Revista O Mensageiro de Santo Antônio Maio de 2013

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Maio de 2013 www.omensageiro.org.br

O que era necessテ。rio...

FRANCISCO! O MENSAGEIRO DE SANTO ANTテ年IO

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A Editora Mensageiro lança a 8a edição atualizada e ampliada do livro

CRENÇAS, RELIGIÕES, I G R E J A S E S E I TA S : QUEM SÃO? Escrito pelo competente teólogo e biblista Estêvão Tavares Bettencourt, OSB, este livro é uma publicação de real interesse para os católicos. Trata-se de um livro com informações curtas e essenciais sobre grande número de igrejas cristãs não-católicas, religiões não-cristãs e das assim chamadas seitas. Em uma época de pluralismo de ideias e, consequentemente, de pluralismo de crenças e de práticas, tornase imprescindível conhecê-las, para, quiçá, estabelecer um salutar diálogo ecumênico e inter-religioso, ou, diante de grupos fechados ao diálogo, servir como esclarecimento sobre a história e a doutrina de quem lhes bate à porta.

“Uma publicação de real interesse para os nossos católicos” Dom Cláudio Hummes, OFM Cardeal-Arcebispo Emérito de São Paulo

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Sumário

50 ENTREVISTA

Teologia da Libertação Entre luzes e sombras

56 A IGREJA NA HISTÓRIA

Domingos sangrentos na história dos cristãos

42 Matar ou viver REPORTAGEM

Cartilha do aborto reacende discussões

4 EDITORIAL

A BÍBLIA 46 ENTENDENDO Evangelho da infância de Jesus

O que era necessário... Francisco!

54 OS DOIS LIVROS

5 BUSCANDO VERDADEIRAMENTE

DE DEUS

O papa Francisco recorda nossa responsabilidade para com a criação

A DEUS

Como se faz um monge? (parte 12)

8 SANTO ANTÔNIO HOJE

60 COM A PALAVRA PE. ZEZINHO

Quando o amador rouba a cena

Trazer de volta o coração

10 THEOBLOG O mal e a esperança cristã 14 CATEQUESE LITÚRGICA A beleza tem seu lugar na liturgia

63 FOGÃO DE SANTO ANTÔNIO

DOMINICAIS 36 EVANGELHOS COMENTADOS

41 EVANGELIZAR É PRECISO

Libertar e curar, eis a missão

E X P E D I E N T E

PALAVRAS 62 CERTAS A essência da vida

64 PÁGINA INFANTIL

DIRETOR RESPONSÁVEL DIRETOR E REDATOR

Frei Wilmar Villalba Ortiz VICE-DIRETOR

Frei Everson Garcia REVISÃO

Alessandra Biral REPÓRTERES

Fábio Galhardi Leiriane T. Corrêa Silvia Valim PROJETO GRÁFICO

Ricardo Cruz

DESENVOLVEDORA WEB

Fábia Limeira

ESPECIAL Papa Francisco

66 ESPAÇO DO LEITOR

Frei Geraldo Monteiro Publicação periódica da Associação Antoniana dos Frades Menores Conventuais. Rua América do Sul, 235 CEP 09270-410 Santo André, SP. CNPJ 53.722.229/0001-04. Ligada à Província Padovana Frati Minori Conventuali e Messaggero di S. Antônio Basílica del Santo 35123 Padova - Itália. Reservam-se todos os direitos de reprodução. Com aprovação dos superiores. Registrada no Primeiro Registro Civil de Pessoas Jurídicas de Santo André, SP. Microfilme sob nº 69174 aos três de novembro de mil novecentos e oitenta e oito.

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ASSISTENTES DE ARTE

Letícia Somensari Mariane Segantim COLABORADORES

Pe. Antônio José de Almeida Pe. Antônio Sagrado Bogaz Dom Bernardo Bonowitz Frei Danilo Salezze Fernando Altemeyer Júnior Francisco Borba R. Neto Frei Jacir de Freitas Faria Pe. José Alem José Tarcísio de Castro Frei Luciano Bernardi Marcio A. Campos Monique Pereira Dom Orani João Tempesta Pe. Reginaldo Manzotti Pe. Valeriano dos Santos Costa Pe. Zezinho

EQUIPE DE DIVULGAÇÃO

Frei Alessandro R. da Silva Frei Allan Henrique B. da Silva Frei André Beghini Vilela Frei Josimar Barros IMPRESSÃO – Gráfica Oceano TIRAGEM – 23 mil exemplares ISSN 2178-3721

Revista

O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO ANO 56 – MAIO DE 2013 – Nº 564 Telefones: (11) 4472-5843 / 4475-1003

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EDITORIAL

O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO

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Maio de 2013

Frei Wilmar Villalba Ortiz

(parte 12)

Primeiros passos na paternidade espiritual

pelos fiéis, para que essa renovação produza os frutos esperados e desejados por todos. Neste caderno especial sobre o papa Francisco, apresentamos uma reportagem de Silvia Valim, que esteve no Vaticano e acompanhou de perto todo o conclave, antes e depois, além de um artigo do já citado Ribeiro Neto, sobre as perspectivas acerca do novo pontificado, a partir dos sinais já demonstrados (escolha do nome, gestos, falas), bem como um artigo sobre o fato de o novo papa ser jesuíta, a ordem religiosa a qual pertenceu, uma pequena análise sobre o sentido de ele ter escolhido o nome Francisco e as prováveis implicações dessa escolha a partir da atuação de São Francisco de Assis na história da Igreja. No mesmo especial, há uma reflexão de alguém ligado aos movimentos sociais sobre as tentativas de parte da mídia de tentar vincular o pontífice a ações nos períodos da ditadura militar na Argentina, bem como uma análise sobre o pontificado de Bento XVI, muitas vezes tão incompreendido, mais pelas comparações com seu predecessor, João Paulo II (1920-2005), comunicador nato, do que pela clareza intelectual teológica, tão à frente do nosso tempo, e que certamente servirá como base para a atuação futura da Igreja. Ao caro leitor, desejamos que esta edição, além do especial sobre o papa Francisco, possa proporcionar uma verdadeira formação e informação, como tem sido nosso objetivo desde o início, com o auxílio e a intercessão de Santo Antônio! Excelente leitura a todos!

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aros leitores, vocês têm em mão uma edição histórica de O Mensageiro de Santo Antônio. Com o já tradicional conteúdo, disposto em 52 páginas, acrescentamos para esta edição mais 16 páginas, dedicadas exclusivamente ao novo papa, Francisco (1936-). Elas começaram a ser traçadas a partir do envio de uma de nossas jornalistas, Silvia Valim, à cidade do Vaticano, para a cobertura exclusiva do conclave, que pôde ser acompanhada em tempo real pelo site da revista. Uma vez transcorrido o conclave, após o gesto histórico e profético de Bento XVI (1927-) de renunciar ao papado, a Igreja apresenta ao mundo o novo pontífice: cardeal Jorge Mario Bergoglio, argentino, jesuíta, que adotou o nome de Francisco. De atônitos, como primeiro impacto, pelo desconhecimento do nome, já que não fazia parte dos nomes citados por todos os ditos especialistas como papabili, à alegria e à esperança contagiantes entre os fiéis pelos gestos demonstrados pelo novo pontífice, que foram se sucedendo ao longo da apresentação na Praça São Pedro e nos dias subsequentes. Aquela tão necessitada lufada de ar no interior da Igreja parecia estar acontecendo. Como bem define em artigo nesta edição Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP, começa o projeto Francisco, a partir da experiência deste santo tão caro aos católicos, pela renovação da Igreja de seu tempo, por meio da simplicidade e da busca da única coisa verdadeiramente essencial: o Cristo, pobre e crucificado. Como bem alerta Ribeiro Neto, há de ser um projeto perene e levado a sério

Como se faz

O QUE ERA NECESSÁRIO... FRANCISCO!

monge?

Frei Wilmar Villalba Ortiz, Diretor


Life

BUSCANDO VERDADEIRAMENTE A DEUS

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m seu importante comentário sobre o Cântico dos Cânticos, São Bernardo de Claraval (1090-1153) disse que o dom infuso do Espírito Santo não somente une intimamente a alma a Jesus Cristo, mas também a deixa grávida, concede-lhe o carisma da maternidade espiritual, a responsabilidade de alimentar e educar os iniciantes na vida espiritual e de ajudá-los a chegar a sua maturidade. Algo análogo pode ser

dito a respeito da profissão solene de um monge. A consagração que recebe possui um poder destinado a algo mais do que sua mera santificação pessoal. Ela deve ser usada para a edificação da Igreja, em particular da igreja local, que é a sua comunidade monástica. No mesmo dia que aceita o holocausto de sua profissão solene, Deus começa a transformar o monge em um pai espiritual, um pai de almas – plenitude da vocação monástica. O M E NN SSAAGGEEIIRROO DDEE SSAANNT TOO AANNT TÔ ÔN NI OI O Maio ddee 22001133 Maio

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BUSCANDO VERDADEIRAMENTE A DEUS Quais são os meios pelos quais um jovem professo solene entra nessa paternidade? Certamente, o primeiro e mais decisivo passo é a aceitação de sua nova identidade. Se antes o crescimento do monge consistia na gradual e profunda assimilação das palavras de São Paulo (5-62): “Para mim viver é Cristo”, seu novo lema agora deve ser: “Pro Christo et Ecclesia” (Viver para Cristo e para a Igreja). Jesus Cristo deve continuar a crescer nele, o qual deve reconhecer que a abundância da vida de Jesus em seu interior não deve ser agarrada como um tesouro particular, mas sim tornada disponível cada dia a todos os irmãos. Para citar São Bernardo de novo: enquanto o monge novo deve tomar cuidado para não se desfazer das águas do Espírito Santo que começam a fluir dentro dele, para não ficar seco e carente de graça, o monge maduro é como a bacia de uma fonte que encheu até a borda e que deve transbordar em benefício de outros, porque as águas do Espírito estão constantemente se reenchendo dentro dele. A profissão solene deveria ser vivida e aceita como o momento no qual as águas do Espírito se esparramaram o suficiente no monge para ele ser capaz de dar a outros a beber da água viva e não somente para satisfazer sua sede individual. Concretamente, isto implica um compromisso para ser um verdadeiro ícone da vida monástica, sobretudo para aqueles que ingressaram na comunidade depois dele e para seus pares. Isto pode soar extremamente idealista, mas, de fato, todo monge professo solene exerce uma tremenda influência na comunidade pelo seu modo de corresponder (ou de não corresponder) à verdade da sua vocação. Em nossa ordem trapista, tem-se tornado cada vez mais claro desde o Concílio Vaticano II (1962-1965) que o principal formador de novos monges é a comunidade como um todo. Por mais que o abade seja uma figura carismática e o mestre de noviço uma “regra viva” (como se dizia antigamente), se a comunidade professa não encarna seu ensinamento, ambos serão apenas vozes no ermo, destinadas a morrer entre as areias do deserto. Requer certa revolução interior para se passar de um adolescente em formação, cujas O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO

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falhas são aceitas com um sorriso (“Os consciente de sua solene obrigação em jovens têm de ter sua chance”), para se ser um monge santo. Dentro do contexto tornar um adulto cuja fidelidade diária monástico, deveria ser impossível separar constitui o alicerce da comunidade, com a uma vida verdadeiramente dedicada da de outros monges professos solenes. Esta participação nos processos de tomada de é uma genuína ascese: renunciar à facilidecisão da comunidade. dade de ser “carregado” pela comunidade Outra surpresa significativa para e assumir o fardo de carregar a comunio monge professo (outra dimensão dade a partir da autenticidade do próprio de sua recém-adquirida paternidade) testemunho de Jesus Cristo e da vocação. é a assunção de maiores responsaDe fato, não poucos jobilidades dentro da vens professos solenes comunidade. É quase Enquanto o monge novo tropeçam um pouco certo que, dentro dos sob este novo peso. primeiros meses após deve tomar cuidado para Isto não é problema. a profissão solene, o não se desfazer das águas Tudo o que se requer é abade o convidará a do Espírito Santo que que o recém-professo seu escritório para começam a fluir dentro continue a se habituar lhe propor um novo a essa nova situação, cargo. A proposta terá dele, para não ficar seco e até que seja capaz de seu lado atrativo: que carente de graça, o monge portar tal fardo com homem não gosta da maduro é como a bacia de certa naturalidade. ideia de “promoção”? uma fonte que encheu até O que deve ajudá-lo Bem cedo, porém, o a assumir a nova resmonge promovido a borda e que deve transponsabilidade de “modescobrirá que, em bordar em benefício de delar” adequadamente certo sentido, sua outros, porque as águas a vida monástica a seus nova tarefa virou sua do Espírito estão constanirmãos (não como um vida de cabeça para teatro, mas como um baixo. Normalmente, temente se reenchendo compromisso genuíenvolverá com cerdentro dele no) é o fato de que, ta frequência ter de com os votos solenes, trabalhar mais horas o monge se torna membro do capítulo do que trabalhava quando era noviço conventual. A partir de então, ele estará ou professo temporário. Será o tipo de ativamente envolvido nas deliberações trabalho que envolve um maior engajae decisões de maior importância que mento da inteligência e da afetividade afetam a comunidade, votará a favor ou (certamente mais do que se precisa para contra a aceitação de um noviço para a varrer o piso da igreja abacial!) e que, profissão temporária ou de um professo portanto, não pode ser imediatamente temporário para os votos solenes, será esquecido ao se desligar as luzes do consultado acerca da possibilidade de local de trabalho. Pode envolver o um monge irmão ser ordenado sacerdote bem-estar espiritual, físico ou fiscal e tomará parte na escolha dos membros da comunidade, de modo que erros ou do conselho do abade, dos delegados para negligências podem ter consequências a reunião regional, dos oficiais dentro da negativas de grande porte não apenas comunidade. Decisões financeiras imporpara o encarregado, mas para todo tantes sobre projetos de construção e de mundo. Muito frequentemente será o uma gama de outras questões requerem tipo de trabalho exigente que afeta sua o consentimento do capítulo conventual digestão e seu padrão de sono. Falando do qual ele faz parte. O privilégio e a respor minha experiência, posso testeponsabilidade de participar ativamente munhar que, até a profissão solene, eu no resultado de todas essas questões, se é era capaz de pegar no sono dentro de para ser algo mais do que um mero “direiquinze minutos após o término do últito adquirido” ou um exercício de poder, mo ofício litúrgico do dia. Como mestre deveriam fazer o jovem professo solene de noviços, prior e finalmente abade,


perceptivelmente, amar sua comunidade. Com frequência, nossos padres cistercienses incluíam esta questão em seus escritos: Quid difficile amanti? (O que pode ser difícil para quem ama?) Não há maior bem, nem há maior testemunho que um professo solene possa dar a seus irmãos do que estar visivelmente apaixonado por sua comunidade. Quaisquer que possam ser suas outras falhas, se é claro que alegremente ama sua comunidade, então ele está verdadeiramente se tornando um de seus pais espirituais. Dom Bernardo Bonowitz, OCSO

Arquivo pessoal

miúdas) sobre proteger os professos solenes do peso desses trabalhos. São exatamente estes os trabalhos reservados para os professos solenes. Desempenhá-los em paz e sem sacrificar a dimensão espiritual de nossa vida pode ser um ajuste doloroso, pode ser uma cruz. Normalmente, porém, graça, tempo e boa vontade resolvem a questão e a cruz de uma pesada responsabilidade comunitária se torna uma cruz vivificante. Acima de tudo, o monge professo solene é chamado a, sincera e

Abade do Mosteiro Nossa Senhora do Novo Mundo, Campo do Tenente (PR)

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agora preciso de pelo menos uma hora de oração e leitura para passar de vários estímulos e demandas do dia para calmamente adormecer na paz do Senhor. O professo solene tem de aprender um novo modo de integrar seus exercícios espirituais e as demandas de suas responsabilidades comunitárias. É um ato de malabarismo que pode levar anos para se dominar. Com certa frequência, após poucos meses de entusiasmo no novo cargo, o professo solene pede uma conversa com o abade com a intenção de retirar-se de sua nova função. É aí que ele descobrirá que, enquanto as constituições falam explicitamente de não dar cargos aos noviços e professos temporários que possam interferir com sua formação espiritual, não há absolutamente nada escrito (nem mesmo em letras

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SANTO ANTÔNIO HOJE

Trazer de volta o coração

“Na região da Toscana, estavam celebrando com solenidade os funerais de um homem muito rico. Estava aí também Santo Antônio que, por divina inspiração, começou a dizer que aquele defunto não podia ser enterrado em lugar sagrado, porque a sua alma estava condenada ao inferno, pois aquele cadáver não tinha coração e, segundo o evangelho de Lucas: ‘Onde estiver o vosso tesouro, ali estará também o vosso coração’ (Lc 12,34).” (Vida de Santo Antônio, século XV)

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ique tranquilo: cada um traz inspiração do mundo que conhece melhor”. Querendo fazer uma reflexão sobre o milagre de Santo Antônio, conhecido como o milagre do avarento, surge-me espontaneamente a citação da escritora italiana Susanna Tamaro (1957-). Pois de coração e de seus significados simbólicos, fala-se em um dos mais famosos milagres de Santo Antônio (1195-1231) narrados pelo humanista Sicco Polentone (1375O OMME N E NS SAAGGE EI IRROO DDEE SSAANNTTOO AANN TT ÔÔ N I O

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1447), o primeiro leigo a escrever uma biografia do santo. O peregrino que visita a Capela da Arca de Santo Antônio, onde fica o túmulo do santo, pode reviver o fato admirando uma escultura do artista Tullio Lombardo (1460-1532) entre as nove peças de mármore que delineiam as características do ministério de Santo Antônio. Uma sólida tradição narra sobre um coração que (isso está provado em uma autópsia) não está mais no peito do homem rico morto, mas no cofre dele. A lição que Santo Antônio quis dar aquele dia (e que talvez fira nossa sensibilidade de hoje) é que nós amamos realmente aquilo que é objeto das nossas preocupações, aquilo do qual depende a nossa felicidade. Santo Antônio viveu em uma sociedade em transformação, em que os valores do Espírito cederam lugar à própria autossuficiência e o que valia era a própria capacidade empresarial e comercial, a habilidade financeira e especulativa. Ao mesmo tempo, uma incessante sede de dinheiro provocou um acúmulo de grandes capitais em poucas mãos, o aumento da usura e o empobrecimento dos pobres. O avarento é assim chamado porque é ávido de ouro (avidus auri) e nunca está

satisfeito com os bens e as riquezas que possui. Assim como o corpo precisa de ar para viver, o avarento precisa de ouro. Ele é um ignorante. E homicida. Nas casas dos avarentos, estão os bens essenciais que faltam aos pobres e há necessidade de obras beneficentes para aliviar as consequências nefastas da avareza. Santo Antônio pregava: “Como o diabo tentou Jesus no monte, assim nos tenta anos também todo dia: ele nos tenta de muitas formas de avareza no monte de nossos cargos autoritários, de nossa temporária dignidade”. Diríamos hoje que avareza de dinheiro, mas também de poder, de subir a qualquer custo. Aqui, Santo Antônio chama a atenção de certos purpurados do seu tempo, mais do que nunca necessitados de reprimenda. Para o santo, a avareza é um vírus da mente, de fato: “A avareza corrói a mente do avarento, pois multiplica seus bens: mas o infeliz mais multiplica e mais está com fome”. Agrada-me a coragem da provocação de Santo Antônio, válida tanto hoje quanto ontem: se acontecesse conosco, onde achariam o nosso coração? Seria no meio do dinheiro? É muito provável. Mas também em muitas outras realidades: nas


Sermão fúnebre do avarento, autor desconhecido

no estilo de vida, atenção “política” aos carentes, vizinhos e distantes. Em suma, comprometendo nosso coração, tornando humano todo encontro, todo relacionamento, cada pensamento e opção, realizando assim a promessa de Deus: “Dar-vos-ei um coração novo e em vós porei um espírito novo; tirar-vos-ei do peito o coração de pedra e dar-vos-ei um coração de carne” (Ez 36,26). Frei Danilo Salezze, OFMConv

Arquivo Il Messaggero

distrações afetivas, talvez no mundo vazio do desinteresse e da apatia espiritual. O que nos sugere? Quem possui bens deve saber que os deixará para os outros; portanto, deve usá-los honestamente. Quem tem poder precisa pensar que, um dia, o deixará; portanto, deve vivê-lo como serviço. Um bom propósito a ser feito é tirar o coração das alienações em que se está perdido. Mas como trazer de volta o coração se entre nós não há grandes avarentos, usurais, ricos esbanjadores? Talvez ouvindo nosso coração, procurando entender de modo crítico quais são aquelas três ou quatro coisas que mais amamos e não estamos dispostos a perder facilmente. Depois, partilhando o coração; isto é, aprendendo a depender de relações gratuitas, sem visar lucro, aquelas que nos restituem sempre o coração: trabalho voluntário, poupança e consumo ético, sobriedade

Ex-diretor da revista Messaggero di Sant’Antonio (Itália)

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THEOBLOG

O mal e a esperança

cristã

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anta o poeta: “Tristeza não tem fim/ Felicidade sim!” E a estrofe segue melancólica: “A felicidade é como a pluma/ Que o vento vai levando pelo ar/ Voa tão leve/ Mas tem a vida breve/ Precisa que haja vento sem parar”. Sentimos isso dia a dia e o experimentamos como uma triste sina. No combate entre tristeza e alegria, parece que a vitória é do mal, que não tem fim. Mas por que assim é o nosso viver? Será correta a visão do filósofo alemão Gottfried Wilhelm von Leibniz

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CAMPO DE CONCENTRAÇÃO DE AUSCHWITZ, localizado no sul da Polônia, símbolo do holocausto perpetrado pelo nazismo

(1646-1716) ao dizer que o mal só pode ser entendido a partir de três diferentes pontos de vista: o metafísico, por meio da imperfeição e dos defeitos que fazem parte de toda a criação e de nosso existir; o aspecto físico, natural e corporal, que se manifesta como dor, sofrimento e fragilidade patológica; ou a dimensão moral, que se apresenta como falha nas virtudes sob o nome de pecado, realizado contra nós mesmos, contra os outros e contra Deus? Essa é uma distinção clássica na filosofia, mas será que nos leva a compreender algo novo ou talvez só sejam palavras ao vento? Ou estaria certo e convicto Santo Agostinho de Hipona (354-430) em dizer que o mal se identifica com o não ser, pois o bem é identificado claramente como a perfeição e a beleza. Assim, para o pensamento agostiniano, poderíamos conceber o enigma do mal em chave negativa, declarando que ele é sempre a ausência do ser e, portanto, uma realidade defeituosa. Isso permite valorizar a criação, a bondade divina e a ação do amor, mas talvez nos leve a novas perguntas ainda mais contundentes quando o inocente sofre e a fatalidade cai sobre nossas cabeças, como que nos submetendo a teologias do dolorismo, do sofrimento masoquista e, sobretudo, de um Deus ausente nas horas de conflito. Ou será que não podemos definir o mal ainda que ele nos desafie e questione, mas precisemos enfrentá-lo como algo sem nome e sem rosto, sempre a nos machucar, diminuir ou reduzir a pó. A natureza é má, muitos homens são maus, e quem quer entender o mal sempre submerge em terras desconhecidas, escuras e incompreensíveis, pois, como diz o teólogo Andrés Torres Queiruga (1940-): “Não existe o problema do mal, somente muitos problemas, que se ocupam de muitos males”.1 Mas o caminho que assume o mal como um sem sentido, algo inexplicável, nos deixaria atônitos e calados. Calados demais e ficamos parecidos com mortos-vivos. Diz o salmista ao ver essa situação humana radical: “Esqueceram-me como se fosse um morto, tornei-me como um objeto abandonado” (Sl 31[30],13). Precisamos de alguém que venha em nosso auxílio e diga-nos uma palavra diferente e carregada de sentido. Alguém que nos proteja do mal, guarde-nos de todo mal e acompanhe-nos na batalha contra o mal. Alguém como Deus. É isto o que os cristãos devem fazer ao enfrentar o mal: não fazê-lo

sozinhos, mas muito bem acompanhados por Deus mesmo. Pensar o mal, decifrar o enigma do mal a partir da presença de Deus como nosso advogado, nosso protetor e nosso irmão que ama e que salva e no Espírito que nos anima e fortalece. Não temos todas as respostas, mas com Jesus rezamos: “Por que me abandonaste?” Assim, a oração que fazemos na cruz e no abandono, “longe de ser uma expressão de incredulidade, é a forma mais pura da fé”.2 O primeiro lugar importante da manifestação de Deus em nosso favor é o corpo humano. Nele vivemos os momentos mais dramáticos do mal, da maldade e da moléstia que atinge nosso viver. Somos frágeis e marcados pelo padecimento, pelo desgaste físico e mental e, sobretudo, por uma vida nem sempre vivida no equilíbrio e na serenidade. Viver é duro e nosso corpo sofre muito. Sofrimentos que nos ensinam, mas também sofrimentos que não compreendemos nem aceitamos. O corpo sofre com a falta de amor, de alimento, de justiça e de dignidade ofendida. O corpo sofre com os excessos, de drogas, de tabaco, de álcool, de pesos, de trabalho, de palavras malditas, de violência sexual e pela tortura dos corpos humanos e de seu pensamento. Tudo o que é excessivo machuca o corpo: gordura demais, comida demais, suor demasiado, enfim, nosso corpo pode morrer de exaustão física e psíquica. Precisamos do equilíbrio e da serenidade, mas nem sempre sabemos encontrá-los. Vivemos em sociedade dos excessos e do hiperconsumo e poderíamos ser felizes com muito menos. Muito do que Deus pode fazer por nós está na encarnação de Seu Filho como ser humano, como um de nós, exceto no pecado. Ele veio viver como nós, sentir como nós, padecer como nós e, pela força da vida e do amor, resgatar-nos do lugar do mal pela força da verdade e de Sua fidelidade ao Pai. Um segundo lugar assumido por Deus na questão do mal é o tempo e a história. Deus enfrenta o mal em sua finitude e em seu limite, naquilo em que o mal quer nos apequenar. Ele propõe o infinito como um antídoto ao mal. Diante das concepções dualistas e cíclicas dos gregos que sempre sofriam o ódio e a vingança dos deuses do Olimpo, Deus, pai de Jesus, amou tanto o mundo e a humanidade que não pediu doze trabalhos fatalistas como o fez Zeus com Hércules, mas O M E NN SSAAGGEEIIRROO DDEE SSAANNT TOO AANNT TÔ ÔN NI OI O Maio ddee 22001133 Maio

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THEOBLOG acompanha a luta de Jesus contra o mal e O fez vencedor pela ressurreição. Deus faz-se história descendo dos altos céus para nos fazer divinos e ressuscitados. Vive o tempo fazendo-o eterno. Abre a porta da eternidade para que vivamos com Ele para sempre. Ele nos quer em Seu regaço e por todo o sempre. Não tem ciúmes de nós, nem quer nos punir, como os gregos pensavam citando lendas como as de Sísifo, que rolava eternamente uma pedra, ou a de Prometeu, que rouba o fogo dos deuses

e, por isso, tem o fígado devorado e restaurado em uma punição dos deuses contra a sagacidade do humano. O ciclo quebra-se com a visão judaico-cristã, e a história torna-se lugar de redenção. Não outra história ou história paralela. A mesma história humana é o lugar da história da Salvação. A mesma história dos povos é sacramento da ação maravilhosa de Deus. Quebra a espinha dorsal do mal pela esperança. Sabemos, desde Platão (428-348), que o mal não procede de Deus e que os vícios são uma responsabilidade humana, pois possuímos o livre-arbítrio. Nessa luta histórica entre graça e liberdade, vive o humano e assumimos nossas respostas. Diante do mal físico e natural, nada podemos fazer se não aceitarmos e prevenirmos com a ciência que temos. Terremotos,

tsunamis, cometas, meteoros são fatalidades do cosmos e da Terra que não pode ser vistas moralmente, mas objetivamente como limites no existir. Muito podemos fazer, mas não tudo. Como diz Paulo de Tarso (5-67) aos Romanos: “Pacientes na tribulação, perseverantes na oração” (cf. Rm 12,12). Outra é nossa postura quanto ao mal moral, pois sobre esse temos como decidir e discernir. Se podemos fazer o mal ou o bem, precisamos escolher. E assumir o ônus da escolha. E sermos julgados por isso. A música pode ser sinfônica se cada um de nós fizer sua parte e não criar acordes dissonantes e desumanos. Talvez possamos dizer, seguindo o teólogo Juan Luis Segundo (1925-1996), que “o mal esteja tranquilamente acomodado no propósito maior do Criador como estratégia para nos provocar a crescer e participar”.3 Alguns tentarão o caminho mais fácil dos neoplatônicos ou gnósticos, afirmando o mal nas coisas e na matéria. Sempre dirão que

PRISIONEIROS DO CAMPO DE CONCENTRAÇÃO DE BUCHENWALD, localizado no leste da Alemanha O OMME N E NS SAAGGE EI IRROO DDEE SSAANNTTOO AANN TT ÔÔ N I O

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Ele se ausenta? É surdo? Não se mete na dor? todo o mal, sem magia e sem ilusões, mas Morreu? Assim diz duramente o salmista, no enfrentamento e na experiência diária do querendo um sinal: “Despertai, Senhor. Por viver. Chamado ou não, Deus estará sempre que dormis? Levantai-vos. Não nos rejeiteis presente para quem ama e quer viver, para para sempre” (Sl 44[43],24). que “no dia da desgraça, me esconda em Interpelar Deus acusando-O de ser cosua tenda” (Sl 27[26],5). É singular que nivente com o mal deve incomodar os amio livro do Apocalipse apresente a Igreja, gos de Deus. Precisamos representada por uma convocar Jó, Jeremias, mulher que protege seu “O fim do demônio é fazer Sofonias, Amós, os MaFilho Amado, lutando a criatura racional voltar cabeus, o profeta João contra o império do mal. as costas para Deus”. Na Batista e o próprio Jesus O mal é enfrentado pelo para serem nossas testeamor de uma mãe que hora da dor e da presença munhas e proclamarem cuida do fruto de seu do mal, o cristão reza e a verdade sobre Deus em útero e que acredita na confia: “Na minha aflição favor do sofredor, no enforça de Deus. O amor é clamei ao Senhor, e Ele oufrentamento da maldade mais forte que a morte. Ainda que o mal tente e na esperança da vida viu-me. Livrai-me, Senhor, se camuflar e disfarçar, plena. Assim sabemos dos lábios mentirosos, e da quem é discípulo de Jedos profetas que pôr a língua traiçoeira” sus Cristo conhece seu culpa em Deus alivia a Salvador e crê na verdacanseira humana, mas de. Assim age movido por Deus de dentro nada resolve da dor humana. Contra Deus de seu coração. Impede a ação do demônio, e sem Ele, ficamos ainda mais frágeis e na pois este quer agir do exterior e manipular. orfandade. Nada ganhamos e tudo perdeQuem é de Deus sabe que Jesus Cristo age mos. Pensar o mal, retirando-o de Deus e por dentro da pessoa. Quando o mal atinge aliviando a divindade de qualquer relação, um crente em Deus, este não deve praguejar pode salvar momentaneamente o mistério, nem perder a fé, mas buscar imediatamente mas nos remete a um beco sem saída. Se a Deus, pois, como diz Santo Tomás de não foi Deus, ou se Ele é impassível, então Aquino (1225-1274): “O fim do demônio por que sofremos desse jeito e Ele nos criou? é fazer a criatura racional voltar as costas Esse é o caminho fácil da apologética, mas para Deus”.5 Na hora da dor e da presença sem resultado para quem sofre e tampouco do mal, o cristão reza e confia: “Na minha para a imagem plena de Deus como amor. É aflição clamei ao Senhor, e Ele ouviu-me. muito falatório para nada. Se pensarmos que Livrai-me, Senhor, dos lábios mentirosos, o mal é necessário, podemos ver algo sobre e da língua traiçoeira” (Sl 120[119],1-2). nossa finitude, bem como justificarmos nossa miséria e a própria inércia. Não há nada a REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ser feito! A paciência não pode ser assumida 1 a priori. Deveria existir uma teimosia em Repensar o mal: da ponerologia à teodiceia. São Paulo: Paulinas, 2011. p. 15. quem sofre. Teimosia santa de quem sabe que 2 COMBLIM, José. A oração de Jesus. 2. ed. Deus é bom e eterna é Sua misericórdia (cf. Petrópolis: Vozes, 1973. p. 48. 3 Sl 100[99],5). Assim diz o teólogo: “Desde SOARES, Afonso Maria Ligorio. De volta ao mistério da iniquidade. São Paulo: Paulinas, as origens da humanidade, houve homens e 2012. p. 234. mulheres tateando em busca da verdade e da 4 Repensar o mal: da ponerologia à teodiceia. justiça, enfrentando as potências adversas; São Paulo: Paulinas, 2011. p. 15. 5 ST III, q. 8, a. 7. homens e mulheres que sentiram a angústia e o peso do silêncio e da solidão, o abandono no meio da reprovação e da culpabilização, teimosos na esperança”.4 Fernando Altemeyer Se Deus é por nós e conosco enfrenta Junior o mal, temos um amigo e uma força para Departamento de Ciências seguir lutando e pelejando, sem entender da Religião, PUC-SP fajr@pucsp.br todo o mistério da vida e do mal, mas certos de que Deus está conosco, para nos livrar de O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO Maio d e 2 0 1 3

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o mundo é cópia falsa, que o mal é sempre material, que o espiritual tudo salva e o que devemos fazer é sublimar e fugir deste mundo. Jesus Cristo propôs outro caminho: não condenar, mas propor vida ao mundo. “Pro vita mundi”, para a vida do mundo, e, como dizemos no Credo cristão, “por nós e por nossa salvação”, Deus fez-se homem no seio de Maria e habitou entre nós. Os cristãos veem na criação os sinais de Deus e acreditam que também o mundo geme clamando por redenção, como diz o apóstolo Paulo. Não somos tão pessimistas quanto Schopenhauer (1788-1860) ou Santo Agostinho, mas sabemos que sem o Cristo nada podemos. Não somos tão otimistas como Pelágio (350-423) ou Hegel (1770-1831), que creem no espírito do mundo e na força do humano, pois sabemos de nossas fraquezas e medos. Devemos ser plenamente realistas e buscar o caminho do meio. Kant (1724-1804) não é suficiente para enfrentar o mal, ainda que a ética seja ferramenta importante. Nietzsche (1844-1900) não consegue compreender Deus, por isso O nega. Não percebe a força do amor de um Deus crucificado. Ele não é o pai do mal nem seu sustentáculo, mas sim nosso aliado no enfrentamento do mal. Deus não nos faz impotentes, mas se torna nosso companheiro de estrada e de esperanças. Assim diz o salmista: “Vós contaste os passos da minha vida errante e recolhestes as minhas lágrimas” (Sl 56[55],9). O derradeiro problema do mal reside no fato de que é apresentado ou transfigurado em algo banal. A filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975) deixou o rei nu ao dizer que a banalidade do mal é o que devemos de fato enfrentar e assumir como projeto humano e compassivo. O mal precisa ter os véus retirados e, ao perder o efeito fantasmagórico e surreal, possibilitar que possamos chamar por seu nome. Quem enfrenta o mal é capaz de superá-lo, mesmo ficando com marcas e feridas. Tirar o mal do anonimato e das estruturas e nomeá-lo como feito por homens e mulheres é tarefa primordial. O mal não é produto de monstros, mas da perversão e de uma exclusão deliberada do bem e do amor. Nossa força está em Deus. Assim diz Jesus: “Eu vos dou o poder de calcar aos pés serpentes e escorpiões” (Lc 10,19a). A questão do mal sustenta muitos ateísmos e proclama sempre a ausência de Deus na salvação de Seus amados e do povo escolhido. Seria assim mesmo? Deus se cala?


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omo a liturgia é uma ação ritual e disso ela não pode fugir, sob pena de perder o ritmo e não cumprir sua missão salvífica, respeitar o rito e celebrá-lo com qualidade são condições fundamentais. O que qualifica uma liturgia é sua dimensão sacramental. A palavra sacramentum, em latim, significa ‘sinal sensível’. Estamos falando dos sinais que os cinco sentidos do corpo captam para iniciar a experiência de Deus possibilitada pela liturgia. Tudo o que os olhos veem, os ouvidos escutam, o tato toca, o paladar aprecia e o olfato cheira no decorrer do culto sagrado deve ser bom e atraente. Um primeiro critério para coordenar esse princípio litúrgico é a beleza. Quando sai de casa para participar da missa, por exemplo, uma pessoa o faz tocada pelo desejo de se encontrar com Deus, isto é, de fazer uma experiência de um mistério transcendente. O contato com os sinais que ajudam a realizar a passagem do comum para o extraordinário, do natural para o

A BELEZA TEM SEU LUGAR NA

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sobrenatural, do humano para o divino começa quando a pessoa entra na Igreja, que, além de limpa e bem cuidada, possui imagens e pinturas que falam de Deus, dos santos e da história da salvação. Por isso, diz-se que a arte sacra tem a missão de colocar a Bíblia e a história da Igreja em pinturas, mosaicos e esculturas. Esse contato visual é o início do caminho proporcionado pela liturgia a cada fiel e a toda a comunidade pela graça de Deus. Esse é trabalho que o sentido da visão começa a realizar antes de iniciar o culto. Os ouvidos estão prontos para captar a sonoridade que leva a Deus. O primeiro sinal é o silêncio. Portanto, se o fiel encontrar um ambiente barulhento como é comum em nossas igrejas, a experiência do mistério de Deus fica prejudicada. Essa é uma face ruim que fere o sentimento religioso, tão importante para se celebrar com dignidade e eficácia a liturgia que expressa nossa fé. O que foi arranhado terrivelmente é o aspecto sagrado dos

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C AT E Q U E S E L I T Ú R G I C A


vezes, não percebemos o quanto usamos qualidade ritual à altura do mistério que o sentido do tato. Já no sinal da cruz, celebramos. Ainda é oportuno insistir na beleza dos gestos, no tratamento elegante nós nos tocamos corporalmente com bee singelo para com as pessoas e as coisas. leza e amor. Qualquer toque no próprio Se todos os sacerdotes e os ministros leigos corpo feito com grosseria, muitas vezes tiverem essa consciência, nossa liturgia inconscientemente, mostra que não estaserá mais evangelizadora, e não apenas vámos harmonizados interiormente. Falando lida. É preciso ser bela, tocar os corações, ainda sobre o tato na missa, o padre beija elevar a Deus, ser realmente extraordináo altar, o acólito segura o livro, leva os ria. Portanto, tudo o que as comunidades vasos sagrados para a mesa da Eucaristia, investem em tero padre eleva o cámos de tempo e lice, a hóstia etc. recursos para que a No dia a dia, nem liturgia seja o mosempre tocamos as mento mais sabocoisas com ternura roso da vida cristã e bondade, mas, só contribuirá para na ação litúrgica, tudo precisa ser a salvação das pesfeito com elegânsoas e para o crescia e simplicidacimento eclesial. de. É uma forma Boas liturgias anivisível de mostrar mam as pastorais amor. O olfato é toe sensibilizam para cado pelo perfume maior dedicação à das flores e pelo comunidade e ajucheiro da limpeza. da, até financeira, Muito comumente para os projetos é tocado pelo excomunitários. Tecessivo odor do innho certeza de que censo de qualidade o caminho para o ou pelo incômodo crescimento da fé e cheiro de um inda Igreja passa por A liturgia precisa ser bela, censo ruim. Aqui uma maior atenção está a diferença do à liturgia. Esse sotocar os corações, que leva a Deus e nho de beleza acaelevar a Deus, ser realmente do que atrapalha lenta nossos dias extraordinária nossa relação com e nos faz ver um Ele por meio da liturgia. Por fim, a hóstia futuro promissor, pois a fé bem celebrada, consagrada recebida na comunhão deve além de fortalecer a pessoa e a comunidater com gosto, assim como o vinho consade, faz mais clara a compreensão do que grado em sangue de Jesus Cristo. somos e buscamos nesta vida: somos filhos Todos esses cuidados favorem a expede Deus Pai e buscamos sentir o Seu amor riência de Deus e garantem a beleza, que é com a intensidade com que Jesus o sente. o primeiro critério do rito litúrgico. O que Assim, em Jesus Cristo, seremos realmensignifica essa beleza em sentido teológico? te “novas criaturas”. No próximo número Por que ela tem de ser garantida, custando desta revista, trataremos da Ordem como esforções, investimentos e ensaios? É porcritério para se celebrar digna e frutuosaque a beleza na liturgia é a manifestação mente a liturgia cristã. da beleza de Jesus Cristo, suprema beleza eterna que nos foi mostrada pela encarnaPe. Valeriano ção do Filho de Deus. Jesus é a beleza de dos Santos Costa Deus em forma humana. Sendo a liturgia Doutor em Liturgia pelo Pontifício celebrada por meio do rito sacramental, Ateneo Santo Anselmo, Roma. Professor adjunto na Faculdade de que é um elemento humano, todos os cuiTeologia da PUC-SP dados são poucos para que se garanta uma

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lugares de culto. Vivemos em uma cultura que tirou o sagrado de seu lugar e o substituiu por coisas profanas, mas que, sem perceber, as tratamos como sagradas. Essa inversão de valores afeta nossa existência como um todo e coloca, no caso, nossas liturgias em crise. Em busca de solução, muitas comunidades estão adotando, antes da missa, cânticos religiosos, sobretudo os que se repetem ao estilo de mantra. É uma preciosa iniciativa, uma chamada ao silêncio. Teologicamente, o silêncio corresponde ao apelo estabelecido no Antigo Testamento: “Ouve, ó Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Deus” (Dt 6,4). Esse apelo, conhecido como Shemá Israel, é constituído das duas primeiras palavras da seção do livro da Lei que faz a profissão de fé no monoteísmo. Tornou-se, para nós, um apelo contundente para a concentração da mente e do coração exigida para uma boa participação na liturgia da Igreja. Um ambiente bonito, com arte e provido do silêncio necessário ou munido de fundos musicais que ajudam a rezar, possilitam à pessoa concentrar-se para o rito a ser celebrado. O rito é o coração da liturgia. Como já foi mencionado, ele é um momentro “extraordinário”, porque nos tira do ordinário do dia a dia e nos coloca em uma dimensão divina e muito mais leve, porque transcendente. Isso é observado pelos estudiosos da antropologia religiosa em todos os ritos sagrados no decurso da história da humanidade. Então, tudo o que na liturgia cristã é captado pelo olhos, como a dignidade dos paramentos e outras alfais, do livro litúrgico, das vestes dos leitores etc., deve ser belo e bem cuidado. O sentido do ouvido vai ser insistentemente acionado pelo que se canta e pelo que se lê durante o culto. Aqui há um problema de interpretação equivocada da reforma da Sagrada Liturgia impetrada pelo Concílio Vaticano II (1962-1965). Apressou-se demais a banir os corais e deixou-se a assembleia à mercê de melodias mal cantadas e leituras mal proclamadas. Música é uma suprema arte, e arte necessita de dom e aprendizado. No decorrer da liturgia, os demais sentidos do corpo são também diretamente tocados. Os olhos continuam a captar o belo e fazer pontes para Deus. Iniciada a celebração, tudo deve ser belo. Muitas

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ESPECIAL PAPA FRANCISCO

Ele é nosso! O prenúncio franciscano do primeiro papa latino-americano

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ode até parecer uma ironia premeditada pegar o metrô ou andar de ônibus, hospedar-se em uma residência do clero, comer em uma mesa com pessoas comuns dias antes de assumir o cargo mais elevado da Igreja Católica. Mas foi exatamente o que aconteceu com Jorge Mario Bergoglio (1936-). Mal sabia o protagonista dessa história que tais atividades, aparentemente tão simples, inexistiriam em sua agenda a partir de 13 de março de 2013. Os últimos passos de tranquilidade do novo papa foram permeados por uma profecia: a humildade precede a honra. O perfume do Vaticano pode ainda ter o contorno dos frascos europeus, mas não a mesma fragrância.

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Sua essência agora é latino-americana. E, se o ditado: “Vão-se os anéis, ficam-se os dedos” vale para tantos ideólogos, para este não seria diferente. Do clero, do povo; ele é um de nós. Aos 76 anos, o argentino portenho, de cabelos quase completamente brancos, detentor de um discurso ao mesmo tempo objetivo e humanizado, assume um compromisso: quer cuidar dos mais necessitados. Quer uma Igreja que pense nos pobres. O viéis de seu pontificado surgiu por influência de um nome, antes de tudo, bem brasileiro. Durante os dois dias em que ficou enclausurado sob os afrescos de Michelangelo (1475-1564) com o colégio cardi-


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“Vocês sabem que o dever do conclave era dar um bispo a Roma. Parece que meus irmãos cardeais foram buscá-lo quase no fim do mundo” Papa Francisco em sua primeira aparição no balcão da Basílica de São Pedro

nalício, era o amigo dom Cláudio Hummes (1934-) que se sentava a seu lado. Logo quando ouviu ecoando na Capela Sistina os aplausos que indicavam que havia sido eleito como sumo pontífice, o arcebispo emérito de São Paulo abraçou-o e beijou-o, disparando como flecha os dizeres: “Não se esqueça dos pobres”. A inspiração para o novo papa foi anunciada em uma reunião exclusiva com a imprensa que acompanhou todo o conclave três dias após sua eleição. “Aquela palavra entrou aqui”, disse apontando para a própria cabeça. “Os pobres. Os pobres. E aí, pensando neles, pensei em Francisco de Assis”. Os preceitos do santo italiano que abandonou o luxo e a riqueza

para servir pobres e doentes combinam como água e vinho com as demonstrações que Bergoglio tem dado desde que assumiu o pontificado. Rejeitou adornos, carro oficial ou exclusividade. Foi embora no mesmo ônibus em que estavam os cardeais após fazer sua primeira aparição no balcão da Basílica de São Pedro. Momento, aliás, que foi permeado de uma emoção quase inenarrável para quem estava em frente ao Palácio Apostólico na hora do anúncio. Foi o cardeal protodiácono, o francês Jean Louis-Tauran (1943-), que pronunciou o tradicional Habemus Papam quase quarenta minutos após a fumaça branca ser disparada da chaminé da Capela Sistina. Nesses O M E NN SSAAGGEEIIRROO DDEE SSAANNT TOO AANNT TÔ ÔN NI OI O Maio ddee 22001133 Maio

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ESPECIAL PAPA FRANCISCO

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segundos de apresentação, os olhares, os gestos e as vozes indicavam o mesmo pensamento de ansiedade na Praça de São Pedro, onde milhares de fiéis acomodados sob seus guarda-chuvas aguardavam extremamente comovidos. Pessoas que, com o sinal da decisão do conclave, já clamavam Habemus Papam incessantemente. Era quase uma melodia ensaiada. A aclamação e os sinos tocavam simultâneos e ininterruptos. Um conclave que anunciou, mais que um nome, esperança aos fiéis que seguem agora os passos de um novo pastor. São atitudes que, para a irmã croata Claudia Duran, mostram os olhares de Deus voltados exclusivamente para suas criaturas. “Eu estou contentíssima porque havíamos rezado tanto pelo novo papa e agora, com Francisco, vemos que o Espírito era presente no conclave. É um homem bom, doce e forte. Imensamente humilde. Tudo o que a Igreja precisa”, sintetizou a irmã ursulina da União Romana, ordem que também tem fundamento nos ensinamentos de São Francisco de Assis, que inspira o novo papa. O ineditismo do nome escolhido para seu pontificado também atrai

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expectativas para uma revolução na pessoas na Praça de São Pedro. Fora Igreja. Querem mudanças, mas tama diplomacia indispensável para os bém conservadorismo. Conseguiram que detêm elevados cargos políticos, os “bons ares” de Buenos Aires em muitos queriam ver de perto quem é Roma. Alcançaram ainda um dispêno homem de túnica branca, cruz de dio maior com sermões, latão, que dispensa do que com ostentações. vestes litúrgicas de co“Agora começamos Bergoglio chegou a manres intensas e adereços dar recado aos argentidourados e inicia seu este caminho, nos que pretendiam ir à pontificado inspirado bispo e povo, Itália especialmente para em um dos santos mais o início de seu pontificahumildes que já exisum caminho de do, incluindo sacerdotes, tiram. Acomodados, irmãs e arcebispos. Em fraternidade, de amor, todos paramos para vez de viajarem, ele pe- de confiança entre nós. ouvir a voz quase tão diu que doassem o valor suave quanto o camiRezemos sempre dos custos da excursão nhar de um novo líder. para obras de caridade. por nós, um pelo outro, Não ceder ao pessiNão adiantou. mismo; manter-se alepor todo mundo, para gre mesmo na tristeza; Na missa em celebração ao início do minisque seja uma grande pensar nos pobres; petério petrino, realizada dir perdão a Deus, e o fraternidade” em 19 de março, parmaior apelo: anunciar ticiparam a presidente Jesus Cristo. Em sua Papa Francisco da Argentina, Cristina primeira semana como Kirchner (1953-), acompapa, Francisco realipanhada de vinte membros do corpo zou uma verdadeira catequese, seja diplomático argentino, além de deleem suas homilias, seja nas aparições gações de outros 131 países, totaliem público. Na celebração em que zando aproximadamente duzentas mil recebeu os sinais de seu ministério (o pálio e o anel de pescador, que desta vez não é de ouro, mas de prata dourada), não foi diferente. Em uma homilia em italiano, pela primeira vez, o novo papa não alterou o texto previamente preparado. Inaugurando seu pontificado na mesma data em que se comemora o dia de São José, Francisco falou da fé de Abraão (cf. Rm 4,18): “Também hoje, perante


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“Antes que o bispo abençoe o povo, peço que rezem ao Senhor para que me abençoe” Papa Francisco

em Roma em 2005 de que Jorge Mario Bergoglio era o principal concorrente de Joseph Ratzinger. O documento ainda ia além, afirmando que Bergoglio teria cedido “com lágrimas” os votos recebidos para que os cardeais pudessem chegar a um acordo mais rapidamente. Embora a teoria jamais possa ser confirmada oficialmente por causa do segredo absoluto da eleição, hoje podemos afirmar que Bergoglio era realmente um forte candidato em 2005. Tanto que, desta vez, foi eleito. Aliás, em um dos conclaves mais rápidos da história. Ratzinger foi eleito no quarto escrutínio, sendo a eleição mais curta deste século. Enquanto Bergoglio foi eleito no quinto escrutínio. Um contraste com o mais longo que durou quase três anos e elegeu o beato Gregório X (1210-1276), em 1272. UM LÍDER LATINO-AMERICANO

tantos pedaços de céu cinzento, há necessidade de vermos a luz da esperança e de darmos nós mesmos esperança. Guardar a criação, cada homem e cada mulher, com olhar de ternura e amor, é abrir o horizonte da esperança. É abrir um rasgo de luz no meio de tantas nuvens. É levar o calor da esperança! E para nós cristãos, como Abraão, como São José, a esperança que levamos tem o horizonte de Deus que nos foi aberto em Cristo, está fundada sobre a rocha que é Deus”. Uma esperança que arranca motivação imediata, especialmente para nosso continente. “Ele é um exemplo de humildade. Estou feliz porque a América Latina estará presente na política internacional. E certamente não vou me sentir tão sozinha porque já temos um

17 de dezembro de 1936

Nasce em Buenos Aires, na Argentina. Filho de imigrantes italianos

argentino falando italiano com a mesma entonação que a minha”, expressou, visivelmente orgulhosa, a argentina Karla Guascone, que há dez anos vive na Itália e compareceu à missa de inauguração do ministério petrino de Francisco. Um ministério que foi adiado. Ao menos de acordo com especulações inominadas que agora ressurgem na imprensa. Bergoglio não foi citado em nenhuma lista de favoritos, mas a escolha de seu nome não deveria ser uma surpresa, como transpareceu. Talvez tenha sido justamente seu afastamento da mídia que tenha colaborado com sua eleição. O ditado italiano é claro e certeiro: “Quem entra papa sai cardeal”. Do conclave que elegeu o papa Bento XVI (1927-), surgiu a hipótese em um diário anônimo que circulou

1957

Aos 21 anos, cai gravemente enfermo. É diagnosticado com pneumonia e seu pulmão direito é parcialmente retirado

11 de março de 1958

Entra no noviciado da Companhia de Jesus

12 de março de 1960

Faz os primeiros votos como jesuíta

No dia seguinte à eleição de Bergoglio, o clima em Roma era realmente de serenidade. No metrô, nas padarias e nas ruas, era como se as pessoas dissessem com o olhar e com os ombros, que pareciam mais relaxados: “Estamos seguros. Temos um papa!” Uma percepção um tanto natural. Desde sempre Roma foi a sede do pontificado. É, portanto, comum que os italianos sintam mais a falta de um governante para o Vaticano, o menor país do mundo, agora sob o comando de um novo líder. Mas como a premissa já é anunciada: é impossível agradar a todos. E as críticas também surgiram. “Entre tantos, tinha que ser um argentino?”, publicou um leitor de O Mensageiro

1960

Estuda humanas em Padre Hurtado, no Chile

1961-1963

Estuda filosofia no Seminário de São Miguel, em Buenos Aires

1964-1965

Ensina literatura secundária e psicologia na escola secundária jesuíta, em Santa Fé

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ESPECIAL PAPA FRANCISCO

1966

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brasão escolhido pelo papa Francisco para seu pontificado possui um sol radiante e flamejante carregado com as letras, em vermelho, IHS, monograma de Jesus Cristo. A letra H é coberta por uma cruz em ponta e três pregos em cor preta. O emblema faz uma referência muito visível à Companhia de Jesus, ordem do papa jesuíta e tem como lema: “Tua misericórdia o elegeu”. Também estão no brasão a estrela e a flor-de-nardo. Estes, respectivamente, representam a Virgem Maria e São José, patrono da Igreja, cuja celebração em sua homenagem ocorre nos dias 19 de março e 1o de maio.

nós esperamos que o próximo seja da África”, finalizou, com risos, a turista que vem do continente em que a religião católica mais cresce no mundo. Vale citar que Bergoglio, com atitudes, conseguiu reverter a primeira impressão dos que tentaram, mesmo

1967-1970

Ensina na prestigiosa escola secundária Colegio del Salvador, em Buenos Aires

Estuda teologia no Seminário de São Miguel

13 de dezembro de 1969 É ordenado sacerdote

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“TUA MISERICÓRDIA O ELEGEU”

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de Santo Antônio, fazendo referência à tradicional revanche futebolística entre o Brasil e o país vizinho. Referências que também foram sucedidas por piadas na internet, especialmente nas redes sociais. Dom Raymundo Damasceno (1937-), arcebispo de Aparecida, comentou a questão em entrevista coletiva com outros cardeais brasileiros no Colégio Pio Brasileiro, em Roma, após eleição de Bergoglio: “A disputa é mais no campo do futebol entre Maradona e Pelé. No campo religioso, não há isso. Estamos falando da mesma Igreja”. Dom Odilo Scherer (1949-), arcebispo de São Paulo, sentindo que a resposta ainda não silenciava a imprensa, completou: “Como os argentinos são chamados no Brasil? De hermanos! Então, somos povos irmãos. Nos sentimos assim”. Rebatendo os críticos, a novidade latino-americana gerou mais sinalizações otimistas do que negativas. Até mesmo vindas de quem não pertence ao continente. De Roma, o aposentado Bruno Mastro Pietro, que, além da nacionalidade, tem o sangue conservador, contradiz o senso comum europeu. Pensa que Bergoglio será um papa ‘bravo’, como dizem os italianos ao elogiarem, e espera, com isso, uma renovação. “Ele é da Argentina, um país da América Latina. Não sendo italiano, romano, estamos contentes. Precisávamos mudar. [...] É o início de uma renovação, com certeza. E para melhor”. Kia Morretso, da África do Sul, também parece feliz por não termos mais um europeu no pontificado. “Não que os europeus não sejam bons. Não é isso. Mas é uma esperança” justificou-se. “Isso é uma renovação e

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1970-1971

Passa pela Terceira Provação, um tipo de segundo noviciado da formação dos jesuítas, na Espanha

inconscientes, jogar o novo papa contra o Brasil. Os virais da internet mudaram as versões lançadas assim que Francisco assumiu o pontificado e agora falam de um “primeiro milagre argentino”, fazendo referência ao carisma já disseminado pelo sumo

1971-1973

1973-1979

1973

1979-1985

Mestre de noviços e vice-chanceler no Seminário de São Miguel Faz seus votos perpétuos como jesuíta

Eleito superior dos jesuítas da Província da Argentina e do Uruguai Reitor do Colégio Máximo e professor de teologia


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pontífice. O único papa jesuíta a assumir o trono de São Pedro (1-67), aliás, membro exclusivo da Companhia de Jesus nesse conclave, tem agora, além de uma agenda incomum, uma origem que gera um enigma a seu redor: como um latino conduzirá a Igreja? Em julho, o papa Francisco estará no Rio de Janeiro em sua primeira viagem intercontinental como sumo pontífice. A Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que tem garantida a presença do santo padre, poderá preceder uma visita à cidade de Aparecida. Sua forma de reger a Igreja deve ser norteada pelo Documento de Aparecida, escrito na V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, realizada em maio de 2007, que teve como principal elaborador o então cardeal arcebispo de Buenos Aires. O texto propõe uma mudança significativa na condução do novo pastor: levar a Igreja até o povo. Premissas de um papa que não possui só raízes, mas projetos firmados aqui: um continente que detém pelo menos 40% dos católicos do mundo e enfrenta dificuldades para crescer. Uma terra que deve ser fortificada na fé naturalmente com a vinda de Francisco. Desde sua primeira aparição em público, o novo sumo pontífice – que já tem como característica a espontaneidade no discurso – pediu sucessivamente orações a Bento XVI, que renunciou oficialmente em 28 de fevereiro. A preocupação principal de Francisco é com a saúde de seu antecessor. Em Castel Gandolfo, uma semana após sua eleição, o papa emérito recebeu o santo padre. Na capela da residência apostólica, Bento XVI ofereceu o lugar de honra a Francisco, que não aceitou. Ajoelharam-se juntos no

1986

Vai à Alemanha para terminar sua tese doutoral

27 de junho de 1992

Ordenado bispo auxiliar de Buenos Aires

13 de junho de 1997

2001

2005

Nomeado arcebispo auxiliar

Preside com outros o sínodo dos bispos

28 de fevereiro de 1998

21 de fevereiro de 2001

2005-2011

nomeado arcebispo de Buenos Aires

Elevado a cardeal

Recebe o segundo maior número de votos no conclave que elegeu o cardeal Joseph Ratzinger como papa

13 de março de 2013

Eleito papa no conclave de 115 cardeais

Eleito presidente da Conferência dos Bispos Argentinos O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO Maio d e 2 0 1 3

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ESPECIAL PAPA FRANCISCO

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Sílvia Valim Enviada especial ao Vaticano

Arquivo pessoal

trata de um mero projeto legislativo. É de Deus da salvação. Imaginem a pobre um movimento do pai da mentira para menina que, em vez de mandar de volta a criança aos céus, teve coragem de confundir e enganar os filhos de Deus. É trazê-la ao mundo, ter de peregrinar também mais uma demonstração da inde igreja a igreja para veja do demônio, que introduziu o pecado no “Deus nunca se cansa conseguir o batismo!” É inegável que Bermundo para destruir de nos perdoar. goglio ainda tenha a imagem de Deus: homem e mulher receO problema é que nós outras incumbências urgentes que estão bem a ordem de cresnos cansamos entrelaçadas: trazer cer, multiplicar-se e para a Igreja os fiéis dominar a terra”. Uma de pedir perdão” que estão dispersos; afirmação, inclusive, Papa Francisco, no primeiro tentar reverter para a que gerou um embate Angelus, em 17 de março de 2013 religião católica parte com a presidente Crisdo número de evangétina Kirchner. O papa licos que estão se formando a cada dia Francisco ainda se opõe ao aborto e a qualquer método contraceptivo, mas em todo o mundo, especialmente na ao mesmo tempo já criticou padres América Latina; repensar as funções da que se negam a batizar os filhos de mulher dentro da Igreja; e, de alguma mães solteiras. “Esses são hipócritas. forma, unir católicos e protestantes. Afastam os fiéis. Querem separar o povo Jorge Mario Bergoglio nasceu em 17 de dezembro de 1936, em Buenos Aires. Descendente de italianos, é filho de um trabalhador ferroviário e de uma dona de casa. Já teve uma namorada na adolescência. É membro da Companhia de Jesus. Torce pelo San Lorenzo de Almagro. É latino-americano. E é nosso.

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mesmo banco antecedidos pela justificativa do novo pastor: “Somos irmãos. Rezamos juntos”, contou padre Federico Lombardi (1942-), porta-voz do Vaticano, captando um estilo que faz do novo papa um símbolo conciliador para uma Igreja que precisa unificar. Em entrevista à Rádio Vaticano, dom João Braz de Aviz (1947-), prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, além de arcebispo emérito de Brasília, mostrou-se muito seguro com a decisão por Bergoglio. “Neste momento, talvez seja uma Igreja que vai, como já desejava Bento XVI, na direção de uma simplicidade maior, de uma fraternidade maior, e acho que será justamente na base deste testemunho evangélico que é, sobretudo, o que conta: este testemunho do Evangelho, de amor aos pobres, de estar perto como irmãos, uns dos outros, não excluindo ninguém, criando fraternidade.” Dando ensejo ao significado do cargo que lhe foi incumbido, Francisco disse que precisa “criar pontes” com outras religiões, especialmente o Islã. Em reunião com diplomatas de quase duzentos países, o papa sinalizou esta como outra prioridade de seu pontificado. “Não é possível construir pontes entre as pessoas se esquecendo de Deus. [...] Mas o inverso também é verdadeiro. Não é possível estabelecer laços verdadeiros com Deus ignorando os outros. Por isso é importante intensificar o diálogo entre as várias religiões”. Jorge Mario Bergoglio vai certamente enfrentar as amarras de uma sociedade, católica ou não. Em 2010, poucos dias antes de a Argentina sancionar um projeto de lei aprovando o casamento homoafetivo, ele expressou sua reprovação à união e especialmente à adoção de crianças por gays. “Não se trata de uma simples luta política, mas a intenção de destruir os planos de Deus [...] Não se


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UM PAPA JESUÍTA?! No esforço de entendermos (e também de conhecermos mais um pouco do papa Francisco), vamos compondo um grande mosaico, formado a partir de partes que contribuíram e influenciaram na formação de seu ser como homem e religioso. O fato de ser jesuíta constitui uma peça importante na composição deste “todo” que é o ser humano Jorge Mario Bergoglio (1936-), hoje papa Francisco, que vem conquistando a simpatia de todos (católicos e não católicos) a cada aparição pública.

Os milagres de Santo Inácio, Peter Paul Rubens

M

arcada pela obediência militar, a Companhia de Jesus, a congregação dos jesuítas, foi fundada pelo soldado basco Inácio de Loyola (1491-1556, Íñigo de nascimento), que se sentiu chamado por Deus, depois de uma batalha fracassada em luta contra os franceses. Ferido gravemente na perna, ele foi socorrido pelos inimigos que lhe admiraram a determinação, mesmo sabendo de sua desvantagem. Tal fato já mostra a têmpera forte e a resistência do homem que vai treinar seus “soldados de Cristo” para formar cristãos sólidos no ambiente em que vivessem; para ele importava antes, e acima de tudo, restaurar o homem cristão. Inácio era católico, como todo espanhol, mas seu encontro pessoal com Cristo se deu no período de sua convalescença, quando, conhecendo a vida de santos, como a de Francisco de Assis (1182-1226) e a de Domingos de Gusmão (1170-1221) e lendo sobre a vida de Jesus, transformou-se paulatinamente de homem mundano em um homem dedicado a Deus, em um soldado de Cristo.

Esse período se tornou, para ele, um grande retiro espiritual, que consigna nos Exercícios Espirituais um verdadeiro método de discernimento e de meditação, pelo qual se pode sondar a alma e colher as moções do Espírito de Deus no íntimo da própria consciência. O grupo dos sete primeiros companheiros, entre os quais o próprio Inácio e também São

Francisco Xavier (1506-1552), professou os votos após a missa celebrada por um deles, o sacerdote (beato) Pedro Fabro (1506-1546), em 15 de agosto de 1534. Eles se comprometiam a viver em castidade, a observar a pobreza evangélica e a partir em missão, além de se disporem à obediência incondicional ao papa no que se referia às missões. Não havia O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO Maio d e 2 0 1 3

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Santo Inácio de Loyola, autor desconhecido

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aprovação eclesiástica, nem uma regra de vida confirmada; existia apenas a boa vontade sincera desses homens movidos pelo Espírito a fazerem tudo “para a maior glória de Deus”. Este, de fato, tornou-se o lema da Companhia e o ideal profundo da alma de Inácio e seus companheiros. Outro ponto fundamental na vida da Companhia foi a importância que Inácio dedicou aos estudos, como preparação para o apostolado. Não é à toa que, ainda hoje, os jesuítas são conhecidos como o “exército intelectual” da Igreja. Eles criaram colégios e um novo sistema pedagógico. A cidade de São Paulo, por exemplo, nasceu em torno do colégio dos jesuítas. É bem provável que os estudos, aliados à solidez espiritual e à obediência a Cristo e à Igreja, além da disciplina pessoal e de uma vida mística de união com Deus, com bondade, mansidão e apostolicidade fizeram esses homens chegarem aos confins do mundo conhecido de então. Para encontrar as pessoas amadas por Deus, eles se adaptavam às culturas aonde chegavam e, como São Paulo (5-67), “se faziam tudo para todos” e davam ao ensino da catequese novo vigor. Confiante na força desses homens, o papa Paulo III (1468-1549) levou-os para perto de si e os aproveitou para as mais diversas missões. E, em 1540, aprovou sua forma de vida. Três anos antes, todos haviam sido ordenados O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO

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sacerdotes. Foi vertiginoso o crescimento deles ao redor do mundo. Por inveja, ciúmes e outras mazelas eclesiásticas, os jesuítas foram muito perseguidos. Em 1773, a Companhia chegou a ser suprimida, mais por motivos políticos que religiosos, pelo papa Clemente XIV (1705-1774), OFM Conv., o qual se deixou aconselhar pelos inimigos dos jesuítas. O Brasil deve muito aos jesuítas. É memorável a presença de muitos deles na evangelização dos índios, por exemplo, o beato José de Anchieta (1534-1597) e o padre Manoel da Nóbrega (1517-1570), entre outros tantos nomes que protegeram os índios da ambição e da exploração dos portugueses em busca de riquezas nesta Terra de Santa Cruz. Por fim, mas não menos importante, é de se notar que os jesuítas eram homens absurdamente obedientes, mas profundamente livres; não se preocupavam com exterioridades, apenas com o essencial. Esses soldados abnegados do Reino de Deus lutavam não com violência, nem com armas, mas, por terem combatido o mal em si mesmos e vencido, podiam combater o “bom combate”, pela ação apostólica, pela educação, pela pregação e pela caridade ativa. É dessa estirpe de homens de têmpera soldadesca e bondosa que vem o papa Francisco. A Redação

“VAI, FRANCISCO, E RESTAURA A MINHA IGREJA!”


O sonho do papa Inocêncio III, Giotto

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aquela tarde de 13 de março de 2013, os olhos do mundo voltaram-se para a chaminé instalada no teto da Capela Sistina esperando a “fumacinha branca” que anuncia a eleição de um novo papa. Depois que a vimos, foram nossos ouvidos que se tornaram atentos para escutar e saber quem seria o novo sucessor de Pedro e qual nome escolheria para si. A surpresa foi múltipla ao ouvirmos um nome quase desconhecido: certo Bergoglio havia sido eleito papa, um argentino, um jesuíta, e o nome escolhido foi Francisco. Mas como? Como um papa, autoridade máxima da Igreja, escolheria o nome do pobrezinho de Assis, que andava pelos bosques cantando o amor de Deus, contemplando o crucificado e cuidando de pobres e de hansenianos? Bergoglio é o primeiro sul-americano, o primeiro jesuíta e o primeiro papa Francisco. Certamente, reunir tantas características em uma mesma escolha foi obra da Providência de Deus. Na Bíblia, o “nome” dado ou imposto a alguém significa a essência mesma dessa pessoa e, também, a missão que recebe na vida. Mas quem foi Francisco (de Assis), nome adotado pelo papa, e qual sua intenção ao escolhê-lo? Francisco nasceu em Assis, em plena Idade Média, e sonhava em ser cavaleiro. No meio de uma batalha, o jovem foi derrotado e jogado doente em uma prisão. Nesse momento, ele começou a se encontrar com seu verdadeiro “eu” e a se tornar o “cavaleiro do grande Rei”. Alguns anos depois, nu e despojado de tudo, em plena praça pública, começou sua vida de pobreza e de “pedreiro de Cristo”, que o chamou também pobre e nu, do alto da cruz: “Francisco, vai e reconstrói a minha Igreja que, como vês, está em ruínas!” Francisco começou a reconstruir a igrejinha, mas só depois entendeu que o Senhor lhe dava uma missão muito maior, a de reconstruir a Igreja rica, poderosa e ambiciosa do papa Inocêncio III (1160-1216). A Ordem dos Irmãos Menores iniciou-se quando o Senhor concedeu

a Francisco irmãos, com os quais dividiu o propósito de vida segundo o Santo Evangelho. Foi pelo exemplo de sua vida, vida evangélica e apostólica, vivida na oração e na fraternidade com todos (irmãos, irmãs, amigos, inimigos, animais, vermes, e todas as criaturas, incluída a “Irmã Morte”) na pobreza, na alegria contagiante e na simplicidade, que ele começou a “restaurar”, “reformar”, a partir de dentro, a Igreja de Deus. Francisco tinha um sonho só: identificar-se com Jesus Cristo,

segui-Lo, amá-Lo e servi-Lo como resposta ao amor divino manifestado no despojamento da cruz, do presépio e da Eucaristia. O amor que bebia em Deus transbordava aos irmãos que cruzavam seu caminho, especialmente aos mais pobres e sofredores, e a toda criação. Ao fim da vida, o Senhor concedeu-lhe a graça de uma identificação total: o Poverello recebeu as cinco chagas de Jesus Cristo em sua carne. E despediu-se do mundo, cantando e louvando a Deus, por meio da beleza de suas criaturas. A escolha do nome Francisco (que o próprio papa admitiu ser inspiração de dom

Cláudio Hummes [1934], um cardeal brasileiro e franciscano) não é inocente. Com isso, o papa jesuíta de nome Francisco une as duas grandes espiritualidades da Igreja, que alguns costumam brincar que são “inimigos” (os jesuítas e os franciscanos), e mostra com sua escolha a essência da missão do papado, ser um homem de unidade, de superação de diferenças e hostilidades; um homem de paz, de pontes para um mundo e um ser humano divididos, homem de intelecto e afeto, de simplicidade, de pobreza e de fidelidade a Jesus Cristo, centro de nossa fé, a qual ele como novo “Pedro” quer confirmar. Segue este trecho, em que o papa Francisco mesmo explica de onde lhe veio a inspiração: “E, quando os votos atingiram dois terços, surgiu o habitual aplauso, porque foi eleito o papa. O cardeal Hummes abraçou-me, beijou-me e disse-me: ‘Não te esqueças dos pobres!’ E aquela palavra se me gravou na cabeça: os pobres, os pobres. Logo depois, associando aos pobres, pensei em Francisco de Assis. Em seguida, pensei nas guerras, e Francisco é o homem da paz. E assim surgiu o nome no meu coração: Francisco de Assis. Para mim, é o homem da pobreza, o homem da paz, o homem que ama e cuida da criação; neste tempo, também a nossa relação com a criação não é muito boa, pois não? [Francisco] é o homem que nos dá este espírito de paz, o homem pobre... Ah, como eu queria uma Igreja pobre e para os pobres!” Que Deus abençoe nosso papa Francisco, e o Espírito sopre forte em sua consciência e vontade de, como Francisco de Assis, renovar a Igreja de Deus. A Redação O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO Maio d e 2 0 1 3

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CONTINUIDADE E MUDANÇA O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO

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uando você, caro leitor, estiver começando a ler este artigo, com certeza já terá lido várias coisas sobre o papa Francisco (1936-), sobre o significado da escolha de seu nome, sua humildade e seu amor aos pobres etc. Por outro lado, seu papado está apenas começando e ainda não é possível qualquer discussão realista sobre suas características futuras. Por isso, ao começar a escrever este artigo, eu me propus a discutir um assunto que está subjacente a todas as notícias que tenho lido sobre nosso novo papa: que tipo de novidade representa para a Igreja Católica? Ou, posto em outros termos: nos primeiros dias de pontificado, o que ele permite perceber como continuidade dos papas anteriores e o que apresenta como mudança em relação a eles? O “PROGRAMA” FRANCISCO Quando se fala no papa Francisco, uma das ideias recorrentes tem sido a de que o nome já define um “programa de ação”. São Francisco de Assis (1182-1226) é um dos santos mais marcantes da história da Igreja e a escolha de seu nome já indica uma postura amorosa em relação a tudo e a todos, a opção pela pobreza evangélica, o cuidado com o meio ambiente. Além disso, estamos falando do santo mais querido nos tempos atuais, que tem a simpatia de muitos, católicos e não católicos. O próprio nome e sua repercussão na mídia e na opinião pública já são um fenômeno cultural. Mostram o desejo por humildade e simplicidade que permanece no coração das pessoas, mesmo em uma época na qual o êxito e o sucesso, a fama instantânea, a riqueza e o poder se tornaram metas quase obrigatórias. Apesar de tudo, todos nós aguardamos um líder pleno de afeto, que não nos oprima com seu sucesso e sua necessidade de poder, que demonstre sua vizinhança e sua solidariedade a nós por meio de sua humildade e simplicidade. Muitos disseram que a Igreja procurava e precisava de um santo para enfrentar os problemas internos. Mas o fato é que a acolhida ao novo papa mostrou que o mundo, talvez mais do que a própria Igreja, tem necessidade de um santo para o qual olhar. Contudo,

o “programa” Francisco possui outras faces, talvez menos atraentes aos olhos do mundo. No Canto XI da Divina Comédia, o autor, Dante Alighieri (1265-1321), diz que Francisco era o amante da dama desprezada, daquela à qual ninguém desejava: a pobreza. Todos nós simpatizamos com quem opta pela pobreza, mas quantos de nós estamos dispostos a optar – mesmo que de forma parcial – por ela? Francisco é o amante da pobreza, mas não por masoquismo ou ideologia. Seu amor à pobreza é “imitação de Jesus Cristo” - é por amor Jesus que ele descobre a beleza escondida na pobreza. O perfil apaixonado do santo explica seu caráter paradoxal: canta o Irmão Sol e a Irmã Lua, mas está frequentemente entre os mais pobres e desafortunados, em um contexto no qual a sujeira e a degradação física dos excluídos pouco tinham a ver com a beleza da natureza cantada em verso e prosa pelos artistas e amantes em todos os tempos. Amante desenfreado, atirou-se no espinheiro e rolou nu sobre a neve para lutar contra as tentações que o afastariam de sua amada. Apaixonado pela vida, reza a tradição que carregava uma caveira para nunca se esquecer da “Irmã Morte”. Tudo isso faz parte do “programa” Francisco. Resta saber como o mundo, que acolheu tão entusiasticamente os sinais exteriores e a simpatia desse programa, vai receber e se posicionar diante de seu coração mais profundo, das razões originais de onde nasceu. Ele representa um programa tão exigente que nenhum papa aparentemente quis tomar sobre si ao longo da história, mas é também um grande desafio para cada um de nós e para toda a nossa sociedade.

anos. É muito evidente a proximidade de estilos entre os papas João XXIII (1881-1963) e Francisco, de tal forma que um parece ser a continuidade natural e esperada do outro. Mas não foi assim que ocorreu a história; tanto o homem de fé quanto o analista “de fora” têm, por motivos talvez diferentes, de se perguntar sobre o significado e os acontecimentos desse longo período. O que Deus quer nos mostrar com o hiato entre ambos, perguntará o homem de fé? O que mudou na Igreja para que um papa com esse perfil finalmente se tornasse viável em um conclave, perguntará o analista? A eleição de Francisco atesta a força renovadora do Concílio Vaticano II (1962-1965), mas também demonstra a necessidade de um longo caminho de discernimento e purificação para que essa renovação dê seus frutos. As avaliações do Concílio e, mais ainda, do pós-Concílio são temas difíceis e polêmicos para católicos e não católicos. Fazer essa análise extrapolaria em muito o objetivo deste artigo, mas podemos procurar no perfil e na mensagem de Francisco alguns elementos que nos ajudem a compreender os passos positivos e o amadurecimento da comunidade eclesial neste período. Com esse olhar, podemos retornar – agora com ainda mais interesse – à questão original: procurar entender a continuidade e as mudanças associadas ao pontificado de Francisco.

Todos nós simpatizamos com quem opta pela pobreza, mas quantos de nós estamos dispostos a optar – mesmo que de forma parcial – por ela?

DE JOÃO A FRANCISCO Quando olhamos a história da Igreja, nossa primeira impressão é de estarmos diante de um hiato de quase cinquenta

OS FUNDAMENTOS... Sobre o que Francisco mais falou nos primeiros dias de seu pontificado? Ainda que a humildade e a proximidade com o povo sejam os traços que mais nos impactaram em sua pessoa, precisamos notar qual é a maior insistência de seus primeiros discursos e homilias: “[...] Podemos caminhar o que quisermos, podemos edificar um monte de O M E NN SSAAGGEEIIRROO DDEE SSAANNT TOO AANNT TÔ ÔN NI OI O Maio ddee 22001133 Maio

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ESPECIAL PAPA FRANCISCO coisas, mas, se não confessarmos Jesus Cristo, está errado. Tornar-nos-emos uma ONG sociocaritativa, mas não a Igreja, Esposa do Senhor.” (Santa Missa com os cardeais, 14 de março de 2013) “Como o papa Bento XVI nos lembrou tantas vezes nos seus ensinamentos e, por fim, com o seu gesto corajoso e humilde, é Cristo que guia a Igreja através do seu Espírito. [...] A verdade cristã é fascinante e persuasiva, porque responde a uma necessidade profunda da existência humana, anunciando de modo convincente que Cristo é o único Salvador do homem todo e de todos os homens. [...]” (Audiência aos membros do Colégio Cardinalício, 15 de março de 2013) “Realmente a Igreja [...] é o Povo de Deus, o Povo santo de Deus, que caminha rumo ao encontro com Jesus Cristo. [...] Cristo é o ponto fundamental de referimento, o coração da Igreja. Sem Ele, Pedro e a Igreja não existiriam, nem teriam razão de ser. Como repetidamente disse Bento XVI, Cristo está presente e guia a sua Igreja.” (Encontro com os representantes dos meios de comunicação social, 16 de março de 2013) “Como vive José a sua vocação de guardião de Maria, de Jesus, da Igreja? Numa constante atenção a Deus, aberto aos seus sinais, disponível mais ao projeto d’Ele que ao seu. [...] com disponibilidade e prontidão; mas vemos também qual é o centro da vocação cristã: Cristo. Guardemos Cristo na nossa vida, para guardar os outros, para guardar a criação!” (Homilia da missa de início do pontificado, 19 de março de 2013) ... E SUAS IMPLICAÇÕES Desta centralidade de Jesus Cristo, nascem os demais pontos importantes, como a pobreza, a paz e o serviço a todos: “Ele [dom Cláudio Hummes] abraçou-me, beijou-me e disse-me: ‘Não te esqueças dos pobres!’ E aquela palavra gravou-se-me na cabeça: os pobres, os pobres. Logo depois, associando com os pobres, pensei em Francisco de Assis. Em seguida pensei nas O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO

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guerras, enquanto continuava o escrutínio até contar todos os votos. E Francisco é o homem da paz. E assim surgiu o nome no meu coração: Francisco de Assis. Para mim, é o homem da pobreza, o homem da paz, o homem que ama e preserva a criação; neste tempo, também a nossa relação com a criação não é muito boa, pois não? Francisco é o homem que nos dá este espírito de paz, o homem pobre... Ah, como eu queria uma Igreja pobre e para os pobres!” (Encontro com os representantes dos meios de comunicação social, 16 de março de 2013)

nossos dias, que afeta gravemente também os países considerados mais ricos. É aquilo que o meu predecessor, o amado e venerado Bento XVI, chama a ‘ditadura do relativismo’, que deixa cada um como medida de si mesmo, colocando em perigo a convivência entre os homens. E assim chego à segunda razão do meu nome. Francisco de Assis diz-nos: trabalhai por edificar a paz. Mas, sem a verdade, não há verdadeira paz. Não pode haver verdadeira paz, se cada um é a medida de si mesmo, se cada um pode reivindicar sempre e só os direitos próprios, sem O fato é que a acolhida se importar ao mesmo ao novo papa mostrou tempo do bem dos outros, do bem de todos, que o mundo, a começar da natureza talvez mais do que comum a todos os seres humanos nesta terra.” a própria Igreja, tem com o Corpo necessidade de um santo (Encontro Diplomático Acreditado para o qual olhar junto da Santa Sé, 22 de março de 2013)

“Não esqueçamos jamais que o verdadeiro poder é o serviço, e que o próprio papa, para exercer o poder, deve entrar sempre mais naquele serviço que tem o seu vértice luminoso na cruz [...] abrir os braços para guardar todo o povo de Deus e acolher, com afeto e ternura, a humanidade inteira, especialmente os mais pobres, os mais fracos, os mais pequeninos [...]. Guardar Jesus com Maria, guardar a criação inteira, guardar toda a pessoa, especialmente a mais pobre, guardarmo-nos a nós mesmos: eis um serviço que o bispo de Roma está chamado a cumprir, mas para o qual todos nós estamos chamados, fazendo resplandecer a estrela da esperança.” (Homilia da missa de início do pontificado, 19 de março de 2013) Uma síntese particularmente esclarecedora da posição de Francisco encontra-se no discurso a seguir:

“[...] A exemplo de Francisco de Assis, a Igreja tem procurado, sempre e em todos os cantos da terra, cuidar e defender quem passa indigência e penso que podereis constatar, em muitos dos vossos países, a obra generosa dos cristãos que se empenham na ajuda aos doentes, aos órfãos, aos sem abrigo e a quantos são marginalizados, e deste modo trabalham para construir sociedades mais humanas e mais justas. Mas há ainda outra pobreza: é a pobreza espiritual dos

A CONTINUIDADE DE UM CAMINHO Diante dessas palavras, fica evidente que o papa Francisco está em continuidade com predecessores: a ênfase na centralidade de Jesus Cristo na vida da Igreja e do cristão, anunciada a um mundo onde a secularização cresce cada vez mais. As recorrentes referências a Bento XVI não são apenas uma deferência política, mostram a sintonia entre ambos neste ponto fundamental. Aqui se esclarece também o que amadureceu na consciência eclesial ao longo dos últimos cinquenta anos: a certeza de que a missão da Igreja é evangelizar, anunciar a Jesus Cristo, sinal do amor de Deus pelo ser humano; Cristo, aquele que “revela o homem ao próprio homem” (cf. Gaudium et spes, n. 22). Hoje talvez tenhamos até dificuldade de perceber o quanto a mentalidade dos anos 1960 não conseguia compreender a importância da mensagem mística da Igreja. Para muitos, cristãos e não cristãos, o catolicismo parecia muito mais uma doutrina moral ultrapassada, que seria atualizada com a liberação de suas normas sexuais ou com o reconhecimento de sua dimensão política


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libertadora. A crise da iluminam o perfil “pastomodernidade e a pósral”, que muitos queriam Não se trata apenas de ir ao encontro de pessoas -modernidade mostraram ver no papado. à Igreja que as pessoas anNesse conjunto de em uma situação determinada, mas de “fazer-se pobre”, seiam pelo encontro com características, enconir se despojando de uma série de sinais exteriores que cercam tramos sem dúvida uma o mistério, mesmo quando o Vaticano (...), a proximidade com o povo, o acesso fácil, novidade, um modo de negam tal desejo, que um humanismo sem Deus a palavra simples, a história tirada do cotidiano, iluminam ser em que se vê clarase torna desumano, que mente a influência do o perfil “pastoral”, que muitos queriam ver no papado as utopias não realizam catolicismo latino-americano. Trata-se de outro o “paraíso na terra” e a modo de se apresentar militância não se sustenta como sacerdote, outra relação entre indefinidamente sem uma raiz religiosa. ou menos explícita, no coração da Igreja. padres e leigos, que evidentemente não Esse amadurecimento e essa purificação Nenhum papa nos últimos cinquenta é exclusiva dos latino-americanos, mas é permitiram a volta do ideal de uma Igreja anos, para ficar no período que estamos muito mais comum em nosso continente pobre e simples, representada pela eleição lembrando aqui, deixou de considerar e que na Europa. Na Igreja, o homem sábio do papa Francisco. Aqui a continuidade abre valorizar esta opção. Contudo, o papa é como um pai de família que tira de caminho para a mudança. Francisco dá um passo realmente novo seu tesouro coisas novas e antigas (cf. nesta direção: opta não só pelos pobres, Mt 13,52). Esse parece ser o perfil que A NOVIDADE TEM GOSTO mas também pela pobreza. Não se trata Francisco vai mostrando ao mundo. LATINO-AMERICANO apenas de ir ao encontro de pessoas em uma situação determinada, mas de “fazerExiste uma perigosa armadilha ideoló-se pobre”, ir se despojando de uma série gica em valorizar a ênfase de Francisco na de sinais exteriores que cercam o Vaticano Francisco Borba opção pelos pobres. É aquela de acreditar (e a Igreja europeia de modo geral), para Ribeiro Neto que essa opção é decorrência do perfil desque a mensagem se torna mais crível aos Coordenador do Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade te papa – não um elemento constitutivo olhos das pessoas. Além disso, a proximiCatólica de São Paulo (PUC-SP) da mensagem cristã. A opção pelos pobres dade com o povo, o acesso fácil, a palavra sempre esteve presente, de forma mais simples, a história tirada do cotidiano,


mpressiona a obstinação com que muitos setores da opinião pública se dedicam em remoer possíveis e supostas deficiências, no passado, do recém-eleito papa Francisco. No foco está sempre seu relacionamento, quando padre nos anos 1970, com a tristemente célebre ditadura militar. Tentando discernir as situações pelos quais passou o padre Jorge Mario Bergoglio (1936-), acho válido vasculhar honestamente o passado de qualquer pessoa que assuma uma função, ainda mais um cargo de uma missão pastoral com grande ressonância evangélica. Seguidores e seguidoras de Jesus, espelhando-se nos personagens evangélicos, não devem ter nenhuma dificuldade em afirmar que Jorge Bergoglio, como todo ser humano, possui uma história pessoal repleta de acertos, problemas, erros e hesitações. Com seu caráter, seu temperamento e a carga de seu passado. Como todos os mortais, porém, ele tem o direito de corrigir rumos e curar as feridas de suas batalhas. Tem o direito, diríamos hoje, a um “crédito de conversão”. Tal atitude não se refere só a grandes personagens e a santos célebres, como Paulo de Tarso (5-67), Agostinho de Hipona (354-430), Francisco de Assis (1182-1226), entre outros, mas deve ser o cotidiano de qualquer seguidor e seguidora de Jesus (cf. Mc 1,15). Guardo comigo, entre outros, três testemunhos sobre o passado do papa Francisco O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO

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(final dos anos 1960-1970), que me deixam sereno e esperançoso em poder afirmar: “Esse nosso irmão maior, que chamamos de papa, hoje é um latino-americano que passou pela grande tribulação pela qual passaram e passam todos os nossos povos”. Refiro-me, em primeiro lugar, ao argentino Adolfo Pérez Esquivel (1931-), Prêmio Nobel da Paz (1980), uma autoridade moral de perseguido e preso, que afirma com franqueza: “É indiscutível que houve cumplicidades de boa parte da hierarquia eclesial no genocídio perpetrado contra o povo argentino, e embora muitos, com ‘excesso de prudência’, tenham feito gestões silenciosas para libertar os perseguidos, foram poucos os pastores que, com coragem e decisão, assumiram nossa luta pelos direitos humanos contra a ditadura militar. Não considero que Jorge Bergoglio tenha sido cúmplice da ditadura, mas acredito que lhe faltou coragem para acompanhar nossa luta pelos direitos humanos nos momentos mais difíceis”. O segundo testemunho é do padre José Luis Caravias (1935-), jesuíta do Paraguai, que teve o padre Bergoglio como seu superior provincial. Ele não hesita em dizer que, quando superior dele, o atual pontífice salvou-lhe a vida da perseguição das ditaduras paraguaia e argentina. Também com a sinceridade e a autoridade de quem chegou à beira do assassinato por parte dos perseguidores, ele afirma: “Alguns o acusam

de que não teria sido suficientemente corajoso em denunciar aquelas situações. Isto me incomoda. Seria necessário ter vivido aquelas terríveis tensões para hoje poder recriminar... Torturavam e matavam diante da menor denúncia contra. Possivelmente, Jorge Bergoglio, ser humano, cometeu erros. Às vezes, foi desacertado. Deixou-se levar por medos e preconceitos. Porém, nós todos fizemos isso. Os gases venenosos das ditaduras enlouqueceram a todos. Não ensoberbece termos respirado esses gases. Aí vivíamos, e respirávamos como podíamos...” Enfim, o terceiro testemunho vem-me de meus irmãos franciscanos argentinos que vivem e trabalham com os pobres, nas periferias de Buenos Aires. Do bispo Bergoglio, nos anos recentes, eles receberam incentivo e apoio por estarem partilhando a vida com os mais pobres entre os pobres, no lixão da metrópole. Essa é história de nossos dias, aquela que nos permite “dar nosso crédito de conversão a todos”, inclusive ao papa Francisco, que está caminhando, há anos, nessa trilha do Evangelho. Frei Luciano Bernardi, OFMConv Comissão Pastoral da Terra (CPT), Bahia

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I

UM CRÉDITO DE CONVERSÃO EM ATO

Repressão militar durante a ditadura argentina, Portada de Siete Días, Edición Extra

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JOVENS SÃO PROTAGONISTAS desmedida aos ensinamentos do Mestre e, sem dúvida, o primeiro e o maior dos ensinamentos que d’Ele aprendemos, que é o amor. Esse amor divino, contudo, só se conhece e se permite difundir se com Jesus Cristo estabelecermos, acima de tudo, uma profunda e sincera amizade. Todos os que sabem viver uma verdadeira amizade sabem que, entre amigos, a base fundamental do progresso de uma amizade é transparência e docilidade para com a pessoa do amigo. Temos certeza de que o Senhor nos conhece; porém, precisamos não nos cansar de buscar conhecê-Lo, para que, conhecendo-O, nos configuremos a Ele de tal forma que nos tornemos imagens vivas de Seu amor e de Sua propagação ao nosso próximo. Caros jovens, em suas mãos, está a intensidade da correspondência ao Senhor: “Ide e fazei discípulos entre as nações” (cf. Mt 28,19). Dom Orani João Tempesta, O.Cist. Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)

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o contrário, a juventude em geral não é irresponsável nem adepta de uma instabilidade de vida, mas sim desejosa de dias melhores, comprometida com seu amanhã, e, com isso, empreendedora de inúmeros esforços para obter suas conquistas. Nessa perspectiva, a novidade de Jesus Cristo, que ama, ensina-nos a nos amar mutuamente e impele-nos a transmitir a essência e a beleza desse amor a todos pode e deve ser a motivação do ímpeto juvenil que protagoniza a busca pela civilização do amor. É urgente testemunhar Jesus Cristo, para que o mundo não só creia n’Ele, mas se configure a Ele. Trata-se da atualidade de Seu mandato aos apóstolos, que perenemente ecoa na Igreja e deve ecoar nos corações de todos nós, sobretudo no coração da juventude: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15). Entretanto, como empreender esse anúncio? Como ser missionário? Em primeiro lugar, significa ser discípulo de Jesus Cristo e ser dócil àquilo que Ele nos ensina. O discípulo é aquele que aprende e realiza tudo aquilo que seu mestre ensina e, de modo muito mais iminente e significativo, com a fé cristã acontece assim. A vivência da fé exige uma configuração, uma docilidade

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s palavras do papa Francisco (1936-) aos jovens em Roma durante a celebração eucarística do Domingo de Ramos convidou toda a juventude para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que será realizada de 23 a 28 de julho, no Rio de Janeiro. Nesse contexto de JMJ Rio 2013, Ano da Fé, Campanha da Fraternidade, os jovens cariocas devem ser protagonistas de um mundo novo. Uma nova proposta para a programação do papa Francisco no Rio de Janeiro já foi entregue ao Vaticano. Segue confirmada a participação do sumo pontífice nos Atos Centrais (Acolhida do Papa, Via-Sacra, Vigília e Missa de Encerramento) e o almoço com os jovens de todos os continentes, que fazem parte da agenda fixa do papa durante a JMJ. Também será avaliada pelo santo padre e pela equipe do Vaticano sua possível presença em outras cidades brasileiras, como Aparecida, e em países da América Latina, porém nada será confirmado antes dessa data. São Bento de Núrsia (480-547) e São Francisco de Assis (1182-1226) são figuras que inspiram o caminho da Igreja neste novo século, complementando-se para uma nova e atual mensagem de fé para o mundo. De acordo com a mensagem do papa emérito Bento XVI (1927-) para a JMJ Rio 2013, esse evento é, acima de tudo, uma chamada urgente. Assim, ele se expressa por reconhecer nos jovens a esperança do amanhã, tanto em relação à fé cristã quanto em relação à sociedade de modo geral. Essa consciência deve estar arraigada na juventude não de modo efêmero, mas perene. Embora muitos pensem ou afirmem

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ESPECIAL PAPA FRANCISCO

BENTO XVI E FRANCISCO RAZÃO E SENSIBILIDADE

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Ratzinger, 1927-), em um gesto de humildade e de grande amor à Igreja, e, em março, a eleição do papa Francisco (Jorge Mario Bergoglio, 1936-), com gestos de simplicidade e ternura, foram dois acontecimentos que mostraram que os caminhos da Igreja são marcados pela mão misteriosa de Deus.

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os últimos meses, vivemos grandes emoções no seio da Igreja. Essa profusão de sentimentos nos surpreendeu (e continua nos surpreendendo), pois a cada instante sentíamos na Igreja os lampejos do Espírito Divino. Em fevereiro, a renúncia do papa Bento XVI (Joseph

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UM OLHAR SOBRE O MUNDO Quando ainda era cardeal, Joseph Ratzinger refletia profundamente sobre os destinos da humanidade. Suas grandes preocupações se voltavam para os valores humanos e a ética que orientava a vida humana. As grandes preocupações nos escritos do papa Bento XVI eram o secularismo e o relativismo do pensamento moderno. Secularismo é a tendência de o ser humano abandonar a perspectiva religiosa na vida pessoal e social. A sociedade contemporânea deixou as práticas religiosas em segundo plano. Com grande preocupação para a própria sobrevivência e as correrias da vida urbana, as pessoas desfocaram seu pensamento e seu espírito das coisas religiosas. Desse modo, o pensamento está mais voltado para as realidades do mundo, sem se preocupar com a formação religiosa. O secularismo, que tanto preocupou o magistério da Igreja nesses últimos anos, não tem nada a ver com a negação das necessidades materiais do ser humano, nem mesmo o desprezo pelas coisas boas do mundo. Ao contrário, a Igreja ensina-nos que precisamos estar imersos nas estruturas políticas e nos eventos sociais, e devemos nos preocupar com o bem-estar de nossa vida. O secularismo, que merece críticas, refere-se à consideração das realidades temporais sem se importar com as realidades divinas. Secularismo é a compreensão do mundo sem considerar a dimensão religiosa de nossas relações com Deus. De outra parte, o relativismo também preocupou nosso papa emérito, como dizemos de Bento XVI. O cristianismo sempre se preocupou em amoldar valores humanos para a sociedade, levando todos os povos a ter normas éticas bem fundamentadas

o grande defensor dos valores absolutos da ética humana, que adentraram a doutrina da Igreja. Tanto o secularismo, que é o abandono dos valores religiosos, que reduz tudo ao sentido político e social, quanto o relativismo, que coloca tudo em uma perspectiva de incerteza, são perigosos para a formação do pensamento humano.

Bento XVI afirma que: “a pequena barca com o pensamento dos cristãos sofreu, não pouco, pela agitação das ondas, arrastada de um extremo ao outro: do marxismo ao liberalismo até a libertinagem, do coletivismo ao individualismo mais radical, do ateísmo a um vago misticismo, do agnosticismo ao sincretismo”

INTEGRAR FÉ E RAZÃO

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No encontro histórico entre os dois sumos pontífices, percebemos a grandeza e a diversidade dos dons na Igreja. Se o papa Bento XVI deixou suas marcas na história da Igreja por suas reflexões sobre a fé e as verdades eclesiais mais profundas, os primeiros gestos do papa Francisco refletem a simplicidade e a docilidade do “servo dos servos de Deus”. Vamos entrar no âmago dessa reflexão para sentir que Deus coloca sempre nos caminhos da Igreja verdadeiros servidores para sua missão no mundo.

nas páginas do Evangelho. Para tanto, o cristianismo postula verdades absolutas e perenes, como a valorização da vida, a sacramentalidade do matrimônio, o respeito pelos deficientes e tantos outros valores inquestionáveis. Quando a mentalidade moderna defende que todos os valores são relativos e não devem ser defendidos como definitivos, a Igreja questiona tal posição presente na mentalidade e nos meios de comunicação social. As posturas do magistério da Igreja colocaram-se fortemente contrárias ao relativismo dos valores, anunciando que alguns deles não são contextuais ou culturais, mas devem ser assumidos e defendidos por todos os povos e em todos os tempos. Bento XVI afirma que: “a pequena barca com o pensamento dos cristãos sofreu, não pouco, pela agitação das ondas, arrastada de um extremo ao outro: do marxismo ao liberalismo até a libertinagem, do coletivismo ao individualismo mais radical, do ateísmo a um vago misticismo, do agnosticismo ao sincretismo”. Não temos dúvidas que esse papa foi

Com sua tradição teológica tão elevada, o papa Bento XVI sempre refletiu sobre o postulado da razão na confissão da fé. A fé, que é um sentimento que nos eleva para Deus e Sua grandeza, exige fortalecimento da razão, gerando uma postura de equilíbrio. Na tradição de seu predecessor, o papa Ratzinger deixou claro que os dois valores da natureza humana são como dois pulmões de uma mesma vida. Se nosso coração é Jesus Cristo, os pulmões que irrigam esse órgão são a fé e a razão. Sem a fé, somos totalmente limitados que não somos capazes de transcender e sentir a presença divina em nossa vida e em nossa história. Sem a razão, nossa fé se torna vulnerável e carregada de fantasias. De fato, “a fé protege a razão de toda a tentação de desconfiança nas próprias capacidades, incentiva-a a se abrir a horizontes sempre mais amplos, mantém viva a busca dos fundamentos e, quando a razão mesma é aplicada na esfera sobrenatural do relacionamento entre Deus e o homem, enriquece seu trabalho. Por outro lado, não é somente a fé que ajuda a razão. Também a razão, com os seus meios, pode fazer algo de importante pela fé”. Em sua análise do fenômeno religioso do mundo contemporâneo, o pontífice faz-nos perceber que sem a razão a fé pode provocar grandes danos e mesmo fanatismos. Pela fé, somos alçados para Deus. Com a força da razão, não nos distanciamos das realidades terrenas, em que a fé se concretiza e se engrandece. Que a fé nos eleve para Deus e a razão nos dê segurança da harmonia entre o pensamento e o sentimento. Sem razão, a fé torna-se vulnerável, provocando evasões e desequilíbrios. A fé e a razão levam-nos ao encontro do verdadeiro rosto de Deus. Como nos lembrou o saudoso papa João Paulo II (1920-2005): “A fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO Maio d e 2 0 1 3

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ESPECIAL PAPA FRANCISCO

FÉ – CONHECIMENTO, TESTEMUNHO E COMPROMISSO O sentimento da fé é a elevação mais nobre do ser humano. O papa Bento XVI apontou-nos caminhos para viver o “sentimento espiritual da alma” de forma integral, unindo as duas dimensões do ser humano. Para o crescimento da fé, é necessário aprofundar seu conteúdo por meio do conhecimento. A fé exige o intelecto, como ensinava Santo Agostinho de Hipona (354-430). Crendo em Deus, precisamos compreender o significado dessa crença. Como um casal de jovens que se apaixona e depois, aos poucos, vai procurando se conhecer para se amar com mais segurança e profundidade. O conhecimento mais profundo garante maior longevidade ao sentimento, que faz compreender os valores daquele que se ama. De igual maneira, quando cremos, precisamos conhecer os ensinamentos e as doutrinas da fé, para que o sentimento da fé seja mais elevado e mais intenso. A falta de conhecimento leva à superficialidade da fé, possibilitando uma fé incipiente, quer dizer, que não se sustenta diante da diversidade e se deixa arrastar por outros sentimentos ou doutrinas diversas. O papa Ratzinger, que possui profundo conhecimento da razão humana, por sua formação filosófica e teológica, reconhecia que, sem o conhecimento, a fé pode perder sua coerência e sua adesão mais profunda. Basta pensar que muitos fiéis que praticam a fé sem buscar seu conhecimento facilmente se desviam e migram com grande frequência de um para outro grupo religioso. O desprovimento do conhecimento faz que o fiel busque outros grupos que se identificam com sua religiosidade não pelas doutrinas, mas simplesmente pela semelhança dos sentimentos. Assim, é comum que muitos fiéis troquem a prática de O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO

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PAPA BENTO XVI, O ACADÊMICO

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humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio”. Este será o legado do papa Bento XVI: a busca incessante de uma crença em que a fé e a razão são complementares e se enriquecem mutuamente.

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urante décadas, Joseph Ratzinger foi um sacerdote acadêmico que se voltou para o ministério do ensino da teologia. A partir de 1952, iniciou sua atividade docente na Escola Superior de Filosofia e Teologia de Freising (Alemanha), lecionando teologia dogmática e fundamental. Foi um grande conhecedor de Santo Agostinho, pelo qual travou conhecimento com a patrística antiga, e de São Boaventura (1221-1274), que o colocou em contato com o pensamento teológico medieval. Na época do Concílio Vaticano II (1962-1965), era sacerdote, participando como “perito” e assessor do cardeal Joseph Frings (1887-1978), de Colônia; na ocasião, propôs a celebração da missa em vernáculo, deixando para trás a longa tradição da missa em latim. Sua trajetória acadêmica foi importante em sua missão como responsável pela Congregação da Doutrina da Fé, inspirando seus pronunciamentos como sumo pontífice. Escreveu as encíclicas: Deus Caritas Est (Deus é Amor), 2005; Spe Salvi (Salvo pela Esperança), 2007; Caritas in Veritate (Caridade em Verdade), 2009.

religiões pentecostais por outras, apesar de os conteúdos serem totalmente diferentes. Acontece então que o jogo de emoções é semelhante nos dois grupos, mesmo que os conteúdos sejam antagônicos. Quando busca a fé como uma ação terapêutica, o fiel não se preocupa com o conteúdo, mas apenas com a cura, podendo assim trocar o grupo por nova igreja que lhe ofereça maior garantia ou novas esperanças. O papa Bento XVI ensina-nos que a função da fé cristã “não é o evitar o sofrimento, a fuga diante da dor, que cura o homem, mas a capacidade de aceitar a tribulação e nela amadurecer, de encontrar seu sentido através da união com Jesus Cristo, que sofreu com infinito amor”. Sem o conhecimento, a fé toma rumos negativos e perde a verdadeira essência. Nesse sentido, não basta crer; é preciso testemunhar a fé. Pelo sentimento da fé, somos elevados a Deus. Nessa elevação, o próprio Deus aponta-nos o mundo, inserindo-nos no coração da humanidade. Sobre o conteúdo da fé, aprendemos que a prática religiosa não é um antídoto contra o sofrimento, mesmo que a crença nos fortaleça na luta contra as doenças, as enfermidades do espírito e, particularmente, na vitória contra os males sociais. Aceitar a tribulação não significa resignação, mas sentir o sofrimento como condição da existência humana e lutar para transformar as realidades de dor em felicidade. O sofrimento está presente na vida humana; por ele, somos levados à solidariedade, à justiça e à busca de superação. O fiel é convidado a testemunhar sua fé, com grandeza de espírito e nobreza, transparecendo que sente a presença de Deus, mesmo no silêncio de sua história pessoal. De fato, o mais difícil não é revelar e testemunhar a própria fé diante das enfermidades, mas sobretudo diante das maldades alheias. Sempre diante das maldades, somos levados a testemunhar que nossa vida é inspirada no amor de Deus, não nos ressentimentos que nos provocam as maldades alheias. FRANCISCO, O PAPA DO (QUASE) FIM DO MUNDO Em 1978, quando foi eleito, o papa João Paulo II (Karol Wojtyla) era anunciado pela imprensa internacional como


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orge Mario Bergoglio é o primeiro papa nascido na América Latina e o único jesuíta. Há doze séculos, não se elegia uma papa não europeu. Naturalmente, sendo um chefe de Estado dentro da Europa, era natural que o pontífice fosse do próprio continente. Hoje, em tempos de

globalização e, sobretudo, considerando o território vaticano tão minúsculo, o papa é, antes de tudo, um cidadão universal. Em Buenos Aires, foi arcebispo desde 1998; em 2001, foi nomeado cardeal pelo papa João Paulo II. Sua vida secular é padrão entre tantos jovens argentinos: filho de imigrantes italianos,

“o papa que veio de longe”. A partir de nosso olhar ultramar, a Polônia não é tão longe assim. Na verdade, como a Igreja estava habituada, por séculos, a ter apenas papas italianos ou no máximo franceses ou espanhóis, para o eixo da Europa Central, essa nação parecia muito distante. Do mesmo modo, a Argentina, país vizinho do Brasil, transmite a impressão que está quase no fim do mundo. A brincadeira do papa Francisco, minutos após o anúncio de sua eleição, soa também como uma provocação. A Igreja, que possui suas estruturas fincadas nos territórios europeus, mais precisamente italianos, estende-se até o fim do mundo. Ela não tem fronteiras. A cidadania da Igreja é universal, sem se restringir a um Estado político, como é o Vaticano. O Estado do Vaticano confere ao papa uma cidadania política, como um governante de um Estado autônomo

e independente; mas sua profissão de fé e seus seguidores registram outra pertença: cidadania espiritual. A Igreja traz de muito distante do território Vaticano seu chefe de Estado. Mas colhe no coração de seus cidadãos, espalhados pelo mundo, o chefe espiritual, que conduzirá os caminhos religiosos de seu rebanho, ou melhor, do rebanho de Jesus Cristo. Nesse sentido, confirmam-se a pobreza e o despojamento do papa. Sendo cidadão espiritual, sua riqueza está na devoção dos fiéis e na comunhão de fé. Não possui bens temporais, que pertencem a um Estado independente, nem riquezas. Nem haverá herdeiros brigando por suas posses e heranças. A presença de um papa na sucessão apostólica que vem de outro continente mostra que a Igreja não é uma oligarquia continental. Conhecemos empresas transnacionais cujas filiais se localizam

operário na indústria química, torcedor de futebol (sem fanatismo) e “jovem de jeans”. Em 1958, ingressou no noviciado da Companhia de Jesus, tornando-se jesuíta. Cursou filosofia e teologia, servindo sua ordem como mestre de noviços. Entre 1980 a 1986, foi reitor da Faculdade de Filosofia e Teologia de San Miguel. Após concluir seu doutorado na Alemanha, foi confessor e diretor espiritual em Córdoba. Além de espanhol, fala fluentemente italiano, alemão, francês e inglês, tendo razoáveis conhecimentos de português. Crítico aos desmandos dos poderes públicos corruptos, denunciou muitas injustiças do governo argentino. Sua crítica é suave, discreta e incisiva. Espera-se que denuncie as grandes injustiças praticadas em nome do capitalismo, que transformou todos os bens da sociedade em peças de comércio, desde a saúde, a educação e mesmo a religião. Até agora, todos estão fascinados por sua simplicidade e seu despojamento. Que ele nos ajude a “não nos esquecermos dos pobres”. em países asiáticos ou latinos, mas todo faturamento vai engordar as posses e as finanças de seus proprietários em países ricos. Assim, os países hospedeiros são apenas espaços de exploração. A Igreja reverte tal lógica perversa do mercado e do capital. O papa é um cidadão espíritual e seu carisma se estende a todos os povos. Afinal, a Argentina é quase o fim do mundo, como disse graciosamente nosso amável papa Francisco. Vale lembrar que o mundo é circular. Ele não tem fim e começa em todo lugar. O papa trouxe o fim do mundo para o coração da Igreja. Somos todos irmãos. Pe. Antônio Sagrado Bogaz, PODP

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PAPA FRANCISCO, UM PRESENTE PARA A IGREJA

Professor de Teologia Litúrgica e Patrística (ITES – EDT)

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Evangelhos dominicais O

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A aparição de Cristo no Cenáculo, James Tissot

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6o DOMINGO DA PÁSCOA Jo 14,23-29 O Espírito Santo vos recordará tudo o que eu vos tenho dito

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Evangelho de hoje se encontra na segunda parte de Jo 14,1-31; portanto, na parte relativa ao discurso sobre o amor, que começa no versículo 15. Nesse trecho, Jesus repete três vezes a mesma coisa: “Se vocês me amam, observam os meus mandamentos” (vv. 15.21.23.24). Amar o Senhor é o centro do judaísmo, do cristianismo e do islamismo: “Portanto, ame a Javé seu Deus com todo o seu coração, com toda a sua alma e com toda a sua força” (Dt 6,5). O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO

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Depois que viram como Jesus os ama com todo o coração, com toda a alma e com todas as forças – tendo-se tornado seu servo e dado a vida por eles –, os discípulos estão em condições de amá-Lo. Quer dizer, de corresponder ao Seu amor: o nosso amor por Ele é resposta ao seu por nós, que quer que sejamos semelhantes a Ele; daí aquele “portanto”! Ele, de fato, é fiel e nos ama de amor eterno (cf. Sl 117[116]; Jr 31,3). De “amor louco”, como dirá o teólogo ortodoxo N. Cabasilas, místico e escritor, no século XIV. Amar, porém, não é uma ideia cerebrina, ou um vago sentimento ou uma paixão irrefreável. O amor assume expressão concreta na prática dos mandamentos. Amar é acolher e viver a Sua palavra. O pano de fundo do discurso de despedida de Jesus é o tema da Aliança. Os vários componentes da Aliança estão aí: amor e observância da Palavra, presença e imanência recíproca dos aliados, dom do Espírito e de um coração novo, conforme as promessas (cf. Ez 36,22-38; Jr 31,31ss.). Não há muito que explicar, pois tudo isso faz parte de nossa vida no que essa tem de mais comum e cotidiano. Em toda relação positiva entre as pessoas, estes ingredientes se fazem presentes: amar e ser amado, respeitar a palavra dada, conviver, ver a


pessoa amada, viver e conhecer, abrir o coração e falar, recordar e sonhar, alegria e paz... Esses elementos todos não estão soltos, mas andam juntos, como os trilhos de um trem, ou como os membros de um corpo: quem ama respeita a palavra do(a) amado(a), vive com, o(a) vê, vive sua vida, conhece-o(a)... O coração de tudo, porém, é o amor. O verbo “amar” aparece dez vezes no texto. É como a sua urdidura. É a relação do discípulo com o Pai, com Jesus e com os outros discípulos e discípulas. Pelo dom do Espírito, Deus não está mais distante. Está “conosco”. Está “junto” a nós. Está “em” nós. É o fruto do amor de Jesus: a comunhão com Ele, o Filho, nos põe em relação com o Pai e nos faz viver do Seu amor. Depois de tê-lo dito no início do capítulo – “Não se perturbe o vosso coração” (Jo 14,1) –, Jesus repete: “Não fiquem perturbados” (Jo 14,27). A partida de Jesus não deixa e não deve deixar um vazio cheio de medo e de falta de coragem. A ida de Jesus, porque inaugura um novo modo de presença (vv. 2-3.28) é o princípio do Seu ser em nós com o Seu amor. É a Sua herança, o Seu testamento. Jesus parte, mas envia do Pai o Seu Espírito. É o Espírito Santo, o Consolador, o Advogado, que ensinará e recordará todas as coisas (vv. 25-26). É o Espírito de amor, cujo fruto é a Sua paz e a Sua alegria (vv. 27-28). A Sua partida não é a partida da morte, mas um vir a nós e em nós com a Sua presença de amor, presença que vence o mal e revela o verdadeiro rosto do Pai (vv. 29-31). “Paz” (cf. Jo 20,19.21.26). A paz é o dom que contém todos os outros. É a recompensa de quem procurou o que buscava. Jesus deixa a paz messiânica, plenitude de toda a bênção. Essa paz nasce do amor (cf. vv. 15-23) e floresce na perfeita alegria (cf. v. 28b). Não é a “paz do mundo”. A paz do mundo é o intervalo entre duas guerras. É a “pax romana”, fruto do poder das armas. É a paz dos estoicos, que não se perturba com ninguém e com nada. É a “pax perniciosa”, que vive do egoísmo próprio ou alheio. A paz de Jesus tem raízes divinas. Nasce de um amor mais forte que a morte. Vive no Crucificado ressuscitado, que nos torna concidadãos dos santos e familiares de Deus (cf. Ef 2,14-19). “O Pai é maior do que eu” (v. 28). Essa palavra deu origem a várias heresias: monarquianismo, modalismo, subordinacionismo, nas suas formas estática e dinâmica. Na verdade, sob um aspecto, o Pai e o Filho são iguais (cf. Jo 5,19-30; 10,30). Por outros aspectos, porém, são diferentes. Primeiro, porque o Pai é um e o Filho é outro e um não pode, de modo algum, ser o outro; o Pai só poder ser Pai (do Filho) e o Filho só pode ser Filho (do Pai); neste sentido, o Pai é maior que o Filho, pois é a origem do Filho. Além disso, quem ama considera o amado maior do que ele. É o que está acontecendo aqui: o Filho exprime a grandeza que reconhece no Pai.

“Já não tenho muito tempo para falar com vocês” (v. 30). A revelação de Jesus está chegando ao fim, porque está completa. O que se pode acrescentar ao amor total? A Palavra se recolherá ao seu divino silêncio, do qual saiu: na criação, na eleição de Israel e, sobretudo agora, nesses tempos que são os últimos, tornando-se carne da nossa carne (cf. Jo 1,14). Só continuará a falar pela palavra – exterior – dos discípulos e discípulas, dos cristãos e cristãs, da Igreja. E pela palavra – interior – do Espírito, que nos recordará todas as coisas e ajudará a entendê-las. “Levantem. Vamos sair daqui” (v. 31, final). São as mesmas palavras que Jesus diz em Mc 14,42, antes de ser preso. Em João, termina a primeira parte dos discursos de despedida, que os capítulos 15 e 16 retomarão, interiorizando e futurizando. Simbolicamente, Jesus “sai” do cenáculo e, projetando-se para fora do espaço e do tempo, começa a falar com a comunidade futura, que prosseguirá, em outros espaços e tempos, a Sua presença.

12 DE MAIO

ASCENSÃO DO SENHOR Lc 24,46-53 Enquanto os abençoava, afastou-se deles e foi levado para o céu.

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ucas distribui temporalmente o que João concentra teologicamente. Segundo João, na cruz, Jesus já está glorificado e entrega o Espírito, que os discípulos recebem na noite daquele mesmo dia. Lucas, que conhece quarenta dias de deserto no início, conhece quarenta dias de aparições no fim. Lá, a missão de Jesus começou; aqui, começa a dos discípulos. A Ascensão de Jesus, de fato, é narrada por Lucas duas vezes: uma, no final do Evangelho (cf. Lc 24,50-53); outra, no início do livro dos Atos dos Apóstolos (cf. At 1,6-11). De novo: de um lado, temos o fim da missão de Jesus; do outro, o início da missão dos discípulos. A Ascensão é o engate entre o tempo de Jesus e o tempo da Igreja, chamada, na potência do Espírito, a revivê-lo aqui e agora no testemunho e no anúncio. Ela é, a um só tempo, a última aparição do Ressuscitado e o Seu modo definitivo de estar presente no meio de nós até à Sua vinda na glória. O mistério da glorificação de Cristo – cuja humanidade foi violentamente crucificada – só a sabedoria, O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO Maio d e 2 0 1 3

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dada pelo Pai, pode compreender. Ele, de fato, foi feito Cabeça e Plenitude de tudo o que tem sob seu amoroso domínio. Realidade que supera toda existência meramente criatural, inclusive a do Filho encarnado em Seus dias e Suas noites em meio a nós. A narração lucana assemelha-se a uma liturgia de glorificação. Parece a bênção solene do sumo sacerdote Simeão quando encerrou os trabalhos de fortificação do Templo (cf. Eclo 50,20). A Ascensão é o dia sem-fim da Páscoa. A volta do Filho ao Pai é o sentido último e pleno do mistério pascal, ponto de chegada do êxodo e da própria criação, envolvidos no advento de Deus a nós. A saída da terra dos sepulcros termina com a entrada nos céus. A criatura se une, finalmente, ao seu Criador. Depois da Ascensão, não há nada mais a ser dito ou dado. Tudo está realmente consumado, como diz o Jesus de João morrendo na cruz (cf. Jo 19,20). Tudo foi dado e dito na carne glorificada de Jesus. Só fica a necessidade contínua do Seu Espírito, que faz cada ser humano entrar e ver na Sua santa humanidade glorificada. A Ascensão de Jesus não O afasta de nós. Ele caminha com todos os que caminham e peregrinam, olhando para o Alto – como seguir com o olhar Aquele que partiu? – e prosseguindo a missão cá embaixo (cf. At 1,11). A Sua presença, porém, não é mais física, limitada pelo espaço e pelo tempo. A Sua presença – essa característica é própria da ressurreição – é agora espiritual, ilimitada, em todo lugar, em toda parte. A Sua distância absoluta – como, aliás, a de Deus – é, na realidade, uma proximidade absoluta. Se, antes, Ele estava perto de nós pelo seu corpo, agora, está próximo – aliás, dentro de nós e à nossa frente – pelo Seu Espírito. Pode-se, na verdade, encarar a Ascensão do Senhor sob vários pontos de vista, como o fazem os próprios escritos do Novo Testamento, desde Paulo, passando pelos escritos deutero-paulinos, chegando a Lucas e ao Apocalipse. Um primeiro é a glorificação de Jesus e, nesse sentido, pouco difere da ressurreição, que não consiste numa volta à vida humana anteriormente vivida por Jesus, mas à plena manifestação da vida divina n’Ele. É o que João chama de “levantamento” de Jesus, tendo como referência a serpente de bronze levantada no deserto. A Ascensão, sob este aspecto, é uma faceta da própria ressurreição. Um segundo aspecto está ligado às aparições. A Ascensão é a última aparição de Jesus ressuscitado aos Seus, para que cheguem à fé e se unam novamente a Jesus e entre si, dando origem ao grupo das testemunhas autorizadas. Um terceiro aspecto da Ascensão tem a ver com a missão. Embora tenha havido uma primeira missão durante a vida pública de Jesus, a missão propriamente cristã começa por ordem do Ressuscitado. Ele, que foi enviado pelo Pai e, por isso, saiu do Pai, agora, envia os Seus e volta para o Pai. A missão não é algo exterior e acidental para os cristãos, mas faz parte do mesmo dinamismo de saída e retorno de Jesus ao Pai. O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO

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19 DE MAIO

PENTECOSTES Jo 20,19-23 Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio: Recebei o Espírito Santo!

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entecostes, na liturgia cristã, é a festa da vinda do Espírito Santo. Suas raízes estão no Antigo Testamento. Misturam-se com a festa das colheitas, quando os israelitas agradeciam a Deus pelos dons da terra e do alto. Seu caule é a festa da Aliança, do dom da Lei, dada por Deus a Moisés, para que ele a desse ao povo. Seus ramos são a promessa de uma nova Aliança, feita no coração do homem, transformado pelo Espírito de Deus. O dom do Espírito, que ressuscitou Jesus dentre os mortos, foi comunicado aos discípulos no mesmo dia da ressurreição (cf. Jo 20,19) e, de forma pública, solene, vibrante, cinquenta dias depois da Páscoa. O Filho, tendo cumprido a sua missão, está presente nos irmãos com o dom do Seu Espírito, para que continuem a Sua obra: testemunhar o amor do seu Pai, que é também nosso Pai. Segundo João, o dom do Espírito é feito durante uma visita de Jesus ressuscitado aos discípulos. Na Última Ceia, Ele tinha dito que não os deixaria órfãos: voltaria (cf. Jo 14,18) para lhes dar a Sua paz (cf. 14,27) e a Sua alegria (cf. Jo 16,20.22) e torná-los Suas testemunhas na força do Espírito (cf. Jo 15,26ss.). Uma vez ressuscitado, Jesus cumpre a palavra: Jesus faz o dom do Espírito que havia prometido (cf. Jo 14,15-29; 15,26-27; 16,7-15). Dessa maneira, Pentecostes (cf. Jo 7,37-39) – no Evangelho de João – antecipado na cruz (cf. Jo 19,30.34), acontece no mesmo dia da ressurreição. O texto é extremamente denso. Faz a ligação entre a hora do Filho e a hora dos irmãos, a hora de Jesus e a hora da Igreja. Protagonista é sempre o Espírito. Se, no início do Evangelho de João, ele pousou e permaneceu sobre o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (cf. Jo 1,12.13.16.29.32-33), agora bate as asas também sobre nós, para que continuemos a obra de reconciliação do Filho. A era do Espírito, inaugurada na carne de Jesus, tem sua continuidade em nós: a glória do Filho é comunicada à comunidade dos irmãos e irmãs. Na presença do Ressuscitado, o sepulcro dos nossos medos se abre à paz e à alegria que só o Senhor pode dar. A Palavra, que se tornou carne em Jesus e volta a ser palavra no Evangelho, agora anima também a nossa pobre carne. A Sua palavra, de fato, é Espírito e vida (cf. Jo 6,63)!


A ascensão vista do Monte das Oliveiras, James Tissot

paz e essa alegria são a nossa ressurreição. De fato, a alegria do Senhor é a nossa força (cf. Ne 8,10) para uma vida nova: arranca-nos do sepulcro, comunica-nos o “perfume” da Ressurreição e faz-nos viver da única coisa necessária, o amor de Jesus por nós. O amor é sempre missão. Justamente porque amor é relação: manda a pessoa para fora de si, para o outro. O amor do Pai e do Filho nos impele rumo aos irmãos e às irmãs (cf. 2Cor 5,14), para que todos o descubram, o encontrem e o acolham. Só assim, Deus será tudo em todos (cf. 1Cor 15,28), como tudo e todos desde sempre estão em Deus. Para podermos cumprir essa missão – que é a mesma de Jesus – Ele nos dá o seu sopro vital: a vida de Deus se torna nossa vida. É o Espírito novo que tira o nosso coração de pedra e nos dá um coração de carne, tornando-nos capazes de viver de acordo com a sua palavra e de “habitar” a terra (cf. Ez 36,24ss.). Esse Espírito é espírito de ressurreição (cf. Ez 37,9ss.) e de conhecimento do Senhor (cf. Ez 37,13). O sopro que Deus soprou no primeiro e velho Adão (cf. Gn 2,7) e que o último e novo Adão nos deu na cruz, entregando o Espírito (cf. Jo 19,30) e fazendo escorrer de Seu lado aberto sangue e água (cf. Jo 19,34). O Espírito Santo é espírito do Pai e do Filho. Por isso nos torna capazes de viver como irmãos, vencendo o mal com o bem (cf. Rm 12,21). Por isso também, a missão dos discípulos consiste em perdoar os pecados. O perdão aos irmãos concretiza, na terra dos pecadores, o amor do Pai. Dessa maneira, a Igreja, comunidade que se reúne em torno do Ressuscitado e sacramento de Salvação para todos, continua a missão do Cordeiro que tira o pecado do mundo (cf. Jo 1,29).

26 DE MAIO

Os discípulos, mesmo sabendo do sepulcro vazio e do anúncio feito pela Madalena, ainda não encontraram o Senhor. E esse encontro é absolutamente necessário. É necessário, mas não é suficiente, ver e anunciar. É indispensável o encontro, pessoal, pleno, concreto. O encontro com Jesus ressuscitado culmina no dom do Espírito. Sem esse dom, continuamos prisioneiros dos nossos medos. O dom é gratuito, mas, como o encontro, absolutamente indispensável. O bom e belo Pastor entra no nosso sepulcro, mostra-nos Suas mãos e o lado, sinais do Seu amor por nós, e nos tira da prisão. O Crucificado não é um falido, vencido pelo mal: Ele venceu o ódio pelo amor e a morte, pela glória. Quando vemos as Suas chagas, as mesmas da Paixão, e tocamos o Seu lado, de onde brotaram sangue e água, somos inundados pela paz e pela alegria. Essa

SANTÍSSIMA TRINDADE Jo 16,12-15 Tudo o que o Pai possui é meu. O Espírito Santo receberá do que é meu e vo-lo anunciará

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eus, como também nós, pessoas, se revela aos poucos. Em todas as culturas e religiões, Ele se faz conhecer. Ao povo de Israel, contudo, escolhido sem nenhum mérito, revelou-se como um amigo se revela a outro. Na plenitude dos tempos, em Jesus, abriu o Seu coração como nunca havia feito antes e como nunca faria O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO Maio d e 2 0 1 3

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O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO

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Maio de 2013

A Trindade, José de Ribera

O Filho será glorificado nos Seus irmãos e irmãs, mediante o Espírito, que os fará viver como Ele. Com efeito, Jesus diz, mais adiante: “Dei-lhes a glória que me destes” (Jo 17,22), para que “o amor com o qual me amastes esteja neles e eu neles” (Jo 17,26). O Consolador glorificará em nós o Filho tomando o que é Seu, a Sua comunhão com o Pai (cf. Jo 16,15), e comunicando-a a nós. No Espírito e pelo Espírito, somos introduzidos na comunhão que existe entre o Filho e o Pai. O Filho, na verdade, é um com o Pai (cf. Jo 10,30): tem a Sua mesma vida, a Sua mesma glória, o Seu mesmo amor e a mesma vontade de salvação. O Espírito comunica tudo isso a nós, introduzindo-nos no mistério da Trindade, amor entre Pai e Filho transbordado e derramado sobre toda criatura. Esta é a obra do Espírito: glorificar o Filho nos irmãos e irmãs, até que Deus seja tudo em todos (cf. 1Cor 15,28). Pe. Antônio José de Almeida Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e professor de Teologia na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (Curitiba)

Arquivo pessoal

depois. Jesus dá-se a conhecer como Filho do Pai, que O ama e ao qual Ele ama de um amor que os une num único ser e, ao mesmo tempo, os distingue como uma pessoa se distingue de outra. Deus, como nos ensinou João, é Amor! E o amor é, ao mesmo tempo, três e um. Três: aquele que ama, aquele que é amado, e o amor entre os dois. Um: união dos distintos sem eliminar a distinção. Com a palavra, Hegel: “O amor é distinção e superação da distinção”! Ao “Amor amante”, nós chamamos de Pai; ao “Amor amado”, de Filho; ao “Amor que circula entre os dois e os abre para o mundo e a humanidade”, Espírito Santo. O Evangelho de hoje pode estar aquém, do ponto de vista expressivo, desta conclusão, mas é um daqueles textos que estão na base da fé cristã na Trindade. Jesus revelou-nos tudo sobre Deus: não pode dizer-nos ou dar-nos mais do que disse e deu. Mas o amor supera todo conhecimento: há sempre algo a entender, algo que não é dito. O Espírito Santo nos fará entender o “não dito” do que Jesus disse (cf. Jo 16,12.13). O amor faz crescer o conhecimento, e o conhecimento faz crescer o amor. Antes da Cruz, da Ressurreição e do dom do Espírito, os discípulos não eram ainda capazes de compreender toda a revelação feita em Jesus e por Jesus. Levada à sua plenitude histórica na morte e ressurreição do Filho feito carne, a revelação de Deus será atualizada e aprofundada no tempo da Igreja, até o fim dos tempos, pela ação do Espírito: o Espírito é mestre interior que prolonga nos discípulos o falar da Palavra que se fez carne. Se o Evangelho nos fala de Jesus, o Espírito é a luz que o faz compreender e viver. O Espírito de amor nos faz ouvi-lo como história de amor. O Espírito é Espírito da verdade (cf. Jo 16,13), que desmente o espírito da mentira que nos domina interiormente e engana o mundo desde o princípio. Ele nos introduzirá na verdade já revelada no Filho, tornando-a nossa verdade. Trata-se de um processo, não de um ato. Processo dinâmico, uma caminhada de compreensão e de amor sem-fim, infinito como a própria verdade de Deus. O falar do Espírito não substitui nem concorre com o falar de Jesus. Ao contrário, cessado o falar carnal e histórico de Jesus, o falar do Espírito em nós tornará sempre de novo presentes as palavras de Jesus. O Espírito não fala nada de diverso do que o Filho disse. Sendo, porém, amor, faz ressoar no nosso coração o que ouviu no coração de Deus. Somente o amor torna presente o amado e compreensíveis as suas palavras. Por isso, três vezes no texto (cf. Jo 16,13-15) aparece o verbo “repetir”. O repetir – no sentido de falar de novo, anunciar de novo, interpretar –, por outro lado, tem tudo a ver com a estrutura e a existência humana: para o ser humano, a realidade só existe enquanto ele a conhece; para o ser humano, vale a interpretação que ele dá da realidade.


EVANGELIZAR É PRECISO

expulsar os demônios em Seu nome; falar novas línguas, a glossolalia; pegar serpentes e, se beber veneno mortal, nada de mal lhe aconteceria; impor as mãos sobre os doentes e curá-los (cf. Mc 16,17-18). Porém, todos esses sinais estão em segundo plano; o fundamental é, primeiramente, ir pelo mundo evangelizar. Por isso, simplesmente afirmar que Deus é um só e todas as religiões são iguais é sinal de ignorância dos fundamentos da fé. As religiões não são a mesma coisa. O apóstolo Paulo entendeu isso perfeitamente quando encontrou Jesus Cristo no caminho de Damasco (cf. At 9). Aliás, “adeptos do caminho” era como se denominavam os cristãos, como está no livro dos Atos dos Apóstolos (cf. At 9,2). Paulo possuía uma vida exemplar, uma vida fiel; não conhecia Jesus, mas era piedoso servo de Deus em uma facção muito rígida do judaísmo, os fariseus. Era um homem de oração diária e temente a Deus que praticava o jejum, mas desconhecia Jesus; quando O encontrou, converteu-se e anunciou Jesus por onde passou. O apóstolo foi itinerante, por isso é chamado de “apóstolo de todos os povos”. Mesmo na prisão, ele evangelizou. Cito Paulo como exemplo para que se perceba que nós temos um mundo a evangelizar. Não podemos deixar de falar de Jesus e da importância do

Batismo. As famílias não podem perder a tradição, a formação católica e sua pertença a Deus. Somos chamados a ser “Paulo” no meio onde vivemos. Nos dias de hoje, o maior ateísmo que estamos vivendo é a indiferença. Com certeza, evangelizar não é um trabalho fácil, pois existem inúmeros obstáculos. As pessoas estão pouco dispostas a ouvir e a se comprometer, mesmo quando se trata da própria família. Amar a Deus como forma meramente abstrata de divindade não basta. É preciso a conversão em Jesus o Cristo, na Trindade e pelo Batismo. Essa é nossa identidade. Jesus recrutou, chamou e enviou, porque a messe é grande e poucos estão dispostos a trabalhar. Àqueles que se dispõem à missão, entre muitos aspectos, Jesus deixou como sinal o dom de curar. Os sinais, em particular a cura, não são a missão por excelência, mas a cura dos enfermos é o sinal da chegada do Evangelho, o grande revelador da vontade do Pai: “Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15). Pe. Reginaldo Manzotti

Arquivo pessoal

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á quem diga que todas as religiões são iguais e Deus é o mesmo. Se assim fosse, não haveria razão para evangelizar. Se tudo é igual, como entender a Palavra de Jesus para cada um de nós? “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15), foi um mandato de Jesus, cuja primeira palavra, “ide”, quer dizer: ‘vão’, disponham-se, caminhem, movimentem-se, saiam, preguem pelo mundo inteiro. Isso significa ir além de nossa família, de nossa casa, de nossas Igrejas, de nossas paróquias e além do nosso Estado, pois o mundo é muito grande. A Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que será realizada de 23 a 28 de julho, no Rio de Janeiro, e que contará com a presença do papa Francisco (1936-), também convida as pessoas, em especial os jovens, para a missão de evangelização: “Ide, pois, ensinai a todas as nações” (Mt 28,19a). Mas esse mandato de Jesus ainda é mais direto ao acrescentar: “Batizai-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19b) e afirmar que “aquele que for batizado será salvo”, pois pelo Batismo surge a ação missionária da Igreja. No mesmo texto em que envia os discípulos a nós, Jesus também afirma que grandes sinais acompanharão os que se põem em missão. Sinais como:

Ruínas com pregação de São Paulo, Giovanni Paolo Pannini

Libertar e curar, eis a missão

Coordenador da Associação Evangelizar é Preciso www.padrereginaldomanzotti.org.br

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REPORTAGEM

O que está realmente por trás do interesse de algumas pessoas e lideranças políticas em defender a interrupção ao direito de viver?

MATAR OU V CARTILHA DO ABORTO REACENDE DISCUSSÕES

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e um lado, temos a consciência. De outro, o sistema político. E, ao centro, sufocado, está o aborto, fragilizado e vítima de ações direcionadas. No vaivém de informações, debates, manifestações individuais e públicas, a vida humana ocupa o centro da discussão. A princípio, dá a entender que falar em aborto é como trocar de roupa ou, simplesmente, abrir o chuveiro, tomar banho e pronto. Está resolvida a situação indigesta do cansaço solucionado, e tudo continua como antes. Há setores da sociedade que, com o conteúdo do Código Penal debaixo do braço, calcam a defesa de uma necessária ação abortiva nos casos de estupro ou risco de morte da mãe. Se deve haver ou não punição com esse ato, o legislador do Código optou por “não punir”. Recentemente, porém, Rafael Vitola Brodbeck, delegado titular do Distrito Policial de Santa Vitória do Palmar (RS), em nota divulgada pela imprensa, aponta que tal iniciativa não deixa de continuar sendo um crime, não passível de pena, mas um crime, “todavia, pela redação clara da lei, defendo que se trata de exclusão da punibilidade tão somente”. Sobre o respeito à vida do embrião, o Estado não pode, não deve, de forma alguma, incentivar ou orientar o aborto, principalmente porque, no Brasil, matar um bebê no ventre materno é um crime previsto no Código Penal e punido com O OMME N E NS SAAGGE EI IRROO DDEE SSAANNTTOO AANN TT ÔÔ N I O

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Maio Maio de de 2013 2013

prisão. Na celeuma que se incorporou durante décadas e hora ou outra inflama, não se pode deixar de trazer à tona que há muitos assuntos importantes para serem debatidos no Congresso Federal. Quer se queira, quer não, problemas diversos existem e estão precisando de soluções, como nas áreas de saúde, educação, segurança que se arrastam por décadas e vemos frequentemente iniciativas e resultados muito indigestos. Por sua vez, espera-se que a sociedade se posicione efetivamente na cobrança de atitude daMas o tempo diz muiqueles que a representam ta coisa. Em 2010, por É preciso que nossas com elaboração e aproexemplo, no apogeu da crianças e nossos vação de leis, projetos, campanha política para a decretos, enfim, que asPresidência da República, jovens tenham sumam o compromisso de a então candidata, Dilma consciência da beleza gestão e governabilidade Rousseff (1947-) teve seu e da responsabilidade pública. Porém, quando nome até certo ponto se depara com o espaço desgastado diante do que acompanham político discutindo entre assunto. Suas manifestaa geração de uma outros assuntos, o tema ções, embora articuladas, vida humana do aborto, é porque algo ainda proporcionavam se desviou do caminho resquícios de que o tema (e, como se diz no ditado popular: “Onde não estava fechado, havia aderências há fumaça, há fogo”), o povo brasileiro indiretas. Se o Partido dos Trabalhadores vê-se diante de discussões inflamadas por(PT), se a hoje presidente da República, que o próprio governo lança uma cartilha se o governo, se setores governamentais que, nas entrelinhas, aponta a prática do ou não, defendiam determinado lado, aborto, mesmo que de forma camuflada, pode-se dizer que isso não ficou transpadando a tênue impressão de que o povo e rente, porém estimulou entre os diversos os segmentos pró-vida são detentores de setores da sociedade a posição contrária fragilidade cultural e intelectual. à interrupção da vida humana. Há de se


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IVER levar em conta, quando se discute sobre o aborto, os aspectos que envolvem as ações diretas e indiretas, por exemplo, os jurídicos, os médicos, além de temas que são debatidos, os testemunhos prós e contras o aborto e artigos disseminados pelos meios diversos de comunicação. O denominado Protocolo Misoprostol é uma cartilha lançada pelo próprio Ministério da Saúde, aliás, com dinheiro do cidadão brasileiro. Esse ‘documento’ traz instruções de uso para um medicamento abortivo de comercialização proibida no Brasil. Há aqui uma dualidade praticada pelo governo que foge ao alcance do entendimento, ou seja, como em um país que, por enquanto o aborto não é permitido, patrocina-se tal edição de cartilha? Diante desse fato,

estão surgindo manifestações contrárias à cartilha, a começar por alguns políticos que, no Congresso, pedem explicações principalmente pelo gasto de dinheiro público com um material impresso desnecessário. Como não poderia ser diferente, o Movimento Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil sem Aborto (que desde 2005 mantém viva a luta pró-vida no País tendo como meta a defesa da vida desde a concepção) também se manifesta diante desse e de outros fatos que tentam dar um novo rumo à aprovação do aborto no País. Para falar sobre esse assunto, Lenise Aparecida Martins Garcia (doutora em microbiologia, mestre em bioquímica, graduada em farmácia e bioquímica, presidente do Movimento Cidadania pela Vida e também

membro das Comissões de Bioética da Arquidiocese de Brasília e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil [CNBB]), atendeu à reportagem do Mensageiro de Santo Antônio e disse que “a cartilha evidencia outro tipo de abordagem, do Executivo, que consiste em ignorar as leis vigentes, ou fazer delas uma ‘releitura’, facilitando na prática a realização de abortos, sem modificar a legislação”. E foi mais além: “a cartilha desrespeita não só os movimentos pró-vida, como a Constituição brasileira”. Nesta entrevista que concedeu ao MSA, Lenice deixou bem claro que o maior desafio do movimento que preside está em tentar “diminuir a realização do aborto e que não se sacrifiquem tantas vidas inocentes”. Também O M E NN SSAAGGEEIIRROO DDEE SSAANNT TOO AANNT TÔ ÔN NI OI O Maio ddee 22001133 Maio

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REPORTAGEM questiona o conteúdo da cartilha, já que o número de impressões é muito elevado diante da demanda de profissionais da área de ginecologia. Além disso, aponta que mudar o futuro da luta pela vida ainda na gestação é colocar o assunto, o problema, no dia a dia das crianças, nas escolas, proporcionando o conhecimento real da situação e proporcionando condições de questionarem o tema. “Acredito que o nosso maior campo de batalha está na educação. É preciso que nossas crianças e nossos jovens tenham consciência da beleza e responsabilidade que acompanham a geração de uma vida humana. Cabe a todos nós dar-lhes a formação adequada”.

Lenise Aparecida Martins Garcia, arquivo pessoal

A cartilha desrespeita não só os movimentos pró-vida, como a Constituição Brasileira

MSA – A cartilha que traz o Protocolo Misoprostol dando instruções de uso para um medicamento abortivo desenterra dentro do Congresso força favorável a liberação do aborto no Brasil? Lenise – Na verdade, os favoráveis à liberação do aborto nunca estiveram enterrados. Atualmente, tramita no Senado o Projeto de Lei que reforma o Código Penal (PLS 236 de 2012), no qual se abrem muitas possibilidades para o aborto. No início, ficamos preocupados com a rapidez com que esse PLS estava tramitando, mas agora ele perdeu ritmo, em função das críticas da sociedade. Vale citar que estão previstas audiências públicas pelo menos até setembro. Eu diria que a cartilha evidencia outro tipo de abordagem, do Executivo, que consiste em ignorar as leis vigentes, ou fazer delas uma “releitura”, facilitando na prática a realização de abortos, sem modificar a legislação. O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO

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MSA – Deputados, entre os quais Roberto de Lucena (PV-SP), mostraram-se indignados e reagiram ao Protocolo Misoprostol, pois é uma cartilha lançada pelo Ministério da Saúde, com dinheiro dos cidadãos, que dá instruções de uso para um medicamento abortivo de comercialização proibida no Brasil. A cartilha seria uma afronta ou até mesmo um desrespeito à luta dos diversos segmentos envolvidos com a movimentação pró-vida? Lenise – A cartilha desrespeita não só os movimentos pró-vida, como a Constituição Brasileira. Ela já seria equivocada se apenas se destinasse aos médicos que operam o dito

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“aborto legal”, pois esse se baseia em uma distorção da Lei, já que o aborto é crime em qualquer caso no Brasil, somente não é punido nas circunstâncias indicadas no artigo 128 do Código Penal. O debate jurídico é complexo, mas, em síntese, o Estado pode deixar de punir um crime, jamais pode ser seu cúmplice. Entretanto, temos fortes motivos para supor que a cartilha não se destina somente a médicos. A tiragem da primeira edição já é dez vezes maior que o número de ginecologistas do Brasil, e há indícios de que houve mais duas edições. A linguagem é mais popular do que técnica, não há bibliografia nem se discutem alternativas de tratamento. Enfim, foge totalmente ao padrão de outros protocolos publicados pelo Ministério da Saúde, fazendo-nos crer que se destina às mulheres que desejam realizar o aborto e conseguem o medicamento de forma clandestina.

MSA – A terceira edição da “Campanha A vida depende de seu voto” seria um meio para ser explorado pelo Movimento Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil sem Aborto, para envolver os atuais candidatos à reeleição e novos postulantes a se comprometerem com a vida e, novamente, enterrando qualquer iniciativa de legalização do aborto ou prorrogando o assunto para um futuro próximo, para mais estudos e esclarecimentos? Lenise – O Movimento Brasil sem Aborto pretende continuar com a campanha e torná-la mais conhecida. Consideramos fundamental que os candidatos se comprometam com a vida nos debates eleitorais, e que o eleitor tenha acesso a quais candidatos fizeram esse compromisso. Na verdade já será nossa quinta edição, considerando-se também as eleições municipais de 2008 e 2012. MSA – Até que ponto a reforma do Código Penal provoca preocupações? Lenise – O pré-projeto escrito pela comissão de juristas e aceito integralmente como PLS 236 de 2012 está muito ruim; a crítica é generalizada. No que diz respeito ao aborto, são abertas muitas possibilidades e com redação pouco clara. Por exemplo, no inciso IV do artigo 128, diz-se que o aborto não é crime se “por vontade da gestante até a 12a semana da gestação, quando o médico ou psicólogo constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade”. Esse é um diagnóstico praticamente impossível de ser feito de modo adequado, e certamente serviria como desculpa em inúmeros casos. Na prática, seria liberar o aborto por vontade da gestante até a 12a semana. Felizmente, como comentei anteriormente, a tramitação mudou de ritmo, e haverá audiências públicas nas quais esperamos poder levar os nossos argumentos. O cidadão brasileiro também pode enviar a sua opinião pelo site do Senado (www.senado.gov.br). MSA – Instituições como Fundação Ford, Organizações das Nações Unidas (ONU), Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal, entidades, setores da comunicação, estão ganhando força e podem mudar a realidade atual brasileira, enfraquecendo brutalmente a


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A mudança fundamental está no coração das pessoas, para que realmente valorizem a vida desde o início, e não se iludam com a mentira de que o aborto pode resolver a difícil situação de uma gravidez indesejada

citar que, nesse país, o aborto é restrito) que quisessem viajar para realizar tais procedimentos na Inglaterra. A propaganda parecia um pacote de turismo... eu fiquei chocada. O site oferece também informações em diversos idiomas, incluindo o português, com instruções sobre como viajar ao estrangeiro para fazer aborto e sobre os preços cobrados. MSA – A renúncia do papa Bento XVI contribuiu para o enfraquecimento da luta pela vida, já que atinge diretamente questões morais, espirituais, de conservadorismo, da criação, obediência a Deus, abrindo uma fenda no relacionamento entre as pessoas com temas importantes como o aborto, que exige a aceitação de estudos e provas biológicas? Lenise – O papa Bento XVI foi um grande defensor da causa da vida, mas tenho fé de que o papa Francisco também o seja, pois é um ponto intocável da doutrina católica. MSA – Atualmente, qual é o maior desafio que o Movimento Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil sem Aborto enfrenta? Diria mais: quem ou o que torna tão sólido essa força contrária ao Movimento Pró-Vida?

Lenise – Penso que nosso maior desafio é fazer que se diminua a realização de abortos e que não se sacrifiquem tantas vidas inocentes. Temos conseguido impedir a legalização, mas não o aborto clandestino, ou mesmo o dito “aborto legal”. A criminalização é necessária, mas não suficiente. A mudança fundamental está no coração das pessoas, para que realmente valorizem a vida desde o início, e não se iludam com a mentira de que o aborto pode resolver a difícil situação de uma gravidez indesejada. Parte da força contrária ao Movimento Pró-Vida vem da empatia que muitos sentem em relação às mulheres que passam por essa difícil situação. Mas devo dizer que também nos preocupamos com elas, mas sabemos que somente soluções éticas são verdadeiras soluções. Quando aborta, a gestante retira a criança de seu ventre, mas não de sua cabeça ou de seu coração, e sofrerá muito em longo prazo.

Fábio Galhardi Repórter

Arquivo pessoal

luta pelo direito à vida e culminando com a aprovação do aborto no País? Lenise – Esperamos que estes não prevaleçam, mas realmente os grupos que querem a liberação do aborto, muito bem financiados, estão pressionando bastante. Além da Fundação Ford, há outras fundações internacionais, com interesses muito questionáveis. Vou dar um exemplo: pessoas ligadas ao governo brasileiro participaram do Consórcio Latino-Americano Contra o Aborto Inseguro (Clacai), que realizou em agosto de 2012, na Colômbia, sua terceira conferência. Além do financiamento público, o consórcio é financiado por instituições internacionais que buscam a descriminalização do aborto na América Latina, com foco na alegada “saúde reprodutiva da mulher”. Na verdade, tais entidades focam o controle populacional, vendo no aborto um modo de reduzir a população mundial. Citam-se a sempre presente Fundação Ford, o Grupo de Información en Reproducción Elegida (Gire), o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), o Population Council, a Marie Stopes Internacional. Em setembro de 2012, no site da ONG, ofereciam-se abortos por apenas 299 euros (cerca de 770 reais) para as mulheres da Irlanda do Norte (vale

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ENTENDENDO A BÍBLIA

PROMESSA DE UM NASCIMENTO DE UM SALVADOR E SEU PRECURSOR

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Evangelho da infância de J

esus (Lc 1,5–2,52)

O OMME N E NS SAAGGE EI IRROO DDEE SSAANNTTOO AANN TT ÔÔ N I O

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Simeão e Ana reconhecem o Senhor Jesus, Rembrandt

s evangelhos canônicos são coletâneas não biográficas da vida de Jesus. Eles começam pelo evento pascal (paixão, morte e ressurreição de Jesus), embora tais relatos estejam no final de cada um deles. Redacionalmente, foi somente mais tarde que a comunidade se preocupou em registrar algo sobre o nascimento e a infância de Jesus. Os extratos antigos dos textos mostram isso. Assim, nasceram os chamados evangelhos


PORTA DE ENTRADA DO EVANGELHO DE LUCAS Cada um dos evangelhos canônicos e apócrifos da infância possui sua particularidade, mas apresentam também semelhanças entre si. Todos concordam em apresentar ao mundo um Deus-Menino. Lucas 1,1–2,52 é a porta de entrada do evangelho lucano. Não se trata de informações sobre a infância de Jesus, mas o suficiente para entender a dinâmica de Seu nascimento no contexto histórico e na perspectiva da Salvação. Não se trata de uma criança qualquer, nem de seus feitos mirabolantes, mas de alguém que possui história e ligação direta como o movimento messiânico, representado por outra criança, João. Por causa dos papéis definidos na história, João será chamado de Batista e Jesus, de Cristo. A estrutura simétrica dos dois capítulos coloca em paralelo João e Jesus, Maria e Isabel, casa e Templo, da seguinte forma:

A anunciação, Henry Ossawa Tanner

da infância, sejam canônicos, sejam apócrifos (relatos considerados não inspirados e bem tardios). O evangelho da infância de Marcos é do ano 70, o de Lucas, dos anos 80. Já os evangelhos da infância apócrifos foram escritos entre os anos 170 e 850. Ao considerarmos esses escritos, algumas perguntas se impõem: o que teria levado as comunidades a continuarem a escrever histórias sobre a infância de Jesus durante tantos séculos? Como entender o papel do Menino Jesus na aurora da Salvação? O que há, de fato, histórico nos evangelhos canônicos e apócrifos da infância? Como compreender a presença de Deus na fragilidade de uma criança, um Deus-Menino, e na fortaleza de uma mãe iluminada pelo Espírito divino? Os evangelhos da infância são: Mateus 1–2; Lucas 1,5–2,52; evangelho da infância de Tomé; protoevangelho de Tiago; evangelho do pseudo-Mateus; história de José, o carpinteiro; evangelho secreto da Virgem; evangelho armênio da infância, evangelho árabe da infância e evangelho latino da infância.

PROMESSA DE NASCIMENTO DE JOÃO BATISTA (cf. Lc 1,5-25): situação política da época; Templo em Jerusalém; anjo do Senhor; João é o nome do futuro filho; promessa de grandeza na ação do menino; pai idoso; mãe idosa e estéril; pai sacerdote; mudez do pai até o dia do nascimento do filho; presença do espírito e poder de Elias na vida de João. PROMESSA DE NASCIMENTO DE JESUS (cf. Lc 1,26-38): o anjo do Senhor chamado Gabriel; casa na cidade de Nazaré; mãe virgem; pai descendente da casa de Davi; presença de Deus na vida da mãe; Jesus é o nome do futuro filho; promessa de grandeza na ação do filho; Jesus será chamado Filho do Altíssimo, Filho de Deus; Ele terá o trono de Davi e será rei eterno na casa de Jacó; presença do Espírito Santo e poder do Altíssimo sobre a Virgem Maria; mãe que se coloca como a serva do Senhor para sua ação grandiosa. ENCONTRO DE GRÁVIDAS NA CASA (cf. Lc 1,39-56): Maria vai à casa da também grávida, Isabel; cheia do Espírito Santo, Isabel saúda o Menino no ventre de Maria e a abençoa; Maria canta louvando a Deus por Seus feitos na história e por sua escolha como mãe do Salvador, que nasceria de seu ventre.

ENCONTRO DE JESUS NO TEMPLO (cf. Lc 2,22-38.41-51): o bebê Jesus é levado ao Templo de Jerusalém para ser apresentado; dois idosos, Simeão e Ana, louvam a Deus por terem visto o Cristo do Senhor, o Salvador e Redentor de Israel; Simeão profetisa em relação à ação futura de Jesus: queda e soerguimento de muitos, bem como perseguição pelo próprio povo; aos doze anos, os pais vão a Jerusalém para participar da festa da Páscoa, o Menino Jesus distancia-se dos genitores e vai para o Templo discutir com os doutores da Lei. Os pais, percebendo a ausência do Menino, voltam e O encontram; Maria chama a atenção de Jesus, que a repreende dizendo que Ele teria de estar na casa de Seu Pai. NASCIMENTO DE JOÃO E SUA VIDA OCULTA (cf. Lc 1,57-80): alegria de Isabel e dos vizinhos com o nascimento de João Batista; o menino é circuncidado no Templo e recebe o nome de João; o pai volta a falar e canta louvando e agradecendo a Deus por ter visitado Seu povo, por Sua misericórdia e promessa de salvação em João, o precursor da vinda do Messias, Jesus; João cresce de forma oculta no deserto, fortalecendo-se no Espírito até o dia em que se manifesta a Israel. O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO Maio d e 2 0 1 3

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ENTENDENDO A BÍBLIA NASCIMENTO DE JESUS E SUA VIDA OCULTA (cf. Lc 2,1-21.39-40.5152): situação política da época; recenseamento; nascimento do primogênito em Belém em uma manjedoura; pastores recebem o anúncio do nascimento pelo anjo do Senhor; luz e temor; o nascido é chamado de Salvador, Cristo-Senhor; presença de um exército celeste que louva a Deus pelo ocorrido; pastores visitam o recém-nascido e louvam a Deus pelo fato; Maria guarda tudo no coração; o Menino é circuncidado e recebe o nome de Jesus; vida oculta de Jesus em Nazaré, crescendo em sabedoria, graça e estatura diante de Deus; após o episódio do Menino Jesus no Templo de Jerusalém com os doutores, a família volta para Nazaré e o Menino lhes é submisso; Maria guarda tudo no coração. Essa estrutura narrativa nos mostra que a intenção teológica da comunidade lucana é refletir sobre o papel salvífico de Jesus já na infância, na relação com João, bem como demonstrar a importância das maternidades de Maria e de Isabel e o mérito dos idosos Zacarias, Simeão e Ana. Pouco é dito sobre os atos pueris do Menino Jesus, questão bem explorada nos evangelhos apócrifos da infância. Esquematicamente, os temas são: promessa de nascimento, encontros na casa e no Templo, nascimento e vida oculta.

Dois anjos do Senhor aparecem para anunciar o nascimento de João e Jesus. O primeiro aparece a Zacarias no Templo e não tem nome; já o segundo foi enviado por Deus, chama-se Gabriel (‘homem de Deus’ ou ‘Deus mostrou-se forte’) e vai à casa de Maria. As promessas para os dois apresentam pontos comuns e diferentes, começando pelo nome, o qual significa a missão: João, ‘Deus é propício’, e Jesus, ‘Deus dá a salvação’. O fato específico de cada promessa é: JOÃO trará alegria, será grande diante de Deus. Não beberá vinho e será pleno do Espírito Santo. Será como um consagrado, um nazireu, converterá muitos filhos de O OMME N E NS SAAGGE EI IRROO DDEE SSAANNTTOO AANN TT ÔÔ N I O

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A adoração dos pastores, James Tissot

PROMESSA DE NASCIMENTO DE UM SALVADOR E SEU PRECURSOR


Israel e terá o espírito e o poder de Elias. Quando João nasce, seu pai, Zacarias, volta a falar e canta louvando a Deus, ressaltando que o filho seria uma força de salvação, um profeta do Altíssimo, precursor da vinda do Messias, o Salvador, preparando-lhe o caminho por meio da remissão dos pecados. JESUS será grande. Chamado de Filho do Altíssimo, terá o trono de Davi e reinará na casa de Jacó para sempre. Considerando as promessas comuns, fica evidente que o movimento de João, mais tarde chamado de Batista, é colocado a serviço do movimento de Jesus, o Messias esperando. Não só Lucas, mas os outros evangelhos canônicos conformaram as narrativas para deixar claro que o movimento de Jesus é mais importante, por ser o Salvador,

o Messias enviado, e não João. Essa visão será reforçada em Lucas 3 e também em João 1,27, em que João Batista afirma que ele não é digno de desatar as correias das sandálias de Jesus (também dito anteriormente por Marcos 1,7.11). Lucas é claro ao afirmar que João é inferior a Jesus, o que já está presente desde a infância do Senhor. Quando Jesus nasce, o anjo avisa aos pastores que o menino nascido em Belém é o Cristo-Senhor (cf. Lc 2,11). Mais uma vez, aparece a figura de um anjo, que é, na verdade, Deus mesmo, o que anuncia quem é e como agirá Seu Filho, que também é divino. Quando o Menino é levado ao Templo, as palavras dos anciãos Simeão e Ana também anunciam ao mundo Sua condição divina (cf. Lc 2,22-38). Eles o fazem por que estão repletos do Espírito, isto é, de Deus.

Arquivo pessoal

Frei Jacir de Freitas Faria, OFM Escritor e mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma www.bibliaeapocrifos.com.br

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ENTREVISTA

Fr e i C l o d o v i s B o f f, O S M

Teologia da Libertação

ENTRE LUZES E SOMBRAS N

esta edição, frei Clodovis Boff*, OSM, teólogo e professor, responde a perguntas sobre a Teologia da Libertação, esclarecendo nossos leitores sobre a questão dos pobres e a teologia desenvolvida na América Latina. Esse tema foi levantado pelo papa Francisco (1936-), mas também desenvolvido pela V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, realizada em 2007, em Aparecida, que contou com a presença de Bento XVI (1927-). Nesta entrevista, ele também nos oferece um panorama sobre a Igreja e a importância da teologia em nosso tempo. MSA – Frei Clodovis, seu nome é ainda muito ligado à Teologia da Libertação, e o senhor possui livros e artigos escritos sobre o assunto. Por favor, esclareça para nossos leitores o que é a Teologia da Libertação, como surgiu e por que surgiu? Frei Clodovis – A Teologia da Libertação é uma reflexão que busca ver como a fé ajuda a libertar os pobres de sua pobreza. Ela olha para as causas da pobreza e estimula a organização dos pobres para superar sua situação em nome da fé. Surgiu na América Latina (entre os anos 1960 e 1970), porque aqui a pobreza é grande e O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO

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o povo é religioso. Então, do encontro entre um povo cristão e religioso, nasceu a preocupação de ver como o cristianismo ajuda a resolver a questão da pobreza. MSA – Procede a ideia de que a Teologia da Libertação foi, de fato, perseguida e calada pela Igreja Romana? E por que a Igreja o faria? Frei Clodovis – A Igreja só corrigiu os desvios reais da Teologia da Libertação, como é seu dever, e não perseguiu ou calou. É como os pais, que têm de corrigir os filhos, para mantê-los no caminho certo. Mas é claro, ninguém gosta de correção e, em geral, acha injusta. Só mais tarde percebe que precisava. MSA – Qual foi o grande equívoco da Teologia da Libertação, a seu ver? Frei Clodovis – O maior equívoco em que caiu a Teologia da Libertação foi ter dado mais importância ao pobre que a Cristo. Mas o pobre mesmo sabe e diz: “Deus, em primeiro lugar”. E pode-se compreender esse erro: foi mais fruto de amor pelos pobres do que outra coisa. Mas foi um amor pouco esclarecido. Pois a inversão de pôr o pobre em primeiro lugar, e não Cristo, é muito grave e tem consequências catastróficas. Por isso, pode-se compreender esse erro, mas não aprová-lo. Erro é erro.

MSA – Apesar dos equívocos da Teologia da Libertação, existia uma vontade, uma intenção boa de fundo, certo? Ela levantou algo de essencial que não pode ser deixado de lado, sob o perigo de trair o nome de cristão? Frei Clodovis – A intenção de fundo da Teologia da Libertação é boa e foi legitimada pela Igreja tanto em sua prática quanto em sua doutrina: é o amor pelos pobres e por sua libertação. Até que subsista essa intenção, subsiste uma legítima Teologia da Libertação. MSA – Mas quem são os pobres do Evangelho? Qual a diferença de pobreza como virtude e pobreza como um mal social a ser combatido? Frei Clodovis – Pobreza é um termo ambivalente. Existe a pobreza-virtude. Trata-se da pobreza de espírito, feita de humildade e de confiança em Deus, que pode implicar também uma pobreza voluntária, como solidariedade com o pobre. E existe a pobreza econômica, que designa uma situação social indigna da pessoa humana e que Cristo mandou socorrer. MSA – Às vezes, tem-se a impressão de que o Reino de Deus pregado pela Teologia da Libertação já está presente em alguns poucos países muito ricos,


Frei Clodovis Boff, sgfp.wordpress.com

“É preciso voltar à integralidade da teologia, e falar simplesmente de ‘teologia’, sem acréscimos ambíguos”

como a Dinamarca, a Finlândia e a Notodo, nem ser rejeitada ou demonizada. Tem social, política e cultural. Essa teologia levou ruega, em que não há pobres economide ser, isso sim, discernida. Ela trouxe muitos também muitas comunidades e muitos pascamente falando e se está diante de benefícios, especialmente a urgência de estar tores a se ocuparem quase só com o social, uma sociedade igualitária. Isso proceao lado do pobre em sua luta por libertação. relaxando o lado espiritual, que é o mais de? Então, quando se atingir esse staTalvez sem essa teologia nem tivéssemos um importante e decisivo. tus no mundo todo, ter-se-á alcançado papa Francisco com esse amor tão acentuado MSA – O senhor ainda se vê como o Reino de Deus? pelo pobre. Talvez não tivéssemos nem Lula um teólogo da libertação? IdentificaFrei Clodovis – Reino de -se com essa teologia e esDeus é, antes de tudo, graça e piritualidade? comunhão com Deus; depois, Frei Clodovis – Eu me O maior equívoco em que caiu a Teologia é também a glória no mundo entendo como teólogo cristãoda Libertação foi ter dado mais importância dos ressuscitados. Mas o rei-católico, e não como teólogo no implica também relações desta ou daquela tendência ao pobre que a Cristo. Mas o pobre mesmo sociais livres, fraternas, que, ou seita. Acho que as teolosabe e diz: “Deus, em primeiro lugar”. por um lado, prolongam a gias com “de” (Teologia “da” E pode-se compreender esse erro: foi mais fruto libertação, “da” terra, “da” graça espiritual e, por outro, antecipam o reino do céu em mulher, “do” índio etc.) são de amor pelos pobres do que outra coisa. ensaios aqui na Terra. Mas é perigosas, pois tendem a se Mas foi um amor pouco esclarecido empobrecedor reduzir o reitornar partidárias, ou seja, no à sociedade justa. O reino heréticas, no sentido técnico, abraça uma sociedade justa, por tomarem a parte pelo todo. mas também a ultrapassa infinitamente. (1945-) como presidente, com seu Bolsa FaRepito: sou teólogo católico, mas, como tal, MSA – Muitos grupos demonizaram mília. Por outro lado, exagerando na primazia devo também me ocupar com a libertação do a Teologia da Libertação, mas que bado pobre, a Teologia da Libertação concreta pobre. Essa é uma parte integrante de toda lanço o senhor faria de tudo o que foi levou muitos militantes a se descuidarem da teologia cristã, mas não parte principal e, produzido e dos efeitos que ela teve fé e saírem da Igreja. Isso foi uma pena, pois menos ainda, única. Talvez no passado fosse para a caminhada da Igreja no Brasil? temos muitos militantes na sociedade. O que necessário falar em Teologia da Libertação Frei Clodovis – A Teologia da Libertação falta são militantes assumidamente cristãos, como teologia à parte, mas agora essa concreta não pode nem ser aprovada como um que sejam fermento de fé na massa da vida situação está superada, porque o principal O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO Maio d e 2 0 1 3

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ENTREVISTA

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da Teologia da Libertação foi reconhecido e integrado na Igreja e na teologia. Agora é preciso voltar à integralidade da teologia, e falar simplesmente de “teologia”, sem acréscimos ambíguos. MSA – José Comblin assinou o artigo: “As estranhas acusações de Clodovis Boff”, no qual afirma que “Clodovis é muito mais severo do que a Sagrada Congregação para a Defesa da Fé, porque condena muitos de uma vez. [...] Quem vai sofrer com essas controvérsias são os pobres. Os teólogos têm comida garantida, casa garantida. Se são condenados, não vão sofrer muito. Quem vai sofrer serão os pobres na medida em que a Igreja se desinteressa deles por medo de cair numa heresia. [...] A centralidade dos pobres não compromete em nada a centralidade de Cristo. Pelo contrário, permite que se a entenda melhor”. O senhor concorda com ele? honestidade de um debate limpo, para cair todo passaram completamente ao largo dos Frei Clodovis – Eu não quis fazer acusano mero bate-boca ideológico. teólogos da libertação, possivelmente por ções pessoais contra ninguém, como acreditou MSA – O senhor fundou uma discicausa justamente de suas olheiras ideológicas. Comblin. Seria cair na falácia do argumentum plina de cunho social no Marianum, o MSA – Em duas de suas obras sobre o ad hominem (argumento que ataca a pessoa mais famoso centro de estudos mariométodo teológico, Teologia e prática: teoe não a ideia que está sendo discutida). Só lógicos em Roma. A “Mariologia Social” logia do político e suas mediações (1978) critiquei as falhas da Teologia da Libertação de tem ligação com a Teologia da Libertae Teoria do Método Teológico (1998), o modo puramente analítico-argumentativo, o ção? O que a figura de Maria tem a dizer senhor afirma a essencialidade da relaque é próprio de toda ciência argumentativa. nesse campo sociopolítico e econômico? ção fé-política e fé-prática. Há muitos Só ideólogos se sentem ofendidos com isso Frei Clodovis – Meu livro Mariologia socristãos que acham que uma dimensão e partem para a resposta do mesmo nível: a cial: o significado da Virgem para a sociedade nada tem a ver com a outra; outros têm desmoralização. ojeriza de ouvir um padre MSA – O senhor foi “acufalar em política. Como apresado” por Leonardo Boff de sentar essas duas dimensões A teologia possui hoje várias direções. recuar e de agir de forma indissociáveis? A principal é a recuperação de sua identidade mais magisterial que como Frei Clodovis – Dizer que um teólogo e, além disso, fé e política andam juntas é espiritual, que está na fé pessoal viva e sentida, de “fornecer às autoridades coisa primária e sujeita a mil não simplesmente em uma fé puramente doutrinária, equívocos. O correto é dizer que eclesiásticas locais e romamoral, ritual e, menos ainda, cultural nas as armas para condenáa fé cristã implica uma política -la [a Teologia da Libertajusta, pois a fé é fermento ção] novamente e, quem que tem de penetrar em tudo. sabe, bani-la definitivamente do espaço tem tudo a ver com a Teologia da Libertação. Mas fé não se reduz à política, nem trata a eclesial. Como as críticas devastadoras É a Teologia da Libertação aplicada à mariopolítica como a coisa mais importante, e, provêm de dentro, de um de seus mais logia. Podia levar perfeitamente o título de sim, a comunhão com Deus e o seguimento reconhecidos formuladores, elas podem “Mariologia da Libertação”, não fosse pelas de sua vontade. prestar-se a tal intento infeliz”. Como o ambiguidades com que o termo “libertação” MSA – Tem futuro, ou cabe ainda se fasenhor responde a isso? vem carregado, também por culpa dos teólar em uma teologia latino-americana, asFrei Clodovis – O mesmo vale para o logos. Há, porém, uma coisa: nesse livro, eu sim como se fala em uma teologia africana “argumento” de Leonardo Boff, quando aplico o método que julgo correto da Teologia ou asiática? Que pontos ela enfocaria? alega que, com minha crítica, forneço armas da Libertação, isto é, um método não ideolóFrei Clodovis – Cabe sempre falar em para a repressão do Vaticano contra a Teogico, ou seja, não redutivo nem invertido, um teologia regional ou contextual (latina, logia da Libertação. Não dá para responder método que guarda a prioridade à dimensão africana etc.), desde que dentro do horia esse tipo de argumento, pois escapa à sobrenatural da fé. Ora, esse livro e seu mézonte total da fé católica, como um acento O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO

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Mural da Catedral da Prelazia de São Félix do Araguaia, obra de Maximino Cerezo Barredo

que se destaca do conjunto da “doutrina da fé”. O erro é transformar a parte no todo, o que é tecnicamente uma “heresia”. MSA – Para onde caminha a teologia hoje? Frei Clodovis – A teologia possui hoje várias direções. A principal é a recuperação de sua identidade espiritual, que está na fé pessoal viva e sentida, não simplesmente em uma fé puramente doutrinária, moral, ritual e, menos ainda, cultural. Depois, temos toda a problemática social, que a teologia precisa sempre enfrentar, como a libertação dos pobres, o compromisso social de transformação, as culturas particulares ou etnias (negro, índio), a questão da mulher, a problemática da sexualidade, a família, a biotecnologia, a ecologia, o ecumenismo e o encontro entre as religiões. MSA – Por onde caminham suas reflexões atualmente? Frei Clodovis – De minha parte, estou elaborando uma reflexão orgânica sobre a “questão do sentido”: crise e busca de sentido, problemática que tem, por trás, o que se chama de “niilismo moderno”. Estou terminando um primeiro volume, crítico e analítico, um pouco espesso (cerca de 450-500 páginas), que, espero, sairá pela Editora Paulus antes do fim do ano. Tenho ainda na agulha dois outros volumes, dos quais já fiz uma primeira elaboração, sobre a mesma problemática, agora em uma ótica mais positiva e prática. Quando terminar

esse trabalho titânico, se Deus me der ainda tempo, cuidarei de elaborar o que penso estar em falta no mercado teológico hoje: um tratado completo de espiritualidade. MSA – Qual a importância da teologia para a Igreja e para a vida dos fiéis? É bom esse crescente interesse dos fiéis pela teologia? Frei Clodovis – A teologia, como reflexão da fé, é necessária hoje, quando a fé se torna uma coisa de convicção pessoal, não sendo mais garantida pela tradição. Também, em nível de Igreja, ela necessita de pessoas que pensem com seriedade nos desafios sociais e culturais à luz da fé da Igreja, também para evangelizar a cultura moderna e pós-moderna, a modo de fermento. MSA – Nós queríamos que o senhor nos mostrasse um panorama sobre a Igreja hoje, seus principais desafios e esperanças. Frei Clodovis – O principal problema da Igreja hoje (e nisso estou com Bento XVI) é a fé: crer, pessoal e eclesialmente, na pessoa viva de Jesus Cristo como o sentido pleno e definitivo da vida. Tudo o mais vem depois. Se falta a fé na Igreja, é como faltar

o cubo em uma roda. Em seguida, vem o problema da missão evangelizadora, tanto nas fronteiras do Oriente, como nas antigas cristandades amortecidas. Depois, vêm todos os outros problemas, especialmente os sociais: pobres, ecologia, mulher, vida, sexualidade etc. Há, finalmente, a questão das reformas internas ou institucionais da Igreja. Mas essas são apenas funcionais, a sua identidade espiritual e a sua missão religiosa. Colocá-las em primeiro lugar, como quer a imprensa laica e os cristãos “reformistas”, pretextando o Vaticano II, é pôr o carro à frente dos bois. MSA – Que análise o senhor faz do pontificado de Bento XVI e de sua renúncia? Frei Clodovis – Sobre Bento XVI, nós ainda não captamos toda sua mensagem da centralidade de Deus para o mundo e de Jesus Cristo para a Igreja. Nem um, nem a outra estiveram à altura de sua palavra. Isso significa que esse papa teólogo está adiante de nós todos por muitos anos ou mesmo décadas. Sua saída é absolutamente transparente: não há outro sentido que aquele que ele lhe deu: falta de vigor físico e moral para levar adiante, de modo adequado, seu ministério petrino. O resto é pura especulação, se não fofoca jornalística, que se compraz nas intrigas e nos escândalos. MSA – E o que podemos esperar do novo papa jesuíta e de nome Francisco? Frei Clodovis – Sobre o papa Francisco, impressiona-me a informalidade com que exerce seu ministério papal, fruto de sua simplicidade, estilo austero de vida, amor aos pobres e forte espírito religioso. Dá gosto ver um pontífice que se liberta de todo o protocolo secular que engessava a pessoa e a atuação papais. Parece um grande pároco, afável, acessível, diria quase um irmão mais velho. Antes de vir entre nós fisicamente, ele já se aproximou dos corações de todos, que passaram logo a admirá-lo e a amá-lo. A Redação

* Frei Clodovis Boff é catarinense, doutor em Teologia de Reconhecimento Internacional e membro da Ordem dos Servos de Maria, OSM. Atualmente leciona na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), em Curitiba, e desenvolve trabalhos de pesquisa nas áreas de teologia e evangelização. Publicou inúmeros livros, entre os quais se destacam: Como fazer Teologia da Libertação (em coautoria com Leonardo Boff); Escatologia: breve tratado teológico-pastoral; Introdução à Mariologia; Mariologia social: o significado da Virgem para a sociedade; Meditação: como fazer? O método da “ruminação”; O cotidiano de Maria de Nazaré; Teologia pé no chão; Teoria do Método Teológico.

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OS DOIS LIVROS DE DEUS

O PAPA FRANCISCO RECORDA NOSSA RESPONSABILIDADE PARA COM A

CRIAÇÃO

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ois anos atrás, escrevi neste nosso espaço sobre a responsabilidade dos cristãos para com o meio ambiente (em 2011, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil [CNBB] havia escolhido justamente esse tema para a Campanha da Fraternidade). Por que, então, retomar o assunto? Há vários motivos, e um deles é a simples necessidade de repetir certas coisas depois de algum tempo, porque temos uma tendência natural a esquecer. Mas quem me anima a falar novamente da questão ambiental é o O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO

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papa Francisco (1936-). Vocês repararam quantas vezes ele citou o tema em seus primeiros dias de pontificado? Só na homilia da missa inaugural de seu pontificado, foram várias menções: ao falar de como podemos imitar São José (a missa ocorreu em 19 de março, dia da festa do santo, padroeiro da Igreja) na tarefa de guardiões, ele disse: “[...] a vocação de guardião não diz respeito apenas a nós, cristãos, mas tem uma dimensão antecedente, que é simplesmente humana e diz respeito a todos: é a de guardar a criação inteira, a beleza da

criação, como se diz no livro do Gênesis e nos mostrou São Francisco de Assis (1182-1226): é ter respeito por toda a criatura de Deus e pelo ambiente onde vivemos”. Depois, acrescentou: “[...] quando o homem falha nesta responsabilidade, quando não cuidamos da criação e dos irmãos, então encontra lugar a destruição e o coração fica ressequido”. Também pediu “[...] a quantos ocupam cargos de responsabilidade em âmbito econômico, político ou social, a todos os homens e mulheres de boa vontade: sejamos ‘guardiões’ da criação,


“NÃO PODE HAVER VERDADEIRA PAZ, SE CADA UM É A MEDIDA DE SI MESMO, SE CADA UM PODE REIVINDICAR SEMPRE E SÓ OS DIREITOS PRÓPRIOS, SEM SE IMPORTAR AO MESMO TEMPO DO BEM DOS OUTROS, DO BEM DE TODOS, A COMEÇAR DA NATUREZA COMUM A TODOS OS SERES HUMANOS NESTA TERRA”

pela devastação ambiental. Nos anos 60 do século passado, divulgou-se uma tese segundo a qual, como o cristianismo, o judaísmo e o islamismo tinham uma concepção linear da história, com começo, meio e fim, nós não precisaríamos cuidar do planeta porque, afinal, um dia ele vai acabar mesmo... Enquanto isso, as religiões pagãs eram cíclicas, priorizando o calendário de eventos que se sucediam ano após ano, especialmente em relação à agricultura, por isso eram mais conscientes de que as pessoas deviam cuidar do meio ambiente porque dele extraíam seu

sustento. Pelo menos no que diz respeito ao cristianismo, essa tese é totalmente falsa. O próprio relato da criação diz que Deus colocou o homem no jardim do Éden “para cultivá-lo e guardá-lo”, e não para usá-lo irresponsavelmente. Nisso a ciência é nossa grande parceira. Ela não apenas nos ajuda a entender o que está acontecendo com o mundo, como também busca meios de reduzir o impacto que temos sobre o planeta e até de reverter o estrago que já fizemos (muitas vezes, inconscientemente) no passado. Ainda que haja controvérsias sobre temas como o impacto do ser humano nas recentes mudanças climáticas, isso não nos dá o direito de agir de forma inconsequente com o mundo que Deus nos deu. Hoje a consciência ambiental entre os cristãos está crescendo, e até já existem grupos, como o protestante A Rocha, que têm como “carisma” específico as ações de preservação do meio ambiente, e para isso contam também com a valiosa ajuda de cientistas. A preocupação ambiental não é uma novidade do papa Francisco: antes dele, João Paulo II (1920-2005) e Bento XVI (1927-) também trataram do tema em várias ocasiões, principalmente em mensagens para o Dia Mundial da Paz, comemorado anualmente em 1o de janeiro. O agora papa emérito, no entanto, faz um alerta para o perigo de “absolutizar a natureza ou de considerá-la mais importante do que a pessoa”. O ambiente não é um fim em si mesmo; em primeiro lugar, vem a pessoa humana, e o papa Francisco, sempre que fala do cuidado com a criação, não deixa de ressaltar a necessidade principal da atenção ao ser humano. Que todos sejamos capazes de não perder isso de vista, mas também de não fechar nossos ouvidos a avisos e conselhos dados pelos cientistas, para que possamos cumprir os desígnios divinos em nosso papel de guardiões da criação. Marcio A. Campos Jornalista e editor da Gazeta do Povo, Curitiba - PR www.gazetadopovo.com.br/ blog/tubodeensaio

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do desígnio de Deus inscrito na natureza, guardiões do outro, do ambiente; não deixemos que sinais de destruição e morte acompanhem o caminho deste nosso mundo!” E finalizou: “Guardar a criação, cada homem e cada mulher, com um olhar de ternura e amor, é abrir o horizonte da esperança, é abrir um rasgo de luz no meio de tantas nuvens, é levar o calor da esperança!” No dia seguinte, falando aos representantes das outras comunidades cristãs e de outras religiões, voltou ao assunto: “A Igreja Católica [...] está ciente da responsabilidade que grava sobre todos nós relativamente a este nosso mundo e à criação inteira, que devemos amar e guardar.” Ainda falou de “[...] todos aqueles homens e mulheres que, embora não se reconhecendo filiados a nenhuma tradição religiosa, [...] são nossos preciosos aliados nos esforços por defender a dignidade do homem, na construção duma convivência pacífica entre os povos e na guarda cuidadosa da criação”. Dois dias depois, no encontro com os representantes diplomáticos das outras nações junto à Santa Sé, afirmou: “Não pode haver verdadeira paz, se cada um é a medida de si mesmo, se cada um pode reivindicar sempre e só os direitos próprios, sem se importar ao mesmo tempo do bem dos outros, do bem de todos, a começar da natureza comum a todos os seres humanos nesta terra”. Ainda, ao falar de São Francisco de Assis, inspiração do nome papal que escolheu, lembrou que o santo “[...] ensina-nos um respeito profundo por toda a criação, ensina-nos a guardar este nosso meio ambiente, que muitas vezes não usamos para o bem, mas desfrutamos com avidez e prejudicando um ao outro”. Aliás, o papa já havia falado de São Francisco em sua audiência aos jornalistas, pouco depois de sua eleição, dizendo: “Para mim, é o homem da pobreza, o homem da paz, o homem que ama e preserva a criação; neste tempo, também a nossa relação com a criação não é muito boa, pois não?” Tudo isso serve para reforçar o compromisso que nós temos com o meio ambiente. As religiões monoteístas chegaram a ser acusadas de desleixo para com o meio ambiente, de serem as responsáveis

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A IGREJA NA HISTÓRIA

Domingos sangrentos na história dos O

cristãos

tema que vamos tratar no artigo deste mês quer nos conduzir até o final do século XVI e também, de alguma forma, levar-nos ao XVII. Ao longo dos 1500, assistimos às reformas protestantes, à reforma e renovação católica, ao Concílio de Trento (1545-1563); por fim, abrimos este capítulo vergonhoso e triste que, infelizmente, não terminou com o século XVI. Estamos falando de batalhas e confrontos sangrentos entre católicos e protestantes (de diversas denominações) com mortes

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Maio Maio de de 2013 2013


Não posso acreditar nas notícias de hoje Não posso fechar os olhos e fazê-las desaparecer Quanto tempo, quanto tempo teremos de cantar esta canção? Quanto tempo, quanto tempo? Porque esta noite Podemos ser como um, essa noite. Garrafas quebradas sob os pés das crianças Corpos espalhados num beco sem saída. Mas eu não vou atender ao apelo da batalha Isso coloca minhas costas, coloca minhas costas contra a parede. Domingo, sangrento domingo! [...] E é verdade que somos imunes Quando o fato é ficção e a realidade da TV. E hoje milhões choram Comemos e bebemos enquanto eles morrem amanhã. A batalha real apenas começou Para reivindicar a vitória de Jesus. Domingo, sangrento domingo!

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Uma manhã nos portões do Louvre, Édouard Debat-Ponsan

recíprocas, tudo em nome de Jesus Cristo, o “príncipe da paz”. Em 1983, a banda de rock irlandesa U2 compôs uma música para lamentar os atos de violência física entre católicos e protestantes no país, com derramamento de sangue, inclusive de crianças inocentes. A canção faz referência a um massacre ocorrido em 1972, na Irlanda do Norte, em um confronto entre manifestantes católicos e protestantes e soldados britânicos. O massacre ficou conhecido como Domingo Sangrento (em inglês, Bloody Sunday). A canção de mesmo nome, Sunday Bloody Sunday, pode nos ajudar a meditar e a purificar nossa memória, fazendo que jamais aceitemos esse tipo de violência novamente. A seguir, estão algumas das estrofes:


A IGREJA NA HISTÓRIA A EUROPA CRISTÃ DIVIDIDA PELOS FANATISMOS: IRMÃOS TORNADOS INIMIGOS

espanhol foram aniquilados nos espetáculos conhecidos como “autos de fé”. O mesmo não ocorreu com os calvinistas que habitavam outras terras de domínio espaVoltemos às últimas décadas do século nhol, como os Países Baixos, onde também XVI, para sondar as origens dessa onda houve em grau menor perseguições e de violências. Em 1563, terminava o Conmortes. Na verdade, essa foi sua maior cílio de Trento e, um ano depois, morria derrota, pois os Países Baixos, começando João Calvino (1509-1564), fundador do do norte, tornaram-se inteiramente calvicalvinismo; com isso, é possível observarnistas e declararam-se independentes da -se em ambos os lados um acirramento Espanha. Outra vitória, porém, rendeu a de posições. Tal endurecimento unido Filipe II glórias por toda cristandade: a da a interesses particulares, mais intranBatalha de Lepanto (1571), que impediu sigências e fanatisa invasão dos turcos mos, multiplicaram (muçulmanos), pela [...] Não podemos deixar de carnificinas atrozes. Europa Oriental. Ali, Duas razões principais a marinha espanhola reconhecer as infidelidades podem ser elencadas: afundou cerca de treao Evangelho, nas quais inrazões religiosas, que, zentas embarcações correram alguns dos nossos na forma de interdo sultão Selim II irmãos, especialmente duranpretar a Revelação (1524-1574). te o segundo milênio. Pedimos de Jesus Cristo, não perdão pelas divisões que surabriam espaço para A FRANÇA E A acomodações, liberda“NOITE DE SÃO giram entre os cristãos, pelo de de interpretações e BARTOLOMEU” uso da violência que alguns conciliações; e razões deles fizeram no serviço à políticas, como lutas e A França estava verdade, e pelas atitudes de manobras para manuvivendo uma forte insdesconfiança e de hostilidade tenção do poder e de tabilidade política no às vezes assumidas em relaterritórios, que quase período de regência se viram cindidos por de Catarina de Médici ção aos seguidores de outras grupos de profissões (1519-1589), até que religiões. Pela parte que cada de fé diferentes. seu filho Carlos IX um de nós, com seus compor (1550-1574) completamentos, teve nestes males, A ESPANHA E tasse a maioridade contribuindo para deturpar A BATALHA DE para governar, pois o rosto da Igreja, pedimos LEPANTO muitas pessoas estavam de olho na cohumildemente perdão A Espanha de Filiroa. Nem a Espanha pe II (1527-1598) foi de Filipe II derramou um exemplar da confusão entre poder tanto sangue e viu tantas traições e emtemporal e fé religiosa. Ele era senhor de boscadas como a França. Ali as duas Igrejas muitas terras: Espanha, Milão, Nápoles, organizavam-se em clãs, em dois partidos Sicília, Sardenha, Artois, Países Baixos e se antagônicos. Foram 36 anos de revoltas tornou até rei de Portugal, sem contar as e assassínios por todos os lados. Do lado terras ultramarinas da África, da América e de Carlos IX, estavam os católicos, que da Ásia. Como rei catolicíssimo, julgou ser formaram a Liga (aí estavam também os seu dever defender dos hereges as terras Guise, poderosa família ducal que queria dominadas por ele e, consequentemente, o poder); do lado dos calvinistas, estavam de possíveis levantes e divisões. Seu furor Henrique de Navarra (futuro Henrique IV, foi implacável e a Inquisição foi um ins1553-1610), o príncipe de Condé (1588trumento valioso em suas mãos. Fato é -1646) e Gaspar de Coligny (1519-1572). que qualquer inimigo do rei facilmente O drama teve início em 1562, em era visto como inimigo da fé! Os poucos Vassy. Posteriormente, em Champagne, 28 protestantes que havia no território protestantes foram mortos e cem fugiram O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO

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feridos; em Tours, duzentos calvinistas foram afogados. Em Sens, huguenotes e católicos mataram-se; espontaneamente explodiram selvagerias em diversos recantos do país. Para melhorar o clima no reino, Catarina planejou o casamento de sua filha Margot (1553-1615), católica, com Henrique de Navarra, calvinista, o que aconteceu, de fato, em agosto de 1572. A maioria católica não viu com bons olhos tal atuação da rainha-mãe e o chefe militar da facção protestante, Gaspar de Coligny, sofreu um atentado. Os protestantes ganharam força com o casamento, e a rainha começou a temer pelo trono. Foi assim que ela convenceu Carlos IX a realizar a mais cruel de todas as carnificinas, a terrível Noite de São Bartolomeu. Durante a madrugada de 24 de agosto daquele ano, festa do apóstolo, o exército do rei, chefiado por Guise, lançou-se contra os chefes protestantes, matando-os em seus leitos. A ideia era matar somente os líderes, mas o povo, enlouquecido, entrou no jogo e começou a matar descontroladamente por todos os cantos. Tal “cruzada” durou mais de três dias, banhando o reino de sangue. Coligny foi morto, mas Condé e Navarra foram levados ao rei. Carlos IX morreu ainda jovem, sendo sucedido por seu irmão, Henrique III (1574-1589), que estava na Polônia. Os protestantes foram se reorganizando e formaram uma liga, a União Calvinista, no sul da França, cujo cabeça era Henrique de Navarra. Surgiu também um terceiro partido, que desejava a reconciliação da França pela paz. Foram tempos de terríveis guerras civis, influências estrangeiras e de tentativas de conciliações e de negociações (frustradas) de paz. Em 1585, instaurou-se um novo período de guerra. Henrique III viu a popularidade de Guise crescer perante a Liga Católica e o atraiçoou. Quatro anos depois, um jacobino católico, temendo a aproximação de Henrique III e de Henrique de Navarra (sucessor legítimo do trono), matou o rei com uma facada. Posteriormente, subiu ao trono Henrique IV, um calvinista, que, curiosamente, manifestou a intenção de se tornar católico. Reuniu teólogos e bispos que lhe explicaram a fé católica e o monarca fez sua profissão de fé. Ele


OS PAÍSES BAIXOS, A ESCÓCIA E A INGLATERRA: VITÓRIAS PROTESTANTES Por meio da conversão das classes operárias e da burguesia, os calvinistas conseguiram se desvencilhar do domínio espanhol de Filipe II e erigir uma nação soberana e livre nos Países Baixos, a partir das províncias do norte. Na Escócia, John Knox (1514-1572), o enérgico e agitador de multidões, foi o pivô da vitória protestante. Ele escrevia aos seus, ainda exilado em Genebra, para que se apoderassem dos bens eclesiásticos, e, aos burgueses, desmoralizava o clero, chamando-os de “ladrões, assassinos, corruptores de meninas e esposas, adúlteros e, para resumir tudo em uma só palavra, gente abominável”1. A Igreja que ele fundou, baseando-se nas ideias de Calvino, chamou-se Igreja Presbiteriana, uma comunidade sem hierarquia, cujos dirigentes eram democraticamente eleitos; impôs sobre eles um rígido regime moralizante. Maria Stuart (1542-1587), a rainha católica, pouco ou nada pôde fazer para reverter a situação, até porque viu seu nome envolvido em escândalos, traições e

assassinatos, dos quais não se sabe ao certo se teve ou não culpa. Na Inglaterra de Elizabeth I (1533-1603), “a grande dama do protestantismo”, triunfou o anglicanismo. Ela fez perecer católicos que não quiseram subtrair-se à autoridade papal; dessa época, são os mártires João Fischer (1469-1535) e Thomas Morus (1478-1535), o autor de Utopia. Ela também perseguiu calvinistas e prendeu presbiterianos, que queriam uma igreja sem hierarquia. AVALIAÇÃO Poderíamos simplesmente nos justificar diante de todas essas atrocidades cometidas e recebidas fazendo recair a culpa sobre uma das partes, ou dizendo que isso fazia parte do espírito da época, quando não se tinha bem desenvolvida a noção de tolerância, ou ainda que muito do que aconteceu foi por causa da questão de poder e de ambição pela coroa e o trono real (o que é verdade!). Mas é verdade também que surgiram alguns poucos espíritos lúcidos na época, tanto do lado católico quanto do protestante, e esses homens foram execrados, ou ao menos ignorados pelos líderes revoltosos. Assim, houve Sébastien Castellion (1515-1563), calvinista, que escreveu um tratado para provar que nas Escrituras não há sequer uma passagem que justifique o suplício dos hereges, e São Thomas Morus, que defendeu o direito de todo homem poder

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DANIEL-ROPS, Henri. A Igreja da renascença e da reforma: a reforma católica. Tradução de Emérico da Gama. São Paulo: Quadrante, 1999. p. 211. v. 2. 2 CASTELLÓN, in: DANIEL-ROPS, Henri, op. cit., p. 166. 1

José Tarcísio de Castro

Arquivo pessoal

A pregação de Knox ante os senhores da Congregação, autor desconhecido

recebeu a absolvição da apostasia e, tempos depois, foi aceito pelo papa. Após receber a sagração, conseguiu, finalmente, unificar o reino e pôr fim às guerras de religião.

confessar a religião de sua preferência. Vale citar também nomes como Erasmo de Rotterdam (1466-1536), François Rabelais (1494-1553) e Michel de Montaigne (1533-1592), que tentaram fazer ver às autoridades o quão irracional e pouco cristão era matar em nome de Jesus Cristo: “Não provamos a nossa fé queimando hereges, mas morrendo por ela”2. Como cristãos honestos, resta-nos, por fim, seguir o mea culpa, que fez o papa João Paulo II (1920-2005), por ocasião do Grande Jubileu do Ano 2000, quando disse, diante do crucifixo: “Com efeito, ‘por causa daquele vínculo que nos une uns aos outros dentro do corpo místico, todos nós, embora não tendo responsabilidade pessoal por isso e sem nos substituirmos ao juízo de Deus (o único que conhece os corações), carregamos o peso dos erros e culpas de quem nos precedeu’. Reconhecer os desvios do passado serve para despertar as nossas consciências diante dos compromissos do presente, abrindo a cada um o caminho da conversão. Perdoemos e peçamos perdão! Não podemos deixar de reconhecer as infidelidades ao Evangelho, nas quais incorreram alguns dos nossos irmãos, especialmente durante o segundo milênio. Pedimos perdão pelas divisões que surgiram entre os cristãos, pelo uso da violência que alguns deles fizeram no serviço à verdade, e pelas atitudes de desconfiança e de hostilidade às vezes assumidas em relação aos seguidores de outras religiões. Pela parte que cada um de nós, com seus comportamentos, teve nestes males, contribuindo para deturpar o rosto da Igreja, pedimos humildemente perdão.”

Bacharel em Teologia Pastoral

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COM A PALAVRA PE. ZEZINHO

Flickr

Quando o amador rouba a cena

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nas missas abusam do volume. Outra reclamação muito comum é contra os cantores que escolhem músicas de difícil aprendizado, ou aparecem tanto que não sobra para a assembleia. É exibicionismo. Pior ainda, quando, sem perguntar ao celebrante e sem oferecer previamente a canção para análise, o líder do grupo apresenta sua nova canção no momento da Ação de Graças. Como explicar que não é vaidade? Se ao menos tivesse mostrado a canção antes ao presidente da assembleia… Não! O rapaz ou a moça exibe-se à custa da celebração. Canção para ser cantada na missa tem de ser previamente analisada. Não me admira que, em uma paróquia de São Paulo, o padre tenha sido surpreendido com esta canção de Ação de Graças: Nesse dia florido demais Vou cantar o meu canto de paz Que é um canto que nos satisfaz E que deixa o pecado pra trás.

Adorarei-te e te louvarei-te (sic) Porque vossa bondade me faz feliz E nesta comunhão oferecerei meu pão Para uma consagração Que ajudará a nossa salvação. Autêntico “samba do crioulo doido”, digno de um Stanislau Ponte Preta (pseudônimo de Sérgio Porto, 1923-1968, escritor, cronista, radialista e compositor brasileiro), que em uma canção nos anos 1970 ironizou os compositores que não diziam coisa com coisa. Mais de dez erros e imprecisões em apenas nove linhas de canção não corrigida. O leigo roubou a cena e o celebrante foi surpreendido com uma canção que não tinha quase nada de liturgia. Errou a hora e o foco.

Pe. Zezinho, SCJ

Arquivo pessoal

S

e é verdade que ainda há padres que roubam a cena, aparecendo demais enquanto cantam, também é verdade que, em algumas liturgias, há leigos que roubam a cena, “abafando” a celebração e os demais participantes. É o caso do cantor que aparece demais, ou do músico que toca forte obrigando os outros a também tocarem forte. A liturgia perde a leveza. Mais parece show de pop rock do que missa. No caso do padre, há despreparo e amadorismo, apesar dos anos de estudo; no caso do leigo, ocorre a mesma deficiência. Guitarristas, cantores, tecladistas e bateristas que se entusiasmam e transformam seu serviço em exibição perdem de vista o essencial da liturgia, que é levar a orar e elevar. A canção litúrgica existe para elevar as almas, não o volume dos instrumentos. A queixa generalizada é de que as bandas e os grupos que tocam

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C E R TA S P A L A V R A S

A essência da vida

uando observamos a nós mesmos e a história da humanidade, algo nos chama a atenção imediatamente: a presença contínua de sofrimento, de desespero, em um cenário de desolação e de ódio, onde parece que tudo desmorona e a morte sempre está presente. Propostas de uma vida feliz com “liberdade, igualdade e fraternidade” têm-se mostrado sombrias e enganadoras. Hoje, muitos vivem desorientados e assaltados por milhares de alternativas oferecidas pela cultura consumista, para a qual “ser feliz é possuir coisas”; por uma cultura politeísta, em que cada um escolhe ou cria o próprio deus, seu gênio ou protetor, sua pedra da sorte, sua fada madrinha, seu ídolo projetado para representar-lhe com seus medos e inseguranças, ou ainda pela cultura do “aproveite o agora”, para alienar-se dos problemas, fugir da dor, refugiar-se nos prazeres e em todo tipo de satisfação material ou emocional. Em meio a essa situação, constata-se um grito de angústia diante das consequências da sociedade chamada “pós-moderna”, ou mesmo com difícil classificação por causa da ampla e variada condição de incertezas, de vazio e de solidão.

Quando se inaugurou a mudança de época em que se previa uma sociedade livre e feliz sem qualquer orientação que não fossem os próprios interesses e a “ciência”, não se previram as consequências a que hoje assistimos. O sacrifício da dimensão transcendente e espiritual do ser humano, com a expulsão de Deus da vida e do mundo em nome de um equivocado conceito de liberdade e de felicidade, levou à criação de substitutivos ilusórios danosos e danificadores que atingem pessoas, famílias e comunidades, a sociedade em todas as suas ações (política, cultural, moral, educativa, artística e, por incrível que possa parecer, religiosa). Nega-se Deus e criam-se deuses por vezes colocando o próprio vazio expresso em ambição pelo poder, a ganância do ter, a escravidão do prazer em lugar de Deus mesmo. Daí surgem até “religiões e igrejas” que exploram e levam ao vazio, usando em vão Seu nome, em vez de favorecerem a descoberta da vida, do amor, da beleza, do bem. São novas formas de escravidão que geram comportamentos escravizadores.

Porém, um novo elemento aponta uma nova direção. O ser humano, em sua essência, é alguém projetado para ser comunhão, ser amor. Há um ponto alfa do despontar da vida na própria existência do ser humano. Também há um ponto ômega, um apelo de eternidade (no sentido mais amplo da palavra), que estabelece um modo de ser do tempo e do espaço e o início de outro paradigma que constrói um elo entre os seres, as coisas, os acontecimentos. Podemos descobrir que, na origem de tudo, está o amor. Só ele faz descobrir Deus, o sentido da vida, o valor da existência. Quando se descobre essa novidade “tão antiga e sempre tão nova”, tudo muda em nossa vida. E Deus revela-se amor não apesar da situação caótica e desoladora da vida, mas justamente nessa situação. Essa pode ser a nossa grandecíssima descoberta, aquela que pode mudar tudo e fazer novas todas as coisas. O fato de o amor ser a essência das coisas faz que a vida seja fruto do amor em todas as circunstâncias.

L’Osservatore Romano

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O mais importante na vida é viver com a alma, com o coração

Comunicador e educador josealem@bol.com.br

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Arquivo pessoal

Pe. José Alem, CMF


Abobrinha à provençal

Torta de biscoito

INGREDIENTES – LICOR CREMOSO • 150 ml de vodca • 1 lata de creme de leite • 1 lata de licor de chocolate (300 ml) • 1 lata de leite condensado • 50 g de chocolate ao leite derretido INGREDIENTES – CREME DE CHOCOLATE MEIO AMARGO • 200 g de chocolate meio amargo derretido • ½ xícara (chá) de licor cremoso

INGREDIENTES – CREME DE CHOCOLATE BRANCO • 200 g de chocolate branco derretido • ½ xícara (chá) de licor cremoso • 2 pacotes de biscoitos recheados quadrados, separados ao meio (uma parte com recheio e outra sem recheio) MODO DE PREPARO – LICOR CREMOSO Em um liquidificador, ponha a vodca, o creme de leite, o licor de chocolate, o leite condensado, o chocolate ao leite derretido e bata bem, até formar uma mistura homogênea. Reserve. MODO DE PREPARO – CREME DE CHOCOLATE MEIO AMARGO Em uma tigela, ponha o chocolate meio amargo derretido e o licor cremoso (reservado anteriormente). Misture bem, mexendo alternadamente para esfriar e endurecer mais rápido. Reserve.

Colaboração: Monica Chin, São Caetano do Sul (SP)

INGREDIENTES – FINALIZAÇÃO • 1½ colher (sopa) de raspas de limão-siciliano • ½ colher (chá) de pimenta-do-reino moída na hora

MODO DE PREPARO Aqueça bem uma chapa ou frigideira para grelhar os legumes. Estes devem ser grelhados separadamente, borrifando apenas um pouco de óleo na chapa quente antes de grelhar cada um deles. A ordem para grelhar é a seguinte: tomates-cereja, pimentões e abobrinha. Reserve. Em uma panela de fundo largo, faça o refogado com o azeite, o alho, o sal, o manjericão, a salsinha, a ciboulette e a erva-doce. Refoque rapidamente e, em seguida, acrescente o pimentão e a abobrinha já grelhados. Refogue mais um pouco. Desligue o fogo e acrescente os tomates grelhados. Misture delicadamente. Sirva finalizado com as raspas de limão e a pimenta-do-reino.

MODO DE PREPARO – CREME DE CHOCOLATE BRANCO Em outra tigela, ponha o chocolate branco derretido e o licor cremoso (reservado anteriormente). Misture bem, mexendo alternadamente para esfriar e endurecer mais rápido. Reserve. MONTAGEM Forre o fundo de um prato com os biscoitos sem recheio. Na lateral, ponha os biscoitos com recheio virados para dentro do aro, formando uma caixinha. Despeje o creme de chocolate meio amargo sobre o retângulo de biscoitos e alise a superfície. Faça uma camada com mais 12 metades dos biscoitos sem recheio, despeje o creme de chocolate branco e cubra a torta com 12 metades dos biscoitos com recheio viradas para baixo. Leve para a geladeira por pelo menos 4 horas ou até o recheio ficar firme. O M E NN SSAAGGEEIIRROO DDEE SSAANNT TOO AANNT TÔ ÔN NI OI O Maio ddee 22001133 Maio

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Colaboração: Cleonice Rosseto, Guaíra (PR)

INGREDIENTES – MOLHO DE QUEIJO • 1,5 kg de abobrinha italiana cortada em rodelas chanfradas de 1 cm de espessura • 120 g de pimentão-vermelho em cubos • 120 g de pimentão-amarelo em cubos • 120 g de pimentão-verde em cubos • 750 g de tomates-cereja inteiros

INGREDIENTES – REFOGADO • ¼ de xícara (chá) de azeite • 2 colheres (sopa) de alho picado • 1 ½ colher (sopa) de sal • ½ xícara (chá) de manjericão-roxo picado grosseiramente • ½ xícara (chá) de salsinha picada grosseiramente • ½ xícara (chá) de ciboulette picada • ½ xícara (chá) de rama de erva-doce picada grosseiramente


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Arquivo pessoal

Monique Pereira ilustradora

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E S PA Ç O D O L E I TO R Um espaço para opiniões, sugestões, críticas ou poemas. Vale citar que os textos poderão ser enviados por carta, e-mail ou publicados no Facebook.

E

m minha modesta opinião, a revista O Mensageiro de Santo Antônio é benfeita, edificante e corajosa. As denúncias sobre o lamaçal de injustiças e de tantos outros males, apresentadas na reportagem “Um grito na cidade do silêncio” (edição de março), constrangem-nos, fazendo-nos corar de vergonha e de revolta pela impunidade dos culpados. Que Deus proteja as pessoas que lutam por um mundo melhor e mais humano!

IN MEMORIAM

G

Aparecida Costa (via carta)

O PÃO NOSSO DE CADA DIA seu subsídio litúrgico diário

• Leituras e orações para as missas de cada dia • Meditação de uma página ao Evangelho do dia • Santos e datas comemorativas de cada dia • Rito da missa com vários Prefácios e Cânons • Breve texto para formação litúrgica mensal • Cantos próprios para a liturgia do mês • Glossário das palavras ‘desconhecidas’ do mês

Faça sua assinatura! Rua Itamarati, 179 - Jd. Itamarati CEP 86990-000 Marialva - PR Fone: (44) 3015-3033 revistapaonosso@hotmail.com www.opaonossodecadadia.com.br

Assinatura anual R$ 55,00. Pode ser enviado cheque nominal cruzado (em nome de Assoc. Antoniana F. M. Conventuais). Preencha o cupom indicando a finalidade ou entre em contato com nossa central de atendimento ( 0800 825 8252

SORTEADOS DO MÊS DE FEVEREIRO DE 2013

Assinatura nova

RENOVAÇÃO DE ASSINATURA • Maria Célia Ribeiro (Mogi Guaçu – SP)

Assinatura Presente

Renovação

Donativo

Pedido boleto

Mudança de Endereço

Nome ___________________________________________ End _____________________________________________ Bairro_________________________CEP_________-______ Telefone _____________________________Estado________ Cidade ___________________________________________

O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO

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talino Silvio Gasperin, de Bento Gonçalves (RS), falecido aos 83 anos. Foi um grande batalhador. Seu jeito de viver era simples, porém capaz de cativar a todos. Partiu para a morada do Pai na certeza de que quem permanece unido na videira produz muitos frutos, que vão permanecer entre seus familiares e amigos.

A S S I N A T U R A

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Imagem de Santo Antônio, Artesanato Costa

GANHADORES DO SORTEIO

Parabéns às ganhadoras!

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AUTOR Pe. Antonio José de Almeida

Imagem de Santo Antônio e o livro Mensagens de Santo Antônio

ASSINATURA NOVA • Thalita Cavalcante do Nascimento (Porto Velho – RO)

entila Luiza Ruaro Viezzer (Nona), falecida aos 98 anos, em Toledo (RS). Tornou-se conhecida por sua fé, coragem, caridade e engajamento em obras religiosas e sociais da cidade. Era leitora e divulgadora assídua de O Mensageiro de Santo Antônio. Viúva de Ernesto Viezzer, deixou filhos, genros e noras, netos, bisnetos e trinetas. E muita saudade...

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Recorte este cupom e envie para: O Mensageiro de Santo Antônio Caixa Postal 200 CEP 09015-970 Santo André - SP No caso de mudança de endereço, anote e envie também os dados da etiqueta com seu endereço antigo.

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“Sai da tua terra, do meio de teus parentes, da casa de teu pai, e vai para a terra que eu vou te mostrar” (Gn 12,1) Jovem, o Senhor te chama! www.tendafranciscana.org.br FREI JOSEMAR BERTES Rua América do Sul, 235 Parque Novo Oratório CEP 09270-410 Santo André - SP Tel.: (11) 99996-1505 jbertes@gmail.com

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FREI DONIL Rua Caetano Martins, 42 CEP 20251-020 Rio de Janeiro - RJ Tel.: (21) 2273-6294 convieira@hotmail.com

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