete, faça o que for preciso para tornar as janelas bonitas. Depois, pode comprar o que for necessário. — Ótimo! Mas eu tenho também...


— O que quer que seja, sei que pode esperar um pouco. Naquele instante, John viu Sophia caminhando para o caixa para pagar sua conta. — Desculpe-me um momento, sim, querida? — Tudo bem. — Sophia? — John chamou-a. Ela voltou-se para ele. — Olá, John, o que está fazendo aqui? — Eu e Marianne estamos almoçando. Sophia espiou Marianne por cima do ombro de John e piscou um olho para ele. — Ela ainda acha que está casada com você, não é? — Sim. E planeja uma família também. — Hum... —- Passei um mau pedaço com o Sr. Barrington, antes do almoço. Falei a ela que podia comprar novas cortinas para nossa... minha sala de estar. Parece que Marianne adora se ocupar com ornamentação. Os gráficos dela podem esperar. — Fez uma pausa e suspirou. — Contudo, não posso deixá-la fazer compras sozinha. — Está bem. Entendi. Dê-me seu cartão de crédito. — Sophia estendeu a mão. — No entanto, vai ter de explicar para o resto do pessoal por que estou saindo mais cedo. — Direi que você saiu para mim, para um projeto especial. — Qual é seu limite de crédito? — Mais alto que seu salário anual. — Ora! Acho que eu e Marianne vamos ter uma tarde maravilhosa. John não tinha dúvidas quanto a isso.

Alguns minutos mais tarde, ao ver Marianne e Sophia se afastarem juntas, John


disse a si mesmo que não se importava nem um pouco em gastar com as cortinas. Pelo menos, teria uma tarde inteira para trabalhar em paz. Não precisava se preocupar com o que Marianne podia dizer e para quem diria. O dia seguinte seria sábado, portanto, não precisaria inventar nenhuma desculpa para não trazê-la para o serviço. Eles poderiam passar o dia todo na mansão e, quem sabe, talvez alguma coisa acontecesse e ela voltasse ao normal. Satisfeito, saiu para o suave sol da tarde, mas logo em seguida um pensamento o fez parar no meio da rua. O dia seguinte seria um sábado, e eles poderiam ficar o dia inteiro em casa. Iriam passar todo o fim de semana juntos. Dois longos dias, quietos, na intimidade, com uma mulher que acreditava ser sua esposa e que o beijava como se fossem amantes fazia anos. John não sabia se sobreviveria a isso.


CAPÍTULO VI

John sabia que Marianne seria capaz de rir de toda aquela confusão quando recuperasse a memória, contanto que nada acontecesse entre eles. Para escapar daquela terrível situação, mais uma vez ele recorreu à desculpa de que o médico não queria que eles dormissem juntos, por enquanto. Mas aquele pensamento trouxe uma outra dimensão ao problema. À noite, deitado em seu velho e desbotado sofá, se deu conta de que quanto mais aquilo durasse, maior seria o embaraço de Marianne quando aquela loucura passasse. Precisava a todo custo manter a situação sob controle.

Preocupado com Marianne, John não conseguiu dormir até as duas horas da madrugada, e por isso não foi surpresa quando acordou na manhã seguinte e a viu de pé. Como ele estava sonolento e, portanto, despreparado para o assalto a seus sentidos, estremeceu, alarmado, com os inesperados beijos em sua nuca. E, mais uma vez, recuou no sofá para escapar dos braços amorosos. — John, o que há de errado com você? — Eu... estava tendo um pesadelo — ele disse, contente por ter conseguido improvisar alguma coisa que o justificasse e não ferisse os sentimentos dela. — Pobre querido! Venha cá. Vou ajudá-lo a esquecer o sonho ruim. — Para falar a verdade, Marianne, depois de dormir neste sofá de molas soltas, achei que, já que você escolheu cortinas para a sala, talvez fosse uma boa idéia comprar mobília nova, também. Qualquer coisa de bom gosto, como o que você tem em seu apartamento, por exemplo. — Sim, tem razão. — Vamos até lá. — Agora? — Neste instante. Se quiser comer algo, faça-o enquanto tomo banho.


John já ia saindo, quando Marianne o deteve. — Por que vamos a meu apartamento? — Para termos idéias sobre decoração. Veremos o que você possui e faremos uma lista para não comprarmos coisas erradas. "Se não puder convencê-la, vou confundi-la", John decidiu ao deixar Marianne para trás. Com a nova decisão, John sentiu-se cheio de energia. Era bastante provável que, afinal, ela recordasse tudo desde o princípio ao se ver de novo em seu próprio lar. Tomou uma ducha fria e vestiu-se depressa.

— Você se lembra de ter levado um tombo quarta-feira à noite? — John indagou, assim que entraram no carro. Marianne fez que sim. — Nós estávamos no Mahoney's porque todo o nosso departamento foi celebrar a finalização da revista. — Eu me lembro, John. Até ali, tudo bem. — Como você bateu a cabeça ao cair, eu não deixei que dirigisse para casa. Isso quer dizer que seu carro ainda está no estacionamento do Mahoney's. Estamos indo lá para pegá-lo. — Certo. — Sente-se bem o suficiente para dirigir, não é mesmo? — Sim, John. — Ela achou graça. — Estou ótima. Tenho certeza de que até o Dr. O'Brien diria isso. Fico feliz em ver como você é cuidadoso comigo, mas não é necessário exagerar. Como era sábado, não havia nenhum automóvel estacionado perto da BMW de Marianne.


— Lá está ele. — John prendeu a respiração, ansioso, à espera da reação dela. Por instantes, Marianne contemplou o carro e depois, com um suspiro cansado, voltou-se para ele: — Planejamos mal, não é mesmo? Devíamos ter pegado minha BMW quando vim para casa. — Por quê? — Porque agora teremos de levar os dois carros para as compras. — Não. Podemos deixar o seu em seu prédio. — É mesmo. — Marianne beijou-lhe o rosto, saiu do automóvel e encaminhou-se para a BMW. Admirado com sua capacidade de pensar em pequenos detalhes, mas incapaz de lembrar-se do mais importante, John observou-a retirar as chaves de dentro da bolsa e entrar no luxuoso veículo, como se não houvesse nada estranho. Aborrecido, mas preocupado demais com seu bem-estar para pressioná-la, ele pôs a cabeça para fora da janela e gritou: — Siga-me, Marianne. Ela aquiesceu, sorridente.

— É meio roxo, Marianne. — Não. É vinho. Faria um belo contraste com o carpete branco e com a mobília clara da sala de jantar. Vamos levar este também. John observou o sofá, um tanto cético. Tinha de admitir que gostava, porém. Já tinham comprado um confortável jogo de poltronas para a saleta íntima. Adquiriram lustres, escolheram tapetes e quadros. Afinal, Marianne resolvera não utilizar quase nada de seu apartamento, pois julgou que nada combinava com seu novo lar. Em quatro horas, ela fizera as compras que transformariam a mansão de John em


um lugar muito aconchegante. Se ele não pusesse um fim naquilo, nunca mais conseguiria entrar em nenhum cômodo sem lembrar-se dela. Marianne foi chamar o vendedor e voltou com ele. — Querido, você tem de assinar a nota do cartão de crédito. — Sra. Cavanaugh — o vendedor disse —, a senhora pode assinar. De repente, John se deu conta de que ela não podia, não. Marianne Cavanaugh não existia. — Eu faço isso. — John se voltou para Marianne assim que o rapaz se afastou. — Acho que já está na hora de irmos embora. — Já? Não me diga que atingimos seu limite de crédito! John riu. Marianne tinha esse dom. Como pudera viver sem aquilo por tantos anos? — Não, Marianne, ainda não gastei tudo o que podia. Contudo, vamos ter de enfrentar muitas entregas na quinta-feira. Será uma loucura. — Marianne? Marianne, é você? John virou-se a tempo de ver um elegante casal de meia-idade que quase corria para vir ao encontro de Marianne. — April? Don? — Marianne balbuciou, parecendo confusa. — O que está fazendo por aqui? — Don envolveu-a em seus longos braços. — Eu e John estamos comprando mobília nova. E vocês? — Estamos decorando nossa sala íntima. — April lançou um olhar crítico para John. — Quem é? — É John... John, estes são os maiores amigos de meus pais, April e Don Jenkins. Ao apertar as mãos do casal, John sentiu gotas de transpiração em sua testa. Não sabia bem por quê, mas estava temeroso. Marianne apenas o apresentara como "John", sem maiores explicações. No entanto, as pálidas íris azuis de April diziam que aquilo apenas não era suficiente.


— E John é... —...o chefe dela — John afirmou. —...meu marido. April ergueu as sobrancelhas. Don parecia engasgar-se. — Você se casou? — Sim, April, há seis semanas. — Casou-se secretamente? — De jeito nenhum, April. Tivemos a maior festa que já houve nesta cidade. Por um tempo, April ficou de olhos fixos em Marianne e depois disse, com frieza: — Parabéns! John nunca se sentira tão desconfortável em sua vida. Sabia o que havia de errado naquela conversa. Se Marianne imaginava que tinham tido uma comemoração grandiosa, também devia achar que os maiores amigos de seus pais tinham comparecido ou, pelo menos, sido convidados. Mas não acontecera nem uma coisa nem outra. Don foi o primeiro a se recobrar. — Vamos, April. É melhor continuarmos com nossas compras. Foi um prazer conhecê-lo, John. — O prazer foi meu, Don. John os observou afastarem-se. Ia sugerir que Marianne escolhesse mais coisas para a casa, e enquanto ela estivesse absorvida nesta tarefa, procuraria o casal Jenkins e explicaria o que estava acontecendo. — Sabe de uma coisa, Marianne? Acho que devemos escolher a mobília do quarto também. — Não, acho que por hoje, chega. — Por que não? Temos três suítes vazias. Transformaremos uma delas em quarto de hóspedes.


Marianne suspirou e, quando o fitou, John pôde constatar que estava cansada. — Podemos ter três quartos vazios, mas, se eu não for para casa logo, vou desmaiar aqui. — Está com dor de cabeça? Ficou enjoada? — Não, só meio zonza. Por algum estranho motivo, John não acreditou naquilo. Havia algo mais. Talvez seu sexto sentido tivesse se desenvolvido naqueles dias. Ou talvez soubesse que Marianne não era do tipo de se queixar. — Vou chamar Tim, quando chegarmos em casa. Quero que ele a examine outra vez. Marianne sorriu e começou a caminhar. — Combinado! Vou perguntar a ele quando poderemos dormir juntos outra vez. — É chantagem? — Não. Mas se trata de uma questão importante, não acha?


CAPÍTULO VII

— Quero que você considere isso um favor pessoal. Tim fez uma careta. Seus olhos verdes o fitaram, matreiros. — Vamos ver, John. Se fizer um favor pessoal a você, me sentirei benevolente. Se usar minha autoridade médica, poderei me divertir a sua custa, dizendo a sua doce "esposa" que vocês já podem dormir juntos. Estamos num impasse... — Não há impasse algum. Marianne não é minha mulher. Quando ela recuperar a memória e descobrir que dormimos juntos, ficará envergonhadíssima e pensará que sou um mau-caráter. Já se divertiu o suficiente, Tim, e admito que já ri muito de você também. Mas, desta vez, não é só de mim que estará rindo. Marianne é adorável, e uma coisa dessas será muito humilhante para ela. Tim ficou sério. — Perdoe-me. Você tem razão. Mas é que já faz tanto tempo que vive sozinho... Cinco longos anos. Sei o que anda fazendo. Quer levar sua vida da forma mais descomplicada possível para não se ferir outra vez. Mas, John... — Não banque o terapeuta comigo. Estou muito bem. Não está aqui por mim, meu amigo, e sim para ver Marianne. Enquanto fazíamos compras, ela teve uma tontura. Para falar a verdade, achei que estava prestes a recuperar a memória. Talvez o encontro com o casal amigo de seus pais tivesse mexido com Marianne. Não sentira enjôo, nem dor, mas ficara bastante confusa. — O que o faz pensar assim? — Já aconteceu antes, Tim. Hoje de manhã, eu disse que queria decorar minha sala de estar igual à dela. Marianne começou a pensar nessa possibilidade, e eu notei que seu olhar ficou muito diferente. Fiz de conta que não notei. — A tontura deve ser resultado da perda de memória. — Não entendo nada disso... — Eu também não. Não sou psiquiatra, nem neurologista. Sou apenas um médico


do interior. — Não creio que Marianne precise de psiquiatra ou neurologista, agora. No momento, acho que necessita de alguém que lhe dê apoio e não a confunda mais ainda. — John, não sei... Esse tipo de coisa foge tanto de minha área! Sei que faz apenas três dias, mas se Marianne continuar assim até amanhã de tarde, avise-me, e marcarei uma consulta com um colega meu, um especialista. John suspirou, resignado. — Sim, acho que você está certo. — Claro que estou. — Tim abriu a porta do quarto. Avistou Marianne sentada na cama de John, com um pijama de cetim vermelho. — Viu, John? Dormi um pouquinho e fiquei ótima. Eu disse que não havia nada com que se preocupar. John segurou a mão que Marianne lhe estendia e acomodou-se ao lado dela. — John me contou que você já teve uma tontura antes, Marianne. — Sim, doutor. — Você não parece estar muito impressionada com isto. — Porque elas vem e vão bem rápido. Nem preciso me sentar. Apenas concentrome no que estou fazendo, e a tontura passa. — O que quer dizer com concentrar-se no que está fazendo? Marianne fez uma careta, incerta. — Sei que isso vai parecer estranho, mas às vezes parece que tenho de lembrar a mim mesma quem eu sou, onde estou e o que faço. Tim olhou para John. — Quantas vezes se sentiu assim, Marianne? — Poucas vezes. Talvez quatro. — Está bem. Já ouvi bastante. Marianne, fisicamente você está ótima. Todavia,


embora eu não seja neurologista, posso adiantar que o fato de, às vezes, ficar em dúvida sobre si... Há mais coisa aí do que se pensa. Assim, segunda-feira de manhã vou marcar uma consulta com um amigo meu. — Outro médico? — Um especialista — John disse, com suavidade, não querendo usar a palavra "psiquiatra". — Afinal, bateu a cabeça. — Acha que há alguma coisa errada comigo? John esteve a ponto de dizer tudo e de esclarecer a situação falsa que estavam vivendo. Entretanto, ainda achava Marianne muito frágil, e decidiu que não seria bom. — Nada disso, Marianne. Mas, como Tim, eu também acho estranho que se sinta confusa sobre si mesma. — Marianne, segunda-feira estarei trabalhando. Se precisar... — Tim sorriu, em despedida. John beijou-a na testa. — Vou acompanhar Tim até a porta. Por que não tenta dormir mais um pouco? Serena, Marianne concordou. No corredor, Tim voltou a falar: — Para mim, é óbvio que ela não quer lembrar quem é. Talvez porque não goste da vida que tem ou porque queira ser sua esposa mesmo. John passou as mãos pelos cabelos, nervoso. As palavras do médico não o aborreceram pela inconveniência que lhe causavam, e sim pela absurda situação de Marianne. Embora sempre se preocupasse com suas funcionárias, havia uma nova dimensão em sua ansiedade por ela que nem ele entendia. — Não sei o que pensar, Tim. — Se quer a minha opinião... Bem, ela mesma admitiu que afasta suas recordações reais. Acho que podemos forçá-la a lembrar. — Não, de forma alguma! Não quero forçar nada.


— Eu sei. Você já tentou isso antes e não deu certo. Mas como Marianne vai aceitar isso, quando descobrir que você manteve a situação, em vez de tentar ajudá-la a sair dela? — Não sei. Porém, não quero correr o risco de traumatizá-la. Deve haver um bom motivo para Marianne reprimir suas lembranças reais. Sinto isso. — É lógico que ela gosta de ser sua mulher. Os pais dela são milionários, Marianne tem um bom emprego, muitos amigos. Você mesmo disse que ela tem um apartamento lindo. Possui tudo o que uma mulher pode desejar. — Menos um marido, Tim. Mas isso é muito simples e antiquado, para uma moça como Marianne. Sei que quer uma carreira. — Não seja tão modesto. Você é um ótimo partido, John. Vou indo. Telefonarei amanhã. John esperou que o amigo partisse e depois foi para a cozinha preparar alguma coisa para o jantar. Faria algo gostoso e levaria numa bandeja para Marianne, na suíte. Porém, quando abriu a geladeira, não encontrou nada, nem mesmo ovos para uma omelete. — O que está fazendo, John? Ele se sobressaltou ao ouvi-la. — O que está fazendo aqui embaixo? — Estou com fome. — Tem certeza de que já pode andar por aí? — Sinto-me bem. Você e o Dr. O'Brien é que ficam insistindo que há alguma coisa errada comigo. — Bem, não temos nada para preparar uma refeição. Marianne franziu o cenho. — Sério? Ele deu mais uma olhada no refrigerador.


— Há muita coisa aqui, mas nada que eu saiba preparar. — Está com muita fome? — Sim. — Pode passar com um sanduíche quente? John pensou um pouco. Fazia anos que não comia um sanduíche quente. — Adoraria um lanche. — Certo! Então, ponha a mesa e eu prepararei os lanches. Os dois trabalharam juntos, num silêncio confortável. Quando se sentaram para comer, John rompeu a quietude: — Isto está uma delícia. — É uma de minhas especialidades. — Riu. Surpreso, John a encarou. — Você fala como se não tivesse importância saber fazer um sanduíche quente. — Não é isso. Estou rindo porque é o que sei fazer melhor. — Não, não é. Você sabe fazer muitas outras coisas. — É mesmo? O quê, por exemplo? John ia dizer que Marianne era tão boa no trabalho que ele estava a ponto de nomeá-la sua assistente pessoal. Mas achou melhor deixar aquela conversa para quando ela estivesse de volta ao normal. — Você é inteligente e organizada. Não tenho dúvida de que é a funcionária mais eficiente de meu departamento. Marianne franziu a testa. — O que aconteceu com "Marianne, você é tão linda! É uma delícia tê-la em meus braços"? John, já percebeu que não me disse nada disso nos últimos dias? E me tratava assim a todo instante.


John sentiu o sangue subir-lhe às faces. Esquecera os aspectos complexos do dilema que vivia. Lembrou que costumava dizer aquilo tudo a Bárbara. Era estranho como as fantasias de Marianne faziam-no recordar coisas que já havia esquecido. — Não sei, Marianne. Não tem havido um clima amoroso, acho. — Eu sei. — Resolveu mudar de assunto: — Para meus pais, saber preparar um bom sanduíche é pouco importante. Ser eficiente e bem-sucedida é melhor. Se você lhes disser que sou excelente funcionária, vão ficar impressionados, pois irão crer que estou progredindo. John prestou atenção àquilo. Já tinham tido uma conversa sobre os pais dela no Mahone’s, e ele suspeitara que havia algo errado ali. Talvez tanto que Marianne preferia não lembrar. — Marianne, às vezes tenho a impressão de que você acha que seus pais não a apreciam. Ela respirou fundo. — Uma das bases de uma existência satisfatória é uma família unida e afetiva — falava como quem recita algo que já sabe de cor. — As crianças são educadas para serem nossas amigas, companheiras e seguidoras. — E já que você não está na mesma trilha de seus pais, então não é uma seguidora. Assim, apesar de seus pais a amarem, eles desejariam que a filha fosse diferente. — Papai e mamãe nunca me disseram isso. Em nenhum momento me pediram para mudar. Pelo menos, não muito. É duro para eles ensinarem seu público a alçar patamares, enquanto sua única filha não pratica o que eles ensinam. De certa forma, isso depõe contra eles. — Os pais da minha primeira esposa achavam que os filhos eram o fruto do amor, e sua presença aumentava a harmonia no lar. Quanto mais filhos, mais amor. Tiveram nove. Não os criavam para o sucesso, mas para a família. Marianne olhou-o, pensativa. John sabia que ela estava ponderando sobre o que ele dissera. Deveria estar intrigada pelo fato de ignorar até então que ele tivera uma outra mulher. Esperava que lhe perguntasse alguma coisa a esse respeito, por isso espantou-


se quando escutou: — Por que nunca teve filhos com ela? — Porque morreu antes que pudéssemos tê-los. Marianne pousou a mão consoladora sobre o braço dele. — Que pena! Não me surpreende que tenha se casado com alguém igual a ela. Posso imaginá-lo com uma casa cheia de crianças e acreditando que elas trazem mais amor para seu lar. — Hum... É uma crença meio ingênua, não é? — Não. É maravilhosa. Pela primeira vez desde a morte de Bárbara, John não se sentia mal por falar sobre aquilo. Compreendeu que, se forçava Marianne a encarar o passado, ele também devia encarar o seu. — Bárbara tinha muita energia. Fazia-me sentir mais jovem e forte e acreditar que tudo era possível — ele disse, expressando sentimentos que viviam escondidos devido à dor que lhe causavam. — Bárbara deve ter sido fantástica. — Era muito inteligente. Em vez da costumeira revolta que o consumia ao lembrar-se dela, John sentiu um enorme alívio. Como se voltasse a ser ele mesmo. Surpreso com a descoberta, levou a conversa de volta para o início. — Por que não me fala mais sobre seus pais, Marianne? — Bem, eles são cheios de energia também. Percebendo a emoção dela, John descobriu que Marianne os amava e concluiu que a profissão deles é que atrapalhava seu relacionamento. — Mamãe é muito dinâmica, e meu pai é mais calmo, mas é muito forte. — Parece que são bem interessantes.


— Sim, são mesmo. Quando eu era criança e eles faziam reuniões de fins de semana lá em casa, os espiava do alto da escada. Às vezes, quando me flagravam, mandavam-me de volta para meu quarto. Então, eu enfileirava todas as minhas bonecas e fazia discursos para elas. John achou graça. — Gostaria de ter visto essa cena. Não discursava para suas amigas também? — Eu não podia. Morávamos no campo, porque meus pais queriam que suas reuniões tivessem a atmosfera tranqüila de um retiro. As poucas amiguinhas que tinha moravam muito longe. Quando queria passar uma tarde ou o final de semana na casa de uma delas, precisava fazer mil arranjos. E, às vezes, não conseguia arranjar nada. — Está me parecendo que foi uma infância meio solitária. — Não tive mesmo muita companhia, é verdade. Mas uma boa parte dela foi bastante excitante. Viajávamos por todas as cidades dos Estados Unidos. Era divertido. — Mas você devia sentir-se só. Marianne deu de ombros. — Agora não importa mais. Contudo, não sou indiferente a meu passado a ponto de não ver que meu desejo de ter uma casa cheia de crianças deve-se ao fato de eu ter sido filha única. Toda criança devia ter com quem brincar. A infância é o período mais importante para o aprendizado. Temos de aprender a seguir em frente e a lutar pelo que desejamos. Porém, não se pode fazer nada disso quando se está sozinha ou... quando só se convive com adultos. John recordou que Bárbara também achava importante lutar pelo que se almejava. — Desde que Dominic e Darcy me ensinaram a estabelecer objetivos, me propus a ter muitos filhos. — Marianne suspirou, e sua expressão tornou-se distante, como se estivesse pensando em outros lugares e em outros tempos. — Não era o objetivo deles, mas era o meu. Todavia, até isso falhou. John se perguntou se ela não estaria recobrando a memória. Até ouvir o que se seguiu: — Até encontrar você. Agora, tudo será diferente.


John começava a compreender. Marianne estabelecera para si que teria muitos filhos e, sabe-se lá por quê, imaginara que os teria com ele. Poderia ser? Seria possível que a pressão dos pais dela a tivessem feito acreditar que estava casada com John e apta a ser mãe? Fazia sentido. John ficou contente. Enfim, descobrira a causa das fantasias dela. Entretanto, o contentamento passou logo. Saber por que, para Marianne, eles eram marido e mulher não resolvia o problema. Quando ela se recuperasse, não ficaria apenas embaraçada: voltaria a ser solitária também. Como ele.


CAPÍTULO VIII

Não vou nem mesmo perguntar o que foi que o Dr. O'Brien disse sobre nós dormirmos juntos. John, que estava arrumando seu travesseiro no sofá, virou-se para Marianne. Ela parara à entrada da sala de estar. Num pijama de cetim vermelho, com os cabelos dourados presos em um coque frouxo no alto da cabeça, mostrava-se linda e sofisticada. Apesar de sua naturalidade, de certa forma, era requintada. Já vira e fizera coisas com que a maioria das pessoas só podia sonhar. Alta, esbelta, com os traços de um anjo e o poder do dinheiro a sua disposição, parecia ter tudo. Se não fosse pelo fato de John saber que Marianne se julgava uma decepção para os pais, poderia considerá-la a moça mais feliz do mundo. — Marianne, você sabe que Tim não quer arriscar nada. Batidas na cabeça são perigosas. — Eu sei, John. Mas seria tão bom dormir em seus braços outra vez... Vendo a expressão dela, John considerou deitar-se um pouco a seu lado até que adormecesse, mas logo rejeitou a idéia. Toda aquela charada terminaria na segunda-feira, quando Marianne visse o especialista que Tim recomendara. Enquanto os dois permanecessem nos limites da decência, ela não teria nada para recriminar ou lamentar, mais tarde. — Marianne... — Já sei. Você não quer ir contra as instruções médicas. Alguma coisa na entonação dela fez com que John compreendesse como Marianne se sentia. Como seria imaginar-se casada com uma pessoa que a rejeitava o tempo todo? Então, ele tomou uma decisão. — Sabe, Marianne, mesmo que não possamos dormir juntos, fazer carinho não é proibido. Ela não se mexeu, e John entendeu que, depois de tanta rejeição, Marianne não


tomaria a iniciativa. Assim, ele estendeu os braços para ela. Seu rosto delicado se iluminou com um radiante sorriso. No instante seguinte, estavam abraçados no sofá. Com a cabeça dela sob seu queixo e o corpo morno contra o seu, até respirar se tornou difícil para John. Ele já esquecera como era doce segurar uma mulher. Não, não qualquer uma. Tinha de ser alguém muito especial, que despertasse num homem instinto de proteção e desejo sexual. Se não sentisse aquilo, então não seria bom de verdade. Com Marianne, era delicioso. Marianne suspirou e se aconchegou ainda mais a ele. John fechou os olhos, quase desistindo de resistir aos apelos de seu corpo e, ao mesmo tempo, lutando para manterse lúcido e forte. Repetia para si mesmo que aquela mulher era Marianne e que devia protegê-la, mas seu autocontrole não estava funcionando muito bem. Por isso, manteve as pálpebras cerradas e permaneceu imóvel, com medo que o menor movimento pusesse tudo a perder. — Durma, John. Sonolento, ele puxou uma manta sobre os dois. Em seguida, mergulhou num profundo sono. Do tipo que não tinha fazia mais de cinco anos.

O som de batidas na porta despertou John, que deu um pulo do sofá e quase derrubou Marianne. — John? O que está acontecendo? — E melhor eu ir ver. Assim que John abriu a porta, os pais de Marianne entraram. — Filha! — Darcy gritou, empurrando John e indo para a sala de estar. — Como pôde fazer isso?! "Como pude fazer o quê?" Marianne pensou, mas por estranhas razões não


conseguia responder àquela pergunta. Tudo estava confuso, parecendo envolto numa neblina. Sua mãe ainda era a mesma. Loira, esbelta, dinâmica, refinada. Seu conjunto de grife famosa era impecável. Dominic ainda era bonito, forte, com suas costeletas grisalhas. Tudo parecia como sempre. Então, o que estava errado? — Posso explicar tudo — John disse, fitando Marianne. Ambos trocaram um olhar. Ele parecia muito desarrumado, pouco à vontade. Não lembrava em nada o John calmo e bem colocado para quem trabalhava. — Marianne sofreu um acidente. Darcy levou a mão ao peito. — Oh, Meu Deus! — Um acidente não justifica casar-se sem comunicar nada aos pais — Dominic interveio. "Casada?" Marianne não entendia mais nada. — Bem, Marianne não se casou... — John tentou explicar. — Ah! É mesmo? — Darcy fuzilou-o com o olhar e depois virou-se para a filha, estudando-lhe a aparência de quem acabava de acordar. Marianne observou-se. Pijama de cetim vermelho? Nada se encaixava... John prosseguiu: — Todo o pessoal do nosso departamento foi jantar na última quarta-feira no Mahoney's, para comemorar. Algumas pessoas começaram a brigar, e uma delas empurrou Marianne. Ela caiu e bateu a cabeça. Não desmaiou, mas julguei melhor trazêla para minha casa, pois não achei bom que dirigisse seu carro sozinha. Só que, na manhã seguinte, quando acordou, pensou que fôssemos casados. Marianne ouviu toda a explicação de John em silêncio, mas, quando ele acabou, sentiu uma terrível enxaqueca. Parecia que uma barra de ferro lhe apertava as têmporas. — Ah! E com certeza, você tirou vantagem da situação — a mãe de Marianne afirmou, furiosa.


Imagens nítidas passaram diante dos olhos de Marianne, como em um filme. Ela e John fazendo compras e almoçando juntos. Os dois preparando o café da manhã. Às vezes em que ele se recusara a fazer amor. — Pare! — gritou, querendo apagar tudo aquilo. — Nós não estamos casados. John inclinou a cabeça. — Eu sei, Marianne. — No entanto, estou vivendo aqui há três dias, e você me fez pensar que éramos marido e mulher. — Vou acabar com você, se fez algum mal a minha filha! John ignorou a ameaça de Dominic. — Não, Marianne. — Foi na direção dela. — Não foi assim. Tentei dizer a você que não éramos casados, mas... — Quando tentou me dizer? — Assim que percebi que você se imaginava minha mulher e quando suas amigas lhe fizeram uma visita. — Minhas amigas estiveram aqui? — Sim. Pensei que, se você as visse, sua memória voltaria. Mas não voltou. Marianne gemeu e passou a mão pelos cabelos. — Meu Deus! Fizera papel de idiota durante três dias, e tudo de que recordava eram vagas imagens sem conexão. — Não é tão ruim assim, Marianne — John tentou consolá-la, e tocou-lhe o rosto com a ponta dos dedos. Marianne afastou-se, rápida. — Todos compreenderam que você teve amnésia. Era evidente, pela maneira como se comportava, como lhes mostrou a mansão, que acreditava mesmo ser minha mulher.


— Eu mostrei a mansão para elas como se fosse minha?! John confirmou com a cabeça. — Jesus amado! Diga, John, quantas pessoas souberam disso? — Não muitas. Deixe-me ver... Suas amigas, algumas pessoas que encontramos, meu médico... — Seu médico? — Dominic o encarou. — Não lhe ocorreu que devia ter chamado o médico de Marianne? Ou mesmo que devia ter nos chamado? — Eu não sabia onde vocês estavam, e muito menos como encontrá-los. Não venha me dizer que minha filha não fala sobre seus pais! Marianne desejava que todo seu mal fosse a pavorosa dor de cabeça, e não aquele imenso embaraço. Sentia uma grande humilhação. De repente, lembrou-se da fitas que Darcy lhe mandara e as afirmações positivas que fizera. Com certeza, fora aquilo que a levara a crer que era casada com John. — Pare, papai. Para John, ela parecia estar aceitando uma derrota. Por instinto, se aproximou dela para confortá-la, mas lembrou-se que Marianne já voltara ao normal e não gostaria de seu carinho. — Eu sei o que aconteceu. — Marianne fitou John. — Sei que foi culpa minha. Sinto muito pelas inconveniências que lhe causei... — Não, Marianne, não é isso... — Estou morrendo de vergonha. E humilhada. Porém, acho que devia ter me convencido da verdade, e não me trazido para cá. É tudo tão mortificante que não sei se vou conseguir superar... — Marianne, eu tentei lhe dizer, mas você estava tão segura... Não quis magoá-la. John falava com doçura. Marianne contemplou seus pés descalços. — Se pretendia que eu me sentisse melhor, fracassou. — Ela se levantou para deixar a sala, mas ainda completou: — Meu pedido de demissão estará em sua mesa


logo cedo.


CAPÍTULO IX

— Como você me deixou ficar lá? — Marianne, você tem de compreender! — Olívia ajeitou as almofadas ao lado dela e convidou a amiga a sentar. Mas Marianne sacudiu a cabeça e continuou a andar de um lado para o outro. Embora só estivessem conversando havia poucos minutos, Marianne já sabia que não ficaria satisfeita com nenhuma explicação. Apesar de seu desespero, passara a tarde inteira convencendo seus preocupados pais de que estava bem, e obrigara-os a irem jantar fora. E, assim que eles saíram, telefonara para Olívia, que reunira o resto da turma da Barrington. Agora, todas as suas amigas da empresa estavam na sala de estar de seu apartamento, tentando entender o que ocorrera. Entretanto, só conseguiam deixar Marianne ainda mais envergonhada. — Não voltarei à Barrington. Disse a John que ele teria minha demissão logo pela manhã. E terá. Vou datilografar meu pedido, e vocês o entregarão a ele. — De jeito nenhum! — Rachel exclamou. — Você irá até lá e enfrentará a situação. O que aconteceu foi meio absurdo, mas não foi culpa sua. Poderia ter acontecido a qualquer uma de nós. — É, acho que sim... — Marianne assentiu, mais calma. Mas concluiu que seria muito pouco provável que uma delas usasse o poder da mente para casar-se com John. — Então, a veremos amanhã, na empresa? — Penso que sim, Rachel. Mas isso não quer dizer que não vou me demitir. — Só porque se sente tão arrasada agora não tem de deixar o emprego. — Patrícia, como sempre, falava pouco, mas com lógica. — Você não deve tomar nenhuma atitude a respeito de ficar ou se demitir enquanto não for até lá e ver como se sente.


Todas concordaram com Patrícia e, depois de muita insistência, conseguiram que Marianne prometesse que não faria nada quanto ao emprego, por ora. E, com aquela decisão, deixaram de lado o assunto sobre os três dias de Marianne como Sra. Cavanaugh.

— Olá! Seja bem-vinda. — Sandy Johnson saudou Marianne com um sorriso. — Como está se sentindo? John disse que você caiu e bateu a cabeça, depois que saímos do Mahoney's, na quarta-feira à noite. Precisou ir ao hospital? Foi por isso que teve de sair mais cedo? — Não... tive uma tontura. Consultei um médico, e ele garantiu que eu estava bem e não tinha nada a fazer senão esperar o mal-estar passar. — Está com uma aparência maravilhosa, Marianne. Ninguém diria que esteve doente. Marianne teve certeza de que John não falara nada para Sandy. — Onde está o Sr. Cavanaugh? Sandy franziu o cenho. — Você quer dizer John? Marianne aquiesceu. — Estará fora esta semana. Ele me chamou e comunicou que acontecera algo inesperado e que ficaria ausente até a próxima segunda-feira. Marianne sentiu o coração falhar. Será que John se afastara para dar-lhe tempo de ficar à vontade outra vez, ou estaria embaraçado demais para encará-la? Os demais funcionários começavam a chegar e a tomar seus lugares. De repente, um fio de esperança brotou dentro de Marianne. Tudo continuava o mesmo. Nada mudara. Ninguém a tratava de modo diferente, porque ninguém sabia. Era como se aqueles malfadados dias não tivessem existido. No entanto, logo seu alívio foi substituído por um sentimento de pesar. Tinha estado "casada" com John Cavanaugh, ainda que por um brevíssimo


período. Apesar de seu relacionamento ter sido platônico e apesar de ela estar furiosa com John, aqueles tinham sido os três dias mais felizes de sua vida.

E da vida de John também. Era nisso que ele pensava, jogando dardos em um bar, nos Apalaches. Naquela parte do país, a neve ainda caía, e fazia muito frio. Mas o clima gélido da região não era nada comparado ao que envolvia seu coração. Sabia que a melhor coisa a fazer era se afastar e dar tempo a Marianne para se recuperar de tudo. Por isso, fizera aquela viagem à Pensilvânia em companhia de Rex Barrington II. Convencera o patrão de que precisava ver a área onde iriam construir um fabuloso hotel. Não conseguia se conformar. Se tivesse sido capaz de enxergar Marianne como realmente era antes de toda aquela confusão, decerto poderiam ter um relacionamento incrível. No entanto, dadas as circunstâncias, tudo se tornara impossível. Sem dúvida ela iria impor uma distância intransponível entre eles. Tudo o que tinham compartilhado, estando sob o mesmo teto, fora profundo e mágico para John. Algo muito forte em seu íntimo fora despertado. E justamente agora a esperança o abandonava.

Na segunda-feira, John chegou tarde ao trabalho, de propósito. Quando saiu do elevador, o departamento estava em silêncio. Falando ao telefone e folheando uma revista, Julie Cramer nem percebeu sua entrada. Sandy Johnson digitava, com fones nos ouvidos. De cabeça baixa, Marianne se concentrava no serviço. Tudo parecia normal. John quase suspirou alto, agradecido aos céus. Porém, será que um pedido de demissão o esperava sobre a mesa? Entrou em seu escritório e viu a costumeira pilha de papéis. Começou a procurar.


Após dez minutos, Sandy entrou, com uma xícara de café. — Sei que isto não faz parte de minhas obrigações — ela disse com um sorriso —, mas achei que precisava de um. John também sorriu. — Estou bem, Sandy. — Hum... parece nervoso. Como se não tivesse dormido bem. E não tinha, mesmo. — Sandy, sabe se Marianne entrou com um pedido de demissão? — Não! Ela até parece mais feliz do que antes. Os pais dela estão hospedados na casa dela, e Marianne anda nas nuvens. — É mesmo? Fico contente por saber. Já que uma parte do problema de Marianne estava solucionada, John concluiu que eles deviam tratar a questão "deles" e acabar de uma vez por todas com aquele desconforto. Agora que ela já tivera uma semana para digerir o que havia acontecido e para saber que poucas pessoas tinham conhecimento do fato, John concluiu que devia estar pronta para discutir sua situação. Apesar do modo horrível como tinham se separado no domingo anterior, resolveriam tudo como pessoas adultas e seguiriam com suas vidas. — Acho que devemos esperar até depois do almoço para cuidarmos desta pilha aqui, Sandy. — Tenho muita coisa para digitar, mas acho que depois das duas horas estará bom para mim. — Combinado, vejo você depois das duas. Depois que Sandy o deixou, John dirigiu-se para a sala de Marianne. Bateu duas vezes no vidro e entrou, sem esperar por um convite. — Bom dia, Marianne. — Bom dia, Sr. Cavanaugh.


— Marianne, começar agora a me tratar com formalidade só aumentará a tensão que existe entre nós. Vim até aqui para dizer que acho que podemos conviver sem problemas. — Ah, é?! Vivi com você, em sua casa, por três dias. Deixou que eu acreditasse que éramos casados! — Eu estava só... — ...sendo bondoso? Esqueça! Não lhe ocorreu que eu ficaria mortificada quando a verdade aparecesse? — Ocorreu, sim. Mas você parecia tão vulnerável... — Vulnerável?! — Marianne gritou, indignada, levantando-se e começando a andar de um lado para o outro. — De acordo com meu ponto de vista, me tornei seis vezes mais vulnerável, vivendo com um homem que mal conheço! John não sabia bem por quê, mas a atitude dela irritou-o. Fizera o que achara ser o melhor para ela, no entanto, Marianne agia como se tudo aquilo fosse culpa dele. — Nunca teria imaginado que você me via como um estranho, Marianne. De acordo com meu modo de ver as coisas, tive a impressão de que me conhecia muito bem. Bem demais. — Foi isso o que quis dizer. Você deixou que eu me humilhasse. — Ah, Marianne! Você não se humilhou! Tinha ferido a cabeça, estava confusa e entre amigos. — Pare de dizer que é meu amigo! Passou quatro anos evitando qualquer conversa mais pessoal comigo. Nunca ficamos a sós, a não ser no escritório, para tratar de trabalho. John franziu o cenho. Teria agido assim? Era possível. — Portanto, não me diga que é meu amigo, pois não é! — Marianne, acho que você torceu tudo... — Não costumo fazer isso, John. Estou de posse de toda a minha lucidez e capacidade. Lembro-me de meu passado, estou consciente do que está acontecendo no


presente e vejo meu futuro com clareza. — Ela se inclinou para a frente e falou com ênfase: — E ele não inclui você. Controlando a custo sua raiva, de repente John sentiu que a desejava sexualmente, outra vez. E aquilo não era nada bom... Sabendo que poderia sucumbir à força da paixão, ele achou mais prudente continuar aquela conversa quando ambos não estivessem sob o efeito da emoção. Respirou fundo e a deixou. Porém, Marianne seguiu-o até o escritório dele. Como John caminhava a passos largos, não percebeu que ela o seguia. Só quando Marianne bateu a porta com violência, ele se virou e a viu com os olhos dardejando. — Estou vendo que quer mais discussão, Marianne. — Você não me deixará falando sozinha. Não irá me ignorar. Vou dizer o que quero, e você vai ouvir! John teve a desconfortável sensação de que Marianne acreditava que ele a havia ignorado naqueles quatro anos em que trabalhavam juntos. Afinal, talvez não fosse bem assim. Sim, ela era a única pessoa naquele departamento com a qual não tinha uma relação de amizade, mas não era porque não gostasse dela. Era porque... porque... Bem, na verdade não podia dizer o motivo. Devia ser por falta de oportunidade. Claro, ele não procurara criar uma. Talvez ela tivesse razão! — Desculpe-me, Marianne. Continue. Parecia que Marianne não sabia como lidar com a reação calma dele. Ou talvez ela compreendesse que ficar zangada não adiantava nada. John viu-a abrir a boca várias vezes para falar e tornar a fechá-la, até que pareceu acalmar-se. — Quero apenas deixar uma coisa bem clara, John. Da próxima vez que eu estiver doente, ou confusa, ou com problemas, não tente ser meu amigo. John entendia a reação dela. Compreendia sua vergonha, até mesmo sua humilhação. Mas tomara conta dela, ajudara-a quando ela precisara de ajuda. Não


merecia sua censura, nem a punição de ter de se manter longe. Ele também não ia permitir que ela saísse de sua sala com aquela atitude. Aliás, Marianne era também uma subordinada. John era seu chefe. Não importava o que tinha acontecido entre eles, John não ia deixar que pensasse que tinha motivo para odiá-lo. Quando Marianne ia girar a maçaneta, ele colocou a mão sobre a dela. — Você sabe que eu a estava ajudando! — É mesmo? Pois me parece que o que fez tornou tudo pior. Que droga! Ela não cedia um centímetro! — Não pode fazer uma trégua? — Por quê? Ignorou que eu existia por quatro anos, e agora fica ofendido porque o rejeito? As palavras dela foram uma revelação. Eles não tinham sido amigos, e Marianne desejara sua amizade. Marianne também acreditava que John a ignorara de propósito. Pior: horrorizava-a ter revelado suas fantasias. E isso deixava-a enfurecida. — Você não está me rejeitando por causa disso — John disse, tranqüilo, pois agora sabia o que estava acontecendo. — Mas sim porque pensa que a rejeitei primeiro. Ela riu. — De jeito nenhum! — Quer me convencer, então, de que a idéia que criou de ser minha esposa não estava baseadas no fato de estar apaixonada por mim? — Posso ter tido um certo entusiasmo por você, mas isso acabou depois que descobri que espécie de pessoa você é. — Mas, na verdade, você nem me conhece! — Sim, conheço! — Se fosse verdade, não estaríamos discutindo, porque você não estaria com raiva de mim. Sabe que deixei que acreditasse no que queria acreditar porque pensei que


era o melhor para seu bem-estar. — Ou melhor para você? — Melhor para quê? Já que tem tanta certeza de que não lhe quero bem, nem tenho o menor interesse por sua pessoa, por que a manteria em minha casa? Com que propósito? Ela ergueu o queixo. — Não sei. — Mas desconfia. John compreendia que Marianne tinha pensamentos contraditórios. Por um lado, punia-o por tê-la ignorado por tanto tempo. Por outro, acreditava que John a mantivera na mansão porque sentia algo por ela. — Não, John, não desconfio. — Marianne, não minta para si mesma. Com um gesto rápido, John puxou-a contra si. Olhou-a dentro dos olhos e, inclinando-se, beijou-a com a força e a volúpia com que desejara beijá-la todos aqueles dias.


CAPÍTULO X

No instante em que John puxou-a contra o peito e beijou-lhe a boca, Marianne não pensou em nada. Não foi capaz. Tudo o que conseguia era saborear o gosto de sua boca. Seus joelhos pareciam ter virado geléia. Suas mãos ardiam de tanto que queria tocá-lo. Seu corpo ansiava por encostar-se mais ao dele. Porém, atordoada com o poder daquele beijo, soltou-se de John e saiu correndo. John limpou dos lábios a mancha de batom, esperou um momento e foi atrás dela. Notou que Sandy lhe lançou um olhar intrigado, mas continuou andando. — Desculpe-me — ele disse, mal entrou na sala de Marianne. Trêmula e confusa, Marianne olhou para John e sentou-se à escrivaninha. — Foi errado o que eu fiz, mas precisava provar uma coisa, Marianne. Essa charada não foi idéia minha. Acho que nem sua também. — Ele estendeu as mãos, num gesto desanimado. — O cérebro humano é um mistério. Quem pode saber por que você fantasiou ser minha mulher? Mas ela sabia. Naquele momento, estava sentindo todas aquelas velhas sensações outra vez. Só que agora estavam multiplicadas por mil. — Também peço desculpas — ela sussurrou, rezando para que ele saísse. Precisava ficar só e pensar. — Ótimo. Acho que tudo pode voltar ao normal. "Sem chance!", ela pensou, mas acenou com a cabeça, confirmando, na esperança de se ver livre dele. Em silêncio, John a deixou. Marianne recostou-se no espaldar, irritada. Nada estava indo do jeito que devia ir. De acordo com os pais dela, a vergonha causada por sua amnésia fizera com que deixasse de amar John. Seus pais aconselharam-na a transformar o vexame em ira. Segundo eles, ela estaria certa e obteria a força para deixar aquele desastrado episódio para trás. Talvez até sair-se muito bem da confusão.


No entanto, a raiva que ela demonstrara não passara de uma farsa. Não podia estar brava com John. Ele não fizera nada errado. Ela era a culpada. Em minutos, John enxergara através de sua pretensa fúria e derrubara sua resistência. Marianne via-se apaixonadíssima de novo, e não havia nada que pudesse fazer. — Marianne? Ela ergueu a cabeça e viu Mike, que cuidava da entrega da correspondência, parado à soleira. Era um rapaz alto, moreno e bonito, com olhos muito verdes. Todos conheciam Mike, e todos gostavam dele. — Julie e Sandy não estão na sala, e tenho um pacote que precisa de assinatura. Marianne sabia estar corada demais, com os cabelos desgrenhados e o batom borrado. — Eu assino para você. Ela perdeu alguns minutos procurando uma caneta, e as mãos trêmulas traíam seu nervosismo. — Está se sentindo bem, Marianne? — Sim, Mike, estou ótima. — Não parece. Tem certeza de que não quer que eu lhe traga um copo de água ou qualquer outra coisa? — Tenho certeza, sim, obrigada. — Marianne entregou-lhe o papel assinado e fez sinal para que ele se fosse. Contudo, Mike não saiu. Ao contrário, remexeu-se, desconfortável, e falou: — Escute, Marianne, eu sei que os detalhes do que lhe aconteceu há duas semanas não são muito conhecidos por aqui, mas, como eu ando por todo o prédio, às vezes, ouço coisas... Você não devia se envergonhar disso. As pessoas que sabem que passou três dias na casa de John não ignoram que teve um problema de amnésia. Elas a elogiam e admiram. Todos notam que saiu dessa situação muito mais bem-disposta e mais confiante. Isso é muito bom.


Mais disposta e mais confiante? Nada disso! Não podia nem passar dez minutos com John Cavanaugh sem se derreter a seus pés. Se Mike e os outros achavam que parecia mais feliz depois de seu período desmemoriado era porque estava determinada a não parecer uma apaixonada rejeitada, nem uma idiota. — É verdade, Mike. Concordo com tudo isso. — Ótimo para você! — Mike piscou e saiu. Ainda tremendo, Marianne se ajeitou no assento, pensando no que estaria lhe acontecendo. Por acidente, ganhara a admiração de seus colegas e gritara com seu chefe. Nem em seus sonhos mais ousados imaginara gritar com seu superior, fosse ele quem fosse. Falar aos berros com o justo e generoso John Cavanaugh era até um sacrilégio. Se não estivesse tão envergonhada, não ficaria ansiosa para fazer John acreditar que ela não era mais louca por ele. E também não o teria provocado, e ele não a teria beijado. E agora, não estaria tão apaixonada e incapaz de negar aquela verdade. Fora grosseira com John, e não se espantaria se ele a demitisse.

Dez minutos mais tarde, John, com toda a cautela, abriu a porta da sala dela e espiou. — Vamos ter uma reunião à uma hora, Marianne. Não vai demorar muito. Por favor, prepare um resumo de suas atividades até o dia de hoje. Ainda trêmula, Marianne apenas assentiu. John entrou e fechou a porta. — A menos que você ache melhor esperar mais um dia ou dois. — Ele se calou e passou a mão pelos cabelos, demonstrando descontentamento. — Acho que agora você me odeia. Está certo... Odiá-lo?! Como ele podia pensar uma coisa dessas? John é que tinha o direito de querer vê-la pelas costas. Surpresa, Marianne apenas fitou-o. Usando todo o seu charme,


John sorriu, sedutor. — Não quis dizer que está certo você me odiar, mas que é compreensível. — Tornou a ficar sério. — Vou me desculpar mais uma vez, Marianne. Foi uma grande estupidez beijá-la. Não devia ter feito isso. Lamento.

Marianne continuou com o olhar fixo na porta, mesmo depois de ele ter saído. Duas coisas eram muito claras. Primeiro, John era muito generoso, mesmo. E segundo, embora ele não estivesse contente consigo mesmo por tê-la beijado, continuava a se interessar pelo bem-estar dela. Que ironia! Em um único dia, obtinha mais atenção da parte dele do que em todos aqueles anos. Mesmo não sendo o tipo de atenção que almejava, já era um progresso. Talvez aqueles três dias não tivessem sido à toa, afinal.

Depois das cinco horas, quando a maioria dos funcionários já tinha partido e Marianne começava a arrumar sua escrivaninha, John entrou em seu escritório outra vez. — Está se sentindo bem, Marianne? — Claro. — Sorriu. — Mas começo a ficar preocupada. Por que está tão interessado nisso? — Interesso-me porque, de certa forma, fui o responsável por seu acidente — John afirmou, sem hesitação. — Você nem queria ir ao Mahoney's, naquela noite. Fui eu que a convenci. Também fui eu quem a levou para a pista de dança. Se não fosse por mim, você não teria se ferido. Cada palavra que ele dizia enfraquecia a esperança de Marianne. Não era por nenhuma emoção, e sim por responsabilidade que John se preocupava com ela e a tratava de modo diferente. Apesar de ser melhor descobrir aquilo agora do que mais tarde, machucava. O que John dizia, embora lógico, apunhalava seu peito e a obrigava a encarar a realidade.


— Foi por isso, então, que me levou para sua mansão, porque se sente responsável. Foi por isso que se preocupou comigo o dia inteiro... Marianne enterrou as unhas na palma da mão com força para impedir que as lágrimas enchessem seus olhos. Contanto que ninguém soubesse que ela ainda amava John Cavanaugh, não pareceria uma mulher rejeitada, nem uma tola. Já seria um consolo. Agora, sabia como teria de agir dali em diante. — John, vamos dizer que tudo isso foi uma triste experiência e pôr uma pedra em cima. — Então, Marianne se levantou, pegou a bolsa e caminhou para a saída. — Vejo você amanhã de manhã. Tinha achado que a existência ficaria mais fácil quando todos acreditassem que John não passava de um chefe para ela. Mas isso não acontecera. De fato, tudo estava pior. Antes, Marianne ainda acreditava em milagres. Agora, não mais. Seu sonho de amor estava realmente acabado.


CAPÍTULO XI

— Apesar de ter começado de modo desastroso, essas duas semanas foram maravilhosas, Marianne. Marianne olhou para a mãe. As duas tinham decidido almoçar fora e depois passar a última tarde juntas. Dominic fora jogar golfe. Após quinze dias de convivência com os pais em seu minúsculo apartamento, Marianne começava a acreditar que eles estavam se sentindo à vontade com ela. Sobretudo, depois que Marianne lhes pediu para pararem de dar conselhos. — Foram mesmo dias maravilhosos, mamãe. — Ótimo! Então, vamos pagar a conta e ver quanto dinheiro conseguiremos gastar antes de seu pai chegar em casa. Marianne riu, levantou-se da mesa e viu-se frente a frente com os olhos verdes do Dr. O'Brien. E logo atrás dele vinha John, carregando uma sacola de compras. — Olá, Marianne — Tim a cumprimentou, com as mãos estendidas. Marianne sorriu, e ele envolveu-a num afetuoso abraço. — Você está com excelente aparência. — Sinto-me muito melhor, de fato. E solteira outra vez — brincou. Tim deu uma risada. — Sim, estou vendo. — Mamãe, este é o Dr. O'Brien. É o amigo de John que me examinou quando tive aquele ataque de amnésia. O doutor verificou que não havia nada errado comigo. — É um prazer conhecê-lo. Muito obrigada por ter cuidado de minha filha. — Mal posso acreditar que esteja apertando a mão de Darcy Doyle! Tenho escutado algumas de suas fitas. Suas mensagens me ajudaram muito em meus jogos de golfe. Consegui adquirir maior concentração.


Naquele momento, John aproximou-se deles. Parecia meio inseguro quanto à recepção que teria. — Olá, Marianne. Boa tarde, Sra. Doyle. — Pode me chamar de Darcy. — A mãe de Marianne esboçou um doce sorriso para John. — Agora compreendi que você foi um cavalheiro e que tomou conta de minha filha de verdade. — Marianne também me ajudou bastante. Em dois dias, acabei de mobiliar minha casa. Aquela lembrança voltou nítida à mente de Marianne, junto com a deliciosa e inebriante sensação de ser a Sra. John Cavanaugh. Comprara coisas para o lar do homem que amava. Darcy consultou o relógio. — Oh, meu Deus, Marianne, veja que horas são! Só temos uma hora antes de seu pai voltar. John, Dr. O'Brien, estou muito contente com a oportunidade de poder agradecer a vocês dois, mas agora temos de correr. — Foi um prazer encontrar a senhora — disse Tim. Um pouco desorientada e muito triste, Marianne pegou a bolsa, enquanto Tim se despedia de sua mãe. — Fiquei feliz com este encontro inesperado — John sussurrou-lhe. — Não gosto que você pense o pior de mim. A voz dele soou desanimada, assim como Marianne se sentia por dentro, mas, quando ela o olhou, John estava sorrindo. — É melhor nós irmos, mamãe. — Virou-se para Tim e John. — Tenham um bom almoço. Até mais. Marianne e Darcy pagaram a conta na caixa e puseram-se a caminhar pelo corredor do shopping. Por alguns minutos, nenhuma das duas disse nada. Darcy foi a primeira a falar: — Passei a gostar de seu amigo John, Marianne. Posso entender por que o achou


atraente. Concordo que ele daria um excelente marido. Marianne prendeu a respiração. — Mas... — Mas... estou falando como sua mãe, e não como terapeuta... é melhor você seguir seu próprio caminho. Embora Marianne já pensasse assim, as palavras da mãe reforçaram sua determinação de desistir de John. — É o que estou fazendo, mamãe. — Acho que não. Sei que você pediu que não lhe déssemos mais conselhos, mas é óbvio que ainda está se debatendo, e acho que sei por quê. Marianne mordeu o lábio, desejando que sua mãe não dissesse que era óbvio que ela ainda estava apaixonada por John. — Você pôs todos os ovos em uma cesta, e agora que tomaram sua cesta, se sente perdida. Marianne engoliu em seco. — Não estou perdida, mamãe. — Marianne, qualquer um que investisse tudo em... um projeto e fracassasse ficaria confuso até encontrar algo que o substituísse. Aquilo fazia tanto sentido que Marianne teve esperança de um dia superar o horrível vazio em seu peito. — E? — O que tem que fazer, minha filha, é encontrar alguma coisa com que se ocupar. Pode ser trabalho, pode ser um hobby. Talvez redecorar seu apartamento. Você precisa de alguma coisa agora, para preencher os espaços em branco. Substitua John por algo que deseje. Aquela era a primeira vez que um conselho concreto e objetivo era dado a Marianne. Até então, ninguém tinha visto o xis da questão.


Precisava de algo para ocupar o lugar de John em seu íntimo. Era tão simples!

Assim que os pais se recolheram ao quarto, naquela noite, Marianne considerou suas opções. Enfim, decidiu que a melhor coisa seria investir em sua carreira. Não sabia muito bem como, pois o departamento de publicidade onde trabalhava era pequeno, e ela não acreditava que houvesse espaço para avançar. Contudo, tinha uma excelente formação, e agora que encontrara ambição e motivação, seria mais fácil. Permanecer em seu atual emprego de repente lhe parecia algo muito limitado. Não conseguia imaginar-se crescendo profissionalmente na Barrington. Marianne sentiu um leve desapontamento. Não queria deixar seus amigos, e também, não gostava de pensar que mudaria de emprego por causa de um homem. No entanto, não podia continuar convivendo com John Cavanaugh, vendo todos os dias sua beleza máscula e seu incrível charme. Na segunda-feira, a primeira coisa que faria seria procurar Patrícia e colocar-se na lista das promoções para outro departamento. No entanto, Marianne sabia que enfrentava uma ambivalência. Queria permanecer na Barrington por John. Mas, agora que ele estava fora de seus sonhos, seria mais lógico deixar a empresa.

Naquele domingo, à tarde, John chegou em frente ao prédio de Marianne quando ela estava colocando as malas de seus pais dentro da BMW branca. Sem deixar o carro, John observou o grupo de longe. Um grande alívio o percorreu ao ver que Darcy e Dominic estavam de partida. Que explicação lhes daria para sua presença ali? Para ser franco, não sabia como explicar nem para si mesmo. Sua única certeza era de que não podia continuar a viver daquela maneira. John achava que podia lidar com a raiva de Marianne, e de certa forma estava conseguindo, mas a mágoa que ele vira nos olhos dela não o dava paz, e foi isso o que o fez resolver procurá-la. Não dormira bem e perdera o apetite. Embora não tivesse feito nada errado. Não fizera nada para merecer aquilo. No entanto, John sabia que teria de acertar aquela situação, porque, dos dois, ele


era o mais velho e o mais experiente. E, além disso, Marianne estava muito vulnerável e confusa. Recuperar-se de uma amnésia devia ser bastante traumatizante. Enquanto ela acreditara ser sua esposa, ele tomara conta dela. Não era de admirar que Marianne o olhasse com melancolia. Ao contrário do que John pensara, a situação entre eles não estava resolvida. Sentia no fundo da alma que estava longe disso. John procurava ignorar o óbvio: sua casa estava triste e solitária sem Marianne. Marianne deu a partida no motor e se foi, para levar os pais ao aeroporto. John decidiu esperar por seu retorno. Lembrando que não comia nada fazia muito tempo, dirigiu-se a uma lanchonete próxima para fazer uma refeição leve e sentou-se, disposto a esperar pelo menos duas horas. Quando voltou ao prédio de Marianne, a noite começava a cair. Mas, como o carro dela era branco, ele o localizou com facilidade. Estacionou do outro lado da rua e irritou-se ao constatar que estava excitado demais com a perspectiva de revê-la. Porém, não podia negar a sensação estranha na boca do estômago, bem como sua terrível solidão. Era a vida que ele escolhera, mas não tinha a menor alegria. Caminhando para a entrada do prédio, concluiu que era isso que o fazia desejar tanto a presença de Marianne. Se a perda de alguém que amava era algo novo para ela, então devia estar sofrendo muito. Ajudá-la a aliviar a dor não era só caridade, era uma atitude inteligente também. Porque, quanto mais rápido ela voltasse ao normal, melhor seria para ambos. Marianne atendeu à campainha, sem demora. John nem notou sua surpresa. Viu apenas seus sedosos cabelos dourados, a pele delicada como uma pétala de rosa e as curvas suaves, acentuadas pelo robe de cetim. Era longo, quase tocando o chão, mas como era amarrado apenas com um cinto, as pernas bem torneadas ficavam à mostra, desde os pés até as coxas. John engoliu em seco. Sem dúvida, ela era a mulher mais sexy que ele já vira. — O que está fazendo aqui, John?


— Perdão? — Ele não conseguira ouvir o que Marianne dissera. Suas belas pernas distraíram sua atenção. Naquele instante, tudo o que sabia é que nunca vira uma garota tão linda. — Perguntei o que está fazendo aqui. John pigarreou. Poderia dizer que estava preocupado com ela? Será que Marianne ficaria furiosa? Poderia dizer que havia pendências entre eles e arriscar-se a irritá-la? Respirou fundo. — Marianne, tenho algumas coisas relacionadas ao trabalho no nosso departamento que queria discutir com você. Achei que não podia esperar até amanhã. Pensativa, Marianne deu-lhe passagem, permitindo que ele entrasse. John sentiu a temperatura subir e passou o dedo pelo colarinho. Agora que estava na sua sala de estar, vendo seu corpo sensual envolto apenas em um roupão, disse a si mesmo que devia estar louco, para ir à casa de uma mulher pela qual se sentia tão atraído. Apelando para seu lado racional, John sentou-se no lugar que ela lhe ofereceu. Marianne acomodou-se diante dele, cruzou as longas pernas e o encarou. — Então, que assunto tão urgente temos a discutir? — Vim para lhe oferecer um outro cargo. — O quê?! — Eu tinha uma proposta para lhe fazer, naquela noite em que você caiu e bateu a cabeça, Marianne. Mas depois, com tudo o que aconteceu, não pude falar. — Tinha uma proposta para mim? — Sim. Você é inteligente, organizada e capaz. Achei que gostaria de se tornar minha assessora. Poderíamos intensificar seu treinamento e dar-lhe todas as qualificações para que pudesse ter uma parte do departamento sob sua direção. — Eu teria meu próprio departamento? — Não, não é bem assim. Entretanto, seria responsável por uma parte do meu.


Responderia a mim, e eu, ao presidente. — Você deve estar brincando... John achou que havia um brilho de prazer nos olhos dela. — Não, Marianne. Tudo isso não iria acontecer da noite para o dia — acrescentou, cauteloso, e levantou-se, começando a andar de um lado para o outro. Raciocinava melhor assim. Marianne deixara-o nervoso, mas ao mesmo tempo alegre por estar desanuviando a atmosfera entre eles. De fato, adoraria beijá-la, de tão contente. John recordou a maneira fácil e íntima como Marianne o beijara durante o tempo em que pensara ser sua esposa. Não tinham sido beijos sensuais, mas sim uma demonstração de afeto. John gostara deles, e sentia sua falta. Porém, agora qualquer beijo era perigoso. Por isto é que precisava andar de um lado para o outro. Para se concentrar. — Mas, no fim, espero separar a publicidade das relações públicas. O que faríamos agora seria prepará-la para assumir mais tarde as relações públicas. Marianne levou as duas mãos ao peito. — Não está falando a sério! — Claro que estou. John sorriu. Aquela era a Marianne eficiente que conhecera naqueles quatro anos. Era uma mulher completa, e seu entusiasmo mesclava-se a muita sensibilidade. Todas as tentações que tivera durante a convivência com Marianne retornaram com todo o vigor. Naquele instante, John achou que faria qualquer coisa para beijá-la outra vez. Mas seria um erro muito perigoso. John não queria um relacionamento com ela. Não pretendia casar-se com ela, nem com ninguém. Não acreditava mais na permanência do casamento, e uma moça como Marianne precisava daquele tipo de compromisso. — Fico contente por ver que você concorda, Marianne. — Evidente que concordo! Essa oportunidade parece perfeita!


Era estranho que aquela idéia lhe tivesse parecido adequada até a noite do acidente. De repente, tornar Marianne sua assessora não lhe parecia tão conveniente assim. No fundo, desejava que ela não aceitasse, porque, se ela aceitava trabalhar junto dele com tamanha facilidade era porque não sobrara nada de seus antigos sentimentos. Seu lado racional dizia que era bom, mas não lhe agradava. — Fico feliz em ver que ficou feliz. — Estou, sim, pode acreditar! A decepção tomou conta de John. Parecia até que tinha saudade do tempo em que ela era apaixonada por ele. Que ridículo! Aquela paixão não trouxera nada, a não ser problemas. Haja visto o que sua própria atração tinha feito. Tornara-o maluco. Fazia-o crer que uma de suas melhores e mais elaboradas escolhas não era mais válida. — Então, quando começo no meu novo cargo? — Vou comunicar ao departamento amanhã à tarde. Sua primeira tarefa será encontrar uma substituta para você, e quando isso estiver acertado, será toda minha. A escolha de palavras de John não podia ter sido pior. Marianne ficou vermelha até a raiz dos cabelos. Ninguém ali queria ser mais nada um para o outro. Seriam apenas colegas. Marianne não desejava nada mais além disso. John podia ver aquela decisão no belo semblante impassível. Logo, permaneceria discreto. Marianne não precisava se preocupar com ele.


CAPÍTULO XII

Com suas novas responsabilidades, você terá também que viajar muito mais — John dizia, ao conduzir Marianne para dentro do pequeno e barulhento avião. — E os lugares aonde vamos nem sempre têm aeroportos grandes. Teremos de fazer conexões, na maior parte do tempo. A aeronave era pequena, mesmo. Mal Marianne subiu o último degrau da escada, esbarrou em um passageiro que colocava a mala no compartimento acima do assento. O corredor mal dava para uma pessoa passar. Ela esperou com paciência que o homem acomodasse a mala. — É melhor você não trazer mais bagagem do que o necessário, Marianne. Não há espaço para mais que uma valise e uma frasqueira. O passageiro à frente de Marianne acabou sua tarefa e sorriu, desculpando-se. Ela prosseguiu até a parte de trás. Como não havia dois lugares juntos, eles voariam separados. Mas John garantiu que seria impossível conversar, de qualquer modo, devido ao ruído ensurdecedor dos motores. No entanto, Marianne não se importou. Fazia muito tempo que não se sentia tão bem. Com sua promoção, sua mente estava mais do que ocupada. Os deveres de sua nova posição eram interessantes e diversificados. De repente, sua carreira ficara cheia de possibilidades e desafios. Também adquirira mais autoridade e autonomia. E não precisara desistir do amor de John para obter tudo aquilo. Afinal, nunca o tivera. Desistira apenas de alguns sonhos bobos, impossíveis. Coisas que nem desejava mais... Marianne aproveitou o período de vôo para organizar sua agenda para a semana seguinte. John contemplava as nuvens do lado de fora, pensando na nova campanha publicitária, criando estratégias de marketing, corrigindo até o que ainda não estava feito. Queria que a nova campanha fosse perfeita. Ao chegarem a seu destino, alugaram um carro e se dirigiram para o hotel. Como


já eram cinco e meia, John sugeriu que descansassem e tomassem um banho, e depois se encontrassem no restaurante para jantar. Para Marianne, era o momento ideal para relaxar em uma banheira cheia de espuma, arrumar os cabelos e colocar uma calça jeans e um suéter. Já notara que os demais hóspedes vestiam-se de maneira informal, e bendisse a oportunidade de deixar os saltos altos de lado. Quando encontrou John na recepção, viu que ele também se trocara e pusera jeans com uma malha pólo. Sorriu para ela. — Vejo que você também é adepta do costume. — Que costume, John? — A maioria das pessoas com quem já viajei sempre traz um jeans. É bom esquecer um pouco os trajes formais. — Sim, acho que os outros hóspedes também pensam assim. — É verdade. Este hotel é muito confortável, e a cidade é pequena e muito simpática. Acho que você vai gostar. Marianne assentiu, e John a conduziu para o restaurante. Acomodaram-se e fizeram seus pedidos como quaisquer outros funcionários viajando pela mesma empresa. A refeição transcorreu tão amigável que, quando John sugeriu que continuassem a conversa em um dos sofás da sala de estar, Marianne aceitou. — Tenho de admitir que fiquei muito surpreso quando soube de seus pais, Marianne. — Por quê? — Nunca teria imaginado que você vinha de um meio tão famoso. — Só porque sou uma pessoa que gosta de privacidade? — Isso mesmo. — Para ser franca, John, sempre quis ser amada, respeitada e mesmo bem-


sucedida pelas coisas que faço, e não pelos pais que tenho ou por sua influência. — Não posso censurá-la por isso. Meu pai era muito poderoso na área imobiliária. Sua sombra se estendia por toda parte. Por isso, mal deixei a faculdade, percebi que nunca saberia se alcançava sucesso por mim mesmo ou devido ao nome dele. Assim, segui uma carreira diferente. — Sério? Não é brincadeira? — Pode acreditar. Era a primeira vez que John falava alguma coisa sobre sua vida particular. — Você esteve também no ramo imobiliário, John? — Por pouco tempo. Queria ver se tinha capacidade para ser um grande corretor. Curiosa, Marianne o observou por alguns segundos. — Lamenta ter deixado? John meneou a cabeça. — Não, Marianne, porque ainda lido com isso, como amador. Faço alguns investimentos, mas nunca me arrisco muito. — Bem, é sensato. Marianne adoraria ouvir mais. Qualquer coisa. Descobrir que o mercado imobiliário fora o primeiro amor de John mostrava quão pouco ela o conhecia. — E irmãos e irmãs? Você os têm? — Apenas sete. — Ele gargalhou. — Sete?! — Sim, mas ainda tenho Tim, que é como um irmão, também. Assim, de certa forma, são oito. E com as esposas e as crianças, somos quase trinta. — Meu Deus! — Foi tudo o que Marianne conseguiu dizer. — Durante o Natal e na hora das fotografias é bem interessante. — Não consigo nem imaginar...


— Se você prometer não me interpretar mal — ele se aventurou, meio incerto —, gostaria muito de convidá-la e mostrar-lhe um feriado na casa de meus pais. — Gostaria muito de ver, John. Mal acredito. Então, você tem sete irmãos. Trabalhamos juntos tanto tempo, e eu não sabia disso. Você nunca deve ter se sentido só. Mas John sabia o que era solidão. Passara os últimos cinco anos sozinho, confuso e com raiva. Acima de tudo, muito confuso. Para esconder suas emoções e também para não ferir ninguém, ele se isolara das conversas e das pessoas, o que o tornava ainda mais só. Achava interessante que a primeira pessoa com quem se abria fosse Marianne. — Meus irmãos e irmãs são o que eu chamo de perfeitos, Marianne. Freqüentamos a faculdade, estudamos muito, escolhemos nossas carreiras baseados em nossas habilidades e, quando chegou a hora, todos nos casamos bem. A diferença é que minha mulher morreu em um acidente de carro, enquanto todos prosseguiram, felizes. Todos tiveram filhos. Quando Bárbara morreu, eles quiseram ficar ao meu lado, mas eu não queria mostrar minha tristeza para ninguém. Marianne suspirou, solidária ao sofrimento dele. — Fiquei um pouco revoltado e ao mesmo tempo surpreso por ter aquela reação com pessoas a quem amava. Por isso, afastei-me. Desde então, deixei de ser parte da família. John fez uma pausa, como que ponderando sobre o que dissera. — Claro, eu ia a piqueniques, jantares e até a festinhas de crianças, mas mantinha-me à parte. Não percebi o erro que estava cometendo até... até... bem, até agora. — Ah! Então pretende telefonar a um deles marcando um encontro e se penitenciando com todos? — Se eu não fizer isso, vai brigar comigo? — Não. — Ela riu. — Talvez insistisse com você, até enlouquecê-lo. Mas não brigaria.


Com o olhar fixo em sua cerveja inacabada, John deu uma risada seca. Pensamentos estranhos rodopiavam em sua cabeça. Será que evitara uma maior aproximação com Marianne, naqueles quatro anos, porque seu sexto sentido lhe dizia que ela era especial e que iria fazê-lo se abrir daquela maneira? E também era estranho que, apesar de John ter tido pouco contato com ela, Marianne era a pessoa de quem se sentia mais próximo. Sentia-se muitíssimo grato ao destino por tê-la encontrado, contente por Marianne não odiá-lo mais e feliz por poderem ser amigos. — Acho que um piquenique seria uma boa idéia. — John tomou um gole de sua bebida. — Não posso simplesmente chegar e anunciar que estou começando a me sentir sociável outra vez. Por isso, é bom ter um encontro para pôr em dia o que aconteceu desde a morte de Bárbara. Ações falam mais alto que palavras. — Exato! — Marianne confirmou, com entusiasmo, mas em seguida bocejou. — Desculpe-me, estou muito cansada. Acho que vai ser mais difícil me habituar com essas viagens do que pensei. — No começo, sempre é complicado. — John se levantou. — Venha, vou levá-la até seu quarto. Marianne sabia que aquele gesto era uma mera cortesia, e não deu nenhuma outra interpretação ao fato. Agora que sabia que John permanecia de luto desde a morte da esposa, compreendia que era fácil para ele ser apenas seu amigo e que não quisesse nenhum outro tipo de envolvimento. Uma estranha sensação de tranqüilidade tomou conta de Marianne. Algo como consolo. Os dois podiam ser amigos de verdade, pois se compreendiam. Naquela atmosfera de companheirismo, Marianne deslizou o braço pelo dele, e dirigiram-se ao corredor. — Essa conversa foi muito boa, John. Muito, mesmo. John concordou. E compreendia que o braço dela no seu era um gesto de confiança. Sentia-se ingressando outra vez no mundo dos vivos, o que o alegrou, pois, apesar de tudo o que acontecera entre eles, os dois podiam cultivar uma boa amizade.


No dia seguinte, fizeram as mesmas coisas. Das nove da manhã às cinco da tarde cuidaram dos negócios. Em seguida, voltaram ao hotel, mudaram de roupa, jantaram e conversaram. Na semana seguinte, quando fizeram uma outra viagem, seguiram a mesma rotina. Após tantas conversas longas e mútuo conhecimento, não havia mais lugar para malestar entre eles. — Então, Marianne, nenhum namorado sério? Nunca? — John provocou-a. — Apenas um, em meu primeiro ano na faculdade — Marianne respondeu em tom de brincadeira. — É a mesma história que acontece com muitas outras moças. Fiquei apaixonada, mas ele, não. — Porém, naquela época você devia ser muito jovem, ainda. — É... mas ele me decepcionou muito. Depois que descobriu que meus pais eram ricos e, ainda por cima, celebridades, quis continuar o namoro. — E você lhe disse para onde ir, aposto. — John riu. Marianne suspirou e fez uma careta. — Não. Eu gostava tanto dele que não me importei que quisesse me namorar só por causa de meus pais. — Oh! — Apenas me convenci quando o encontrei na cama com outra garota. — Aí, você o descartou de uma vez por todas. — Sim, mas já tinha feito papel de tola. — Marianne, Marianne! — John exclamou. — Todo mundo faz papel de tolo, pelo menos uma vez na vida. Ela deu de ombros. — Acho que sim... — E agora está a caminho da redenção. As coisas estão indo tão bem que dentro de pouco tempo será chefe. Acho até que terei de prestar contas a você.


— Imagine! — É verdade! Você é excelente. É intuitiva em seu trabalho, e essa é uma qualidade essencial. Possui o dom, Marianne. Estou muito orgulhoso. — Obrigada. — Marianne também sentiu orgulho de si. Ser chefe de John seria um exagero, mas era intuitiva, sim. Talvez tivesse se sentido atraída por John por intuir que ele saberia tirar o melhor dela. Com certeza nunca se casariam, nem teriam filhos. Mas estavam destinados a ser amigos, e ambos ajudavam-se mutuamente. Como já se tornara hábito, John conduziu-a para os aposentos. Marianne pusera o braço em torno do dele e puseram-se a caminhar, devagar, conversando ao longo do corredor. Marianne abriu a porta, e a coisa mais inusitada aconteceu. John se inclinou para a frente, deu-lhe um ardente beijo na boca e seguiu para o elevador. Marianne entrou no quarto e recostou-se contra a porta. Seu coração batia de modo selvagem, e ela sentiu um calor invadir-lhe o corpo, provocado por um mero beijo. O que era aquilo? Já não superara seu amor por John? Por alguns minutos, ficou ali, parada, confusa e receosa de admitir. Por fim, decidiu que tinha sido somente um beijo de amigos.

Mais tarde, Marianne teve certeza disso, pois John tornou a beijá-la na viagem seguinte. Passou os lábios sobre os dela, de maneira gentil, e depois deu-lhe as costas. Mas eram mais que apenas amigos. Eram os melhores amigos um do outro. Fazia cinco anos que John chorava pela esposa falecida. Quase perdera a família por causa disso. Marianne sabia que ele precisava de uma amiga mais do que de uma amante. Assim, quando ele a beijava, fazia-o a uma amiga, nada mais. Por isto, os beijos eram tão rápidos. As emoções de Marianne encontravam-se em meio ao caos. Por um lado, ficava


contente de saber que sua amnésia não arruinara aquela maravilhosa amizade. Por outro, quase chegava às lágrimas por não poder ter John. Não da maneira como queria. Talvez nenhuma outra mulher pudesse. No entanto, pelo menos, sabia que ele a tirara do limbo quando a tornara a pessoa em quem mais confiava.


CAPÍTULO XIII

— Isto está confuso! — Olívia colocou um memorando na mesa redonda para que todos vissem. Mas ninguém precisou checar nada. Assim que viram a assinatura, adivinharam o que o documento continha: um convite para a festa em honra da promoção de Sophia a secretária executiva de Rex Barrington III, um homem que nunca pisara na empresa e muito menos trabalhara ali. — "Confuso" não é bem o termo. — Sophia sentou-se na única cadeira disponível e jogou os cabelos loiros para trás. — Imagine como eu me senti quando Rex Barrington II me chamou e me disse que eu estava sendo promovida a secretária executiva de seu filho, que nunca vi na vida. E ainda me falou que comemoraríamos o fato. Diz que quer seguir o modelo de John Cavanaugh. Embora todos estivessem concentrados em Sophia, no momento em que ela citou o nome de John, eles se voltaram para Marianne. — Ei, não olhem para mim! — Marianne se pôs na defensiva. — Tudo o que sei é que John mencionou para Rex II que nosso departamento gosta de comemorar os sucessos em conjunto, e por isso somos tão produtivos. Como John ia adivinhar que o patrão ia adotar o mesmo sistema? — Eu não me importo com a festa — Sophia admitiu. — Mas sinto-me estranha, incomodada por receber essa promoção... — Por quê? — Rachel perguntou, admirada. — Imaginei que estivesse no céu. Todo mundo sabia que você queria esse cargo. — Por isso mesmo, Rachel. Todo mundo sabia. Mais de vinte pessoas pediram esse emprego, e ninguém foi chamado nem para uma entrevista. Nem eu! E, no entanto, a colocação é minha. Como fui escolhida e por quê? Chamaram-me porque eu queria demais esse lugar? — Não, querida. Foi decerto por sua performance. — Patrícia sorriu. — Eu não tive nada a ver com essa decisão, mas entreguei as pastas individuais do pessoal ao Sr. Barrington. Até onde sei, você tinha as melhores credenciais.


— Você acha, Patty? — Com certeza, Sophia. As outras murmuraram, assentindo, e como já estava no fim do intervalo, começaram a voltar para suas salas. A caminho da saída, Rachel aproximou-se de Marianne. — Se precisar de uma carona para a comemoração de hoje à noite, pode vir comigo. — Obrigada, Rachel, mas não será preciso. John virá me pegar. As outras amigas de Marianne já estavam longe para ouvir sua resposta, mas Olívia e Sophia escutaram e pararam onde estavam. — Marianne, o que anda acontecendo? — Olívia quis saber. Marianne deu de ombros. — Nada. Apenas irei com John. Gosto da companhia dele. Olívia franziu as sobrancelhas. — Marianne, vocês dois viajam sempre juntos. No final de semana, fazem compras juntos. Almoçam juntos quase todos os dias. Há alguma coisa que está escondendo de nós? — Não, de jeito nenhum. Somos excelentes amigos. É tudo. Olívia suspirou como se quisesse falar mais, mas calou-se. Rachel, no entanto, não se conformou. — Tem certeza disso, Marianne, ou John está tirando vantagem de você? — Como assim? — Não sei... mas não faz sentido. Vocês nunca tinham tido nenhuma conversa particular, até você passar aqueles três dias na casa dele. E agora estão inseparáveis! — Nós não somos inseparáveis, Rachel. — Não?! Então, por que não aceita minha carona e vai comigo à festa?


— Mas isso é ridículo! John e eu somos amigos. Não vou ofendê-lo rejeitando-o no último minuto. — Está bem. — Rachel viu que não adiantava insistir. — Mas cuide-se. Você está tornando tudo muito fácil para John. Parece-me que ele sempre tem uma companhia disponível e uma garota para ajudá-lo em mil problemas, tudo sem conseqüências e sem custos. Marianne a encarou, sem entender. — Marianne, o que estou tentando dizer é que você está sempre por perto, é tão prestativa... John nunca se sente solitário, porque está sempre lá, querida. Ele não tem de pedir-lhe ajuda para terminar de decorar a casa, porque você mesma o leva às compras. Também não precisa convidá-la para sair, porque sabe que, quando precisar de companhia, você estará lá. Segundo meu ponto de vista, John Cavanaugh tem sombra e água fresca. E atrapalha seu namoro com outro homem. — Isso é absurdo! — Marianne deu-lhe as costas e foi para seu escritório.

Porém, as palavras de Rachel perseguiram-na a tarde toda. Era verdade. Ela e John estavam sempre juntos, mas isso era porque trabalhavam lado a lado enquanto construíam a carreira dela. Também era certo que John confiava nela. Dizia-lhe coisas que não poderia dizer a ninguém mais, mas Marianne considerava aquilo bastante normal e positivo. Apreciava demais o fato de John sentir-se à vontade ao se abrir, não se detinha a pensar nisso. Contudo, se não fosse por aqueles rápidos beijos de boa-noite, Marianne não teria dado maior importância aos conselhos de Rachel. Mas aqueles beijos eram estranhos. John não os explicava. Ficavam um pouco acima de amigáveis e abaixo de apaixonados. Podiam significar qualquer coisa. E a constante presença dele a seu lado afastava os outros possíveis pretendentes...

Quando Marianne se encontrou com John, no final do expediente, e ambos reviram os trabalhos de publicidade como qualquer outro chefe e sua assistente, ela se sentiu uma tola por ter dúvidas sobre os motivos dele.


John se determinara a ajudá-la a atingir seus objetivos, porque sabia como era importante para Marianne ser bem-sucedida. Só uma idiota iria questionar sua generosidade por causa de alguns ternos e adoráveis beijos. Deu de ombros e escolheu um vestido preto para o coquetel, mas achou-o muito sério. Pegou um vermelho, mas achou-o muito sexy. Por fim, optou por calça comprida de cetim de cor neutra, com uma blusa que ostentava um decote elegante. — Adoro essa roupa! — John exclamou ao vê-la. — Eu também. — Marianne achou graça. — Minha mãe iria achá-la muito clássica. John deu uma volta em torno dela. — Não sei... Acho que ela o acharia bastante sofisticado. Ouvi rumores de que Rex III estará na festa hoje. Marianne pegou a bolsa. — Espero que seja verdade. — Por quê? — John fechou a porta do apartamento dela e conduziu-a para o elevador. — Porque Sophia está entrando em pânico. Ela foi promovida a secretária executiva do futuro presidente da Barrington. Está questionando suas habilidades, e como não conhece Rex III, não sabe se trabalhará para ele ou não. Afinal de contas, como pode saber se são compatíveis, se nunca sequer o viu? — Bem pensado. Mas você sempre tem boas idéias. Estou muito feliz por tê-la selecionado, Marianne, e mais ainda por ter aceitado ser minha assessora. — Obrigada. Então, Marianne lembrou-se do que Rachel dissera. Porém, afastou a lembrança incômoda.

Chegaram ao restaurante onde se realizava a festa de Sophia. John dirigiu até a entrada, onde deixou o carro com o manobrista. Em seguida, segurou o braço de Marianne, para entrarem.


Aquilo era estranho. Marianne não era sua namorada. Por que um gesto tão possessivo? Talvez fosse melhor entrar sozinha. — Acho que vou retocar meu batom antes de entrar, John. Encontro você lá dentro. — Está bem. Marianne observou-o afastar-se e se perguntou se estaria imaginando coisas outra vez. Quando ela voltou do toalete, resolveu se sentar ao lado de Olívia e Lucas e ficou contente com sua decisão, pois viu que havia um lugar especial para John à mesa de Rex Barrington II, mas não para ela. A ausência de Rex Barrington III fazia-se notar, mas ninguém tinha coragem de mencioná-la. — Conversei com cada diretor de departamento — John disse a Marianne, Olívia e Lucas, quando foi ao encontro deles, depois do jantar. — Nenhum de nós conhece Rex III, mas ninguém teve coragem de perguntar por ele. — Já estive na casa dos Barrington e também não encontrei Rex III — Lucas afirmou. — Se eu não conhecesse o velho Rex tão bem, diria que era louco ou que tinha inventado um filho com seu nome só para evitar rivalidades e competições entre nós por seu cargo. — O que é isso, Lucas? Não é coisa que se diga — Olívia censurou-o. — Bem, querida, Barrington tem uma empresa multimilionária, com seis grandes departamentos. Cada um deles funciona à perfeição, administrado por gente muitíssimo competente. Se não houvesse Rex III, ou melhor, um herdeiro, como acha que funcionariam? — Está insinuando que os departamentos não cooperariam tão bem entre si, porque estariam lutando pelo posto máximo, Lucas? — Você teria tão boa vontade com os outros departamentos, John? Se não houvesse Rex III, não ficaria pelo menos interessado em administrar uma empresa multimilionária? Marianne sorriu.


— Admita, John — ela disse, um pouco irônica. — Está bem, com certeza, sim... Mas Rex II não faria uma coisa dessas conosco. — Não estou afirmando que faria. Digo apenas que é uma possibilidade. Você tem de admitir que é esquisito oferecer uma festa em homenagem à secretária de Rex III e ele não comparecer. — Olá, pessoal! Estão se divertindo? Os quatro se viraram e viram Mike aproximar-se. — Você está muito bonita hoje, Olívia. Lucas colocou o braço sobre o ombro de sua mulher. — Mantenha distância, Mike. Ela é minha — brincou. Mike virou-se para Marianne. — Você também está. — Agora não vale, Mike. Você me deixou em segundo lugar. — Não, Marianne. — Estendeu-lhe a mão. — Esta noite, é a primeira com quem quero dançar. Com um sorriso, Marianne tomou-lhe os dedos e deixou-o conduzi-la para a pista. Por coincidência, seu olhar caiu sobre ele. A expressão do rosto másculo era atenta e não perdia nenhum dos movimentos dela. Marianne lembrou-se de novo de Rachel. Naquele momento, um grupo de funcionários foi até John, que se levantou e saiu do salão. Quando Mike reconduziu Marianne para a mesa com Olívia e Lucas, John ainda não tinha voltado, mas ela se recusou a pensar no assunto. Ali, todos eram amigos. John era seu amigo também. Nada mais. A não ser que quisesse arranjar problemas outra vez, pouco devia lhe importar onde John estava ou o que fazia. Mas Marianne não precisou se preocupar com aquilo por muito tempo. John voltou em poucos minutos e não saiu mais de seu lado. Apesar de não dançarem, não se


separaram um só instante.

A noite passou rápido. Quando, por fim, deixaram a festa, o manobrista trouxe o automóvel de John. Ao se aproximarem do edifício de Marianne, John deu uma risada. — O que foi? — Estava pensando no que Lucas disse sobre a possibilidade de não existir um Rex III. Marianne mordeu o lábio. — Odeio ter que dizer isso, mas o que ele falou tem lógica. — Sem dúvida. Muita, até. Desde o princípio, nós todos sabíamos que Rex II já tinha um substituto natural. Logo, ninguém considerou aquela posição. Portanto, concentramo-nos em nossos departamentos e, juntos, fizemos um trabalho fantástico. — Então, você acha que Lucas tem razão? — Não sei o que pensar, Marianne. Rex II é um homem muito engenhoso. Ele poderia... John fez uma pausa. — Não, deve haver alguma razão para ainda não termos encontrado Rex III. E deve ser bem simples. A conversa se interrompeu quando John estacionou em frente ao prédio de Marianne. Ele nunca a deixava subir sozinha, por isso ela esperou sentada, enquanto John saía do carro para abrir-lhe a porta. Diante do apartamento, despediram-se. — Boa noite, Marianne. Ela engoliu em seco. — Boa noite, John.


Ele inclinou-se para tocar-lhe os lábios, mas, daquela vez, Marianne, num ímpeto, enlaçou-lhe o pescoço. John não resistiu e beijou-a com ardor. Para John, toda aquela situação chegara ao auge. De certo modo, sabia que ambos vinham esperando por aquele momento fazia muito tempo. Sentiam-se atraídos um pelo outro, eram bons amigos e tinham conseguido superar uma crise emocional que poderia tê-los separado para sempre. Mas, ao contrário, tornara-os ainda mais unidos. Tanto que podiam começar um romance. John a estreitou contra si. Marianne não precisava de encorajamento. O beijo tornou-se ainda mais profundo. John deixou-se levar pela sensação, pelo sabor e pelo perfume de Marianne. Parou de pensar, silenciou sua consciência e se permitiu aproveitar o momento, como qualquer homem que desejasse uma mulher faria.


CAPÍTULO XIV

Uma quente e deliciosa sensação cresceu dentro de Marianne. Sua pele estava toda arrepiada, e as mãos de John não eram mais tão leves e sutis. Num instante tocavam suas costas com sensualidade, e no outro, apertavam-na e acariciavam-na como se quisessem decorar suas formas. Quando o dorso da mão dele tocou seus seios de leve, a resposta de Marianne foi imediata. O desejo espalhou arrepios deliciosos por sua coluna. O desejo fazia amolecer suas pernas e a deixava fraca. Marianne reuniu todas as forças para não começar a tremer. — Marianne? — John sussurrou, contra sua boca. — Sim? — Acho que, para nosso bem, é melhor eu ir embora. John afastou-se e olhou dentro dos olhos dela. Marianne sabia que ele estava vendo confusão, desejo e muito medo. Era isso também o que via nele. Marianne sabia que podia dominar a confusão e o desejo, mas não o medo. Respirou fundo e abriu a porta. — Boa noite, John. — Boa noite, Marianne.

John tentou não pensar no que fizera, mas, mesmo antes de entrar no carro, a dúvida o atacou. O que ele pensava que estava fazendo, envolvendo-se com uma colega? Já não sofrerá o bastante para uma vida inteira? E, se queria se arriscar, não podia pelo menos deixar Marianne em paz? Ou queria magoá-la também?


John não telefonou para Marianne no dia seguinte, e assim ela não o viu no sábado à noite. Bem, John devia ter seus planos, ela pensou. Ele e Tim talvez tivessem algum compromisso que não podia ser cancelado. Havia muitas razões válidas para o silêncio de John.

Marianne entrou no departamento de publicidade da Barrington na segunda-feira de manhã um pouco nervosa, mas contente. Tudo o que desejara estava se tornando realidade. Talvez fosse possível que ela e John viessem a ter um romance... Entrou na recepção com um sorriso. — Bom dia, Sandy. — Olá, Marianne! Não esperava vê-la aqui, hoje. — Como assim? Por que não? — Bem, John deixou uma mensagem dizendo que estaria em Boston a semana toda. Achei que você estivesse com ele. O sangue de Marianne congelou-se nas veias. Não porque John tivesse viajado sem ela, mas porque não lhe dissera nada. Contudo, embora ela experimentasse alguns segundos de puro pânico, decidiu controlar-se e confiar nele. Afinal de contas, devia haver um motivo lógico para John ter deixado a cidade, sem dizer-lhe nada. No entanto, nada justificava que não lhe telefonasse uma única vez...

Na semana seguinte, John voltou, e não chamou Marianne. Portanto, ela resolveu ligar para a sala dele. — John, como vai? Você é meu chefe, lembra? Imaginei que gostaria de falar comigo. Está me treinando para administrar metade deste departamento. Já esqueceu? — Não, não esqueci. Mas você já teve três semanas de experiência. É tempo mais do que suficiente para aprender o que fazer por sua própria conta. Marianne engoliu em seco.


— Eu sei o que fazer, sim, e tenho estado ocupada todo esse tempo. — Então, por que precisa falar urgente comigo? — perguntou, irritado. "Porque tenho saudade de você", ela quase disse. "Porque pensei que você queria falar comigo." Quase verbalizou isso também. No final, desculpou-se, afirmou que tudo estava em ordem e desligou. Quando escutou Sandy e Julie saírem para o intervalo da tarde, Marianne abaixou a cabeça sobre a mesa e chorou.

— Bom dia, Marianne. Ela ergueu a cabeça dos papéis que lia e viu John de pé, à soleira. Ele também não lhe telefonara durante o final de semana. Nenhuma desculpa. Nenhuma explicação. Nada. O que significava que decidira ignorar o beijo, a amizade e tudo o mais. Aquilo indicava que estavam de volta à estaca zero. A posição de chefe e subordinada. — Bom dia, John. Com aquele jeito habitual de "ser amigo de todos", John sentou-se na poltrona em frente a ela. — Então, conte-me o que aconteceu enquanto estive fora. — Não muita coisa. Quero dizer, fizemos progressos em todas as campanhas. Presidi uma das reuniões e revi algumas tarefas. — Viu? — John esboçou um largo sorriso. — Eu disse que você não precisava de mim. Por um instante, Marianne apenas ficou a olhá-lo, imaginando se ele estava usando um duplo sentido. Teve vontade de perguntar por que a beijara. E por que se comportava como se não tivesse acontecido. Mas achou melhor não falar nada. Para ele, aquele beijo não passara de um exercício de sedução. Devia ser uma coisa corriqueira na vida dele.


Aquela situação era pior que sua amnésia. Uma coisa era acreditar com sinceridade em algo irreal. Outra muito diferente era interpretar um gesto de maneira errada. Isso, sim, era muito humilhante. Marianne pigarreou. — Não, John, está errado. Posso ser capaz de conduzir as coisas aqui, quando se ausenta. Porém, ainda preciso de você, pois está me ensinando muito. "Em sua maioria, o que eu preferia não saber" concluiu, com tristeza. Sobretudo a respeito de si mesma e de sua ingenuidade.

Marianne deixou se passarem dois dias, e só então foi ao escritório de John. — Você tem um minuto? — Bem, na verdade, estou muito ocupado, Marianne. — Sei disso, mas este projeto da Pendergrass está desmoronando. Acho que precisamos de sua experiência. — Está bem, deixe a pasta aí em cima. Vou revê-la, e depois dou-lhe uma resposta. — John, é muito melhor que eu esteja com você, quando avalia alguma coisa. Gosto de acompanhar todo o processo, sua maneira de julgar, para que eu possa entender os dois lados e ver como toma uma decisão. — Não podemos nos dar a esse luxo. Não temos tempo para isso, Marianne. As coisas mudaram. Você vai estar por conta própria mais cedo do que pensávamos. — Isso é bom. — Ela se aproximou mais, pois não queria ser posta de lado, sem discutir. — Desejo essa responsabilidade. Até acho que já estou pronta para ela. Mas sinto que estava aprendendo muito mais quando trabalhávamos juntos. Por que paramos? — Éramos duas pessoas fazendo o trabalho de uma — John falou, de má vontade, levantando-se. Deu a volta em torno da escrivaninha, tomou o braço de Marianne e conduziu-a em direção à saída. — Não foi ruim, por umas poucas semanas, mas seu período de treinamento acabou. Agora, ou você nada ou afunda.


— Mas... — Marianne, se acha que não pode, desista. Marianne ergueu o queixo. Afinal, tinha seu orgulho. Ele não queria perder mais tempo com ela. Não suportava ficar perto dela. O que teria feito? Ofendera-o de alguma maneira? Aquele beijo da longínqua sexta-feira era mais uma de suas miragens. Talvez nem tivesse acontecido. Ao se ver conduzida para fora, Marianne estacou. — Espere, John... Isso é tão embaraçoso... mas acho que lhe devo um pedido de desculpas. — Marianne, você não me deve nada. — Sim, devo. Se interpretei mal... — Você não interpretou nada errado. Não fez nada. Tudo o que estou tentando dizer é que não temos mais tempo a perder. Não pode deixar as coisas assim? E, com isso, levou-a para fora da sala e fechou a porta. Sem querer pensar em seu rosto tristonho e confuso ou em como estava sendo injusto, John voltou a se sentar. Concentrou toda a sua atenção na pilha de papéis, mas a pasta azul de Marianne atraía seu olhar. Depois de tentar ignorar por dez minutos o que não podia ser ignorado, John pegou-a. Incapaz de se dominar, levou a pasta ao rosto e sentiu o perfume da colônia de Marianne. "Que droga! O que fazer?! Não posso continuar agindo assim com ela... Tenho de dar um jeito nisso!"

Dias depois, após mais uma reunião, Marianne se curvou para recolher os documentos espalhados. — Marianne? — John chamou-a.


— Sim? — Lembra-se de quando você tentou se desculpar comigo? Engolindo em seco, ela aquiesceu. — Bem, você não tinha por que se desculpar. Eu, sim. — Talvez nenhum de nós tenha motivo para pedir perdão. — Não, Marianne, eu não devia tê-la beijado. Foi uma atitude errada. Não desejo um relacionamento com você. Não acredito em romances que começam em um ambiente de trabalho, porque só trazem complicação. Contudo, quero ajudá-la. Posso voltar a treiná-la. O que acha? Marianne suspirou. — Não concordo, John. Para ser franca, ia lhe comunicar que decidi falar com Patrícia e tentar uma transferência para outro departamento. Não quero correr o risco de me aproximar outra vez de você e passar por outra decepção. Cheguei a meu limite. Com lágrimas nos olhos, Marianne deu-lhe as costas e se foi.


CAPÍTULO XV

Em sua mente e mesmo em seu coração, Marianne sabia que estava certa. Se John não conseguia dar passos em sua direção, então não a amava, e ela não devia ficar perto dele. Mesmo tendo o poder de racionalizar e dizer a si mesma que aquela decisão era a melhor, no entanto, estava sofrendo. Todo o seu corpo doía. Dor e melancolia invadiam cada parte de seu ser. Permaneceu na cama o sábado inteiro e boa parte do domingo. Mas, no domingo à tarde, quando foi à cozinha, viu um pacote enviado por seus pais sobre a mesa. Relutante e um pouco espantada, pois não se recordava de tê-lo recolhido com a correspondência, abriu-o. Havia uma fita cassete. — A Semente da Oportunidade. "Dominic e Darcy Doyle mostram como você pode pegar as decepções, os fracassos e até mesmo as tragédias de sua vida e transformá-los em oportunidades." Embora não soubesse por quê, o absurdo da mensagem a atraiu. Talvez fosse a coincidência. Marianne começou a rir. Darcy lhe mandara aquilo como se soubesse que a filha começava a perder a confiança. De repente, uma onda de amor a invadiu. Sentou-se em uma cadeira. Nada dera certo com John Cavanaugh, mas pelo menos sabia que seus pais a amavam do jeito que ela era, bem-sucedida ou não. Sendo assim, ela decidiu ouvir o que tinham a dizer. — O que significa essa história de se transferir para outro departamento? — Patrícia perguntou, incrédula. — Você foi feita para relações públicas e publicidade! — John Cavanaugh também — Marianne observou com delicadeza. Eram quatro horas da tarde de segunda-feira. Um problema atrás do outro a


impedira de ir ao departamento pessoal mais cedo, mas agora que estava ali parecia-lhe que um enorme peso tinha sido retirado de seus ombros. A transferência era a coisa certa a fazer, naquele momento. — E já que ele chegou lá antes de mim, eu é que devo achar outro lugar. — Mas por quê, Marianne? — Patrícia, John quer que eu me transfira. Chocada, Patrícia arfou. — Mas, como? O seu trabalho sempre recebeu os maiores elogios da parte dele. Não posso acreditar que queira que o deixe. — Bem, ele não me disse isso. Na verdade, afirmou o contrário, mas sei que quer me ver pelas costas. Desse modo, a partir de hoje, quero que você encontre uma outra posição para mim na Barrington. — De jeito nenhum! Marianne não pôde evitar uma risada. — Patrícia, você não tem autoridade sobre isso. Não quero ficar na publicidade, e sei que John quer que eu saia. — Não pode ser verdade. Meu Deus, não se elogia uma pessoa o tempo todo para depois colocá-la de lado. O que foi que você fez? O que pode ter sido? Por um tempo, Marianne ficou em silêncio, depois deu um longo suspiro e decidiu que Patrícia merecia saber. — Eu e John temos um problema... digamos... químico. Desde minha amnésia, quando fiz coisas como beijá-lo, abraçá-lo e nos colocar em atitudes íntimas... descobrimos que havia uma atração física entre nós. Patrícia franziu as sobrancelhas. — E daí? — John não quer nada comigo. Cada vez que estamos a sós, dizemos coisas que não devíamos. Contamos segredos que era melhor não ter contado. Essas confissões costumam acabar em um beijo, e toda vez que me beija, ele fica furioso. Pode sentir-se


atraído por mim e até me querer bem, mas não me ama, e por isso sente-se mal. Estou cansada de vê-lo ficar zangado, farta de nossa dificuldade em trabalhar juntos. Eu disse que pediria transferência, e ele permaneceu em silêncio. Logo, é óbvio que concordou. — Ah! Isso é ridículo. Não era muito do feitio de Patrícia discutir. Era quase sempre reservada e generosa, e talhada para trabalhar em recursos humanos, pois sua personalidade fazia-a dar-se bem com todos. Mas, naquele momento, não parecia a Patrícia que conheciam. — Entendo o que está me dizendo, Marianne. Como vocês dois são atraídos um pelo outro, fica difícil trabalharem juntos. Não acho que o problema seja John não querer nada com você. É o contrário. Ele quer, sim. — Sei que John me quer bem, Patrícia. Tenho certeza disso. Mas não me ama. E não acredita que possa vir a me amar. Talvez você não saiba, mas John já foi casado e era muito apaixonado pela esposa. Parece que não quer ter outra mulher. Não pretende se apaixonar outra vez. Eu não vou ficar em volta dele, feito adolescente. Tenho mais o que fazer. — Anda escutando as fitas de sua mãe, outra vez? Apesar de sua dor, Marianne achou graça. — Para falar a verdade, sim. Mas isso não tem nada a ver com minha decisão. Como qualquer boa mãe, a minha deu-me sua opinião... na fita. Porém, decidi sozinha. — Suspirou. — Patrícia, se um homem não a quisesse por perto, você insistiria? — Acho que não... — Mas, mesmo assim, não concorda comigo. — Que droga, Marianne! Não é justo! John gosta de você. Sei disso, vi como ele ficou ao ver Mike tirá-la para dançar. Para mim, aquilo era ciúme. Em vez de se afastar desse jeito, acho que devia ir atrás dele. — Nem pensar. Já sofri constrangimento suficiente para uma existência inteira. Olhe, faça minha transferência, por favor, enquanto ainda posso sair com um pouco de dignidade. Patrícia começou a consultar o quadro de posições da Barrington.


— Não acho direito, Marianne. — Patrícia, está acabado. Eu devia ter me transferido antes daquele episódio ridículo de minha amnésia. Como não o fiz, tudo piorou. Marianne se calou. Darcy tinha razão. Às vezes, um problema é o modo de a vida dizer que estamos indo na direção errada. — Consiga-me uma colocação na seção de funcionários temporários, Patrícia, e eu darei meu aviso prévio — disse, de repente. — Acho que está na hora de tentar um recomeço. Estou começando a ver que é hora de partir, para sempre. Tenho de achar meu verdadeiro lugar no mundo. Sem John Cavanaugh.

— Sinto muito por não ter dado certo, Marianne — John falou, do batente, ao vê-la empacotar suas coisas. — Tudo bem, John, não foi culpa sua. — Sinto-me responsável. — Pois não se sinta. — Você nem vai se virar para me olhar? — Para quê? — Por favor... Marianne percebeu que aquilo era tão difícil para ele quanto para ela. Com muito esforço, Marianne colocou a situação em perspectiva. Então, controlouse e o encarou. — Não é fácil, para mim, ir embora, John. — Bem, mas também não vai ser difícil — ele tentava animá-la. — Você terá novos desafios. — Sim, e talvez, melhores oportunidades. — Pode ser.


Mas ambos sabiam que não era verdade. Bastava Marianne olhar para ele para que seu amor aflorasse. Agora que o conhecia um pouco melhor, sabia que John seria o pai perfeito para seus filhos. Não esperava que fosse encontrar um dia outro homem que a atraísse tanto. Não haveria também outro homem de quem se sentisse tão próxima como amiga. Mas John não a amava. Era impossível forçar uma pessoa a amar. — Espero que compreenda que eu acreditei que seria capaz de ajudá-la... De repente, Marianne teve a impressão de que John não estava falando sobre a promoção, e uma intensa melancolia a envolveu. Ele parecia tão pesaroso... De certa forma, tinha pena dela. O orgulho, forte e feroz, veio em seu socorro. Marianne não podia tolerar sua piedade. Para ser franca, aquilo deixava-a louca de raiva. — Você não tem de se preocupar, John. Vou estar muito bem. — Sei que estará. Mas... e se não conseguir encontrar uma posição tão boa? — John, meus pais são ricos. Não preciso me tornar um sucesso da noite para o dia. Não terei de lutar pelo dinheiro do aluguel e, mais certo ainda, não vou morrer de fome. Além do mais, poderei prestar serviços para a Barrington, como free-lancer, quando for necessário, depois que sair daqui. — Sei disso. Mas, eu queria... — ...ser meu herói? — Marianne deu risada. — Acho que não estou precisando de um. Ele a olhou por alguns segundos. — Talvez não. — E John deixou a sala. Marianne teve a sensação de que o chão escapava de seus pés. Seu mundo desmoronou. Ela já sabia que passaria por isso, no entanto. Deixá-lo seria muito doloroso, sem dúvida. Todavia, não tinha esperado que fosse doer tanto. Perguntou-se se conseguiria trabalhar ou fazer qualquer coisa no dia seguinte, ou pelo resto de sua vida.



CAPÍTULO XVI

— Veja isto! — Flora Conway exclamou ao colocar um vaso na mesa de Marianne. — Não faz duas horas que você está aqui, e já está recebendo flores. Marianne se desviou da tela do computador e mirou as rosas vermelhas e brilhantes, bastante surpresa. — Não sei de ninguém que possa tê-las mandado. — Com expressão séria, pegou o pequeno envelope que as acompanhava. — Devem ser de meus pais. — Acho que não. — Flora, uma mulher solteira e romântica de quarenta e oito anos, continuou com sua voz de sotaque sulista: — Tomei a liberdade de olhar o cartão, e acho que vai ficar contente. De cenho franzido, Marianne abriu o envelopinho. Mesmo antes de ler o nome, ela soube quem tinha enviado as flores, porque reconheceu a letra. Viu as palavras "parabéns" e "boa sorte" e, furiosa por John pensar que algumas rosas melhorariam a situação, pegou o vaso e jogou tudo no lixo. Flora quase engasgou. — O que está fazendo?! — Correu, nervosa, para o cesto, numa tentativa de salvar as delicadas flores. — Coloquei-as no lugar certo para elas. — E Marianne voltou sua atenção para a tela outra vez. Mas logo parou e pegou as rosas. — A não ser que você as queira. Se quiser, são suas. Flora pareceu contente com a oferta. Tomou o vaso, com cuidado, e levou-o para sua escrivaninha. Marianne suspirou. Se não fosse embora logo, ficaria preocupada com os mexericos que aquele fato acarretaria. Mas, já que estava de partida da Barrington, não tinha importância. Voltou a trabalhar com afinco, fortalecida pela certeza de que tudo aquilo logo estaria acabado.


Em seu último dia na empresa, Marianne andava pelo corredor para ir almoçar, quando viu John. Ele caminhava na direção dela, mas não a viu, porque estava concentrado em uma conversa com Sandy Johnson. Tinha, como sempre, o familiar jeito de conselheiro e mentor. Marianne sabia que John gostaria de ter tido esse papel para ela. Ele detestava a atração sexual que se intrometera entre os dois e que estragara tudo. Marianne também estava certa de que, se não tivesse sido por aqueles três dias em que imaginara ser mulher dele e o atormentara, tornando-se uma tentação, John jamais a teria notado. Uma parte dela queria se apegar à raiva. Adoraria odiá-lo. Mas John era um homem bom. E ela o amava. Ele não tinha culpa de não amá-la. Marianne compreendia o que tinha de fazer. Por isso, olhou-o de frente e sorriu. — Obrigada pelas flores — disse ela, com polidez. — Você gostou? Amando-o ou não, fosse John um bom homem ou não, o interesse dele era demais para ela agüentar. Marianne recuou um pouco e ordenou a si mesma para não fazer uma tempestade em um copo de água. — Sim, muito. — Ótimo, Marianne! Eu queria lhe dar um pequeno apoio em seu novo caminho. "Flores!", ela pensou. Como alguém podia pensar que algo tão singelo pudesse reparar uma rejeição? Brava, irritada, Marianne encarou-o. — Gostei muito das rosas, mas Flora gostou ainda mais. Então, eu as dei para ela. Acho que minha colega vai lhe enviar um cartão de agradecimento. — Você deu minhas flores para... — Desculpe-me, John — Marianne o interrompeu e voltou a andar. — Preciso correr. Como estou na seção dos temporários, só tenho meia hora de almoço. — Na seção dos temporários? — John chamou-a, confuso: — Marianne!


Marianne ignorou o chamado, e John resistiu ao desejo de correr atrás dela. Ele ia ver Sam Wainwright para pedir uma nova assistente, e aproveitaria para perguntar como uma das pessoas mais competentes da empresa fora parar na seção dos temporários. Todavia, enquanto caminhava, começou a compreender como Marianne fora parar lá. Deixara muito claro, com suas atitudes deselegantes, que ela devia sair de seu departamento e ficar bem longe dele. Se não havia outras vagas, então Marianne tivera de ser colocada lá. Com certeza, fora uma humilhação. Furioso consigo mesmo, bateu na parede, atraindo os olhares das outras pessoas. — Lembrei-me de uma bobagem que fiz. — Esboçou seu sorriso mais cativante, mas percebeu que ninguém retribuiu. Depois, sem olhar nem para a direita nem para a esquerda, continuou seu caminho até Sam, fixando a atenção nos sapatos e dizendo a si mesmo que estava precisando de uma conversa com um psicólogo. Quando entrou na sala de Sam, sorriu e cumprimentou Patrícia, simulando alegria. — Boa tarde. Como vai? Patrícia o fitou, séria, e fingiu grande concentração na pilha de papéis a sua frente. — Estou bem, John. Acho que você veio ver Sam, mas há alguém com ele neste momento. Se quiser sentar-se e esperar... — Indicou uma cadeira, sem olhá-lo. — Quando ele ficar livre, avisarei que você está aqui. John conhecia as amigas de Marianne e reconheceu que Patrícia o estava tratando com total frieza. Segundo o ponto de vista dela, ele merecia. Sem mais nenhuma palavra, John se acomodou, pegou uma revista e começou a folheá-la. Porém, cada vez que recordava que Marianne estava na seção dos temporários, e tudo por culpa dele, ficava tenso e zangado consigo mesmo. Por fim, não conseguiu permanecer sentado, e começou a andar pelo escritório. — John, sente-se — Patrícia pediu, parecendo mais amigável. — Não posso, Patrícia.


— Mas precisa. — Ela riu. — Você está me deixando nervosa. — Ótimo. Junte-se a mim, então. Patrícia parou de digitar. — Quer falar alguma coisa, John?

— Oh! Tenho certeza de que você está a par de todos os detalhes sobre o caso de Marianne. Não há necessidade de eu embaralhar tudo com minha versão. — Para ser sincera, John, acho que você poderia fazer isso, sim, porque não acredito que o que Marianne pensa esteja certo. John parou de andar. — O que foi que Marianne lhe disse? — Que você queria que ela saísse de seu departamento de imediato, porque há entre vocês dois um tipo de atração física de que você não gosta. John considerou o que Patrícia dissera e deu de ombros. — É uma visão muito sintética e fria, mas é mais ou menos isso. — Bem — Patrícia começou, dizendo a si mesma que estava se metendo onde não devia —, se quiser acrescentar um pouquinho de calor, que tal se eu lhe falar que Marianne acha que você quer vê-la longe porque sente atração por ela mas não a ama, e que, por isso, não quer que ela o incomode? — O quê?! — Foi o que minha amiga me disse. Eu a forcei a falar a verdade quando me pediu para ser transferida de um departamento onde ia tão bem. Marianne confessou que havia uma certa química entre vocês. Sabe que aquela garota é louca por você... Assim, era melhor ela sair. — Isso é um completo disparate! De onde Marianne tirou essa idéia? Foi o grupo de amigas que colocou essa bobagem na cabeça dela? — Não. — Patrícia ergueu o queixo, com ar superior. — Marianne chegou a essa


conclusão por si mesma. Na verdade, não falou para ninguém, a não ser para mim. E considero um caso confidencial. Não acredito que pretenda contar nada sobre vocês a nenhuma amiga. Já que em breve deixará a Barrington, para que falar no assunto? Talvez até se mude para outro Estado, e não vê razão para conservar seus laços aqui. Levou um tempo para John entender que Marianne estava partindo de verdade. Não apenas trocava de departamento. Poderia se mudar para outra cidade, outro Estado, talvez outro país. Nunca mais passaria por ela nos corredores. John passou a língua pelos lábios secos. — E por que ela está indo embora daqui? Não quero que Marianne se vá. Não queria que ela ficasse na seção dos temporários. Não queria... — ...ficar perto dela? — Patrícia terminou a frase por ele. — Sei disso. Marianne me falou a respeito. Contou-me também como você perdeu sua esposa, que foi o amor de sua vida, e decerto não iria querer tentar uma segunda vez. — Isso é... — John ia dizer "ridículo", mas calou-se e deixou-se cair sobre uma cadeira, em frente da mesa de Patrícia. — Você está bem, John? Tremores de emoção percorriam o corpo de John. O que mais o desesperava era que magoara Marianne. Uma criatura doce que nunca lhe causara mal. — John, se há alguma coisa que queira dizer a Marianne... — Patrícia mostrava ter o dom de ler seus pensamentos — ...vai ter de andar depressa, porque hoje é seu último dia. Depois disso, ninguém sabe para onde ela vai.

Quando John chegou ao apartamento de Marianne, ela estava fazendo as malas. A porta estava aberta, como se ela estivesse esperando alguém. Avistou caixas espalhadas por toda a sala de estar. — Marianne? — ele chamou, tímido, ao entrar naquele caos. — Tem alguém aí? — ela gritou do outro cômodo, não tendo reconhecido a voz dele. No instante seguinte, surgiu, segurando uma caixa de jóias. Ao vê-lo, parou com uma expressão fria. — Ah! É você?


— Não era bem essa a recepção que eu esperava. Olhando-o exasperada, Marianne suspirou. — Sinto muito, Sr. Cavannaugh. — Virou-se e voltou para o quarto. John seguiu-a. Não estava muito certo do que fazia, mas não podia deixar as coisas acabarem daquele jeito. — Se está determinada a ir embora, Marianne, sei que não posso impedi-la. Porém, acho que seria justo que você soubesse algumas coisas... sobre meu casamento. Irada, Marianne ia jogando coisas dentro de uma caixa. Parecia não estar prestando a mínima atenção a John até o momento em que ele disse a palavra "casamento". De imediato, parou com o que fazia e o fitou. — Sempre achei que você tivesse vivido num paraíso de felicidade. — Não. — John engoliu em seco. — Longe, muito longe disso... Marianne abriu a boca para falar, mas nenhum som saiu. A curiosidade a dominou. Sentou-se na beirada da cama, como para dizer que estava escutando. Em vez de acomodar-se ao lado dela, John começou a andar pelo aposento. Tinha necessidade de caminhar. Era a primeira vez que verbalizava aquilo, e nem sabia se poderia continuar. Devagar, com muito sofrimento, ele começou: — Um pouco antes da morte de Bárbara, ela me disse que estava pronta para ter um filho. — Oh! Sinto muito! — Marianne murmurou, penalizada. John deu uma risada. — Não sinta. Era tudo calculado. Bárbara queria um bebê porque achou que era a melhor hora em sua carreira. Tínhamos comprado uma casa e, se tudo corresse do jeito que se esperava, ela daria à luz e depois voltaria ao trabalho. Bárbara era promotora no distrito em que vivíamos, mas ambicionava ser uma promotora federal. Vivia para isso, mas não queria admitir, porque a família dela era muito conservadora. Acho que se sentia


culpada por ser tão ambiciosa. — Que pena... — Marianne deu um tapa no colchão, convidando-o a sentar-se. Com isso, queria dizer que ainda era sua amiga, ainda estava pronta para ouvi-lo e consolá-lo, apesar de todas as mágoas. Mas John meneou a cabeça. Não podia sentar-se ao lado dela. Precisava andar. — Bárbara nunca falou abertamente sobre suas ambições, mas as coisas que fazia e dizia a denunciavam. Uma vez me revelou que o sucesso de minha família seria benéfico para a carreira dela. Até admitiu que pensara nisso antes mesmo de começarmos nosso namoro. A partir daí, vi que não me amava. Escolhera-me para seguir um plano. Eu sabia que havia piores motivos para um casamento, e na cama éramos compatíveis. Além disso, eu a amava. Assim, achei que tudo estava bem. Mas não estava. Éramos duas pessoas diferentes, vivendo vidas diferentes e só interagindo quando era conveniente. Comecei a me sentir solitário e passei a exigir mais dela. Contudo, Bárbara me disse com todas as letras que não tinha nada mais para me dar, e que estava ocupada. E se eu a amava, devia deixá-la em paz. — E você obedeceu? John aquiesceu, procurando um meio de dizer o que precisava ser dito, mas não foi capaz. Virou-se para Marianne. — No dia em que Bárbara faleceu, não fui trabalhar. Não pude. Ter um filho naquele tipo de união não me parecia certo. Eu precisava saber se queria mesmo ter um filho com ela. — Faz sentido. Todos precisam pensar bem antes de ter uma criança. — Sim. Mas o problema real é que nosso casamento estava acabado. Nem sei como foi, mas deixei de amá-la, e sabia que ela nunca me amara. Em poucos anos, tínhamos nos transformado em dois estranhos. Não a reconhecia mais e havia dias em que a detestava. Quando constatei essa realidade, telefonei para o trabalho dela e pedi que viesse até em casa. Bárbara se recusou, porque se encontrava muito ocupada. Então, eu disse que, em vez de termos um bebê, devíamos pedir o divórcio, porém, um divórcio poria a carreira dela em risco. Ao me ouvir dizer isso, Bárbara pegou o carro e correu para a mansão.


— E morreu. — E morreu. — Você não teve culpa, John. Ele se virou outra vez, agitado, enraivecido. — Sei disso, mas senti-me culpado por anos. — Não se sente mais? John pensou um pouco, como quem faz um exame de consciência. — Não, Marianne. — Não vá me dizer que agora se sente culpado por não se sentir culpado! — Marianne perguntou, incrédula. — Nada disso. — Ele a encarou. — Pus um fim nisso tudo. — Então, por que está aqui? — Não posso deixá-la ir embora guardando rancor de mim, Marianne. — Não guardo rancor de você. — Quer dizer que ainda somos amigos? Marianne fez que sim e mordeu o lábio, pois sabia que ia chorar. — Bom, sendo assim, acho que posso ir. — Certo. John virou-se e saiu do quarto. Em seguida, Marianne ouviu a porta da frente se fechar. O peso da perda se abateu sobre ela, que afundou na cama. Se ao menos John a deixasse em paz... Insistindo na amizade, ele a fazia sofrer mais e mais. Não podia ser amiga dele, porque senão seguiria amando-o, nunca o esqueceria. E não queria isso, pois merecia mais. Merecia tudo.


Se John nĂŁo pudesse lhe dar todo o amor, Marianne o encontraria em outro lugar. Partir seria doloroso, esquecĂŞ-lo, devastador, mas nunca, jamais aceitaria menos. Assim sendo, decidiu fazĂŞ-lo saber disso.


CAPÍTULO XVII

No final, Patrícia concluiu que a saída de Marianne da Barrington não era nenhum segredo, pois todo mundo poderia descobrir por si próprio. Portanto, contou às outras amigas que Marianne tinha se demitido e ia mudar de cidade. Rachel telefonou e descobriu que Marianne estaria se mudando já na manhã de segunda-feira. Quando o dia chegou, todas tiraram uma folga do escritório e apareceram em seu apartamento, prontas para ajudar. — Não acredito! — Marianne disse, com os olhos marejados de lágrimas. — Vocês não deviam ter faltado ao serviço por minha causa. — Bem, você não devia ter omitido sua partida, — Olívia reclamou. — Não tive coragem de dizer-lhes que tinha cometido o mesmo erro duas vezes. — Marianne sentou-se no único espaço livre do sofá. Rachel e Patrícia começaram a embalar os pratos, e Sophia e Cindy, delicados enfeites de porcelana. — Fiquei apaixonadíssima por John outra vez, e vocês tinham me considerado forte por tê-lo esquecido... Depois, deram conselhos... As cinco mulheres se entreolharam e suspiraram. — Você nos ignorou — Patrícia protestou. — Não queria que me considerassem uma idiota. — Marianne! — Rachel pôs as mãos na cintura. — Somos suas amigas. Pode fazer papel de idiota na nossa frente. É para isso que servem as amigas, sabia? — Bem, de agora em diante, não precisarei mais passar por isso, de qualquer modo. John esteve aqui no sábado e falou as mesmas coisas sobre sermos amigos. A diferença é que, desta vez, ele admitiu que seu casamento não foi bom. Na verdade, foi péssimo. Isso me ajudou a entender melhor o que se passa, e aceitei a situação. John não acredita que possa me amar, mas quer minha amizade. Contudo, cheguei à conclusão de que essa situação pode ser boa para ele, mas é ruim para mim. Assim que


John saiu, liguei para a casa dele e deixei uma mensagem em sua secretária eletrônica. — Para dizer o quê? — Cindy quis saber. — Que não quero ser sua amiga. Sophia abriu a boca, surpresa. — É mesmo? Meu Deus, você teve coragem! — Não acho que foi isso, Sophia. De certa forma, creio que fui covarde. Toda vez que vejo John, quero amá-lo. Compreendi que não posso ser amiga dele, porque assim nunca me libertarei. Deixei claro que não quero vê-lo nunca mais, e que preciso encontrar alguém que possa me amar.

John ficou chocado no mais fundo de seu ser com a mensagem que Marianne lhe deixou. Sabia que a partida dela significava um afastamento definitivo. Entretanto, em seu coração, sentia que sempre haveria um lugar para ela. Saber que Marianne o estava tirando de seu caminho doía. Foi muito duro ouvir que ela não queria mais vê-lo e planejava encontrar outra pessoa. Não havia dúvida de que estava determinada e partindo para sempre. Marianne queria se apaixonar, queria a fantasia, o conto de fadas, a casa, os filhos e um homem que a amasse. Já que não podia ser ele, ela procuraria outro. Doía tanto que John ficou louco de raiva. Claro que entendia que Marianne tinha o direito de querer tudo. Era evidente que concordava. Porém, em um nível emocional, não podia suportar imaginar Marianne com outro. Era horrível a idéia de que alguém mais pudesse tocá-la. E pior: que outro homem compartilhasse seus sonhos. Por isso, John lhe telefonou. Mas quem atendeu foi a secretária eletrônica. Decidiu, então, ir até o apartamento dela.


Estacionou em frente ao prédio, esperando vê-la quando voltasse. Porém, quando a avistou, Marianne pareceu-lhe tão cheia de vida e de energia, tão feliz sem ele, que John sentiu-se humilhado e voltou para a mansão. Talvez ela respondesse a sua mensagem. No entanto, vendo que Marianne não telefonava, se deu conta de que ela não queria mais vê-lo. Falara a sério. Desejava começar uma vida nova, sem ele. E estava muito contente com a situação. Por que não estaria? Afinal, fora ele quem a forçara a isso.

— Assim, quando não retornei o telefonema dele, ficou evidente que não o queria mais. — Foi muito bem feito, Marianne — Olívia aprovou. — Não sei... — Patrícia estava preocupada. — Ainda acho que John a ama. — E de que adianta, se não demonstra? — Cindy fez uma careta. — Ele precisa mostrar que ama Marianne. Mal Cindy acabou de falar, a campainha tocou. Marianne deu um salto. — Deve ser o caminhão de mudança. Amanhã, a esta hora, já deverei estar em San Francisco. — E foi atender. Assim que girou a maçaneta, deparou com três homens. Os dois da frente eram tão grandes que quase escondiam o que se encontrava atrás deles. — Marianne Doyle? — um deles perguntou. — Sim — confirmou, sorridente, e afastou-se para deixá-los entrar. — Não sei como vocês pretendem trabalhar, mas eu e minhas amigas estamos embalando as coisas mais frágeis. Dentro de uma hora, estaremos prontas. Vocês podem começar com a mobília. — Começamos pelo quarto. Leve nosso colega e dê suas instruções. — O rapaz apontou para trás. — Léo e eu vamos até o caminhão. Marianne concordou, distraída, e rumou para o dormitório, esperando que o


carregador a seguisse. Quando entrou, ouviu a porta se fechar. Um pouco assustada, virou-se, rápido, e descobriu que o terceiro carregador era John. Vestido de macacão cinza e com um pequeno boné, estava recostado contra a porta. — Marianne, por que não respondeu a minha ligação? — Você sabe. Já expliquei isso — disse, seca. — Falou o que você queria. Nem ao menos considerou... — ...seu desejo? Não. Não estou considerando o que você quer. Estive a seu lado por quatro anos, e não me quis, John. Então, quando descobriu que gostava de mim, só me queria como amiga. Expus meus sentimentos, que foram rejeitados. Não vou passar por isso outra vez. — E se eu lhe dissesse que a rejeitei porque não sei como começar de novo? — E está vindo para mim porque sou a rainha do "começar de novo"? John meneou a cabeça. — Não seja irônica. Estou vindo para você porque te amo. Por um bom tempo, Marianne prendeu a respiração, esperando que ele acrescentasse "mas...". Contudo, ele não disse. John começou a caminhar pelo quarto tocando nos objetos de uso pessoal, observando tudo. — Meu primeiro casamento foi tão horroroso que perdi o jeito de como me relacionar com outra pessoa. Marianne engoliu em seco, sem saber o que dizer, resistindo ao desejo de pular nos braços dele. John podia amá-la, mas teria de ser da forma que ela queria. Queria-o por inteiro. Não aceitaria a metade de nada. — Deve saber que não poderá ter um novo relacionamento se afastar as pessoas que ama, John.


— Eu sei... — E tem de ter coragem de correr alguns riscos. — Olhe, paguei cinqüenta dólares para poder usar este macacão e ficar quinze minutos com você! Não corri um risco? Marianne sorriu. — Você fez isso? Os dois sorriram um para o outro e não disseram nada. Afinal, John suspirou. — Então, o que faremos? Marianne deu de ombros. — Não sei. Não sei o que você quer. — Sei que não quero que vá embora, Marianne. Não quero viver sem você. Não quero que outro homem a toque, nem que tenha seus filhos com outro. Quero que tenha os meus filhos. Marianne comprimiu os lábios para que não tremessem. — Também quero ser a mãe de seus bebês. — Você vai precisar me ajudar, Marianne, porque não sei o que devo fazer. — Bem, podia começar vindo até aqui e me beijando. — Você me aceita de volta? Depois de tudo o que fiz e mesmo conhecendo meu passado? Marianne gargalhou. — Querido, eu o aceitaria de qualquer modo, até mesmo falido. Foi a vez de John rir. — Acho que isso quer dizer que você me ama, também. — As vezes, acho que te adoro.


John cerrou as pálpebras. — Não diga uma coisa dessas se não for verdade. — É a mais pura verdade. — Marianne se dirigiu a ele, ergueu os braços e envolveu-lhe o pescoço. — Deixe-me lhe mostrar... John, sem poder agüentar mais, colou a boca na dela. Com o coração transbordando de alegria, Marianne retribuiu o beijo, com ardor. Toda a paixão reprimida por tanto tempo veio à tona. John conduziu-a para a cama, e ela não protestou, mas, quando tropeçaram em uma das caixas, ambos pararam. Marianne arregalou os olhos. — Acho que isto quer dizer que, afinal de contas, não vou partir. — Pode ser um outro tipo de mudança, querida. Eu tinha esperança de que os carregadores levassem estas coisas para minha casa. Aí, você ficaria comigo desde já. Marianne deu uma risada. — Outra vez, não! Não, até nos casarmos de verdade. — Combinado! — Ele beijou-a outra vez, para selar a promessa. — Na verdade, quero uns cinco filhos. Talvez, até seis. — É mesmo? — Marianne suspirou. Ela nunca teria adivinhado, mas conseguira realizar seu sonho. O homem com que sonhara. A casa de seus sonhos. E muitos filhos. Nunca mais seria solitária. Nem John.


SUSAN MEIER é a autora de oito romances. Mesmo trabalhando em tempo integral para uma importante empreiteira, Susan também é colunista de um pequeno jornal e contribui para uma organização de caridade. Mas sua maior alegria na vida são seus filhos, que sempre a encantam. Está casada há vinte anos com o belo e compreensivo Michael. Susan adora seu papel de mãe, de esposa e de amiga e acredita que este é o maior tesouro que possui. Ela tenta transmitir a beleza e a importância das relações de amor e amizade em seus livros.


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